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UNIVERSIDADE ESTADUAL DE SANTA CRUZ – UESC DEPARTAMENTO DE CIÊNCIAS BIOLÓGICAS – DCB PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM ZOOLOGIA DÍDAC SANTOS FITA COBRA É INSETO QUE OFENDE: CLASSIFICAÇÃO ETNOBIOLÓGICA, QUESTÕES SANITÁRIAS E CONSERVAÇÃO NA REGIÃO DA SERRA DA JIBÓIA, ESTADO DA BAHIA, BRASIL Ilhéus – BA 2008

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UNIVERSIDADE ESTADUAL DE SANTA CRUZ – UESC

DEPARTAMENTO DE CIÊNCIAS BIOLÓGICAS – DCB

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM ZOOLOGIA

DÍDAC SANTOS FITA

COBRA É INSETO QUE OFENDE:

CLASSIFICAÇÃO ETNOBIOLÓGICA, QUESTÕES SANITÁRIAS E

CONSERVAÇÃO NA REGIÃO DA SERRA DA JIBÓIA,

ESTADO DA BAHIA, BRASIL

Ilhéus – BA 2008

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DÍDAC SANTOS FITA

COBRA É INSETO QUE OFENDE:

CLASSIFICAÇÃO ETNOBIOLÓGICA, QUESTÕES SANITÁRIAS E

CONSERVAÇÃO NA REGIÃO DA SERRA DA JIBÓIA,

ESTADO DA BAHIA, BRASIL

Dissertação apresentada, para obtenção do título de

mestre em Zoologia, à Universidade Estadual de

Santa Cruz.

Área de concentração: Zoologia Aplicada.

Orientador: Prof. Dr. Eraldo Medeiros Costa Neto

Co-orientador: Prof. Dr. Alexandre Schiavetti

Ilhéus – BA

2008

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III

S237 Santos–Fita, Dídac.

Cobra é inseto que ofende: classificação etnobiológica,

questões sanitárias e conservação na região Serra da Jibóia,

Estado da Bahia, Brasil / Dídac Santos Fita. Ilhéus, BA: UESC,

2008.

xvi, 115f. : il.

Orientador: Dr. Eraldo Medeiros Costa Neto.

Co-orientador: Dr. Alexandre Schiavetti

Dissertação (Mestrado) – Universidade Estadual de Santa

Cruz. Programa Regional de Pós-Graduação em Zoologia.

Inclui bibliografia e apêndice.

1.Zoologia. 2. Etnobiologia. 3. Animais venenosos. 4.

Conservação da natureza. 5. Ser humano – Influência sobre

a natureza. I. Título.

CDD 590

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IV

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V

Dedico este trabalho a toda

minha família.

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VI

AGRADECIMENTOS

Aos meus pais, irmãos e demais membros de minha família (nem preciso dar

explicações do por quê...).

Ao meu estimado orientador Dr. Eraldo Medeiros Costa Neto, pelo constante apoio

recebido, plena confiança depositada em mim, infinita paciência (com as

intermináveis idas e vindas do texto via e-mail para correção) e permanente

motivação.

Ao meu co-orientador Dr. Alexandre Schiavetti, pelas sugestões com o texto e por

ter-me obrigado a auto-impor prazos de entrega.

Aos professores Miríades Augusto da Silva, José da Silva Mourão e Paulo dos

Santos Terra, por formarem parte de minha banca de defesa de dissertação;

esperando deles boas críticas construtivas.

Aos professores Romari, Martin e Yvonnick, pela constante disposição e boa

vontade em ter feito da minha estadia na cidade de Ilhéus e no PPG-Zoologia da

UESC cada vez mais prazerosa.

A todos os amigos e colegas do PPG-Zoologia (os especiais já sabem; sobretudo à

Carlinha-Felicia, Nayara, Gabi, Dani, Cássia, Rebeca, Polli, Pepa, Pollyana, Elza,

Marco...).

À Andréia Moassab (pelo encontro e desencontro) e a (minha) querida família

Geraldine Moassab.

Aos meus irmãos Silvas Gaivotas Chiangs do Instituto Emerson Feliciano.

A todos os amigos de São Paulo, destacando o Douglas.

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VII

À Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado da Bahia (FAPESB), pela bolsa de

AT2 concedida e pelo apoio de ajuda a Projeto de Pesquisa – Mestrado.

À Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES), pela

bolsa de Mestrado concedida.

Ao professor Flávio Bezerra Barros, pelo seu interesse no meu trabalho, conselhos,

correções e motivação.

Ao professor Gil Marcelo Reuss Strenzel e ao Fábio Falcão, pela ajuda na

elaboração dos mapas.

Ao Marco Freitas e à Thais Silva, pelo fornecimento de várias das fotografias, assim

como pela ajuda na identificação e descrição de várias das espécies animais.

Aos professores Antônio Jorge Suzart Argôlo e Mirco Solé, pela ajuda na

identificação e descrição de várias das espécies animais. Ao professor Dr. Luiz

Alberto Mattos Silva, pela ajuda na identificação das espécies vegetais.

À Rebeca, Gabi, Dani, Polli, Nayara, Camilla Caló, Flávia, Rafa, e ao Djalma,

Cassiano e Fábio Falcão, assim como às professoras Miríades Augusto da Silva e

Geilsa Baptitsta e ao Dr. José Geraldo W. Marques, pelas ajudas, comentários e

criticas construtivas do presente texto.

E, sobretudo, aos moradores do povoado de Pedra Branca e comunidades

circunvizinhas, muito em especial à Dona Nalva (quem foi e será sempre uma

segunda mãe para mim).

A todos vocês e aos que não citei: Muito Obrigado!

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VIII

Caminante, son tus huellas el camino y nada más;

caminante, no hay camino, se hace camino al andar.

Al andar se hace camino y al volver la vista atrás

se ve la senda que nunca se ha de volver a pisar.

Caminante no hay camino

sino estelas en la mar...

fragmento do poema “Caminante” (Antonio Machado)

“Hay que endurecerse pero sin perder la ternura jamás”.

(Ernesto Che Guevara)

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IX

Cobra é inseto que ofende: classificação etnobiológica, questões sanitárias e

conservação na região da Serra da Jibóia, Estado da Bahia, Brasil

RESUMO

A Etnozoologia, entendida como uma subárea da etnobiologia que transita entre

diversos campos do conhecimento, principalmente a biologia e a antropologia

cognitiva, possibilita uma aproximação acerca dos três domínios (cognição,

afetividade e comportamento) que compõem o fenômeno complexo da relação do

ser humano com os animais. A presente pesquisa registrou o modo como os

moradores da região da Serra da Jibóia, especialmente os que vivem no povoado de

Pedra Branca, município de Santa Terezinha-BA, percebem, identificam, classificam

e interagem com a fauna local, em especial com os animais culturalmente

categorizados como “insetos”. Foram investigados os danos diretos (=ofensas) reais

e/ou imaginários causados por estes animais à saúde humana e as implicações para

a conservação das etnoespécies envolvidas. O trabalho de campo ocorreu entre os

meses de setembro a novembro de 2006 e entre junho a julho de 2007, totalizando-

se 68 dias de convivência in loco. Os dados foram obtidos com ajuda de gravador

seguindo várias técnicas da pesquisa qualitativa para registro etnográfico, como são:

entrevistas abertas, semi-estruturadas e observação ad libitum dos comportamentos

(incluindo-se as expressões facial e corporal). Estas foram realizadas com 74

indivíduos, sendo 39 do gênero masculino e 35 do gênero feminino, cujas idades

variaram de 4 a 89 anos. A técnica de “bola de neve” permitiu contatar aqueles

moradores (n=34) que se mostraram mais conhecedores sobre as questões tratadas

na pesquisa. Os resultados revelam a existência de dois domínios semânticos

etnozoológicos principais: “animal” e “inseto”. Os indivíduos entrevistados

distinguem estes dois domínios não por meio de uma definição única e abrangente,

mas oferecendo exemplos de organismos que eles agrupam em cada etnotáxon. O

domínio “inseto” reúne diferentes animais não sistematicamente relacionados, tais

como: aranha, escorpião, sapo, lagartixa, sardão, cobra e morcego, além dos

representantes da Classe Insecta. Às vezes, alguns insetos, como abelhas e

borboletas, são citados como exemplos de “animais” devido à importância utilitária

ou estético-contemplativa. Em geral, devido às representações culturais, os “insetos”

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X

são seres feios, nojentos, perigosos, nocivos e inúteis. Segundo o sistema de

classificação etnozoológico dos moradores do povoado de Pedra Branca, o domínio

“inseto” pode ser caracterizado como um complexo etnotaxonômico identificado e

descrito com base não apenas nos aspectos cognitivos (caracteres morfológicos e

biológicos), mas, sobretudo, nos aspectos utilitaristas (culturais). A ofensa é uma

das principais características usadas na formação do etnotaxón “inseto”, uma vez

que tem implicação na saúde da população local. Por essa razão, aranhas,

escorpiões, morcegos e, principalmente, cobras, muito freqüentemente são mortos,

enquanto que sapo, sardão e lagartixa são tratados com certa indiferença, com a

conseqüência de que quase não se observa uma vontade para eliminá-los. Para os

ofídios foram registradas crenças e práticas (simpatias) locais associadas à questão

da ofensa, algumas das quais incitam de forma clara e direta a eliminação desses

répteis. Os moradores de Pedra Branca utilizam vários remédios caseiros

preparados com matérias-primas de origem mineral, vegetal e animal, além de

simpatias e rezas, visando o tratamento e/ou prevenção das ofensas causadas pelos

“insetos”; especialmente pelas cobras e escorpiões. A disponibilidade e maior

facilidade em obter soro para tratamento de picada por animais peçonhentos

parecem ter levado ao desuso e à desvalorização das práticas médicas locais, que

outrora constituíam a única opção possível de cura. Estudos recentes na área da

biologia da conservação enfatizam que os fatores emocionais são essenciais em

qualquer ação conservacionista bem sucedida. Alterando-se o referencial afetivo-

emocional, a maneira como os objetos (neste caso, os “insetos”) são percebidos,

valorizados e tratados pelos indivíduos poderia ser transformada, gerando uma

convivência menos conflituosa com esses animais. Daí a importância de

compreender a formação do domínio semântico “inseto” e as representações

culturais associadas a este complexo etnotaxonómico.

Palavras-chave: Etnobiologia, Etnotaxonomia, Interação ser humano/animal,

Animais peçonhentos, Percepção da Natureza, Conservação.

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XI

The snake is an insect that offends: ethnobiological classification, sanitary

issues and conservation in the region of Serra da Jibóia, Bahia State, Brazil

ABSTRACT

Ethnozoology is known as a sub-area of ethnobiology that moves through among

several science fields, mainly biology and cognitive anthropology. It makes possible

an approach on the three dominions (cognition, emotion and behavior) that comprise

the complex phenomenon of the relationship between human beings and the

animals. This study recorded how the inhabitants of Serra da Jibóia region,

especially those who dwell in the county of Pedra Branca, in the municipality of Santa

Terezinha-BA, perceive, identify, classify, and interact with the local fauna, with

emphasis on the animals culturally categorized as “insects”. The direct injuries

(“offenses”), both real and/or imaginary ones, which are caused by these animals to

human healthy, and the implications for conservation of the involved folk specifics

were recorded. Fieldwork was carried out from September to November 2006 and

from June to July 2007, with a total of 68 days of living in this community. Data were

obtained by using a digital recorder and following several ethnographical techniques

of the qualitative research, such as open-ended interviews and ad libitum observation

of the human behaviors (including the facial and corporal expressions). These

techniques were carried out with 74 individuals: 39 from masculine gender and 35

from feminine gender, whose ages ranged from 4 to 89 years old. The technique

called as “snow ball” has allowed to contact those inhabitants (n=34) who have

showed themselves as the most knowledgeable persons on the questions surveyed

in this study. Results show the existence of two main ethnozoological semantic

dominions: “animal” and “insect”. The interviewed distinguish these two dominions

not by means of a unique and comprising definition, but offering examples of

organisms that they group together in each of these ethnotaxa. The “insect”

dominium gathers different animals not systematically related to each other, such as

spider, scorpion, toad, lizard, snake, and but, as well as the representatives of the

Class Insect. Sometimes, some insects, as bees and butterflies, are cited as

examples of “animals” due to the utility or aesthetic-contemplative importance. In

general, “insects” are considered ugly, disgusting, dangerous, noxious, and useless

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XII

beings due to cultural representations. According to the ethozoological classification

system of the Pedra Branca inhabitants, the “insect” dominion can be characterized

as an ethnotaxonomical complex that is identified and described based not only on

cognitive aspects (morphological and biological), but especially on the utilitarian

(cultural) aspects. Offense is one of the main characteristics used to make up the

“insect” ethnotaxon, since it has implication on locals’ health. In this regard, spiders,

scorpions, bats, and mainly snakes are frequently killed, while toads and lizards are

treated with some indifference, with the consequence that almost it is not observed a

will to kill them. For the snakes local beliefs and practices (charms) associated to the

question of offense were recorded. Some of them incite the elimination of these

reptiles in a clear and direct way. The dwellers of Pedra Branca have used several

homemade remedies which are based on mineral, vegetal and animal substances,

besides charms and pray aiming at the treatment and/or prevention of the offenses

caused by “insects”; especially snakes and scorpions. The availability and higher

ease to obtain the sorum for treatment against venomous animal stings seem to have

caused both the disuse and devaluation of local medical practices, which formerly

have constituted the only possible option of healing. Recent studies in the area of

conservation biology have emphasized that emotional factors are essential in any

successful conservationist action. By changing the affective-emotional reference the

way how the objects (“insects” in this case) are perceived, valued and treated by the

individuals could be transformed, and thus living together with these animals in a less

conflicting way. That is why the importance to understand the formation of the

semantic dominion “insect” and the cultural representations associated to this

ethnotaxonomical complex.

Key words: Ethnobiology, Ethnotaxonomy, Human/animal interaction, Venomous

animals, Nature perception, Conservation.

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XIII

Serpiente es insecto que ofende: clasificación etnobiológica, cuestiones

sanitarias y conservación en la región de la Serra da Jibóia, Bahia, Brasil

RESUMEN

La Etnozoología, entendida como una subárea de la etnobiología que transita entre

diversos campos del conocimiento, principalmente la biología y la antropología

cognitiva, posibilita una aproximación acerca de los tres dominios (cognición,

afectividad y comportamiento) que componen el fenómeno complejo de la relación

del ser humano con los animales. La presente investigación registró el modo como

los habitantes de la región de la Serra da Jibóia, especialmente los que viven en el

poblado de Pedra Branca, municipio de Santa Terezinha-BA, perciben, identifican,

clasifican e interactúan con la fauna local, especialmente con los animales

culturalmente categorizados como “insectos”. Fueron investigados aquellos daños

directos (=ofensas) reales y/o imaginarios causados por estos animales a la salud

humana y las implicaciones para la conservación de las etnoespecies envueltas. El

trabajo de campo ocurrió entre los meses de septiembre a noviembre de 2006 y

entre junio a julio de 2007, contabilizándose 68 días de convivencia in loco. Los

dados fueron obtenidos con ayuda de grabadora siguiendo varias técnicas de la

investigación cualitativa para registro etnográfico, como son: entrevistas abiertas,

semiestructuradas y observación ad libitum de los comportamientos (incluyendo las

expresiones facial y corporal). Estas fueron realizadas con 74 individuos, siendo 39

del género masculino y 35 del género femenino, cuyas edades variaron de 4 a 89

años. La técnica de “bola de nieve” permitió contactar aquellos habitantes (n=34)

que se mostraron mas conocedores en relación a las cuestiones tratadas durante la

investigación. Los resultados revelan la existencia de dos dominios semánticos

etnozoológicos principales: “animal” y “insecto”. Los individuos entrevistados

distinguen estos dos dominios no mediante una definición única, sino ofreciendo

ejemplos de organismos que ellos agrupan en cada etnotáxon. El dominio “insecto”

reúne diferentes animales no sistemáticamente relacionados, tales como: araña,

escorpión, sapo, lagartija, “sardão”, serpiente y murciélago, además de los

representantes de la Clase Insecta. A veces, algunos insectos, como abejas y

mariposas, son citados como ejemplos de “animales” debido a la importancia

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XIV

utilitaria o estético-contemplativa. En general, debido a las representaciones

culturales, los “insectos” son considerados seres feos, repugnantes, peligrosos,

nocivos e inútiles. Según el sistema de clasificación etnozoológico de los habitantes

del poblado de Pedra Branca, el dominio “insecto” puede ser caracterizado como a

un complejo etnotaxonómico identificado y descrito en base no únicamente en los

aspectos cognitivos (caracteres morfológicos y biológicos), sino también, sobretodo,

en los aspectos utilitaristas (culturales). La ofensa es una de las principales

características utilizadas en la formación del etnotaxón “insecto”, una vez que tiene

implicaciones en la salud de la población local. Por diversos motivos, arañas,

escorpiones, murciélagos y, principalmente, serpientes, frecuentemente son

muertos, en cuanto que sapo, “sardão” y lagartija son tratados con cierta

indiferencia, con la consecuencia que casi no se observa una voluntad en

eliminarlos. Para los ofidios se registraron creencias y prácticas (“simpatias”) locales

asociadas a la cuestión de la ofensa, algunas de las cuales incitan de forma clara y

directa a la eliminación de estos reptiles. Los habitantes de Pedra Branca utilizan

varios remedios caseros preparados con materias primarias de origen mineral,

vegetal y animal, además de “simpatias” y rezas, visando el tratamiento y/o

prevención de las ofensas causadas por los “insectos”; especialmente por las

serpientes y escorpiones. La disponibilidad y mayor facilidad en obtener suero para

tratamiento de picada por animales venenosos parece haber llevado al desuso y a la

desvalorización de las prácticas médicas locales, que en otros tiempos constituyeron

la única opción posible de cura. Estudios recientes en el área de la biología de la

conservación enfatizan que los factores emocionales son esenciales en cualquier

acción conservacionista bien sucedida. Modificándose el referencial afetivo-

emocional, la manera como los objetos (en este caso, los “insectos”) son percibidos,

valorizados y tratados por los individuos podría ser transformada, generando una

convivencia menos conflictiva con estos animales. De aquí la importancia de

comprender la formación del dominio semántico “insecto” y las representaciones

culturales asociadas a este complejo etnotaxonómico.

Palabras clave: Etnobiología, Etnotaxonomía, Interacción ser humano/animal,

Animales venenosos, Percepción de la Naturaleza, Conservación.

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XV

LISTA DE FIGURAS

Figura 1 Localização da Serra da Jibóia: Região do Recôncavo Sul no

Estado da Bahia, Brasil.............................................................................20

Figura 2 Vista parcial da margem Oeste da Serra da Jibóia...................................21

Figura 3 Localização da comunidade de Pedra Branca (município de

Santa Terezinha) no sopé da Serra da Jibóia...........................................22

Figura 4 Vista parcial da praça do povoado de Pedra Branca, com a

Igreja de Nossa Senhora de Nazaré ao fundo.........................................23

Figura 5 Aspecto da sala de aula da escola do povoado de Pedra

Branca........................................................................................................24

Figura 6 Animais não-insetos citados durante as entrevistas com os

moradores de Pedra Branca, distribuídos segundo a inclusão

nos domínios etnozoológicos “inseto” ou “animal”...................................35

Figura 7 “Rosalgar”: objeto usado localmente para afastar as cobras...................73

Figura 8 Resultado típico do encontro entre os moradores da Serra da

Jibóia e as cobras.....................................................................................85

Figura 9 Efeito resultante da picada pela cobra cabo-branco (filhote de

Bothrops leucurus)...................................................................................89

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XVI

LISTA DE TABELAS

Tabela 1 Etnoespécies locais de “insetos” envolvidas nas ofensas causadas

à saúde humana, com base na presente pesquisa..................................42

Tabela 2 Crenças relacionadas (direta ou indiretamente) à questão das ofensas

causadas pelas etnoespécies de cobra, segundo os depoimentos dos

moradores de Pedra Branca, Santa Terezinha, Bahia.............................60

Tabela 3 Etnoespécies vegetais citadas nas crenças relacionadas com as

cobras, segundo os moradores do povoado de Pedra Branca,

Santa Terezinha,Bahia..............................................................................67

Tabela 4 Simpatias relacionadas com ofensas causadas pelas etnoespécies

de cobra, segundo os depoimentos dos moradores de Pedra Branca,

Santa Terezinha, Bahia...........................................................................70

Tabela 5 Objetos que os moradores da região da Serra da Jibóia carregam

consigo para afastar as cobras.................................................................72

Tabela 6 Recursos vegetais, animais e minerais recomendados e/ou utilizados

visando prevenir ou tratar picada de cobra, segundo os moradores

do povoado de Pedra Branca, Santa Terezinha,Bahia............................75

Tabela 7 Recursos vegetais, animais e minerais recomendados e/ou utilizados

visando prevenir ou tratar ferroada de escorpião, segundo os

moradore do povoado de Pedra Branca, Santa Terezinha, Bahia......... .80

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XVII

SUMÁRIO

1 INTRODUÇÃO.........................................................................................................1

1.1 Investigação Etnozoológica.................................................................................1

1.2 Delimitação e Enfoques do Assunto Tratado......................................................2

1.3 Justificativa da Presente Pesquisa......................................................................3

2 OBJETIVOS.............................................................................................................5

2.1 Objetivo Geral......................................................................................................5

2.2 Objetivos Específicos..........................................................................................5

3 REVISÃO BIBLIOGRÁFICA....................................................................................6

3.1 Interação Ser humano/Animal.............................................................................6

3.2 A Perspectiva Etnozoológica...............................................................................7

3.3 Etnociência e a Ênfase nos Sistemas de Classificação......................................8

3.4 Etnoentomologia................................................................................................12

3.5 Percepções, Sentimentos e Atitudes com Relação aos Insetos.......................14

3.6 Construção Sociocultural do Domínio Etnozoológico “Inseto”..........................16

3.7 Danos Diretos Causados Pelos “Insetos”: Repercussões na Saúde

Humana e Implicações na Conservação da Biodiversidade.............................17

4 MATERIAL E MÉTODOS......................................................................................19

4.1 Área de Estudo.................................................................................................19

4.1.1 Características gerais: a Serra da Jibóia.....................................................19

4.1.2 O povoado de Pedra Branca.......................................................................21

4.2 Trabalho de Campo.........................................................................................25

4.2.1 Amostragem e obtenção de dados.............................................................25

4.2.2 Análise dos dados.......................................................................................28

5 RESULTADOS E DISCUSSÃO.............................................................................30

5.1 Os “Insetos” Segundo a Percepção dos Moradores de Pedra Branca.............30

5.1.1 Formação dos domínios semânticos “Animal” e “Inseto”...........................30

5.1.2 Domínio semântico “inseto”: definição e abrangência...............................33

5.1.3 A questão da ofensa: implicações na percepção, conhecimento e

reações afetivo-emocionais com os “insetos”............................................40

5.2 Crenças e Práticas Associadas às Ofensas Causadas pelos “Insetos”............54

5.2.1 Significado antigo atribuído ao termo ofensa.............................................54

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XVIII

5.2.2 Crenças e estórias relacionadas com “insetos” ofensivos.........................58

5.2.3 Simpatias, remédios caseiros e rezas para prevenir e tratar ofensas.......68

5.2.3.1 Simpatias.............................................................................................69

5.2.3.2 Remédios caseiros..............................................................................75

5.2.3.3 Rezas..................................................................................................80

5.2.4 Situação atual: presença do soro e perda dos saberes e práticas

culturais locais..........................................................................................81

5.3 Atitudes Culturalmente Construídas sobre o Etnotáxon “Inseto”: Implica-

ções na Conservação e o Papel da Educação Ambiental................................83

5.3.1 Representação afetiva e conservação da biodiversidade local......... .......83

5.3.2 Educação ambiental como ferramenta de transformação afetivo-

emocional: repercussões na percepção e no comportamento.................86

6 CONSIDERAÇÕES FINAIS...................................................................................91

REFERÊNCIAS..........................................................................................................95

APÊNDICES.............................................................................................................108

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1

1 INTRODUÇÃO 1.1 Investigação Etnozoológica

A percepção1 que os seres humanos têm sobre os animais, assim como os

tipos de interação que desenvolvem com eles e as atitudes2 mostradas com

relação às diferentes espécies, sempre dependeu do conjunto de fatores ecológicos,

geográficos, históricos, econômicos, psicológicos (sobretudo os afetivo-emocionais),

epidemiológicos, filosóficos (incluindo a ética), sociais e culturais (incluindo aspectos

lingüísticos e religiosos) entre outros, próprios das circunstâncias temporal e

espacial de cada grupo social, como comunidade, e de cada componente, como

indivíduo (TURBAY, 2002).

Estas interações podem ser investigadas segundo diferentes disciplinas

acadêmicas, oriundas tanto das ciências biológicas (biologia, ecologia, etologia etc.)

quanto das ciências humanas e sociais (antropologia, psicologia, lingüística etc.). A

etnozoologia, entendida como uma área interdisciplinar que transita entre diversos

campos do conhecimento, principalmente a biologia e a antropologia cognitiva, em

um constante vaivém entre as ciências biológicas e as ciências humanas e sociais,

possibilita uma aproximação acerca dos três domínios (cognitivo, afetivo e

comportamental) que compõem o fenômeno complexo da relação do seres humanos

com os animais.

Em uma visão mais estrita, o principal objeto da abordagem etnozoológica é o

estudo (descritivo) dos sistemas de classificação zoológica encontrados nas

diversas culturas. Sob um contexto mais abrangente, porém, possibilita o

entendimento, por meio da análise da linguagem, não só de como se constrói e se

estrutura cada classificação etnozoológica, mas também das causas e

conseqüências da percepção, identificação, nomeação e categorização dos animais,

reais e/ou mitológicos, que povoam o universo próprio dos grupos étnicos de todo o

mundo. Em outras palavras, percepção, sentimento (reações afetivo-emocionais) e

uso determinam, em última instância, as atitudes (positivas ou negativas)

1Segundo o sentido dado por Harris (1979:491-523) e Posey (1997:1) apud Miller (2007), percepção se refere a uma descrição dos conhecimentos e crenças de um povo, relativos ao meio ambiente. 2Entendida como uma posição emocional ou intelectual em relação a um outro ser vivo, fato, etc., assim como do comportamento conseqüente em relação a este.

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direcionadas aos animais. Trata-se, portanto, da relação entre o que é pensado

(cognição), o que é falado (palavra) e o que é feito (ação) (VIERTLER, 2002). A

etnotaxonomia pode ser um indicador desse processo cognitivo-lingüístico-

comportamental (COUTO, 2007).

1.2 Delimitação e Enfoques do Assunto Tratado

O presente trabalho se insere dentro do projeto de pesquisa intitulado

Interação do Ser Humano com os Insetos: Investigação Etnoentomológica na Região

da Serra da Jibóia, Estado da Bahia, Brasil, que, por sua vez, é uma extensão de um

estudo desenvolvido entre 2000-2003 na comunidade de Pedra Branca (município

de Santa Terezinha) e do qual resultou uma tese de doutorado defendida em agosto

de 2003 na Universidade Federal de São Carlos, São Paulo (COSTA NETO, 2003),

além de vários artigos científicos e de divulgação publicados em diferentes revistas

nacionais e internacionais. Este estudo, de caráter essencialmente descritivo,

permitiu registrar diversos aspectos cognitivos, afetivos e comportamentais da

população local com a entomofauna, admitindo-se então que os insetos

desempenham um papel significativo na vida sociocultural dos moradores da região

da Serra da Jibóia, Bahia (COSTA NETO, 2003). No entanto, restaram muitos

aspectos a serem descritos e analisados com maior detalhe e esclarecimento, como,

por exemplo, a questão da construção sociocultural do domínio etnozoológico

“inseto”3, uma vez registrado por Costa Neto (2003) que os moradores da região

identificam e reúnem, na mesma etnocategoria, diferentes animais não

sistematicamente relacionados junto aos próprios insetos da classificação lineana.

Com a presente pesquisa, o autor quis indagar sobre o como e o porquê

desta construção do etnotáxon “inseto”. Para isso, escolheu-se direcionar o estudo

na compreensão do significado do termo “ofensa” e nas conseqüências dos danos

diretos (reais e/ou imaginários) causados pelos “insetos” no que se refere à saúde

humana, bem como as implicações culturalmente resultantes para a conservação

das etnoespécies envolvidas. Em outras palavras, o fio condutor central da presente

3Ao longo do texto, o termo inseto escrito entre aspas se refere ao domínio semântico etnozoológico “Inseto”, que inclui diferentes animais não sistematicamente relacionados, além dos insetos da classificação lineana.

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pesquisa focaliza-se no modo como os moradores do povoado de Pedra Branca

percebem, classificam e interagem com os animais considerados “insetos”. Desta

questão, resultaram três temas de estudo, inter-relacionados, que foram

desenvolvidos ao longo do trabalho: a) percepções, sentimentos e atitudes da

população local com relação aos “insetos”; b) as ofensas ou danos diretos (reais

e/ou imaginários) causados por estes organismos à saúde humana; e c)

considerações sobre conservação da biodiversidade local.

