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Valor prognóstico da espessura tumoral no carcinoma escamocelular avançado do lábio inferior e sua correlação com metástases cervicais Bruno Albuquerque Sousa 1 Fernando Luiz Dias 2 Terence Pires de Farias 3 Danice Torman 4 Marco Antônio Pinto 5 1) Ex- Médico Residente do Serviço de Cirurgia de Cabeça e Pescoço do INCA. Especializando em Cirurgia Oncológica de Cabeça e Pescoço do INCA. 2) Doutor em Clínica Cirúrgica pela USP. Chefe do Serviço de Cirurgia de Cabeça e Pescoço do INCA. 3) Doutor em Clínica Cirúrgica pelo INCA. Médico Titular do Serviço de Cirurgia de Cabeça e Pescoço do INCA. 4) Médica Patologista do INCA. 5) Mestre em Ciências Médicas pela UFRJ. Doutorando em Ciências Médicas pela UFRJ. Instituição: Instituto Nacional de Câncer. Rio de Janeiro / RJ – Brasil. Correspondência: Bruno Albuquerque Sousa - Rua Washington Luiz, 85 – Centro - Rio de Janeiro / RJ – Brasil – CEP: 20230-026 - Telefone: (+55 21) 8374-7165 - E-mail: [email protected] Artigo recebido em 19/06/2013; aceito para publicação em 24/07/2013; publicado online em 23/09/2013. Conflito de interesse: não há. Fonte de fomento: não há. Artigo Original Prognostic value of tumor thickness in advanced squamous cell carcinoma of the lower lip and their correlation with neck metastases Resumo Introdução: O carcinoma escamocelular (CEC) do lábio inferior é um dos tumores malignos mais comuns da cavidade oral. A espessura tumoral é relativamente um novo fator prognóstico para o câncer de lábio inferior e sua importância em casos avançados é incerto. objetivo: Avaliar o valor prognóstico da espessura tumoral no CEC avançado do lábio inferior. método: Análise retrospectiva de 31 pacientes diagnosticados com CEC avançado do lábio inferior e tratados cirurgicamente no Instituto Nacional do Câncer (Rio de Janeiro, Brasil), durante o período entre 2000 e 2009. Foram analisadas variáveis relacionadas à espessura tumoral, metástase cervical e sobrevida global. Resultados: Metástases cervicais ocorreram em 61,2% dos pacientes. A espessura tumoral foi um fator preditor independente de metástases cervicais, e quando utilizado o ponto de corte de 5 mm, a taxa de metástases cervicais foi de 5,3% em comparação com 94,7% dos pacientes com tumores maiores que 5 mm de espessura (p = 0,001). A ocorrência de metástases cervicais foi um fator preditor independente para a redução da sobrevivência global (p = 0,003). Conclusão: A espessura tumoral foi um fator preditor independente de metástase cervical no CEC avançado de lábio inferior. Na ocorrência de metástases cervicais há uma significativa redução da sobrevida global. Descritores: Neoplasias Labiais; Metástase Linfática; Esvaziamento Cervical; Prognóstico. AbstRACt background: Squamous cell carcinoma of the lower lip (SCCLL) is one of the most common malignant tumors of the oral cavity. Tumor thickness is a relatively new prognostic factor for lower lip cancer and its significance in advanced cases is uncertain. objective: To evaluate the prognostic value of tumor thickness in advanced SCCLL. method: A retrospective analysis of 31 patients diagnosed with advanced SCCLL and treated surgically at the Brazilian National Cancer Institute (Rio de Janeiro, Brazil), during the period between 2000 and 2009. We analyzed variables related to tumor thickness, neck metastasis and overall survival. Results: Neck metastases occurred in 61.2 percent of patients. Tumor thickness was an independent predictor of neck metastases, using a 5 mm cut-off, the rate of neck metastases was 5.3 percent compared with 94.7 percent of patients with tumors greater than 5 mm thick (p = 0.001). Neck metastases was an independent predictor for reduced survival (p = 0.003). Conclusion: Tumor thickness was an independent predictor of neck metastasis in advanced SCCLL. The occurrence of neck metastasis is a significant reduction in overall survival. Key words: Lip Neoplasms; Lymphatic Metastasis; Neck Dissection; Prognosis. INTRODUçãO O carcinoma escamocelular (CEC) do lábio inferior é um dos tumores malignos mais comuns da cavidade oral, sendo responsável por 25-30% dos casos de car- cinoma epidermoide oral 1,2 . Tumores avançados, lesões T3 e T4, e aqueles com envolvimento linfonodal ocorrem em menos de 20% dos pacientes e têm taxas de sobre- vida em 5 anos que variam entre 40% a 80% 3,4 . A etiopatogenia do carcinoma de lábio inferior é mul- tifatorial e os fatores de risco incluem a exposição ao sol, predisposição genética (mutação do gene supressor p53) e progressão das lesões pré-cancerosas (radioder- mite, queilite crônica, xeroderma pigmentoso) 5-6 . Vários fatores foram identificados como sendo im- portantes no prognóstico do câncer de lábio inferior, tal como o estágio T; comprometimento da comissura; grau de diferenciação tumoral; padrão arquitetônico; índice 136 �������������������������������������������� Rev. Bras. Cir. Cabeça Pescoço, v.42, nº 3, p. 136-139, julho / agosto / setembro 2013

