Cobertura jornalística sobre drogas: distorções e potencialidades na ...

15
Capítulo 11: Cobertura jornalística sobre drogas: distorções e potencialidades na prevenção Ana Regina Noto, Emérita Sátiro Opaleye, Danilo Polverini Locatelli e Telmo Mota Ronzani Ao discutir o tema álcool e outras drogas, é importante considerar que, além dos efeitos no Sistema Nervoso Central, os aspectos socioculturais apresentam grande importância. Muitas substâncias que em algum momento da história foram utilizadas em rituais e livres para consumo, em outros tempos ou culturas passaram a ser consideradas proibidas (MacRae, 2010). Portanto, a percepção social relacionada ao tema drogas também pode influenciar as ações de prevenção e tratamento, bem como trazer consequências aos usuários. Nesse sentido, a nossa percepção individual sobre “drogas” é influenciada pela forma como o contexto social, do qual fazemos parte, discute e apresenta o tema. O contexto, assim, passa a ser fonte de informação e formação de crenças e atitudes sobre determinado assunto. Nas sociedades modernas, a mídia de massa tem se tornado cada vez mais fonte de influência de percepção social, podendo ser, portanto, uma ferramenta útil para ações de prevenção ao uso de álcool e outras drogas. Porém, também pode representar fonte de banalização, incentivo ou distorção de aspectos relacionados ao tema drogas (Andrews, McLeese, & Curran, 1995; Ramos, 2003; Thompson, 1995). Acontecimentos relacionados ao consumo e comércio de drogas ocupam considerável espaço de jornais e revistas do país. Várias são as matérias que envolvem assuntos como apreensões de drogas ilegais, poder do tráfico, questionamentos a respeito da descriminalização e potencial terapêutico da maconha, acidentes que envolvem motoristas embriagados, restrições do fumar em ambientes públicos e, mais recentemente, a chamada “epidemia do crack”. Tais temas levantam questões polêmicas

Transcript of Cobertura jornalística sobre drogas: distorções e potencialidades na ...

Page 1: Cobertura jornalística sobre drogas: distorções e potencialidades na ...

Capítulo 11: Cobertura jornalística sobre drogas: distorções e potencialidades na

prevenção

Ana Regina Noto, Emérita Sátiro Opaleye, Danilo Polverini Locatelli e Telmo Mota

Ronzani

Ao discutir o tema álcool e outras drogas, é importante considerar que, além dos

efeitos no Sistema Nervoso Central, os aspectos socioculturais apresentam grande

importância. Muitas substâncias que em algum momento da história foram utilizadas

em rituais e livres para consumo, em outros tempos ou culturas passaram a ser

consideradas proibidas (MacRae, 2010). Portanto, a percepção social relacionada ao

tema drogas também pode influenciar as ações de prevenção e tratamento, bem como

trazer consequências aos usuários.

Nesse sentido, a nossa percepção individual sobre “drogas” é influenciada pela

forma como o contexto social, do qual fazemos parte, discute e apresenta o tema. O

contexto, assim, passa a ser fonte de informação e formação de crenças e atitudes sobre

determinado assunto. Nas sociedades modernas, a mídia de massa tem se tornado cada

vez mais fonte de influência de percepção social, podendo ser, portanto, uma ferramenta

útil para ações de prevenção ao uso de álcool e outras drogas. Porém, também pode

representar fonte de banalização, incentivo ou distorção de aspectos relacionados ao

tema drogas (Andrews, McLeese, & Curran, 1995; Ramos, 2003; Thompson, 1995).

Acontecimentos relacionados ao consumo e comércio de drogas ocupam considerável

espaço de jornais e revistas do país. Várias são as matérias que envolvem assuntos como

apreensões de drogas ilegais, poder do tráfico, questionamentos a respeito da

descriminalização e potencial terapêutico da maconha, acidentes que envolvem

motoristas embriagados, restrições do fumar em ambientes públicos e, mais

recentemente, a chamada “epidemia do crack”. Tais temas levantam questões polêmicas

Page 2: Cobertura jornalística sobre drogas: distorções e potencialidades na ...

e, algumas vezes, contraditórias. Por exemplo, violência e acidentes associados à

embriaguez podem, nas mesmas edições, coexistir com sofisticadas propagandas de

bebidas alcoólicas.

