Código Civil II

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CÓDIGO CIVIL II CÓDIGO CIVIL II

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CDIGO CIVIL II

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CAPTULOXXVII -CONCURSO DE PESSOASSumrio: 1. Introduo. 2. Teorias sobre o concurso de pessoas. 3. Causalidade fsica e psquica. 4. Requisitos do concurso de pessoas. 5. Autoria. 5.1. Conceito extensivo de autor. 5.2. Conceito restritivo de autor. 5.2.1. Teoria do domnio do fato. 6. Autoria mediata. 7. Coautoria. 8. Participao em sentido estrito. 8.1. Espcies de participao. 8.2. Fundamento da punibilidade da participao. 8.3. Princpio da acessoriedade da participao. 9. Concurso em crime culposo. 10. Concurso em crimes omissivos. 11. Autoria colateral. 12. Multido delinquente. 13. Participao impunvel. 14. Punibilidade do concurso de pessoas. 14.1. Participao de menor importncia. 14.2. Cooperao dolosamente distinta. 15. Comunicabilidade das circunstncias, condies e elementares. 1.IntroduoNormalmente os tipos contidos na Parte Especial do Cdigo Penal referem-se a fatos realizveis por uma nica pessoa. Contudo, o fato punvel pode ser obra de um ou de vrios agentes. Frequentemente a ao delituosa produto da concorrncia de vrias condutas praticadas por sujeitos distintos. As razes que podem levar o indivduo a consorciar-se para a realizao de uma empresa criminosa podem ser as mais variadas: assegurar o xito do empreendimento delituoso, garantir a impunidade, possibilitar o proveito coletivo do resultado do crime ou simplesmente satisfazer outros interesses pessoais. Essa reunio de pessoas no cometimento de uma infrao penal d origem ao chamadoconcursus delinquentium.A cooperao na realizao do fato tpico pode ocorrer desde a elaborao intelectual at a consumao do delito. Respondem pelo ilcito o que ajudou a planej-lo, o que forneceu os meios materiais para a execuo, o que intervm na execuo e mesmo os que colaboram na consumao do ilcito1. Da surgem as questes: a)como deve ser valorado o fenmeno delitivo quando participam vrios agentes, e b)como deve ser valorada a conduta individual de cada um, com os problemas de diferenciao das diversas modalidades de interveno, que podem apresentar-se em forma de concurso necessrio, autoria colateral, coautoria, participao etc.?Essas dificuldades, no entanto, somente se apresentam no chamadoconcurso eventual de pessoas, que pode receber a contribuio de terceiros at o momento de consumao do crime. Cabe advertir, por outro lado, que no entram no mbito da codelinquncia as condutas praticadas aps a consumao do crime. Em nosso Direito ptrio esse comportamento configurar crime autnomo, podendo tipificarreceptao, favorecimento real,favorecimento pessoaletc. O revogado Cdigo Penal espanhol de 1973 previa o encobrimento como uma forma de participao, mas com a entrada em vigor da Lei Orgnica n. 10/95 (atual Cdigo Penal espanhol), somente as condutas realizadas ao longo doiter criminisat a consumao so consideradas como formas deintervenono delito (autoria direta, coautoria, autoria mediata, induo, cooperao necessria e cumplicidade).O Cdigo Penal de 1940 utilizava a terminologia coautoria para definir o concurso eventual de delinquentes. Mas na verdade coautoria apenas uma espcie do gnero codelinquncia, que tambm pode se apresentar sob a forma departicipaoem sentido estrito. Consciente desse equvoco, o Cdigo Penal de 1969 utilizou a expresso concurso de agentes, que abrangeria as duas espcies referidas de concurso. A reforma de 1984 considerou, porm, que concurso de agentes no era a terminologia mais adequada por ser extremamente abrangente e poder compreender inclusive fenmenos naturais, pois agentes fsicos tambm podem produzir transformaes no mundo exterior2. Na viso da reforma, concurso de pessoas a melhor forma para definir a reunio de pessoas para o cometimento de um crime, adequando-se melhor natureza das coisas.Deve-se ter presente que o chamadoconcurso necessrio, na hiptese dos crimesplurissubjetivos, que s podem ser cometidos por duas ou mais pessoas, como bigamia, adultrio, rixa etc., no oferece as dificuldades a serem aqui examinadas. Por isso, s nos ocuparemos doconcurso eventual, prprio dos crimes passveis de ser executados por uma nica pessoa, os crimesunissubjetivos. Enfim, o concurso de pessoas, em outros termos, a consciente e voluntria participao de duas ou mais pessoas na mesma infrao penal.2.Teorias sobre o concurso de pessoasComo indicamos, inicialmente, uma das questes a ser resolvida diante do fenmeno da codelinquncia a decomo deve ser valorado o fenmeno delitivo quando participam vrios indivduos. Tem-se discutido se a conduta delituosa praticada em concurso constitui um ou vrios crimes. Algumas teorias procuram definir esse complexo problema da criminalidade coletiva: pluralstica, dualstica e monstica.a)PluralsticaSegundo essa teoria, a cada participante corresponde uma conduta prpria, um elemento psicolgico prprio e um resultado igualmente particular. pluralidade de agentes corresponde a pluralidade de crimes. Existem tantos crimes quantos forem os participantes do fato delituoso. Chegou-se a ver na participao um crime distinto, especial, o crime de concurso3. Contudo, essa ideia era insustentvel, j que, em regra, as condutas praticadas em concurso de agentes dirigem-se realizao de um mesmo crime, mantendo-se a unidade de imputao para todos aqueles que nele participam. O crime que se pune o do tipo especificamente violado, e no uma suposta figura particular para cada um dos participantes4. Imagine-se, por exemplo, a prtica do crime de roubo quando quatro pessoas entram em acordo para subtrair o dinheiro existente na caixa forte de uma agncia bancria, mediante o emprego de grave ameaa contra o diretor da sucursal. Nesse caso, no estamos diante de quatro crimes de roubo, ou do crime de concurso, mas, sim, de um nico crime que para a sua execuo contou com a interveno de quatro agentes. O resultado produzido tambm um s. Na verdade, a participao de cada concorrente no constitui atividade autnoma, mas converge para uma ao nica, com objetivo e resultado comuns.b)DualsticaPara essa teoria h dois crimes: um para os autores, aqueles que realizam a atividade principal, a conduta tpica emoldurada no ordenamento positivo, e outro para ospartcipes, aqueles que desenvolvem uma atividade secundria, que no realizam a conduta nuclear descrita no tipo penal. Assim, osautoresrealizam a conduta principal, durante a fase executria, constitutiva do tipo de autoria (ou de coautoria), enquanto ospartcipesintegram-se ao plano criminoso, colaborando na fase preparatria ou mesmo na fase executria contribuindo com conduta secundria, de menor importncia, e realizam otipo de participao. Contudo, apesar dessa concepo dupla, no estamos diante da prtica de dois crimes distintos, pelo contrrio, o crime continua sendo um s, e, muitas vezes, a ao daquele que realiza a atividade tpica (o executor) to importante quanto a do partcipe que atua no planejamento da ao executria que levada a cabo pelos demais. Mas, enfim, a teoria consagra dois planos de condutas, um principal, a dos autores ou coautores, e um secundrio, a dos partcipes.c)Monstica ou unitriaPara essa teoria o fenmeno da codelinquncia deve ser valorado como constitutivo de um nico crime, para o qual converge todo aquele que voluntariamente adere prtica da mesma infrao penal. Noconcurso de pessoastodos os intervenientes do fato respondem, em regra, pelo mesmo crime, existindo, portanto, unidade do ttulo de imputao. Contudo, essa viso unitria do fenmeno criminoso, que a resposta mais adequada primeira questo formulada, isto , pergunta acerca decomo deve ser valorado o fenmeno delitivo quando participam vrios agentes, no deve ser confundida com a segunda questo formulada, ou seja, com a indagao acerca decomo deve ser valorada a conduta individual daqueles que participam no mesmo crime.A esse respeito existem duas possibilidades: a) considerar todos os intervenientes no mesmo crime como autores de uma obra comum, sem fazer qualquer distino de qualidade entre as condutas praticadas, ou b) considerar o crime praticado como o resultado da atuao desujeitos principais(autor, coautor e autor mediato), e desujeitos acessriosousecundrios(partcipes), que realizam condutas qualitativamente distintas. O primeiro modelo conhecido comosistema unitriode autor, e o segundo, comosistema diferenciador5.Para o sistemaunitrio