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Valor prognóstico da espessura tumoral no carcinoma escamocelular avançado do lábio inferior e sua correlação com metástases cervicais

Bruno Albuquerque Sousa 1

Fernando Luiz Dias 2

Terence Pires de Farias 3

Danice Torman 4

Marco Antônio Pinto 5

1) Ex- Médico Residente do Serviço de Cirurgia de Cabeça e Pescoço do INCA. Especializando em Cirurgia Oncológica de Cabeça e Pescoço do INCA.2) Doutor em Clínica Cirúrgica pela USP. Chefe do Serviço de Cirurgia de Cabeça e Pescoço do INCA.3) Doutor em Clínica Cirúrgica pelo INCA. Médico Titular do Serviço de Cirurgia de Cabeça e Pescoço do INCA.4) Médica Patologista do INCA.5) Mestre em Ciências Médicas pela UFRJ. Doutorando em Ciências Médicas pela UFRJ.

Instituição: Instituto Nacional de Câncer. Rio de Janeiro / RJ – Brasil.

Correspondência: Bruno Albuquerque Sousa - Rua Washington Luiz, 85 – Centro - Rio de Janeiro / RJ – Brasil – CEP: 20230-026 - Telefone: (+55 21) 8374-7165 - E-mail: [email protected] recebido em 19/06/2013; aceito para publicação em 24/07/2013; publicado online em 23/09/2013.Conflito de interesse: não há. Fonte de fomento: não há.

Artigo Original

Prognostic value of tumor thickness in advanced squamous cell carcinoma of the lower lip and their correlation with neck metastases

Código 503

Resumo

Introdução: O carcinoma escamocelular (CEC) do lábio inferior é um dos tumores malignos mais comuns da cavidade oral. A espessura tumoral é relativamente um novo fator prognóstico para o câncer de lábio inferior e sua importância em casos avançados é incerto. objetivo: Avaliar o valor prognóstico da espessura tumoral no CEC avançado do lábio inferior. método: Análise retrospectiva de 31 pacientes diagnosticados com CEC avançado do lábio inferior e tratados cirurgicamente no Instituto Nacional do Câncer (Rio de Janeiro, Brasil), durante o período entre 2000 e 2009. Foram analisadas variáveis relacionadas à espessura tumoral, metástase cervical e sobrevida global. Resultados: Metástases cervicais ocorreram em 61,2% dos pacientes. A espessura tumoral foi um fator preditor independente de metástases cervicais, e quando utilizado o ponto de corte de 5 mm, a taxa de metástases cervicais foi de 5,3% em comparação com 94,7% dos pacientes com tumores maiores que 5 mm de espessura (p = 0,001). A ocorrência de metástases cervicais foi um fator preditor independente para a redução da sobrevivência global (p = 0,003). Conclusão: A espessura tumoral foi um fator preditor independente de metástase cervical no CEC avançado de lábio inferior. Na ocorrência de metástases cervicais há uma significativa redução da sobrevida global.

Descritores: Neoplasias Labiais; Metástase Linfática; Esvaziamento Cervical; Prognóstico.

AbstRACt

background: Squamous cell carcinoma of the lower lip (SCCLL) is one of the most common malignant tumors of the oral cavity. Tumor thickness is a relatively new prognostic factor for lower lip cancer and its significance in advanced cases is uncertain. objective: To evaluate the prognostic value of tumor thickness in advanced SCCLL. method: A retrospective analysis of 31 patients diagnosed with advanced SCCLL and treated surgically at the Brazilian National Cancer Institute (Rio de Janeiro, Brazil), during the period between 2000 and 2009. We analyzed variables related to tumor thickness, neck metastasis and overall survival. Results: Neck metastases occurred in 61.2 percent of patients. Tumor thickness was an independent predictor of neck metastases, using a 5 mm cut-off, the rate of neck metastases was 5.3 percent compared with 94.7 percent of patients with tumors greater than 5 mm thick (p = 0.001). Neck metastases was an independent predictor for reduced survival (p = 0.003). Conclusion: Tumor thickness was an independent predictor of neck metastasis in advanced SCCLL. The occurrence of neck metastasis is a significant reduction in overall survival.