Os meios de comunicação influenciam consideravelmente políticas e opinião

pública. No entanto, algumas pesquisas levantam questionamentos acerca do conteúdo

divulgado sobre drogas no país (ANDI, 2005; Noto, Pinsky, & Mastroianni Fde, 2006;

Ronzani et al., 2009). O jornalismo, por definição, deveria investigar, informar,

propiciar reflexão e, dessa forma, ser um grande aliado das ações públicas. Porém, de

acordo com pesquisa realizada por Mastroianni (2006), os próprios jornalistas admitem

frequentes distorções de informações e explicam que isso tende a ocorrer em função do

ritmo acelerado na produção de matérias e a concorrência entre os veículos

(Mastroianni, 2006).

Apesar dos vieses, muitos jornais e revistas tradicionais são considerados

referenciais da verdade no Brasil. Não é raro observar inadequadas citações de matérias

jornalísticas como referências bibliográficas fidedignas, inclusive em teses ou trabalhos

de conclusão de cursos. Isso reflete a considerável influência social dos meios de

comunicação, inclusive em contextos acadêmicos.

Para a saúde pública e, consequentemente, para ações preventivas, essa

influência merece atenção especial. É necessário conhecer como e em qual sentido essa

influência acontece, para tentar minimizar o impacto de crenças e valores enviesados

decorrentes de distorções jornalísticas (Ramos, 2003; Thompson, 1995). Por outro lado,

também é válido conhecer as potencialidades da mídia, a qual pode ser uma grande

aliada das ações preventivas. Na medida em que os profissionais de saúde saibam como

interagir com a imprensa, pode ser criada uma relação favorável à promoção de saúde

(Ronzani et al., 2009).

Page 3: Cobertura jornalística sobre drogas: distorções e potencialidades na ...

Este capítulo tem por objetivo apresentar discussão crítica acerca da cobertura

jornalística sobre drogas, no sentido de ampliar a visão de profissionais frente ao tema,

despertar questionamentos e fornecer subsídios para um planejamento de ações de

saúde.

O jornalismo e a agenda pública sobre drogas: inversões de prioridades

De acordo com a Teoria de Agenda-setting, a agenda pública sofre forte influência dos

temas destacados pela imprensa. A partir da frequência e destaque dado a determinados

assuntos, a imprensa acaba selecionando os conteúdos a serem considerados

importantes pela sociedade. A prioridade atribuída a determinados temas influencia a

opinião pública que, por sua vez, cobra ações governamentais, dentro de um processo de

interação entre imprensa, sociedade e governo (Scheufele, 2000). Se, por alguma razão,

a imprensa caminha em descompasso com a epidemiologia, tendem a ocorrer inversões

de prioridades. Nesse aspecto chama também atenção, a forma como as evidências

científicas são transformadas e veiculadas na mídia leiga, algumas vezes podendo

distorcer ou supervalorizar de forma descontextualizada resultados de pesquisa, se

transformando muitas vezes como fonte de evidência secundária e definindo prioridades

de ação e políticas públicas que empiricamente não se sustentam.

Uma questão de grande dimensão do ponto de vista epidemiológico, como a

violência associada ao álcool, pode ser ofuscada por outra que, embora muito

impactante, apresenta menor dimensão epidemiológica, como a violência associada ao

crack. Esses descompassos podem refletir em distorções na agenda das políticas de

saúde.