clssicodesenvolvido, fundamentalmente, na Itlia, todo aquele que concorre para o crime causa-o em sua totalidade e por ele responde integralmente6. Embora o crime seja praticado por diversas pessoas que colaboram de maneira distinta, todos respondem na qualidade de autor. O crime o resultado da conduta de cada um e de todos, indistintamente. Essa concepo parte da teoria da equivalncia das condies necessrias produo do resultado. No entanto, o fundamento maior dessa teoria poltico-criminal, que prefere punir igualmente a todos os participantes de uma mesma infrao penal7.Essa foi a teoria adotada pelo Cdigo Penal de 1940, que evitou uma srie de questes que naturalmente decorreriam das definies de autores, partcipes, auxlio necessrio, auxlio secundrio, participao necessria etc.8. A Reforma Penal de 1984 no se distanciou desse modelo, na medida em que ocaputdo art. 29 foi redigido com umaviso causalistado fenmeno da codelinquncia, vinculado teoria da equivalncia das condies, alis, na verdade, repetiu a redao do Cdigo Penal de 1940, acrescentado, somente, a locuo final na medida de sua culpabilidade,in verbis: quem, de qualquer modo, concorre para o crime incide nas penas a este cominadas, na medida de sua culpabilidade.O legislador da reforma penal procurou, contudo, atenuar os seus rigores, distinguindo com preciso a punibilidade deautoriaeparticipao. Estabeleceu, inclusive, alguns princpios disciplinando determinadosgraus de participao, que permitem a interpretao da atual normativa acerca doconcurso de pessoasno sentido dosistema diferenciador, que ser analisado mais adiante.Como veremos ao longo deste captulo, o legislador penal brasileiro adotou ateoria monstica, determinando que todos os participantes de uma infrao penal incidem nas sanes de um nico e mesmo crime, e, quanto valorao das condutas daqueles que nele participam, adotou umsistema diferenciadordistinguindo a atuao deautoresepartcipes, permitindo uma adequada dosagem de pena de acordo com a efetiva participao e eficcia causal da conduta de cada participante,na medida da culpabilidade, perfeitamente individualizada9. Na verdade, os pargrafos do art. 29 permitiram a transio da adoo doconceito unitrio de autor, imposto inicialmente pelo Cdigo Penal de 1940, para umconceito diferenciador, ao determinar a punibilidade diferenciada da participao. Por outro lado, como diz Ren Ariel Dotti, a referncia culpabilidade no final do referido artigo uma proclamao de princpio que ilumina todo o quadro do concurso e introduz uma clusula salvatria contra os excessos a que poderia levar uma interpretao literal e radicalizante10com base nosistema unitrio clssico, o que levou Joo Mestieri a afirmar que o legislador adotou uma teoria unitria temperada11.3.Causalidade fsica e psquicaSegundo a doutrina, a soluo do intrincado problema do concurso de pessoas est intimamente relacionada com a teoria adotada em relao ao nexo causal. O Direito Penal brasileiro adota a teoria da equivalncia das condies, que no distingue causa e condio na produo do resultado tpico.A causalidade, porm, vinha desfrutando de exagerada influncia na soluo do problema da codelinquncia, esquecendo-se de que ela, a causalidade, apenas oelemento material, objetivo do concurso a contribuio causal fsica ,importante, necessria, mas insuficiente para aperfeioar o instituto. indispensvel a presena, ao mesmo tempo, de umelemento subjetivo, a vontade e conscincia de participar da obra comum. O concurso de pessoas compreende no s acontribuio causal, puramente objetiva, mas tambm acontribuio subjetiva, pois, como diz Soler, participar no quer dizer s produzir, mas produzir tpica, antijurdica e culpavelmente12um resultado proibido. indispensvel a conscincia e vontade de participar, elemento que no necessita revestir-se da qualidade de acordo prvio, que, se existir, representar apenas a forma mais comum, ordinria, de adeso de vontades na realizao de uma figura tpica13. Aconscinciade colaborar na realizao de uma conduta delituosa pode faltar no verdadeiro autor, que, alis, pode at desconhec-la, ou no desej-la, bastando que o outro agente deseje aderir empresa criminosa14. Porm, ao partcipe indispensvel essa adeso consciente e voluntria, no s na ao comum, mas tambm no resultado pretendido pelo autor principal15.A causalidade fsica apenas um fragmento do complexo problema do concurso de pessoas, que exige tambm o liame subjetivo para completar-se. necessria, na expresso de Soler, a integrao de um processo fsico de causao e um processo humano de produo de um resultado16. Assim, inexistindo o nexo causal ou o liame subjetivo, qualquer dos dois, no se poder falar em concurso de pessoas. Por exemplo, algum, querendo contribuir com a prtica de um homicdio, empresta a arma, que, afinal, no utilizada na execuo do crime e no influi de forma alguma no nimo do autor, ou, ento, o criado que, por imprudncia ou negligncia, deixa aberta a porta da casa durante a noite, favorecendo, inadvertidamente, a prtica de um furto. No primeiro caso, no houveeficcia causalda participao, e, no segundo, faltou oelemento subjetivo, no sendo, consequentemente, em qualquer das hipteses, punveis as condutas dos pseudopartcipes.Alm disso, a simples constatao da eficcia causal da contribuio do agente no crime no , ao mesmo tempo, um critrio valorativo adequado para determinar a maior ou menor relevncia da conduta praticada. Isto , o nexo de causalidade no por si s suficiente para determinar quem deve responder na qualidade de autor principal, e quem deve responder na qualidade departcipe secundrio. Isso porque, atravs dateoria da equivalncia das condies, somente identificamos a ao e a omisso que pode ser considerada comocausa, mas dela no podemos deduzir qual a conduta mais relevante para efeitos deautoria, nem qual a conduta secundria, para efeitos departicipao. Dessa forma, necessrio analisar sob outros pontos de vista qual o critrio mais adequado para distinguir, no mbito de um sistema diferenciador, a conduta do autor da conduta do partcipe.4.Requisitos do concurso de pessoasJ referimos que para o aperfeioamento do concurso eventual de pessoas indispensvel a presena de elementos de natureza objetiva e subjetiva. Porm, outros requisitos devem somar-se queles. Examinemo-los individualmente.a)Pluralidade de participantes e de condutasEsse o requisito bsico do concurso eventual de pessoas: a concorrncia de mais de uma pessoa na execuo de uma infrao penal. Embora todos os participantes desejem contribuir com sua ao na realizao de uma conduta punvel, no o fazem, necessariamente, da mesma forma e nas mesmas condies. Enquanto alguns, segundo Esther Ferraz, praticam o fato material tpico, representado pelo verbo ncleo do tipo, outros limitam-se a instigar, induzir, auxiliar moral ou materialmente o executor ou executores praticando atos que, em si mesmos, seriam atpicos17. A participao de cada um e de todos contribui para o desdobramento causal do evento e respondem todos pelo fato tpico em razo da norma de extenso do concurso18.b)Relevncia causal de cada condutaA conduta tpica ou atpica de cada participante deve integrar-se corrente causal determinante do resultado19. Nem todo comportamento constitui participao, pois precisa ter eficcia causal20, provocando, facilitando ou ao menos estimulando a realizao da conduta principal. Assim, no exemplo daquele que, querendo participar de um homicdio, empresta uma arma de fogo ao executor, que no a utiliza e tampouco se sente estimulado ou encorajado com tal emprstimo a executar o delito. Aquele no pode ser tido como partcipe pela simples e singela razo de que o seu comportamento foi irrelevante, isto , sem qualquer eficcia causal.c)Vnculo subjetivo entre os participantesDeve existir tambm, repetindo, um liame psicolgico entre os vrios participantes, ou seja, conscincia de que participam de uma obra comum. A ausncia desse elemento psicolgico desnatura o concurso eventual de pessoas, transformando-o em condutas isoladas e autnomas. Somente a adeso voluntria, objetiva (nexo causal) e subjetiva (nexo psicolgico), atividade criminosa de outrem, visando realizao do fim comum, cria o vnculo do concurso de pessoas e sujeita os agentes responsabilidade pelas consequncias da ao21.O simplesconhecimentoda realizao de uma infrao penal ou mesmo a concordncia psicolgica caracterizam, no mximo, conivncia, que no punvel, a ttulo departicipao, se no constituir, pelo menos, alguma forma de contribuio