1.3 Justificativa da Presente Pesquisa

Os sistemas de classificação etnozoológicos estão intimamente ligados à

maneira pela qual cada cultura, de um modo muito particular, pensa, sente e atua

com relação aos animais presentes em seu entorno. Diversos estudos demonstram

que em várias culturas humanas, os indivíduos identificam e reúnem, em uma

mesma etnocategoria, diferentes animais não sistematicamente relacionados (p.ex.,

lesmas, minhocas, escorpiões, aranhas, sapos, lagartos, serpentes, ratos, morcegos

etc.) junto aos Insecta propriamente ditos. Estes animais são percebidos,

identificados, classificados e nomeados como “insetos” principalmente devido à

representação afetiva e às atitudes culturalmente associadas ao termo “inseto”, que

geralmente é usado para se referir àquele organismo tido como um ser feio,

repugnante, nocivo, perigoso ou transmissor de doenças e que, consequentemente,

deve ser eliminado (COSTA NETO, 2000, 2002).

Para reverter a (predominante) visão negativa que os indivíduos têm sobre os

“insetos” e garantir a conservação desses animais, mediante uma prática de

educação ambiental centrada na perspectiva cultural, assim como melhorar a

qualidade de vida da população humana, no que se refere a fornecer uma saúde

pública de qualidade, tanto os tomadores de decisão quanto os pesquisadores e

educadores necessitam saber articular o conjunto de saberes da população local

junto aos acadêmicos para solucionar questões socioambientais (POSEY, 2001).

Acredita-se que a pesquisa etnobiológica (primeiro descritiva para depois ser

aplicada) possa contribuir a este respeito.

Espera-se que os resultados deste trabalho possam subsidiar estudos futuros

que venham a ser desenvolvidos tanto na região da Serra da Jibóia como em outras

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localidades onde a realidade socioambiental seja semelhante, buscando guiar

discussões amplas sobre bem-estar físico e mental, saneamento básico, práticas de

medicina tradicional e valorização do saber popular, assim como conservação da

biodiversidade, por meio de programas educativos efetivos e contextualizados

(principalmente nas escolas públicas regionais).

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2 OBJETIVOS

2.1 Objetivo Geral:

Registrar os aspectos cognitivos (percepções e pensamentos), afetivos

(sentimentos) e comportamentais (atitudes) que estão envolvidos nas relações que

os moradores da região da Serra da Jibóia, especialmente os que vivem no povoado

de Pedra Branca, município de Santa Terezinha-BA, mantêm com os animais

localmente categorizados como “insetos”, com ênfase tanto nos danos diretos

(=ofensas) reais e/ou imaginários causados à saúde humana, quanto nas

implicações resultantes à conservação das etnoespécies envolvidas.

2.2 Objetivos Específicos:

a) Registrar a construção dos domínios semânticos etnozoológicos “animal” e

“inseto” pelos moradores do povoado de Pedra Branca e arredores;

b) Descrever o significado sociocultural do termo “ofensa”, relacionando-o com os

danos diretos (reais e/ou imaginários) causados à saúde humana pelos animais

considerados “insetos”;

c) Identificar taxonomicamente os “insetos” envolvidos nas ofensas causadas aos

moradores;

d) Relacionar os saberes e práticas populares locais em relação às estórias,

crenças, remédios caseiros, simpatias e rezas que visam prevenir ou tratar as

ofensas causadas pelos “insetos”.

e) Identificar quais os comportamentos (atitudes) da população local com as

etnoespécies de “insetos” que causam ofensas.

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3 REVISÃO BIBLIOGRÁFICA

3.1 Interação Ser humano/Animal

O Homo sapiens construiu sua própria história evolutiva (biológica e cultural)

ao lado de outros seres vivos, em especial pelo convívio com uma diversidade de

espécies animais encontradas nos diferentes ecossistemas e regiões em que

habitou. Os animais sempre constituíram e continuam a constituir parte importante e

essencial da realidade e do cotidiano humanos (ULLOA, 2002). Um dos mais antigos

registros conhecidos do relacionamento com os animais se encontra na arte rupestre

pré-histórica (COMBES e GUITTON, 1999). Estes registros precedem até o próprio

ser humano, já que nossos ancestrais desde o Australopitecus já consumiam carne

(normalmente carcaças encontradas) e isso data de mais de três milhões de anos

atrás (UNGAR, 2004).

Os estudos sobre as interações ser humano/animal podem ser enfocados

segundo diversas abordagens teórico-metodológicas, valendo-se de uma

perspectiva inter e transdisciplinar4. Em toda sociedade humana, pode-se investigar:

a) o modo como os indivíduos percebem os animais e os sistemas tradicionais de

classificação zoológica (HUNN, 1977; POSEY, 1983; BERLIN, 1992; MARQUES,

2001; COSTA NETO, 2002); b) a importância e presença que determinada fauna

tem nos contos, mitos e crenças, ou seja, o papel que os animais reais ou

mitológicos desempenham na explicação da realidade (cosmovisão e modelos

conceituais de mundo) (DESCOLA, 1996, 1998; KARADIMAS, 1999; VIVEIROS DE

CASTRO, 2002); c) os aspectos ecológicos e culturais da utilização dos animais e

seus subprodutos (alimentício, medicinal, econômico, religioso, lúdico, artístico etc.)

(BEGOSSI, 1992, COSTA NETO, 1999b, 2002; PESSOA et al., 2002; SANTOS-

FITA et al., 2006); d) o processo de domesticação, verificando as bases

socioculturais e as conseqüências anatômico-fisiológicas, econômicas e ambientais

do manejo dos recursos faunísticos ao longo do tempo (HAUDRICOURT, 1977;

FRANÇOIS, 1988; DIGARD, 1992); e) o manejo, uso sustentável e conservação da

4Movimentando-se entre (inter) as diversas disciplinas, o pesquisador apodera-se das respectivas ‘ferramentas’ mais úteis e adequadas ao seu trabalho. Ao mesmo tempo, ele deve aprender a transitar (trans; transcender) entre esta interdisciplinaridade, para tomar ‘distância’ e ver tudo com maior perspectiva e ângulo de visão (compreensão) (MARQUES, 2002; CAMPOS, M., 2002).

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biodiversidade, incluindo as técnicas de coleta e seu impacto sobre as diferentes

populações animais (BALÉE, 1985; BODMER, 1999; FLECK e HARDER, 2000;

REYES et al., 2001; MARTINS e SOUTO, 2006).

As relações seres humanos/animais são, ao mesmo tempo, causa e efeito de

como cada cultura constrói sua noção do que é e do que não é “animal”. Delimitam-

se as fronteiras entre domínios, estabelecendo os atributos e as relações com os

animais, e isto em função das circunstâncias próprias de cada cultura e em um

tempo, espaço e momento histórico particular (ULLOA, 2002).

3.2 A Perspectiva Etnozoológica

A etnozoologia faz parte de um campo de estudos mais abrangente, a

etnobiologia. Quando se discutem os fundamentos teórico-metodológicos da

etnobiologia, por extensão também são analisados aqueles relacionados com a

etnozoologia, sem esquecer da etnobotânica e de outras subáreas que constituem o

que se conhece(m) como etnociência(s). Na formação da palavra etnobiologia, o

prefixo etno denota que nos mesmos estudos sobre um determinado campo da

experiência humana se incluirá a perspectiva do grupo étnico sob análise,

registrando-se a classificação dos fenômenos naturais e sociais de um povo, isto é,

o manejo de outras formas lógicas de cognição, outros esquemas referenciais,

modelos alternativos de conhecimento e de adaptação bio-psico-cultural

(ARBOLEDA, 2003).

O termo etnobiologia foi cunhado por Castetter em 1935 e definido por ele

como o estudo da “utilização da fauna e flora pelos povos primitivos” (BERLIN, 1992,

p. 6). Desde então, vários autores propuseram definições diferentes para o que vem

a ser etnobiologia. Clément (1998, p. 162) considera-a como “o estudo das ciências

biológicas tal como são praticadas pelos vários povos estudados pela etnologia”.

Segundo Posey (1986, p. 15), a etnobiologia é “essencialmente o estudo do

conhecimento e das conceituações desenvolvidas por qualquer sociedade a respeito

da biologia. [...] É o estudo do papel da natureza no sistema de crenças e de

adaptação do homem a determinados ambientes”. Esta definição é de suma

importância e utilidade ao presente estudo, pois além de relacionar a etnobiologia

com a ecologia humana, enfatiza como ela serve de estudo sobre as categorias e

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conceitos cognitivos utilizados por uma determinada população humana na sua

interação com qualquer elemento do ambiente (POSEY, 1986).

O termo etnozoologia, por sua vez, foi cunhado e definido por Mason (1899,

p. 50) como “a zoologia da região tal como narrada pelo selvagem”. Ao investigar as

técnicas de caça de alguns povos indígenas norte-americanos, Mason afirmou que

toda a fauna de uma dada região, direta ou indiretamente, entra na vida e

pensamento de um povo. Na literatura, porém, o termo só apareceu explicitamente

em 1914 no artigo intitulado Ethnozoology of the Tewa Indians, de Henderson e

Harrington. Parafraseando Campos, M. (1994), a etnozoologia pode ser entendida

como o estudo da ciência zoológica do “Outro”, construída a partir do referencial de

saberes da Academia. Ou, ainda, o estudo do quê os indivíduos sabem sobre os

animais que não é ensinado pela Ciência (ELLEN, 1996).

Convertida em objeto de estudo antropológico, a Zoologia agora passa a

oferecer um sistema de nomenclatura e de classificação dos animais de modo

distinto ao observado pela academia. Mais do que refletir uma ordem natural, a

etnozoologia evidencia a percepção, o estado dos conhecimentos e as formas de

sociabilização que a comunidade tem com a fauna de sua região (TURBAY, 2002).

3.3 Etnociência e a Ênfase nos Sistemas de Classificação

No final do século XIX começaram a surgir disciplinas ou campos de estudo

que traziam o prefixo etno diante de uma dada especialidade acadêmica. Tendo

uma origem explicitamente marcada pelo etnocentrismo ocidental, nas primeiras

pesquisas realizadas sobre etnobotânica e etnozoologia o interesse dos

antropólogos e etnólogos5 estava no modo como as sociedades rotuladas de

“primitivas” aproveitavam plantas e animais (aspectos meramente de ordem

econômica), prevalecendo listas com nomes comuns, seus equivalentes na

taxonomia acadêmica e os possíveis usos que lhes davam as culturas sob análise. A

este tipo de investigação, Conklin (1954, p. 10) dizia tratar-se “mais apropriadamente

de botânica (ou zoologia) com notas de etnologia”. Negava-se, de um modo geral,

qualquer indício mínimo de “conhecimento empírico” que fosse próprio dos grupos

5Para uma profunda revisão bibliográfica, aconselham-se as leituras de Brown, R. (1868), Palmer (1878), Mason (1899), Maldonado-Koerdell (1940), Baker (1941), Castetter (1944), entre outros.

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indígenas. Desse modo, os pesquisadores estavam mais preocupados em registrar

os recursos que poderiam ser úteis para benefício de sua própria cultura do que

estudar os saberes milenares destas populações (CLÉMENT, 1998).

Os estudos etnobiológicos foram fortalecidos e ganharam maior amplitude

com o advento de um movimento antropológico de tendência cognitivista e sócio-

lingüística, surgido por volta de 1950, especialmente na Universidade de Yale

(Estados Unidos). Conhecida como Etnociência, Nova Etnografia ou Etnografia

Semântica6, esta escola não só aportou um novo paradigma teórico-metodológico

aos estudos da relação ser humano/natureza como, sobretudo, revolucionou o

registro etnográfico (COSTA NETO, 2002). O objetivo era entender como o mundo é

percebido, identificado e compreendido pelas diversas culturas humanas; e sendo

tudo isto um reflexo de como as sociedades ordenam e nomeiam os elementos do

seu ambiente em sistemas de classificação (TURBAY, 2002). Os pesquisadores,

então, começaram a considerar a botânica e a zoologia acadêmicas como

secundárias e passaram a dar maior ênfase à percepção nativa dos organismos

vivos. No início, este tipo de estudos realizava-se quase que exclusivamente com

povos indígenas; para posteriormente serem feitos também com os vários grupos

inseridos dentro da própria sociedade moderna ocidental, entre eles nas zonas

rurais com os camponeses (CARRARA, 1997 apud MOURÃO, 2000).

Por meio de análises etnossemânticas (provenientes da lingüística), os

pesquisadores começaram a realizar estudos centrados nos aspectos cognitivos,

buscando registrar o significado conferido por uma dada sociedade à diversidade de

organismos (reais e/ou mitológicos) presentes nos ecossistemas (HARRIS, 1976).

Os seguidores da nova etnografia justificavam a grande ênfase dada aos aspectos

semânticos e de classificação alegando que as decisões sobre os usos alimentícios,

tecnológicos, medicinais etc. das plantas e animais baseiam-se em critérios que

podem ser expressos em forma lingüística (TURBAY, 2002). Segundo Revel (1990),

cada idioma em particular possui uma visão única do mundo, uma vez que todas as

percepções (ver, ouvir, tocar, cheirar e saborear) são canalizadas pelos hábitos 6Para uma revisão bibliográfica mais extensa e detalhada sobre a origem e pressupostos teóricos da etnociência, recomenda-se a leitura tanto de seus representantes e fundadores (H.C. Conklin, F.C. Loundsbury, F.C. Wallace, V. Atkins, W.H. Goodenough, C.O. Frake, W.C. Sturtevant entre outros), como dos trabalhos de Berlin e Kay (1969) sobre classificação de cores, e os de Berlin et al. (1973) e Berlin (1976, 1992) sobre classificação etnobiológica. Aconselha-se também uma revisão do tema em Sturtevant (1974), Cardona (1985) e Clément (1998a), assim como da coletânea de artigos clássicos na revista Cognitive Anthropology feita por Tyler (1969 apud Campos, M., 2002).

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lingüísticos que favorecem certas alternativas de interpretação. Os padrões de

expressão lingüística de uma dada cultura indicariam qualquer regularidade

classificatória: “Categorias são construções lingüísticas que capacitam uma cultura a

dar ordem a seu universo, organizar suas percepções coletivas e as relações dos

seres com os fenômenos” (GREENE, 1995, tradução nossa). Desse modo, passou-

se a considerar as diferentes culturas como sistemas de saberes ou de aptidões

mentais, tais como revelados pelas suas próprias estruturas lingüísticas. A grande

importância deste tipo de estudo está, precisamente, na afirmação de que toda

sociedade esforça-se por compreender o universo ao seu redor (COSTA NETO,

2002).

Considerando que a psique humana é classificadora por “natureza”, os

indivíduos sempre responderam à diversidade biológica, abiótica e sobrenatural do

ambiente agrupando os elementos pelas semelhanças e separando-os pelas

diferenças (BROWN e CHASE, 1981). Como Lévi-Strauss (1989) aponta, existe uma

necessidade intelectual inerente ao ser humano em demandar ordem ao universo,

pois só assim se consegue entender, referenciar, inserir-se e dominar o mundo. Esta

exigência de ordem (= ato de classificar) é, precisamente, a base de todo

pensamento humano, seja científico ou tradicional7. Trata-se de combater

(culturalmente) o caos, estruturando-o e dando-lhe um sentido coerente. Os seres

humanos processam e ordenam as informações percebidas por meio dos sentidos, e

isto implica:

[...] definir categorias de objetos ou de seres, formar conjuntos, estabelecer hierarquias, relações de exclusão, de inclusão e de compatibilidade ou incompatibilidade. O sistema de classificação que resulta ao final serve, por sua vez, de orientação no mundo e constitui uma espécie de filtro através do qual se percebe o real (TURBAY, 2002, p. 89, tradução nossa).

Com o avanço dos estudos em antropologia cognitiva, pôde-se compreender

que o conhecimento dos povos indígenas, tradicionais, camponeses etc. implica

7Considera-se que esta exigência de ordem não é um critério epistemológico suficiente como para julgar tipos de conhecimento, uma vez que ordem pode ser estabelecida e alcançada a partir de epistemologias muito distintas, não necessariamente, e unicamente, a partir da ocidental. Ambas, a ciência moderna e a “ciência do concreto” – denominação de Lévi-Strauss (1989) para o ‘conhecimento tradicional’ – devem ser colocadas como modos de conhecimento paralelos (e não como etapa uma da outra), embora diferentes e com eficiência prática distinta (BANDEIRA, 2001).

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uma série de procedimentos e métodos de observação comparáveis aos da ciência

acadêmica (ocidental), além de que para eles o universo também é objeto de

pensamento, um meio para satisfazer tanto as necessidades intelectuais quanto

materiais (LÉVI-STRAUSS, 1989). Este autor também foi um dos primeiros

pesquisadores a afirmar que a separação entre espécies, que se observa nas

etnotaxonomias, embora nem sempre seja igual à que se faz na zoologia

acadêmica, também é resultado de procedimentos lógicos que muitas vezes,

inclusive, permitem aos cientistas identificar uma espécie de forma precisa. A

escolha por critérios de classificação denota certa subjetividade e imparcialidade por

parte de quem a constrói, não exercendo uma simples atividade racional, mas

expressando também sentimentos e emoções. Classificar ajuda a valorizar,

representar e simbolizar o mundo e com isso edifica-se um conhecimento do

universo que não é só material, mas também é simbólico, mágico-espiritual etc.

Segundo a literatura sobre sistemas de classificação etnobiológicos, é

conhecida a divergência histórica entre os seguidores de duas abordagens:

intelectualista, de ordem cognitiva, e a utilitarista, de ordem econômica. Na posição

intelectualista-cognitivista, identificam-se duas teorias, que consideram a cultura

essencialmente como um construto mental (CLIFTON, 1968 apud COSTA NETO,

2002). Ambas as teorias compartilham a visão segundo a qual os seres humanos

reconhecem uma estrutura e uma ordem hierárquica do mundo biológico. A primeira

delas associa-se com o estruturalismo francês de Lévi-Strauss (1989), defendendo a

idéia de que as espécies animais e vegetais são úteis e interessantes porque

primeiro são conhecidas. A segunda teoria desenvolveu-se nos Estados Unidos,

tendo Berlin (1976, 1992) como um de seus principais expoentes. Argumenta-se que

os processos de identificação, nomenclatura e classificação da biodiversidade na

sistemática popular são motivados fundamentalmente pela cognição. Ou seja,

acredita-se que todos os grupos humanos reconhecem a estrutura e ordem inerente

ao mundo, independentemente de qualquer valor prático ou utilidade cultural que os

animais e as plantas possam apresentar. Tais processos são essencialmente

idênticos em todas as línguas (= sociedades), podendo ser descritos por um

pequeno número de princípios e regras universais, de caráter hierárquico (ADAMS,

2000; BANDEIRA, 2001). Berlin et al. (1973) sugerem, precisamente, que as

semelhanças entre as taxonomias científica e popular reforçam esta hipótese, como

também reforçam a idéia da realidade das espécies.

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Por outro lado, os utilitaristas acreditam que o principal objetivo da

classificação etnobiológica é ajudar as populações humanas a se ajustarem a seus

respectivos hábitats, nomeando aquelas espécies animais e vegetais que têm

conseqüências práticas à adaptação humana (CLÉMENT, 1995; ADAMS, 2000).

Segundo Hunn (1977, 1982) e Hays (1982), principais representantes da abordagem

utilitarista, a investigação da importância prática do conhecimento etnobiológico

facilita a captação de dados e minimiza a imposição de paradigmas como categorias

e hierarquias.

A orientação inicial do campo de pesquisa etnobiológica foi essencialmente

dominada pelos princípios classificatórios derivados de percepções e constatações

que norteavam a passagem das representações simbólicas à experiência, em

detrimento dos aspectos comportamentais. Em outras palavras, pretendia-se provar

a existência de uma relação entre a terminologia nativa do entorno e sua

conceitualização (FOWLER, 1977), porém relegando a um segundo plano a

diversidade e a dinâmica das relações de uma dada cultura com a natureza

(CAMPOS, M., 2002). Os primeiros etnocientistas foram questionados, a posteriori,

justamente pelo quase nulo interesse naquelas implicações de ordem

comportamental, que também determinam, em última instância, o grau e o tipo de

interação do homem com o ambiente. As opiniões dos nativos deveriam sempre ser

contrastadas com as ações realmente observadas e com outros aspectos de seu

comportamento. Porém, os pesquisadores partiam do pressuposto de que as

informações que as pessoas possuem sobre o ambiente, assim como a maneira

pela qual elas categorizam estas informações, já influenciam per se seu

comportamento (atitude) com relação ao mesmo (POSEY, 1987; BEGOSSI, 1993;

ADAMS, 2000; CAMPOS, M., 2002).

3.4 Etnoentomologia

O estudo de como os insetos são percebidos, identificados, classificados e

utilizados pelas diversas populações humanas é de domínio da etnoentomologia

(POSEY, 1987). Os estudos etnoentomológicos remontam a meados do século XIX,

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com diferentes autores8 registrando diferentes formas de interação ser

humano/insetos, bem como documentando a nomenclatura desses animais nos

idiomas nativos. Já o aparecimento do termo na literatura científica apenas se deu

em 1952, com a publicação do trabalho de Wyman e Bailey (1952) sobre os

métodos utilizados pelos índios Navajo para o controle de pragas. Porém, a primeira

vez que o termo surgiu em título de livro foi na obra Navajo Indian Ethnoentomology

(1964), também de Wyman e Bailey (COSTA NETO, 2002).

Com base no conceito de etnoecologia abrangente proposto por Marques

(2001)9, a etnoentomologia pode ser definida como a subárea da etnozoologia que

estuda os processos cognitivos (percepções e pensamentos), os sentimentos

(reações afetivo-emocionais) e os comportamentos (atitudes) que intermedeiam as

relações entre as populações humanas que os possuem com as espécies de insetos

dos ecossistemas que as incluem. Esta definição permite retornar à etnociência e à

questão dos sistemas de classificação etnobiológicos, assim como dá atenção aos

aspectos afetivo-emocionais e comportamentais que orientam as conexões, neste

caso particular, dos indivíduos com os insetos.

O campo de estudo etnoentomológico pode ser restrito ou amplo a depender

do conceito adotado para definir a palavra inseto. Do ponto de vista da

categorização lineana, a palavra está bem definida e nesse contexto apenas os

insetos e artrópodes correlatos são estudados pelo etnoentomólogo. No entanto,

quando se adota a definição popular, estuda-se não apenas os insetos “clássicos”,

mas outros animais popularmente percebidos e categorizados como pertencentes ao

etnotáxon “inseto” (POSEY, 1987; COSTA NETO, 2002).

No Brasil, as interações das várias comunidades humanas com a

entomofauna vêm sendo registradas desde a época colonial (PISO, 1957 apud

COSTA NETO, 2002). No entanto, os estudos em etnoentomologia ainda são

escassos quando comparados com aqueles devotados à etnobotânica e a outras

subáreas da etnozoologia (p.ex., etnoictiologia) (COSTA NETO, 2004b).

Com relação ao Estado da Bahia, os estudos etnoentomológicos começaram

efetivamente a serem realizados a partir de 1995, particularmente com o

8 As referências completas desses autores podem ser encontradas em Posey (1987).

9“É o campo de pesquisa (científica) transdisciplinar que estuda os pensamentos (conhecimentos e crenças), sentimentos e comportamentos que intermediam as interações entre as populações humanas que os possuem e os demais elementos dos ecossistemas que as incluem, bem como os impactos ambientais daí decorrentes” (MARQUES, 2001, p. 16).

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desenvolvimento do projeto de pesquisa intitulado “Etnoentomologia de tribos

indígenas do semi-árido baiano, com ênfase na etnoapicultura Pankararé”, o qual

fora aprovado pelo Conselho Superior de Ensino, Pesquisa e Extensão da

Universidade Estadual de Feira de Santana (UEFS). Desde então, vários aspectos

da interação seres humanos/insetos vêm sendo desenvolvidos em diferentes

contextos socioculturais. Dentre os autores, citam-se como exemplos: Costa Neto

(1998, 1999b, 2003), Costa Neto e Melo (1998) e Costa Neto e Oliveira (2000), que

registraram o uso medicinal de insetos em diferentes comunidades baianas; Katiúcia

et al. (1998), que estudaram a percepção e a comercialização de “insetos” como

recursos medicinais por feirantes da cidade de Feira de Santana; Filgueiras e Souza

(1999), que registraram a utilização e a importância terapêutica e comercial da

apitoxina e outros produtos extraídos de Apis mellifera L., 1758; Lima, D. (2000)

estudou a etnoentomologia no povoado de Capueiruçu, região do Recôncavo

baiano, registrando o uso de insetos como fontes de alimento, remédio, presságios e

entretenimento; Veiga (2000) investigou as interações seres humanos/insetos no

povoado Fazenda Matinha dos Pretos, registrando os usos medicinal, trófico, lúdico

e místico.

Estudos etnotaxonômicos foram realizados por Costa Neto (1998), que

investigou o modo como um grupo de insetos (as “abeias”) é percebido, nomeado,

classificado e utilizado pelos índios Pankararé que vivem no Nordeste do estado;

Lima, T. (1999) estudou a etnoentomologia de uma comunidade afro-brasileira

localizada próxima à cidade de Lençóis, na Chapada Diamantina; Costa Neto e

Carvalho (2000) registraram como graduandos da UEFS percebem os insetos;

Costa Neto (2003) realizou estudo sobre percepção e uso de insetos no povoado de

Pedra Branca (município de Santa Terezinha).

3.5 Percepções, Sentimentos e Atitudes com Relação aos Insetos

Um dos critérios fundamentais no entendimento da percepção, identificação,

classificação e utilização dos elementos faunísticos pelas sociedades humanas (e

por cada indivíduo) é o afetivo-emocional, que determina os tipos de interação e as

atitudes culturalmente construídas direcionadas aos animais (ANDERSON, 1996;

NOLAN e ROBBINS, 2001). Drews (2002) chama a atenção de que o

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comportamento humano frente aos animais é formado tanto pelos valores,

conhecimentos e percepções quanto pelos tipos de interações que os seres

humanos mantêm com esses organismos. Esta ligação pode estar carregada de

emoções tanto positivas quanto negativas (KUDO e MACER, 1999). Em geral, as

atitudes dos indivíduos com relação aos animais podem ser influenciadas por muitos

fatores, tais como: abundância do animal; sensação tátil ou visual; crença na

espiritualidade; idéia de sujeira ou limpeza; associação do animal a doenças; crença

na fragilidade ou resistência do animal; benefícios ou prejuízos que o animal possa

trazer; desconforto que o animal possa gerar; aparência; e conhecimento ou

desconhecimento sobre o animal (MORALES et al., 1997).

No que concerne aos insetos, a percepção, a afetividade e as atitudes do

público geralmente variam desde a indiferença à aversão extrema (reação

entomofóbica). Embora algumas espécies realmente sejam séria ameaça à saúde e

bem-estar humanos, causando danos diretos e indiretos, mais de 99,9% de todas as

espécies são diretamente benéficas ao ser humano ou ao menos não lhe causam

transtornos. Mesmo aquelas que provocam prejuízos raramente são nocivas quando

presentes em número baixo (MOORE et al., 1982). A literatura salienta a importância

da presença desses animais para a manutenção da estrutura e funcionamento da

maioria dos ecossistemas terrestres (MORRIS et al., 1991; PRINCE, 1997; FISHER,

1998), mas esta importância raramente é reconhecida pelos indivíduos. No entanto,

há uma construção cultural do conceito de inseto, segundo a qual a grande maioria

do público os considera como organismos nojentos, perigosos, nocivos e inúteis; daí

também o desejo de eliminá-los de seu convívio. Isto acontece principalmente nas

culturas ocidentais, onde as atitudes dos indivíduos pouco favorecem esses animais

(HARDY, 1988), diferentemente do que se observa entre os povos asiáticos e em

menor medida entre os africanos (PEMBERTON, 1999). Hoyt e Schult (1999)

salientam que os seres humanos, ao se tornarem progressivamente estranhos ao

mundo natural, perderam a habilidade de distinguir um inseto do outro; como

resultado, as atitudes negativas foram generalizadas para quase todos os insetos.

Atitudes relativamente mais positivas direcionadas aos insetos (e demais

invertebrados) são observadas quando esses animais possuem algum valor estético,

utilitário, ecológico ou recreativo (KELLERT, 1993).

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3.6 Construção Sociocultural do Domínio Etnozoológico “Inseto”

Nolan e Robbins (2001) sugerem que as conexões zoofílicas (aqui

relacionadas com atitudes ambíguas de atração e repulsa pelos animais) e as

representações afetivas, as quais são culturalmente aprendidas, desempenham

papéis importantes na estruturação cognitiva dos domínios semânticos

etnozoológicos (p.ex., Aves, Peixes, Cobras, Insetos etc., ou termos locais

equivalentes, como bicho de pena, bicho de escama, bicho de couro etc.). Investigar

a formação desses domínios semânticos é essencial para a compreensão de como

as diferentes sociedades humanas constroem suas classificações zoológicas

populares. Como Posey (1987) salienta, podem ocorrer discrepâncias em diversos

campos de pesquisa etnocientífica, como é o caso da etnoentomologia, que não se

restringe apenas aos insetos reconhecidos pela classificação zoológica lineana,

uma vez que em diversos contextos socioculturais o vocábulo “inseto” inclui

diferentes organismos não sistematicamente relacionados, tais como anelídeos,

moluscos, aracnídeos, anfíbios, répteis e mamíferos (COSTA NETO, 2000, 2002).

Diversas pesquisas etnobiológicas têm registrado a inclusão de animais não-

insetos dentro de um domínio etnossemântico que equivale ao lexema “inseto” na

língua portuguesa (CURRAN, 1937; LENKO, 1963; MORGE, 1973; HARPAZ, 1973;

BROWN, 1979; POSEY, 1983; HAYS, 1983; LAURENT, 1995; KATIÚCIA et al.,

1998; COSTA NETO, 1998, 2003; RANDA, 2000; MARQUES, 2001; TEIXEIRA,

1995 apud ALMEIDA, 2002; SOUZA et al., 2002; SILVA e COSTA NETO, 2004;

SANTOS-FITA et al., 2006; COSTA NETO e MAGALHÃES, 2007; entre outros). Tal

construção cognitiva é encontrada, inclusive, no próprio âmbito acadêmico

(PERONTI et al., 1998).

