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498 II Encontro Nacional de Tecnologia Urbana - ENURB / V Simpósio de Pós-Graduação em Engenharia Urbana / II Simpósio de Infraestrutura e Meio Ambiente Passo Fundo x 11, 12 e 13 de novembro de 2015 A COGERAÇÃO DE ENERGIA EM USINAS SUCROALCOOLEIRAS E O APROVEITAMENTO DA CINZA RESIDUAL DO PROCESSO NA PRODUÇÃO DE CONCRETO Katherine Kaneda Moraes* Aline Lisot** Etienne Tainá Damaceno Ferreira*** Vinícius Carrijo dos Santos**** Romel Dias Vanderlei***** Resumo Uma atividade que vem sendo praticada pelo setor sucroalcooleiro é a cogeração de energia elétrica por meio da queima do bagaço da cana-de-açúcar (BCA), subproduto gerado durante o processo de moa- gem da cana. Além de agregar valor ao subproduto, a queima do BCA dá origem a Cinza do Bagaço de Cana (CBC), resíduo que possui como destino a lavoura e os aterros, e atualmente, em função de suas propriedades, se tornou alvo de estudos visando sua utilização na construção civil, mais especificamen- te na produção de concreto. Este estudo tem como objetivo descrever, por meio de estudo de caso, as condições em que a CBC é gerada em uma usina sucroalcooleira que produz e exporta energia elétrica além de açúcar e álcool, localizada na região norte do Paraná, e realizar um levantamento bibliográfico das pesquisas que vêm sendo realizadas com a finalidade de corroborar as conjecturas existentes sobre a utilização da CBC na produção de concreto. Os resultados dos trabalhos correlatos evidenciam o poten- cial de utilização da CBC em substituição parcial à areia na produção de argamassas e concretos, devido às semelhanças em suas propriedades físicas, sem causar prejuízos às suas características reológicas e às propriedades mecânicas. Palavras-chave: resíduo, cinza do bagaço de cana, concreto. Abstract An activity that has been practiced by the sugarcane industry is the cogeneration of electricity through the burning of bagasse from sugarcane (BFS), a byproduct generated during the process of grinding the cane. In addition to adding value to byproduct, the BFS burning gives rise to Ash Sugarcane Bagasse (ASB), residue having as target the farming and landfills, and currently, due to its properties, became the target of studies aiming its use in construction, specifically in concrete production. This study aims to describe, through case study, the conditions under which the ASB is generated in a sugarcane mill that produces and exports electricity as well as sugar and alcohol, located in northern Paraná, and perform a literature the research being conducted in order to confirm existing assumptions about the use of ASB in concrete production. The results of related studies show the potential use of ASB to partially replace the sand in the production of mortar and concrete, due to the similarities in their physical properties, without causing harm to its rheological characteristics and mechanical properties. Keywords: waste, sugarcane bagasse ash, concrete. * Universidade Estadual de Maringá - UEM, Departamento de Engenharia Civil. E-mail: [email protected] ** Universidade Estadual de Maringá - UEM, Departamento de Engenharia Civil. E-mail: [email protected] *** Universidade Estadual de Maringá - UEM, Departamento de Engenharia Civil. E-mail: [email protected] **** Universidade Estadual de Maringá - UEM, Departamento de Engenharia Civil. E-mail: [email protected] ***** Universidade Estadual de Maringá - UEM, Departamento de Engenharia Civil. E-mail:[email protected]

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A COGERAÇÃO DE ENERGIA EM USINAS SUCROALCOOLEIRAS E O APROVEITAMENTO DA CINZA RESIDUAL DO PROCESSO NA PRODUÇÃO DE CONCRETO

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A COGERAÇÃO DE ENERGIA EM USINAS SUCROALCOOLEIRAS E O APROVEITAMENTO DA CINZA RESIDUAL DO PROCESSO NA PRODUÇÃO DE CONCRETO

