_Cohn, Clarice - Antropologia Da Criança_ Na Cadernos de Campo (USP), No. 14-15, 2006 _ Eduardo...

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16/04/2015 "Cohn, Clarice Antropologia da Criança" na Cadernos de Campo (USP), no. 1415, 2006 | Eduardo Dullo Academia.edu http://www.academia.edu/4967816/_Cohn_Clarice__Antropologia_da_Crian%C3%A7a_na_Cadernos_de_Campo_USP_no._1415_2006?login=polimage… 1/4 "Cohn, Clarice - Antropologia da Criança" na Cadernos de Campo (USP), no. 14-15, 2006 Log In Sign Up É freqüente lermos, na literatura antropo- lógica, textos que não informam a idade dos nativos. As pesquisas (em geral) são feitas com adultos, o que pode ser interpretado como conseqüência da importância que nossa socie- dade confere a esta faixa etária, em detrimen- to de outros períodos – a velhice e a infância – como locus  de produção de signi�cados e reexões acerca da vida social. Tornado claro desde o início pela autora, o debate sobre uma  Antropologia da criança trata de uma revisão de conceitos fundamentais que, originando-se na década de 1960, estende-se às teorias contem- porâneas, articulando uma revisão da noção de pessoa e da criação de uma antropologia da cognição. É frente a este complexo debate que opto por situar a importante contribuição que este pequeno livro (como de praxe da coleção, 60 páginas) apresenta. O convite para escrever este número da co- leção “Passo a Passo”, baseou-se em sua compe- tente – apesar de relativamente breve e recente – produção e na (não tão breve assim, 12 anos) pesquisa com crianças dentre os Kayapó-Xi- krin do Bacajá. Por tratar, em sua dissertação de mestrado, sobre a concepção de infância e aprendizado nesse contexto, traz numerosas contribuições sintetizadas (o que não quer dizer, necessariamente, simpli�cadas) a partir dessa experiência etnográ�ca. Esse terreno da disciplina só recentemente foi visto com a adequada sistematização, ainda em curso, que evita a de�nição pela negativa. Uma das principais proposições que a exposi- � � � Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed.; 60 pp. EDUARDO DULLO lacuna. Levar a sério o discurso nativo e ao me- nos tentar não constituir uma relação de po- der em relação de sentido signi�ca, neste caso, apreender o mundo social a partir da constru- ção simbólica das crianças, fazendo desta ex- periência peculiar uma diferença qualitativa ao invés de quantitativa. Seu texto preocupa-se, desde o início (e re- tomando a discussão ao �nal), em esclarecer a particularidade da Antropologia, diferencian- do-a dos mais antigos estudantes do tema: psi- cólogos, psicanalistas e pedagogos. Assim, além de uma “antropologia da criança”, a autora nos expõe sua visão do que caracteriza uma pesqui- sa da disciplina. Não é na metodologia de co- leta de dados que reside a especi�cidade, mas no cuidado com a contextualização e com os “pressupostos analíticos e no arcabouço concei- tual” (:48). Com isto em mente, ela lembra que “não podemos falar de crianças de um povo in- dígena sem entender como esse povo pensa o que é ser criança e sem entender o lugar que elas ocupam naquela sociedade – e o mesmo vale para as crianças nas escolas de uma metró- pole” (:9). Sua introdução é, portanto, mais que um preâmbulo para a discussão bibliográ�ca que vem em seguida; é a assunção de uma postura teórico-metodológica com a qual irá debater com autores e escolas. Nesse sentido, importa- se em realçar a distinção entre nature  e nurture  realizada por Margareth Mead na tentativa de entendimento da parcela cabível à natureza e à cultura no comportamento dos não-adultos Search...

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Antropologia da criança

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    "Cohn, Clarice - Antropologia da Criana" na Cadernos deCampo (USP), no. 14-15, 2006

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    freqente lermos, na literatura antropo-lgica, textos que no informam a idade dosnativos. As pesquisas (em geral) so feitas comadultos, o que pode ser interpretado comoconseqncia da importncia que nossa socie-dade confere a esta faixa etria, em detrimen-to de outros perodos a velhice e a infncia como locus de produo de signicados ereexes acerca da vida social. Tornado claro

    desde o incio pela autora, o debate sobre umaAntropologia da criana trata de uma reviso deconceitos fundamentais que, originando-se nadcada de 1960, estende-se s teorias contem-porneas, articulando uma reviso da noode pessoa e da criao de uma antropologia dacognio. frente a este complexo debate queopto por situar a importante contribuio queeste pequeno livro (como de praxe da coleo,60 pginas) apresenta.