causal, ou, ento, constituir, por si mesma, uma infrao tpica22. Tampouco ser responsabilizado comopartcipequem, tendo cincia da realizao de um delito, no o denuncia s autoridades, salvo se tiver o dever jurdico de faz-lo, como o caso, por exemplo, da autoridade pblica.d)Identidade de infrao penalPara que o resultado da ao de vrios participantes possa ser atribudo a todos, tem que consistir em algo juridicamente unitrio23. Como afirma Damsio, no propriamente um requisito, mas consequncia jurdica diante das outras condies24. Algum planeja a realizao da conduta tpica, ao execut-la, enquanto um desvia a ateno da vtima, outro lhe subtrai os pertences e ainda um terceiro encarrega-se de evadir-se do local com um produto do furto. uma exemplar diviso de trabalho constituda de atividades dspares, convergentes, contudo, a um mesmo objetivo tpico: subtrao de coisa alheia mvel. Respondem todos por um nico tipo penal ou no se reconhece a participao ou o prprio concurso na empresa criminosa25.5.AutoriaO conceito de autoria, como vimos no princpio deste Captulo, pode abranger todos os intervenientes no crime, quando partimos de um sistema unitrio de autor, ou pode estar limitado conduta dos agentes principais, se partimos de um sistema diferenciador de autor. Neste tpico trataremos, especificamente, da autoria como conceito restrito, nos termos do sistema diferenciador, adotado pela Reforma Penal de 1984.Um sistema verdadeiramente diferenciador de autor caracteriza-se, fundamentalmente, pela adoo doprincpio de acessoriedade da participao, pois atravs deste princpio que podemos entender aparticipaocomo umainterveno secundria, cuja punibilidade se estabelece em funo de determinados atributos da conduta do autor26. Alm disso, a adoo desse princpio conduz necessidade de estabelecer critrios de distino entre as condutas de autoria e as condutas de participao, tema que ser analisado nos tpicos seguintes. O estudo especfico doprincpio de acessoriedadeser feito mais adiante, quando trataremos daparticipao em sentido estrito.A autoria dentro de um sistema diferenciador no pode circunscrever-se a quem pratica pessoal e diretamente a figura delituosa, mas deve compreender tambm quem se serve de outrem como instrumento (autoria mediata). possvel igualmente que mais de uma pessoa pratique a mesma infrao penal, ignorando que colabora na ao de outrem (autoria colateral), ou ento, consciente e voluntariamente, coopere no empreendimento criminoso, praticando atos de execuo (coautoria). Vrias teorias procuram definir o conceito do autor dentro de um sistema diferenciador.5.1.Conceito extensivo de autorO conceito extensivo de autor foi desenvolvido pela doutrina alem nos anos 30 do sculo passado27. Seu mais provvel idealizador foi Leopold Zimmerl, a quem atribuda a primeira verso sistematizada do conceito extensivo de autor, distinguindo-o do conceito restritivo de autor em funo da interpretao dos tipos penais, exposta em 192928.O conceito extensivo tem como fundamento dogmtico a ideia bsica da teoria da equivalncia das condies, de tal forma que sob o prisma naturalstico da causalidade no se distingue a autoria da participao. Todo aquele que contribui com alguma causa para o resultado considerado autor. Com esse ponto de partida, inclusive instigador e cmplice seriam considerados autores, j que no se distingue a importncia da contribuio causal de uns e outros. Nessa poca, porm, a doutrina alem no ignorava a existncia dos preceitos legais que disciplinavam aparticipaono delito, deixando claro que esta deveria ser tratada diferentemente daautoria. Assim, para essa teoria, o tratamento diferenciado participao (partcipes) deveria ser visto como constitutivo de causas de restrio ou limitao da punibilidade29.Objetivamente, como acabamos de afirmar, no era possvel estabelecer a distino entreautoriaeparticipao, ante a equivalncia das condies. Contudo, essa distino deveria ser feita em face da lei, que a reconhece, estabelecendo penas diferentes para o autor, o indutor (instigador) e o cmplice. Como soluo, um setor da doutrina alem prope que a distino seja fixada atravs de umcritrio subjetivo. Por isso, oconceito extensivode autor vem unido teoria subjetiva da participao, que seria um complemento necessrio daquela. Segundo essa teoria, autor quem realiza uma contribuio causal ao fato, seja qual for seu contedo, com vontade de autor, enquanto partcipe quem, ao faz-lo, possui unicamente vontade de partcipe30. O autor quer o fato como prprio, age com oanimus auctoris; o partcipe quer o fato como alheio, age comanimus socii31. Dessa forma, aextenso do tipo penala todas as condutas consideradas como causa seria mitigada pelo critrio subjetivo.Os inconvenientes da distino puramente subjetiva de autoria e participao so manifestos. Fizeram-se presentes com grande intensidade nas condenaes dos nazistas na jurisprudncia alem, em que os executores de milhares de mortes foram considerados cmplices, porque queriam os fatos como alheios. Algo semelhante poder ocorrer com oscrimes de mo prpria, em que o autor do crime, por quer-lo como alheio, poderia ser condenado como cmplice, numa verdadeira aberrao32. Isso implicaria, em outras palavras, condenar como meros partcipes sujeitos que realizam pessoalmente todos os elementos do tipo e, como autores, quem no tem interveno material no fato33.Assim, tanto o conceito extensivo de autor como a teoria subjetiva da participao devem ser rechaados.5.2.Conceito restritivo de autorO conceito restritivo de autor, por sua vez, tem como ponto de partida o entendimento de que nem todos osintervenientesno crime so autores. Alm disso, preceitua que somente autorquem realiza a conduta tpica descrita na lei, isto , apenas o autor (ou coautores) pratica(m) o verbo ncleo do tipo: mata, subtrai, falsifica etc. Sob essa perspectiva, os tipos penais da Parte Especial devem ser interpretados de forma restritiva, pois, aocontrrio do conceito extensivo de autor, nem todo aquele que interpe umacausarealiza o tipo penal, pois causao no igual a realizao do delito34. As espcies de participao,instigaoecumplicidade,somente podero ser punidas, nessa acepo, atravs de umanorma de extenso, como causas de extenso da punibilidade, visto que, por no integrarem diretamente a figura tpica, constituiriam comportamentos impunveis.De acordo com oconceito restritivo, portanto, realizar a conduta tpica objetivamente distinto de favorecer a sua realizao. Ademais, somente a conduta do autor pode ser considerada diretamente como tpica, sendo necessrio que o legislador especifique, normalmente na Parte Geral, se as formas de participao so, por extenso, tipicamente relevantes e punveis. Deduz-se da a necessidade de desenvolver critrios que identifiquem a conduta do autor, distinguindo-a das formas departicipao acessria. Por isso o conceito restritivo de autor necessita ser complementado por umateoria da participao. A doutrina alem vem elaborando uma srie de critrios com essa finalidade, mas faremos a meno somente daqueles que consideramos mais importantes.a)Teoria objetivo-formalEmbora sem negar a importncia do elemento causal, destaca as caractersticas exteriores do agir, isto , a conformidade da ao com a descrio formal do tipo penal. Essa teoria atm-se literalidade da descrio legal e define comoautoraquele cujo comportamento se amolda ao crculo abrangido pela descrio tpica e, comopartcipe, aquele que produz qualquer outra contribuio causal ao fato35.Essa teoria teve uma grande aceitao at os anos 60 do sculo XX, mas foi amplamente criticada, tanto na Alemanha como na Espanha, pelo excessivo formalismo com que identificava a conduta do autor. Apesar de indicar que aautoriarefere-se realizao dos elementos do tipo, no foi capaz de evidenciar que elemento material do tipo (especialmente nos delitos de resultado) identifica a conduta do autor, frente s contribuies causais constitutivas de mera participao36. Alm disso, criticava-se a verso clssica da teoria objetivo-formal, porque partindo de suas premissas no era possvel explicar de maneira satisfatria como a conduta do coautor e do autor mediato se amoldava na descrio tpica37. Com efeito, estes no realizam, por si ss, todos os elementos do tipo: cada coautor realizaria somente parte da ao executiva, e oautor mediato o instrumento de quem atua diretamente. Era necessrio buscar outro critrio que fosse capaz no s de identificar a conduta de autor, mas, tambm, de explicar as diferentes formas de autoria (direta, coautoria e autoria mediata).b)Teoria objetivo-materialNem sempre os tipos penais descrevem com clareza o injusto da ao, dificultando a distino entre a autoria e participao, especialmente nos crimes de resultado. A teoria objetivo-material, atravs de suas inmeras verses, procurou suprir os defeitos da formal-objetiva, considerando a maior perigosidade que deve caracterizar a contribuio do autor em comparao com a do partcipe, ou a maior relevncia material da contribuio causal do autor em relao contribuio causal do partcipe, ou ainda a maior importncia objetiva da contribuio do autor em relao contribuio do partcipe38. No entanto, a desconsiderao do aspecto subjetivo e a tentativa de estabelecer diferenas objetivo-materiais com base na causalidade conduziram essa teoria ao fracasso. Com efeito, a dificuldade prtica de distinguircausaecondioou mesmo de distinguir causas mais ou menos importantes levaram, finalmente, a doutrina alem a abandonar a teoria objetivo-material e a adotar expressamente a concepo restritiva de autor, sob o critrio formal-objetivo39.5.2.1. Teoria do domnio do fatoTrata-se de uma elaborao superior s teorias at ento conhecidas, que distingue com clarezaautorepartcipe, admitindo com facilidade a figura doautor mediato, alm de possibilitar melhor compreenso dacoautoria. Essa teoria surgiu em 1939 com o finalismo de Welzel40e sua tese de que nos crimes dolosos autor quem tem o controle final do fato. Mas foi atravs da obra de Roxin,Tterschaft und Tatherrschaftinicialmente publicada em 1963, que ateoria do domnio do fatofoi desenvolvida, adquirindo uma importante projeo internacional, tanto na Europa como na Amrica Latina.Nem uma teoriapuramente objetivanem outrapuramente subjetivaso adequadas para fundamentar a essncia da autoria e fazer, ao mesmo tempo, a delimitao correta entre autoria e participao. Ateoria do domnio do fato, partindo do conceito restritivo de autor, tem a pretenso de sintetizar os aspectos objetivos e subjetivos, impondo-se como umateoria objetivo-subjetiva. Embora odomnio do fatosuponha um controle final, aspecto subjetivo, no requer somente afinalidade, mas tambm uma posio objetiva que determine o efetivo domnio do fato. Autor, segundo essa teoria, quem tem o poder de deciso sobre a realizao do fato. no s o que executa a ao tpica, como tambm aquele que se utiliza de outrem, como instrumento, para a execuo da infrao penal (autoria mediata)41. Como ensina Welzel, a conformao do fato mediante a vontade de realizao que dirige de forma planificada o que transforma o autor em senhor do fato42. Porm, como afirma Jescheck, no s a vontade de realizao resulta decisiva para a autoria, mas tambm a importncia material da parte que cada interveniente assume no fato43.A teoria do domnio do fato tem as seguintes consequncias: 1) a realizao pessoal e plenamente responsvel de todos os elementos do tipo fundamentam sempre a autoria; 2) autor quem executa o fato utilizando a outrem como instrumento (autoria mediata); 3) autor o coautor que realiza uma parte necessria do plano global (domnio funcional do fato)44, embora no seja um ato tpico, desde que integre a resoluo delitiva comum.O mbito de aplicao da teoria do domnio do fato, com seu conceito restritivo de autor, limita-se aos delitos dolosos. Somente nestes se pode falar em domnio final do fato tpico, pois os delitos culposos caracterizam-se exatamente pela perda desse domnio. A doutrina alem trabalha com dois conceitos distintos de autor45: nos delitos dolosos utiliza o conceito restritivo de autor fundamentado na teoria do domnio do fato, e nos delitos culposos utiliza um conceito unitrio de autor, que no distingue autoria e participao. Segundo Welzel, autor de um delito culposo todo aquele que mediante uma ao que lesiona o grau de cuidado requerido no mbito de relao, produz de modo no doloso um resultado tpico46. A doutrina espanhola, que admite a participao em crimes culposos, em suas formas de cumplicidade e instigao, critica severamente a posio alem, nesse particular47.6.Autoria mediataA doutrina consagrou a figura da autoria mediata, e algumas legislaes, como a alem ( 25, I) e a espanhola (Cdigo Penal de 1995, art. 28) admitem expressamente a sua existncia. autor mediato quem realiza o tipo penal servindo-se, para execuo da ao tpica, de outra pessoa comoinstrumento48. A teoria do domnio do fato molda com perfeio a possibilidade da figura do autor mediato. Todo o processo de realizao da figura tpica, segundo essa teoria, deve apresentar-se como obra da vontade reitora do homem de trs, o qual deve ter absoluto controle sobre o executor do fato. Originariamente, a autoria mediata surgiu com a finalidade de preencher as lacunas que ocorriam com o emprego da teoria da acessoriedade extrema da participao49. A consagrao daacessoriedade limitadano eliminou, contudo, a importncia da autoria mediata. Modernamente defende-se a prioridade da autoria mediata diante da participao em sentido estrito. Em muitos casos se impe a autoria mediata, mesmo quando fosse possvel, sob o ponto de vista daacessoriedade limitada, admitir a participao (caso do executor inculpvel), desde que o homem de trs detenha o domnio do fato50. Nessas circunstncias, o decisivo para distinguir a natureza da responsabilidade do homem de trs reside no domnio do fato. Oexecutor, na condio de instrumento,deve encontrar-se absolutamente subordinado em relao ao mandante.Oautor mediatorealiza a ao tpica atravs de outrem, como instrumento humano, que atua: a) em virtude da situao deerroem que se encontra, devido falsa representao da realidade (erro de tipo), ou do significado jurdico da conduta que realiza (erro de proibio) que provocada pelo homem de trs51, b)coagido, devido ameaa ou violncia utilizada pelo homem de trs52, ou c) num contexto de inimputabilidade (com a utilizao de inimputveis)53. As hipteses mais comuns deautoria mediatadecorrem, portanto, doerro, dacoao irresistvele do uso deinimputveispara a prtica de crimes, o que no impede a possibilidade de sua ocorrncia em aesjustificadasdo executor, quando, por exemplo, o agente provoca deliberadamente uma situao de excluso de criminalidade para aquele, como j referimos neste trabalho.Todos os pressupostos necessrios de punibilidade devem encontrar-se na pessoa do homem de trs, noautor mediato, e no no executor,autor imediato. Com base nesse argumento, Soler e Mir Puig, seguindo a orientao de Welzel, admitem, em princpio, a possibilidade de autoria mediata noscrimes especiaisouprprios, desde que o autor mediato rena as qualidades ou condies exigidas pelo tipo54. J nos crimes de mo prpria ser impossvel a figura do autor mediato55. Alm desses casos especiais, a autoria mediata encontra seus limites quando oexecutorrealiza um comportamento conscientemente doloso. A o homem de trs deixa de ter odomnio do fato, compartindo-o, no mximo, com quem age imediatamente, na condio de coautor, ou ento fica na condio de partcipe, quando referido domnio pertence ao consorte.7.CoautoriaCoautoria a realizao conjunta, por mais de uma pessoa, de uma mesma infrao penal. Coautoria em ltima anlise a prpria autoria56. desnecessrio um acordo prvio, como exigia a antiga doutrina, bastando a conscincia de cooperar na ao comum. , portanto, a atuao consciente de estar contribuindo na realizao comum de uma infrao penal. Essaconscinciaconstitui oliame psicolgicoque une a ao de todos, dando o carter de crime nico. A resoluo comum de executar o fato o vnculo que converte as diferentes partes em um todo nico. Todos participam da realizao do comportamento tpico, sendo desnecessrio que todos pratiquem o mesmo ato executivo. Basta que cada um contribua efetivamente na realizao da figura tpica e que essa contribuio possa ser considerada importante no aperfeioamento do crime.A coautoria fundamenta-se no princpio da diviso de trabalho57, em que todos tomam parte, atuando em conjunto naexecuo da ao tpica, de tal modo que cada um possa ser chamado verdadeiramente de autor. o que pode ocorrer especialmente naqueles crimes que Beling chamou de crimes de ao dupla58, como, por exemplo, no crime de estupro: enquanto um dos agentes segura a vtima, o outro a possui sexualmente. Na coautoria no h relao deacessoriedade, mas a imediata imputao recproca, visto que cada um desempenha uma funo fundamental na consecuo do objetivo comum. O decisivo na coautoria, segundo a viso finalista, que o domnio do fato pertena aos vrios intervenientes, que, em