Katherine Kaneda Moraes* Aline Lisot**

Etienne Tainá Damaceno Ferreira*** Vinícius Carrijo dos Santos****

Romel Dias Vanderlei*****

Resumo

Uma atividade que vem sendo praticada pelo setor sucroalcooleiro é a cogeração de energia elétrica por meio da queima do bagaço da cana-de-açúcar (BCA), subproduto gerado durante o processo de moa-gem da cana. Além de agregar valor ao subproduto, a queima do BCA dá origem a Cinza do Bagaço de Cana (CBC), resíduo que possui como destino a lavoura e os aterros, e atualmente, em função de suas propriedades, se tornou alvo de estudos visando sua utilização na construção civil, mais especificamen-te na produção de concreto. Este estudo tem como objetivo descrever, por meio de estudo de caso, as condições em que a CBC é gerada em uma usina sucroalcooleira que produz e exporta energia elétrica além de açúcar e álcool, localizada na região norte do Paraná, e realizar um levantamento bibliográfico das pesquisas que vêm sendo realizadas com a finalidade de corroborar as conjecturas existentes sobre a utilização da CBC na produção de concreto. Os resultados dos trabalhos correlatos evidenciam o poten-cial de utilização da CBC em substituição parcial à areia na produção de argamassas e concretos, devido às semelhanças em suas propriedades físicas, sem causar prejuízos às suas características reológicas e às propriedades mecânicas.

Palavras-chave: resíduo, cinza do bagaço de cana, concreto.

Abstract

An activity that has been practiced by the sugarcane industry is the cogeneration of electricity through the burning of bagasse from sugarcane (BFS), a byproduct generated during the process of grinding the cane. In addition to adding value to byproduct, the BFS burning gives rise to Ash Sugarcane Bagasse (ASB), residue having as target the farming and landfills, and currently, due to its properties, became the target of studies aiming its use in construction, specifically in concrete production. This study aims to describe, through case study, the conditions under which the ASB is generated in a sugarcane mill that produces and exports electricity as well as sugar and alcohol, located in northern Paraná, and perform a literature the research being conducted in order to confirm existing assumptions about the use of ASB in concrete production. The results of related studies show the potential use of ASB to partially replace the sand in the production of mortar and concrete, due to the similarities in their physical properties, without causing harm to its rheological characteristics and mechanical properties.

Keywords: waste, sugarcane bagasse ash, concrete.

* Universidade Estadual de Maringá - UEM, Departamento de Engenharia Civil. E-mail: [email protected]** Universidade Estadual de Maringá - UEM, Departamento de Engenharia Civil. E-mail: [email protected]*** Universidade Estadual de Maringá - UEM, Departamento de Engenharia Civil. E-mail: [email protected]**** Universidade Estadual de Maringá - UEM, Departamento de Engenharia Civil. E-mail: [email protected]***** Universidade Estadual de Maringá - UEM, Departamento de Engenharia Civil. E-mail:[email protected]

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Introdução

Um grande desafio a ser enfrentado nos dias atuais consiste na conciliação entre o aumento da produtividade nas indústrias e o desenvolvimento sustentável, isto é, com os avanços tecnológicos as indústrias obtêm uma produtividade cada vez maior e, inevitavelmente, a geração de resíduos passa a necessitar de maior atenção. Encontrar uma aplicação que represente uma forma de apro-veitar estes resíduos apresenta-se como uma ótima opção pois, além de agregar valor ao resíduo que muitas vezes é descartado, torna-se possível também o desenvolvimento de produtos alternativos.

A geração de energia elétrica, seja ela proveniente de fontes hidrelétrica, termelétrica, nuclear, eólica e outras, é de fundamental importância para o desenvolvimento social e econômico em qualquer lugar do mundo. O Brasil se destaca em relação às outras nações por dispor, em grande quantidade, de fontes de energia renováveis. Uma destas, que se encontra bastante difundida atualmente, é a biomas-sa proveniente do setor sucroalcooleiro que, por meio da cogeração de energia, agrega um valor consi-derável aos produtos da indústria e ainda coopera com o desenvolvimento da matriz energética no país.