Até o presente momento, porém, pouco se tem aprofundado no motivo

(razão) de tais organismos serem categorizados e chamados de “insetos” (COSTA

NETO, 2000). Este possível padrão de classificação etnozoológica foi explicado pela

hipótese da ambivalência entomoprojetiva (COSTA NETO, 1999a, 2000), segundo a

qual

“os seres humanos costumam projetar sentimentos de nocividade, periculosidade, irritabilidade, repugnância e menosprezo a animais não-insetos (inclusive pessoas), associando-os à categoria “inseto” determinada culturalmente. A idéia de ambivalência é empregada no

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sentido da sociologia, referindo-se à atitude que oscila entre valores diversos e, às vezes, antagônicos. A projeção resulta do processo psicológico pelo qual um indivíduo atribui a um outro ser os motivos de seus próprios conflitos” (COSTA NETO, 2000, p. 51).

Em outras palavras, o modo como a maioria dos seres humanos percebe e se

expressa em relação tanto aos próprios insetos quanto aos animais não-insetos,

porém identificados como “insetos”, evidencia os sentimentos e as atitudes de

desprezo, aversão e medo que os indivíduos geralmente demonstram por certos

animais (COSTA NETO, 2002). Diferentes explicações para as atitudes dos seres

humanos direcionadas aos insetos e demais organismos culturalmente rotulados de

“insetos”, encontram-se disponíveis na literatura (KELLERT, 1993; COSTA NETO e

PACHECO, 2003). Embora um processo geneticamente herdado não possa ser

completamente descartado (SELIGMAN, 1971; ÖHMAN, 1986), estudos confirmam

a transmissão sociocultural da resposta de desgosto, repugnância e/ou medo a

diferentes animais (DAVEY, 1994).

3.7 Danos Diretos Causados Pelos “Insetos”: Repercussões na Saúde

Humana e Implicações na Conservação da Biodiversidade.

Em todo o Brasil, notadamente nas regiões Norte e Nordeste, tem-se a

existência de um rico conjunto de saberes, costumes e práticas populares que estão

relacionados ao “combate” dos “insetos”; especialmente, aos danos diretos (reais

e/ou imaginários) causados por estes. Observam-se diferentes formas de pensar e

agir (crenças locais) quando ocorrem acidentes com estes animais. Ao mesmo

tempo, remédios caseiros (provenientes de matérias-primas minerais, vegetais e

animais), simpatias, rezas etc. visam prevenir ou tratar os transtornos provocados

pela ação deletéria desses animais (CASCUDO, 1954; CAMPOS, E., 1967;

MAGALHÃES, 1969; ARAÚJO e ELY, 1978; FLEMING-MORAN, 1993; NOMURA,

1996; SOUTO MAIOR, 1997; MARQUES, 1999; SILVA, 2000; VIZOTTO, 2003;

COSTA NETO, 2004a; LIMA e VASCONCELOS, 2006; entre outros). Algumas

dessas práticas resultam inócuas, enquanto outras podem ocasionar sérios riscos à

própria saúde, mesmo que os indivíduos estejam convencidos de seu poder

curativo.

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Por outro lado, uma vez que os “insetos” geralmente são menosprezados

devido ao modo como são percebidos (COSTA NETO, 2000, 2002), muito

freqüentemente eles estão já associados à imagem de animais venenosos e/ou

peçonhentos10, capazes de causar grandes transtornos físico e mental, levando,

algumas vezes, à morte. Consequentemente, as atitudes (predominantemente)

negativas do público geral diante dos “insetos” são enfatizadas, precisamente, por

estas ofensas ou danos diretos (reais e/ou imaginários) que eles causam (ou

estariam causando) à saúde humana. Por este motivo, os “insetos” nunca estão

incluídos na considerada “fauna carismática” (BOWEN-JONES e ENTWISTLE,

2002) e ainda são os organismos mais propensos a serem eliminados tanto pela

população urbana quanto rural (COSTA, 2005).

10Peçonha é inoculável, veneno é ingerível. Os animais “peçonhentos”, chamados erroneamente de ‘venenosos’, são aqueles capazes de inocular ativamente, mediante estruturas anatômico-fisiológicas especializadas, substâncias venenosas em outros seres vivos – quelíceras, no caso das aranhas; aguilhão, no caso dos escorpiões; presas, no caso das serpentes (COSTA, 2005).

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4 MATERIAL E MÉTODOS

4.1 Área de Estudo

4.1.1 Características gerais: a Serra da Jibóia

A Serra da Jibóia abrange parte do território de cinco municípios integrantes

da região econômica do Recôncavo Sul, no Estado da Bahia, Brasil (coordenadas

aproximadas 12º51’S e 39º28’W). Estendendo-se no sentido Norte-Sul, sua crista

mede 26 km de comprimento e a cota máxima alcança cerca de 820 m.s.n.m, sendo

que até uns 550 m ainda aparecem zonas de uso humano (povoados, pastagem

etc.). Tem uma área total ao redor de 5.928 ha (59,28 km2), calculando-se a partir da

curva de nível de 480 m, que coincide com sua base. Distribui-se da seguinte forma

entre os diferentes municípios: Varzedo, com 1.828 ha ou 31%; Santa Terezinha,

com 1.624 ha ou 27%; Elísio Medrado, com 1.200 ha ou 21%; Castro Alves, com

1.144 ha ou 19%; e São Miguel das Matas, com 132 ha ou 2% (TOMASONI e DIAS,

2003) (Figura 1).

Este maciço serrano (Figura 2) está localizado em uma zona ecótona, o que

lhe confere uma grande diversidade de climas, relevos, solos, vegetação e fauna.

Situada entre os domínios de Mata Atlântica e Caatinga, é um dos pontos mais a

Oeste da Mata Atlântica baiana e uma das matas úmidas de encosta situada mais

ao Norte do Estado. A crista (sentido Norte-Sul) marca o limite de uma mudança

climática na região, com um clima variando entre o tropical úmido, mais a Leste e

Sudeste, e o tropical semi-úmido mais a Oeste e a Noroeste (TOMASONI e DIAS,

2003).

A temperatura média anual é de 22ºC e o índice pluviométrico anual é de

1.200 mm, apresentando variações em função da altitude e da maritimidade, sendo

que as chuvas se concentram entre os meses de abril a julho, contribuindo

diretamente na formação e manutenção de importantes nascentes. Na medida em

que a continentalidade aumenta (sentido Oeste), a umidade e a precipitação

diminuem, tornando o clima mais seco. Isto possibilita a variação gradual da

vegetação, que vai da floresta ombrófila densa predominante a Leste e Sudeste da

serra, até as extensas áreas de caatinga arbustiva com palmeiras no Oeste e

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Noroeste, passando por uma floresta estacional semidecidual e, nos cumes, uma

vegetação de campo rupestre (QUEIROZ et al., 1996; vide Figura 3). A região é de

extrema importância hidrográfica, localizando-se as nascentes do Rio Jaguaripe e do

Rio da Dona. Por outro lado, diversos cursos de água provenientes da serra

engrossam as bacias do Rio Jiquiriçá (curso médio e inferior) e do Rio Paraguaçu

(curso inferior). Todos estes quatro rios, muito em especial o último, têm um papel

fundamental no sistema sócio-econômico, cultural e ambiental de mais de 30

municípios desta região econômica baiana (TOMASONI e DIAS, 2003).

Figura 1 - Localização da Serra da Jibóia: Região do Recôncavo Sul no Estado da

Bahia, Brasil. Fonte: http://www.sei.ba.gov.br/

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Figura 2 - Vista parcial da margem Oeste da Serra da Jibóia. Fonte: Dídac Santos

Fita (2006).

Em razão da serra localizar-se em uma zona ecótona, associada à interação

de outros fatores, como a altitude, faz com que ela apresente uma grande

biodiversidade e endemismo de espécies vegetais (QUEIROZ et al., 1996;

CARVALHO-SOBRINHO e QUEIROZ, 2005; VALENTE e PORTO, 2006) e animais.

Dentre as espécies animais vistas com maior freqüência, estão: mamíferos, como o

bicho-preguiça (Bradypus variegatus), o mico-estrela (Callithrix penicillata), o gato-

do-mato (Felis tigrina), a lontra (Lutra longicaudis), o tatu-bola (Tolypeutes tricinctus);

serpentes, como a surucucu-pico-de-jaca (Lachesis muta rhombeata) e a jararaca-

malha-de-sapo (Bothrops leucurus); aves, como o socó-boi (Tigrisoma fasciatum

fasciatum), a mãe-da-lua (Nyctibius leucopterus), o bacurau ou tesoura-gigante

(Macropsalis creagra) e a araponga-do-nordeste (Procnias averano averano); assim

como inúmeros insetos e outros artrópodes (JUNCÁ et al., 1999; MORAIS e

FREITAS, 1999; BORGES e QUIJANO, 2000; BRAVO et al., 2001; BRAVO, 2002;

COSTA NETO, 2003; JUNCÁ e BORGES, 2004; JUNCÁ, 2006).

4.1.2 O povoado de Pedra Branca

O povoado de Pedra Branca (coordenadas 12º50’S e 39º29’W) situa-se a uns

400 m.s.n.m. na margem noroeste da Serra da Jibóia, dentro do município de Santa

Terezinha (Figuras 3 e 4).

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Segundo a agente de saúde local, que devido à atividade exercida junto à

população é quem dispõe de um levantamento do número de habitantes próximo ao

real, em junho de 2007 estavam cadastrados cerca de 380 moradores distribuídos

em 123 famílias (contabilizando mais de uma família por casa). A população total

para todo o município de Santa Terezinha é de 9.914 habitantes (IBGE, 2007).

Figura 3 - Localização da comunidade de Pedra Branca (município de Santa

Terezinha) no sopé da Serra da Jibóia. Fonte: http://www.sei.ba.gov.br/

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Figura 4 - Vista parcial da praça do povoado de Pedra Branca, com a Igreja de

Nossa Senhora de Nazaré ao fundo. Fonte: Dídac Santos Fita (2006).

Sendo uma área basicamente rural, a população (considerada de

camponesa) de Pedra Branca tem no cultivo da mandioca (Manihot esculenta

Crantz, Euphorbiaceae) sua principal atividade econômica. Ocorre cultivo de uva

(Vitis sp.) para produção de vinho artesanal e comércio dos frutos. A pecuária

também é importante, principalmente os rebanhos bovino e caprino. A maioria dos

moradores possui nos quintais de suas casas pequenos animais para consumo,

como galinhas e patos; alguns criam porcos e também abelhas sem ferrão (Melipona

scutellaris e Tetragonisca cf. angustula) para consumo e comércio do mel produzido.

Devido a questões econômicas, praticamente todas as residências contam com

fogão a lenha, o que faz com que os indivíduos tenham que fazer contínuas

excursões às áreas de mata para buscar lenha. Observa-se também atividade de

caça na região. Os homens realizam outras tarefas, como construção civil, somente

quando há disponibilidade (COSTA NETO, 2003).

O povoado conta com um posto de saúde que atende de forma limitada (por

falta de materiais e recursos humanos) a população local. Destacam-se:

puericultura, tratamento de hipertensão e diabetes, planejamento familiar e

educação sexual. Graças à comunicação diária via ônibus (quatro vezes por dia)

com a cidade de Salvador, várias pessoas marcam consultas médicas e realizam

alguns tratamentos específicos na capital (p.ex., osteoporose, insuficiência renal

etc.). Somente 19 moradores do povoado dispõem de um plano de saúde particular.

Nos casos de mordida ou picada por qualquer animal peçonhento, muito comum nas

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regiões rurais, o lugar mais próximo onde o sujeito é atendido é o pronto-socorro de

Santa Terezinha (a 13 km de distância por rodovia pavimentada) ou o hospital de

Castro Alves (a 26 km de distância, 11 dos quais em péssimas condições). Estes

dois lugares dispõem de soros antiofídico, antiescorpiônico e antiaracnídico.

Com relação ao sistema de ensino formal, existe uma escola mantida pela

prefeitura que fornece apenas o ensino fundamental (Figura 5). Faz-se evidente uma

carência de material escolar e de recursos humanos. O fato de misturar alunos de

diferentes faixas etárias em uma mesma sala de aula pode, segundo o caso,

dificultar ainda mais a aprendizagem. Os estudantes completam seus estudos

(segundo grau) nas escolas de Santa Terezinha. De acordo com os depoimentos

dos moradores, constata-se que só por volta das últimas três gerações que o

número de estudantes que conseguem terminar o ensino médio está crescendo.

Antigamente, a maioria só completava até a 3ª ou 5ª séries do ensino fundamental.

Vários moradores que ultrapassam os 60 anos de idade são analfabetos.

Figura 5 - Aspecto da sala de aula da escola do povoado de Pedra Branca. Fonte:

Dídac Santos Fita (2006).

No que se refere à prática religiosa, entre os moradores de Pedra Branca

predominam os católicos (Catolicismo Popular Brasileiro), sendo que muitos se

incluem nesta religião, mas não a praticam regularmente, especialmente os homens.

Há alguns anos, fundou-se a Igreja Testemunhas de Jehová, que vem ganhando

adeptos e presença dentro da comunidade. São poucos os que se consideram ateus

ou agnósticos.

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4.2 Trabalho de Campo

4.2.1 Amostragem e obtenção de dados

A presente investigação foi conduzida à luz da metodologia quanti-qualitativa,

priorizando-se a abordagem qualitativa, uma vez que esta possibilita o estudo de

questões muito particulares que dificilmente podem ser quantificadas. Esta

abordagem facilita o trabalho dentro de um universo de contextos (complexos e

intrincados) psicológicos, históricos, sociais e culturais de cada sujeito, que não

podem ser captados apenas mediante técnicas de conteúdo quantitativo. Faz-se

possível, então, assumir múltiplas realidades estudadas holisticamente e aprofundar

no mundo dos significados das percepções, dos conhecimentos, das ações

(atitudes) e das relações interpessoais; e destas com o ambiente (MINAYO, 1999).

Neste sentido, o foco de atenção da presente pesquisa recai, sobretudo, na

interpretação e significado que os moradores da região da Serra da Jibóia, e em

particular do povoado de Pedra Branca, dão aos diferentes elementos constituintes

de seu entorno socioambiental mais imediato; concretamente, das visões dos

sujeitos com relação às interações com os “insetos”. A escolha por priorizar a

abordagem qualitativa justifica-se, então, no momento em que técnicas e

ferramentas etnográficas adequadas são utilizadas para alcançar os objetivos

propostos no presente estudo.

Independentemente da línea etnobiológica adotada, seja intelectualista ou

utilitarista, para registrar os aspectos cognitivos, afetivos e comportamentais

envolvidos nas interações dos participantes da pesquisa com os “insetos” locais, faz-

se primordial uma análise (interpretativa) da fala dos sujeitos, isto é, de sua

linguagem (oral, bem como corporal) (COUTO, 2007). A obtenção do vocabulário

(léxico) adotado por determinada população local é o primeiro passo para acessar

as informações sobre os diversos domínios cognitivos que compõem a mente

(ATRAN, 1998).

O trabalho de campo ocorreu de setembro a novembro de 2006, totalizando-

se 53 dias de convivência na comunidade de Pedra Branca. Posteriormente, houve

uma permanência de 15 dias entre junho e julho de 2007 com o objetivo de conferir

antigos depoimentos e registrar informações complementares, assim como participar

de algumas atividades socioculturais da comunidade.

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Foram entrevistados 74 indivíduos: 39 moradores do gênero masculino e 35

do gênero feminino, cujas idades variaram de 4 a 89 anos. O contato com indivíduos

de faixas etárias diferentes possibilitou o registro da transmissão transgeracional dos

conhecimentos etnozoológicos. Do total de sujeitos participantes, 86,5% (n=64)

habitam em Pedra Branca. Destaca-se que no povoado quase todos os moradores

possuem relações de parentesco entre si. Já os 10 entrevistados restantes habitam

em núcleos urbanos próximos: três vivem em Santa Terezinha (incluindo as duas

enfermeiras que atendem no posto de saúde do povoado); cinco são de Monte

Cruzeiro; e dois vivem na cidade de Castro Alves. Estes sujeitos foram incorporados

na amostragem a fim de comparar e verificar se as informações obtidas dos

moradores do povoado de Pedra Branca têm semelhança e representatividade no

conjunto dos habitantes da região da Serra da Jibóia. Durante o decorrer do texto,

porém, e a fim de facilitar sua compreensão, decidiu-se incluir estes dez sujeitos na

amostra, mesmo que, tecnicamente, habitem nos núcleos urbanos próximos a Pedra

Branca.

Conforme a Resolução 196/96 do Conselho Nacional de Saúde, que define as

diretrizes e normas regulamentadoras de pesquisas envolvendo seres humanos, os

indivíduos tornaram-se cientes sobre a pesquisa por meio de um Termo de

Consentimento Livre e Esclarecido, concordando em participar e liberar as

informações para o pesquisador (AZEVEDO, 2001). Respeitou-se a decisão

daqueles que não quiseram participar do estudo, assim como dos que decidiram

retirar-se em qualquer fase do mesmo. Ao mesmo tempo, foram expostos quais

eram os desconfortos, riscos e benefícios esperados pelo desenvolvimento da

pesquisa (vide Apêndice A). Foi solicitado o consentimento dos pais ou responsáveis

para a participação de menores de idade.

Em um primeiro momento, procurou-se entrevistar qualquer morador, mas

depois foi dada ênfase àqueles (n=34; cinco dos quais moram nos núcleos urbanos

próximos à Pedra Branca) que se mostraram mais conhecedores sobre as questões

relacionadas às ofensas causadas pelos “insetos”, assim como sobre as práticas

populares utilizadas para prevenir ou tratar os danos (reais e/ou imaginários)

provocados por esses animais. A técnica da “bola de neve” (BAILEY, 1994) foi

utilizada uma vez que eram os próprios moradores os que iam indicando ao autor

sobre aqueles sujeitos locais mais adequados e pertinentes para tratar sobre os

diferentes aspectos relacionados com a pesquisa. Os dados foram obtidos com

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ajuda de gravador e câmera digitais, seguindo várias técnicas da pesquisa

qualitativa para registro etnográfico, como são: entrevistas abertas (conversações

livres), semi-estruturadas (baseadas em uma lista de tópicos previamente

escolhidos) (vide Apêndice B), e observação ad libitum dos comportamentos

(incluindo-se as expressões facial e corporal) dos sujeitos no momento das

entrevistas. As entrevistas, individuais e/ou coletivas, ocorreram em contextos

variados: residências, roças, rua, mercearias, posto de saúde, escola, casas de

farinha e durante excursões à mata.

As limitações que o autor (de nacionalidade espanhola) teve que enfrentar,

sobretudo no começo, foi em relação ao uso da língua portuguesa, uma vez que em

várias ocasiões os sujeitos da pesquisa não entendiam o que lhes era perguntado e,

talvez por vergonha, simplesmente respondiam que não sabiam nada a respeito do

assunto tratado. O autor cometeu o erro inicial de não advertir aos moradores que

isso poderia acontecer e que não se sentissem envergonhados em comentar que

não estavam entendendo o “português” que era falado. Com o decorrer da pesquisa,

foram melhorados a comunicação e o entendimento entre ambas as partes e as

informações foram obtidas com mais facilidade e confiabilidade. Uma solução

encontrada, por sorte, foi que um dos moradores se ofereceu para ajudar e várias

vezes ele participava da conversa como “intérprete”. Depois dos primeiros

encontros, apreciou-se qual era o tipo de vocabulário mais adequado a ser utilizado

nas conversas posteriores.

Foi-se construindo e atualizando o formulário semi-estruturado durante o

trabalho de campo, uma vez que fazer perguntas diretas também inibia a fala e

discurso de várias pessoas ou direcionava, em parte, a resposta, dificultando o fluxo

de informações. Foram priorizadas as entrevistas coletivas, nas quais o autor se

limitava a fazer determinadas perguntas e orientava a conversa com alguns

comentários, mas deixando que os próprios moradores falassem entre eles a

respeito do tema pesquisado, sem quase intervenção externa, verificando assim um

aumento na fluidez e validade das informações, a maioria das quais foi extraída dos

depoimentos em forma de estórias sobre acontecimentos passados.

Com o intuito de fazer uma sondagem sobre espécimes de “insetos”,

recipientes grandes de vidro e de plástico contendo chumaços de algodão

embebidos em álcool a 70% foram distribuídos entre alguns moradores, tal como fez

Costa Neto (2003) em trabalho de campo nesta mesma localidade. Na ocasião, os

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sujeitos foram devidamente esclarecidos quanto aos procedimentos de coleta e

manejo dos espécimes capturados, a fim de evitar possíveis danos com organismos

realmente peçonhentos ou venenosos. Também foram realizadas excursões à mata

próxima, junto a alguns moradores experientes, para coleta de “insetos” e

entrevistas, seguindo a técnica da “turnê guiada” (SPRADLEY e McCURDY, 1972).

Os espécimes coletados e as fotografias contidas em guias faunísticos (FREITAS,

2003; FREITAS e SILVA, 2006), além de panfletos e cartazes, possibilitaram a

realização de entrevistas estimuladas pela apresentação (e representação) de

animais contidos nesses materiais, indagando-se os entrevistados a respeito dos

“insetos” observados (nome popular e aspectos de sua biologia e ecologia), as

impressões e atitudes que eles têm sobre estes organismos, seus possíveis usos

culturais, bem como se causam (ou não) ofensa, quais os procedimentos adotados

em caso de prevenção ou tratamento e as crenças associadas a esses animais.

Encontrou-se uma mínima, porém satisfatória, forma de devolver a

hospitalidade e confiança à comunidade, aproveitando a câmera digital para realizar

fotografias tanto dos moradores quanto da comunidade. As fotografias foram dadas

de presente, sendo enviadas pelo correio ou entregues pessoalmente durante a

segunda fase do trabalho de campo.

4.2.2 Análise dos dados

As informações foram analisadas segundo o “modelo de união das diversas

competências individuais” (HAYS, 1976 apud MARQUES, 1991). Segundo este

modelo, toda informação pertinente ao assunto pesquisado é considerada. Foram

feitos testes de verificação de consistência e de validade das respostas, recorrendo-

se a entrevistas realizadas em situações sincrônicas e diacrônicas nas duas fases

do trabalho de campo. As primeiras ocorrem quando uma mesma pergunta é feita a

indivíduos diferentes em tempos bastante próximos e as segundas, quando uma

pergunta é repetida ao mesmo indivíduo em tempos bem distintos (MARANHÃO,

1975). No presente caso, nas situações diacrônicas, testou-se aqueles sujeitos que

demonstraram possuir um conhecimento mais acurado sobre o assunto pesquisado.

Devido à facilidade e espontaneidade com que se formavam distintos grupos de

pessoas, principalmente nos espaços públicos da comunidade, o autor também

passou a aproveitar as conseqüentes conversas coletivas como sistema para avaliar

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a consistência e a robustez nos discursos de alguns sujeitos, desta vez a respeito do

que se falava quando estes eram entrevistados individualmente e de quando

conversavam das mesmas questões em grupo (tendo o autor como simples

mediador).

Para verificar possíveis similaridades entre o conhecimento local e o

conhecimento disponível na literatura científica, foram construídas “tabelas de

cognição comparada”, nas quais trechos das entrevistas são comparados com

trechos da literatura referente ao bloco de informação citada (MARQUES, 2001).

Os espécimes de aranhas, escorpiões e serpentes estão mantidos no

Laboratório de Zoologia de Vertebrados da Universidade Estadual de Santa Cruz

(UESC), onde foi feita a identificação taxonômica por especialistas para posterior

inclusão nas coleções científicas correspondentes. Os insetos foram enviados ao

Laboratório de Sistemática de Insetos da Universidade Estadual de Feira de

Santana, onde foram identificados por especialistas e, posteriormente, depositados

na coleção entomológica do Museu de Zoologia da UEFS.

Todo o material etnográfico obtido (gravações, transcrições, fotografias,

desenhos etc.) está guardado no Laboratório de Etnobiologia da Universidade

Estadual de Feira de Santana (UEFS), para fins comprobatórios.

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5 RESULTADOS E DISCUSSÃO

5.1 Os “Insetos” Segundo a Percepção dos Moradores de Pedra Branca

5.1.1 Formação dos domínios semânticos “Animal” e “Inseto”

Os atores entrevistados, independentemente de idade ou gênero,

reconhecem a existência de dois domínios semânticos etnozoológicos principais:

“animal” e “inseto”. As ambigüidades e dúvidas só apareceram no momento em que

os sujeitos eram solicitados para delimitar as fronteiras, isto é, dizer quais eram os

representantes de cada grupo e o motivo desta separação.

A distinção entre o que é um “animal” e o que é um “inseto” é demonstrada

nos depoimentos abaixo, sendo que o modo como os moradores identificam e

descrevem cada domínio etnossemântico baseia-se na citação de exemplos de

organismos que pertencem a um ou outro domínio, nunca mediante uma definição

única e abrangente:

Eu acho que inseto não é animal (E., 26 anos).

Inseto é formiga, gafanhoto, aranha caranguejeira, escorpião, cobra,

borboleta, cigarra. Tudo aí é inseto. Não é animal não (Seu E., 67 anos).

Insetos aqui nós temos a cobra, aranha, escorpião, formiga, lagartixa,

percevejo [...]. Os outros são os animais. Boi, cavalo, jegue, cachorro, galinha

[...] (Seu M., 37 anos).

Em geral, os sujeitos inquiridos não conseguem articular de forma exata e

segura uma definição específica para cada domínio: Não dá pra saber distinguir. Eu

aprendi que inseto é inseto e animal é animal [...], mas não sei a explicação. Só

porque meus pais e avôs já falavam isso [...] (Seu N., 68 anos). Termos zoológicos,

como “peixe”, “anfíbio” e “mamífero”, também foram citados em algumas

circunstâncias, mas de forma um tanto confusa e sempre em contraposição aos

“insetos” e inserindo-se dentro do domínio mais abrangente “animal”, como se

observa nos seguintes depoimentos:

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Para mim, os animais são os mamíferos [...]. Os insetos são o resto [...], mas

as galinhas são aves (Dona L., 68 anos).

Peixe é anfíbio. Um peixe não pode ser inseto. Eu acho que é animal (D., 18

anos).

A formação e a estruturação cognitiva dos domínios semânticos

etnobiológicos vêm sendo tema de estudo e debate desde a década de 1950. Os

princípios de classificação etnobiológica estabelecidos por Berlin (1992) têm sido

bastante utilizados e seguidos, embora existam críticas no próprio âmbito acadêmico

da etnobiologia (MOURÃO, 2000). Segundo Berlin (1992), todas as culturas

humanas reconhecem grupos de organismos na natureza que são tratados como

unidades descontínuas (táxons). Estes táxons agrupam-se, de forma hierárquica, no

que se poderiam denominar de categorias taxonômicas etnobiológicas, as quais, por

sua vez, podem definir-se em termos de critérios lingüísticos e semânticos utilizados

nas nomeações. São seis categorias (ranks), a saber: iniciador único (unique

beginner), forma de vida (life form), intermediário (intermediate), genérico (generic),

específico (specific) e variedade (varietal). Os grupos de organismos (táxons)

associados a cada um destes níveis serem mutuamente excludentes entre si. Estes

táxons são dispostos de modo a estabelecerem uma hierarquia comparável à

taxonomia lineana (BERLIN, 1992).

Em linhas gerais, as principais características de cada categoria

etnotaxonômica são as seguintes: o iniciador único é a categoria mais abrangente

(compreendida por apenas um membro, mas raramente nomeado: p.ex. “animal” ou

“planta”), incluindo todas as demais etnocategorias. A forma de vida, por sua vez,

representa a mais ampla classificação de organismos em grupos; sendo que os

táxons desta categoria são invariavelmente poucos, geralmente de cinco a dez, e

representando a um número pequeno de animais ou plantas facilmente

reconhecidos em base a (alguns) padrões óbvios da condição habitat e forma

corpórea. Os membros da etnocategoria intermediário costumam ser pouco

freqüentes, correspondendo muitas vezes a famílias reconhecidas na classificação

científica. A quarta categoria, a do genérico, refere-se às menores descontinuidades

na natureza que são facilmente reconhecidas com base no largo número de

características morfológicas totais (e também comportamentais). Taxonomicamente,

a grande maioria de todos os táxons genéricos (até uns 500 aproximadamente para

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cada sistema de classificação etnobiológica) inclui-se em algum dos táxons de forma

de vida. Por outro lado, a maior parte dos genéricos é monotípica e não inclui táxon

de posição inferior. Quando são politípicos, quase invariavelmente se referem

àquelas classes de organismos que são culturalmente importantes. Por último, os

membros das categorias de específico e variedade diferem ambos do genérico e da

forma de vida em vários aspectos, o mais importante do qual parece ser que tais

táxons são conceitualmente diferenciados com base em poucos caracteres

morfológicos. Organismos de elevado significado cultural (p.ex. domesticados e/ou

de relevante importância econômica) possuem táxon específico de até 10 ou mais

membros. Os táxons de variedade são muito escassos (BERLIN, 1992).