razo do princpio da diviso de trabalho, se apresentam como pea essencial na realizao do plano global59.8.Participao em sentido estritoO Cdigo Penal no define o que deve ser entendido por participao. Essa omisso, contudo, no impediu que a doutrina nacional reconhecesse a distino normativa, isto , valorativa, que deve existir entre as condutas principais, constitutivas de autoria, e as condutas secundrias, constitutivas de participao em sentido estrito. O novo tratamento dado pela reforma ao instituto do concurso eventual de pessoas facilita e at recomenda essa distino, ao determinar consequncias penais diferenciadas, segundo a culpabilidade de cadaparticipante, e nos limites da contribuio causal de cadapartcipe.A participao em sentido estrito, comoespciedogneroconcurso de pessoas, a interveno em um fato alheio, o que pressupe a existncia de um autor principal. Opartcipeno pratica a conduta descrita pelo preceito primrio da norma penal, mas realiza uma atividade secundria que contribui, estimula ou favorece a execuo da conduta proibida. No realiza atividade propriamente executiva. A norma que determina a punio do partcipe implica umaampliao da punibilidade de comportamentosque, de outro modo, seriam impunes, pois as prescries da Parte Especial do Cdigo no abrangem o comportamento do partcipe60. Bettiol insiste que o critrio distintivo entre autor e partcipe deve apoiar-se na tipicidade, sendo que a tipicidade da conduta do partcipe decorre da norma referente participao, enquanto a tipicidade da conduta do autor decorre da norma principal incriminadora. Por isso, o penalista italiano define o partcipe como quem concorre para a prtica de crime, desempenhando atividade logicamente distinta da do autor principal, porque recai sob o mbito das normas secundrias de carter extensivo sobre a participao61.Para que a contribuio do partcipe ganhe relevncia jurdica indispensvel que o autor ou coautores iniciem, pelo menos, a execuo da infrao penal.8.1.Espcies de participaoAparticipaopode apresentar-se sob vrias formas: instigao, determinao, chefia, organizao, ajuste, cumplicidade etc. A doutrina, de um modo geral, tem considerado, porm, duas espcies de participao:instigaoecumplicidade.Embora o Cdigo Penal brasileiro no tenha estabelecido as espcies de participao, nem sua forma de realizao, exemplifica, contudo, no art. 31, as modalidades que esta pode apresentar. J os Cdigos alemo e espanhol estabelecem expressamente as suas espcies62. Parece-nos que, nesse particular, andou melhor nosso ordenamento jurdico no definindo essas espcies. Evitou, assim, o surgimento de teses como a defendida por Stratenwerth, que sustenta que as formas de participao, em sentido amplo, sonumerus claususe limitam-se a coautoria, instigao e cumplicidade63.a)InstigaoOcorre a instigao quando opartcipeatua sobre a vontade do autor, no caso, do instigado.Instigarsignifica criar na mente de outra pessoa a ideia de cometer um crime, bem como animar, estimular, ou reforar uma ideia existente. Oinstigador limita-se a provocar ou reforar a resoluo criminosa do autor, no tomando parte nem na execuo nem no domnio do fato64. indiferente o meio utilizado para a instigao: persuaso, conselho, dissuaso etc. Para que hajainstigao necessria uma influncia no processo de formao da vontade, abrangendo os aspectos volitivo e intelectivo. No suficientecriaruma situao tentadora para o autor, o que poderia configurar cumplicidade. A instigao deve dirigir-se a um fato determinado, assim como a um autor ou autores determinados65.Induzirsignifica suscitar uma ideia. Tomar a iniciativa intelectual, fazer surgir no pensamento do autor uma ideia at ento inexistente. Essa forma de instigao os autores tm denominado determinao, que ns preferimos chamar deinduzimento.Resumindo, a instigao uma espcie departicipao moralem que o partcipe age sobre a vontade do autor, quer provocando para que surja nele a vontade de cometer o crime (induzimento), quer estimulando a ideia existente, que a instigao propriamente dita, mas, de qualquer modo,contribuindo moralmentepara a prtica do crime.b)CumplicidadeEssa a participao material, em que o partcipe exterioriza a sua contribuio atravs de um comportamento, de um auxlio. Pode efetivar-se, por exemplo, atravs do emprstimo da arma do crime, de um veculo para deslocar-se com mais facilidade, de uma propriedade etc. Essa contribuio pode ocorrer desde a fase da preparao at a fase executria do crime. Nada impede que acumplicidadetambm ocorra sob a forma deomisso, quando o partcipe tem o dever genrico de agir, como seria o caso do vigilante que deixa propositalmente aberta a porta do estabelecimento para facilitar a ao do autor do furto.A cumplicidade, segundo Welzel, tem de favorecer (objetivamente) o fato principal e este favorecimento ser querido (subjetivamente) pelo cmplice, para o qual basta o dolo eventual66. No entendimento de Lpez Peregrn67, acumplicidade favorecedora da prtica do crime, e pode ser caracterizada como a conduta queex antecria um risco no permitido de favorecimento execuo do delito, e cuja relevncia causal se constataex post. Nesse sentido, acumplicidadese caracteriza por acelerar, assegurar ou facilitar a execuo que levada a cabo pelo autor, ou por intensificar o resultado do delito, na forma em que eraprevisvel. Enfim, na cumplicidade o partcipe contribui materialmente para a prtica do crime.Por derradeiro, qualquer que seja a forma ou espcie de participao, indispensvel a presena de dois requisitos:eficcia causaleconscincia de participarna ao de outrem. insuficiente a exteriorizao da vontade de participar. No basta realizar a atividade de partcipe se esta no influir na atividade final do autor68. No tem relevncia a participao se o crime no for, pelo menos, tentado. Que importncia teria o emprstimo da arma se o autor no a utiliza na execuo do crime ou nem sequer se sente encorajado a pratic-lo com tal emprstimo? Por outro lado, indispensvel saber que coopera na ao delitiva de outrem, mesmo que o autor desconhea ou at recuse a cooperao. Opartcipeprecisa ter conscincia de participar na ao principal e no resultado.8.2.Fundamento da punibilidade da participaoDuas teorias procuram explicar o fundamento da punibilidade da participao, que, em si, poderia constituir uma conduta atpica.a)Teoria da participao na culpabilidadeSegundo essa teoria, o partcipe punido pela gravidade dainflunciaque exerce sobre o autor, convertendo-o em delinquente ou, no mnimo, contribuindo para tanto69. Para essa teoria o partcipe agecorrompendoo autor, conduzindo-o a um conflito com a sociedade, tornando-o culpvel e merecedor de pena70. Referida teoria teve de ser abandonada pela dogmtica alem, que, a partir de 1943, viu consagrado em seus textos legais que para a punibilidade da participao era suficiente que o autor cometesse um fato tpico e antijurdico71, entendimento que foi mantido na reforma de 1975.Na verdade, modernamente, dois aspectos fundamentais afastam peremptoriamente a aplicabilidade dessa teoria: em primeiro lugar, porque aculpabilidade uma questo pessoal de cada participante, independente da dos demais. O fato de qualquer dosparticipantesser inculpvel algo que s diz respeito a ele; em segundo lugar, e ao mesmo tempo, a consagrao daacessoriedade limitada, que se satisfaz com a tipicidade e antijuridicidade da ao, torna desnecessrio o exame da importncia da participao na culpabilidade do autor.b)Teoria do favorecimento ou da causaoO fundamento da punio do partcipe, para essa teoria, reside no fato de terfavorecidoouinduzidoo autor a praticar um fato socialmente intolervel, consequentemente tpico e antijurdico72. O agente punvel no porque colaborou na ao de outrem, mas porque, com a suaaoouomisso, contribuiu para que o crime fosse cometido73. Odesvalorda participao no fato est em causar ou favorecer a leso no justificada de um bem jurdico tutelado por parte do autor. indiferente que o autor aja ou no culpavelmente. Para essa teoria avontade do partcipedeve dirigir-se execuo do fato principal. Deixa claro, contudo, que o partcipe no viola por si mesmo a norma tpica, mas que o seu injusto consiste em colaborar na violao da norma por parte do autor74. Oinjustodo fato do partcipe depender, consequentemente, doinjustodo fato principal.A teoria do favorecimento a dominante na Alemanha e na Espanha75e acolhe integralmente a frmula da acessoriedade limitada da participao, que, em realidade, tambm a teoria predominante no Brasil.