Estudos epidemiológicos apontam o álcool como tema prioritário de saúde. Um

estudo domiciliar, realizado nas maiores cidades brasileiras, sugerem que cerca de 12%

Page 4: Cobertura jornalística sobre drogas: distorções e potencialidades na ...

da população, entre 12 e 65 anos, preenche critérios diagnósticos para dependência do

álcool (Carlini, Galduroz, Noto, Fonseca, & Carlini, 2007). Cerca de metade dos casos

de homicídio e violência familiar envolvem agressores embriagados (Fonseca,

Galduróz, Tondowski, & Noto, 2009). Uma parcela significativa de acidentes de

trânsito e de trabalho também está associada ao consumo indevido de álcool. No

entanto, a frequência de matérias jornalísticas publicadas sobre álcool no país, apesar de

crescente, ainda tende a ser menor do que o observado para drogas ilegais, como

maconha, cocaína e crack (Mastroianni, 2006; Noto et al., 2006; Ronzani et al., 2009).

Em relação ao tabaco, foi observado crescimento da proporção de matérias

jornalísticas nas duas últimas décadas, mas com abordagem predominantemente factual

(Lacerda, Mastroianni Fde, & Noto, 2010). Outro exemplo envolve os inalantes, como

lança-perfume e cola de sapateiro, os quais raramente geram notícias, apesar de

representar um dos grupos de drogas mais usados por adolescentes. O mesmo acontece

com medicamentos psicotrópicos, como ansiolíticos e anfetaminas, cujo conhecimento

da população sobre os danos é influenciado pela lisura de uma prescrição médica e a

garantia de um laboratório farmacêutico (Johnston, 2009). Diante da falta de

informações, essas drogas passam invisíveis diante da opinião pública, deixando espaço

para situações de risco e de uso indevido.

Para as drogas ilegais, ao contrário, a mídia tende ao exagero. São freqüentes as

manchetes sensacionalistas e uso de termos pejorativos como viciados, drogados e

maconheiros, permeados de sérios equívocos de informação. Nos últimos anos, foram

crescentes as matérias sobre casos de violência associados ao crack e cocaína, com

manchetes como “Menor mata a avó com 70 facadas após usar cocaína/crack” (Folha

de São Paulo). Porém, um estudo epidemiológico domiciliar, realizado em São Paulo,

identificou que os casos de violência física associados aos derivados de cocaína são

Page 5: Cobertura jornalística sobre drogas: distorções e potencialidades na ...

cerca de cinco vezes superados pelos casos associados ao álcool, os quais são bem

menos divulgados na imprensa (Noto et al., 2006).

Fenômeno similar foi anteriormente descrito em outros países. Hartman &

Golub (1999) analisando matérias da década de 90, perceberam que a imprensa

americana criou um pânico em relação a uma possível epidemia de crack. Os autores

consideraram que essa visão equivocada do “problema” teria sido construída pelos

meios de comunicação e, provavelmente ajudou a desviar a atenção da população de

problemas estruturais persistentes, como desemprego, condições de saúde geral, entre

outras (Hartman & Golub, 1999).

Além disso, as matérias sobre drogas ilegais tendem a ressaltar a repressão como

uma das principais formas de intervenção. São raras as matérias que, por exemplo,

orientam de forma equilibrada sobre a possibilidade de tratamento e recuperação

(Ronzani et al., 2009). Tais distorções serão discutidas mais adiante neste capítulo.

Temas polêmicos e a mobilização social

Como apresentado anteriormente, o jornalismo também participa da formação de

conceitos, atitudes e mobilização social. Nesse sentido, a imprensa pode influenciar

consideravelmente na aceitação, ou rejeição, de questões políticas (Holder & Treno,

1997; Yanovitzky, 2002). Casos como a internação involuntária de pacientes

dependentes, a ação governamental na cracolândia de São Paulo e as restrições de fumar

em ambiente fechado são alguns exemplos de polêmicas recentes que, de alguma forma,

sofrem influência da imprensa.

Em relação ao tabaco, pesquisas internacionais indicam que a imprensa pode ter

favorecido políticas de controle, observadas em vários países. Na Austrália, um estudo

com matérias jornalísticas concluiu que a imprensa local foi favorável ao controle do

Page 6: Cobertura jornalística sobre drogas: distorções e potencialidades na ...

tabaco e isso pode ter contribuído para a adoção de políticas no país (Durrant,

Wakefield, McLeod, Clegg-Smith, & Chapman, 2003). Nos Estados Unidos, Clegg

Smith e colaboradores (2006) também notaram ênfase em políticas do controle do uso

de tabaco no país (Clegg Smith, Wakefield, & Edsall, 2006).

