COF AULA 267 (18!10!2014) Kant - Ideia Para Uma História Universal

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Seminário de Filosofia Olavo de Carvalho www.seminariodefilosofia.org Excertos de: Immanuel Kant, A IDÉIA DE UMA HISTÓRIA UNIVERSAL COM UM PROPÓSITO COSMOPOLITA Tradução de Arthur Morão www.lusosofia.net [O historiador,] se considerar no seu conjunto o jogo da liberdade e da vontade humana, poderá descobrir um curso regular [...]. Assim os casamentos, [...] já que a livre vontade dos homens sobre aqueles tem tão grande influência, não parecem estar submetidos a regra alguma [...] e, no entanto, os quadros [estatísticos] anuais dos grandes países mostram que eles ocorrem segundo leis naturais constantes, tal como as alterações atmosféricas, cuja previsão não é possível determinar com antecedência em cada caso singular, mas que no seu conjunto não deixam de manter num curso homogêneo e ininterrupto o crescimento das plantas e outros arranjos naturais. Os homens singulares e até os povos inteiros, só em escassa medida se dão conta de que, ao perseguirem cada qual o seu propósito de harmonia com a sua disposição [...] seguem imperceptivelmente, como fio condutor, a intenção da Natureza [...] [...] Tudo, no conjunto [da História], se encontra finalmente tecido de loucura, de vaidade infantil e, com muita frequência, também de infantil maldade e ânsia destruidora. [...] O filósofo [...] não pode pressupor nenhum propósito racional peculiar exceto inquirir se ele não conseguirá descobrir uma intenção da natureza no absurdo trajeto das coisas humanas, a partir da qual seja possível uma história de criaturas que procedem sem um plano próprio e, no entanto, em consonância com um determinado plano da natureza. [...]

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  • Seminrio de Filosofia Olavo de Carvalho

    www.seminariodefilosofia.org

    Excertos de: Immanuel Kant,

    A IDIA DE UMA HISTRIA UNIVERSAL COM UM PROPSITOCOSMOPOLITA

    Traduo de Arthur Moro

    www.lusosofia.net

    [O historiador,] se considerar no seu conjunto o jogo da liberdade e davontade humana, poder descobrir um curso regular [...]. Assim oscasamentos, [...] j que a livre vontade dos homens sobre aqueles tem togrande influncia, no parecem estar submetidos a regra alguma [...] e, noentanto, os quadros [estatsticos] anuais dos grandes pases mostram queeles ocorrem segundo leis naturais constantes, tal como as alteraesatmosfricas, cuja previso no possvel determinar com antecedncia emcada caso singular, mas que no seu conjunto no deixam de manter numcurso homogneo e ininterrupto o crescimento das plantas e outros arranjosnaturais. Os homens singulares e at os povos inteiros, s em escassamedida se do conta de que, ao perseguirem cada qual o seu propsito deharmonia com a sua disposio [...] seguem imperceptivelmente, como fiocondutor, a inteno da Natureza [...]

    [...] Tudo, no conjunto [da Histria], se encontra finalmente tecido deloucura, de vaidade infantil e, com muita frequncia, tambm de infantilmaldade e nsia destruidora. [...] O filsofo [...] no pode pressupor nenhumpropsito racional peculiar exceto inquirir se ele no conseguir descobriruma inteno da natureza no absurdo trajeto das coisas humanas, a partirda qual seja possvel uma histria de criaturas que procedem sem um planoprprio e, no entanto, em consonncia com um determinado plano danatureza.

    [...]

  • PRIMEIRA PROPOSIO

    Todas as disposies naturais de uma criatura esto determinadas adesenvolver-se alguma vez de um modo completo e apropriado.

    [...] se, de fato, renunciarmos a esse princpio, j no temos umanatureza regular, antes uma natureza que atua sem finalidade [...].

    SEGUNDA PROPOSIO

    No homem [...] as disposies naturais que visam o uso da sua razodevem desenvolver-se integralmente s na espcie, e no no indivduo.

    A razo [...] no atua [...] de modo instintivo, mas precisa detentativas, de exerccio e de aprendizagem [...] pelo que cada homem teriade viver um tempo incomensuravelmente longo para aprender como deveriausar com perfeio todas as suas disposies naturais; ou se a naturezaestabeleceu apenas um breve prazo sua vida (como realmente acontece)ela necessita de uma srie talvez incontestvel de geraes, das quais umatransmite outra os seus conhecimentos [...].

    TERCEIRA PROPOSIO

    A natureza quis que o homem tire totalmente de si tudo o queultrapassa o arranjo mecnico da sua existncia animal, e que nocompartilhe nenhuma outra felicidade ou perfeio exceto a que ele, libertodo instinto, conseguiu para si mesmo, mediante a prpria razo.