8.3.Princpio da acessoriedade da participaoDo exame do fundamento da punibilidade dopartcipechega-se concluso natural de que aparticipao umaatividade secundria,que adere a outra principal. A participao s adquire relevncia jurdica quando estiver unida a um fato principal. A adoo desse princpio caracteriza um sistema verdadeiramentediferenciador de autor, alm conduzir a umconceito restritivo de autoria. Isso porque, em face doprincpio de acessoriedade, a tipicidade daparticipaono se deduz diretamente dos tipos da Parte Especial, mas danorma de extensoreguladora da codelinquncia, e desde que a conduta do autor esteja revestida de determinados atributos. Ograu de dependncia da conduta do partcipeem relao do autor , justamente, o aspecto mais discutido na doutrina, levando aacessoriedade da participaoa navegar em guas pouco tranquilas76. Algumas teorias procuram limitar o alcance daacessoriedade da participao, destacando-se as teorias da acessoriedade extrema, acessoriedade limitada e acessoriedade mnima.a)Teoria da acessoriedade extremaAt 1943 vigorou na Alemanha essa teoria, para a qual a relevncia tpica da conduta do partcipe estaria na dependncia de o comportamento principal sertpico,antijurdicoeculpvel, excetuando-se apenas as circunstncias agravantes e atenuantes da pena77. Por essa teoria, se o autor fosse inimputvel ou incidisse em erro de proibio invencvel, ou, por qualquer razo, fosse inculpvel, o partcipe seria impunvel. Assim, a acessoriedade da participao, isto , a dependncia da conduta do partcipe em relao conduta do autor, seria absoluta: estaria condicionada punibilidade da ao principal.b)Teoria da acessoriedade mnimaEm outro extremo encontra-se essa teoria, para a qual suficiente que a ao principal sejatpica, sendo indiferente a sua juridicidade. Isso equivale a afirmar queuma ao justificadapara o autor constitui crime para o partcipe. Em outros termos, aquele queinduziro autor a agir em legtima defesa responder pelo crime, enquanto o executor, autor direto, ser absolvido pela excludente de antijuridicidade78.c)Teoria da acessoriedade limitadaA teoria da acessoriedade limitada exige que a conduta principal sejatpicaeantijurdica. Isso quer dizer que a participao acessria da ao principal, de um lado, mas que tambm depende desta at certo ponto. No necessrio que o autor seja culpvel. suficiente que sua ao seja tpica e antijurdica, isto , que se ajuste ao tipo da Parte Especial e que seja contrria ao direito79, sem necessidade de ser culpvel. O fato comum, mas a culpabilidade individual. Como dizia Bettiol, a admissibilidade e a punibilidade da participao, como tal, dependem do carter objetivamente antijurdico da ao do autor principal80.Pode ocorrer o que os autores tm denominado provocao de uma situao de legtima defesa, em que o instigadorinduzum terceiro a agredir a outrem, que sabe estar armado. Este reage emlegtima defesae mata oagressor induzido, que o instigador queria eliminar. Pelateoria da acessoriedade limitadao instigador no pode ser punido como partcipe, em razo de o fato principal estarjustificadopara o executor. A soluo, no entanto, recomendada pelos alemes a punio do instigador comoautor mediatoda ao justificada do autor direto. Isso ocorreria porque oinstigadorteria odomnio final do fato81, apenas se utilizando dos participantes diretos do conflito, como instrumentos de realizao da sua vontade criminosa.Para Welzel, no mbito interno da acessoriedade, o fundamento da punibilidade da participao est em provocar ou favorecer a prtica de uma ao intolervel, antijurdica, e no mbito externo, em ter, pelo menos, iniciado a sua execuo82.9.Concurso em crime culposoA doutrina alem no admite a possibilidade de coautoria nos delitos culposos, entendendo que qualquer contribuio na causa produtora do resultado no querido caracteriza, em si, a autoria. Para Welzel, toda contribuio em uma ao que no observa o dever de cuidado fundamenta a autoria83. No mesmo sentido a orientao de Jescheck, para quem inadmissvel a coautoria nos delitos culposos diante da inexistncia de acordo comum. Quando houver a cooperao imprudente de vrios autores continua Jescheck a contribuio de cada um deve ser avaliada separadamente, pois cada um serautor acessrio84. Essa concepo germnica decorre da adoo da teoria do domnio do fato, visto que nos crimes culposos esse domnio no existe. J em relao participao em sentido estrito (instigao e cumplicidade) o Cdigo Penal alemo determina expressamente que ela s possvel na forma dolosa ( 26 e 27).Em sentido diametralmente oposto, a doutrina espanhola no s admite a coautoria nos crimes culposos, como tambm a participao em sentido estrito. O comum acordo, impossvel quanto ao resultado, perfeitamente admissvel na conduta imprudente, que, de regra, voluntria85. Um dos grandes argumentos dos espanhis que aparticipao, alm de permitir melhor graduao da responsabilidade penal, mantm oprincpio da acessoriedade. Assim, por exemplo, aquele que induz outrem a uma atividade perigosa, para si, no ser castigado se ocorrer um acidente com leso ou morte. Sua cooperao esbarraria na atipicidade da conduta dematar-seou deautolesionar-se86. Bettiol tambm admitia a possibilidade de participao em crime culposo87.A doutrina brasileira, unanimidade, admite acoautoriaem crime culposo, rechaando, contudo, aparticipao88. Pode existir na verdade um vnculo subjetivo na realizao da conduta, que voluntria, inexistindo, contudo, tal vnculo em relao ao resultado, que no desejado. Os quecooperam na causa, isto , na falta do dever de cuidado objetivo, agindo sem a ateno devida, socoautores. Nesse aspecto, a concepo brasileira assemelha-se, na essncia, com a alem, ao sustentar que toda contribuio causal a um delito no doloso equivale a produzi-lo, na condio de autor, para os alemes, na de coautor, para os brasileiros, pois, como dizia Welzel, a coautoria uma forma independente de autoria... A coautoria autoria. Por isso, cada coautor h de ser autor, isto , possuir as qualidades pessoais (objetivas e subjetivas) de autor...89. Assim, no exemplo do passageiro que induz o motorista de txi a dirigir em velocidade excessiva e contribui diretamente para um atropelamento, que para os alemes seria autor, para os espanhis seria simples partcipe90, para a doutrina brasileira seria coautor.