No Brasil, Lacerda e colaboradores (2010) analisaram matérias, sobre tabaco,

divulgadas em oito dos principais jornais e revistas do país, nos anos de 2000, 2003 e

2006. As principais categorias observadas em manchetes e lides foram: políticas de

controle, movimentos antitabagistas e divulgação de pesquisas. O ano 2000 foi o que

apresentou a maior frequência de matérias. Segundo os autores, esse fenômeno pode ser

explicado pela promulgação da Lei nº 10.167 no ano de 2000, que proibiu propagandas

relacionadas ao tabaco, estimulando o debate político sobre ações antitabagistas naquele

ano (Lacerda et al., 2010). Nos anos subsequentes, Galduróz e colaboradores (2007)

publicaram um artigo relacionando a mudança na legislação com uma redução da

prevalência do consumo de tabaco entre estudantes (Galduroz, Fonseca, Noto, &

Carlini, 2007). De acordo com a teoria de Agenda-setting, todos esses fenômenos

estariam interligados, ou seja, política, imprensa, opinião pública e comportamento de

consumo de drogas.

Em relação ao álcool, nas últimas décadas, a imprensa também parece ter

favorecido ações governamentais para questões específicas, em diferentes países. Em

análise de editoriais de seis jornais finlandeses, entre 1993 e 2000, foram observadas

mudanças no discurso jornalístico que acompanharam transformações políticas e da

opinião pública do país (Torronen, 2003). De acordo com Yanovitzky (2002), a

cobertura da imprensa sobre os acidentes de trânsito associados à embriaguez também

podem contribuir indiretamente para a redução do comportamento de beber e dirigir.

Segundo o autor, isso ocorre provavelmente devido ao fato de que a mídia atrai a

Page 7: Cobertura jornalística sobre drogas: distorções e potencialidades na ...

atenção de instituições e promove um ambiente de mudanças na sociedade (Yanovitzky,

2002).

No Brasil, Noto e colaboradores (2006), observaram aumento da frequência de

matérias jornalísticas sobre bebidas alcoólicas nos anos de 2000, 2003 e 2006. O maior

aumento foi observado para os conteúdos relacionados a acidentes de trânsito, indicando

crescente cobertura sobre o tema (Noto et al., 2006). Nos anos subsequentes, foi

aprovada a Política Nacional específica para bebidas alcoólicas (2007) e, em 2008, foi

estabelecida maior restrição legal sobre o beber e dirigir (popularmente conhecida como

“Lei Seca” no trânsito). De acordo com a teoria de Agenda Setting, os avanços políticos

estariam relacionados ao crescente estímulo da mídia observado nos anos anteriores.

Mídia e preconceito: obstáculo para a promoção de saúde

A imprensa também representa um dos elementos que refletem e reforçam um conjunto

de crenças e valores negativos sobre o uso de drogas, estimulando o estigma social e

dificultando algumas ações de saúde. A ANDI (Agência Nacional dos Direitos da

Infância) conduziu análise de textos jornalísticos sobre drogas, entre 2002 e 2003. Foi

observado que 28% dos textos associaram o tema drogas com algum tipo de violência

ou crime. Para os autores, esse tipo de matéria ajuda a construir um estereótipo do

usuário ligando diretamente a essas práticas (ANDI, 2005). Essa visão estimula o medo

e dificulta o estabelecimento de relação de cuidado entre profissionais de saúde e

pacientes dependentes.

Da mesma forma, as matérias jornalísticas tendem a ser inespecíficas quanto aos

padrões de consumo de substâncias, generalizando conceitos e contribuindo para a

desinformação da sociedade sobre a diversidade do uso de drogas. No estudo realizado

pela ANDI (2005), os principais termos encontrados em matérias sobre drogas

Page 8: Cobertura jornalística sobre drogas: distorções e potencialidades na ...

apontavam o usuário como bêbado, dependente, viciado e drogado, colocando em um

mesmo patamar usuários esporádicos e dependentes.