Com base nos princípios de classificação etnobiológica de Berlin (1992)

descritos acima, o etnotáxon “Inseto” deveria ser considerado como uma categoria

forma de vida, a qual, por sua vez, estaria incluída (hierarquicamente) na categoria

iniciador único “Animal”. No entanto, segundo os dados obtidos na presente

pesquisa, e se levarmos em conta os princípios anteriormente expostos, o que se

observa no sistema de classificação etnozoológica dos moradores de Pedra Branca

é que a etnocategoria “Inseto” situa-se no mesmo nível hierárquico que a

etnocategoria “Animal”, considerando-se assim que ambas estão incluídas na

categoria berliniana de forma de vida, porém nem por isso são mutuamente

excludentes entre si.

Dependendo da circunstância cultural (representação cognitiva-lingüística-

emocional) em que o organismo possa estar, ele pertencerá ao domínio semântico

“animal” ou “inseto”, passando assim a ser representante de um ou de outro grupo

(ver os casos particulares da abelha e da borboleta no item 5.1.2). Contudo, na

prática tal distinção entre estes dois domínios lingüísticos aparece como algo tênue

e ambíguo, havendo de fato uma imbricação entre ambos os complexos semânticos.

Os depoimentos abaixo evidenciam isto:

Cobra é inseto, porque é um animal que ofende a pessoa (Seu B., 64 anos).

Eu acho que inseto não é animal [...]. Eu acho que um tem a ver com o outro,

que é da raça animal, mas o bom é diferenciar, né? [...] uns vão ser

classificados como animal e outros como insetos [...] é só classificação (E., 26

anos).

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Os trechos acima citados demonstram esta inter-relação dos dois termos

semânticos analisados (animal ↔ inseto), sendo que os organismos que os

entrevistados categorizam como “insetos” podem ser percebidos como animais, mas

quase nunca chamados (culturalmente) como tais. De fato, a própria definição

acadêmica de animal aqui parece perder todo o seu significado e representatividade,

adquirindo um outro tipo de concepção biológica e cultural, como “oposição” ao

conjunto dos nomeados “insetos” (de considerável relevância sociocultural e

socioambiental na região).

5.1.2 Domínio semântico “inseto”: definição e abrangência

Emprega-se o lexema “inseto” para referir-se àqueles organismos que

apresentam as seguintes características: a) são pequenos (De ter tem, mas é

bichinho pequenininho, é inseto [...]. Seu F., 44 anos); b) não possuem nenhuma

utilidade, sobretudo alimentar (Alguns animais a gente come, mas inseto não é pra

comer não. Nenhum presta!. Dona C., 38 anos); c) podem causar doenças, às vezes

fatais (Inseto é que nem o barbeiro. Eu já peguei a doença dele. Seu B., 64 anos); d)

provocam reações de repugnância e repulsa (A barata não morde, mas é nojenta

demais. É inseto sim!. Dona N, 57 anos); e) são considerados nocivos e/ou

perigosos à saúde humana (Cobra, escorpião, lagarta [...]. Tudo é inseto ruim que

ofende. [...] Muito perigoso!. Seu A., 79 anos).

Para os moradores de Pedra Branca, os insetos propriamente ditos (isto é, os

representantes da Classe Insecta) também são percebidos e classificados no

domínio etnossemântico “inseto”. Nos depoimentos dos entrevistados, porém, não

se detectou uma razão para tal classificação, uma vez que são insetos

simplesmente porque o são (Dona V., 59 anos). Tal modo de perceber e categorizar

os insetos torna-se um pouco complexa quando se leva em consideração o que os

entrevistados comentaram a respeito de borboletas e abelhas que existem na

região, uma vez que diferentes moradores tiveram dúvidas e perguntavam se estes

artrópodes eram de fato “insetos” ou “animais”; provavelmente, isto se deve à

percepção e aos valores culturais atribuídos a estes organismos. No que se refere

às abelhas, por exemplo, o mel produzido tem valor alimentar, medicinal e

econômico (COSTA NETO, 2003). Com exceção da Apis mellifera scutellata

(conhecida como abelha italiana ou oropa) que apresenta aparelho inoculador de

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peçonha, as espécies de abelhas sem ferrão quase nunca “ofendem” as pessoas.

Os depoimentos a seguir evidenciam as diferentes percepções (ambigüidades) que

os moradores de Pedra Branca têm sobre as abelhas:

A abelha produz mel. É doméstica também, mas continua sendo inseto […],

mesmo que fique em casa e produz o mel (Dona E., 39 anos).

Abelha uruçu é inofensiva. Não é inseto, não morde ninguém (Seu A., 54

anos).

Aí não sei. Uruçu não pode ser inseto porque dá o mel pra mim. Ela não é

inseto porque ela tem utilidade pra gente […], e inseto é aquele que faz mal à

pessoa. E ela faz o bem, ela só pega flor boa (Seu F., 44 anos).

A uruçu não é inseto porque não ofende e dá o mel […] porque inseto é quem

ofende. A italiana é inseto porque ofende. Italiana é no mato. A outra, em

casa (Dona C., 79 anos).

Esta forma de classificar as abelhas é verificada em outras comunidades

humanas. Os índios Pankararé que vivem na Aldeia brejo dos Burgos, Estado da

Bahia, reúnem aqueles apídeos e vespídeos sociais produtores de mel na

etnocategoria “abeia”, a qual é percebida diferentemente daquela do grupo dos

“insetos”, que está formado por animais venenosos como as cobras (exceto a jibóia

porque é alimento) e outros “insetos” (COSTA NETO, 1998).

Quanto às borboletas, alguns entrevistados as consideraram como “insetos”,

mesmo que elas não “ofendam” ninguém; outros as consideram como “não-insetos”

justamente porque não causam danos às pessoas. Os depoimentos abaixo também

demonstram o valor estético-contemplativo destes artrópodes:

Borboleta é também inseto, mas não morde (Seu A., 54 anos).

Eu acho que ela não é inseto, ela não prejudica nada […] e é tão bonitinha!

(Dona V., 59 anos).

Borboleta é inseto que não ofende ninguém […], mas se ela não ofende, ela

não poderia ser inseto, porque inseto é aquele que morde a gente. Deve ser

animal (Seu F., 44 anos).

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No presente estudo, nove animais não-insetos (segundo a classificação

lineana) foram citados pelos entrevistados. Na Figura 6 mostra-se o total de

entrevistados que mencionaram estes organismos, assim como sua inclusão nos

domínios “inseto” ou “animal”. Embora alguns indivíduos tenham categorizado estes

animais como pertencentes ao domínio semântico “animal”, a grande maioria os

classificou como “insetos”. A cobra destaca-se tanto pelo número total de citações

recebidas (n=52), como pelo fato de 47 dos entrevistados terem-na considerado

como um “inseto”. Escorpião (n=42), sardão (n=26), aranha (n=23) e lagartixa (n=18)

sempre foram chamados de “insetos”. Já sapo (n=22) e morcego (n=9), mesmo que

preferencialmente sejam rotulados como “insetos”, também foram incluídos no

domínio “animal” por alguns dos entrevistados. Interessante constatar que,

diferentemente da lagartixa e do sapo, tanto o teiú (n=8) como a jia (rã) (n=5)

sempre são “animais”:

Teiú não é inseto. É uma caça, é um bicho (Seu J., 40 anos).

Jia não é inseto porque se come (Seu N., 63 anos).

Figura 6 – Animais não-insetos citados durante as entrevistas com os moradores de

Pedra Branca, distribuídos segundo a inclusão nos domínios etnozoológicos “inseto”

ou “animal”.

0

5

10

15

20

25

30

35

40

45

50

Escorpião(n=42)

Sardão(n=26)

Aranha(n=23)

Lagartixa(n=18)

Cobra(n=52)

Sapo(n=22)

Morcego(n=9)

Teiú (n=8)

Jia (rã)(n=5)

de

cita

ção

É "inseto"É "animal"

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No caso do escorpião e da aranha, poder-se-ia entender sua inclusão no

grupo dos “insetos” devido ao alto grau de semelhança anatômico-morfológica com

a Classe Insecta, uma vez que todos constituem o Filo Artrópoda. Quanto aos

demais não-insetos – sardão, lagartixa, cobra, sapo e morcego – chama a atenção o

fato de serem ossificados; ou seja, no sistema de classificação etnozoológica dos

moradores de Pedra Branca tampouco parece que se faz distinção entre

vertebrados e invertebrados (grifo nosso). Os poucos entrevistados que comentaram

sobre a questão da presença de osso deixaram claro que, independentemente de

ofender ou não, quando o animal possui osso é porque pertence ao domínio “animal”

(para cobra: n=5; sapo: n=2; morcego: n=2). Já uma entrevistada disse que: Cobra

tem osso, porém é inseto porque ofende (Dona N., 57 anos). Importante afirmar que

perceber o organismo como “animal” tampouco equivale a dizer que este possui

osso, pelo menos não na fala dos entrevistados.

O rótulo lingüístico “inseto” é utilizado pelos habitantes de Pedra Branca (e

arredores) para reunir vários animais não sistematicamente relacionados, além dos

próprios membros da classe Insecta. A reunião de animais com histórias evolutivas

tão diversas, em uma única categoria etnotaxonômica, tem sido observada em

diferentes sociedades e culturas, tanto antigas quanto atuais (COSTA NETO e

PACHECO, 2004). Nos tempos bíblicos, por exemplo, o termo hebraico sheretz

compreendia todas as criaturas rastejantes, como répteis, moluscos, anfíbios,

artrópodes e, possivelmente, pequenos mamíferos (HARPAZ, 1973). Já na época

dos filósofos gregos, Aristóteles incluiu insetos, aracnídeos, miriápodes e vermes no

grupo Entoma (MORGE, 1973). Posteriormente, no período renascentista, os insetos

eram entendidos como uma categoria abrangente, representando um conjunto

pouco definido e intermediário, em certos aspectos entre animais e plantas, que

reunia organismos tidos como imperfeitos e originados por geração espontânea,

englobando tanto os insetos propriamente ditos quanto outros artrópodes terrestres

e até mesmo alguns vertebrados, tais como lagartos e serpentes (TEIXEIRA, 1995

apud ALMEIDA, 2002). Os Astecas classificavam quilópodes, diplópodes e

pequenos lagartos como insetos (CURRAN, 1937). Este autor diz ainda que o termo

“inseto” é aplicado para designar répteis no Canadá e na Irlanda. Para os Ndumba,

grupo étnico que vive nas terras altas de Papua Nova Guiné, tovendi é a

etnocategoria que se refere a todos os insetos e aracnídeos (HAYS, 1983). Em

alguns contextos, no entanto, ela pode designar animais considerados não-

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comestíveis (p.ex, certos tipos de sapos), enquanto que em outros pode rotular

qualquer criatura repugnante (p.ex., cobras). Os Inuit incluem os insetos, alguns

crustáceos, as aranhas e os vermes na etnocategoria qupiqruit (RANDA, 2000). O

termo chinês tchun refere-se aos insetos e outros pequenos animais, sobretudo

anfíbios e répteis (LENKO, 1963). No Japão, a etnocategoria mushi inclui insetos e

outros animais, como centopéias, aranhas, caranguejos e pequenos crustáceos

aquáticos, moluscos, vermes e cobras (LAURENT, 1995). Os moradores do

município de San Antonio Cuaxomulco, Tlaxcala, México, reúnem insetos, anfíbios e

répteis em uma mesma categoria taxonômica (SANTOS-FITA et al., 2006).

No Brasil, diversas pesquisas etnobiológicas também evidenciam a

categorização de diferentes táxons científicos em um mesmo rótulo lingüístico. Os

índios Kayapó, que vivem na região do Alto Xingu, no Nordeste do Estado do Mato

Grosso, se referem a todo inseto, escorpião, centopéia, caranguejo, ácaro e pseudo-

escorpião como maja, termo que significa “animais sem concha e sem carne”

(POSEY, 1983). Para os seringueiros que habitam no Alto Juruá, Estado do Acre,

pertencem à categoria “inseto” os “bichos terrestres ou voadores que ferram e têm

veneno. Além das cobras, são insetos, por exemplo, as vespas, a tucandeira ou

tocandira, o lacrau-curripião e a aranha-caranguejeira” (SOUZA et al., 2002, p. 577).

No Estado da Bahia, Costa Neto (1998, 1999, 2003), Costa Neto e Carvalho (2000)

e Costa Neto e Magalhães (2007) registraram a construção do domínio

etnossemântico “inseto” em diferentes contextos socioculturais.

Considerando-se novamente os princípios de categorização etnobiológica de

Berlin (1992), como já mencionado, a categoria forma de vida é constituída por

organismos que compartilham dos mesmos aspectos facilmente reconhecíveis, isto

é, de alguns padrões ecológicos e de forma corpórea (MOURÃO, 2000). Sendo

assim, não seria de esperar que, tanto no povoado de Pedra Branca (e em toda a

região da Serra da Jibóia) como em vários outros lugares do mundo inteiro, a

categoria forma de vida “inseto” reunisse organismos anatômico-morfológicos tão

diferentes entre si, como, por exemplo, uma borboleta, um escorpião, um sapo e

uma cobra. As características morfológicas dos “insetos” parecem ter pouca

importância para a formação do etnotáxon, visto que foram outros critérios os

salientados pelos entrevistados. Poder-se-ia supor que a ausência de valor utilitário

(especialmente alimentar) dos animais classificados como “insetos” faz com que os

critérios morfológicos não sejam tão significativos. A literatura registra que os seres

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humanos incluem ou excluem os elementos faunísticos em uma dada categoria

etnotaxonômica segundo critérios diversos, complexos e multifacetados:

anatômicos, ecológicos, simbólicos, psicológicos, éticos, econômicos, práticos,

educativos, entre outros (JARA, 1996).

Para considerá-los (ou não) como “insetos”, todos os sujeitos da pesquisa

deram ênfase especial às características negativas relacionadas com estes

organismos, destacando-se fealdade, repugnância, periculosidade e, sobretudo,

nocividade (O povo chama inseto a qualquer coisa nociva e feia, mesmo que não

seja inseto, Seu C., 69 anos). A literatura registra que pelo menos na cultura

ocidental, praticamente todos os insetos são considerados como “ruins”, bem como

aqueles animais igualmente percebidos como nocivos, repugnantes e transmissores

de doenças também são rotulados de “insetos” (GRUZMAN e LEANDRO, 2001).

Estes organismos (os “insetos”) passam a serem vistos como uma categoria

representacional, tornando-se realizações metafóricas de outros seres ou de suas

qualidades (negativas) (GREENE, 1995).

No povoado de Pedra Branca, esta representação afetivo-emocional passa de

geração a geração, mesmo que de modo inconsciente, como se observa no trecho

abaixo:

Eu não sei [...] as pessoas falam que cobra é inseto por falar. Até eu faço

isso, mas eles não sabem que é [...]. Eu acho que as pessoas falam que

cobra é inseto pela razão dela morder e de viver pelo mato. Eu mesmo até

falo, por falar [...]. Eu não entendo se é inseto, é bicho ou o que é [...]. Inseto é

a palavra que sempre se falou, mas nem tudo é inseto. Os mais velhos

falavam já [...]. (Dona V., 59 anos).

Com base nas informações registradas em Pedra Branca (e em dados da

literatura específica), reforça-se a suposição de que o domínio semântico “inseto”

ocorre como um padrão nos sistemas de classificação etnozoológicos (atentando-se,

no entanto, para os termos locais equivalentes e para as categorias não nomeadas).

Os dados obtidos na presente pesquisa também corroboram a hipótese da

ambivalência entomoprojetiva formulada por Costa Neto (1999a, 2000) para explicar

este padrão etnoclassificatório. Ambivalência é exemplificada aqui pela percepção

que os entrevistados têm da borboleta, que é vista com “bons olhos”, hesitando em

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39

considerá-la como tipo de “inseto” ou de “animal”. Quando os entrevistados (n=63)

foram questionados sobre uma possível semelhança e/ou diferença entre uma cobra

e uma borboleta, nenhum deles deu uma explicação razoável do porquê da cobra

ser um “inseto” e a borboleta, às vezes, não o ser. Ou ainda, depoimentos (n=32)

sobre o fato do cachorro e da cobra puderem causar ofensas, mas o primeiro ser

categorizado sempre como “animal” e a segunda como um “inseto” (Não tem nem

quase separação. Pra muitos, cobra é inseto. Eu acho que já é espécie animal aí

[...]. Eu acho que se alguém fala que é inseto é porque mora no mato, ofende, pode

levar até a morte [...]. Mas cachorro também morde, ofende e é animal! L., 28 anos).

Considerando os estudos de etnobiossistemática11, pode-se inferir que os

moradores do povoado de Pedra Branca, em seu sistema de classificação

etnozoológico, empregam tanto aspectos cognitivos (percepção da morfologia)

quanto utilitários (aqui, referindo-se ao uso que o animal tem para as pessoas) para

categorizar e classificar as descontinuidades biológicas com as quais convivem e

interagem. Aparentemente, os aspectos utilitários mostram ter uma maior influência

no momento dos moradores definirem quais são os representantes de cada domínio

etnozoológico. Importante salientar, porém, que o aspecto mais utilitário dado ao

elemento, na maioria das vezes, não denota uma utilidade estritamente material

(alimento, remédio, artesanato), mas lhe permite (ao sujeito) ajustar-se e adaptar-se

melhor a um dado contexto socioambiental. Segundo Begossi (1993), é bem

provável que seja a “utilidade” quem melhor explica uma maior existência de estudos

etnobiológicos. A mesma autora enfatiza que “[...] ‘utilidade’ aqui deve ser vista não

só em termos de alimento, medicina ou troca. Muitas vezes uma espécie é

importante por ser perigosa. Por exemplo, conhecer bem as serpentes deve

ser vantajoso em termos de sobrevivência” (BEGOSSI, 1993, p. 125, grifo nosso).

Porém, Bentley e Rodríguez (2001) salientam tanto a importância dos aspectos

cognitivos quanto dos utilitários na investigação etnobiológica: os povos classificam

e utilizam os recursos ao mesmo tempo.

11Um dos temas importantes ainda discutidos no campo da Etnobiologia entre seguidores cognitivistas versus utilitaristas diz respeito às bases do conhecimento etnobiológico, isto é, “sobre a existência ou não de regras e princípios universais de classificação” (BEGOSSI, 1993, p 125). Para uma profunda revisão bibliográfica a respeito do presente debate, aconselham-se leituras de Hays (1982), Toledo (1991), Berlin (1992), Ellen (1996), Posey (1996), Descola (1996) e Urán (2000), entre outros.

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40

5.1.3 A questão da ofensa: implicações na percepção, conhecimento e

reações afetivo-emocionais com os “insetos”

Os termos morder, picar e ferroar são usados quase indistintamente e todos

como equivalentes ao termo ofensa, o qual continua sendo habitualmente utilizado

na região estudada (Picado, mordido, ferroado, ofendido [...]. É todo a mesma coisa.

M., 26 anos). Na literatura, encontram-se algumas referências para a utilização

deste termo como equivalente (e substituto) dos vocábulos morder e picar,

constatando assim a antiguidade desta apreensão semântica. Na obra Zoobiblion do

alemão Zacharias Wagener, a qual reúne informações entre 1634 a 1641 sobre a

fauna brasileira, mas que só foi publicada em 1964, o autor escreveu: “No caso de a

mulher ser mordida, ou de qualquer modo ofendida por este pernicioso animal

(referindo-se aos lagartos), ela não sofre o menor mal; mas se uma única gota de

sangue apenas for sugada, ela está fadada a morrer. [...]” (WAGENER, 1964 apud

NOMURA, 1996, p. 5. Grifos nossos). Um outro exemplo pode ser extraído de Lenko

(1967, p. 99-100, Grifos nossos), que comentou que em 1727 o médico português

João Curvo Semedo, falando sobre o uso do guizo de cascavel na terapêutica

rústica, escreveu: “[...] é muito divulgado o uso do guizo nos casos de picadas de

cobras. [...] Procedem de vários modos: trituram o chocalho e fazem com isso chá

que dão para beber a pessoa ofendida pela cobra [...]”. Mais recentemente, Souza et

al. (2002, p. 585. Grifos nossos) transcreveram um depoimento de um seringueiro do

Alto Juruá (Estado do Acre), o qual dizia: “[...] São Bento é protetor contra cobra, e a

pessoa que tem devoção com ele não é ofendida. A pessoa deve se lembrar de São

Bento antes da cobra morder [...]”. Para o Estado da Bahia, estudos como os de

Costa Neto (2003) com a mesma população humana objeto da presente pesquisa,

ou os de Silva e Costa Neto (2004) e Costa Neto e Magalhães (2007), já registraram

a utilização do termo ofensa como sinônimo para mordida ou picada de cobras e de

insetos.

Aqui se entende uma ofensa como um dano direto (real e/ou imaginário)

causado por qualquer animal a uma pessoa, chegando (ou não) a comprometer

seriamente seu bem-estar e sua saúde. Neste sentido, além do termo ofensa

corresponder tanto a “predisposição” do animal para atacar (“maltratar”) como na

ação mecânica (morder, picar, ferroar), vários dos entrevistados (n=36) insistiram no

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41

fato da palavra ofensa significar também que o animal já possui peçonha ou veneno,

podendo levar o ofendido à morte (ver casos das etnoespécies lagartixa e cobra).

Em vários dos depoimentos citados nos itens anteriores, já se pode conceber

a ofensa como uma das principais características usadas na formação cognitiva do

etnotáxon “Inseto”. Isto não quer dizer que o ato de ofender seja uma particularidade

exclusiva dos representantes deste domínio semântico etnozoológico, mas que tem

bastante relevância na hora de associar o termo “inseto” a tudo aquilo considerado

ruim, nocivo e perigoso, especialmente para a saúde humana: Quando a gente

menos espera a cobra morde, ofende [...]. A gente vai chamar o quê? Não é inseto?

É! (Dona N., 57 anos).

Para o povoado de Pedra Branca, Costa Neto (2003, 2004) registrou

unicamente aqueles insetos stricto sensu que podem causar ofensa. No jargão

acadêmico, os efeitos negativos da ação direta dos insetos e demais artrópodes da

categoria lineana sobre a saúde e bem-estar humanos são conhecidos como

artropodoses (VALDERRAMA, 1998). Para o presente estudo, foram registrados os

organismos não-insetos pertencentes a diferentes grupos sistemáticos (Tabela 1;

vide Apêndice C), os quais complementam o repertório dos “insetos” locais, isto é,

aranha e escorpião (que também provocam artropodoses), lagartixa, cobra, sapo e

morcego. Decidiu-se também incorporar a jia (rã) e o teiú, mesmo que tenham sido

categorizados pelos entrevistados como “animais”, uma vez que são úteis na hora

de fazer comparações a fim de entender como etnotáxons que apresentam uma

morfologia semelhante são, mesmo assim, classificados em domínios

etnossemânticos diferentes (opostos). Segundo os entrevistados, todos estes

“insetos” podem ofender o ser humano, ora por meio de um contato efêmero com o

animal ou com elementos que tiveram contato com o mesmo, ora por meio de

substâncias por ele elaborada (peçonha ou veneno12).

Os espécimes de aranhas e escorpiões citados pelos entrevistados são,

precisamente, aqueles aracnídeos que têm importância médica no país inteiro. A

palavra araneísmo designa os acidentes causados pelas aranhas, enquanto

escorpionismo designa os acidentes provocados pelos escorpiões (CARDOSO et al.,

2003). No que se refere às aranhas, o número de citação para aranha-marrom,

12Cabe dizer que apenas quatro entrevistados falaram a respeito da peçonha destes animais. Para efeitos práticos, decidiu-se utilizar a palavra veneno para incluir a primeira, mesmo que tecnicamente expressam coisas diferentes (COSTA, 2005).

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42

Tabela 1 - Etnoespécies locais de “insetos” envolvidas nas ofensas causadas à saúde humana, com base na presente pesquisa.

Taxonomia Possui

veneno?

Espécies registradas * Pista taxonômica Nomes locais No. de

citação Sim (%)

Não (%)

Observações

Classe Arachnida Ordem Araneae (aranhas) Theraphosidade Lasiodora sp.

Caranguejeira

22

100

Pêlos urticantes na face dorsal da região abdominal.

Sicariidae Loxosceles sp.

Aranha-marrom

5

100

Theridiidae Latrodectus sp.

Viúva-negra

9

100

Ctenidae Phoneutria sp.

Armadeira

3

100

Ordem Escorpions (escorpiões) Buthidae

Tityus serrulatus Lutz e Mello, 1992**

Escorpião-amarelo

42 100

Tityus sp. Escorpião-preto 26 100 Com exceção de uma pessoa, todos dizem que este escorpião é o mais perigoso.

Classe Amphibia Ordem Anura Leptodactylidae Leptodactylus ocellatus Linnaeus, 1758; L. vastus Spix, 1824

Jia (rã)

5

100

Não é considerada "inseto" (porque se come).

Bufonidae Chaunus jimi Stevaux, 2002

Sapo-bola (sapo-boi, sapo-cururu)

22

100

Para duas pessoas não é “inseto” (tem osso). O veneno é o leite.

Classe Lepidosauria Ordem Squamata Subordem Sauria (Lagartos) Geckkonidae Hemidactylus mabuia M. de J., 1818

Sardão

26

100

Veneno devido às fezes.

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43

(Cont.)

Taxonomia Possui

veneno?

Espécies registradas * Pista taxonômica Nomes locais No. de

citação Sim (%)

Não (%)

Observações

Tropiduridae Tropidurus hispidus Spix, 1825

Lagartixa

18 100

Teiidae Tupinambis merianae Dumeril e Bibron, 1839

Teiú

8

62,5

37,5

Não se considera “inseto”.

Subordem Ophidia (Serpentes)

Typhlopidae Typhlops brongersmianus Vanzolini, 1976

Cobra-de-duas-cabeças (cobra-cega)

12

83,3

16,7

Poderia tratar-se também de um anfíbio da família Caeciliidae (Siphonops annulatus) ou de um réptil (lagarto) da família Amphisbaenidae (Amphisbaena alba).

Boidae Boa constrictor constrictor Linnaeus, 1758

Jibóia

7

100

Viperidae Lachesis muta Linnaeus, 1766

Surucucu (pico-de-jaca, malha-de-fogo).

45

100

Bothrops leucurus Wagler, 1824 **

Malha-de-sapo (jararaca-quatro-ventas).

41 100

Crotalus durissus cascavella Linnaeus, 1758 Cascavel 40 100

Bothrops leucurus Wagler, 1824

Cabo-branco 31 100 Somente uma pessoa sabe que se corresponde ao filhote de Bothrops leucurus.

Bothriopsis bilineatus bilineatus Wied, 1825

Surucucu-de-pindoba (pingo-de-ouro)

8 100

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44

(Cont.)

Taxonomia Possui

veneno?

Espécies registradas * Pista taxonômica Nomes locais No. de

citação Sim (%)

Não (%)

Observações

Colubridae Boiruna sertaneja Zaher, 1996

Buiúna

35

43

57

Para quinze pessoas, esta tem veneno só na época da desova (quando está choca).

Drymarchon corais Boié, 1827 Papa-pinto 25 60 40 As mesmas quinze pessoas disseram que esta cobra tem veneno só na época da desova (quando está choca).

Chironius sp., Leptohis sp., Philodryas sp., Oxybelis aeneus Wagler, 1824

Cobra-espada 25 8 92

Chironius sp., Leptohis sp., Philodryas sp., Oxybelis aeneus Wagler, 1824

Cobra-de-cipó

24

4,2

95,8

Oxyrhopus trigeminus Dúmeril, Bibron e Duméril, 1854 **

Cobra-coral 22 100 Somente duas pessoas falaram da distinção entre as corais falsa e verdadeira.

Spilotes pullatus Linnaeus, 1758 Cainana 19 10,5 89,5

Helicops sp., Liophis sp. Cobra-d'água 10 20 80

Waglerophis merremii Wagler, 1824

Esparradeira (jararaca-esparra)

5 80 20

Mastigodryas sp., Bothrops sp. Jaracuçu 5 20 80 Liophis viridis Gunther, 1862,

Philodryas olfersii Lichtenstein, 1823

Cobra-verde 4 100

Tantila melanocephala Linnaeus, 1758 **

Correia-de-veado 2 100

Mastigodryas bifossatus Malha-de-traíra 2 100

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45

(Cont.)

Taxonomia Possui

veneno?

Espécies registradas * Pista taxonômica Nomes locais No. de

citação Sim (%)

Não (%)

Observações

Tantila melanocephala Linnaeus, 1758, Pseudoboa nigra Duméril, Bibron e Duméril, 1854 (filhote)

Cobra-cinco-horas

2 100

Tantila melanocephala Linnaeus, 1758, Pseudoboa nigra Duméril, Bibron e Duméril, 1854 (filhote)

Cobra-seis-horas

2

100

Liophis sp., Thamnodynastes sp.

Jaracaquinha

1

100

Sibynomorphus neuwiedii Ihering, 1911 **

. . . 4 . . . Confundem-na com a cabo-branco.

Classe Mammalia Ordem Chiroptera (Morcegos)

Família Phyllostomidae Artibeus sp.

Morcego

9

100

Para duas pessoas não é “inseto” porque tem osso.

* Identificação baseada por comparação com a literatura pertinente e/ou consulta a especialistas. ** Espécimes coletados pelo autor e identificados por especialistas.

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46

viúva-negra e armadeira foi extremamente baixo (n=5, 9 e 3, respectivamente),

considerando que são “insetos” de significativa relevância para a saúde e bem-estar

da população local. O Ministério da Saúde no Brasil considera os gêneros

Loxosceles, Latrodectus e Phoneutria – cujos nomes populares são,

respectivamente, aranha-marrom, viúva-negra e aranha armadeira – como os que

causam um envenenamento real grave na saúde humana, por possuírem peçonha

ativa na forma neurotóxica, proteolítica (necrosante) e/ou hemolítica (FUNDAÇÃO

NACIONAL DE SAÚDE, 2001). Em caso extremadamente necessário, existe

soroterapia para combater os efeitos das peçonhas destas aranhas (CARDOSO et

al., 2003). Segundo os entrevistados, em Pedra Branca raramente alguém é

ofendido por aranha. Quando perguntados, praticamente ninguém soube comentar

algum episódio (recente ou passado) envolvendo acidentes com esses artrópodes.

