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DIREITO ADMINISTRATIVO: Responsabilidade Civil do Estado Aula-resumo para concursos públicos

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1. Responsabilidade extracontratual do Estado

1.1. Conceito

Não apenas a quando exerce a função administrativa, mas também, excepcionalmente, quando

pratica as funções legislativa e jurisdicional o Estado, pessoa jurídica que é, pode ser responsabilizado

quando, por seus comportamentos, causar ônus maior do que o imposto aos demais membros da

sociedade (violação ao princípio da isonomia).

A responsabilidade civil contratual do Estado demanda a análise dos contratos administrativos,

tema estudado em outro capítulo. O que nos interessa no momento é o estudo da responsabilidade

extracontratual do Estado.

RESPONSABILIDADE CONTRATUAL DO ESTADO

RESPONSABILIDADE EXTRACONTRATUAL DO ESTADO

Sede normativa Lei n. 8.666/93 Art. 37, § 6º, da CF Danos Danos decorrentes dos contratos

administrativos Danos indiretos causados a terceiros que não ostentam vínculo contratual com o Poder Público, por atuação do Estado na busca do interesse público

Finalidade Manutenção do equilíbrio econômico-financeiro do contrato

Observância da isonomia

Em síntese, a responsabilidade extracontratual do Estado “corresponde à obrigação de reparar

danos causados a terceiros em decorrência de comportamentos comissivos ou omissivos, materiais

ou jurídicos, lícitos ou ilícitos, imputáveis aos agentes públicos” (DI PIETRO, 2019, p. 821).

1.2. Fases evolutivas

1. Teoria da irresponsabilidade estatal. Os Estados absolutistas não respondiam por suas

condutas, por conta da ideia de soberania absoluta (“The king can do no wrong”).

2. Teorias civilistas. Com a superação da tese da irresponsabilidade, passou-se a entender,

inicialmente, pela responsabilidade do Estado com base na ideia de culpa, nos moldes do Direito Civil.

De início, fazia-se distinção entre atos de império (sem responsabilidade) e atos de gestão

(responsabilidade subjetiva), mas depois a diferenciação foi abandonada, mantendo-se apenas a teoria

da responsabilidade subjetiva (DI PIETRO, 2019, p. 823). Era preciso comprovar além da conduta do

Estado, do dano e do nexo causal, o elemento subjetivo: culpa ou dolo do agente.

Ocorre que nem sempre era possível comprovar a culpa do agente, o que ensejou a natural

evolução para novas teorias que pudessem tutelar os administrados de maneira mais adequada.

3. Teorias publicistas. A partir do célebre caso Blanco, ocorrido na França, em 1873,

reconheceu-se que a responsabilidade do Estado não pode ser regida pelos princípios do Código Civil,

que é idealizado para regulamentar as relações envolvendo direitos privados.

3.1. Primeiro surgiu a teoria da culpa do serviço (faute du service) ou culpa administrativa:

ocorre não em razão da culpa individual do agente público, mas do fato de o serviço não ter funcionado,

ter funcionado intempestivamente ou ter funcionado mal. Embora a responsabilidade seja

independente de dolo ou culpa do agente público, não se pode falar que é objetiva, porque o lesado ainda

terá de demonstrar a inadequação do serviço devido ou prestado pelo Estado (culpa anônima).

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3.2. Em momento posterior, ganhou força a teoria do risco, que fundamenta a

responsabilidade objetiva do Estado. A teoria do risco decorre do reconhecimento da maior força

jurídica, política e econômica do Estado, com suas prerrogativas. Diante dessa constatação, ensina

Carvalho Filho, “passou-se a considerar que, por ser mais poderoso, o Estado teria que arcar com um

risco natural decorrente de suas numerosas atividades: à maior quantidade de poderes haveria de

corresponder um risco maior. Surge, então, a teoria do risco administrativo, como fundamento da

responsabilidade objetiva do Estado” (2019, p. 598).

A ideia de culpa é fulminada pela de nexo de causalidade. Não mais interessa se o serviço

funcionou bem ou mal, mas apenas se foi praticado um ato por um agente do Estado (conduta) que

causou dano ao particular (anormal e específico) (DI PIETRO, 2019, p. 825), havendo nexo de

causalidade entre o ato e o dano.

ELEMENTOS DA RESPONSABILIDADE OBJETIVA DO ESTADO

Conduta de um agente público (lícita ou ilícita), atuando nessa qualidade Nexo de causalidade entre o fato e o dano causado a terceiro (usuário ou não do serviço) Dano a terceiro, que em caso de conduta lícita deve ser anormal e específico

A teoria do risco, em verdade, se desdobra em duas modalidades:

Teoria do risco administrativo: a responsabilidade é objetiva, mas são admitidas causas excludentes da responsabilidade, a serem aventadas e comprovadas pelo Estado

(inversão do ônus probatório): a) culpa exclusiva da vítima; b) culpa exclusiva de

terceiros; e c) força maior. É a teoria adotada, como regra.

Teoria do risco integral: a responsabilidade é objetiva e não há causas que a excluem. O ente público é reputado garantidor universal. Ocorre nos casos de danos causados por

acidentes nucleares (art. 21, XXIII, “d”, da CF), nas hipóteses de danos derivados de atos

terroristas ou de guerra (Leis 10.309/01 e 10.744/03) e em casos de dano ambiental

(REsp 1.374.284-MG, j. em 27.08.2014).

Anote-se que, segundo moderna doutrina, tem-se desenvolvido recentemente a teoria do risco

social, que direciona a responsabilidade civil à coletividade, e não mais ao autor do dano, dando ensejo

ao que se denomina socialização dos riscos, como forma de permitir a reparação da vítima pelo

prejuízo sofrido (CARVALHO FILHO, 2019, p. 599). José dos Santos Carvalho Filho entende que referida teoria constituiria mero aspecto específico da teoria do risco integral e, por isso, não deve ser admitida

genericamente, sob pena de provocar grande insegurança jurídica e graves prejuízos ao erário (2019,

p. 599).

TEORIA IDEIA CENTRAL Teoria da irresponsabilidade do Estado Ausência de responsabilização Teorias civilistas Responsabilidade subjetiva com base na culpa e no dolo Teoria da falta do serviço, culpa administrativa ou culpa anônima

Responsabilidade com base na falta do serviço (serviço não funcionou, funcionou atrasado ou funcionou mal)

Teoria do risco administrativo Responsabilidade objetiva, com admissão de excludentes de responsabilidade

Teoria do risco integral Responsabilidade objetiva, sem excludentes

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1.2.1. Cenário atual

A responsabilidade objetiva do Estado é adotada pela vigente Constituição Federal, na

vertente do risco administrativo, como regra, e somente excepcionalmente com base no risco integral,

como visto anteriormente.

O dispositivo central que merece ser estudado é o seguinte:

CF, Art. 37. (...) § 6º - As pessoas jurídicas de direito público e as de direito privado

prestadoras de serviços públicos responderão pelos danos que seus agentes, nessa qualidade,

causarem a terceiros, assegurado o direito de regresso contra o responsável nos casos de dolo ou

culpa.

Veja-se que as sociedades de economia mista e as empresas públicas exploradoras de

atividade econômica não estão abarcadas pelo art. 37, § 6º, da CF. A responsabilidade delas será

regulada pelo direito privado, podendo até ser objetiva em certos casos, mas por força do CDC, e não da

CF.