Vale ressaltar que a grande maioria de usuários de drogas não são dependentes e

o desenvolvimento de problemas relativos ao uso de drogas se dá por meio de uma

complexa interação de diversos fatores biológicos, psicológicos e sociais, sendo errôneo

supor que o dependente é único responsável sobre sua condição. Essa tendência em não

abrir espaço para discussão multidisciplinar destaca o dependente ou a própria droga

como “bode expiatório” de um fenômeno que envolve questões estruturais da sociedade,

que muitas vezes não são comodamente tratadas, mas que estão diretamente implicadas

no desenvolvimento da dependência, como por exemplo, o crescimento da desigualdade

social.

De acordo com o estudo de Noto e colaboradores (2003), embora os jornalistas

escrevam matérias aparentemente isentas, a tendenciosidade pode ser observada nas

entrelinhas (Noto et al., 2003). Os autores ressaltam que, no estudo em questão, o

estigma foi ainda mais evidente em artigos jornalísticos produzidos por outros

profissionais e/ou especialistas (advogados, médicos, delegados, entre outros). Alguns

exemplos de expressões tendenciosas foram: “Trata-se de um abismo...”, “O uso de

drogas...é um bom exemplo do horror...” e “o flagelo da droga”. O tom emocional

tende a ser mais explícito em textos escritos por outros profissionais, provavelmente,

em função da maior liberdade de expressão da opinião pessoal. Esse cenário denuncia a

falta de conhecimento e preparo desses profissionais e, por outro lado, salienta a

necessidade da desconstrução do estigma social, especialmente entre profissionais que

pretendem trabalhar com o tema.

Como pensam os jornalistas?

Page 9: Cobertura jornalística sobre drogas: distorções e potencialidades na ...

Em estudo realizado por Mastroianni (2006), profissionais ligados à área do jornalismo

foram entrevistados sobre a sua visão frente à cobertura jornalística sobre o tema

“drogas”. A maioria dos jornalistas afirmou que a inclusão do tema “drogas” nas pautas

dos jornais e revistas é predominantemente associada a questões de criminalidade e

violência. Segundo os jornalistas entrevistados, o tema se torna importante por ser uma

questão social potencialmente presente no cotidiano dos leitores, ou seja, daqueles que

compram os veículos de informação. Também em relação à vendagem, alguns

jornalistas afirmaram ser freqüente a alteração de manchetes, para que se tornem mais

atrativas e, com isso, aumentem as vendas dos jornais e revistas.

Sobre o predomínio de matérias relacionadas ao tráfico de drogas, todos os jornalistas

entrevistados concordaram que o modelo de repressão tende a ser o preferido, sendo

este reflexo da opinião pública e do que as políticas públicas priorizam. No entanto,

alguns profissionais consideraram que a prática jornalística também reforça o

pensamento repressivo dominante.

Sobre o impacto de suas matérias para os leitores, alguns jornalistas entrevistados por

Mastroianni (2006) afirmaram que as informações apresentadas tendem a gerar uma

visão mais positiva sobre o tema, mantendo o leitor informado, enquanto parte acredita

que as matérias apenas reforçam o que o leitor pensa. Contudo, para a maioria, as

matérias tendem a levar uma sensação de medo e insegurança. Para os profissionais

ligados aos cadernos policiais, com as informações apresentadas, existe a tendência de

se pensar que o tráfico de drogas está cada vez pior. Entre as principais dificuldades

para se escrever uma matéria sobre o tema “drogas”, estaria o volume de matérias, a

falta de profissionais nas redações e falta de tempo para realizá-las de modo a se

conseguir informações com especialistas na área.

Page 10: Cobertura jornalística sobre drogas: distorções e potencialidades na ...