Key words: Lip Neoplasms; Lymphatic Metastasis; Neck Dissection; Prognosis.

Introdução

O carcinoma escamocelular (CEC) do lábio inferior é um dos tumores malignos mais comuns da cavidade oral, sendo responsável por 25-30% dos casos de car-cinoma epidermoide oral1,2. Tumores avançados, lesões T3 e T4, e aqueles com envolvimento linfonodal ocorrem em menos de 20% dos pacientes e têm taxas de sobre-vida em 5 anos que variam entre 40% a 80%3,4.

A etiopatogenia do carcinoma de lábio inferior é mul-tifatorial e os fatores de risco incluem a exposição ao sol, predisposição genética (mutação do gene supressor p53) e progressão das lesões pré-cancerosas (radioder-mite, queilite crônica, xeroderma pigmentoso)5-6.

Vários fatores foram identificados como sendo im-portantes no prognóstico do câncer de lábio inferior, tal como o estágio T; comprometimento da comissura; grau de diferenciação tumoral; padrão arquitetônico; índice

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mitótico; resposta inflamatória; presença de infiltração perineural, muscular, ou vascular e metástases linfono-dais7-8. A espessura tumoral é relativamente um novo fa-tor prognóstico que tem sido investigado no câncer de lábio inferior. Vários estudos têm sido feitos sobre a sua importância prognóstica em câncer de cavidade oral9-10, no entanto, a literatura é escassa em seu significado em CEC avançado do lábio inferior. Este estudo foi realizado para avaliar o valor prognóstico da espessura tumoral no CEC avançado do lábio inferior e sua correlação com metástases cervicais e sobrevida global.

Método

Foi realizado um estudo retrospectivo com a análise de uma série consecutiva de pacientes com CEC avan-çado do lábio inferior selecionados do banco de dados do Instituto Nacional do Câncer, e que foram atendidos entre 2000 a 2009. Os critérios de elegibilidade para o estudo foram: pacientes com CEC avançado do lábio inferior não tratados anteriormente, sem um segundo tumor primário no lábio inferior, sem evidência de metás-tase à distância e que tenham sido submetidos a trata-mento cirúrgico na instituição.

Em nosso serviço, o tratamento cirúrgico do câncer avançado do lábio inferior consiste na ressecção parcial ou total do lábio inferior, com uma margem de 1 cm de segurança em bloco; dissecção supraomohioideo unila-teral ou bilateral é utilizado para casos N0 e esvaziamen-to cervical radical clássico ou modificado para casos N+. A espessura do tumor foi medida com um microscópio de luz por utilização de um micrómetro ocular. A espessura foi definida como a distância entre a superfície e o nível mais profundo do tumor. O valor mais elevado depois de muitas medidas foi aceito como a espessura do tumor. Superfícies de queratina e no tecido de granulação in-flamatória não foram incluídas na medição. A espessura tumoral foi expressa em milímetros. Foi utilizado para comparação entre os grupos o ponto de corte mínino de espessura tumoral de 5mm, uma vez que este índice se encontra bem estabelecido na literatura e é utilizado como rotina em nosso serviço.

Um total de 49 pacientes com CEC avançado do lá-bio inferior foram avaliados na instituição durante este período. Deste grupo, 31 pacientes se enquadravam nos critérios de inclusão do estudo. Todos os prontuá-rios foram revisados e os pacientes foram reestadiados de acordo com os critérios da UICC. Os exames patoló-gicos foram revisados por um dedicado patologista em cabeça e pescoço.

A análise estatística foi realizada usando SPSS ver-são 11 para o software de estatística do Windows. A di-ferença entre a média das espessuras naqueles com e sem metástases foi analisada estatisticamente por meio do teste U de Mann-Whitney. Utilizou-se o exato de Fi-sher para determinar o ponto de corte para a espessura do tumor. A sobrevida cumulativa foi calculada pelo mé-todo de Kaplan-Meier e o teste log-rank foi utilizado para

determinar a significância das diferenças. O nível de sig-nificância estatística adotado no estudo foi de p < 0,05.

resultados

Um total de 31 pacientes com CEC avançado do lá-bio inferior foram selecionados para o estudo. De acordo com o sistema TNM, 13 pacientes (41,9%) estavam no estádio T3 e 18 pacientes (58,1%) estavam no estágio T4. O estadiamento patológico dos pacientes encontra-se na Tabela 1.