Contudo, no que toca às pessoas jurídicas prestadores de serviços públicos, incluem-se não só as empresas estatais, mas também as concessionárias e permissionárias de serviços públicos. E, neste

caso, o STF consagrou que a responsabilidade é objetiva quando é causado dano a terceiro,

independentemente da qualidade de usuário do serviço público:

“RESPONSABILIDADE DO ESTADO. ART. 37, § 6º, DA CONSTITUIÇÃO. PESSOAS JURÍDICAS

DE DIREITO PRIVADO PRESTADORAS DE SERVIÇO PÚBLICO. CONCESSIONÁRIO OU

PERMISSIONÁRIO DO SERVIÇO DE TRANSPORTE COLETIVO. RESPONSABILIDADE OBJETIVA EM

RELAÇÃO A TERCEIROS NÃO-USUÁRIOS DO SERVIÇO. RECURSO DESPROVIDO. I - A

responsabilidade civil das pessoas jurídicas de direito privado prestadoras de serviço público

é objetiva relativamente a terceiros usuários e não-usuários do serviço, segundo decorre do

art. 37, § 6º, da Constituição Federal. (...)” (RE 591.874, Tribunal Pleno, j. em 26/08/2009).

Exemplo do cotidiano seria a responsabilização objetiva da empresa que presta serviço público

de transporte de passageiros (ônibus, p. ex.). O Estado também responderá objetivamente, porém de

forma subsidiária, após esgotadas todas as tentativas de pagamento por parte da empresa pelos

prejuízos causados à vítima.

A doutrina também inclui na sujeição à responsabilidade objetiva as pessoas de cooperação

governamental (serviços sociais autônomos), por terem vínculo com o Estado e prestarem serviço

público, mas exclui desse regime as organizações sociais e organizações da sociedade civil de interesse

público, por prestarem apenas atividade de auxílio ao Poder Público (CARVALHO FILHO, 2019, p. 603).

O tema, contudo, é controvertido.

Em relação às atividades notariais e de registro, o STF fixou a seguinte tese em repercussão geral:

“O Estado responde, objetivamente, pelos atos dos tabeliães e registradores oficiais que, no

exercício de suas funções, causem dano a terceiros, assentado o dever de regresso contra o

responsável, nos casos de dolo ou culpa, sob pena de improbidade administrativa” (RE 842.846,

j. em 27.02.2019). Esses particulares em colaboração com o Poder Público exercem atividade em nome

do Estado, com lastro em delegação constitucional (art. 236, CF), após aprovação em concurso público,

qualificando-se como agentes públicos. Por isso, o Estado responde objetivamente pelos danos que

eles causarem a terceiros.

Por outro lado, é de se ressaltar que os serviços notariais e de registro não se submetem à

disciplina que rege as pessoas jurídicas de direito privado prestadoras de serviços públicos, uma vez

que o art. 37, § 6º, faz referência a “pessoas jurídicas” prestadoras de serviços públicos, ao passo que

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notários e tabeliães respondem civilmente enquanto pessoas naturais delegatárias de serviço público,

consoante disposto no art. 22 da Lei nº 8.935/94, mediante autorização constitucional (art. 236, CF).

Como a responsabilização objetiva depende de expressa previsão normativa e não admite interpretação

extensiva ou ampliativa, incide o disposto na Lei 8.935/94, que em seu art. 22 prescreve que “os

notários e oficiais de registro são civilmente responsáveis por todos os prejuízos que causarem a

terceiros, por culpa ou dolo, pessoalmente, pelos substitutos que designarem ou escreventes que

autorizarem, assegurado o direito de regresso” (responsabilidade subjetiva).

RESPONSABILIDADE CIVIL POR ATOS DOS TABELIÃES E OFICIAIS DE REGISTRO Ação for proposta contra o Estado por atos do tabelião ou registrador

Responsabilidade objetiva (prazo de 5 anos)

Ação for proposta diretamente contra o tabelião ou registrador

Responsabilidade subjetiva (prazo de 3 anos)

COMO ESSE ASSUNTO FOI COBRADO EM CONCURSO

Prova: CESPE - 2019 - MPC-PA - Procurador de Contas. Conforme entendimento do

STF, a responsabilidade civil do Estado por atos de notários e oficiais de registro que, nessa

qualidade, causarem danos a terceiros é direta, primária e objetiva.

Gabarito: certo.

Sobre o mesmo assunto, foi considerada errada a seguinte assertiva, cobrada na Prova:

VUNESP - 2019 - TJ-RS - Titular de Serviços de Notas e de Registros - Provimento: Segundo

a legislação, é objetiva a responsabilidade civil dos Tabeliães de Protestos de Títulos por danos

causados a terceiros, assegurado o direito de regresso.

Deve-se observar, ainda, que, nos termos do art. 37, § 6º, da CF, o agente público deve agir nessa

qualidade, ou seja, no exercício das funções estatais, e que, embora a responsabilidade do Estado seja

objetiva, a responsabilização do agente público, perante o Estado, é subjetiva e se dará em ação de

regresso, conforme veremos a tempo e modo.

Frise-se novamente que a conduta pode derivar de ato estatal ilícito ou lícito, desde que cause

dano anormal e específico ao particular.

COMO ESSE ASSUNTO FOI COBRADO EM CONCURSO

Prova: VUNESP - 2019 - TJ-RS - Titular de Serviços de Notas e de Registros -

Remoção. A responsabilidade civil extracontratual do Estado por atos lícitos ocorrerá quando

expressamente prevista em lei ou a conduta estatal cause sacrifício desproporcional ao

particular.

Gabarito: certo.

1.3. Causas excludentes da responsabilidade estatal

A conceituação de caso fortuito e força maior é controvertida na doutrina, bem como suas

consequências. Embora sem nos comprometermos, ficaremos, inicialmente, com a lição de Di Pietro. A

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autora entende que a força maior, como acontecimento imprevisível e inevitável estranho à vontade

das partes (um raio), exclui a responsabilidade estatal. Já o caso fortuito, decorrente sempre de ato

humano ou de falha da Administração, ensejaria, sim, a responsabilização do Estado (2019, p. 830-1).

Carvalho Filho, por outro lado, equipara as duas hipóteses e anota que ambas (caso fortuito e

força maior) elidem a responsabilidade do Estado, pela inexistência de nexo causal (2019, p. 610).

Entretanto – aduz novamente Di Pietro –, mesmo no caso de força maior, que a priori eliminaria a responsabilidade do Estado, haveria a possibilidade de responsabilização do ente público, desde que

provada a omissão do Poder Público na realização de um serviço (teoria da culpa administrativa

ou culpa do serviço). Por exemplo, no caso de uma enchente provocada por fortes chuvas aliada à

demonstração de que o Estado deixou de realizar serviço regular de limpeza nos bueiros ou galerias de

águas pluviais (DI PIETRO, 2019, p. 831). O tema da omissão será melhor investigado no próximo tópico.

