COISAS QUE VI - 53748h.ha.azioncdn.net · No admirável ensaio “A doença como metáfora”, a...
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2017
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Aos meus mestres, que me capacitaram para o
ofício médico. À minha família, por seu amor e
incentivo incondicionais. E, finalmente, aos meus
pacientes e seus acompanhantes, ricas fontes de
inspiração e aprendizado.
Prefácio
O autor deste livro, o médico Marcos André, é a prova viva
de que a Bahia tem realmente um “jeito diferente”, como diz
Caetano em uma de suas canções. Marcos André é um baiano
que trouxe a família para viver na cidade mais espinhosa da
América Latina, São Paulo, e que elegeu, entre todas as espe-
cialidades oferecidas pela medicina, talvez a mais estressante e
desafiadora: a oncologia.
O oncologista, em uma definição prosaica e redutora, como
todas as definições, é aquele ser de avental branco incumbido
de dizer a um novo paciente, seja homem, mulher, idoso ou
jovem: “Você está com câncer.” A maioria dos que escutam a
frase entra em choque. A reação mais comum é: “O chão me
faltou”. Para o oncologista, no entanto, que tem a obrigação de
comunicar o diagnóstico, aquele momento representa um pon-
to de partida, ou o começo de uma relação em que precisará
convencer um paciente, assustado e aturdido, de que há alter-
nativas para enfrentar uma doença ainda percebida, muito fre-
quentemente, como sentença de morte.
O que vou dizer a seguir não faz de mim um otimista incurá-
vel (com o perdão da ironia). Não há dúvida que o câncer é uma
enfermidade muito grave, talvez a mais grave de todas. No en-
tanto, com os avanços formidáveis da pesquisa científica, con-
jugados a investimentos bilionários da indústria farmacêutica,
deram-se passos efetivos no controle da moléstia. Para muitos,
talvez a maioria, ainda não há uma cura completa à vista, mas
as novas drogas, juntamente com a assistência contínua hoje
oferecida aos pacientes em centros hospitalares especializados
em oncologia, podem lhes garantir uma vida normal ou relati-
vamente normal por bastante tempo. Marcos André enfatiza
esse ponto em seu livro, defendendo uma abordagem racional
da enfermidade, acrescida de um esforço de humanização na
interação médico-paciente.
No admirável ensaio “A doença como metáfora”, a escri-
tora e ativista americana Susan Sontag, que foi diagnostica-
da com um câncer agressivo de mama em 1975 e morreu em
2004, procurou “desmistificar” a doença, expurgando-a de sua
carga figurada altamente negativa. Sontag aponta os estig-
mas relacionados ao câncer, favorecidos pelo próprio nome
da enfermidade, do grego karkínos ou do latim cancer, que
remetem, ambos, a caranguejo. A denominação, vinda da An-
tiguidade, teria sido dada, porque o aspecto externo de um
tumor, com suas veias intumescidas e ramificadas, lembraria
o caranguejo.
Há muitos relatos de pacientes recém-diagnosticados que
não conseguem sequer pronunciar a palavra “câncer” – uma
“palavra maldita”, como diz o próprio autor, rememorando a
história de pacientes que tratou, individualmente ou junto com
colegas no hospital. Pior: alguns não ousam dizer o nome por-
que, calando, esperam evitar uma aceleração da enfermidade
e de seus sintomas. Segundo Sontag, o estigma, além de gerar
atitudes irracionais, faz com que muitas pessoas acometidas de
câncer sintam-se envergonhadas ou humilhadas, como se pu-
nidas por alguma falta ou excesso.
Portanto, os pacientes, assim como os oncologistas, preci-
sam vencer um terreno duplamente pantanoso: de um lado, a
própria doença física e sua terapia, e de outro toda uma cultura
mistificadora que fez do câncer uma enfermidade misteriosa,
insidiosa e aterradora. Não é de admirar, por exemplo, que,
como resultado dessa mistificação, os tratamentos anticâncer
tenham incorporado à linguagem bélica: fala-se em guerra ou
batalha contra as células malignas, por exemplo, ou em “bom-
bardeio” do tumor através da radiação; nos obituários, é lugar
comum afirmar que fulano (a) morreu depois de uma “longa
batalha contra um câncer”. Alguém já leu um obituário que
mencionasse uma “dura batalha” contra uma doença cardíaca
ou outras moléstias?
Já se vê por aí que o treinamento e a disposição que se exi-
gem de um oncologista são extenuantes. O autor dedica várias
páginas do livro ao aprendizado – técnico e de vida – que obte-
ve por intermédio da especialidade que elegeu (mais de onze
anos de aulas práticas e teóricas antes de começar um consul-
tório). Não fosse aquele DNA baiano, é possível que a missão
de Marcos André fosse ainda mais difícil. Estive com ele em
poucas ocasiões na condição de paciente, mas o bastante para
perceber seu empenho em temperar, na medida certa, de um
lado, o convívio solidário com o doente, e de outro, a capacita-
ção e frieza técnica que se requerem a um oncologista.