    O convite para escrever este nmero da co-leo Passo a Passo, baseou-se em sua compe-tente apesar de relativamente breve e recente produo e na (no to breve assim, 12 anos)pesquisa com crianas dentre os Kayap-Xi-krin do Bacaj. Por tratar, em sua dissertaode mestrado, sobre a concepo de infncia eaprendizado nesse contexto, traz numerosascontribuies sintetizadas (o que no querdizer, necessariamente, simplicadas) a partirdessa experincia etnogrca.

    Esse terreno da disciplina s recentementefoi visto com a adequada sistematizao, aindaem curso, que evita a denio pela negativa.Uma das principais proposies que a exposi-

    Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed.; 60 pp.

    EDUARDODULLO

    lacuna. Levar a srio o discurso nativo e ao me-nos tentar no constituir uma relao de po-der em relao de sentido signica, neste caso,apreender o mundo social a partir da constru-o simblica das crianas, fazendo desta ex-perincia peculiar uma diferena qualitativa aoinvs de quantitativa.

    Seu texto preocupa-se, desde o incio (e re-tomando a discusso ao nal), em esclarecer a

    particularidade da Antropologia, diferencian-do-a dos mais antigos estudantes do tema: psi-clogos, psicanalistas e pedagogos. Assim, almde uma antropologia da criana, a autora nosexpe sua viso do que caracteriza uma pesqui-sa da disciplina. No na metodologia de co-leta de dados que reside a especicidade, masno cuidado com a contextualizao e com ospressupostos analticos e no arcabouo concei-tual (:48). Com isto em mente, ela lembra queno podemos falar de crianas de um povo in-dgena sem entender como esse povo pensa oque ser criana e sem entender o lugar queelas ocupam naquela sociedade e o mesmovale para as crianas nas escolas de uma metr-pole (:9).

    Sua introduo , portanto, mais que umprembulo para a discusso bibliogrca quevem em seguida; a assuno de uma posturaterico-metodolgica com a qual ir debatercom autores e escolas. Nesse sentido, importa-se em realar a distino entre naturee nurturerealizada por Margareth Mead na tentativa deentendimento da parcela cabvel natureza e cultura no comportamento dos no-adultos

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    cadernos de campo, So Paulo, n. 14/15, p. 1-382, 2006

    o de Clarice Cohn visa a de suprimir essa (tendo os norte-americanos como contraponto).

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    cadernos de campo, So Paulo, n. 14/15, p. 247-249, 2006

    Apesar de reconhecer a importncia dos traba-lhos, posiciona-se na armao: Esses estudosesto marcados pela ciso entre vida adulta e ada criana, e remetem a uma idia de imaturida-de e desenvolvimento da personalidade madura(:15). O que vai de encontro sua posio, porprever um adulto ideal como m ltimo doprocesso de desenvolvimento.

    Direciona, seqencialmente, seu comen-trio para a tradio estrutural-funcionalista,com inspirao em Radclie-Brown, para de-monstrar tanto a oposio destes aos primeiros,norte-americanos, pela excessiva relao com apsicologia, quanto pela primordial relevnciaconferida ao processo de socializao dos indi-vduos e prticas sociais. No se satisfaz, apesardisso, com a postura que prev uma certa gamade papis e condutas s quais devem os sujei-

    tos se adequar. Essa forma impede a apropria-o qualitativamente diferenciada que ClariceCohn prope: a criana dos estudos estrutu-ral-funcionalistas se v relegada a protagonizarum papel que no dene (:16).