A maioria dos profissionais entrevistados possuía uma visão negativa da cobertura

praticada, destacando sua superficialidade, pouca contextualização, pouca discussão e

exagero no viés policial do tema. Em contraposição à prática comum, os jornalistas

indicaram diversas formas para se melhorar a cobertura. A solução mais apontada foi a

necessidade de um contato maior com os especialistas, acadêmicos, universidades e

centros de pesquisa. Consideraram também importante a contextualização do tema,

evitando-se assim a superficialidade e o prisma da repressão policial. Alguns

entrevistados ressaltaram a necessidade de mudança do pensamento da sociedade e a

ampliação do número de jornalistas nas redações. Melhorar a formação dos

profissionais e o pensamento dos donos de jornais também foram sugestões para se

melhorar a cobertura do tema “drogas”.

Além disso, segundo a ANDI (2005), a sociedade brasileira não dispõe de muitos

referenciais sobre a questão, o que implica em maior responsabilidade do jornalista ao

levar informação. Diante de uma quase unanimidade do discurso repressivo, resta pouco

espaço na mídia para jornalistas que apresentem pensamentos divergentes, e por esse

motivo, o debate público fica claramente prejudicado pela falta de pluralidade de ideias.

Essa questão é retroalimentada pelos interesses da própria mídia em não divergir da

opinião pública em temas “tabus”, inclusive do ponto de vista econômico, uma vez que

muitos dos anunciantes não querem sua imagem associada a questões polêmicas. Esse é

um ponto negativo da mídia brasileira, que poderia se utilizar do seu poder de inovar

nas opiniões e ampliar o debate ao invés de apenas reproduzir o senso comum.

A mídia como instrumento promotor de saúde

A influência da mídia na opinião e nas políticas públicas também pode ter efeitos

favoráveis na promoção de saúde em ações preventivas. Estudos nesse sentido

Page 11: Cobertura jornalística sobre drogas: distorções e potencialidades na ...

envolvem a denominada Media Advocacy, que é o uso deliberado da imprensa por

grupos sociais interessados em avanços específicos de atitudes, comportamentos e

políticas públicas (Holder & Treno, 1997).

As ações Media Advocacy envolvem a mobilização da imprensa em situações como

eventos, inauguração de serviços ou divulgação de dados de pesquisa, no sentido de

difundir ideias específicas. No entanto, as ações de Media Advocacy devem

preferencialmente ser constantes. Um exemplo de críticas nesse sentido pode ser

observado em estudo norte-americano a partir da análise de 256 jornais entre 1998 e

2001 (Niederdeppe, Farrelly, & Wenter, 2007). Os autores observaram aumento de

matérias relacionadas a grupos antitabagistas, mas concentradas em períodos específicos

do ano e, predominantemente, relacionadas a campanhas promovidas em função do Dia

Mundial sem Tabaco (31 de maio). No entanto, os autores levantam crítica a tais

divulgações pontuais, consideradas subutilização dos recursos da Media Advocacy, a

qual, para ter maior efetividade, deve ser mais constante.

Para estabelecer uma parceria construtiva com a imprensa, além da promoção de

ações, é necessário identificar previamente jornalistas mais informados, interessados ou

comprometidos com a temática, assim como aqueles que se deixam influenciar menos

com o sensacionalismo e a competitividade jornalística. Matéria escritas por jornalistas

mais preparados e sensibilizados com a questão, tendem a apresentar melhor qualidade

e, consequentemente, contribuem com processos de mudanças construtivas. Para a

melhoria da qualidade das informações divulgadas na imprensa, também podem ser

planejados cursos de sensibilização e atualização sobre drogas especificamente voltados

para profissionais da área de comunicação social (ANDI, 2005).

A Propaganda como Importante Aspecto da Mídia

Page 12: Cobertura jornalística sobre drogas: distorções e potencialidades na ...

A propaganda é outra forma de mídia também relacionada ao consumo de

drogas. Tais propagandas podem promover a venda de uma substância lícita, como por

exemplo bebidas alcoólicas, tabaco ou substâncias psicotrópicas aprovadas para

comercialização pela ANVISA, ou ainda propagandas anticonsumo. Esta é uma área

que circula grande quantia financeira e os dados mostram que as propagandas pró-

consumo são infinitamente mais efetivas e com maior qualidade técnica às propagandas

anticonsumo (Babor et al., 2003).