O seguinte depoimento ilustra este comentário: O pessoal em geral não conhece

muito delas, nem dos nomes [...]. Aqui, ou ofendem muito pouco ou as pessoas não

falam muito que foram mordidas por aranha (Dona V., 59 anos). Além disso, muito

pouco conhecimento etnozoológico relacionado com biologia, hábitat,

comportamento etc. das aranhas foi registrado. Os entrevistados também não

souberam informar sobre a existência (ou não) de um soro específico para picada de

aranhas. O motivo dos três gêneros terem sido registrados pode dever-se, em

grande parte, ao fato de serem os de maior interesse médico no país e, por esta

razão, terem suas respectivas imagens e nomes populares nos cartazes informativos

sobre animais peçonhentos expostos no pronto-socorro de Santa Terezinha e no

hospital de Castro Alves.

Por outro lado, aranhas-caranguejeiras (Família Theraphosidae) são bastante

conhecidas na região, especialmente no que se refere ao conhecimento tradicional

sobre aspectos biológicos e comportamentais (COSTA NETO, 2003, 2006). Embora

muito temidas, essas aranhas têm uma peçonha muito fraca, causando apenas dor

física no local da picada com as quelíceras, sendo que não existe soro contra sua

peçonha, mas apenas tratamento sintomático para dor e antialérgico para casos

específicos (CARDOSO et al., 2003). Em concordância com os depoimentos dos

entrevistados (n= 22) que falaram sobre as caranguejeiras, os acidentes geralmente

ocorrem por contato com as cerdas (pêlos) urticantes da face dorsal da região

abdominal. Quando ameaçadas, elas costumam raspar as pernas traseiras contra o

abdome fazendo essas cerdas flutuarem e, ao atingirem a pele e mucosa humanas,

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47

causam irritação (queimação) e extrema coceira (LUCAS e SILVA JÚNIOR, 1992;

COSTA NETO, 2006). Segundo depoimentos, as caranguejeiras, mesmo não

mordendo, são consideradas venenosas precisamente pela questão das suas

cerdas queimarem (= ofenderem): É o cabelo dela que ofende a gente (Dona G., 55

anos).

Com relação aos escorpiões, duas etnoespécies citadas – escorpião-amarelo

(Tityus serrulatus) e escorpião-preto (Tityus sp.) – também são de grande interesse

médico. A peçonha é neurotóxica e sempre ocorre uma intensa dor no local da

picada. Mesmo assim, na grande maioria dos casos, existe tratamento sintomático

para evitar dor e complicações alérgicas, sendo raros os casos onde se precise

aplicar o soro antiescorpiônico (FUNDAÇÃO NACIONAL DE SAÚDE, 2001). Um

total de 16 entrevistados já foi picado pelo escorpião-amarelo, cinco dos quais

chegaram a precisar de soro. Sete entrevistados comentaram que a picada do

escorpião-amarelo (T. serrulatus) pode levar ao óbito crianças menores de sete anos

e idosos maiores de 65 anos. CARDOSO et al. (2003) corroboram esta questão,

além de considerar a espécie como a mais perigosa da América do Sul. No entanto,

em Pedra Branca, os moradores (n=26) falaram que é precisamente o escorpião-

preto (Tityus sp.) o de maior perigo, porém sem dar suficientes explicações a esse

respeito. Interessante observar que nenhum dos entrevistados foi picado por esta

etnoespécie, que não costuma habitar em espaços e edificações humanas como o

escorpião-amarelo: O amarelo fica nas casas, tijolos, adobe, telha. [...]. Já o preto

acostuma a ficar no pé de licuri (Seu J., 40 anos). Entre os hábitats e microhábitats

usados pelos escorpiões estão lascas de madeira, troncos, sob pedras, frestas ou

construções humanas como residências e locais de armazenamento de alimentos e

ferramentas de trabalho (LUCAS e SILVA JÚNIOR, 1992).

Com relação aos anfíbios (anuros), os entrevistados citaram duas

etnoespécies: o sapo-bola (Chaunus jimi) e a jia (rã) (Leptodactylus ocellatus). O

sapo-bola foi considerado um “inseto” por 20 dos entrevistados porque ele ofende

devido ao veneno secretado em forma de “leite”13, como fica demonstrado no

seguinte depoimento: Ele é inseto que não morde, mas o leite dele maltrata a gente

13O que popularmente se conhece como leite corresponde a uma secreção venenosa que todos os membros da Classe Amphibia possuem e desprendem cutaneamente como sistema de defesa. No caso dos sapos, tal substância encontra-se concentrada nas duas glândulas parotóides, localizadas a cada lado atrás da crista cefálica. Este veneno, no caso da pessoa esfregar o olho pode causar certa irritação, porém nunca cegueira (Mirco Solé, com. pess., 2008).

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(Dona N., 57 anos). Dois entrevistados que o consideraram como “animal” (porque

possui ossos) também disseram algo semelhante: Todo sapo tem leite e ofende,

porque se cair na vista diz o povo que cega [...]. Eu nunca vi (Dona E., 39 anos).

Além disso, sete indivíduos crêem que a “cama de sapo” (lugar onde o sapo

“dorme”) produz frieira14 (micose) nos pés: Quando ele fica na planta, ela morre [...].

No lugar onde ele dorme, se a pessoa pisar, dá frieira (Dona D., 35 anos).

Fenômeno parecido acontece com a cobra, a qual, segundo três entrevistados,

produz íngua (erupção cutânea) quando esta passa sobre a pele das pessoas ou

quando alguém usa uma roupa que tenha tido contato com o animal (ver Tabela 2

no item 5.2.2).

Embora apresente uma constituição física quase semelhante ao sapo-bola, a

jia (rã) não foi considerada “inseto” devido a sua utilidade como fonte de alimento

para alguns moradores da região estudada: Jia mora no rio e se come. Não pode ser

inseto (Seu D., 80 anos). Além disso, pode-se supor que esta etnoespécie não seja

categorizada como “inseto” também pelo fato de não causar transtornos à saúde

humana, corroborando então a importância dada à questão da ofensa na hora de

definir quais organismos pertencem ao domínio etnossemântico “inseto”. Mesmo

porque, para os moradores de Pedra Branca, existem várias outras etnoespécies de

não-insetos – p.ex., cobras como a cascavel, a jibóia e a papa-pinto – que são

percebidas e categorizadas como “insetos” porque, precisamente, não deixam de

ser organismos considerados potencialmente perigosos (independentemente de

serem peçonhentos ou não), apesar de terem utilidades alimentar, medicinal e de

controle biológico (por meio do hábito ofideofágico da papa-pinto, que “limpa” os

terrenos dos lavradores e fazendeiros da presença indesejável de outros tipos de

serpentes) para a população local, conforme atesta os depoimentos abaixo:

Tem gente que come até cascavel. Eles cortam a um palmo da cabeça e a

outro do chocalho. Comem do meio. [...] Dizem que a bicha tem gosto de

peixe! (Dona C., 79 anos). 14O intertrigo é uma alteração da pele que ocorre em áreas de dobras cutâneas, como axilas, virilhas e espaços interdigitais, principalmente dos pés (popularmente conhecido como “frieira”). A pele elimina água constantemente, de forma imperceptível, que evapora imediatamente, fenômeno conhecido como perspiração. Nestas regiões, o vapor d'água fica retido, umedecendo e amolecendo a pele. No caso dos dedos dos pés favorece a aparição do fungo Tricophyton rubrum, causando manchas e bolhas vermelhas e arredondadas e com descamação, provocando assim muita coceira e ardor na região afetada (VARELLA, 2008).

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A banha da jibóia é pra curar reumatismo e derrame (Seu B., 65 anos).

O papa-pinto come outras cobras. [...] Os fazendeiros gostam dela (Seu E., 67

anos).

A jibóia e a cascavel, além de servirem como alimento, são recursos

zooterapêuticos na medicina popular, uma vez que a banha e outras partes de seus

corpos são utilizadas para tratar uma ampla e heterogênea gama de doenças e

enfermidades (derrame, inflamação, asma, reumatismo, diabetes, gastrite, câncer,

enxaqueca, mordida por cobra, etc.). O emprego de produtos medicinais à base de

serpentes em diferentes contextos socioculturais está registrado na literatura

(CAMPOS, E, 1967; NOMURA, 1996; COSTA NETO, 1999b; MARQUES, 2001;

ALVES e PEREIRA FILHO, 2007).

De modo parecido à cobra papa-pinto, o único valor (positivo) atribuído ao

sapo-bola é que ele se alimenta de outros “insetos”: Esse sapo só vive fazendo o

bem. Come de tudo quando é inseto pequeno (Seu E., 69 anos).

Dos lagartos, as etnoespécies lagartixa (Tropidurus hispidus) e sardão

(Hemidactylus mabuia) sempre foram citadas como “insetos” (n=18 e n=26,

respectivamente); Por outro lado, o teiú (Tupinambis merianae) foi citado como

pertencente ao domínio “animal” (n=8). Como nos anuros, a questão da semelhança

corpórea (morfologia externa total) não é um caráter determinante para a

classificação etnozoológica. Embora a lagartixa possa morder e diferentemente dos

demais “insetos”, os moradores de Pedra Branca dizem que a lagartixa não ofende

provavelmente porque ela é tida como não “venenosa”: Morde, mas não tem agravo,

não leva à beira da morte. [...] Não é venenosa, daí que não ofende (Dona E., 61

anos). Mesmo assim, os sujeitos participantes da pesquisa nunca esclareceram a

verdadeira razão da lagartixa ser rotulada de “inseto”. Tampouco lhe atribuíram uma

utilidade especial. Aqui, a contradição surge ao compará-la com a jia (rã), sendo que

ambas as etnoespécies não ofendem, mas pertencem a domínios etnossemânticos

distintos. Neste sentido, evidencia-se que os fatores classificatórios que determinam

a construção e a delimitação do complexo “inseto” não se restringem unicamente à

questão da ofensa. No entanto, estes fatores também levam em consideração um

outro tipo de relações afetivo-emocionais e de uso que os sujeitos têm com esses

animais.

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50

Quanto ao sardão, os entrevistados acreditam que a ofensa se deve às fezes,

reportadas como venenosas: Uma bosta de sardão cai na comida, daí a gente come

e morre. É inseto (Dona N., 57 anos). Neste exemplo, evidencia-se o fato de haver

ofensa sem comportar uma ação mecânica (morder) e de o réptil ser chamado de

“inseto”. Nenhum dos entrevistados soube relatar algum caso real e local

envolvendo este tipo de “envenenamento”. Conta-se, porém, que há certo tempo

toda uma família (de outra região) morreu envenenada (pelas fezes) de um sardão

que havia entrado na sacola de café dos moradores. Acabou sendo integralmente

moído e “bebido” dentro do café, mas a responsável pela morte do casal e filhos

teriam sido unicamente as fezes do animal.

Originário do continente africano e acidentalmente trazido ao Brasil pelos

navios negreiros, este pequeno lagarto, de unos 12-16 cm de comprimento e hábitos

noturnos, costuma ser visto nas paredes e no forro das salas, em casas e

construções de origem humana, alimentando-se de insetos (FREITAS e SILVA,

2007). Apesar de ser considerado útil porque se alimenta de insetos, o sardão é

categorizado como um “inseto” pelo fato de ofender devido as suas fezes.

Interessante registrar o uso medicinal que populações do sertão nordestino fazem

do excremento da lagartixa (nome popular equivalente ao sardão citado pelos

moradores de Pedra Branca): “O excreto da lagartixa, logo após a dejeção, é

bastante indicado para aliviar a garganta, em aplicações externas. [...] Sêco, ainda

serve o excreto, diluído em água, para o doente gargarejar, com resultados

satisfatórios” (CAMPOS, E., 1967, pg. 62).

A etnoespécie teiú foi citada por oito indivíduos, que a consideraram como

“animal”. Houve divergência sobre se possuía ou não “veneno” (peçonha) e não se

registrou nenhum valor utilitário agregado (seja alimentar ou medicinal). A

ambigüidade e contradição perceptual que envolve o teiú ainda tornam-se mais

evidentes com depoimentos do estilo: As pessoas dizem que tem veneno, que

parece cobra. Daí não tocam, não matam (Seu J., 40 anos). Neste caso, o teiú

semelha-se à serpente porque morde e possui peçonha (e pela forma corpórea),

porém, por esse mesmo motivo, aparentemente não é morto pela população, ao

contrário da serpente que praticamente sempre é eliminada.

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51

De todos os representantes do etnotáxon “inseto”, destacam-se as serpentes,

registrando-se um total de 23 etnoespécies15. Os entrevistados citaram quatro

etnoespécies que pertencem à família Viperidae – surucucu pico-de-jaca (Lachesis

muta), malha-de-sapo (Bothrops leucurus), cabo-branco (B. leucurus) e cascavel

(Crotalus durissus cascavella) – como as mais perigosas e nocivas à saúde humana

(sempre possuindo veneno segundo depoimentos), além de provocar maior aversão

e medo na população local. Dos 31 entrevistados que falaram sobre a cabo-branco,

apenas um sujeito disse que na verdade se trata do filhote da malha-de-sapo (B.

leucurus) e não uma etnoespécie diferente como em geral os moradores costumam

acreditar: A cabo-branco é o filho da malha-de-sapo (Seu E., 57 anos).

Precisamente, este grupo ofídico é formado por aquelas espécies que possuem um

sistema evolutivamente mais avançado e especializado de inoculação da peçonha

(dentição solenóglifa), sendo de grande interesse médico (CARDOSO et al., 2003).

Todos os entrevistados (n=52) conhecem a existência do soro antiofídico (Existe o

soro graças às mesmas cobras. Seu A., 77 anos), porém sem saber aprofundar

muito nos diferentes tipos e suas respectivas aplicações.

Várias outras etnoespécies pertencentes à família Colubridae – buiúna

(Boiruna sertaneja), papa-pinto (Drymarchon corais), cobra-espada (Leptohis sp.,

Philodryas sp.), cobra-cipó (Leptohis sp., Philodryas sp.), caninana (Spilotes

pullatus) e cobra-d’água (Helicops sp.), entre outras – também foram, em menor

número, citadas. Este segundo grupo apresentou divergências na hora em que os

sujeitos falavam se estas cobras eram ou não venosas. Segundo Cardoso et al.

(2003), apesar de não serem consideradas serpentes peçonhentas, em alguns

casos a sua dentição (opistóglifa) permite que elas inoculem certa quantidade de

toxina, podendo, eventualmente, provocar inflamação local extensa. Os mesmos

autores destacam os exemplos dos gêneros Boiruna e Philodryas, os quais podem,

inclusive, causar acidentes com quadro local semelhante ao acidente botrópico e

laquético; isto é, ação proteolítica (inflamatória aguda), coagulante e hemorrágica. A

etnoespécie buiúna, que provavelmente corresponde à espécie Boiruna sertaneja,

devido à coloração e hábitos alimentares descritos ([...] Mas daí porque tem cobras

que não tem veneno? Eu não sei. [...] Como a buiúna mesmo, que é para comer

inseto, mas não tem veneno. [...] Ela é toda preta e a barriga amarela. Seu F., 44

15

Todas categorizadas como “insetos” (com exceção de cinco entrevistados que as consideram como “animais”; ver Figura 6).

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anos), seria, juntamente à etnoespécie papa-pinto (Drymarchon corais), os exemplos

claros da ambigüidade e divergência no que diz respeito à atribuição (ou não) de

peçonha. Dos entrevistados, 15 comentaram que a buiúna e a papa-pinto

apresentam-se “venenosas” apenas durante o período do ano em que desovam

(nascimento da descendência), correspondendo aos meses de junho a agosto

(época de São João). Além do mais, constatar que Drymarchon corais, devido a sua

dentição tipicamente áglifa, nunca pode ser considerada peçonhenta (FREITAS e

SILVA, 2007).

Das 22 pessoas que citaram a cobra-coral, apenas duas mencionaram sobre

a diferença entre as corais falsa e verdadeira (Tem a coral falsa e a verdadeira. [...]

Falam que só dá para saber a diferença pelo olho. R., 28 anos), sendo que sempre

foram tratadas, junto às cobras da família Viperidae, bastante perigosas e

venenosas: As cobras perigosas são as que têm presa: cascavel, jararaca, coral [...]

(Seu A., 57 anos); Ela é tão perigosa que nem o soro dela serve! (Seu E., 67 anos).

As demais etnoespécies de cobras, incluindo a jibóia, receberam baixa citação,

tendo em comum o fato de não serem tratadas como venenosas e de que ofendem

por meio de sua “mordida” mesmo. Interessante salientar que apenas quatro

indivíduos falaram a respeito das presas ([...] Bolsinha onde tem o veneno, no dente.

F., 28 anos) que certas serpentes possuem para inocular a peçonha.

De um modo geral, a questão da ofensa com cobras parece tratar-se mais

sobre presença ou ausência do veneno que do fato de as cobras efetivamente

poderem picar. Por outro lado, crenças populares como, por exemplo, a de que a

cobra-de-cipó não “morde”, mas continua ofendendo porque ela bate com o corpo na

pessoa (ver Tabela 2 no item 5.2.2), criam dúvidas e ambigüidades em relação à

afirmação anterior, visto que ofender deixa de corresponder à posse (ou não) de

veneno, destacando-se a própria ação mecânica, mesmo que esta não envolva

picada/mordida. Ainda, igualmente com o que ocorre com a lagartixa, os moradores

consideram diferentes etnoespécies de cobras como não-ofensivas devido à

ausência de peçonha, mesmo que “mordam”. Diferentemente dos anuros e lagartos,

a constituição morfológica (forma do corpo serpentiforme) parece ser importante na

classificação etnozoológica por englobar todas as serpentes sob um mesmo rótulo

lingüístico (neste caso, “inseto”), embora algumas etnoespécies se destaquem

devido ao seu valor utilitário (p.ex., jibóia, papa-pinto etc.) ou porque são tidas como

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inofensivas à saúde humana; mesmo assim, todas acabam sendo culturalmente

indesejadas.

As serpentes são, indiscutivelmente, os “insetos” de maior destaque tanto no

saber popular quanto no imaginário da comunidade investigada. Elas causam muitas

reações ambíguas, pois ao mesmo tempo em que despertam admiração também

provocam grande aversão (raiva, ódio), além de serem os “insetos” dos quais os

sujeitos da pesquisa mais têm medo:

Cobras são muito feias [...]. Que boniteza pode ter? [...]. Só por causa do

veneno pra mim já não tem boniteza [...]. Agora, pensado bem, até que cobra

não é tão feia. Não gosto por causa do veneno e acho que são feias [...]. É

limpinha, bonitinha [...] (Dona L., 63 anos).

A gente vê assim de susto e logo já pensa que tem veneno (Seu F., 79).

Mesmo sabendo que não tem veneno, o povo mata pelo medo (F., 28 anos).

O único mamífero incluído no domínio “inseto” foi o morcego. Segundo

depoimentos de nove pessoas, o morcego é tratado pelo imaginário popular como

um chupador de sangue de vacas e de humanos. No entanto, nenhum dos sujeitos

entrevistados observou pessoalmente tal fato, apenas ouviu dizer. Dois moradores

categorizaram o morcego como “animal” por possuir ossos, porém sem perder seus

atributos de chupador de sangue. Provavelmente, ele é tratado como “inseto” devido

à aparência, causando reações de repugnância e desconforto por não se saber

exatamente qual a sua origem ontogenética:

Morcego é inseto [...]. Morcego é um rato de asa. Rato deve ser inseto então

[...]. Mas, na verdade, ele não é transformado de rato. Ele já foi criado

morcego. Acho que é, né? Não sei não [...] (Seu N., 63 anos).

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5.2 Crenças e Práticas Associadas às Ofensas Causadas pelos

“Insetos”16

Na região da Serra da Jibóia, as cobras e os escorpiões, além de terem sido

os “insetos” que receberam maior número de citações pelos indivíduos entrevistados

(n=52 e n=42, respectivamente), foram também os que tiveram estórias, crenças e

práticas populares a eles associadas, visando prevenir ou tratar as ofensas (reais

e/ou imaginárias) que lhes são atribuídas. Interessante observar que os

entrevistados falavam sempre destes saberes e dos acontecimentos relacionados

como pertencentes há um tempo passado, que já ouviram contar por alguém e dos

quais acreditam ou não. Até a presença e disponibilidade de soro, os moradores

locais utilizavam apenas simpatias, remédios caseiros e rezas.

5.2.1 Significado antigo atribuído ao termo ofensa

Segundo depoimentos de 36 entrevistados, o termo ofensa antigamente tinha

uma maior difusão, mas era restrito para se referir unicamente aos acidentes com

cobras. Hoje, este termo já não é tanto utilizado e nem de forma tão específica, pois

se fala mais em casos que envolvem mordida, picada ou ferroada provocada por

diferentes animais. Quando utilizado, refere-se a qualquer “inseto” (ou “animal”), não

apenas cobras:

A palavra ofensa já vem de muito tempo atrás, na região toda [...]. Agora já se

fala mais a cobra me picou, mordeu (Dona G., 55 anos).

As pessoas não falavam que foi ofendido de escorpião. Só de cobra [...].

Agora se utiliza com tudo. Antes só cobra e entre pessoas (Dona L., 62 anos).

Para 34 destes entrevistados, antigamente a pessoa que era picada

(ofendida) por cobra não podia, em termos gerais, nem dizer nada a respeito do

acontecido nem receber visitas em casa, porque senão o efeito do veneno

aumentava. A maioria das pessoas se escondia para evitar ser assediada. Apenas

os familiares diretos podiam visitar sem prejuízo algum, permanecendo junto à vítima

16Os “insetos”, neste caso, referem-se às serpentes e escorpiões.

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e dando os devidos cuidados (remédios caseiros). A maioria dos moradores optava

por não visitar o doente e esperava ele melhorar. Mesmo assim, tanto os familiares

quanto os demais membros da comunidade também estavam sujeitos a uma série

de restrições, tanto lingüísticas quanto sociais, para não aumentar os efeitos (a

potência) da peçonha da cobra, agravando seriamente o estado de saúde do

indivíduo afetado. Acreditava-se que se as palavras morder e picar (e suas

variantes) fossem pronunciadas, a peçonha (“veneno” na acepção local) tomava

maior força no mesmo instante, agitando-se e se espalhando ainda mais pelo corpo

da vítima, aumentando assim os sintomas do envenenamento. A vítima nem

precisava estar presente ou ouvir a conversa para que isso acontecesse. Por isso

que as pessoas evitavam falar com ou perto do acidentado e as visitas eram quase

que totalmente proibidas. Se alguém quisesse fazer uma visita, era totalmente

proibido de falar o nome da pessoa vitimada (em sua presença ou próximo a ela). Só

podia chegar à frente e estabelecer conversação se houvesse prévia simpatia. Tudo

isto era essencial para o doente não levar susto (com a presença e fala do visitante),

agitar o sangue (o “veneno”), aumentar a dor, piorar e começar a ‘botar sangue

pelos fios dos cabelos do corpo inteiro’, conforme foi dito por 15 entrevistados.

Pelas mesmas razões, também se evitava pronunciar a palavra “cobra” e o

nome da que ofendeu a pessoa. Costumava-se dizer, então, frases do tipo: “Fulano

foi ofendido pelo bicho-do-chão” (a mais comum e aconselhável de dizer); “A lagarta

me pegou aqui” (o doente é quem falava); “Foi a formiga que ofendeu ele” (ou outro

animal, mas nunca a cobra). Daí, já se sabia que tal pessoa tinha sido picada por

cobra:

Quem era picado de cobra tinha que manter o maior segredo. Não podia nem

todo mundo saber, porque não podia receber visita, porque dava pra sangrar

[...]. E não falava mordeu. Falava ofendeu [...]. Também não dava pra usar a

palavra cobra, ficava pior. Aliás, falavam: “Foi ofendido pelo bicho-do-chão”.

Aí todo mundo sabia que era cobra (R., 29 anos).

Visita é muito ruim pra quem está ofendido de cobra. Aumenta a dor. Só

podem os parentes [...]. Não fala o nome da bicha nem que tu queiras. Fala

que foi formiga. Tem que falar outro animal, daí todo mundo já sabe que foi

cobra [...]. Se fala o nome da cobra vai doer mais ainda (Seu M., 40 anos).

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Enquanto não tivesse medicamento, tinha que ficar escondido sem receber

visita nenhuma. Depois do medicamento podia receber sem problema [...].

Não dizia que uma cobra tinha mordido a pessoa. Só falava que “um bicho me

mordeu” [...]. Era não dizer “cobra”, porque o veneno atrai (Seu T., 39 anos).

Antigamente, tudo era mais difícil, ninguém dizia nada [...] para o boato não

correr. Quanto mais corre o boato, o veneno fica mais no corpo (Dona l., 62

anos).

De cobra, não pode visitar o doente [...]. Tem que dizer que “fulano foi

mordido de bicho-do-chão” [...]. Agita o veneno da cobra. Agora acabou

porque o pessoal vai para hospital botar o soro (Dona V., 59 anos).

Não podia visitar. Se chegava, o doente piorava [...]. A pessoa inchava e até

botava sangue pelos cabelos [...]. O sangue agita quando alguém fala (Dona

E., 69 anos).

A propósito deste medo de pronunciar a palavra cobra, Teixeira (1954) apud

Nomura (1996, p. 20) escreveu o seguinte sobre os habitantes de Sete Lagoas

(MG): “É habito arraigado não se dizer a palavra cobra nem mesmo o nome de

espécies de serpentes – cascavel, jararaca, urutu, etc. – ou de outros bichos

peçonhentos. As cobras são chamadas cipó, bicho, cacetinho, bicho mau [...]”. No

Estado de Santa Catarina, diz Cabral (1952) apud Nomura (1996, p. 40) que: “O

mordido por uma cobra não pronuncia a palavra cobra, o que lhe traria malefícios

enormes, inclusive a morte. Diz que está mordido de ‘bicho’ [...]”. Com estes

eufemismos acredita-se, então, poder evitar os maus efeitos do envenenamento no

caso das pessoas serem ofendidas por cobra, e mesmo afugentá-las. O mesmo

autor continua dizendo que: “[...]. Acredita a população praieira que o mordido não

deve ver o mar. E se o paciente, empeçonhado, se debate irrequieto no leito, diz-se

que ele está dando as voltas que a cobra também o está, no mato”. Crença

semelhante foi registrada em Canindé (CE), na qual “Não se permite dormir o

ofendido de cobra nas primeiras 24 horas porque dormindo o veneno se difunde com

maior rapidez. O individuo mordido de cobra não deve ouvir comentários sobre sua

doença porque terá súbita piora. [...]” (MAGALHÃES, 1969, p. 115).

Em Pedra Branca, as simpatias para poder visitar o doente sem causar-lhe

maior prejuízo, segundo alguns dos entrevistados (n=12), são: o interessado em

fazer visita, para não prejudicar o doente, previamente precisa raspar um pouco do

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batente (madeira) da porta de entrada de uma venda (mercearia, bar). Depois, torrar

as lascas e passar por um coador. Uma vez que o chá seja dado a quem está

ofendido, a pessoa pode aproximar-se sem prejuízo algum (não expele sangue). O

chá é chamado de bons-e-maus, porque naquele batente passam o bom e o mau, o

sangue ruim e o sangue bom (referindo-se às pessoas); a pessoa ofendida pega

uma lasca da porta (madeira) e faz uma cruz. Coloca-a em seu pescoço, podendo

assim receber visitas sem perigo algum; o visitante leva um ramo de folha verde (de

qualquer planta; pinhão-roxo, andú, caiçara) e diz ao ofendido: “Toma fulano [...]. Foi

São Bento quem mandou pra você”.

O resguardo dentro de casa tinha que durar 40 dias, após tomar remédio

(caseiro). No caso de sair antes, o efeito do veneno voltava. Durante o período de

convalescença, o ofendido não podia comer certas coisas consideradas frias e

reimosas. Caso contrário, o efeito do veneno aumentava. Dentre os

alimentos/comidas, foram citados: carne de porco, mamão, camarão, peixe de

couro, farinha, pimenta, quiabo, ovos e carne de galinha. Por outro lado, podia-se

comer carne moqueada, branca ou de sol, ou seja, carnes secas. Também feijão e

pirão.

A questão da visitação parece estar relacionada ao sangue, isto é, ao fato de

existir ou não compatibilidade entre o líquido vital do doente e o do visitante, além da

presença e ação da peçonha da cobra no primeiro. As pessoas que, no momento

em que a ofensa aconteceu, estivessem próximas da vítima, isto é, que

presenciaram o acidente e viram qual foi a cobra que picou, estes sim podiam visitar

sem medo algum de prejudicar o indivíduo ofendido com sua presença e nem

precisavam fazer simpatia, devido ao fato de que o sangue deles já estava igualado

(não era sangue contrário e/ou novo) ao do ofendido. O ofendido tinha o

corpo/sangue aberto e os que estavam junto com ele no momento do acidente

passavam a ter também o corpo/sangue aberto, porque igualavam e combinavam o

sangue junto ao do ofendido. Já uma pessoa que não estivesse presente, tinha o

corpo/sangue fechado. No caso de querer visitar, se não se compensava esse

“desequilíbrio corporal e humoral” com alguma simpatia, a diferença entre os

sangues fazia com que a peçonha da cobra começasse a se agitar muito mais,

provocando mais dores, inchaços e perda de sangue “pelos fios dos cabelos”. Tudo

parece uma questão de igualar/compensar os sangues para não interferir na cura do

afetado:

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Pessoas que tinham sangue fechado não podiam visitar (Dona P., 65 anos)

Não pode receber visitas porque tem o corpo aberto (Dona C., 79 anos).