COMO ESSE ASSUNTO FOI COBRADO EM CONCURSO

Prova: VUNESP - 2018 - TJ-SP - Juiz Substituto. Conforme o ordenamento jurídico

pátrio, pode-se afirmar, sobre a responsabilidade objetiva do Estado não há nexo causal entre a

conduta da Administração e o dano decorrente de força maior, razão pela qual em tal situação

não se pode falar em dever de indenizar, ainda que provado que a culpa anônima do serviço

concorreu para o evento.

Gabarito: errado.

Também a culpa exclusiva da vítima ou de terceiro exclui a responsabilidade estatal. A mesma

regra da responsabilização por omissão do Poder Público se aplica a este caso, como na hipótese de

danos causados por multidões ou por delinquentes, comprovada a omissão estatal na prestação do

serviço público (DI PIETRO, 2019, p. 831).

A culpa concorrente apenas atenua a responsabilidade, mas não a elimina.

CAUSAS EXCLUDENTES DE RESPONSABILIDADE DO ESTADO Doutrina tradicional Di Pietro (2019) Caso fortuito Exclui Não exclui Força maior Exclui Exclui, em regra, salvo se

comprovada a omissão do Poder Público (culpa do serviço)

Culpa exclusiva da vítima ou de terceiro

Exclui Exclui, em regra, salvo se comprovada a omissão do Poder Público (culpa do serviço)

Culpa concorrente Apenas atenua Apenas atenua

Também não exclui a responsabilidade civil do Estado o reconhecimento de causa excludente de

ilicitude penal do agente estatal. Aliás, o STJ possui tese aprovada no seguinte sentido (Edição 61) : “A

Administração Pública pode responder civilmente pelos danos causados por seus agentes, ainda

que estes estejam amparados por causa excludente de ilicitude penal.”

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COMO ESSE ASSUNTO FOI COBRADO EM CONCURSO

Prova: CESPE - 2019 - Prefeitura de Boa Vista - RR - Procurador Municipal. Um

município poderá ser condenado ao pagamento de indenização por danos causados por conduta

de agentes de sua guarda municipal, ainda que tais danos tenham decorrido de conduta

amparada por causa excludente de ilicitude penal expressamente reconhecida em sentença

transitada em julgado.

Gabarito: certo.

1.4. Responsabilidade por omissão

A aplicação do art. 37, § 6º, da CF aos atos omissivos do Estado é tema controvertido.

Di Pietro se filia à teoria da responsabilidade subjetiva do Estado, juntamente com Celso

Antônio Bandeira de Mello (corrente 1). No caso, haveria uma presunção de culpa do Poder Público, o

qual teria que demonstrar que não agiu com negligência ou que não agiu porque a sua atuação “estaria

acima do que seria razoável exigir” (DI PIETRO, 2019, p. 832), isto é, haveria uma inversão do ônus da

prova em direção ao Estado. Veja-se que não se trata da adoção de teorias civilistas, mas da

responsabilização decorrente da culpa anônima (CARVALHO, 2019, p. 353). Esse mesmo entendimento já foi adotado pelo STJ (AgInt no AREsp 1.249.851/SP, j. em 20/09/2018).1

COMO ESSE ASSUNTO FOI COBRADO EM CONCURSO

Prova: CESPE - 2019 - TJ-SC - Juiz Substituto. De acordo com o entendimento

majoritário e atual do STJ, a responsabilidade civil do Estado por condutas omissivas é subjetiva,

sendo necessário comprovar negligência na atuação estatal, o dano causado e o nexo causal

entre ambos.

Gabarito: certo.

Porém, a autora reconhece que a doutrina majoritária é pela responsabilidade objetiva, do

mesmo modo que esta é válida para os atos comissivos (corrente 2) (DI PIETRO, 2019, p. 832).

Há, ainda, uma terceira corrente, intermediária, defendida por Sérgio Cavalieri Filho. Segundo

ele, “(...) a responsabilidade subjetiva do Estado, embora não tenha sido de todo banida da nossa ordem

jurídica, só tem lugar nos casos de omissão genérica da Administração” (CAVALIERI FILHO, 2011).

O autor defende a existência de dois tipos de omissão do Estado:

Omissão específica: pressupõe um dever específico do Estado, que o obrigue a agir

para impedir o resultado danoso. Ocorre “quando o Estado estiver na condição de garante

(ou de guardião) e por omissão sua cria situação propícia para a ocorrência do evento em situação em que tinha o dever de agir para impedi-lo”. Cita como exemplos a morte de

detento em rebelião em presídio; o suicídio cometido por paciente internado em hospital

1 “(...) A jurisprudência do STJ é firme no sentido de que a responsabilidade civil do Estado por condutas omissivas é subjetiva, sendo necessário, dessa forma, comprovar a negligência na atuação estatal, o dano e o nexo causal entre ambos. (...)” (AgInt no AREsp 1249851/SP, Rel. Ministro BENEDITO GONÇALVES, PRIMEIRA TURMA, julgado em 20/09/2018).

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público, tendo o médico responsável ciência da intenção suicida do paciente e nada

fazendo para evitar; e o acidente com aluno nas dependências de escola pública.

Omissão genérica: a inação do Estado não se apresenta como causa direta e imediata da não ocorrência do dano, razão pela qual deve a vítima provar que a falta do serviço

concorreu para o dano. A omissão genérica “tem lugar nas hipóteses em que não se pode

exigir do Estado uma atuação específica; quando a Administração tem apenas o dever

legal de agir em razão, por exemplo, do seu poder de polícia (ou de fiscalização), e por sua

omissão concorre para o resultado, caso em que deve prevalecer o princípio da

responsabilidade subjetiva”. Cita como exemplo a queda de ciclista em bueiro há muito

tempo aberto em péssimo estado de conservação, o que evidencia a culpa anônima pela falta do serviço.

Assim, em caso de omissão específica, a responsabilidade do Estado será objetiva; sendo a

omissão genérica, a responsabilidade será baseada na falta do serviço, isto é, não será objetiva, mas

subjetiva (embora não se fale em dolo ou culpa do agente estatal, mas em falha na prestação do serviço

– a chamada culpa anônima).

No STF, é relevante o seguinte julgado:

“A teor do disposto no artigo 37, § 6º, da Constituição Federal, há responsabilidade civil de

pessoa jurídica prestadora de serviço público em razão de dano decorrente de crime de furto

praticado em posto de pesagem, considerada a omissão no dever de vigilância e falha na

prestação e organização do serviço.” (RE 598.356, Primeira Turma, j. em 08/05/2018).

No corpo deste julgado, o relator consignou que “não há espaço para afastar a

responsabilidade, independentemente de culpa, mesmo sob a óptica da omissão, ante o

princípio da legalidade, presente a teoria do risco administrativo”.

Vejamos outros julgados do STF sobre o tema:

“(...) RESPONSABILIDADE CIVIL DO ESTADO POR CONDUTA OMISSIVA.

RESPONSABILIDADE OBJETIVA. (...) Nos termos da jurisprudência deste Supremo Tribunal, a

responsabilidade civil – ou extracontratual – pelas condutas estatais omissivas e comissivas

é objetiva, com base na teoria do risco administrativo.” (RE 499.432-AgR, Primeira Turma, j. em

21/08/2017).