Em função disso, dentre os vários fatores relacionados, um dos responsáveis

pelo aumento do consumo de bebidas alcoólicas é a propaganda, através da exposição,

do acesso e da repetição de propagandas. Tal afirmação é corroborada em estudos com

adolescentes brasileiros, demonstrando que o consumo de álcool estava diretamente

relacionado à exposição à propagandas. Neste estudo, quanto mais exposto estava o

jovem às propagandas, maior a frequência e quantidade de consumo (Engels, Hermans,

van Baaren, Hollenstein, & Bot, 2009; Vendrame, Pinsky, Faria, & Silva, 2009).

Portanto, assim como outras fontes de mídia, porém com a especificidade de

grande exposição e acesso, as propagandas são fontes importantes de influência de

comportamento, bem como crenças e atitudes sobre o consumo de substâncias, podendo

produzir crenças distorcidas em relação ao uso de álcool, tabaco e outras drogas,

principalmente entre crianças e adolescentes (Botvin & Kantor, 2000; Fielder, Donovan,

& Ouschan, 2009).

Tendo em vista a importância das propagandas no comportamento do consumo

de álcool e tabaco e da discrepância entre as propagandas pró e anti consumo, e a

eficácia da última como estratégia de prevenção ou redução de consumo, a estratégia

mais efetiva sustentada pela literatura é a regulação ou o banimento de propaganda em

meios de comunicação de massa como a TV e Rádio (Babor et al., 2003). O banimento

Page 13: Cobertura jornalística sobre drogas: distorções e potencialidades na ...

de propagandas de tabaco já foi regulamentado no Brasil, porém grande polêmica e

interesses estão relacionados para a mesma decisão governamental sobre as bebidas

alcoólicas.

Considerações Finais

O conteúdo abordado neste capítulo destaca a influência dos meios de comunicação no

processo de promoção de saúde relacionada ao consumo de álcool e outras drogas.

Nesse sentido, fica evidente a necessidade de leitura crítica das matérias jornalísticas,

com especial atenção aos conteúdos preconceituosos e aos vieses de informação, os

quais podem comprometer as ações de saúde. Por outro lado, quando utilizada de forma

construtiva, a mídia pode representar importante instrumento promotor de saúde.

Page 14: Cobertura jornalística sobre drogas: distorções e potencialidades na ...

5. REFERENCES

ANDI. (2005). Mídia e Drogas - O perfil do uso e do usuário na Imprensa Brasileira. São Paulo: Cortez.

Andrews, A. B., McLeese, D. G., & Curran, S. (1995). The impact of a media campaign on public action to help maltreated children in addictive families. Child Abuse Negl, 19(8), 921-932.

Babor, T., Caetano, R., Casswell, S., Edwards, G., Giesbrecht, N., Graham, K., et al. (2003). Alcohol: No ordinary commodity - Research and Public Policy: Oxford University Press.

Botvin, G. J., & Kantor, L. W. (2000). Preventing alcohol and tobacco use through life skills training. Alcohol Res Health, 24(4), 250-257.

Carlini, E. A., Galduroz, J. C. F., Noto, A. R., Fonseca, A. M., & Carlini, C. M. (2007). II Levantamento Domiciliar sobre o Uso de Drogas Psicotrópicas no Brasil, 2005. Secretaria Nacional Antidrogas - CEBRID (Centro Brasileiro de Informações sobre Drogas Psicotrópicas).

Clegg Smith, K., Wakefield, M., & Edsall, E. (2006). The good news about smoking: how do U.S. newspapers cover tobacco issues? J Public Health Policy, 27(2), 166-181.

Durrant, R., Wakefield, M., McLeod, K., Clegg-Smith, K., & Chapman, S. (2003). Tobacco in the news: an analysis of newspaper coverage of tobacco issues in Australia, 2001. Tob Control, 12 Suppl 2, ii75-81.

Engels, R. C., Hermans, R., van Baaren, R. B., Hollenstein, T., & Bot, S. M. (2009). Alcohol portrayal on television affects actual drinking behaviour. Alcohol Alcohol, 44(3), 244-249.