Referência a este respeito encontra-se em Santos Filho (1966) apud Nomura

(1996, p. 35), que argumenta o seguinte: “[...] Os benzedores tiveram nas picadas de

serpentes o mais rendoso ganha-pão. Rezavam, benziam e deixavam qualquer

pessoa de ‘corpo fechado’ ou ‘curado de cobra’ [...]”.

Caso o visitante fosse uma mulher grávida ou menstruada, o efeito era ainda

pior, visto que o seu sangue ainda estaria mais fechado que o normal: Mulher

grávida não pode ver o doente que foi mordido. Este morre na hora (Seu J., 40

anos). Segundo uma crença local, que foi citada por 15 dos sujeitos participantes,

cobra odeia mulher grávida, o que faz com que a peçonha se agite com maior força

e violência contra o ofendido. Acreditar que a presença de mulher grávida (ou

menstruada) prejudica seriamente o ofendido por mordida de cobra é “um fenômeno

muito difundido no Brasil inteiro” (NOMURA, 1996, p. 32), especialmente no que se

refere a não receber visita alguma: “[...] O doente, para que se salve, é preciso não

receber, antes de tudo, a visita de mulheres grávidas” (CAMPOS, E., 1967, p. 86).

Sobre a questão de que a vítima expele “sangue pelos fios dos cabelos do

corpo inteiro”, é provável que tal crença provenha do fato de que algumas pessoas,

já tendo qualquer lesão cutânea preexistente, ao serem picadas por filhotes de

Bothrops leucurus, que possuem como peçonha uma substância de ação

anticoagulante em nível sistêmico (diferente dos indivíduos adultos), manifestariam

um desprendimento de líquido sangüíneo por tais lesões (FUNDAÇÃO NACIONAL

DE SAÚDE, 2001). Por esta razão, as pessoas comumente percebem este

vazamento como sendo através dos poros do corpo inteiro devido à agitação do

“veneno”.

5.2.2 Crenças e estórias relacionadas com “insetos” ofensivos

Notadamente sobre as serpentes, existe em todas as regiões do Brasil e no

mundo uma riqueza extraordinária de crenças e estórias a respeito desses animais,

com influências marcantes na imaginação popular. Muitas destas crenças

enraizaram-se e foram repassadas, em sucessivas gerações, como verdadeiras

dentro do saber popular, quer apreendidas por meras falhas de observação, quer

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por enganos cometidos pela associação de idéias ou de acontecimentos

(informações fragmentadas), em diferentes tempos e lugares (VIZOTTO, 2003).

Neste caso, Barbier apud Silva (2000, p. 61) salienta que “o fenômeno emocional

aciona não apenas sensações, mas também dimensões cognitivas, imaginativas e

intuitivas do ser humano”.

A Tabela 2 mostra as 28 crenças envolvidas, direta e indiretamente, na

questão das ofensas causadas por diferentes etnoespécies de cobra, tal como foram

citadas pelos moradores de Pedra Branca. Todas evidenciam um saber e uma

representatividade emotiva negativa para com as cobras. Em oito delas já está

sendo aconselhável, inclusive de forma evidente e direta, a morte desses “insetos”.

Nas outras 20 crenças, mesmo não reportando benefício algum aos “interesses” do

animal, não se evidencia uma atitude direcionada à sua eliminação (direta), mas

fomentando o medo e as idéias errôneas com relação à cobra.

Algumas das crenças registradas, como a que diz que cobra mama no peito

de mulher parida, que deixa o veneno em uma folha antes de entrar na água; que

causa frieira (= íngua, cobreiro); que possui um ferrão na cauda por onde injeta o

veneno; ou ainda que pode ficar em pé graças ao ferrão que tem na ponta da cauda,

permitindo pular e “voar” contra as pessoas, entre outras, são muito freqüentes e

espalhadas ao longo do território brasileiro, apenas variando o tipo de cobra

envolvida e sua contextualização sociocultural e socioambiental (CASCUDO, 1954;

MAGALHÃES, 1969; NOMURA, 1996; VIZOTTO, 2003). De acordo com Silva (2000,

p. 72):

“Algumas destas crendices estão relacionadas a hábitos das serpentes, e, tudo indica, são construídas assim, por indícios não consistentes, fruto de observações que sofreram interpretação, sendo, pois figuradas, somadas a outras interpretações simplistas devido à ausência de conhecimento sistematizado que as tornem consistentes, lógicas. Outras, são equívocos evidentes [...]”.

A serpente continua sendo um dos símbolos mais importantes da imaginação

humana. As imagens (representações), os mitos e as crenças em torno deste animal

sempre foram comuns entre as diversas sociedades, ligando-se aos valores culturais

e religiosos que cada povo tem na explicação de sua realidade e visão de mundo

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Tabela 2 - Crenças relacionadas (direta ou indiretamente) à questão das ofensas (reais e/ou imaginárias) causadas pelas

etnoespécies de cobra, segundo os depoimentos dos moradores de Pedra Branca, Santa Terezinha, Bahia.

Nº de sujeitos que Crenças (reunião de depoimentos)

Etnoespécie envolvida

Acreditam Não

acreditam

Autor(es) encontrado(s) que cita(m) as

crenças

O que diz a literatura a respeito

Se não matar a cobra que mordeu você, ela fica rodando no chão e assim aumenta a ação do veneno injetado. *

Cobras em geral

11 7 ... ...

Se a cobra vê você (no mato) e você não vê ela, você adoece (íngua, febre etc.).

Cobras em geral

4 9 ... ...

Cobra dá íngua.

Cobras em geral

3 Cascudo (1954) Campos E. (1967) Nomura (1996) Vizotto (2003)

“Erupção cutânea, atribuída à passagem sobre a pele, ou sobre a roupa utilizada, de cobra ou outro animal peçonhento” (CASCUDO, 1954, p. 187). “[...] Embora esteja arraigado no conceito popular que serpentes são as responsáveis por essas manifestações cutâneas, tal fato não tem veracidade. Isto porque uma pessoa, quando em baixa resistência orgânica, pode ter manifestações cutâneas, entre as quais o ‘Herpes zoster’, provocado por determinado vírus (aparentado com o da varicela)” (VIZOTTO, 2003, p. 130).

Cobra não gosta (tem raiva) de mulher grávida. Vai logo atrás para bater com a cauda.

Cobras em geral

15 3 Campos E. (1967) Nomura (1996) Silva (2000)

(ver penúltimo parágrafo do item 5.2.1)

Não tem veneno, mas se morder a pessoa, esta fica seca igual à cobra.

Cobra-de-cipó 9 ... ...

Não morde, mas se ela bater a pessoa fica seca igual à cobra.

Cobra-de-cipó 6 ... ...

Se a pessoa bater, porém não a matar, a cobra vai até a casa da pessoa e fica no telhado. Daí a pessoa adoece e morre. Quando o caixão (com o corpo do defunto) sai, ela vai atrás para conferir. *

Cobra-de-cipó 3 ... ...

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(Cont.) Nº de sujeitos que Crenças (reunião de

depoimentos)

Etnoespécie envolvida

Acreditam Não acreditam

Autor(es) encontrado(s) que cita(m) as

crenças

O que diz a literatura a respeito

Se a pessoa bater e não matar, a cobra fica quieta (de tocaia) esperando esta (ou outra pessoa) passar de novo para se vingar.*

Cobra-espada Caninana

15 4 Silva (2000) “[...]. Se a pessoa bater na cobra, machucá-la, ela pode sair do local ou não. Geralmente, as peçonhentas não saem, pois podem defender-se inoculando o veneno. A serpente também delimita o seu território, e permanece em um certo espaço ou no local existem várias da mesma espécie ou mesmo há espécies em um mesmo local que mimetizam outras. Para a pessoa que machucou a serpente, se ela passar novamente por aquele lugar, a serpente como que, vai estar lá. Aí, o sujeito acredita que a serpente está esperando por ele” (SILVA, 2000, p. 74).

Depois de morder a pessoa, vai ao telhado da casa desta para saber do resultado.

Caninana 2 3 ... ...

Se a pessoa não bater na cabeça da cobra, o diabo logo a sana.*

Cobra-de-cipó 2 ... ...

Se matar de um tiro (espingarda) a cobra que ofendeu, a pessoa ofendida também morre. Só pode matar de pau. *

Cobras em geral

4 ... ...

Tem que esperar uns seis meses antes de voltar a entrar no mato, porque senão o veneno chama de novo a cobra (ou outras).

Cobras em geral

2 ... ...

Se a pessoa está mijando (em cima de uma pedra), o veneno da cobra sobe pela urina.

Cascavel 3 ... ...

No dia da grande Paixão, as pessoas carregam paus na procura de cobras. Para salvar sete almas dos infernos e a sua própria, a pessoa tem que matar sete cobras. *

Cobras em geral

4 ... ...

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62

(Cont.)

Nº de sujeitos que Crenças (reunião de

depoimentos)

Etnoespécie envolvida

Acreditam Não acreditam

Autor(es) encontrado(s) que cita(m) as

crenças

O que diz a literatura a respeito

Se encostar um fósforo na ferida, este atrai o veneno, aumentando a chama.

Cobras em geral

3 ... ...

Depois de a cobra ser morta, olhar a cauda dela. Se for rondunga (= redonda), é que a cobra já tinha ofendido muito.*

Cobras em geral

2 ... ...

A cobra venenosa (costuma habitar no chão) que se encontrar em cima de um galho tem a pedra-da-cobra dentro dela (da barriga). As cobras que já moram nas árvores nunca a possuem. Esta pedrinha serve como objeto para afastar cobra e como remédio caseiro contra mordida de cobra.*

Cobras em geral

14 Magalhães (1969) (varia a localização anatômica da pedra na cobra segundo cada região) Nomura (1996) Vizotto (2003)

“Das 43 espécies brasileiras de serpentes peçonhentas, somente três delas têm a capacidade de escalar árvores” (VIZOTTO, 2003, p. 163) (ver itens 5.2.3.1 e 5.2.3.2)

A cobra venenosa é aquela que depois de morta fica rodando por causa do veneno.

Cobras em geral

6 ... ...

A cauda, uma vez cortada, se mexe por causa do veneno.

Cobras em geral

5 ... ...

Mama do peito de mulher parida, colocando a ponta da sua cauda na boca do bebê para este não chorar e não acordar a mãe. Ofende porque a criança termina morrendo (seca).

Buiúna 10 25 Magalhães (1969) Araújo e Ely (1978) Nomura (1996) Silva (2000) Vizotto (2003)

“Além de antiga, esta crença é também largamente encontrada não só no Brasil, mas da mesma forma, em todas as Américas e na Europa [...]” (NOMURA, 1996, p. 18). “[Uma possível explicação é que] as fêmeas de serpentes, quer ovíparas ou ovovíparas, no período reprodutivo, armazenam no oviduto ovos. Estes são constituídos por substância albuminosa, de cor esbranquecida. Quando o corpo da serpente é dilacerado essa substância é extravasada, dando um aspecto que lembra o leite coalhado” (VIZOTTO, 2003, p. 122).

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(Cont.) Nº de sujeitos que

Crenças (reunião de depoimentos)

Etnoespécie envolvida

Acreditam Não acreditam

Autor(es) encontrado(s) que cita(m) as

crenças

O que diz a literatura a respeito

Possui um ferrão na cauda por onde injeta o veneno, ao mesmo tempo em que morde com a boca.

Cobra-de-duas-cabeças

10 2 Vizotto (2003) Solé (2008)

“Possuem a cabeça e a cauda rombas e diâmetro do corpo constante em toda a sua extensão. [...] Ou seja, aparência semelhante das extremidades, locomoção tanto para frente como para trás, o que faz com que as pessoas imaginem a existência de duas cabeças” (VIZOTTO, 2003, p. 170). “Apresentam a ponta da cauda em forma de pequeno ‘espinho’. Ao serem manipuladas, estas pressionam a mão da pessoa com esta ‘espícula’, como forma de defesa” (SOLÉ, 2008, p. 98-99). “São eles destituídos de glândulas secretoras de toxinas e de dentes apropriados para inoculação de qualquer substância tóxica. Quando irritados ou capturados são capazes de morder” (VIZOTTO, 2003, p. 171).

Se a pessoa mata a fêmea, o macho segue o rastro para se vingar e vice-versa.

Cobras em geral

7 Cascudo (1954)

“Quem mata uma cobra deve ter cuidado com a companheira que fatalmente procurará vingar-se. O perigo não é a cobra; é a parelha” (CASCUDO, 1954, p. 71).

A cobra engole os próprios filhos para eles ficar mais venenosos. Daí eles saem de novo pela boca da mãe.

Cobras em geral

8 1 ... ...

Deixa o veneno em uma folha antes de entrar na água (para banhar-se e beber). Ao sair pega de novo (utilizando-se do cheiro para encontrá-lo).

Cobra-d’água 4 9 Magalhães (1969) Nomura (1996) Vizotto (2003)

“É tradição popular em todo o Brasil que as cobras venenosas depositam a peçonha numa folha verde quando vão beber, evitanto a auto-intoxicação. Verificando o desaparecimento do veneno onde o deixaram, ficam em estado de despero [...]” (CASCUDO, 1977 apud NOMURA, 1996, p. 21). “O povo liga um fato com o outro, pois observa que, na vegetação marginal de rios, riachos e lagoas, encontra, com certa freqüência, folhas com um líquido mucoso que ele atribui ao veneno do ofídio. Na realidade, [são] substâncias secretadas por alguns insetos ou por determinados moluscos” (VIZOTTO, 2003, p. 132).

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(Cont.) Nº de sujeitos que

Crenças (reunião de depoimentos)

Etnoespécie envolvida

Acreditam Não acreditam

Autor(es) encontrado(s) que cita(m) as

crenças

O que diz a literatura a respeito

“O campesino registra a quase não existência de acidentes ofídicos em ambientes aquáticos, durante o dia. [...] Raramente as serpentes peçonhentas são encontradas nesse período, uma vez que são noctívagas. Quando na água, existe pouca possibilidade da serpente inocular veneno, dada a falta de apoio para desferir seu bote” (VIZOTTO, 2003, p. 132).

É mais perigosa se a pessoa passa por atrás dela (dá o bote atrás).

Cascavel 2 ... ...

De tanta raiva que ela tem, até se morde sozinha.

Cascavel 3 ... ...

Só tem veneno quando está “choca” (=desovando ou cuidando da prole), na época de São João (junho a agosto).

Papa-pinto; Buiúna

15 ... ...

Ela fica em pé graças ao ferrão em forma de tesoura (= cauda). Daí pula (voa) para ofender.

Surucucu pico-de-jaca

15 Nomura (1996) Vizotto (2003)

“A dinâmica do bote é característica desse grupo [família dos Viperídeos], pois a serpente se arma em posição que lembra uma ‘S’ [...]. O ofídio, quando parado e sem apoio externo, se levanta cerca de 1/3 de seu comprimento total” (VIZOTTO, 2003, p. 143-144). “A ponta da cauda tem um espinho desenvolvido e revestido por escamas eriçadas” (VIZOTTO, 2003, p. 232) “Há uma crença bastante divulgada de que [...] põe-se em atitude agressiva elevando-se do solo com mais da metade do seu corpo, quando não, com a ponta da cauda e, furiosa, avança em direção ao seu oponente” (VIZOTTO, 2003, p. 141). “Acredita-se que a ponta da sua cauda tem escamas eriçadas, dando um aspecto de ‘ferrão’ ” (NOMURA, 1996, p. 78).

* Crenças que envolvem a eliminação direta (morte) da serpent

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65

particular (DURAND, 1997). Na antiguidade, vários povos adoravam e idolatravam

as serpentes procurando agradá-las para se livrarem do mal que elas poderiam

causar. Atributos como prudência, poder, fertilidade, sexualidade e renovação de

vida já lhes foram dados (e, em parte, continuam ainda) por diferentes povos na

Índia, no Egito, na antiga Europa, na antiga Pérsia, no México e de grande parte da

África, entre outros. Inclusive naqueles lugares onde não eram objetos de culto, as

serpentes também foram usadas como símbolos, amuletos ou como medicamento

mágico (ARAÚJO e ELY, 1978). No Brasil, sempre predominou “[...] um medo

exagerado, supersticioso e insensato, originado geralmente por idéias falsas e

absurdas. [...] (Não se encontrando nenhum) vestígio de culto, respeito e veneração”

(BRASIL, I.V., 1951 apud NOMURA, 1996, p. 19). As cobras são animais que

despertam grande apreensão nos seres humanos, sobretudo pela capacidade que

algumas espécies têm de causar acidentes graves. Para efeitos práticos, supõe-se

que a maneira como se passa a perceber e representar este animal seja sob a figura

de um animal perigoso e pernicioso, com novas qualidades antropormofizadas, a

destacar: feia, repugnante, repulsiva, cruel, traiçoeira, perversa, vingativa, ofensiva

etc. Deste modo, parece inevitável que, possivelmente devido à forma alongada do

corpo, sem patas e dotada de ágeis movimentos ondulatórios, o olhar fixo, a língua

bífida e, definitivamente, a capacidade de produzir e injetar substância mortal, as

pessoas tenham feito da cobra um dos seres vivos mais incompreendidos, temidos e

rejeitados pelo ser humano (CARDOSO et al., 2003). Ao mesmo tempo, são também

objeto de inúmeras estórias, crenças e práticas com enfoque negativo (para elas),

que se encontram profundamente enraizadas na cultura popular. No Brasil, tais

estórias e crenças originaram-se, provavelmente, de superstições dos africanos, dos

índios e dos colonizadores europeus, além de observações imperfeitas ou

falsamente interpretadas, principalmente nas zonas rurais (ARAÚJO e ELY, 1978).

No povoado de Pedra Branca, constata-se ambigüidade entre os depoimentos

relacionados à etnoespécie cobra-de-cipó, pois apesar do desenlace final ser que o

ofendido fica seco igual a cobra, houve entrevistados (n=9) que argumentaram que é

porque ela morde, enquanto outros (n=6) disseram que ela bate com o corpo, sem

morder; e todos os 15 entrevistados acreditam que isto realmente acontece. É muito

provável que tal distinção ocorra porque os entrevistados estão se referindo às

várias espécies de serpentes da família Colubridae, porém todas chamadas pelo

mesmo etnonome. Mesmo assim, o fato de referir-se, por exemplo, ao gênero

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66

Philodryas, que é considerada peçonhenta, tampouco pode justificar a crença que

esta cobra ofende deixando a vítima “seca” (=magra, uma analogia ao corpo esguio

da cobra).

Citado por 20 entrevistados, o termo local “choca” refere-se ao estado fisiológico e

comportamental em que as cobras (e escorpiões) se encontram no período do ano

em que estão desovando (ou, segundo como algum depoimento possa ser

interpretado, cuidando da prole). Argumenta-se que as cobras ficam mais agitadas,

agressivas e perigosas, aumentando a potência de seu veneno, chegando assim a

ser muito mais letais. Isto acontece no período de junho a agosto:

Quando chocas, estão muito mais bravas e é pior. Naquela época podem

matar direito. [...] É no junho, no São João. Época de cria (Seu T., 39 anos).

Quando a cobra está choca, com poucos minutos sai sangue por todo lado,

ouvido, boca, nariz. [...] Junho, julho e agosto. Tudo na desova. Escorpião

também (Dona N., 57 anos).

Como já mencionado no item 5.1.3, existem duas etnoespécies de cobra –

buiúna e papa-pinto – que apenas possuem (produzem) veneno durante esta época

do ano: O papa-pinto só tem veneno no mês de São João. Tempo da desova. [...]

Imagina como devem estar as outras! (Seu M., 40 anos). Certa incongruência resulta

de dois fatos. Primeiramente, independentemente da época do ano, uma serpente

nunca pode aumentar a potência (qualidade) de sua peçonha e muito menos existir

espécies que unicamente fabricam-na em determinadas ocasiões, neste caso para a

desova. Em segundo lugar, se for pelo cuidado da prole, cabe dizer que os ofídios

são animais que raramente apresentam conduta parental (POUGH et al., 1993),

então, neste aspecto, tampouco eles mudariam seu estado comportamental por

causa da presença dos filhotes, defendendo-os de forma mais agressiva.

Na percepção dos moradores de Pedra Branca, a desova (nascimentos)

acontece entre os meses de junho a agosto. No entanto, é precisamente esta a

época de atividade reprodutiva (acasalamento), coincidindo com os meses mais frios

do ano. Já o nascimento costuma ocorrer entre os meses de dezembro a abril,

observando-se uma maior ocorrência de acidentes com cobras por volta de abril a

junho (Antônio Jorge Suzart Argôlo, com. pess., 2008). Com relação ao que os

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67

moradores entendem por “choca”, precisa-se realizar estudo mais detalhado para

clarear de forma plausível o que eles querem significar ao referirem-se a este termo.

Mesmo não tendo relação direta com a questão das ofensas, uma outra

crença que se destacou entre vários entrevistados foi a de que se uma cobra passa

pelo “pé” de determinada planta, a cobra automaticamente morre (Tabela 3),

conforme consta no seguinte exemplo: A cobra não passa pelo pé de aticum, morre

na hora. [...]. Eu nunca vi, mas já ouvi falar muito dos mais velhos. [...] E eles sempre

estão certos (Seu O., 45 anos). Curiosamente, as três etnoespécies vegetais citadas

também têm especial importância entre os remédios caseiros utilizados para tratar

picada de cobra na região; duas delas são ainda usadas para afastar as cobras,

devendo-se carregar suas sementes na “capanga” como um tipo de amuleto (ver

itens 5.2.3.1 e 5.2.3.2).

Tabela 3 - Etnoespécies vegetais citadas nas crenças relacionadas com cobras,

segundo os moradores do povoado de Pedra Branca, Santa Terezinha,Bahia.

Pista taxonômica Nomes locais Nº de citação

Bioma de ocorrência

Annonaceae Annona crassiflora Mart. Rollinia sp.

Aticum

8

Caatinga Mata Atlântica

Euphorbiaceae Joannesia princeps Vell.

Dandá

4

Mata Atlântica

Fabaceae Amburana cearensis (Fr.Allem)A.C. Smith

Amburana-de-cheiro

8

Amburana-de-cheiro

4

Caatinga

Além das cobras, foram registradas crenças sobre a ofensa causada pelo

escorpião. Apenas dois informantes acreditam que a picada do escorpião produz

íngua, ao contrário do que pensam seis deles. Três entrevistados falaram que o

escorpião “é tão bravo que morre da própria raiva”. Um total de 18 indivíduos crê

que “quando choco, na época da desova (de junho a agosto; época de São João),

está muito mais bravo e mortífero, tendo a potência do veneno aumentada”.

Antigamente, não se podia dizer que o escorpião picou na perna, braço etc. Tinha

que se falar que foi no ânus, do contrário o ofendido piorava.

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68

Destaca-se mais uma vez a questão do termo “choco” (Escorpião é choco que

mata demais. [...] Tem três meses que está muito envenenado, Seu A., 61 anos).

Parece que aqui também está associando-se à “desova”, embora este artrópode na

realidade seja vivíparo (não põe ovos) (FREITAS e SILVA, 2006). Possivelmente, o

termo choco está sendo usado no sentido de estar carregando ainda os “ovos”, ou

por apresentar cuidado com a prole.

5.2.3 Simpatias, remédios caseiros e rezas para prevenir e tratar ofensas

Com cobra tem muita simpatia e muito remédio caseiro,

porque antigamente não existia o soro. [...] Ou fazia

simpatia ou morria (Dona E., 89 anos).

Tem mais simpatia com cobra porque dá mais medo e

é a mais perigosa (Dona E., 61 anos).

No povoado de Pedra Branca, registrou-se uma grande variedade de

simpatias, remédios caseiros e rezas para tratamento e/ou prevenção de picada de

serpente, a depender também das várias crenças que envolvem a relação da

população local com este “inseto”. Também foram registrados simpatias e remédios

caseiros para tratar ofensa causada pelo escorpião, mas em menor número. Já para

os outros “insetos” da região, como aranha, lagartixa, sardão, sapo e morcego, não

foi registrado nenhum depoimento em base a qualquer tipo de prática curativa

envolvendo estes animais, como comprova o depoimento de uma moradora: Que eu

saiba nunca teve simpatia para aranha (Dona E., 89 anos).

No Brasil, a medicina popular17 é resultado de uma série de aculturações da

medicina procedente da península ibérica pela mão dos portugueses, somada a dos

escravos africanos e a dos indígenas oriundos do atual território brasileiro (ARAÚJO,

1977; FLEMING-MORAN, 1992). Neste caso, o componente religioso e místico,

associado aos valores culturais, complementaria o papel da fitoterapia e da

zooterapia (e da mineroterapia) no tratamento de acidentes reais e/ou imaginários

17Para efeitos do presente trabalho, considerar-se-á medicina popular como o conjunto de técnicas, remédios, práticas, fórmulas, palavras e gestos que o morador da região estudada lança mão para o restabelecimento da sua saúde ou prevenção de ofensas e doenças (FLEMING-MORAN, 1992; SOUTO MAIOR, 1997).

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causados por animais venenosos/peçonhentos à saúde humana (LIMA e

VASCONCELOS, 2006).

5.2.3.1 Simpatias Pode-se entender simpatia como uma forma de secularização da benzedura,

quer dizer, sua execução não vai depender de alguém especializado, sendo que

qualquer pessoa poderá executá-la (FLEMING-MORAN, 1992). Pensa-se que a

simpatia tanto cura quanto protege e/ou previne de qualquer mal, podendo ser

ensinada a qualquer momento e a qualquer pessoa (leiga).

Registrou-se um total de sete simpatias relacionadas às ofensas causadas

por cobras (Tabela 4); duas delas recomendam que se deva eliminar esses répteis.

Dos 13 entrevistados que citaram a prática de colocar uma cobra-coral

(preferencialmente viva) dentro de uma garrafa com cachaça, onze afirmaram que

têm total confiança na eficácia desta simpatia, a qual se converte em remédio

caseiro porque crêem que ao beberem o líquido, isto vai ajudar a minimizar os

efeitos de uma possível ofensa (por qualquer tipo de cobra): Se põe viva na

cachaça. Daí solta o veneno dela dentro da cachaça. [...] É remédio para qualquer

cobra (Dona E., 61 anos). Pode-se pensar na analogia quando uma pessoa toma

vacina para obter os anticorpos específicos ao combate de alguma infecção viral ou

bacteriana. No caso em questão, é como se o indivíduo ficasse “imune” à peçonha

da cobra: Teve uma mulher que bebeu e quando foi ofendida curou na hora. [...]

Agora já pode ser mordida por qualquer cobra que não vai acontecer nada de ruim

(Dona E., 69 anos). No entanto, referindo-se ao consumo de álcool, cabe dizer que

“longe de curar ou sequer facilitar a cura, pelo contrário a dificulta, porque a princípio

favorece a absorção do veneno e, mais tarde, como resultado da baixa pressão

sanguínea, retarda a reação do organismo e a eliminação do tóxico” (NOMURA,

1996, p. 37).

No caso de acidente com a cobra-de-cipó, a simpatia que se faz é a seguinte:

o ofendido precisa apressar-se em comer um pouco de terra roxa de qualquer

formigueiro, antes que a cobra que o ofendeu faça o mesmo. A diferença está em

que, desta vez, são duas as etnoespécies envolvidas: cobra-de-cipó e cobra-de-

duas-cabeças. Tratando-se desta última (provavelmente Typhlops brongersmianus),

acredita-se que a pessoa ofendida ficará cega e morrerá.

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70

Tabela 4 - Simpatias relacionadas com ofensas causadas pelas etnoespécies de cobra, segundo os depoimentos dos moradores

de Pedra Branca, Santa Terezinha, Bahia.

Nº de sujeitos que Simpatias (reunião de depoimentos)

Etnoespécie envolvida

Acreditam Não

acreditam

Autor(es) encontrado(s) que cita(m) as

simpatias

O que diz a literatura a respeito

Se a cobra ofender, tem que matar e pendurar ela para o veneno cair (pingar). Assim, o doente cura mais rápido e não dói tanto. Se ela ficar andando (mexendo-se) é pior. *

Cobras em geral

5 2 Magalhães (1969) Silva (2000)

“Afirma-se que se o indivíduo mordido por uma cobra conseguir matá-la imediatamente e a conduzir até a sua casa, pendurada de cabeça para baixo, e presa à mão pela ponta da cauda, nada sofrerá” (MAGALHÃES, 1969, p. 116).

Quando mordida, a pessoa tem que ir correndo comer terra roxa de um formigueiro. Se for a cobra quem chegar e comer antes, a pessoa vai ficar seca para sempre.

Cobra-de-cipó 8 ... ...

Quando mordida, a pessoa tem que ir correndo a comer terra roxa de um formigueiro. Se for a cobra quem chegar e comer antes, a pessoa imediatamente fica cega e morre.

Cobra-de-duas-cabeças

6 ... ...

Colocar a coral (inteira) na cachaça e tomar (como forma preventiva). No caso de a pessoa ser mordida (por qualquer cobra), os efeitos do envenenamento serão diminuídos. *

Cobra-coral 11 2 ... ...

A cobra não morde mulher grávida (contradição com a crença). Se você fala (três vezes) o nome de alguma mulher que esteja grávida, então a cobra fica quieta esperando. A mulher grávida consegue controlar a cobra.