A cogeração de energia nas usinas sucroalcooleiras ocorre por meio da queima do bagaço de cana (BCA), originado durante a operação de moagem da cana, na caldeira. A partir desta queima gera-se como resíduo a cinza do bagaço de cana (CBC), a qual possui como destino as lavouras e as áreas de sacrifício (aterros), ou seja, apresenta um baixo valor econômico ou nenhum valor.

Atualmente, com o desenvolvimento e inovações nos projetos de engenharia, tornou-se ne-cessário um estudo aprofundado sobre o concreto, que é o material de construção mais utilizado no mundo, para o desenvolvimento de novos tipos de concreto que ultrapassam as propriedades do concreto convencional (ALCOFORADO, 2013). Um dos frutos deste desenvolvimento é o Concreto Autoadensável (CAA) que, segundo Tutikian, Dal Molin e Cremonini (2005), surgiu no Japão, em 1988, sendo este um concreto de alto desempenho que apresenta uma excelente deformabilidade no estado fresco e alta resistência à segregação, possuindo a capacidade de se moldar nas fôrmas, dis-pensando tecnologias de vibração ou compactação, passando coeso através das armaduras.

Desta forma, propõe-se neste trabalho, investigar a utilização da CBC como agregado miúdo em substituição parcial à areia na produção de Concreto Autoadensável. O trabalho aborda também um estudo de caso referente ao processo de produção da CBC em uma indústria do setor sucroalcooleiro.

Objetivo

Este trabalho tem como objetivo apresentar e descrever, por meio de estudo de caso, as condições em que a Cinza de Bagaço de Cana (CBC) é gerada em uma usina sucroalcooleira, localizada na região norte do Paraná, que produz e exporta energia elétrica além de açúcar e álcool, e realizar um levanta-mento bibliográfico das pesquisas que vêm sendo realizadas com a finalidade de confirmar o potencial existente sobre a utilização da CBC na construção civil, mais especificamente na produção de concreto.

Método

Para a realização deste trabalho, primeiramente foi necessário selecionar uma usina sucroal-cooleira que dispusesse de uma planta de cogeração. Foi realizado um estudo de caso na usina, com o objetivo de analisar o seu processo de cogeração de energia e coletar alguns dados sobre o mesmo. Sendo também acompanhado todo o processo pelo qual se obtém a cinza, analisando-o desde a en-trada da cana até a saída da cinza destinada às áreas de sacrifício.

Em um segundo momento, foi realizado um levantamento bibliográfico, em anais de eventos, revistas e bancos digitais de teses e dissertações, com o intuito de explanar os resultados obtidos por alguns pesquisadores que visaram a utilização da cinza do bagaço de cana de alguma forma na construção civil.

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Fundamentação teórica

O concreto autoadensável e sua composição

O Concreto Autoadensável (CAA), de acordo com Tutikian, Dal Molin e Cremonini (2005), pos-sui quatro dos componentes básicos do concreto convencional: o cimento, agregados (miúdo e graú-do) e água. Somando-se a estes componentes básicos são utilizados aditivos (superplastificantes e, por consequência modificadores de viscosidade) e materiais finos, que podem ou não ser pozolânicos.

O CAA, conforme a EFNARC (2002), é caracterizado pelas seguintes propriedades: a fluidez, a habilidade passante, ou seja, a capacidade que a mistura possui de escoar intacta entre as barras de aço, e a resistência a segregação. Sendo assim, o concreto só pode ser classificado como autoaden-sável se a mistura apresentar as três características citadas.

Neste trabalho, sugere-se a utilização da cinza do bagaço de cana (CBC) como agregado miúdo, em substituição parcial a areia. Geralmente, todas as areias, segundo Tutikian e Dal Molin (2008), são adequadas como agregado miúdo na produção do CAA. Segundo os autores, podem ser utilizadas as areias provenientes de depósitos eólicos e da beira de rios (areias naturais) e areias obtidas de processos industriais.