O esvaziamento cervical foi realizado em todos os pacientes e metástases cervicais foram encontradas em 19 (61,2%). Apenas 2 pacientes (6,5%) foram submeti-dos à dissecção radical clássico do pescoço, 7 pacien-tes (22,5%) foram submetidos a esvaziamento cervical radical modificado, e 22 pacientes (70,9%) foram sub-metidos a esvaziamento cervical seletivo uni ou bilate-ral. No exame histológico dos linfonodos do pescoço, a maioria dos pacientes (84,2%) tinha doença metastáti-ca dentro do nível cervical I: 12 pacientes (63,1%) com envolvimento unilateral e quatro pacientes (21,1%), com envolvimento bilateral. Metástases cervicais nos níveis jugulares superior, médio e inferior (níveis II, III e IV res-pectivamente) estiveram envolvidas em 12 pacientes (63,1%). Somente em 2 pacientes os linfonodos cervi-cais nível V estavam envolvidos.

A espessura tumoral média dos casos com metásta-ses cervicais foi de 18,08 mm (DP = 9,50), enquanto que a espessura tumoral média dos casos sem metástases cervicais foi de 17,52 mm (DP = 10,4). A diferença entre as espessuras tumorais de ambos os grupos não foi es-tatisticamente significativa (p = 0,53). No grupo com me-tástases cervicais, os valores de espessura de 5 mm a 9 mm, apresentaram diferenças estatisticamente significa-tivas, no entanto, os valores de maior relevância clínica foram encontrados entre 5 mm e 6 mm (p = 0,001, teste exato de Fisher). A taxa de incidência de metástases de acordo com a espessura tumoral é mostrada na Tabela 2. Apenas um paciente com espessura tumoral igual ou inferior a 5 mm possuía metástases cervicais no esva-

tabela 1. Distribuição pós-operatória do estadiamento TNM em pacientes com CEC avançado do lábio inferior. (UICC-2007).Estadiamento PacientesEstadio III T3N0 10Estadio III T3N1 3Estadio IV T1N2b 2Estadio IV T2N2b 3Estadio IV T3N2b 1Estadio IV T3N2c 4Estadio IV T4N0 2Estadio IV T4N1 5Estadio IV T4N2b 1Total 31

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ziamento cervical. Usando o valor de 5 mm como pon-te de corte, a taxa de metástases cervicais foi de 5,3% em comparação com 94,7% dos pacientes com tumores maiores que 5 mm de espessura (p = 0,001). Observa-se ainda uma tendência liner de ocorrência de metástases cervicais de acordo com o aumento da espessura tumo-ral (Figura 1).

Radioterapia adjuvante foi realizada em todos os pa-cientes. A dose total no sítio tumoral e cervical variou de 50 Gy e 70 Gy, dependendo da modalidade de radiação. A média de acompanhamento dos pacientes foi de 32 meses (variando de 5 a 60 meses). Durante o seguimen-to, a recidiva local ocorreu em 4 pacientes (12,9%), e apenas um paciente desenvolveu recidiva regional após o tratamento inicial. Nenhum paciente com recidiva foi elegível para cirurgia de resgate. Metástases à distân-cia ocorreram em 2 pacientes (6,4%). Oito pacientes (25,8%) evoluíram com óbito relacionado à doença. Todos os óbitos pela doença ocorreram no grupo com metástases cervicais. A sobrevida global acumulada em 36 meses foi de 61,3%. Quando comparado com o gru-po sem metástases cervicais, a presença de metástases cervicais após o esvaziamento cervical foi um fator pre-ditor independente de sobrevida reduzida neste grupo (p = 0,003), conforme mostrado na Figura 2.

dIscussão

A espessura tumoral é um parâmetro histopatológico objetivo que é facilmente obtido e reprodutível. Frierson e Cooper foram os primeiros a demonstrar a relação prog-nóstica entre espessura tumoral e linfonodos cervicais metastáticos no câncer de lábio inferior11. Os mesmos definiram que uma espessura tumoral de 6 mm seria um ponto de corte valioso na avaliação do prognóstico. Em-bora, não exista nenhum método universalmente aceito para medir a espessura tumoral e isso explica, em par-te, os diferentes valores de corte descritos na literatura, variando entre 1,5 mm e de 8 mm4,12, o presente estudo está de acordo com a literatura, mostrando que a es-pessura tumoral é bem correlacionada com metástases cervicais no CEC avançado de lábio inferior e 5 mm é o ponto de corte, acima do qual a taxa de metástases cervicais aumentam significativamente.