Cobras em geral

3 ... ...

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71

(Cont.)

Nº de sujeitos que Simpatias (reunião de depoimentos)

Etnoespécie envolvida

Acreditam Não

acreditam

Autor(es) encontrado(s) que cita(m) as

simpatias

O que diz a literatura a respeito

Se uma mulher grávida dá um nó na saia dela, a cobra fica quieta e não morde.

Cobras em geral

6 Silva (2000)

A mulher vê uma cobra e amarra, dá um nó na saia e fala: teje presa por ordem de Sr. São Bento. Teje presa malvada! Teje presa por ordem do Sr. São Bento. É um arraso. Ela fica parada e aí é só pegar a vara para matar (depoimento obtido por Silva (2000, p. 78) na região de Barreiras, BA). “Dizer que amarrar a barra da anágua ou da saia, faz a cobra ficar parada tem possibilidade de (como que) se confirmar pois, se for uma cobra peçonhenta e se ela estiver parada, ela continuará parada, pois pressente o perigo e fica quieta ou para passar desapercebida ou para o bote se necessário; as não peçonhentas e peçonhentas que estiverem termoregulando também não sairão do lugar, a não ser quando bastante molestadas” (SILVA, 2000, p. 78-79).

Carregar diferentes objetos para afastar cobra (ver Tabela 6).

Cobras em geral

27 7 Lenko (1967) Nomura (1996)

“Penduro no pescoço [o guizo] dentro de um saquinho ou simplesmente carregado no bolso, é poderoso protetor, como dizem contra as cobras” (LENKO, 1967, p. 99-100). Obs.: No presente estudo não se registrou o guizo da cascavel como objeto que se carregue para afastar cobra.

* Simpatias que envolvem a eliminação direta (morte) da serpente.

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72

A simpatia mais citada (n=34) e ainda bastante difundida na região consiste

em carregar objetos de origem vegetal, animal e mineral na capanga como amuletos

para afastar cobra (Tabela 5), principalmente quando se adentra, à noite, na mata.

Dos indivíduos entrevistados, 27 afirmaram acreditar plenamente na ação

repelente/protetora desses amuletos; para alguns, continua sendo uma prática diária

levada a cabo, sobretudo, pelos homens (fazendeiros, caçadores etc.):

Meu pai andava pelo mato com dandá, castanha e um dente de alho dentro

do bolso. [...] Afastava tudo quanto era cobra (Dona E., 69 anos).

O pessoal mais velho carregava [referindo-se ao rosalgar]. Agora já não se

acha. [...] Afasta cobra. [...] Eu carrego ainda (Seu J., 40 anos).

Tabela 5 - Objetos que os moradores da região da Serra da Jibóia carregam consigo

para afastar as cobras.

Pista taxonômica Nomes locais Nº de citação Parte usada

VEGETAL

Anacardiaceae Anacardium occidentale L.

Castanha-de-caju

4

Semente

Annonaceae Annona crassiflora Mart. Rollinia sp.

Aticum

7

Semente

Fabaceae Bowdichia sp.

Sucupira

4

Semente

Euphorbiaceae Joannesia princeps Vell.

Dandá

6

Semente

ANIMAIS (aves e serpentes)

Tinamidae (ave) Tinamus solitarius

Macuca

15

Cabeça

Tinamidae (ave) Crypturellus noctivagus zabele

Zabelê

11

Cabeça

Viperidae Cobras venenosas

...

3

Pedra-da-cobra (fel?)

MINERAL

Bissulfureto de arsênico Rosalgar/Rozalgar 29 Pedrinha

OUTROS

Botão-de-barguilha 1 Calça de homem

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73

Tendo sido citado por 29 sujeitos, o objeto de maior destaque é o “rosalgar” ou

“rozalgar”, antes muito utilizado na região e agora em desuso, estando hoje,

aparentemente, totalmente proibida sua venda, mas ainda encontrado (Figura 7).

Acredita-se que seja, na verdade, bissulfureto de arsênico (NOMURA, 1996), sendo

que sua função original, como foi dito por 17 entrevistados, era como formicida,

colocando-se, sob forma de pó, nas folhas de mandioca e nos buracos dos

formigueiros da formiga-de-mandioca, como comprova o seguinte relato: Era pra

combater formiga na roça. Ralava, botava na água e colocava na folha de mandioca

e colocava no buraco do formigueiro (Seu C., 69 anos).

Figura 7 - “Rosalgar”: objeto usado localmente para afastar as cobras. Fonte: Dídac

Santos Fita (2006).

Durante as entrevistas, quando falavam sobre este produto, os sujeitos

faziam-no em tom algo reverencial, como se fosse uma panacéia para afastar e

combater as cobras. Tratado também de “veneno”, muito mais potente e perigoso

que o da cobra:

No lugar onde tiver a pedra a cobra não encosta, porque o veneno da pedra é

maior do que ela. [...] Só funciona com cobra (Seu T., 39 anos).

Se estiver no bolso pode passar perto delas, sai todo. [...] Mas tem um

problema. Se a cobra conseguir ofender você, o veneno da pedra vai

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multiplicar o veneno da cobra. Ainda vai ser pior você escapar (Seu M., 40

anos).

Você está com a pedra na capanga. A cobra quieta em um canto. [...] pouco

depois começa a mexer-se e se afasta rápido (Dona P., 65 anos).

Achei uma bolsa que tinha pedra rosalgar. [...] Fomos trabalhar num matagal

cheio de cobra e não achamos nenhuma. [...] Todas saíram fugindo da pedra

(Seu L., 64 anos).

A pessoa não pode dizer que tem a pedra, porque senão quebra a simpatia

(Dona G., 55 anos).

Ainda sobre este produto, dez entrevistados falaram que, antigamente, os

fazendeiros colocavam um pedacinho em três das quatro esquinas dos seus

terrenos. Daí todas as cobras, nesse instante, fugiam pelo canto que não tinha

pedrinha: Os fazendeiros colocavam em três cantos. [...] Daí elas saiam pelo outro

(Seu N., 56 anos).

Dos objetos de origem animal, destacam-se as etnoespécies macuca

(Tinamus solitarius) e zabelê (Crypturellus noctivagus zabele), utilizando-se a

cabeça destas duas aves da família Tinamidae como “repelente” de cobra: O zabelê

é maior do que uma perdiz. [...] Põe a cabeça numa capanga e leva no bolso. [...]

Serve para afastar cobra (Seu F., 44 anos); A cabeça da macuca é boa para afastar

cobra (Dona E., 69 anos).

Quanto às simpatias para aliviar os efeitos da picada do escorpião, foram

registradas três:

Quando picar, tem que se sair na rua e gritar três vezes: ‘O escorpião mordeu

o cu de (dizer nome do ofendido)’. Daí o efeito do veneno não é tão forte

porque diminui a sua força (Dona L., 63 anos).

Se picar, a pessoa ofendida tem que subir numa árvore de maior altura do

que ela. Se a árvore for de altura menor, daí dói ainda mais (Dona E., 88

anos).

Pra dor diminuir, o ofendido precisa enterrar parte do seu corpo (onde tiver

sido a picada) no chão (terra) (Seu T., 59 anos).

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75

5.2.3.2 Remédios caseiros

A lista de remédios caseiros para tratar picada de cobra é extensa e

diversificada, com matérias-primas de origem vegetal, animal e mineral (Tabela 6).

Com exceção de alguns casos para prevenção (p.ex., coral na cachaça), a grande

maioria dos remédios é recomendada para tratar picada de cobra. Importante

salientar que, do mesmo modo que no caso das simpatias e das rezas, o fato de a

pessoa acreditar no poder preventivo e/ou curativo de algumas destas práticas e

objetos “medicinais” não implica que fará uso dos mesmos, sobretudo agora que

existe um maior acesso ao soro antiofídico. Alguns destes remédios caseiros

resultam inócuos, enquanto outros podem agravar ainda mais as condições de

saúde do ofendido, mesmo que este esteja convencido do poder curativo dos

remédios.

Tabela 6 - Recursos vegetais, animais e minerais recomendados e/ou utilizados

visando prevenir ou tratar picada de cobra, segundo os moradores do povoado de

Pedra Branca, Santa Terezinha, Bahia.

Pista taxonômica

Nomes locais

Nº de citação

Parte usada

Modo de emprego

VEGETAL Alliaceae Allium cepa L.

Cebola-roxa

6

Cortada pela metade

Em cima da ferida (puxa o veneno)

Alliaceae Allium sativum L.

Alho

5

Dente

Em cima da ferida (puxa o veneno); chupar e cuspir.

Anacardiaceae Anacardium occidentale L.

Cajueiro

12

Óleo da semente

Em cima da ferida (puxa o veneno)

Annonaceae Annona crassiflora Mart. Rollinia sp.

Aticum

19

Semente

Chá

Fabaceae Mucuna urens D.C.

Mucunã

5

Semente

Chá

Fabaceae Amburana cearensis (Fr.Allem) A.C. Smith

Amburana-de-cheiro

8

Semente

Chá

Amaryllidaceae Zephiranthes sp. (?)

Batatinha-de-teiú

5

...

...

Euphorbiaceae Joannesia princeps Vell.

Dandá

10

Semente

Chá; raspado na cachaça.

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(Cont.) Pista taxonômica

Nomes locais

Nº de citação

Parte usada

Modo de emprego

MINERAL Bissulfureto de arsênico Rosalgar 8 Pedrinha Amarrar dentro de

um pano e colocar em cima da ferida.

Gasolina/ Querosene

8 Líquido Colocar em cima da ferida.

Pólvora 4 Chá

Terra do formigueiro

8 Terra ao redor do formigueiro

Comer

Constata-se a repetição (e maior número de citação) de três etnoespécies

vegetais – aticum (Annona crassiflora Mart), dandá (Joannesia princeps Vell.) e

amburana-de-cheiro (Amburana cearensis), as quais, segundo a crença local,

qualquer cobra que passe perto delas automaticamente morrerá. As duas primeiras,

junto com o cajueiro (Anacardium occidentale L.), também formam parte da lista dos

vegetais cujas sementes são utilizadas para afastar cobras:

A cobra não passa pelo pé de aticum. Morre na hora. É na caatinga. Contam

que alguém fez comprovação e foi verdade. [...] Os caçadores levam no bolso

Arecaceae Euterpe edulis Mart.

Juçara

7

...

...

ANIMAL Tinamidae (ave) Tinamus solitarius

Macuca

5

Cabeça

Torrar e tomar em forma de chá; amarrar na ferida.

Elapidae; Colubridae Corais verdadeira e falsa Micrurus sp.; Oxyrhopus sp.

Cobra-coral

13

Inteira

Colocar dentro da garrafa de cachaça para beber

Viperidae Crotalus durissus cascavella

Cascavel

9

Chocallo

Torrar e tomar em forma de chá.

Viperidae (?) Cobras venenosas

...

14

Pedra-da-cobra (fel?)

Raspar e tomar em forma de chá; amarrar na ferida.

7 Urina Em cima da ferida. Homo sapiens

Ser humano

14 Fezes Tomar em forma de chá.

Gallus gallus Galinha 6 Ovo Comer cru.

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pra cobra não morder e ficar afastada. [...] O caroço serve como remédio

também. Se morder, pode tomar o caroço na água (Dona E., 88 anos).

É uma raiz. Cobra, se passá pelo pé de dandá, morre. [...] Raspa, lava, pisa e

faz chá, ou junto à pinga. Dizem que quem toma do caroço a cobra não mata

(Dona E., 69 anos).

Botou o óleo da castanha na minha ferida depois da cobra me morder na mão

e fez reza. [...] Não sei se foi porque ele puxou, mas o veneno saiu. [...]

Comentou que era pra eu levar também o caroço quando eu for no mato, que

daí nenhuma cobra ia encostar em mim (Seu. N, 56 anos).

Uma outra etnoespécie vegetal que merece destaque é a batatinha-de-teiú

(Zephiranthes sp.(?)). Cinco entrevistados explicaram que o teiú (Tupinambis

merianae, Teiidae) costuma brigar com cobras peçonhentas, enfrentando-as e, às

vezes, matando-as. Se acidentalmente acaba picado por uma destas, o lagarto sai

imediatamente em busca da batatinha, neutralizando assim a ação da peçonha,

como comprova o seguinte depoimento: Quando era mordido, ia rápido a comer a

batatinha e voltava para dominar a cobra [...] (Seu J., 40 anos). No entanto, os

entrevistados não comentaram sobre o modo de preparo, consumo e/ou aplicação

desta raiz para melhorar as condições da vítima.

No Brasil, várias plantas (raízes) consumidas por teiídeos são popularmente

reconhecidas como possuidoras de virtudes antiofídicas (NOMURA, 1996;

MARQUES, 1999). Campos, E. (1967, p. 30), por exemplo, refere-se a uma

informação que diz que “a raiz do teú é um remédio aprovado contra o veneno de

cobra”. Por sua vez, Magalhães (1969, p. 122) registrou que, entre os sertanejos, o

teiú “entra em luta renhida contra as cobras venenosas [...]. Quando sucede, porém,

ser picado por uma delas, desprega-se da pugna e flecha-se para um pé de batatão,

de cuja batata come um naco, voltando à liça curado e imunizado”.

Como recursos zooterapêuticos, mencionar dois exemplos: a cabeça da

macuca (Tinamus solitarius), devendo-se torrá-la, macerá-la e preparar um chá com

o pó resultante; ou amarrando-a diretamente sobre a ferida (Secava e guardava [a

cabeça], e quando precisar era tirar um pedaço, moer e tomar o chá. [...] Do zabelê

não, Dona I., 60 anos); e o chocalho da cascavel (Crotalus durissus cascavella),

citado por nove entrevistados e também bebido em forma de chá pelo ofendido. De

fato, na “terapêutica rústica é muito divulgado o uso do guizo nos casos de picadas

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de cobras. Acham que ele é especialmente eficaz quando se trata da picada

provocada pela cascavel e ainda produz mais efeito se o guizo usado no tratamento

provier do mesmo indivíduo que causou este acidente” (LENKO, 1967, p. 99-100).

Dois casos de excretoterapia (excreções humanas) também foram

registrados, ora a urina em cima da ferida, ora o consumo das próprias fezes por

parte do ofendido; ambos os casos como paliativo antes de tomar o “remédio certo”:

Até água com fezes tomavam, pra agüentar a dor e chegar em casa, onde tomavam

outros remédios melhores [...]. Aticum, rosalgar no lugar da ferida para puxar o

veneno, castanha [...]” (Dona E., 61 anos). No Estado de Alagoas, recomenda-se

“[...] comer fezes em caso de mordedura de cobra [...]. Dissolver fezes humanas e

coar. Beber [...]” (LAGES FILHO, 1934 apud NOMURA, 1996, p. 40). Certas práticas

e remédios caseiros populares podem causar, ainda, maior risco à saúde do

indivíduo picado por cobra (ou qualquer outra animal), como é o caso citado por oito

entrevistados da aplicação de gasolina/querosene em cima da ferida, se bem que

não seja diretamente tão prejudicial quanto sua ingestão.

Segundo 14 dos entrevistados, toda cobra venenosa (que costuma habitar no

chão) que for encontrada em cima de um galho possui a chamada pedra-da-cobra

dentro de seu estômago. Este material de origem orgânica é utilizado para tratar

picada de cobra. No entanto, parece que tal uso é muito difícil porque, segundo os

entrevistados, muito raramente encontra-se uma serpente venenosa do chão

dormindo em um galho. Os dois modos de emprego desta pedra-de-cobra são:

amarrá-la inteira sobre a ferida, pois se crê que ela vai puxar (atrair) o veneno para

fora do corpo; ou raspando-se um pouco e tomando-o como chá. Para isso, a pedra-

da-cobra parece já vir com um buraquinho no centro, o qual indicaria a medida exata

a ser raspada e acrescentada na água para preparar o chá e dar para a vítima

beber:

Um velho há muito tempo contava que as cobras de presa que fazem o

ninho no bagaço da árvore, encima da rama, pode abrir a barriga que

encontra a pedra. [...] Toma na água e é o remédio para curar da mordida.

Guardavam ela (Seu E., 67 anos).

Tem que raspar pra fazer remédio e beber água. [...] E no meio tem o

buraquinho, que é a medida correta (Seu O., 38 anos).

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79

Amarra na ferida a pedra e o veneno não circula e acaba saindo do corpo. [...]

A pedra tem que ser inteira, não serve em pedaços (Dona L., +85 anos).

Segundo Pessoa et al. (2002), a pedra-da-cobra equivaleria a um bezoário

(=fel)18 que se encontra, na verdade, na cabeça de algumas serpentes, e não dentro

do trato intestinal destas. O uso deste recurso orgânico como antiofídico é

historicamente antigo e geograficamente disseminado, como registra o relato abaixo:

“Usa-se na Índia uma pedra que se diz encontrar na cabeça de algumas cobras [...]. Aplica-se sobre a ferida a que adere sem que seja necessário segurá-la, e quando se acha embebida de tanto veneno quanto possa conter, cai por si. Põem-na, então, dentro do leite onde descarrega o que suga, e continua-se assim a aplicá-la, até que não adira mais por si, o que indica não haver mais perigo” (trecho extraído do trabalho de Gabriel Dellon (1685), médico e viajante francês que esteve nas Índias) (apud MAGALHÃES, 1969, p. 120).

Quanto à picada do escorpião, os remédios caseiros citados pelos

entrevistados encontram-se na Tabela 7. São remédios preparados à base de

matérias-primas vegetais, animais e minerais.

Destaca-se aqui a utilização do fato (vísceras) do próprio escorpião como

remédio caseiro para sua picada. Como visto na Tabela, a aplicação de cebola-roxa

(para posteriormente chupar e cuspir o veneno) e de gasolina em cima da ferida

tiveram um maior número de citações por parte dos entrevistados, enquanto o

aticum tem sido a etnoespécie mais empregada para em diversas ocasiões

envolvendo acidentes com animais peçonhentos em Pedra Branca.

Os depoimentos abaixo evidenciam que estes aracnídeos são, atualmente,

um dos principais problemas socioambientais e de saúde pública na região:

Cobra e lacraia diminuiu e apareceu outros insetos: escorpião, aranha [...].

Agora tem medo de escorpião, porque tem até dentro de casa [...] (Seu E., 67

anos).

Escorpião não era tão conhecido como a cobra. A gente já nasceu com as

cobras (Dona V., 59 anos).

18Para um maior esclarecimento sobre esta questão pode-se consultar Pessoa et al. (2002).

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Tabela 7 - Recursos vegetais, animais e minerais recomendados e/ou utilizados

visando prevenir ou tratar ferroada de escorpião, segundo os moradores do povoado

de Pedra Branca, Santa Terezinha, Bahia.

Pista taxonômica

Nomes locais Nº de citação

Parte usada Modo de emprego

VEGETAL Alliaceae Allium cepa L.

Cebola-roxa

10

Cortada pela metade

Em cima da ferida (puxa o veneno); chupar e cuspir.

Alliaceae Allium sativum L.

Alho

3

Dente

Em cima da ferida (puxa o veneno); chupar e cuspir.

Anacardiaceae Anacardium occidentale L.

Castanha-de-caju

2

Óleo da semente

Em cima da ferida (puxa o veneno).

Annonaceae Annona crassiflora Mart. Rollinia sp.

Aticum

5

Semente

Torrar e tomar em forma de chá.

...

Mandioca-salangozinha

7

...

Raspar e colocar em cima da ferida.

ANIMAL Buthidae Tityus sp.

Escorpião

5

Fato (vísceras)

Colocar as vísceras do próprio animal em cima da ferida.

Homo sapiens Ser humano 3 Urina Em cima da ferida. Para aliviar a dor.

Gallus gallus Galinha 3 Ovo Ingerir cru. Tomar três para abaixar a dor.

MINERAL Gasolina/

querosene 11 Líquido Em cima da ferida.

Para aliviar a dor.

5.2.3.3 Rezas

No povoado de Pedra Branca, apenas duas entrevistadas citaram (duas)

rezas para espantar ou afastar as cobras, sendo que não parece existir nenhuma

outra oração para os demais tipos de “insetos”. Estas são:

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Pai, filho e Espírito Santo Senhor São Bento, água benta. Água benta do altar, Jesus Cristo no altar. Cobra má, arreda do caminho Todo bicho peçonhento, Que é a hora de eu passar. Arrede que eu quero passar. (Dona E., 61 anos) (Dona N., 77 anos)

Na tradição oral do povo brasileiro, registra-se o recurso de intervenções

mágico-religiosas na prevenção contra animais peçonhentos, especialmente com

serpentes. Observa-se que as orações, proferidas em determinado lugar e sempre

dirigidas a São Bento, o protetor contra cobras, são apresentadas quase com as

mesmas palavras em outras localidades, o que leva a encontrar apenas alterações

de vocábulos ou acréscimo de frases (CAMPOS, E., 1967). Por exemplo, Teixeira

(1954 apud NOMURA, 1996, p. 27) registrou a seguinte oração para afastar

serpentes: “São Bento, água benta. Jesus Cristo no altar; arreda cobra, arreda

bicho. Deixa o filho de Deus passar”. Ou ainda, no Estado do Ceará: “São Bento,

água benta, Jesus Cristo no altar; arredai todo bicho feroz que estive no meio do

caminho, que eu quero passar” (GOUVEIA, 1926 apud NOMURA, 1996, p. 28).

5.2.4 Situação atual: presença do soro e perda dos saberes e práticas

culturais locais

Hoje em dia, parece já não existir mais restrições lingüísticas nem de

visitação ao ofendido por cobra, sendo que o período de resguardo também

desapareceu. Não se presta mais atenção a todas estas coisas, devido,

basicamente, à disponibilidade e maior facilidade em obter soro antiofídico no

pronto-socorro de Santa Terezinha e no hospital de Castro Alves, como se

exemplificam nos depoimentos abaixo:

Agora que existe o soro ninguém liga pra isso [...]. Agora já pode falar que foi

mordido (Dona L., 63 anos).

Agora tem soro, não precisa resguardo (Dona E., 61 anos).

Mas não tinha como não acontecer isso. Não tinha medicação nenhuma. Só

chá caseiro, aquelas simpatias [...]. Agora não, já tem o soro [...]. Eu nunca vi,

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mas tem gente mais velha do que eu que já viu e não iam visitar (R., 29

anos).

Com o decorrer do tempo, o uso de remédios caseiros, simpatias, rezas etc.

para prevenir ou tratar ofensa por serpentes e escorpiões parece ter declinado.

Antigamente, para o povo da roça e/ou que morava em regiões afastadas e isoladas,

o acesso a uma consulta médica ou a um centro de saúde oficial para tratamento e

prevenção de suas mazelas era algo irrealizável, quando percorriam longas

distâncias sem contar com vias de comunicação (estradas pavimentadas) e meios

de transporte (motorizados) que facilitassem este percurso. Os próprios

entrevistados (n=31) argumentaram que a chegada e disponibilidade do soro

antiofídico, junto à diminuição das populações de ofídios presentes na região

(principalmente devido ao desmatamento para pastagem e pela construção da

estrada de chão que leva ao topo da Serra da Jibóia), têm levado ao desuso (e

desvalorização) das práticas médicas locais, que outrora eram a única opção

possível de intento de cura. Os depoimentos abaixo demonstram a importância dos

remédios caseiros, das simpatias e das rezas que existiam para prevenir ou tratar

picada de serpente, bem como evidenciam as mudanças culturais acontecidas:

Tinha mais simpatias com cobra porque tinha mais, era mais antigo, e porque

eram as mais perigosas [...]. Não tinha médicos. Tinha muita variação de

remédio caseiro. Agora só soro [...]. Cobra matava muito. Agora já nem mata

mais (Dona N., 57 anos).

Antes, faziam muito remédio caseiro. Agora não faz mais porque o povo vai

logo ao posto médico e acham que remédio caseiro não presta [...]. Antes

funcionava, agora não (Dona E., 61 anos).

Era remédio caseiro ou nada. Tinha que confiar porque não tinha soro (Seu

A., 54 anos).

Agora é muito difícil ver cobra, mesmo no mato, depois de que apareceu tanta

queimada (Seu E., 67 anos).

Adicionalmente, as novas gerações estão perdendo o interesse em aprender

sobre estas práticas culturais devido às mudanças socioculturais e socioeconômicas

dos últimos tempos. Prevalece, entre os adultos da comunidade, um sentimento de

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queixa e de pessimismo a respeito desta perda, como se observa nos trechos

abaixo:

Meu filho aprende alguma coisa de simpatias e de remédios e estórias

porque fica curioso escutando aos mais velhos [...]. Os outros nem

ligam. Não sabem nem entendem nada. Têm interesse já em outras

coisas (Seu F., 44 anos).

Os jovens de agora já não sabem de nada, nem que seja curiosidade das

simpatias, remédios caseiros [...]. Nem sabem o que é um aticum, batatinha-

de-teiú [...] (Seu J., 40 anos).

A maioria dos filhos de agora só querem saber de faculdade, coisas

modernas [...] que não era coisas daquele tempo [...]. As pessoas agora só

pensam em festa (Lil, 28 anos).

Naquele tempo, os pais da gente ensinavam tudo o que era bom (Dona E.,

69 anos).

Esta juventude praticamente já não sabe de nada. Eu já ouvi falar e sei de

alguma coisa, mas comparado com os mais velhos sei muito pouco (Seu A.,

54 anos).

5.3 Atitudes Culturalmente Construídas sobre o Etnotáxon “Inseto”:

Implicações na Conservação e o Papel da Educação Ambiental

5.3.1 Representação afetiva e conservação da biodiversidade local

Como já assinalado ao longo do texto, os moradores do povoado de Pedra

Branca e comunidades circunvizinhas demonstram ter reações afetivo-emocionais

que vão desde a indiferença até a repulsa com relação aos animais percebidos

como “insetos”. Mesmo tendo sido registrados diversos aspectos da interação seres

humanos/“insetos” que denotam certa ambigüidade (a depender da etnoespécie em

questão), o comportamento (atitude) predominante é bastante mais negativo; às

vezes, extremo, como reações biofóbicas. Esta imprecisão é ainda ressaltada

quando se leva em conta as ofensas (reais ou imaginárias) atribuídas a estes

animais, como os vários depoimentos abaixo evidenciam:

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Tudo é ruim. Todo inseto é ruim! (Seu A., 79 anos).

Não todos os insetos são ruins. É em função de se ofendem ou não (Seu A.,

54 anos).

Deus deixou coisa boa e coisa ruim [...]. Mas não era pra deixar os insetos,

porque só ofendem a gente (Seu O., 45 anos).

Acho que os insetos foram criados pra ofender (Seu E., 57 anos).

Não todos os insetos ofendem (Dona V., 59 anos).

Tem uma parte que eu gosto deles, admiro muito [...], mas a maioria deles

são venenosos, traiçoeiros (G., 15 anos).

Se Deus deixou eles existir, com certeza são importantes [...]. Também pra

natureza (Seu N., 45 anos).

Se prejudica a pessoa não pode ser importante (Seu D., 80 anos).

Insetos têm utilidade pra gente. Do inseto se tira remédio [...]. Também é útil

pra outros insetos (Seu J., 40 anos).

Só ofendem quando a gente machuca eles (Seu E., 67 anos).

Não precisa bulir escorpião ou cobra pra eles morder (Dona N., 57 anos).

Esta visão negativa, reforçada em parte pelo próprio uso e significância do

termo “inseto” para qualificar os animais incluídos nesta categoria semântica,

freqüentemente comporta uma atitude (ação) direcionada à eliminação desses

animais. Entre os sujeitos entrevistados, vários depoimentos deixam evidente um

pensamento não conservacionista:

Pra mim não são importantes [...]. Eles deveriam ser extintos (E., 26 anos).

Insetos que ofendem têm que matar direito [...], é obrigado pra se defender

(Seu W., 41 anos).

Os insetos que representam um perigo, o povo mata logo (F., 25 anos).

Considerando os animais que são classificados no domínio semântico

“inseto”, quatro grupos genéricos constantemente são eliminados pelos moradores

da região estudada: aranhas, como a caranguejeira, escorpiões, morcegos e,

principalmente, cobras (Figura 8). Com estas últimas, comumente manifesta-se uma

necessidade (e vontade) expressa de matá-las:

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O que não presta não se deixa no mundo. Lá na mata deixo quieta [a cobra],

mas se poder mato [...]. Mas perto de casa mato logo (Seu O., 32 anos).

Cobra tem que matar rápido [...]. Só se não tiver jeito mesmo (Seu F., 44

anos).

Figura 8 - Resultado típico do encontro entre os moradores da Serra da Jibóia e as

cobras. Fonte: Dídac Santos Fita (2006).

As cobras e os escorpiões são os “insetos” mais freqüentemente eliminados

porque são considerados potencialmente mais perigosos e nocivos à saúde

humana, despertando atitudes de odiosidade, aversão e medo. Saliente-se,

inclusive, que para as serpentes foram registradas crenças e práticas (simpatias)

locais associadas à questão da ofensa, algumas das quais incitam de forma clara e

direta a eliminação desses répteis. No caso da aranha (caranguejeira) e do

morcego, o principal motivo parece dever-se mais à sua aparência (morfologia)

“estranha”, causando reações de repugnância e desconforto nos indivíduos.

Por outro lado, sapo e sardão são tratados pela população local com certa

indiferença, com a conseqüência de que não existe uma vontade em eliminá-los, até

mesmo porque para os moradores tampouco estes etnotáxons supõem um perigo

iminente: eles ofendem, mas nunca mordendo e nem levando a pessoa a ficar com

seqüelas ou ao falecimento. Vale lembrar que o sapo e o sardão podem ofender

pelo seu “leite” e fezes, respectivamente, mas ao mesmo tempo são considerados

“bons” porque se alimentam de outros “insetos”. O caso da lagartixa é semelhante,

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embora já não seja considerada uma etnoespécie que ofenda (= não “venenosa”),

mesmo que possa morder.

