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EDITORA AVE-MARIA Conforme novo acordo ortográfico

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EDITORAAVE-MARIA

Conforme novo

acordo ortográ� co

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Introdução

Depois do Concílio Vaticano II e a consequente re-forma litúrgica, multiplicaram-se os estudos e as mono-grafias sobre o mistério litúrgico. Fruto dessas pes quisas são algumas grandes obras em vários volumes, verdadei-ras e próprias “Sumas Litúrgicas”, já publicadas ou ain-da em vias de publicação – em diversos países europeus: França, Itália, Alemanha e Espanha. Dessas publicações, citadas na Bibliografia geral, sou profunda mente devedor.

O presente volume de mais modessas proporções pretende oferecer uma informação/formação possivel-mente completa, sistemática e sintética sobre a liturgia da Igreja. Depois do trabalho que marcou o período da recente reforma litúrgica, chegou o momento de tirar al-gumas conclusões a fim de reconstruir uma visão com-pleta e harmônica da liturgia, acessível a todos aqueles que querem beber nesta fonte indispensável da vida cris-tã. Não pretendo oferecer novas colaborações. A origi-nalidade dessas páginas está, antes de tudo, no esforço de fazer uma síntese de um vasto material à disposição e nos critérios com que esse material foi selecionado e or ganizado. Em um passado não muito distante, o estudo

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da liturgia era orientado prevalentemente em sentido his-tórico-genético e se usavam os métodos corresponden-tes. Neste volume, por sua vez, como explico a seguir, procura-se dar espaço também às dimensões teológica e espiritual da celebração.

Sendo a liturgia ao mesmo tempo “humana e divi­na” (SC 2), é importante, em relação à sua compreen-são, estudá-la antes de tudo na palavra de Deus, norma de fé e de vida, e na tradição que esta Palavra transmite integral mente. É indispensável também um estudo his-tórico-genético das formas da celebração litúrgica, para compre ender sua estrutura e seu significado, e as even-tuais de generações ou enriquecimentos por que passou no de correr do tempo. Os textos bíblicos e eucológicos usados pela liturgia são a manifestação mais característi-ca da concepção que a Igreja tem a respeito da liturgia e do seu mistério. Esses textos exprimem uma determinada visão teológica dos dons da salvação dos quais a Igreja é porta dora, uma teologia litúrgica que é preciso fazer emergir. Tudo isto deve conduzir à experiência de fé e à vida vivi da em coerência com os mistérios dos quais participa mos. A liturgia é uma realidade para ser redesco-berta, celebrada e vivida.

Tendo em vista o caráter sistemático-sintético que pretendo dar a esta obra, creio que seja útil explicar o modo com o qual foram dispostos os capítulos do volume e sublinhar outros critérios metodológicos que tive pre-sente ao es crever estas páginas. Depois de uma primeira parte (ca pítulos 1 a 6) que explica os aspectos fundamen-tais que se referem à liturgia no seu conjunto, segue-se uma série de capítulos (7 a 13) que dirigem sua atenção a cada celebração em particular. O capítulo 14 trata do ano

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litúrgico, que é, por assim dizer, a estrutura que suporta todo o mistério do culto cristão. O último capítulo (15) conclui a obra voltando-se para a dimensão espiritual da liturgia; é um convite a passar da verdade da celebração à verdade da experiência espiritual.

O volume se apresenta propositadamente com ca rac-terísticas manualísticas, leves. Tive cuidado, porém, para que isto não comprometesse a seriedade e a profun didade do desenvolvimento do assunto. Dado o caráter não só informativo mas também formativo da obra, pre feri dei-xar de lado algumas questões menores ou consi deradas secundárias por mim, já que, implicitamente, são tratadas na exposição dos princípios gerais: música sacra, ques-tões pastorais, religiosidade popular, problemas ecumê-nicos e algumas celebrações particulares. Dirijo a minha atenção para a liturgia romana, tomando como ponto de referência a edição típica dos livros oficiais, com indi-cações sumárias e complementares sobre as res pectivas edições italianas. Esse não é propriamente um livro de pesquisa erudita. No entanto, acho oportuno ofe recer abundantes indicações bibliográficas das fontes e dos es-tudos, sobretudo em língua italiana, úteis para um apro-fundamento ulterior dos temas tratados.

O volume entende ser um instrumento de compre-ensão do mistério do culto cristão, e se dirige a todos aque-les que querem participar de modo sempre mais cons terne e frutuoso da liturgia da Igreja, que é “o ápice para o qual se dirige toda a ação da Igreja e, também, a fonte da qual emana toda a sua força” (SC 10).