Fielder, L., Donovan, R. J., & Ouschan, R. (2009). Exposure of children and adolescents to alcohol advertising on Australian metropolitan free-to-air television. Addiction, 104(7), 1157-1165.

Fonseca, A. M., Galduróz, J. C. F., Tondowski, C. S., & Noto, A. R. (2009). Padrões de violência domiciliar associada ao uso de álcool no Brasil. Revista de Saúde Pública, 43, 743-749.

Galduroz, J. C., Fonseca, A. M., Noto, A. R., & Carlini, E. A. (2007). Decrease in tobacco use among Brazilian students: a possible consequence of the ban on cigarette advertising? Addict Behav, 32(6), 1309-1313.

Hartman, D. M., & Golub, A. (1999). The social construction of the crack epidemic in the print media. J Psychoactive Drugs, 31(4), 423-433.

Holder, H. D., & Treno, A. J. (1997). Media advocacy in community prevention: news as a means to advance policy change. Addiction, 92 Suppl 2, S189-199.

Johnston, L. D. (2009). Prescription drug use by adolescents: what we are learning and what we still need to know. J Adolesc Health, 45(6), 539-540.

Lacerda, A. E., Mastroianni Fde, C., & Noto, A. R. (2010). [Tobacco in the media: analysis of journalistic texts in the year of 2006]. Cien Saude Colet, 15(3), 725-731.

MacRae, E. (2010). Antropologia: Aspectos Sociais, Culturais e Ritualísticos. In S. D. Seibeil (Ed.), Dependência de Drogas (2ª ed., pp. 27-38). São Paulo: Atheneu.

Mastroianni, F. C. (2006). As drogas psicotrópicas e a imprensa brasileira: Análise do material publicado e do discurso dos profissionais da área do jornalismo. Universidade Federal de São Paulo, São Paulo.

Niederdeppe, J., Farrelly, M. C., & Wenter, D. (2007). Media advocacy, tobacco control policy change and teen smoking in Florida. Tob Control, 16(1), 47-52.

Noto, A. R., Baptista, M. C., Faria, S. T., Nappo, S. A., Galduroz, J. C., & Carlini, E. A. (2003). Drogas e saúde na imprensa brasileira: uma análise de artigos publicados em jornais e revistas. Cad Saude Publica, 19(1), 69-79.

Page 15: Cobertura jornalística sobre drogas: distorções e potencialidades na ...

Noto, A. R., Pinsky, I., & Mastroianni Fde, C. (2006). Drugs in the Brazilian print media: an exploratory survey of newspaper and magazine stories in the year 2000. Subst Use Misuse, 41(9), 1263-1276.

Ramos, A. (2003). Introdução à Psicologia Social. São Paulo: Editora Casa do Psicólogo. Ronzani, T. M., Fernandes, A. G., Gebara, C. F., Oliveira, S. A., Scoralick, N. N., & Lourenco, L. M.

(2009). [Media and drugs: a documental analysis of the Brazilian writing media between 1999 and 2003]. Cien Saude Colet, 14(5), 1751-1761.

Scheufele, D. A. (2000). Agenda-Setting, Priming, and Framing Revisited: Another Look at Cognitive Effects of Political Communication. Mass Communication and Society, 3(2-3), 297-316.

Thompson, J. B. (1995). Ideologia e Cultura Moderna. Teoria social crítica dos meios de comunicação de massa. Petrópolis: Editora Vozes.

Torronen, J. (2003). The Finnish press's political position on alcohol between 1993 and 2000. Addiction, 98(3), 281-290.

Vendrame, A., Pinsky, I., Faria, R., & Silva, R. (2009). Apreciação de propagandas de cerveja por adolescentes: relações com a exposição prévia às mesmas e o consumo de álcool. Cad Saude Publica, 25(2), 359-365.

Yanovitzky, I. (2002). Effect of news coverage on the prevalence of drunk-driving behavior: evidence from a longitudinal study. J Stud Alcohol, 63(3), 342-351.