A chance de sobrevida em longo prazo é reduzida significativamente na vigência de metástases cervicais. Grandes lesões e aquelas associadas com metástases cervicais possuem taxas de sobrevida de 50% ou menos em 5 anos13. Neste contexto, o controle adequado da doença nos pacientes com CEC avançado de lábio in-ferior deve ser obtido através da ressecção tumoral com margens oncológicas adequadas, esvaziamento cervi-cal e radioterapia adjuvante14. Em nosso estudo, o es-vaziamento cervical foi realizado em todos os pacientes e metástases cervicais foram encontradas em 61,2%. Neste grupo, a presença de metástases cervicais após o esvaziamento cervical foi um preditor independente e significativo para a redução da sobrevida global. A ra-

tabela 2. Ocorrência de metástases cervicais de acordo com a espessura tumoral e significância estatística.Espessura Tumoral Metástase Cevicais p value N=19 % < 5mm 01 5,3% 0,001>5 mm 18 94,7% < 6mm 01 5,3% 0,001>6 mm 18 94,7% < 7mm 03 15,8% 0,003>7 mm 16 84,2% < 8mm 04 21,1% 0,012>8mm 15 78,9% < 9mm 05 26,3% 0,039>9 mm 14 73,7% < 10mm 07 36,8% 0,251> 10mm 12 63,2% < 11mm 07 36,8% 0,251> 11mm 12 63,2% < 12mm 08 42,1% 0,491>12 mm 11 57,8%

Figura 1. Tendência linear de ocorrência de metástases cervicais de acordo com a espessura tumoral.

Figura 2. A presença de metástases cervicais após esvaziamento cer-vical foi um preditor independente para redução da sobrevida.

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dioterapia adjuvante foi realizada em todos os pacientes e apenas cinco desenvolveram recorrência locorregional após o tratamento inicial. Nenhum desses pacientes foi elegível para terapia de resgate. Este dado reforça o fato de se realizar o esvaziamento cervical seletivo em todos os casos de tumores avançados, uma vez que o controle locorregional é mais efetivo e reduz a chance de recidi-vas não resgatáveis15.

O padrão de invasão parece ser um parâmetro im-portante na determinação da probabilidade de metás-tases cervicais. Os tumores que invadem ou infiltram tecidos hospedeiros como pequenos agregados ou células individuais têm sido associados com uma taxa metastática maior do que aqueles com margens pouco infiltrativas1,11. Em nosso estudo, a diferença entre as es-pessuras tumorais de ambos os grupos com ou sem me-tástases cervicais não foi estatisticamente significativa, o que demonstra que a relevância biológica da espessura tumoral no CEC avançado de lábio inferior precisa de análise da biologia molecular do tumor para predizer de forma mais concreta o prognóstico.

Estudos recentes tem demonstrado que os distúr-bios nas vias de sinalização mediada pelas proteínas morfogenéticas do osso (BMP) podem estar envolvidos no desenvolvimento e aumento do potencial metastático do CEC avançado de lábio inferior, funcionando como um potencial marcador tumoral de prognóstico16,17. Outro estudos enfatizam o papel de alguns fatores virais no câncer de lábio que podem atuar como fatores prognós-ticos, como: o vírus papiloma humano (HPV) 16 e 24, e o vírus herpes simples (HSV) 1 e 218. Apesar de um papel para o HPV na patogênese do câncer de lábio permane-cer, portanto, um tanto controverso, muitos estudos têm demonstrado que tanto a sobrevida global quanto a so-brevida livre de doença foram significativamente melho-rados nos pacientes com câncer de cabeça e pescoço HPV-positivos19,20.

conclusão

Há uma tendência linear de ocorrência de metásta-ses cervicais de acordo com o aumento da espessura tumoral em CEC avançado de lábio inferior, e que a par-tir de 5mm de espessura tumoral ocorre uma incidência significativa de metástases cervicais. A presença de me-tástases cervicais após o esvaziamento cervical foi um preditor independente e significativo para a redução da sobrevida global.

referêncIas

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