“(...) Fixada a tese: “Considerando que é dever do Estado, imposto pelo sistema normativo,

manter em seus presídios os padrões mínimos de humanidade previstos no ordenamento jurídico, é

de sua responsabilidade, nos termos do art. 37, § 6º, da Constituição, a obrigação de ressarcir

os danos, inclusive morais, comprovadamente causados aos detentos em decorrência da falta

ou insuficiência das condições legais de encarceramento”. (...)” (RE 580.252, Tribunal Pleno, j.

em 16/02/2017).

“(...) RESPONSABILIDADE CIVIL DO ESTADO POR MORTE DE DETENTO. ARTIGOS 5º, XLIX,

E 37, § 6º, DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL. 1. A responsabilidade civil estatal, segundo a

Constituição Federal de 1988, em seu artigo 37, § 6º, subsume-se à teoria do risco

administrativo, tanto para as condutas estatais comissivas quanto paras as omissivas, posto

rejeitada a teoria do risco integral. 2. A omissão do Estado reclama nexo de causalidade em relação

ao dano sofrido pela vítima nos casos em que o Poder Público ostenta o dever legal e a efetiva

possibilidade de agir para impedir o resultado danoso. (...) Repercussão geral constitucional que

assenta a tese de que: em caso de inobservância do seu dever específico de proteção previsto

no artigo 5º, inciso XLIX, da Constituição Federal, o Estado é responsável pela morte do

detento. (...).” (RE 841.526, Tribunal Pleno, j. em 30/03/2016)

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Neste julgado, o relator, acompanhado pelos demais membros da Corte, destacou que “não

obstante o Estado responda de forma objetiva também pelas suas omissões, o nexo de causalidade

entre essas omissões e os danos sofridos pelos particulares só restará caracterizado quando o Poder

Público ostentar o dever legal específico de agir para impedir o evento danoso, não se

desincumbindo dessa obrigação legal. Entendimento em sentido contrário significaria a adoção da

teoria do risco integral, repudiada pela Constituição Federal”. Também afirmou que “é corrente no meio

jurídico a afirmação de que a Administração só responde pela omissão que é específica, ou seja,

quando ela está obrigada a evitar o dano e permanece inerte”.

Assim, não obstante o teor genérico de algumas ementas, as quais sugerem a adoção da corrente

2 (responsabilidade objetiva em caso de omissão), parece mais correto apontar que o STF, pelo menos

até o momento, adota a corrente 3 (responsabilidade objetiva para omissão em caso de dever legal

específico para agir e responsabilidade subjetiva, pela falta do serviço, em caso de omissão

genérica).

É preciso aguardar o final do julgamento do RE 136.861/SP (cf. síntese parcial no informativo

918-STF) para que haja definição da Corte. Discute-se, no caso, a responsabilidade do Município por

danos decorrentes de omissão no dever de fiscalizar comércio de fogos de artifício.

COMO ESSE ASSUNTO FOI COBRADO EM CONCURSO

Prova: CESPE - 2019 - DPE-DF - Defensor Público. É possível responsabilizar a

administração pública por ato omissivo do poder público, desde que seja inequívoco o requisito

da causalidade, em linha direta e imediata, ou seja, desde que exista o nexo de causalidade entre

a ação omissiva atribuída ao poder público e o dano causado a terceiro.

Gabarito: certo.

Por fim, vejamos alguns exemplos extraídos da doutrina e da jurisprudência:

1. Pessoa roubada em um arrastão. Em regra, não há responsabilidade do Estado, salvo se a

vítima comprovar a falta do serviço, ou seja, uma omissão específica na concretização da

segurança pública, decorrente, p. ex., das notícias frequentes de arrastões naquela região,

sem que nada tenha sido feito pelo Poder Público nos últimos tempos para evitar tal prática.

2. Morte ou lesão causada por detento que fugiu do presídio. Em regra, o Estado não responde

pelos prejuízos às vítimas, exceto se comprovado que os detentos fogem com frequência

daquele estabelecimento penal ou que o presídio fora construído em região residencial, tendo sido praticado o crime pouco tempo após a fuga. Fala-se em risco suscitado pelo

Estado.

3. Suicídio de detento. Os familiares somente deverão ser indenizados pelo Estado caso se

comprove, no caso concreto, que não cumpriu seu dever específico de proteção previsto no

art. 5º, XLIX, da CF. Portanto, nem sempre que houver um suicídio, haverá responsabilidade

civil do Poder Público. No RE 841.526, j. em 30/03/2016, o relator, Min. Luiz Fux, aduziu que

se o preso suicida já vinha apresentando indícios de que poderia tirar a própria vida, o Estado

será responsabilizado e deverá indenizar os familiares do morto. Contudo, se o preso nunca

havia demonstrado anteriormente que poderia praticar esta conduta, o suicídio repentino e

imprevisível não poderá imputar responsabilização ao Poder Público.

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COMO ESSE ASSUNTO FOI COBRADO EM CONCURSO

Prova: CESPE - 2019 - TJ-BA - Juiz de Direito Substituto. O Estado necessariamente

será responsabilizado em caso de suicídio de pessoa presa, em razão do seu dever de plena

vigilância.

Gabarito: errado.

1.5. Reparação do dano e ação de regresso

Pelo art. 37, § 6º, da CF, é a pessoa jurídica quem responde pelo dano causado ao administrado,

“assegurado o direito de regresso contra o responsável nos casos de dolo ou culpa”.

Por isso, entende o STF a ação deve ser proposta contra a pessoa jurídica, pois a CF prevê, além

da garantia da vítima de ser ressarcida, uma garantia em favor do agente público de responder somente

em um segundo momento. É a chamada teoria da dupla garantia:

“(...) Esse mesmo dispositivo constitucional (§ 6º do artigo 37) consagra, ainda, dupla

garantia: uma, em favor do particular, possibilitando-lhe ação indenizatória contra a pessoa jurídica

de direito público, ou de direito privado que preste serviço público, dado que bem maior,

praticamente certa, a possibilidade de pagamento do dano objetivamente sofrido. Outra garantia,

no entanto, em prol do servidor estatal, que somente responde administrativa e civilmente

perante a pessoa jurídica a cujo quadro funcional se vincular.” (RE 327.904, j. 15.8.06,

expressamente citado no RE 470.996/AgR, j. 18.8.09).

Informativo 951-STF: “A teor do disposto no art. 37, § 6º, da Constituição Federal, a ação

por danos causados por agente público deve ser ajuizada contra o Estado ou a pessoa jurídica de

direito privado prestadora de serviço público, sendo parte ilegítima para a ação o autor do ato,

assegurado o direito de regresso contra o responsável nos casos de dolo ou culpa. Com

fundamento nessa tese de repercussão geral (Tema 940), o Plenário deu provimento a recurso

extraordinário para assentar a ilegitimidade passiva da recorrente. Na espécie, tratava-se de recurso

extraordinário interposto por agente público em face de acórdão no qual o tribunal de origem

consignou caber à vítima do dano escolher contra quem propor ação indenizatória. O colegiado

asseverou que o aludido dispositivo constitucional não encerra legitimação concorrente.

Assim, a pessoa jurídica de direito público e a de direito privado prestadora de serviços públicos

respondem pelos danos causados a terceiros, considerado ato omissivo ou comissivo de seus

agentes.” (RE 1027633/SP, rel. Min. Marco Aurélio, julgamento em 14.8.2019).