10.Concurso em crimes omissivosNo se pode confundirparticipao em crime omissivocom participao por omisso em crime comissivo. A participao no crime omissivo ocorre normalmente atravs de um agir positivo do partcipe que favorece o autor a descumprir o comando legal (tipificador do crime omissivo). O paciente queinstigao mdico a no comunicar a existncia de uma enfermidade contagiosa s autoridades sanitrias no autorde delito autnomo, maspartcipede um crime omissivo. J o caixa que deixa o cofre aberto para facilitar o furto partcipe, com sua ao omissiva, de um crime comissivo. Assim como o crime comissivo admite a participao atravs de omisso, o crime omissivo tambm admite a participao atravs de comisso. O que ocorre segundo Bustos Ramirez a impossibilidade de participao omissiva em crime omissivo, sob a modalidade de instigao91. No se pode instigar atravs de omisso, pela absoluta falta de eficcia causal dessainatividade.Se o agente estiver igualmente obrigado a agir, no ser partcipe, mas autor ou, como pensamos ser possvel, coautor, desde que haja a conscincia de anuir omisso de outrem. Esse vnculo subjetivo, caracterizador daunidade delitual, tem o mesmo efeito tanto na ao ativa quanto na passiva. Assim como ocomando comum nos crimes omissivos, aproibioda conduta criminosa igualmente comum nos crimes comissivos, o que, nem por isso, impede a coautoria. Do afirmado fica claro que entendemos ser perfeitamente possvel acoautoriaem crime omissivo prprio92. Se duas pessoas deixarem de prestar socorro a uma pessoa gravemente ferida, podendo faz-lo, sem risco pessoal, praticaro, individualmente, o crime autnomo deomisso de socorro. Agora, se essas duas pessoas, de comum acordo, deixarem de prestar socorro, nas mesmas circunstncias, serocoautorasdo crime de omisso de socorro. O princpio o mesmo dos crimes comissivos: houveconscinciaevontadede realizar um empreendimento comum, ou melhor, no caso, de no realiz-lo conjuntamente.Pensamos que aparticipaotambm pode ocorrer nos chamados crimes omissivos imprprios (comissivos por omisso), mesmo que o partcipe no tenha o dever jurdico de no se omitir. Claro, se tivesse tal dever seria igualmente autor, ou coautor se houvesse a resoluo conjunta de se omitir. perfeitamente possvel que um terceiro, que no est obrigado ao comando da norma,instigueaogarantea no impedir o resultado. Qual seria a natureza da responsabilidade desseinstigador, autor do crime consumado? Claro que no. A suaatividade acessria, secundria, contribuiu moralmente para a resoluo criminosa do garante. Este autordo crime ocorrido, do qual tinha o domnio do fato e o dever jurdico de impedir sua ocorrncia; aquele, oinstigador, que no estava obrigado ao comando legal e no dispunha dodomnioda ao final, contribuiu decisivamente para a sua concretizao. No pode ficar impune, mas tampouco cometeu ilcito autnomo. Atipicidadede sua conduta s pode ser encontrada atravs danorma integradora, na condio departcipe93. Se tiver odever jurdicode no se omitir ser autor, ou coautor, conforme j referimos, mas jamaispartcipe.

11.Autoria colateralHautoria colateralquando duas ou mais pessoas, ignorando uma a contribuio da outra, realizamcondutas convergentesobjetivando a execuo da mesma infrao penal. o agir conjunto de vrios agentes, sem reciprocidade consensual, no empreendimento criminoso que identifica a autoria colateral. Aausncia do vnculo subjetivoentre os intervenientes o elemento caracterizador da autoria colateral. Naautoria colateral, no a adeso resoluo criminosa comum, que no existe, mas o dolo dos participantes, individualmente considerado, que estabelece os limites da responsabilidade jurdico-penal dos autores94.Quando, por exemplo, dois indivduos, sem saber um do outro, colocam-se de tocaia e quando a vtima passa desferem tiros, ao mesmo tempo, matando-a, cada um responder, individualmente, pelo crime cometido. Se houvesse liame subjetivo, ambos responderiam como coautores de homicdio qualificado. Havendocoautoriaser indiferente saber qual dos dois disparou o tiro fatal, poisambos respondero igualmente pelo delito consumado. J naautoria colateral indispensvel saber quem produziu o qu. Imagine-se que o tiro de um apenas foi o causador da morte da vtima, sendo que o do outro a atingiu superficialmente. O que matou responde pelo homicdio e o outro responder por tentativa. Se houvesse o liame subjetivo, ambos responderiam pelo homicdio em coautoria. Imagine-se que no exemplo referido no se possa apurar qual dos dois agentes matou a vtima. A surge a chamadaautoria incerta, que no se confunde comautoria desconhecidaou ignorada. Nesta, se desconhece quem praticou a ao; naautoria incertasabe-se quem a executou, mas ignora-se quem produziu o resultado. O Cdigo Penal de 1940 ao adotar ateoria da equivalncia das condiespensou ter resolvido avexata quaestioda chamadaautoria incerta, quando no houver ajuste entre os concorrentes (Exp. de Motivos n. 22). Foi um equvoco: a soluo s ocorre para situaes em que houver, pelo menos, a adeso conduta alheia. A autoria incerta, que pode decorrer da autoria colateral, ficou sem soluo. No exemplo supracitado, punir a ambos por homicdio impossvel, porque um deles ficou apenas na tentativa; absolv-los tambm inadmissvel, porque ambos participaram de um crime de autoria conhecida. A soluo ser conden-los por tentativa de homicdio, abstraindo-se o resultado, cuja autoria desconhecida95.12.Multido delinquenteO fenmeno da multido criminosa tem ocupado os espaos da imprensa nos ltimos tempos e tem preocupado profundamente a sociedade como um todo. Os linchamentos em praa pblica, as invases de propriedades e estdios de futebol, os saques em armazns tm acontecido com frequncia alarmante, perturbando a ordem pblica. Essa formasui generisde concurso de pessoas pode assumir propores consideravelmente graves, pela facilidade de manipulao de massas que, em momentos de grandes excitaes, anulam ou reduzem consideravelmente a capacidade de orientar-se segundo padres ticos, morais e sociais96. A prtica coletiva de delito, nessas circunstncias, apesar de ocorrer em situao normalmente traumtica, no afasta a existncia devnculos psicolgicosentre os integrantes da multido, caracterizadores do concurso de pessoas. Nos crimes praticados pormultido delinquente desnecessrio que se descreva minuciosamente a participao de cada um dosintervenientes, sob pena de inviabilizar a aplicao da lei. A maior ou menor participao de cada um ser objeto da instruo criminal.Aqueles que praticarem o crimesob a influnciade multido em tumulto podero ter suas penas atenuadas (art. 65,e, do CP). Por outro lado, tero a penaagravada os que promoverem, organizarem ou liderarem a prtica criminosa ou dirigirem a atividade dos demais (art. 62, I, do CP).13.Participao impunvelVerificamos que aparticipaoest condicionada a dois requisitos fundamentais: eficcia causal e conscincia de participar na ao comum. De outro lado, sabe-se que, de regra, o crime no ser punido se no foi, pelo menos, tentado. Isto , as duas primeiras fases doiter criminis, elaborao mental e preparao do crime, no so punveis, desde que esta ltima no constitua em si mesma algum crime. Na mesma linha de orientao esto as formas de participao que o art. 31 do Cdigo Penal exemplifica como ajuste, determinao, instigao e auxlio. Aparticipaoem um crime que no chegou a iniciar no teve eficcia causal, e sem essa eficcia no h falar em participao criminosa. Nessas circunstncias, como atividade acessria que , a participao,em qualquer de suas formas, no ser punvel. A tentativa de participao impunvel, segundo Welzel97, por duas razes: em primeiro lugar porque a participao, de regra, s constitui perigosidade criminal quando leva a um fato principal real; em segundo lugar, porque punir a simples tentativa de participao principalmente em caso de cumplicidade evocaria um verdadeiroDireito Penal de nimo.A ressalva do art. 31 diz respeito s hipteses em que os atos constitutivos da participao constituem em si mesmos crimes autnomos, tipificados no ordenamento legal, como, por exemplo, aincitao ao crimee aformao de quadrilha98.14.Punibilidade do concurso de pessoasA reforma penal mantm ateoria monstica, no sentido de que, em regra, todos osintervenientesno fato devem responder pelo mesmo crime (unidade do ttulo de imputao). Adota, porm, ateoria restritiva de autor, fazendo perfeita distino entreautorepartcipe, que,abstratamente, incorrem na mesma pena cominada ao crime que praticarem. Mas que,concretamente, variar segundo o grau de participao e aculpabilidadede cada participante. E em relao aopartcipevariar ainda de acordo com aimportncia causalda sua contribuio.A rigor, para punir o coautor que