Algumas pesquisas, com o objetivo de estudar as propriedades da CBC para utilização na construção civil, vêm sendo realizadas, as quais serão apresentadas no item 6. De forma semelhante ao que se propõe neste trabalho, Dal Molin Filho (2012), demonstrou que é possível a substituição parcial da areia pela CBC, na produção de CAA, sem que sejam alteradas suas características reo-lógicas e suas propriedades mecânicas, reduzindo ainda o consumo de areia.

De acordo com a ABNT NBR 10004:2004 o subproduto da cana-de-açúcar classifica-se, quanto à sua natureza, como classe II (não inertes) e como um resíduo sólido de categoria rural.

Conforme Cordeiro (2006, p. 48), “as condições de queima do bagaço influenciam as caracterís-ticas da cinza. Em termos de óxido, a CBC apresenta uma grande quantidade de dióxido de silício, geralmente acima de 60 %, em massa”.

Conforme Lisboa et al. (2005) apud Dal Molin Filho (2012), o CAA, necessita em sua compo-sição, agregados menores do que em um concreto convencional para auxílio na formação da sua microestrutura e na obtenção de algumas das suas características principais. Sendo assim, torna--se importante a utilização de resíduos finamente moídos que, associados ao cimento, formarão os denominados finos do concreto e ou das argamassas.

A trabalhabilidade do CAA no estado fresco, de acordo com Tutikian e Dal Molin (2008), é essen-cial para uma aplicação correta, devido ao fato de que o adensamento desse concreto independe da ação humana, seria impossível a realização de correções no local. Sendo assim, a trabalhabilidade do CAA no estado fresco é uma propriedade imprescindível em aplicações do concreto em escala comercial.

Segundo Dal Molin Filho (2012), a utilização de CBC no CAA proporciona, além de um estudo de desenvolvimento da tecnologia do concreto, a valorização de um subproduto gerado em grandes quantidades nos Estados produtores de açúcar e etanol pelas usinas sucroalcooleiras, como é o caso do Estado do Paraná, principalmente na região norte/noroeste. Esta utilização promove também a substituição de parte da areia natural na composição do concreto, desta forma é possível a redução do consumo deste recurso natural, que conforme o autor, encontra-se escasso, reduzindo a degrada-ção da região de onde a areia seria extraída.

Dados do setor sucroalcooleiro

O Brasil, de acordo com a CONAB (2015), é o maior produtor de cana-de-açúcar do mundo, seguido pela Índia e pela China. Para a safra 2015/2016 o Brasil deverá produzir e destinar à in-dústria, 654,6 milhões de toneladas de cana (3,1 % a mais em relação à safra 2014/2015, que foi de

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634,8 milhões de toneladas), em 9.070,4 mil hectares, distribuídos em todos os estados produtores. O maior estado produtor de cana-de-açúcar é São Paulo (51,7 % da área plantada), no ranking dos estados produtores o Paraná se encontra na 5º posição, com 6,8 % de toda a área brasileira plantada.

De acordo com o Ministério da Agricultura Pecuária e Abastecimento – MAPA (2015), o Brasil não importa açúcar e etanol e é responsável por 61,8 % das exportações de açúcar de cana no mun-do. No caso do etanol brasileiro, a exportação se concentra em basicamente três mercados, a União Europeia, os Estados Unidos e Japão, e sua participação no volume total comercializado atinge de forma direta 53 % da quantidade total vendida.

Segundo a FIESP/CIESP (2001), de uma maneira geral, são gerados 260 quilos de bagaço a cada tonelada de cana-de-açúcar processada e, destes 260 quilos que são destinados à queima, são gerados 6,2 quilos de CBC. Adotando tais valores, e levando em consideração que toda a cana esti-mada para a safra 2015/2016 seja produzida e processada nas indústrias, seriam geradas, a partir desta safra e de seu processamento, 170,2 milhões de toneladas de bagaço de cana, totalizando mais de 4 milhões de toneladas de CBC.