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COMO ESSE ASSUNTO FOI COBRADO EM CONCURSO

Provas: CESPE - 2019 - PGE-PE - Conhecimentos Básicos. Agente público pode ser

responsabilizado pelo dano que causar a terceiro na prestação de serviço público, após ação de

regresso ajuizada pela respectiva pessoa jurídica de direito público.

Gabarito: certo.

Sobre o mesmo assunto, foi considerada errada a seguinte assertiva, cobrada na Prova:

CESPE - 2018 - MPU - Analista do MPU - Direito: A vítima que busca reparação por dano

causado por agente público poderá escolher se a ação indenizatória será proposta diretamente

contra o Estado ou em litisconsórcio passivo entre o Estado e o agente público causador do dano.

Rememore-se que a 4ª Turma do STJ entendia de modo diverso, mas deve se adequar à posição

do STF:

“AGRAVO INTERNO. AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. AÇÃO DE INDENIZAÇÃO.

LEGITIMIDADE PASSIVA. 1. "É faculdade do autor promover a demanda em face do servidor, do

Estado ou de ambos, no livre exercício do seu direito de ação" (...)” (AgInt no AgInt no AREsp

1062833/SP, j. em 05/06/2018)

Acerca da ação regressiva, defende a doutrina que o seu ajuizamento pelo Estado, após a sua condenação, é obrigatório, em face do princípio da indisponibilidade do interesse público (MAZZA,

2018, p. 490).

A respeito da denunciação à lide, temos as seguintes posições:

1. STF: em razão da dupla garantia, não é possível a denunciação à lide, já que o servidor estatal

somente responde administrativa e civilmente perante a pessoa jurídica a cujo quadro funcional

pertencer, afastando-se a possibilidade de litisconsórcio.

Esse mesmo entendimento pode ser extraído da Lei 8.112/90 (âmbito federal):

Art. 122. A responsabilidade civil decorre de ato omissivo ou comissivo, doloso ou culposo,

que resulte em prejuízo ao erário ou a terceiros.

(...) § 2o Tratando-se de dano causado a terceiros, responderá o servidor perante a Fazenda

Pública, em ação regressiva.

2. STJ: é possível a denunciação à lide, mas não é obrigatória: “A jurisprudência desta Corte firmou

entendimento de que, nas ações indenizatórias decorrentes da responsabilidade civil objetiva do Estado,

não é obrigatória a denunciação à lide.” (AgInt no REsp 1.514.462/SP, j. em 28/11/2017).

3. Doutrina: há divergência. Di Pietro entende que se a ação é proposta contra a pessoa jurídica

com fundamento exclusivo na responsabilidade objetiva do Estado, não cabe a denunciação à lide, pois

estaria incluindo fundamento novo não invocado pelo autor. Mas se a ação é deduzida com

fundamento em ato culposo ou doloso do agente público, cabe a denunciação à lide, ou até mesmo a

propositura de ação diretamente contra a pessoa física (2019, p. 843) – o que não é admitido pelo STF,

como visto.

1.6. Prescrição

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Nos termos da Lei 9.494/97, art. 1o-C, “prescreverá em cinco anos o direito de obter indenização

dos danos causados por agentes de pessoas jurídicas de direito público e de pessoas jurídicas de

direito privado prestadoras de serviços públicos”.2

Não abrange a referida lei as pessoas jurídicas estatais de direito privado que não prestam

serviço público.

Embora haja certa controvérsia doutrinária, deve-se adotar o entendimento de que o prazo trienal do Código Civil de 2002 não superou o prazo quinquenal das leis especiais, por se tratar de

norma geral que regula as relações privadas.3

COMO ESSE ASSUNTO FOI COBRADO EM CONCURSO

Prova: VUNESP - 2019 - TJ-RS - Titular de Serviços de Notas e de Registros -

Remoção. A pretensão de responsabilização do Estado por dano extrapatrimonial prescreve em

03 (três) anos.

Gabarito: errado.

No que toca à ação regressiva em desfavor do agente público causador do dano, a interpretação

que o STF dá ao art. 37, § 5º, da CF é no seguinte sentido:

“CONSTITUCIONAL E CIVIL. RESSARCIMENTO AO ERÁRIO. IMPRESCRITIBILIDADE.

SENTIDO E ALCANCE DO ART. 37, § 5º, DA CONSTITUIÇÃO. 1. É prescritível a ação de reparação

de danos à Fazenda Pública decorrente de ilícito civil.” (...) (RE 669.069, Tribunal Pleno, j. em

03/02/2016)

Esse entendimento não abrange as ações de improbidade administrativa. A propósito, no RE

852.475, j. em 8.8.18, a Corte fixou a seguinte tese: “São imprescritíveis ações de ressarcimento ao

erário fundada na prática de ato doloso tipificado na Lei de Improbidade Administrativa”.

De toda forma, embora a questão seja controvertida, o prazo prescricional nas ações regressivas

(salvo improbidade administrativa) é o da legislação civil, isto é, de 3 anos, conforme se observa do RE

669.0694 e das lições de alguns doutrinadores.5

O STJ, por outro lado, apesar da posição do STF, continua aplicando o prazo quinquenal: “A

jurisprudência desta Corte Superior é no sentido de que é quinquenal o prazo de prescrição nas ações

indenizatórias ajuizadas contra a Fazenda Pública, nos termos do art. 1º do Decreto n. 20.910/32. Pelo

princípio da isonomia, o mesmo prazo deve ser aplicado nos casos em que a Fazenda Pública é

autora.” (AgInt no AREsp 1451967/SP, j. em 19/09/2019).

PRAZO PRESCRICIONAL PARA AS AÇÕES DE REGRESSO PROMOVIDAS PELO ESTADO Doutrina majoritária 3 anos STF 3 anos

2 No mesmo sentido, o art. 1º do Decreto 20.910/1932 dispõe que “as dívidas passivas da União, dos Estados e dos Municípios, bem assim todo e qualquer direito ou ação contra a Fazenda federal, estadual ou municipal, seja qual for a sua natureza, prescrevem em cinco anos contados da data do ato ou fato do qual se originarem”. 3 Contra: José dos Santos Carvalho Filho (2019, p. 625). Entende o autor que, diante do CC/02, ficam derrogados os diplomas especiais no que concerne à reparação civil, inclusive para pessoas jurídicas de direito público ou de direito privado prestadoras de serviços públicos. As demais pretensões pessoais contra a Fazenda continuariam sujeitas à prescrição quinquenal do Decreto n. 20.910/1932. 4 O relator utilizou como argumento o disposto no art. 206, § 3º, V, do Código Civil, que estabelece o prazo de três anos em matéria de reparação civil. 5 CARVALHO FILHO, 2019, p. 632; MAZZA, 2018, p. 491; CARVALHO, 2019, p. 364.

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STJ 5 anos

COMO ESSE ASSUNTO FOI COBRADO EM CONCURSO

Prova: CESPE - 2019 - TJ-BA - Juiz de Direito Substituto. Determinado taxista dirigia

embriagado quando colidiu contra o prédio de determinada secretaria estadual, que foi

danificado com a batida. Nessa situação hipotética, conforme o entendimento do STJ, o estado

federado prejudicado deverá propor ação de ressarcimento no prazo prescricional de cinco

anos, com base em aplicação analógica do Decreto Federal n.º 20.910/1932.