    A natureza [...]. Que tenha dotado o homem de razo e da liberdadeda vontade [...] era j um indcio claro da sua inteno [...] que s as ltimasgeraes tero a sorte de habitar na manso em que uma longa srie dosseus antepassados (...) trabalhou [...] como classe de seres racionais,sujeitos morte no seu conjunto [...].

    QUARTA PROPOSIO

    O meio de que a natureza se serve para obter o desenvolvimento detodas as suas disposies o antagonismo destas na sociedade, na medidaem que ele se torna [...] a causa de uma ordem legal das mesmasdisposies.

    Entendo aqui por antagonismo a sociabilidade insocivel dos homens[...] a sua tendncia para entrar em sociedade; essa tendncia, porm, estunida a uma resistncia universal que, incessantemente, ameaa dissolver a

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  • sociedade [...]. O homem tem uma inclinao para entrar em sociedade [...].Mas tambm uma grande propenso para se isolar [...] esta resistncia que desperta todas as foras do homem [...] movido pela nsia das honras,do poder e da posse, a obter uma posio entre os seus congneres, que eleno pode suportar, mas dos quais tambm no pode prescindir. [...]Desenvolvem-se pouco a pouco todos os talentos [...], atravs de umaincessante ilustrao, o comeo transforma-se na fundao de um modo depensar que, com o tempo pode [...] transmutar ainda, deste modo, num todomoral em consonncia para formar [a] sociedade, patologicamenteprovocada. Sem as propriedades em si decerto no dignas de apreo, dainsociabilidade [...] todos os talentos ficariam para sempre ocultos [...] numarcadica vida de pastores [...].

    QUINTA PROPOSIO

    O maior problema do gnero humano [...] a consecuo de umasociedade civil que administre o direito em geral.

    [...] s na sociedade [...], naquela que tem a mxima liberdade, porconseguinte, o antagonismo universal dos seus membros possui, no entanto,a mais exata determinao e segurana dos limites de tal liberdade [...] snela se pode obter a mais elevada inteno da natureza, posta nahumanidade, a saber, o desenvolvimento de todas as suas disposies, anatureza quer tambm que ela prpria realize este seu fim [...] por isso,uma sociedade em que a liberdade [...] se encontra unida no maior graupossvel com o poder irresistvel, isto , uma constituio civil perfeitamentejusta, que deve constituir para o gnero humano a mais elevada tarefa danatureza; [...]. Toda a cultura e toda a arte, que ornamentam a humanidade,e a mais bela ordem social so frutos da insociabilidade que [...] forada adisciplinar-se [...].

    SEXTA PROPOSIO

    A dificuldade [...] a seguinte: o homem um animal que [...] precisade um senhor. [...]que lhe quebrante a vontade prpria e o force a obedecera uma vontade universalmente vlida, e possa, todavia, ser livre. [...] Mastal senhor tambm um animal, que carece de um senhor. [...] no deprever, portanto, como que um chefe da justia pblica venha a conseguirtomar-se justo; [...]de um lenho to retorcido [...] nada de inteiramentedireito se pode fazer. Apenas a aproximao a esta idia nos imposta pelanatureza.

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  • STIMA PROPOSIO

    O problema da instituio de uma constituio civil perfeita depende,por sua vez, do problema de uma relao externa legal entre os Estados eno pode resolver-se sem esta ltima.

    [...] A mesma insociabilidade [...] de novo a causa por que cadacomunidade se encontre numa relao exterior [...] numa liberdadeirrestrita e, por conseguinte, cada uma deve esperar do outro os males quepressionaram e constrangeram os homens singulares a entrar num estadocivil legal. [...] por meio das guerras [...] a natureza compele-os, primeiro, atentativas imperfeitas e, finalmente, aps muitas devastaes [...], aointento que a razo lhes podia ter inspirado, mesmo sem tantas e to tristesexperincias, a saber: sair do estado sem leis dos selvagens e ingressarnuma liga de povos [...]. Embora essa idia parea ser fantasiosa [...], nempor isso deixa de ser a inevitvel sada da necessidade [...] renunciar sualiberdade brutal e buscar a tranquilidade e a segurana numa constituiolegal. Todas as guerras so, pois, outras tentativas [...] de suscitar novasrelaes entre os Estados [...]; at que, por fim, [...] se erija um estado que,semelhante a uma comunidade civil, se possa manter a si mesmo como umautmato.