Estudo de caso

O estudo foi realizado em uma indústria do setor sucroalcooleiro localizada na região norte do Paraná. A mesma possui licença ambiental para operar nas atividades de produção de açúcar, álcool e energia elétrica

A indústria em questão é autossuficiente em bagaço para a geração de energia para uso in-terno, já para a exportação de energia elétrica (utiliza-se o termo exportação para a prática de se vender o excedente de energia), faz-se necessária a busca de bagaço de outras unidades do mesmo grupo, de acordo com a disponibilidade e a viabilidade logística. Todo o bagaço produzido diaria-mente no processo vai direto para as caldeiras, havendo assim um estoque de segurança de 5.000 toneladas de bagaço trazido de outras unidades, em média são utilizadas 1.000 toneladas de bagaço por dia. Como nem todas as unidades possuem planta de cogeração, o bagaço gerado pelas mesmas pode ser estocado, garantindo que haja bagaço o ano todo para abastecer as unidades que possuem planta de cogeração.

A indústria possui dois geradores de energia, um com capacidade de 30 megawatts hora (MWh) e outro com capacidade de 16 MWh. Em média, para exportação, são gerados 23 MWh, operando 24 horas por dia.

Quanto ao consumo de bagaço para a geração de energia para a indústria em questão, tem-se que, para gerar 1 kw de energia elétrica são necessários 6 quilos de vapor, logo, são necessárias 6 toneladas de vapor para gerar 1 mw de energia elétrica e, para cada quilo de bagaço são gerados 2 quilos de vapor.

Com relação ao preço da energia gerada, em 2014 o MWh chegou a ser vendido por R$ 822,83, já para 2015 a Agência Nacional de Energia Elétrica (ANEEL, 2014) estipulou que o valor máximo do MWh deve ser de R$ 388,48 e mínimo de R$ 30,26/MWh.

Processo de produção da cinza

No processo de obtenção da cinza, inicialmente se obtém o bagaço de cana que, ao ser queima-do, dá origem à cinza residual do processo. Para a obtenção do bagaço, a primeira operação realiza-da é a recepção da matéria-prima, onde a cana proveniente da lavoura é recebida e lavada para a retirada de impurezas da mesma, pois estas afetam o processamento da cana. A Figura 1 ilustra o processo de produção da cinza desde a lavoura.

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Figura 1: Esquematização do processo de produção da CBC na usina analisada

Fonte: O autor.

Após ser recebida e devidamente lavada, a cana segue para a etapa de preparação. Nesta etapa a cana passa por dois equipamentos, o picador e o desfibrador. O picador consiste num con-junto de facas que têm por objetivo picar a cana em pedaços menores, visando facilitar o trabalho do desfibrador. O desfibrador por sua vez, é um equipamento formado por um rotor onde é acoplado um conjunto de martelos oscilantes que giram e forçam a passagem da cana por uma abertura sobre uma placa desfibradora. O desfibrador auxilia no processo de extração de açúcares que será realiza-do pela moenda.

A última operação para a obtenção do bagaço é a moagem. Esta operação é realizada pela mo-enda, e tem por objetivo a extração dos açúcares da cana por meio do esmagamento. O equipamento de esmagamento é composto por 6 ternos de moagem. Cada terno é formado por três cilindros: o ci-lindro de entrada, o cilindro superior e o cilindro de saída. Assim, o esmagamento incide ao longo dos 6 ternos de moagem e o bagaço final segue para as caldeiras, onde será queimado e será produzido o vapor a ser utilizado em todo o processo.

Para a cogeração de energia, o bagaço é consumido em um sistema a vapor, uma caldeira onde este é queimado como combustível para o aquecimento da água produzindo o vapor. A empresa em questão dispõe de três caldeiras: a primeira que produz 90 toneladas de vapor por hora, a segunda produz 60 toneladas de vapor por hora e a terceira, 160 toneladas de vapor por hora, totalizando uma produção de 310 toneladas de vapor por hora.