Gabarito: certo.

Por fim, o STJ vem entendendo que “as ações indenizatórias por danos morais e materiais

decorrentes de atos de tortura ocorridos durante o Regime Militar de exceção são imprescritíveis”, mostrando-se inaplicável o prazo prescricional do art. 1º do Decreto 20.910/1932”

(EREsp 816.209/RJ, DJe 10/11/2009). No mesmo sentido: AgInt no REsp 1524498/PE, DJe

20/02/2019.

COMO ESSE ASSUNTO FOI COBRADO EM CONCURSO

Prova: CESPE - 2019 - MPC-PA - Procurador de Contas. Segundo entendimento do STJ,

a imprescritibilidade da pretensão de recebimento de indenização decorrente de atos de tortura

ocorridos durante o regime militar de exceção não alcança as ações por danos materiais.

Gabarito: errado.

1.7. Responsabilidade do Estado por atos legislativos

A responsabilidade do Estado em decorrência de atos e omissões do Poder Legislativo é mais

restrita, somente sendo aceita pela doutrina moderna nos seguintes casos (DI PIETRO, 2019, p. 835):

a) Leis inconstitucionais, desde que haja prévia declaração do vício pelo STF6;

b) Leis de efeitos concretos, que atinjam pessoas determinadas, causando-lhe danos,

mesmo que se trate de normas constitucionais;

c) Omissão no poder de legislar.

COMO ESSE ASSUNTO FOI COBRADO EM CONCURSO

Prova: CESPE - 2019 - TJ-AM - Analista Judiciário - Direito. Em caso de aplicação de

lei de efeitos concretos que gere danos ou prejuízos a pessoas determinadas, é possível a

responsabilização civil do Estado.

Gabarito: certo.

6 Matheus Carvalho afirma que, além da declaração da inconstitucionalidade, deve existir o dano específico a determinada pessoa ou categoria para ensejar a responsabilização do Estado, do contrário qualquer lei inconstitucional geraria a responsabilidade estatal (2019, p. 366-7).

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No que tange à responsabilidade decorrente do poder regulamentar, esta é admitida em casos

de atos normativos do Poder Executivo com vícios de inconstitucionalidade ou ilegalidade. Di

Pietro entende possível que seja pleiteada a indenização pelos prejuízos decorrentes de atos

normativos ilegais na mesma ação em que se pode o reconhecimento da ilegalidade, sem necessidade

de prévia decisão judicial (2019, p. 836).

Fala-se, modernamente, em responsabilização decorrente de ato lícito indenizável, causador de dano específico, economicamente mensurável e anormal. Exemplo seria a produção de lei que atinge

direitos de determinado grupo de indivíduos, à custa de algum outro benefício conferido a um universo

maior de destinatários (CARVALHO FILHO, 2019, p. 617).

1.8. Responsabilidade do Estado por atos jurisdicionais

Os atos administrativos do Poder Judiciário seguem a regra geral, já estudada ao longo deste

capítulo. O que interessa agora são os atos jurisdicionais.

A regra é a irresponsabilidade do Estado por decisões judiciais que causem dano a alguém, em

razão do princípio da recorribilidade dos atos jurisdicionais (CARVALHO FILHO, 2019, p. 621).

Contudo, é importante ter conhecimento das seguintes hipóteses constitucionais e legais:

CF, art. 5º, LXXV - o Estado indenizará o condenado por erro judiciário, assim como o que

ficar preso além do tempo fixado na sentença;

CPC, Art. 143. O juiz responderá, civil e regressivamente, por perdas e danos quando:

I - no exercício de suas funções, proceder com dolo ou fraude;

II - recusar, omitir ou retardar, sem justo motivo, providência que deva ordenar de ofício ou

a requerimento da parte.

Parágrafo único. As hipóteses previstas no inciso II somente serão verificadas depois que a

parte requerer ao juiz que determine a providência e o requerimento não for apreciado no prazo de

10 (dez) dias.

Veja-se que, no âmbito cível, o CPC faz menção expressa à intenção dolosa do juiz, não

mencionando o ato culposo. Nesse contexto, Carvalho Filho defende que “em nosso entendimento,

portanto, se um ato culposo do juiz, de natureza cível, possibilita a ocorrência de danos à parte, deve ela valer-se dos instrumentos recursais e administrativos para evitá-los, sendo inviável a

responsabilização civil do Estado por fatos desse tipo. A não ser assim, os juízes perderiam em

muito a independência e a imparcialidade, bem como permaneceriam sempre com a insegurança de

que atos judiciais de seu convencimento pudessem vir a ser considerados resultantes de culpa em sua

conduta” (CARVALHO FILHO, 2019, p. 622).

COMO ESSE ASSUNTO FOI COBRADO EM CONCURSO

Prova: VUNESP - 2019 - TJ-RS - Titular de Serviços de Notas e de Registros -

Remoção. O sistema jurídico brasileiro não admite a responsabilização civil do Estado pela

prática de ato jurisdicional.

Gabarito: errado.

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1.9. Responsabilidade do Estado por obra pública

São os dois casos que devem ser analisados:

1. Responsabilidade pela má execução da obra: se o Estado é o executor da obra, sua

responsabilidade objetiva é indiscutível. Se executa a obra por intermédio de um empreiteiro, com

quem celebrou contrato administrativo, a responsabilização do empreiteiro se dará nos moldes da lei

civil, cabendo ao Estado, subsidiariamente, ressarcir os prejuízos suportados pela vítima (CARVALHO

FILHO, 2019, p. 612).

COMO ESSE ASSUNTO FOI COBRADO EM CONCURSO

Prova: VUNESP - 2019 - TJ-RS - Titular de Serviços de Notas e de Registros -

Remoção. Em casos de danos causados por má execução de obras públicas por empresas a

terceiros, a empreiteira responderá primariamente e de maneira subjetiva, havendo, contudo, a

responsabilidade subsidiária do Estado.

Gabarito: certo.

2. Responsabilidade pelo simples fato da obra: ainda que a obra tenha sido construída sem

qualquer intercorrência ou culpa, a sua simples existência poderá causar dano anormal e específico a alguém. Nesse caso, o Estado terá responsabilidade objetiva, independentemente de ter executado a

obra direta ou indiretamente. Ainda que a conduta seja lícita, a teoria do risco administrativo incide e

demanda a responsabilização do Estado. Exemplo clássico é a construção de um cemitério em frente a

um hotel, prejudicando suas atividades.

1.10. Responsabilidade das pessoas jurídicas por atos praticados contra o Poder Público (Lei

Anticorrupção)

1.10.1. Aplicação da lei

A Lei 12.846/13 dispõe sobre a responsabilização administrativa e civil de pessoas jurídicas

pela prática de atos contra a administração pública, nacional ou estrangeira, equiparando a esta as

organizações públicas internacionais (art. 5º, § 2º).

A lei se aplica às sociedades empresárias e às sociedades simples, personificadas ou não,

independentemente da forma de organização ou modelo societário adotado, bem como a quaisquer

fundações, associações de entidades ou pessoas, ou sociedades estrangeiras, que tenham sede, filial ou

representação no território brasileiro, constituídas de fato ou de direito, ainda que temporariamente

(art. 1º, parágrafo único).