    Ao conceber o avano da teoria antropolgi-ca a partir dos anos 1960, a autora coloca tantoa importncia dos conceitos de agncia, quantoo de sociedade e cultura. Rev como importan-te o sistema de simbolizao compartilhado,porm, no mais como existente previamenteaos sujeitos, mas sendo por eles formado a par-

    tir de suas relaes e interaes. Essa capacidadede agncia permite conceber as crianas comocriadoras de seu prprio sistema simblico e vi-so de mundo, e no mais como um depositriode papis: Ao contrrio de seres incompletos,treinando para a vida adulta, encenando papissociais enquanto so socializados ou adquirindocompetncias e formando sua personalidade so-cial, passam a ter um papel ativo na denio desua prpria condio (:21).

    Ao diferenciar trs aspectos dos estudos so-bre a criana (a denio da condio social dacriana, como ator social e como produtora de

    cultura), demonstra que a especicidade de umsentimento de infncia caracterstico da mo-dernidade ocidental, historicamente constru-da, conforme o estudo clssico de Aris. Faz,sempre, um belo contraponto com seus dadosetnogrcos, para esclarecer como no deve-mos incorrer no erro de ter como pressupos-to a existncia de momentos do curso da vidaem quaisquer contextos sociais. Aps discorrerbrevemente sobre a formao da pessoaXikrin(e de tornar claro a importncia disso para secompreender a criana) mostra que a delimita-o do curso da vida e da durao do perodoem que se criana algo especco.

    Na inteno de ver a criana como atuante,lana mo de exemplos retirados tanto de suapesquisa como do trabalho de Maria Filome-na Gregori sobre crianas de rua, mostrando

    como elas constroem uma identidade para si epara os outros. Por m, a criana produtora decultura uma interlocuo com a antropologiada cognio, exemplicada com os trabalhosda antroploga britnica Christina Toren. Noentender de Toren corroborada por Cohn oestudo da criana torna-se importante por elaexpressar o que os adultos normalmente noo fazem e por faz-lo de forma distinta. Nose trata de uma ciso absoluta entre o mundoadulto e o da criana, mas de uma relativa au-tonomia, na qual as crianas no sabem menos,

    e sim sabem outra coisasobre o mundo.No sendo uma rea j bem desenvolvida eesmiuada, convm lembrar que seu trabalhoremete-se bastante a um tema que associamosde imediato com a criana: a educao. Suapreocupao, nesse caso, o de romper como chamado Grande Divisor entre sociedadesditas complexas e simples, primitivas ou tradi-cionais. Uma das formas de impor a diferenaentre as sociedades recai na educao formal eescolarizada, em contraposio tradio orale/ou informal. Por isso, a autora relembra enunca demais que concepes do que ser

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    Academia 2015

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    cadernos de campo, So Paulo, n. 14/15, p. 247-249, 2006

    criana, do desenvolvimento e da capacidadede aprender, devem ser entendidas de maneirainterligada (:40).

    Se h algo a ser criticado em Antropologiada criana, o seu tamanho. O formato dacoleo no permite que a autora explore demodo satisfatrio as demais articulaes dotema, que caram restritas a poucos pargra-fos. notvel, por exemplo, como a temticada educao emerge do texto como algo maisprximo ao cotidiano das crianas, enquanto asrelaes jurdicas (como no Estatuto da Crian-a e do Adolescente), ou ao trabalho infantilso mencionados de forma rpida, se tivermosem mente o cuidado com o procedimento detransmisso e aquisio de conhecimentos.Mais ainda: a nfase em seu trabalho de cam-po ocupa boa parte do livro, em detrimento

    de trabalhos realizados com as crianas de c,como ela as chama. No creio, contudo, queisso diminua o mrito do livro. Prero encarara questo como proveniente do estmulo queo livro imprime no leitor, na sede de conheceroutras pesquisas sobre o tema.

    Como espero ter esclarecido, o formatointrodutrio que a coleo impe no cau-sou uma simplicao dos argumentos. Suaconstante meno a trabalhos empricos eutilizao de exemplos permite uma compre-enso mais completa do tema. Seu louvvelpoder de sntese pode, em parte, ser atribu-do sua experincia docente, permitindo-lheescrever um texto claro, com frases curtas esem redundncias: acessvel tanto aos leitoresiniciantes quanto imperioso aos mais experi-mentados.

    autor Eduardo Dullo Mestrando em Antropologia Social / MN-UFRJ

    Recebido em 15/02/2006Aceito para publicao em 19/05/2006

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