Ao queimar o bagaço, a caldeira produz a cinza do bagaço de cana (CBC) e gases que podem poluir o ar. Para conter a emissão destes poluentes, a usina utiliza um lavador de gás, equipamento que tem por objetivo a retirada das partículas sólidas do gás, por meio da lavagem, assim os gases

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sobem e vão para a atmosfera e as partículas de CBC, devido a umidade, tendem a se aglutinar. Assim, por meio da gravidade e ação da água, a CBC é transportada para a lagoa de secagem.

Na lagoa de secagem, o objetivo é a retirada de umidade da CBC, esta secagem ocorre de ma-neira natural, isto é, a CBC permanece exposta a radiação solar até que grande parte da umidade seja retirada. Assim que atingido um nível de umidade desejado a CBC é retirada da lagoa e segue para o descarte. Atualmente, este resíduo se destina às áreas de sacrifício (aterros). A Figura 2 apre-senta imagens referentes à algumas das etapas do processo de produção da cinza na usina estudada.

Figura 2: Processamento da cana até a obtenção do resíduo – CBC: (a) Canavial próprio – usina estudada; (b) cana que irá abastecer o processo na usina; (c) recepção da cana na usina; (d) moenda; (e) esteira que transporta o bagaço de um terno de moenda a outro; (f) caldeira; (g) lavagem de gases; (h) tanque de decantação; (i) CBC seca e peneirada para uso em substituição ao agregado miúdo na produção de argamassas e concretos.

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Estudos correlatos

Com o intuito de viabilizar a utilização da CBC na construção civil, alguns estudos sobre as propriedades deste resíduo agroindustrial vêm sendo realizados. Sendo assim, neste item serão apresentados alguns destes estudos, de forma objetiva, a fim de expor as experiências e resultados obtidos por alguns pesquisadores da área.

Em sua pesquisa, Nunes et al. (2008), estudaram as características físicas e químicas da CBC proveniente de quatro usinas localizadas na região de Maringá, tendo em vista a sua aplicação na produção de concreto, por meio da realização de ensaios de teor de umidade, matéria orgânica, granulometria, massa específica, área específica, composição química, atividade pozolânica e pro-priedades mecânicas do concreto feitos da cinza. Como resultado, constatou-se que a CBC da região estudada, em seu estado natural, apresenta baixa atividade pozolânica, podendo ser utilizada ape-nas como enchimento em compósitos a base de cimento Portland curados ao ar.

Lima et al. (2009), realizaram um estudo analisando argamassas confeccionadas com CBC, proveniente de quatro usinas na região de São Carlos, em substituição ao agregado miúdo em com-ponentes para infraestrutura urbana. Os autores constataram por meio dos resultados da análise granulométrica das amostras de CBC, esta pode classificar-se como areia fina e por meio do resul-tado das massas específicas e unitárias das amostras de CBC, esta se aproximou muito dos valores referentes ao agregado miúdo, sendo assim foi possível verificar que as amostras de CBC possuem propriedades físicas semelhantes à da areia natural.

A pesquisa de Lima et al. (2010), teve como objetivo utilizar a CBC, coletada no estado de São Paulo, como substituto do agregado miúdo em concretos. Para tanto, foram caracterizadas amostras quanto à sua composição química e física. Foram confeccionados corpos de prova alterando o teor de CBC em substituição ao agregado miúdo (0%, 30 % e 50%). Após submeter os corpos de prova a ensaios de resistência à compressão e à tração, modulo tangent inicial, índice de vazios e massa específica no estado fresco e endurecido, constatou-se que é possível substituir até 30% do agregado miúdo pela CBC levando em consideração o traço de referência.