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Abreviaturas

AAS – Acta apostolicae sedis, Roma e depois Cidade do Vaticano, desde 1909

AG – Concílio Vaticano II, Decreto Ad gentesCCL – Corpus christianorum. Series latina, Brepols, Turnhout, 1954 e seguintes

CD – Concílio Vaticano II, Decreto Christus Dominus CIC – Codex iuris canonici, promulgado pela autoridade do Papa João Paulo II, 1983 (edição brasileira aos cuidados da CNBB, Edições Loyola, São Paulo, 1987, 2ª edição)

COeD – Conciliorum oecumenicorum decreta, aos cuidados do Instituto para as Ciências Religiosas, edição bilíngue, Dehoniane, Bologna, 1991

CR – Calendarium romanum, 1969

DACL – Dictionnaire d’archéologie chrétienne et de liturgie, publi cado sob a direção de E. Cabrol – J. Leclerq (e H. Marrou) – Letouzey et Ané, Paris 1907-1953, 15 volumes

DB – De benedictionibus, 1984

DODPE – De ordinatione diaconi, presbyteri et episcopi, 1968 (Edição brasileira 1976)

DOEPD – De ordinatione episcopi, presbyterorum et diaco­norum, 1989

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DV – Concílio Vaticano II, Constituição Dei Verbum

EDIL – R. Kaczynski, Enchiridion documentorum ins­taurationis liturgicae, I (1963-1973), Marietti, 1976; II (4/12/1973-4/12/1983), Edizioni Liturgiche, Roma, 1988

EL – Ephemerides liturgicae, Roma, desde 1887

EO – Ecclesia orans, Roma, desde 1984

Ge – Sacramentário gelasiano, edição aos cuidados de L. C. Mohlberg-L. Eizenhöfer-P. Siffrin, Liber Sacramen­torum Romanae Aecclesiae Ordinis Anni Circuli (Cod. Vat. Reg. lat 316/Paris Bibl. Nat. 7193, 41/56) (Sacramen­tarium Gelasianum) (“Rerum Ecclesiasticarum Documen-ta, Series Maior: Fontes 4”), Herber, Roma, 1968, 2a ed.

GrH – Sacramentário gregoriano adrianeo, edição aos cuidados de J. Deshusses, Le Sacramentaire Grégorien. Ses principales formes d’apres les plus anciens ma­nuscrits, édition comparative, I Le Sacramentaire, Le Supplément d’Aniane (“Spicilegium Friburgense 16”), Éditions Universitaires, Fribourg, 1971

GS – Concílio Vaticano II, Constituição Gaudium et Spes

IGMR – Institutio generalis Missalis romani, 1970 (Instrução geral sobre o Missal Romano)

LG – Concílio Vaticano II, Constituição Lumen gentium

LH – Liturgia horarum, 1971, 1985 (Liturgia das Horas, edição brasileira)

LMD – La Maison­Dieu, Paris, desde 1945

LP – L. Duchesne (ed.), Le Liber pontificalis. Texte, intro­duction et commentaire, Ernest Thorin, Paris, 1886-1892, 2 volumes. Reimpressão: E. de Boccard, Paris, 1955-1957, completada com um 3o volume aos cuidados de C. Vogel

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MANSI – J. D. Mansi (ed.), Sacrorum conciliorum nova et amplissima collectio, Firenze-Venezia, 1757-1798, 31 volumes; reimpressão e continuação, Paris, Leipzig e Arnhem, 1901-1927, volumes 1-53

MR – Missale romanum, 1970, 1975 (edições brasileiras)

NDL – Nuovo dizionario di liturgia, aos cuidados de D. Sartore e A. M. Triacca, Edizioni Paoline, Roma, 1990, 4a ed. (edição brasileira - Dicionário de Liturgia, Edições Paulinas/Edições Paulistas, São Paulo/Lisboa, 1992)

NRT – Nouvelle revue théologique, Louvain, desde 1879

OBP – Ordo baptismi parvulorum, 1969 (Rito para o Batismo de Crianças, edição brasileira)

OC – Ordo confirmationis, 1971 (edição brasileira)

OCM – Ordo celebrandi matrimonium, 1969, 1990 (edi-ções brasileiras)

OE – Ordo exsequiarum, 1969 (edição brasileira)

OICA – Ordo initiationis christianae adultorum, 1972 (edição brasileira)

OLM – Ordo lectionum missae, 1969, 1981 (edição brasileira)

OP – Ordo paenitentiae, 1973 (edição brasileira)

OPR – Ordo professionis religiosae, 1970 (edição brasileira)

OR – Ordines romani, edição aos cuidados de M. Andrieu, Les Ordines romani du haut moyen âge (“Spicilégium Sacrum Lovaniense, Études et documents 11, 23, 24, 28, 29”), Louvain, 1960-1965, 5 volumes

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OUI – Ordo unctionis infirmorum eorumque pastoralis curae, 1972 (edição brasileira)

PG – J.-P. Migne (ed.), Patrologiae cursus completus. Series greca, Paris-Montrouge, 1857-1866, 161 volumes

PL – J.-P. Migne (ed.), Patrologiae cursus completus. Series latina, Paris-Montrouge, 1844-1864, 221 volumes.