intervm materialmente na execuo do crime o art. 29 do CP seria desnecessrio, uma vez que atipicidadede sua conduta decorre da norma incriminadora violada. Contudo, esse dispositivo indispensvel para a punibilidade dopartcipe, cuja tipicidade fundamenta-se nessa norma de extenso.14.1.Participao de menor importnciaSe a participao for de menor importncia, a pena pode ser diminuda de um sexto a um tero(art. 29, 1, do CP).Aparticipaoaqui referida diz respeito exclusivamente aopartcipee no aocoautor. Ainda que a participao do coautor tenha sido pequena, ter elecontribudodiretamente na execuo propriamente do crime. A sua culpabilidade, naturalmente superior de um simplespartcipe, ser avaliada nos termos do art. 29,caput, do Cdigo Penal, e a pena a ser fixada obedecer aos limites abstratos previstos pelo tipo penal infringido. J opartcipeque houver tido participao de menor importncia poder ter sua pena reduzida de um sexto a um tero, podendo ficar aqum do limite mnimo cominado, nos termos do art. 29, 1.Dotti e Mirabete entendem que a reduo prevista no art. 29, 1, facultativa, pois o juiz poder constatar umaintensidadede vontade do partcipe igual dos demais intervenientes. E essa equivalncia na determinao poderia segundo eles autorizar aequiparaono plano da culpabilidade99. Parece-nos, contudo, que a faculdade resume-se ao grau de reduo entre um sexto e um tero da pena. Reconhecida a participao de menor importncia, a reduo se impe. Ser, porm,facultadoao juiz reduzi-la em maior ou menor grau, se constatar maior ou menorintensidade volitivado partcipe, se constatar maior ou menor culpabilidade deste. Poder efetuar a reduo no sentido inverso da intensidade da culpabilidade: maior censurabilidade, menor reduo, menor censurabilidade, maior reduo.14.2.Cooperao dolosamente distintaAqui ocorre o chamadodesvio subjetivo de condutas. Isso acontece quando a conduta executada difere daquela idealizada a que aderira o partcipe, isto , o contedo do elemento subjetivo do partcipe diferente do crime praticado pelo autor. Por exemplo, A determina a B que d uma surra em C. Por razes pessoais, B mata C, excedendo-se na execuo do mandato. Pela lei anterior, os dois responderiam pelo delito de homicdio, podendo o partcipe beneficiar-se com uma causa de diminuio de pena (art. 48, pargrafo nico). Ainda na vigncia da lei anterior a doutrina e a jurisprudncia repudiavam essa punio pelo delito mais grave, por caracterizar uma autntica responsabilidade objetiva.O desvio subjetivo de condutas recebeu um tratamento especial e mais adequado da reforma penal, ao estabelecer no art. 29, 2, que, se algum dos concorrentes quis participar de crime menos grave, ser-lhe- aplicada a pena deste; essa pena ser aumentada at metade, na hiptese de ter sido previsvel o resultado mais grave. A soluo dada pela reforma leva punio de A, no exemplo supracitado, pelo delito de leses corporais, que foi o crime desejado, cuja pena ser elevada at a metade se o homicdio for previsvel. Como afirmava Welzel, cada um responde somente at onde alcana o acordo recproco100. A regra da disposio em exame pretende ter aplicao a todos os casos em que o partcipe quis cooperar na realizao de delito menos grave. O concorrente dever responder de acordo com o que quis, segundo o seu dolo, e no de acordo com o dolo do autor, representando, nesse sentido, umaexceo regra anteriormente enunciada de que no concurso de pessoas todos os intervenientes respondem pelo mesmo crime. Com efeito, nos casos de cooperao dolosamente distinta deixar de existir a unidade do ttulo de imputao, respondendo cada interveniente pelo tipo de injusto que praticou.A inteno da reforma elogivel, mas apresenta alguns inconvenientes que foram inteligentemente apontados por Damsio de Jesus101. Os chamados crimespreterdolosos, aqueles em que se costuma afirmar que hdolo no antecedenteeculpa no consequente, como o caso da leso corporal seguida de morte, apresentam uma verdadeiravexata quaestio.Pela disposio daParte Especial, oautorque, querendo produzir leses corporais, acaba causando a morte, mesmo no a desejando, responde pelo delito de leses corporais seguidas de morte. Opartcipe, nas mesmas circunstncias, segundo a norma em exame, responder pelo delito de leses corporais. Se o crime mais grave for previsvel, sua pena ser aumentada at a metade. Um verdadeiro contrassenso: oautoroucoautorreceberia uma pena mnima de quatro anos, e o partcipe, trs meses de deteno, que poder ser elevada at quatro e meio.A velha doutrina fazia distino entre excesso nos meios e excesso no fim. Haveriaexcesso nos meiosquando oexecutorempregassemeiosdiferentes dos que foram combinados com opartcipe. Nessa hiptese, a responsabilidade pelo resultado mais grave seria exclusiva doautor do excesso. E, por outro lado, haveriaexcesso no fimquando, embora os meios empregados fossem aqueles queridos por todos, o resultado produzido fosse mais grave do que o previsto102. Segundo Carrara, deve-se fazer a seguinte distino: se o resultado mais grave decorre comoconsequncia naturaldo fato ou por simples culpa do executor, aresponsabilidade se comunicaao partcipe. O fundamento lgico e singelo: embora o partcipe no tenha previsto nem querido aquele resultado mais grave, quis tambm dolosamente os meios utilizados, que, por sua natureza, produziram o resultado mais grave. Isso o torna to responsvel por tal resultadoquanto o executor. Agora, evidentemente, se o excesso decorre de dolo especial do executor, somente este ser o responsvel pelo resultado mais grave103.Parece-nos que essa concepo pode e deve ser empregada nos chamados crimespreterdolosos, objetivando dar tratamento mais adequado aos diversos participantes de um mesmo ilcito penal, especialmente quando houverdesvio subjetivo de condutas, afastando, assim, as dificuldades apontadas por Damsio de Jesus.15.Comunicabilidade das circunstncias, condies e elementaresA comunicabilidade ou incomunicabilidade das circunstncias que envolvem autor e crime tm sido um dos mais tormentosos problemas da responsabilidade penal. A reforma de 1984 pode ter ampliado esse conflito ao incluir as condies de carter pessoal, distinguindo-as das circunstncias.Circunstnciasso dados, fatos, elementos ou peculiaridades que apenas circundam o fato principal. No integram a figura tpica, podendo contribuir, contudo, para aumentar ou diminuir a sua gravidade. As circunstncias podem ser objetivas ou subjetivas. Objetivas so as que dizem respeito ao fato objetivamente considerado, qualidade e condies da vtima, ao tempo, lugar, modo e meios de execuo do crime. E subjetivas so as que se referem ao agente, s suas qualidades, estado, parentesco, motivos do crime etc.Condies de carter pessoalso as relaes do agente com o mundo exterior, com outros seres, com estado de pessoa, de parentesco etc.104.Elementares do crimeso dados, fatos, elementos e condies que integram determinadas figuras tpicas. Certas peculiaridades que normalmente constituiriam circunstncias ou condies podem transformar-se em elementos do tipo penal e, nesses casos, deixam de circundar simplesmente o injusto tpico para integr-lo.O art. 30 do Cdigo Penal determina que as circunstncias e as condies de carter pessoal no se comunicam,salvo quando elementares do crime. Por serem pessoais, dizem respeito exclusivamente ao agente que as tem como atributo. Cada agente responder de acordo com suas circunstncias e condies pessoais.Ao determinar que as circunstncias e as condies de carter pessoal no se comunicam,acontrario sensudetermina que as de carter objetivo se comunicam. Acomunicabilidadedas circunstncias objetivas, quando desconhecidas do agente, j era criticada pela doutrina, sob o imprio da lei anterior, que a via como uma autntica responsabilidade objetiva. A atual reforma, comprometida inteiramente com o Direito Penal da culpabilidade, procurou afastar todo e qualquer resqucio da responsabilidade objetiva. Na vigncia da nova lei, resumimos todo esse complexo problema da comunicabilidade das circunstncias, condies e elementares, em duas regras bsicas:a) as circunstncias e condies de carter pessoal no se comunicam entre coautores e partcipes, por expressa determinao legal;b) as circunstncias objetivas e as elementares do tipo (sejam elas objetivas ou subjetivas) s se comunicam se entrarem na esfera de conhecimento dos participantes.A comunicabilidade das circunstncias objetivas e das elementares do crime deve ser examinada nos termos do art. 29,caput, na medida da culpabilidade de cada participante. imperioso que o participante tenha agido ao menos culposamente em relao circunstncia objetiva ou em relao elementar do crime para que possa haver comunicabilidade.