    [...] dever esperar-se de uma convergncia epicurista das causas [...]se consiga uma formao [...]; ou supor-se-, pelo contrrio, que a naturezaperseque aqui um curso regular conduzir gradualmente a nossa espciedesde o estgio inferior da animalidade at ao nivel mximo da humanidade[...]; ou supor, se preferir, que todas as aes e reaes dos homens no seuconjunto no provm nada que permanea ou, pelo menos, nada que sejasagaz [...], no se pode predizer se dissenso [...] no acabar por nospreparar, num estado assim civilizado, um inferno de males, porque talvezvenha a destruir esse mesmo estado e todos os progressos realizados nacultura (destino que no se pode encarar sob o governo do acaso cego [...])[...] ser razovel supor a finalidade da natureza nas suas partes e, noentanto, no a admitir em seu conjunto? [...] por meio das devastaes quea guerra prepara e, [...]se impede o pleno desabrochamento das disposiesnaturais no seu avano; em contrapartida, porm, tambm os males daprovenientes constrangem a nossa espcie a encontrar [...], uma lei deequilbrio e um poder unificado que lhe d fora; [...] que no desprovidode perigos, a fim de as foras da humanidade no dormitarem, mas quetambm no existe sem um princpio da igualdade das suas recprocasaes e reaes, a fim de no se destrurem entre si. [...] e Rosseau no

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  • estava enganado ao preferir o estado dos selvagens, se se deixar de lado oltimo estgio que a nossa espcie ainda tem que percorrer. [...] Nessasituao permanecer, sem dvida, o gnero humano at sair, do modocomo referi, do estado catico das suas relaes estatais.

    OITAVA PROPOSIO

    Pode encarar-se a histria humana no seu conjunto como a execuode um plano oculto da natureza, a fim de levar a cabo uma constituioestatal [...] perfeita [...].

    [...] O que apenas importa se a experincia nos descortina algo desemelhante no curso do propsito da natureza. Digo: muito pouco; [...] estatrajetria circular parece exigir um tempo to longo antes de se fechar [...]s com igual incerteza se pode determinar a forma do seu curso [...].Contudo, a natureza humana implica no ser indiferente em relao pocamais remota que dir respeito nossa espcie, [...]. Por isso, so muitoimportantes at mesmo os dbeis indcios da sua aproximao. [...];portanto, os intentos de glria dos Estados asseguram, consideravelmente,se no o progresso, pelo menos a manuteno desse fim da natureza. [...] esurge assim gradualmente, com devaneios e delrios subreptcios, ailustrao, como um grande bem que o gnero humano deve preferir aopropsito egosta de expanso dos seus governantes, se chegarsimplesmente a compreender o seu prprio benefcio [...]. Mas essailustrao, [...] deve subir a pouco a pouco aos tronos e influcienar,inclusive, os seus princpios de governo. [...] Embora este corpo poltico seencontre agora s ainda num projeto grosseiro, comea j, por assim dizer,a suscitar um sentimento em todos os membros, interessados namanutenco do todo, isso alenta a esperana de que, aps muitasrevolues transformadoras, vir por fim a realizar-se o que a naturezaapresenta como propsito supremo: um estado de cidadania mundial [...].

    NONA PROPOSIO

    Um ensaio filosfico que procure elaborar toda a histria mundialsegundo um plano da natureza, em vista da perfeita associao civil nognero humano, deve considerar-se no s como possvel mas tambmcomo fomentando esse propsito da natureza.

    [...] incongruente querer conceber a histria segundo uma idia decomo deveria ser o curso do mundo [...]; parece que, num tal intento,apenas poderia vir luz uma novela. Mas se a natureza, por suposio, [...]

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  • no procede sem plano e meta final, semelhante idia poderia ser muito til[...]1 descobrir-se- um curso regular da melhoria da constituio estatal nanossa parte do mundo (que, provavelmente, algum dia dar leis a todas asoutras). [...] mas de maneira a ter restado sempre um germe de ilustrao, oqual, avivado por cada revoluo, prepara um ulterior estgio mais elevadode melhoramento [...]. Pois, de que serve exaltar a magnificncia e asabedoria da criao [...] se a parte que contm o fim de todo o grandeteatro da sabedoria suprema a histria do gnero humano continua a seruma objeo incessante, cuja viso nos fora a desviar os olhos comdesagrado [...].

    [...] a riqueza dos pormenores [...] levar cada qual decerto aconsiderar como precauo como conseguir a nossa ulterior descendnciacarregar com o peso da histria que lhe vamos deixando, ao longo dossculos? Apreciar, sem dvida, as pocas mais antigas [...] a partir doponto de vosta do que lhe interessa, a saber, o que os povos e os governosfizeram, ou no, com um propsito cosmopolita?

    1 S um pblico ilustrado, que perdurou sem interrupo desde o comeo at ns, pode autenticar a histria antiga. Para l dele, tudo terra incognita; [...]. Isto aconteceu com o povo judaico no tempo de Ptolomeus [...].

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