O único exemplo reconhecido de atitude etnoconservacionista na região da

Serra da Jibóia envolvendo algum tipo de “inseto” é o da cobra papa-pinto

(Drymarchon corais). Devido ao hábito alimentar de predar cobras, inclusive

peçonhentas (ofidiofagia), além de rãs, lagartos, aves e pequenos mamíferos

(FREITAS e SILVA, 2007), os lavradores e fazendeiros gostam e “protegem” esta

etnoespécie porque ela “limpa” o terreno: O papa-pinto come outras cobras. [...] Os

fazendeiros gostam dela (Seu E., 67 anos).

Relacionado à questão das ofensas causadas por serpente, determinadas

crenças locais (p.ex., carregar objetos como amuleto para afastar cobra) e a

utilização de várias matérias-primas como remédio caseiro, também fomentam a

eliminação de etnoespécies (animais) selecionadas para tais propósitos, o que pode

comprometer os seus respectivos estados de conservação. Neste sentido, merece

especial atenção o uso das aves macuca (Tinamus solitarius) e zabelê (Crypturellus

noctivagus zabele). Estudos zoológicos mais focalizados sobre a ocorrência destas

duas espécies precisariam ser realizados para diagnosticar se a prática local de

utilizar a cabeça como amuleto, visando afastar cobras (peçonhentas), tem ou já

teve de fato alguma incidência nas densidades populacionais destas aves na região

da Serra da Jibóia.

5.3.2 Educação ambiental como ferramenta de transformação afetivo-

emocional: repercussões na percepção e no comportamento

Um dos fatores de maior destaque na hora de direcionar qualquer ação

(positiva ou negativa) com os animais (não só com os “insetos”) se refere ao

sentimento de medo, o qual parece estar relacionado com a sensibilidade ao nojo,

especificamente com aqueles animais que normalmente são considerados como

provocadores de aversão, desdém e repulsa. Deixando de lado os casos clínicos

sobre zoofobias, o medo que os indivíduos sentem por determinados animais (p.ex.

barata, lesma, caracol, aranha, escorpião, lagartixa, serpente, morcego, rato etc.)

acha-se diretamente relacionado ao grau de nojo experimentado com esses animais

e parece transmitir-se entre gerações (MATCHETT e DAVEY, 1991). Em outras

palavras, animais que despertam medo e/ou verdadeiras fobias são aqueles que,

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direta ou indiretamente, estão associados com a expansão de doenças e infecções,

possuem características que lembram estímulos primários que levam ao nojo, como

gosma, muco e fezes, e possivelmente estão relacionados com sujeira, doença ou

contágio, ou agem como sinais para isso (ANGYAL, 1941; ROZIN e FALLON, 1987;

WARE et al., 1994). Muito provavelmente, o benefício adaptativo da resposta de

desgosto, que é entendida como uma resposta de rejeição alimentar (contaminação

oral), de afastamento do objeto ofensivo ou sua eliminação, bem como da

sensibilidade ao nojo, seria a prevenção de uma possível transmissão de alguma

doença (real ou imaginária) pelo animal em questão (DAVEY, 1993).

Todas as comunidades humanas expressam sensação de nojo e,

conseqüentemente, de medo, mas essa sensibilidade varia enormemente entre e

dentre as culturas (ROZIN et al., 1984). De fato, a empatia tem suas limitações

quando o indivíduo é circunscrito por questões culturais (GREENE, 1995).

Provavelmente, o medo a animais é transmitido entre familiares como resultado de

uma aprendizagem sociocultural dos sentimentos de repugnância. Como Lauck

(2002) demonstra, ensinar nojo ou medo freqüentemente não só impede que a

criança explore a conexão com os animais mais adiante, como também favorece a

criação de um vínculo afetivo e comportamental claramente negativo para com

esses animais, mesmo sendo inofensivos e que não provoquem nenhum dano real.

Pesquisas confirmam que o apoio popular para os esforços de conservação

da biodiversidade freqüentemente depende da atratividade da espécie considerada

e dos fatores emocionais envolvidos (DRISCOLL, 1995). Neste sentido, propor uma

alternativa educacional válida passa por um registro prévio e compreensão das

razões socioculturais que possam explicam esta ampla, e muito arraigada

popularmente, visão negativa que os seres humanos demonstram pelos “insetos” (e

mesmo outros grupos animais), os quais comumente são incompreendidos, odiados

e mesmo eliminados. No entanto, não se deve nem desacreditar nem desvalorizar o

senso comum tanto nas questões relacionadas às práticas médicas populares

(simpatias, remédios caseiros, rezas etc.) quanto no conhecimento sobre os animais

(etnozoologia). No povoado de Pedra Branca, inclusive, é a própria população que,

mesmo de forma inconsciente, já dispõe de certas “ferramentas” apropriadas para

começar a gerar debate e conscientização sobre os sentimentos e atitudes de

aversão (sobretudo com serpentes), a fim de reverter o quadro de sacrifício

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indiscriminado. É o exemplo da estória contada por 15 entrevistados sobre a

cascavel e a lagartixa, segundo a qual Quem mata é o medo, não o veneno!

“Um dia estavam a cascavel e a lagartixa conversando. Elas

discutiam sobre o que mata as pessoas, se o veneno (dor) ou o

medo. A cascavel dizia que era o seu veneno e a lagartixa dizia

que na verdade era o medo que matava.

Elas decidiram fazer uma prova para conferir. Foram as duas

para um caminho e se esconderam. Quando passou uma pessoa,

a cascavel saiu, mordeu e se escondeu novamente. Nesse

momento apareceu a lagartixa. A pessoa, ao ver a lagartixa,

achou que não tinha sido nada de grave e foi embora. Nem caiu e

nem morreu. Depois, quem mordeu foi a lagartixa e se escondeu,

aparecendo a cascavel. A pessoa, ao ver a cobra, do medo que

teve na hora, caiu e morreu.

A lagartixa então afirmou triunfante: ‘Viu como é o medo quem

mata!’” (Dona L., 63 anos).

O exemplo da estória acima evidencia claramente a incompreensão e

preconceito (generalizado) que os seres humanos apresentam para com as

serpentes, sendo que, na realidade, são poucas as espécies que possuem peçonha

que comprometa o bem-estar físico do indivíduo ofendido. Esta estória pode ser

utilizada para ajudar a desmistificar a correspondência que as pessoas costumam

fazer entre cobra (= veneno) e ameaça (= morte), contribuindo também para

amenizar as características qualitativas (antropomórficas) que as pessoas atribuem

à cobra, como diabólica, traiçoeira, perversa, vingativa, ofensiva etc., isto é, que ela

vive apenas para causar o mal aos seres humanos.

Ainda, o tema relacionado com acidentes causados pelos animais

peçonhentos torna-se, obviamente, de interesse sanitário. Qualquer ação educativa

socioambiental que vise mitigar os efeitos deletérios do contato que os moradores

locais têm com estes animais, especialmente os escorpiões e as cobras (Figura 9),

passa também pelo fornecimento de uma saúde pública de qualidade. Neste

sentido, observou-se que no posto de saúde de Pedra Branca não existe ou não

apresenta aos moradores material informativo e didático (cartazes, panfletos etc.) a

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respeito dos animais potencialmente perigosos que ocorrem na região, bem como

sobre as medidas preventivas ou os procedimentos que devem ser seguidos no

caso de alguém ser vitimado.

Figura 9 - Efeito resultante da picada pela cobra cabo-branco (filhote de Bothrops

leucurus). Fonte: Dídac Santos Fita (2006).

Por esta razão, acredita-se que montar oficinas de conscientização e divulgar

material informativo no povoado e comunidades circunvizinhas são algumas das

atividades que poderiam ajudar aos moradores locais a terem uma atitude mais

cuidadosa (prevenção) e respeitosa em relação a estes animais, sobretudo aqueles

realmente venenosos/peçonhentos. Paralelamente, incursões educacionais

deveriam ser desenvolvidas para demonstrar a importância dos “insetos” na

manutenção e equilíbrio dos ecossistemas. Conforme salienta Silva (2000), em

relação às serpentes não basta simplesmente querer ensinar, por exemplo, que não

se deve matá-las, mas, ao contrário, acentuar as implicações dessa ação para o

ecossistema, para a imunologia da produção de soros etc. Tal prática pedagógica,

segundo a autora, deve:

“evidenciar e dar sentido à diversidade cultural no que se refere a conhecer as representações da serpente pela comunidade e as práticas populares de prevenção e tratamentos nos casos de ofidismo, para que as concepções equivocadas, errôneas originadas do senso comum, sejam analisadas na comunidade, questionadas, refletidas pelos sujeitos no que diz respeito, a validade das mesmas ao considerarem os assuntos ofídio e ofidismo” (SILVA, 2000, p. 131).

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Portando, é necessário saber articular o conjunto de saberes da população

local junto aos acadêmicos para solucionar questões socioambientais (POSEY,

2001).

Diante dos dados obtidos, a pergunta a seguir torna-se extremamente útil

para guiar as discussões sobre estudos de interação seres humanos/animais (mais

especificamente os “insetos”), sistema de classificação etnozoológica, saúde

humana, conservação da diversidade biológica e valorização do saber popular: É

mais importante saber, por exemplo, que a cobra é (ou não é) um “inseto” ou,

ao contrário, é mais importante saber que a cobra é (ou não é) peçonhenta? O

depoimento de uma moradora responde a questão: Eu mesma até falo por falar que

cobra é inseto [...]. Importante é se morde ou não. Não o nome (Dona V., 57 anos).

No entanto, no instante em que o termo lingüístico “inseto” é culturalmente

associado a todo organismo considerado feio, repugnante, transmissor de doenças,

perigoso, nocivo e, por esta razão, mais propenso a ser eliminado, então o aspecto

etnoclassificatório também passa a ter um valor agregado importante. Mesmo que

discriminem entre os dois grupos de ofídios (peçonhentos ou não), provavelmente os

indivíduos continuem a matar todas as cobras que encontrem em seu caminho

devido à percepção já arraigada de que todas as cobras são uma ameaça iminente.

Mudando-se a maneira como as cobras são percebidas, pode-se, em parte,

melhorar o comportamento (atitude) que as pessoas têm sobre estes répteis. Sendo

assim, acredita-se que seja mais importante desmistificar a noção popular conforme

todo “inseto” é “ruim”, junto com a de que toda cobra é peçonhenta.

Além disso, a ênfase dada aos sentimentos de pavor e medo evidencia, mais

uma vez, a importância em abordar os fatores emocionais envolvidos na percepção

e na relação do ser humano com os animais por meio de programas de educação

ambiental culturalmente mais eficientes e contextualizados. Acredita-se que

modificando o plano emocional, obtenha-se um melhor acesso aos planos cognitivo,

afetivo e comportamental (DRISCOLL, 1995; MATURANA, 2001). Em outras

palavras, mudando-se o referencial afetivo-emocional, a maneira como os objetos

(neste caso, os “insetos”) são percebidos, valorizados e tratados pelos sujeitos

poderia ser transformada, gerando uma convivência menos conflituosa com esses

animais. Daí a importância de compreender a formação do domínio semântico

“inseto” e as representações culturais associadas a este complexo etnotaxonómico.

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6 CONSIDERAÇÕES FINAIS

Em virtude dos objetivos propostos para a presente pesquisa, pode-se

considerar:

Os moradores do povoado de Pedra Branca e comunidades circunvizinhas

reconhecem a existência de dois domínios semânticos etnozoológicos principais:

“animal” e “inseto”. Estas duas categorias etnotaxonômicas são identificadas não

por meio de uma definição única e abrangente, mas quando os sujeitos oferecem

exemplos de organismos que são incluídos em cada um desses domínios. No

entanto, foi evidenciada certa imprecisão na delimitação taxonômica entre estes dois

domínios etnossemânticos, resultando em uma classificação etnozoológica um tanto

tênue e situacional, razão pela qual se notam ambigüidades quanto às interações

estabelecidas entre os moradores e os animais classificados como “insetos”. De fato,

parece existir uma imbricação entre os termos semânticos analisados (inseto ↔

animal), sendo que os organismos que os entrevistados categorizam como “insetos”

podem ser percebidos como animais, no sentido científico do termo, mas quase

nunca chamados (culturalmente) como tais.

O vocábulo inseto é empregado para se referir a um conjunto de animais não

sistematicamente relacionados (aranha, escorpião, sapo, lagartixa, sardão, cobra e

morcego), além dos próprios representantes da Classe Insecta, mas que, por várias

características culturalmente reconhecidas, são reunidos sob o mesmo rótulo

lingüístico; atributos antropomórficos, notadamente negativos (fealdade, sujidade,

periculosidade, nocividade e inutilidade), estão associados a estes animais.

Interessante registrar que, ao contrário dos demais “insetos”, abelhas e borboletas,

às vezes, foram citadas como exemplos de “animais” devido a critérios

antropomorficamente mais positivos, como valor utilitário para as abelhas e estético-

contemplativo para as borboletas.

Segundo o sistema de classificação etnozoológica dos moradores do povoado

de Pedra Branca, o domínio “inseto” pode ser caracterizado como um complexo

etnotaxonômico identificado e descrito com base não apenas nos aspectos

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cognitivos (caracteres morfológicos e biológicos), mas, sobretudo, nos aspectos

utilitaristas (culturais). Aparentemente, os aspectos utilitários mostram ter uma maior

influência no momento dos moradores definirem quais são os representantes de

cada domínio etnozoológico (“animal” ou “inseto”), permitindo que os sujeitos

possam ajustar-se e adaptar-se melhor a um dado contexto socioambiental.

Os termos morder, picar e ferroar são usados indistintamente para realçar o

termo ofensa. Antigamente, este termo era empregado na região da Serra da Jibóia

apenas para se referir aos acidentes com cobras (peçonhentas). Entendida como

um dano direto (real e/ou imaginário) causado por qualquer animal a uma pessoa,

chegando (ou não) a comprometer seriamente seu bem-estar fisíco e mental, a

ofensa é uma das principais características usadas na formação cognitiva do

etnotáxon “Inseto”; tem bastante relevância na hora de associar o termo “inseto” a

tudo aquilo considerado ruim, perigoso e nocivo, especialmente para a saúde

humana.

Os moradores de Pedra Branca utilizam vários remédios caseiros preparados

com matérias-primas de origem mineral, vegetal e animal, além de simpatias e

rezas, visando o tratamento e/ou prevenção das ofensas causadas pelos “insetos”;

especialmente pelas cobras e escorpiões. A disponibilidade e maior facilidade em

obter soro para tratamento de picada por animais peçonhentos parece ter provocado

o desuso e desvalorização das práticas médicas locais, que outrora eram a única

opção possível de intento de cura.

Os moradores do povoado de Pedra Branca e comunidades circunvizinhas

demonstram sentimentos que vão desde a indiferença até a repulsa com relação aos

animais percebidos como “insetos”. Mesmo tendo sido registrados diversos casos

que denotam certa ambigüidade afetivo-emocional (a depender da etnoespécie em

questão, como, por exemplo, a cobra papa-pinto), o comportamento predominante é

muito mais negativo (às vezes, extremo). Tal atitude ambígua é ainda ressaltada

quando se leva em conta as ofensas (reais ou imaginárias) atribuídas a estes

animais. Muito freqüentemente, aranhas (como a caranguejeira), escorpiões,

morcegos e, principalmente, cobras, constantemente são eliminados, enquanto que

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sapo, sardão e lagartixa são tratados com certa indiferença, com a conseqüência de

que não existe uma vontade em eliminá-los.

As cobras e os escorpiões são os “insetos” mais freqüentemente eliminados

porque são considerados potencialmente mais perigosos e nocivos à saúde

humana, despertando atitudes de ódio, aversão e medo. Saliente-se, inclusive, que

para as serpentes foram registradas crenças e práticas (simpatias) locais associadas

à questão da ofensa, algumas das quais incitam de forma clara e direta a eliminação

desses répteis.

Determinadas crenças locais (p.ex., carregar objetos como amuleto para

afastar cobra) e o uso de remédios caseiros também fomentam a supressão de

etnoespécies selecionadas para tais propósitos, o que pode comprometer o estado

de conservação dos animais, como por exemplo, os tinamídeos macuca (Tinamus

solitarius) e zabelê (Crypturellus noctivagus zabele). Estudos zoológicos mais

focalizados sobre a ocorrência dessas espécies precisariam ser realizados para

diagnosticar se a prática local de utilizar suas cabeças como amuleto tem tido

alguma incidência nas densidades populacionais presentes na região da Serra da

Jibóia.

Uma vez que fatores emocionais são essenciais em qualquer ação

conservacionista bem sucedida, um processo de aprendizagem baseado em

campanhas educativas (sobretudo com crianças) alicerçadas na afetividade poderia

levar a mudanças de atitudes (mais positivas) dos indivíduos com relação aos

“insetos”. Alterando-se o referencial afetivo-emocional, a maneira como os objetos

(neste caso, os “insetos”) são percebidos, valorizados e tratados pelos indivíduos

poderia ser transformada, gerando uma convivência menos conflituosa com esses

animais. Daí a importância de compreender melhor a formação do domínio

semântico “inseto” e as representações culturais associadas a este complexo

etnotaxonómico.

A realização de oficinas de conscientizarão e a divulgação de material

informativo no povoado e comunidades circunvizinhas devem auxiliar uma atitude

mais cuidadosa (prevenção) e respeitosa dos moradores da região em relação aos

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“insetos”, a fim de evitar e/ou minimizar os acidentes com estes animais.

Paralelamente, incursões educacionais deveriam ser desenvolvidas para demonstrar

a importância dos “insetos” na manutenção e equilíbrio dos ecossistemas.

As informações etnozoológicas com relação aos danos causados pelos

“insetos” e outros animais potencialmente perigosos deverão retornar à comunidade

na forma de textos didático-científicos, escritos em uma linguagem clara e

acompanhados de ilustrações, apresentando medidas que devem ser seguidas em

casos de acidentes com estes animais.

Os conhecimentos etnozoológicos, os costumes e as práticas populares dos

moradores da região da Serra da Jibóia traduzem-se em um recurso cultural valioso

que deve ser considerado nas discussões sobre saúde pública, saneamento básico

e práticas de medicina tradicional, bem como em estudos de inventário e

conservação da diversidade biológica local.

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TOMASONI, M. A. ; DIAS, S. Lágrimas da Serra: Os Impactos das Atividades Agropecuárias sobre o Geossistema da Apa Municipal da Serra da Jibóia, no Município de Elísio Medrado - BA. In: SIMPÓSIO NACIONAL DE GEOGRAFIA FÍSICA APLICADA, 10., 2003, Rio de Janeiro. Anais... Rio de Janeiro: Editora da UFRJ, 2003, v. 1. TURBAY, S. Aproximaciones a los estudios antropológicos sobre la relación entre el ser humano y los animales. In: ULLOA, A. (ed.) Rostros culturales de la fauna: las relaciones entre los humanos y los animales en el contexto colombiano. Bogotá: Instituto colombiano de antropología e historia. ICANH - Fundación Natura, 2002. p. 87-111. ULLOA, A. Introducción: ¿ser humano? ¿ser animal?. In: ULLOA, A. (ed.) Rostros culturales de la fauna: las relaciones entre los humanos y los animales en el contexto colombiano. Bogotá: Instituto colombiano de antropología e historia. ICANH - Fundación Natura, 2002. p. 9-29. UNGAR, P. Dental topography and diets of Australopithecus afarensis and early Homo. J Hum Evol., v. 46, p. 605-622. URÁN, A. ¿Es el modelo taxonómico una guía adecuada para la estructura y las classificaciones populares? Utopía Siglo XXI, v. 1, n. 5, p. 9-16, 2000. VALENTE, E. B.; PORTO, K. C. Hepáticas (Marchantiophyta) de um fragmento de Mata Atlântica na Serra da Jibóia, município de Santa Teresinha, Bahia, Brasil. Acta Botanica Brasilica, v. 20, p. 433-441, 2006. VALDERRAMA, R. Artropodosis em Colômbia: uma visión histórica. In: CONGRESSO DE LA SOCIEDAD COLOMBIANA DE ENTOMOLOGIA, 25., 1998, Cali. Memorias… Cali: SOCOLEN, 1998, p. 37. VARELLA, D. Frieira (Pé de atleta). 2008. Disponível em <http://drauziovarella.ig.com.br/arquivo/arquivo.asp?doe_id=41>. Acesso em: 20 jan. 2008. VEIGA, D. C. M. Entomologia no semi-árido baiano: um estudo de caso entre moradores do povoado Fazenda Matinha dos Pretos, município de Feira de Santana. Feira de Santana. Especialização em Entomologia. Universidade Estadual de Feira de Santana. 2000. VIERTLER, R.B. Métodos antropológicos como ferramenta para estudos em etnobiologia e etnoecologia. In: AMOROZO, M. C. M.; MING, L. C.; SILVA, S. M. P. (Org.). Métodos de coleta e análise de dados em etnobiologia, etnoecologia e disciplinas correlatas. Anais... Rio Claro: UNESP/CNPq, 2002. p. 11-29. VIVEIROS DE CASTRO, E. A incostância da alma selvagem. São Paulo: Cosac y Naify, 2002. VIZOTTO, L. D. Serpentes: lendas, mitos, superstições e crendices. São Paulo: Editora Plêide, 2003. 240 p.

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APÊNDICES

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Apêndice A - TERMO DE CONSENTIMENTO LIVRE E ESCLARECIDO

O motivo de minha visita é para realizar um estudo para saber sobre as ofensas provocadas pelos insetos e como as pessoas que vivem aqui na região da Serra da Jibóia tratam essas ofensas e como identificam os tipos de insetos que ofendem.

Como resultado, eu pretendo investigar como é que os insetos são conhecidos, identificados e utilizados pelos moradores do povoado. Minha intenção é registrar por escrito as informações que serão fornecidas pelos moradores que quiserem participar do estudo para, posteriormente, retornar essas mesmas informações para que todos possam reconhecer os insetos que causam as ofensas e o que fazer em casos de danos causados por eles. Eu desejo apenas registrar o que vocês sabem sobre os insetos para aumentar o conhecimento tanto das pessoas que moram aqui na região quanto como das pessoas que estão na Universidade.

Para realizar a pesquisa, eu pretendo conversar com grande número de moradores, homens e mulheres, de várias idades. Vou fazer entrevistas somente com quem quiser participar. Essas entrevistas poderão ser gravadas usando um gravador, mas também só quando as pessoas permitirem. No caso de entrevistas com pessoas menores de idade, irei pessoalmente pedir a permissão aos pais ou responsáveis. Ninguém é obrigado a participar. Do mesmo modo, se a pessoa desistir de participar da pesquisa, ela não será prejudicada de maneira alguma. Todos são livres para participar da pesquisa e se retirar quando sentirem vontade.

Para que eu também aprenda e conheça os diversos tipos de insetos que existem aqui, eu gostaria de contar com a colaboração de vocês para conseguir alguns exemplares. Eu deixarei alguns recipientes contendo álcool para que os insetos que forem coletados sejam colocados dentro deles. Vez ou outra eu apareço e pego os recipientes. Peço apenas que tomem cuidado quando forem coletar aqueles insetos que vocês já sabem que ofendem ou podem prejudicar a saúde de vocês.

Apenas se a pessoa quiser, o nome dela aparecerá na pesquisa; caso contrário, eu não escreverei seu nome. O seu nome, sua ocupação e sua idade não serão divulgados se assim vocês desejarem.

Eu pretendo utilizar as informações que forem conseguidas para escrever alguns textos que serão publicados, com a permissão de vocês, em revistas científicas, em encontros de pesquisadores e um relatório para ser entregue à Universidade Estadual de Santa Cruz, em Ilhéus, no final da pesquisa. Uma cópia também será deixada com a responsável pela escola do povoado para que todos possam ver o que foi conseguido em meu estudo.

Este termo apresenta duas vias que devem ser assinadas por mim, que sou o pesquisador responsável, e por vocês ou o responsável legal, no caso de menores. Uma cópia fica comigo e a outra fica com vocês. Este é o nosso acordo.

Agradecendo a atenção, estou à disposição para tirar dúvidas e dar mais informaçoes. Meu endereço para contato é o seguinte: Universidade Estadual de Feira de Santana, Departamento de Ciências Biológicas, Km 03, BR 116, CEP 44031-460, Feira de Santana (BA), telefone e fax: (75) 3224-8131 ou 3224-8019.

Pedra Branca (Sta. Terezinha, Bahia), em _________ de ________ de _______.

Responsável pela pesquisa:_____________________________________________.

Sujeito participante da pesquisa: ________________________________________.

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Apêndice B - FORMULÁRIO DE ENTREVISTA SEMI-ESTRUTURADA

Nome: ____________________________. Idade: ________________anos. Origem: ___________________________. Morador de PB há: _____anos. Profissão: _____________________________. Opção religiosa: ________________________. Escolaridade: __________________________. 1a) O que é um animal para o(a) senhor(a)? 1b) Quais são os animais para o(a) senhor(a)?

1c) Quais são os animais que ofendem? 2a) O que é um inseto para o(a) senhor(a)? 2b) Quais são os insetos para o(a) senhor(a)? 2c) O que acha dos insetos? 2d) Se o(a) senhor(a) vê um inseto (que pode ofender), faz o quê? 2e) Qual a importância deles para a gente? E para a natureza? 3a) O que é uma ofensa para o(a) senhor(a)? 3b) Quais são os (...)19 que podem ofender a gente?

3c) Quais são os insetos que causam (mais) ofensas?

3d) Por que eles ofendem a gente? 3e) Todos ofendem a gente do mesmo jeito? 3f) Todos os (...) que ofendem são venenosos (peçonhentos, bravos)?

3g) Quais as maneiras mais freqüentes de ofensa (picada, mordida, ferroada)? 3h) Se eles ofendem, por que acha que existem? 3i) Uma planta pode ofender a gente? 4) O(A) senhor(a) já foi ofendido(a) por algum inseto?

AQUI A PESSOA PODE DIZER QUE FOI PICADA, MORDIDA ou FERROADA; PASSAR A USAR ESSAS PALAVRAS PARA CADA CONTEXTO. A PALAVRA OFENSA CONTINUA.

19No momento da entrevista, podia-se utilizar três domínios semânticos (animal, inseto ou “inseto”), dependendo de como o entrevistado havia reportado anteriormente.

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4.a) Se NÃO: O(A) senhor(a) conhece alguma outra pessoa que já foi

ofendido(a) por algum inseto?

4.b) Se SIM. Qual foi o tipo de inseto que ofendeu?

5) Como, onde e quando aconteceu? 6) O que o(a) senhor(a) sentiu? 7) O que o(a) senhor(a) fez para tratar/curar essa ofensa (picada, mordida,

ferroada)? 8a) Buscou algum tipo de tratamento? 8b) Foi no posto de saúde?

8c) Botou remédio (caseiro)? Qual?

9) O senhor(a) conhece estórias (antigas) em relação às ofensas e/ou remédios

caseiros, simpatias ou rezas envolvendo “insetos”? 10a) Este “inseto” serve para alguma coisa? 10b) Pode ser utilizado como remédio para a ofensa causada por ele mesmo? 10c) E para ofensa causada por outro inseto? 11) Depois de ser ofendido(a), o que o(a) senhor(a) fez com o inseto que o(a)

ofendeu? 12) O que o(a) senhor(a) acha que poderia ser feito para prevenir/evitar essas

ofensas? 13a) Quais são os “insetos” que têm mais na região? 13b) Antigamente também tinham os mesmos?

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Apêndice C - ETNOESPÉCIES DE “INSETOS” MAIS CITADAS PELOS

SUJEITOS ENTREVISTADOS

Aranha caranguejeira Viúva-negra Lasiodora sp. Latrodectus sp. Autor: Dídac Santos Fita (2006) Autor: Marco A. Freitas

Escorpião-amarelo Morcego Tityus serrulatus Artibeus sp. Autor: Dídac Santos Fita (2006) Autor: Dídac Santos Fita (2006)

Jia (rã) Sapo-bola Leptodactylus ocellatus Chaunus jimi Obs. Não é considerada “inseto” Autor: Dídac Santos Fita (2006) Autor: Dídac Santos Fita (2006)

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Sardão Lagartixa Hemidactylus mabuia Tropidurus hispidus Autora: Thais F. Silva Autora: Thais F. Silva

Teiú Cobra-de-duas-cabeças Tupinambis merianae Typhlops brongersmianus Obs. Não é considerada “inseto” Autora: Thais F. Silva Fonte: Marco A. Freitas Surucucu (pico-de-jaca) Cascavel Lachesis muta Crotalus durissus cascavella Autor: Marco A. Freitas Autor: Marco A. Freitas

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Malha-de-sapo (jararaca quatro-ventas) Surucucu-de-pidoba Cabo-branco (não sabem que é o filhote) Bothriopsis bilineatus bilineatus Bothrops leucurus Autor: Ludwig Trutnau Autor: Marco A. Freitas

Buiúna Papa-pinto Boiruna sertaneja Drymarchon corais Autor: Marco A. Frietas Autor: Marco A. Freitas

Caninana Cobra-coral Spilotes pullatus Oxyrhopus trigeminus Autor: OAV Marques Fonte: internet

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Cobra-cipó Cobra-verde Cobra-espada Philodryas olfersii Cobra-d’água Autor: Marco A. Freitas Leptohis sp. Fonte: internet

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