Acredito que Marcos faça isso intuitivamente. É uma impres-
são: por ser leigo, não posso avaliá-lo em termos profissionais.
Mas a leitura deste livro traz à tona a vivência de um jovem mé-
dico, ainda na faixa dos 30 anos, que, à custa de assistir e intera-
gir com um dos mais notáveis dramas humanos, aquele que se
passa no mundo da doença, conquista sua maturidade degrau
a degrau. Neste sentido, creio que o livro poderia ser entendido
como um rito de passagem, no qual o profissional da medicina
precisa aprender que, no território da doença, a principal lição
é saber conviver ora com a vitória e ora com a derrota.
Várias histórias de pacientes descritas no livro ilustram esse
ponto. Para citar um único exemplo, veja-se o caso da jovem
que nutria um forte desejo de engravidar e estava ameaçada
de perder o útero por causa de um tumor. O caminho mais re-
comendado seria a remoção radical do órgão afetado. No en-
tanto, para preservar a vida da paciente, objetivo “número 1”,
e ao mesmo tempo manter o sonho da gravidez, optou-se por
uma estratégia mais complexa, com cálculos delicados de risco,
e os resultados foram exitosos. Depois de um longo tratamento
e mais um período de espera, a jovem procurou o oncologista
para anunciar que estava buscando com o marido uma clínica
especializada em fertilização in vitro.
O livro de Marcos André é um relato escrito em linguagem
simples e direta, com capítulos curtos e acessíveis a um público
amplo. Creio que seu principal benefício é o de levar o leitor a
um melhor entendimento do câncer. Não há como negar a exis-
tência de um avanço notável nos tratamentos, comprovado,
por exemplo, pela multiplicação das drogas imunoterápicas.
Sontag afirma em seu ensaio que todos nós, ao nascermos,
adquirimos uma dupla cidadania: do reino da saúde e do reino
da doença. Compreender e, principalmente, aceitar que viver
é transitar de um reino a outro, e de volta, é um esforço que
todos deviam fazer. Cabe sobretudo aos médicos levar-nos a
esse entendimento.
Izalco Sardenberg
(Jornalista)
NOTA DO AUTOR
Possivelmente, alguém se identifique com alguma situação
aqui apresentada. Adianto-me em dizer que todos os nomes
próprios dos indivíduos e muitas das localizações usadas são
fictícias. Além disso, esta é uma obra apenas baseada em fa-
tos e histórias reais. Fico feliz se, de alguma forma, o livro te-
nha tocado sua vida e tenha feito o leitor remeter à história
de alguém, porém é conveniente reforçar que, na oncologia,
os fatos, lutas, dramas e sucessos são comuns a um número in-
contável de pessoas. Tendo dito isso, espero que a leitura seja
proveitosa e inspiradora, e disponibilizo abaixo um canal para
contato profissional direto comigo: [email protected]
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO ........................................................................................... 17
CAPÍTULO 1 – Por que oncologia? ........................................................... 23
CAPÍTULO 2 – A sua nova vida ................................................................ 35
CAPÍTULO 3 – Pontes e paredes ............................................................... 49
CAPÍTULO 4 – O hotel ............................................................................... 57
CAPÍTULO 5 – Sala de espera do consultório: o início e o fim ................ 63
CAPÍTULO 6 – Somos tão jovens .............................................................. 77
CAPÍTULO 7 – Depois da aposentadoria, o câncer .................................. 85
CAPÍTULO 8 – A batalha do câncer .......................................................... 93
CAPÍTULO 9 – Força Expedicionária Brasileira: a outra batalha ........... 101
CAPÍTULO 10 – Elvis não morreu ............................................................ 109
CAPÍTULO 11 – A morte se desconvidou ................................................. 121
CAPÍTULO 12 – O médico com câncer ..................................................... 129
CAPÍTULO 13 – Minha avó ....................................................................... 141
CAPÍTULO 14 – O Leviatã ......................................................................... 149
CAPÍTULO 15 – As mães é que movem o mundo .................................... 159
CAPÍTULO 16 – O caso estranho 1 ............................................................ 165
CAPÍTULO 17 – O caso estranho 2 ............................................................ 175
CAPÍTULO 18 – Mídias sociais .................................................................. 183
CAPÍTULO 19 – Cuidados paliativos ........................................................ 189
CAPÍTULO 20 – Fim ................................................................................... 195