Nos termos do art. 1º, caput, e do art. 2º, a responsabilidade administrativa e civil dessas pessoas

jurídicas pela prática dos atos descritos na lei em seu interesse ou benefício, exclusivo ou não, será

objetiva, e não exclui a responsabilidade individual de seus dirigentes ou administradores ou de

qualquer pessoa natural, autora, coautora ou partícipe do ato ilícito, na medida de sua culpabilidade

(art. 3º, caput e § 2º).

Ainda dispõe a lei que subsiste a responsabilidade da pessoa jurídica na hipótese de alteração

contratual, transformação, incorporação, fusão ou cisão societária (art. 4º). Em relação à sucessora, nas

hipóteses de fusão e incorporação, a responsabilidade desta será restrita à obrigação de pagamento de

multa e reparação integral do dano causado, até o limite do patrimônio transferido, não lhe sendo

aplicáveis as demais sanções previstas na lei decorrentes de atos e fatos ocorridos antes da data da

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fusão ou incorporação, exceto no caso de simulação ou evidente intuito de fraude, devidamente

comprovados (art. 4º, § 1º). Por outro lado, as sociedades controladoras, controladas, coligadas ou, no

âmbito do respectivo contrato, as consorciadas serão solidariamente responsáveis pela prática dos atos

previstos na lei, restringindo-se tal responsabilidade à obrigação de pagamento de multa e reparação

integral do dano causado (art. 4º, § 2º).

O rol de condutas consideradas lesivas à Administração Pública, sujeitas aos rigores da lei, está disposto de maneira exemplificativa no art. 5º, incluindo todos aqueles que atentem contra o

patrimônio público nacional ou estrangeiro, contra princípios da administração pública ou contra os

compromissos internacionais assumidos pelo Brasil, assim definidos:

I - prometer, oferecer ou dar, direta ou indiretamente, vantagem indevida a agente público, ou a

terceira pessoa a ele relacionada;

II - comprovadamente, financiar, custear, patrocinar ou de qualquer modo subvencionar a

prática dos atos ilícitos previstos nesta Lei;

III - comprovadamente, utilizar-se de interposta pessoa física ou jurídica para ocultar ou

dissimular seus reais interesses ou a identidade dos beneficiários dos atos praticados;

IV - no tocante a licitações e contratos: a) frustrar ou fraudar, mediante ajuste, combinação ou

qualquer outro expediente, o caráter competitivo de procedimento licitatório público; b) impedir, perturbar ou fraudar a realização de qualquer ato de procedimento licitatório público; c) afastar ou

procurar afastar licitante, por meio de fraude ou oferecimento de vantagem de qualquer tipo; d) fraudar

licitação pública ou contrato dela decorrente; e) criar, de modo fraudulento ou irregular, pessoa jurídica

para participar de licitação pública ou celebrar contrato administrativo; f) obter vantagem ou benefício

indevido, de modo fraudulento, de modificações ou prorrogações de contratos celebrados com a

administração pública, sem autorização em lei, no ato convocatório da licitação pública ou nos

respectivos instrumentos contratuais; ou g) manipular ou fraudar o equilíbrio econômico-financeiro

dos contratos celebrados com a administração pública;

V - dificultar atividade de investigação ou fiscalização de órgãos, entidades ou agentes públicos,

ou intervir em sua atuação, inclusive no âmbito das agências reguladoras e dos órgãos de fiscalização

do sistema financeiro nacional.

1.10.2. Responsabilização administrativa

As sanções administrativas que podem ser aplicadas às pessoas jurídicas que praticam atos

lesivos previstos na lei são as seguintes (art. 6º):

I - multa, no valor de 0,1% (um décimo por cento) a 20% (vinte por cento) do faturamento bruto

do último exercício anterior ao da instauração do processo administrativo, excluídos os tributos, a qual

nunca será inferior à vantagem auferida, quando for possível sua estimação. Caso não seja possível

utilizar o critério do valor do faturamento bruto da pessoa jurídica, a multa será de R$ 6.000,00 (seis

mil reais) a R$ 60.000.000,00 (sessenta milhões de reais) (art. 6º, § 4º); e

II - publicação extraordinária da decisão condenatória, que deverá ocorrer na forma de extrato

de sentença, a expensas da pessoa jurídica, em meios de comunicação de grande circulação na área da

prática da infração e de atuação da pessoa jurídica ou, na sua falta, em publicação de circulação nacional,

bem como por meio de afixação de edital, pelo prazo mínimo de 30 (trinta) dias, no próprio

estabelecimento ou no local de exercício da atividade, de modo visível ao público, e no sítio eletrônico

na rede mundial de computadores (art. 6º, § 5º).

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Essas sanções – que não excluem a obrigação da reparação integral do dano causado (art. 6º,

§ 3º) – podem ser aplicadas isolada ou cumulativamente, de acordo com as peculiaridades do caso

concreto e com a gravidade e natureza das infrações, e sempre de forma fundamentada (art. 6º, § 1º). A

aplicação das sanções deverá ser precedida da manifestação jurídica elaborada pela Advocacia

Pública ou pelo órgão de assistência jurídica, ou equivalente, do ente público (art. 6º, § 2º).

Os critérios para a aplicação das sanções são os seguintes (art. 7º): I - a gravidade da infração; II - a vantagem auferida ou pretendida pelo infrator; III - a consumação ou não da infração; IV - o grau de

lesão ou perigo de lesão; V - o efeito negativo produzido pela infração; VI - a situação econômica do

infrator; VII - a cooperação da pessoa jurídica para a apuração das infrações; VIII - a existência de

mecanismos e procedimentos internos de integridade, auditoria e incentivo à denúncia de

irregularidades e a aplicação efetiva de códigos de ética e de conduta no âmbito da pessoa jurídica (cujos

parâmetros de avaliação devem ser estabelecidos em regulamento do Poder Executivo federal); IX - o

valor dos contratos mantidos pela pessoa jurídica com o órgão ou entidade pública lesados.

1.10.3. Processo administrativo e responsabilização

A lei traz algumas regras sobre o processo administrativo para a responsabilização da pessoa

jurídica infratora. Nos termos do art. 8º, a instauração e o julgamento de processo administrativo para

apuração da responsabilidade de pessoa jurídica cabem à autoridade máxima de cada órgão ou

entidade dos Poderes Executivo, Legislativo e Judiciário, que agirá de ofício ou mediante

provocação, observados o contraditório e a ampla defesa, sem prejuízo de eventual delegação, vedada

apenas a subdelegação (art. 8º, § 1º).

No âmbito do Poder Executivo federal, a Controladoria-Geral da União - CGU terá competência

concorrente para instaurar processos administrativos de responsabilização de pessoas jurídicas ou

para avocar os processos instaurados com fundamento na lei, para exame de sua regularidade ou para

corrigir-lhes o andamento (art. 8º, § 2º).

Para a condução do processo administrativo, será designada pela autoridade instauradora uma

comissão composta por 2 (dois) ou mais servidores estáveis (art. 10). Medidas judiciais, como

busca e apreensão, devem ser requeridas pelo ente público, por meio do seu órgão de representação

judicial, ou equivalente, a pedido da comissão (art. 10, § 1º). A comissão poderá, cautelarmente, propor

à autoridade instauradora que suspenda os efeitos do ato ou processo objeto da investigação (art. 10, §

2º).