Souto (2010) explorou em seu trabalho o efeito da CBC em seu estado natural, com teores de adição variando entre 05 e 30% em concretos de classe C30. A CBC foi avaliada por meio de ensaios físicos, tais como distribuição granulométrica e determinação do índice de vazios e módulo de finura da cinza e, o concreto foi avaliado por meio de ensaios mecânicos em corpos de prova. Como resulta-do, o autor constatou que os números iniciais demonstraram efeitos significativos nos ensaios de re-sistência à compressão axial, quando se substituía até 20% da massa de areia pela CBC, registrando ganhos de até 12% em comparação ao concreto de referência.

Em trabalho realizado por Dal Molin Filho (2012), estudou-se a substituição parcial da areia (agregado miúdo) pela CBC na produção de CAA, chegando-se a uma taxa de substituição de 10 % de areia por CBC, esta substituição proporcionou uma redução no consumo de areia de 89,2 kg/m³. Foi verificado ainda que, a substituição nesta proporção não provocou alterações nas características reoló-gicas do concreto, assim são mantidos os mesmos aspectos de fluidez, coesão e consistência de acordo com os ensaios realizados, não produzindo alterações em suas propriedades mecânicas. Sendo assim, o autor conclui que é possível utilizar a CBC na produção de CAA, não acarretando nenhum prejuízo às características reológicas e às propriedades mecânicas, além de reduzir o consumo de areia.

Considerações finais

É de conhecimento comum que a disponibilidade de energia elétrica, seja ela proveniente de qualquer uma das várias fontes de energia existentes, é de extrema importância ao desenvolvimento social e econômico em qualquer lugar do mundo. A cogeração de energia nas usinas sucroalcooleiras

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traz benefícios tanto para o desenvolvimento da matriz energética do país como para a agregação de valor aos produtos da indústria.

Ao lado do aumento da produtividade nas indústrias, torna-se inevitável a geração de resí-duos, cuja má disposição pode vir a agredir o meio ambiente. A proposta de se empregar a CBC, em substituição parcial da areia na produção de concreto, traz à tona a possibilidade de reduzir o direcionamento deste resíduo aos aterros, reduzindo, ao mesmo tempo, a extração de areia nos leitos dos rios.

Dar uma destinação adequada aos resíduos, tornando possível ainda a elaboração de produtos alternativos, é uma prática que beneficia a usina e também o meio ambiente, além de contribuir com a tecnologia de desenvolvimento de novos materiais. Em relação à construção civil, percebe-se que muito tem-se estudado a respeito da utilização de resíduos industriais no desenvolvimento de novos materiais, o que acaba respondendo às exigências atuais da gestão ambiental, contribuindo para a redução do uso de matérias-primas empregando recursos renováveis e para a redução do descarte de resíduos que têm a possibilidade de ser aproveitados.

Conclusões

Por meio do estudo de caso realizado na usina e análise do processo em que se obtém a CBC foi possível constatar que a queima do bagaço da cana-de-açúcar, visando gerar energia não só para a utilização em seus processos internos, mas também para a exportação de seu excedente, representa uma atividade que traz um grande retorno à indústria junto aos seus produtos tradicionais.

Quanto ao potencial de utilização da CBC na construção civil, nota-se o crescente número de estudos deste cunho no meio acadêmico. A abordagem de alguns destes estudos e análise de seus resultados permitem afirmar que, embora a dosagem ainda se encontre em fase de estudo, devido às semelhanças em suas propriedades físicas, é possível utilizar a CBC em substituição parcial à areia, na produção de argamassas e concretos, sem causar prejuízos às suas características reológicas e propriedades mecânicas.

Os resultados obtidos por meio das pesquisas abordadas dizem respeito apenas a aplicações e ensaios realizados em laboratório, faz-se necessária a realização de estudos visando a utilização do CAA com CBC em escala comercial, delimitando assim, seus potenciais e limitações em utilizações em obras reais.

Referências

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DAL MOLIN FILHO, R. G. Concreto autoadensável com cinza do bagaço da cana-de-açúcar. 2012, 185f. Dissertação de Mestrado. Universidade Estadual de Maringá, UEM, Centro de Tecnologia, Maringá, 2012.

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