O processo administrativo deve ser concluído no prazo de 180 (cento e oitenta) dias contados

da data da publicação do ato que a instituir e, ao final, apresentar relatórios sobre os fatos apurados e

eventual responsabilidade da pessoa jurídica, sugerindo de forma motivada as sanções a serem

aplicadas (art. 10, § 3º). Cabe, contudo, prorrogação do prazo, mediante ato fundamentado da

autoridade instauradora (art. 10, § 4º).

A lei prevê, ainda, a possibilidade de desconsideração da personalidade jurídica sempre que

utilizada com abuso do direito para facilitar, encobrir ou dissimular a prática dos atos ilícitos

previstos na lei ou para provocar confusão patrimonial, sendo estendidos todos os efeitos das

sanções aplicadas à pessoa jurídica aos seus administradores e sócios com poderes de administração,

observados o contraditório e a ampla defesa (art. 14).

A defesa deve ser exercida no prazo de 30 (trinta) dias, contados a partir da intimação (art.

11).

O ponto mais importante da lei está disciplinado no art. 16: o acordo de leniência. Segundo o

dispositivo legal, a autoridade máxima de cada órgão ou entidade pública poderá celebrar acordo de

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leniência com as pessoas jurídicas responsáveis pela prática dos atos previstos na lei que colaborem

efetivamente com as investigações e o processo administrativo, sendo que dessa colaboração

resulte: I - a identificação dos demais envolvidos na infração, quando couber; e II - a obtenção célere de

informações e documentos que comprovem o ilícito sob apuração.

No âmbito do Poder Executivo federal, bem como nos casos de atos lesivos praticados contra a

administração pública estrangeira, a Controladoria-Geral da União - CGU será o órgão competente para celebrar os acordos de leniência (art. 16, § 10).

Para a celebração do acordo, devem ser preenchidos alguns requisitos (art. 16, § 1º): I - a pessoa

jurídica deve ser a primeira a se manifestar sobre seu interesse em cooperar para a apuração do ato

ilícito; II - a pessoa jurídica deve cessar completamente seu envolvimento na infração investigada a

partir da data de propositura do acordo; III - a pessoa jurídica deve admitir sua participação no ilícito e

cooperar plena e permanentemente com as investigações e o processo administrativo, comparecendo,

sob suas expensas, sempre que solicitada, a todos os atos processuais, até seu encerramento.

Como recompensa, a celebração do acordo de leniência isentará a pessoa jurídica das sanções

previstas no inciso II do art. 6º (publicação extraordinária da decisão condenatória) e no inciso IV do

art. 19 (proibição de receber incentivos, subsídios, subvenções, doações ou empréstimos de órgãos ou

entidades públicas e de instituições financeiras públicas ou controladas pelo poder público, pelo prazo

mínimo de 1 e máximo de 5 anos) e reduzirá em até 2/3 (dois terços) o valor da multa aplicável (art.

16, § 2º). Porém, o acordo de leniência não exime a pessoa jurídica da obrigação de reparar

integralmente o dano causado (art. 16, § 3º).

A celebração do acordo de leniência interrompe o prazo prescricional dos atos ilícitos

previstos na lei (art. 16, § 9º).

Consoante § 5º do art. 16, os efeitos do acordo de leniência serão estendidos às pessoas jurídicas

que integram o mesmo grupo econômico, de fato e de direito, desde que firmem o acordo em conjunto,

respeitadas as condições nele estabelecidas.

Como regra, a proposta de acordo de leniência somente se tornará pública após a efetivação do

respectivo acordo, salvo no interesse das investigações e do processo administrativo (art. 16, § 6º). A

rejeição da proposta não importará em reconhecimento da prática do ato ilícito investigado (art. 16, §

7º).

Uma vez descumprido o acordo, a pessoa jurídica ficará impedida de celebrar novo acordo pelo

prazo de 3 (três) anos contados do conhecimento pela administração pública do referido

descumprimento (art. 16, § 8º).

Por fim, dispõe o art. 17 que a administração pública poderá também celebrar acordo de

leniência com a pessoa jurídica responsável pela prática de ilícitos previstos na Lei nº 8.666/1993, com

vistas à isenção ou atenuação das sanções administrativas estabelecidas em seus arts. 86 a 88.

1.10.4. Responsabilidade judicial

A responsabilidade da pessoa jurídica na esfera administrativa não afasta a possibilidade de sua

responsabilização na esfera judicial (art. 18).

Tanto a União quanto os Estados, o Distrito Federal e os Municípios, por meio das respectivas

Advocacias Públicas ou órgãos de representação judicial, ou equivalentes, bem como o Ministério Público, poderão ajuizar ação com vistas à aplicação das seguintes sanções às pessoas jurídicas

infratoras, de forma isolada ou cumulativa (art. 19, caput e § 3º): I - perdimento dos bens, direitos ou

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valores que representem vantagem ou proveito direta ou indiretamente obtidos da infração, ressalvado

o direito do lesado ou de terceiro de boa-fé; II - suspensão ou interdição parcial de suas atividades; III

- dissolução compulsória da pessoa jurídica; IV - proibição de receber incentivos, subsídios, subvenções,

doações ou empréstimos de órgãos ou entidades públicas e de instituições financeiras públicas ou

controladas pelo poder público, pelo prazo mínimo de 1 (um) e máximo de 5 (cinco) anos.

A sanção mais grave – a dissolução compulsória da pessoa jurídica – será determinada quando comprovado (art. 19, § 1º): I - ter sido a personalidade jurídica utilizada de forma habitual para

facilitar ou promover a prática de atos ilícitos; ou II - ter sido constituída para ocultar ou dissimular

interesses ilícitos ou a identidade dos beneficiários dos atos praticados.

A indisponibilidade de bens, direitos ou valores necessários à garantia do pagamento da

multa ou da reparação integral do dano causado poderá ser requerida pelo Ministério Público, pela

Advocacia Pública ou pelo órgão de representação judicial, ou equivalente, do ente público, ressalvado

o direito do terceiro de boa-fé (art. 19, § 4º).

O rito aplicável é da Lei de Ação Civil Pública (art. 21). Ademais, a condenação torna certa a

obrigação de reparar, integralmente, o dano causado pelo ilícito, cujo valor será apurado em posterior

liquidação, se não constar expressamente da sentença (art. 21, parágrafo único).

No que toca à prescrição, dispõe o art. 25 que prescrevem em 5 (cinco) anos as infrações

previstas na lei, contados da data da ciência da infração ou, no caso de infração permanente ou

continuada, do dia em que tiver cessado. Na esfera administrativa ou judicial, a prescrição será

interrompida com a instauração de processo que tenha por objeto a apuração da infração (art. 25,

parágrafo único).

Para arrematar, anote-se que a aplicação das sanções previstas na lei não afeta os processos de

responsabilização e aplicação de penalidades decorrentes de ato de improbidade administrativa e de

atos ilícitos alcançados pela Lei nº 8.666/1993, ou outras normas de licitações e contratos da

administração pública, inclusive no tocante ao Regime Diferenciado de Contratações Públicas - RDC

instituído pela Lei nº 12.462/2011 (art. 30).