PNTL – A. Donghi (ed.), I Praenotanda dei nuovi liturgi­ci, Ancora, Milano, 1989

PO – Concílio Vaticano II, Decreto Presbyterorum ordinis

RevSR – Revue des sciences religieuses, Palais Univer-sitaire, Strasbourg, desde 1921

RL – Rivista liturgica (nova série desde 1964), LDC, Torino-Leumann

RPL – Rivista di pastorale liturgica, Queriniana, Brescia, desde 1963

SC – Concílio Vaticano II, Constituição Sacrosanctum Concilium

UR – Concílio Vaticano II, Decreto Unitatis redintegratio

Ve – Sacramentário veronense, edição aos cuidados de L. C. Mohlberg-L.Eizenhofer-P.Siffrin, Sacramentarium Veronense (Cod. Bibl. Capit. Veron. LXXXV[80]) (“Rerum Ecclesiasticarum Documenta, Series Maior: Fontes 1”), Herder, Roma 1956 (3a edição melhorada, 1978)

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1Natureza da liturgia cristã

Iniciaremos o nosso assunto com o estudo do termo “liturgia” no grego clássico, do qual provém, no helenis-mo, na Bíblia e nos documentos posteriores. Em seguida, faremos uma rápida abordagem ao significado que o culto cristão tem nos escritos do Antigo e do Novo Testamento.

1.1. O termo “liturgia”1

A história dessa palavra, usada hoje em sentido ex-clusivamente cultual, nos demonstra que ela recebeu di-versos significados segundo as várias épocas históricas.

O termo “liturgia” provém do grego clássico. A pa lavra grega leitourghía (verbo: leitourghéin;

1. A. Romeo, “II termine ‘leitourghía’ nella grecità biblica”, in Miscellanea liturgica in honorem L. Cuniberti Mohlberg, vol. 2, Roma, 1949, pp. 467-519; K. Hess, “Servire”, in Dizionario dei concetti biblici del Nuovo Testamento (aos cuidados de L. Coenen - E. Beyreuther” - H. Bietenhard. EDB, Bologna, 1976, pp. 1741-1743; S. Marsili, Liturgia, in VV.AA., La liturgia, momento nella storia della salvezza, Marietti, Turim, 1974, pp. 33-45., Id., “Liturgia”, in NDL, pp. 725-742; J. López Martín. “In spirito e verità ”. Introduzione alla liturgia, Edizioni Paoline, Cinisello Balsamo, 1989, pp. 52-55.

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substantivo de pessoa: leitourgós) deriva da composi-ção de laós – jônico e ático leós (= povo) – e de ergon (= obra). Tradu zido literalmente leitourghía significa “serviço prestado ao povo” ou “serviço diretamente prestado para o bem comum”.

1.1.1. No helenismo

O sentido originário e fundamental de leitourghía é notavelmente restrito, junto aos povos helênicos, para designar um serviço totalmente determinado por leis ou usos, pecuniariamente oneroso, em benefício da coleti vidade, por parte de cidadãos abastados, os quais se tor navam, dessa forma, beneméritos da pá-tria. Existiam di versos tipos de liturgia: a apresentação do coro no teatro grego, o armamento de um navio, o acolhimento de uma tribo nas ocasiões das festas na-cionais, etc. Mais tarde, especialmente no Egito, com esta palavra se entende qual quer prestação pública de serviço, e no século II a.C. também o serviço cultual prestado por pessoas para isto de signadas.

1.1.2. No Antigo Testamento

No Antigo Testamento (segundo a versão grega LXX, cerca de 250-150 a.C.), o termo é usado para indicar o serviço cultual do templo realizado pelos sa-cerdotes e levitas. Leitourghía é, pois, um termo téc-nico aplicado ao culto público e oficial, realizado por determinada ca tegoria de pessoas, diferente do culto privado realizado pelo povo, para o qual a mesma tra-dução da LXX reser va as palavras latréia e douléia (adoração, honra).

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Notamos que o termo leitourghía, que a LXX intro-duziu no léxico religioso do judaísmo helenístico, era particularmente apto para exprimir as características do ministério cultual de Israel. Comportava, de fato, os sig-nificados de: função pública ou conexa com certa soleni-dade, prestação de serviço para a utilidade geral, atribui-ção reservada a quem é formalmente investido.

1.1.3. No Novo Testamento

No Novo Testamento, o nosso termo, em suas diver-sas formas, aparece somente 15 vezes considerando-se as 150 vezes em que aparece no Antigo Testamento; e em vários sentidos: em sentido de serviço público onero so, tomado da linguagem comum; no sentido ri-tual-sacerdotal do Antigo Testamento; em sentido de culto es piritual; no sentido de culto ritual cristão há um único texto, que na sua tradução literal diz: “Enquanto celebra vam o culto do Senhor, depois de terem jejua-do, disse-lhes o Espírito Santo:...” (At 13, 2)2. Esse é o único texto neotestamentário no qual se poderia presu-mir o nome daquela que depois será chamada “liturgia cristã”. Não se pode, porém, afirmar com certeza que neste texto se trate da celebração eucarística. O que fica claro é que a comunidade cristã de Antioquia se encontrava reunida rezando e que a oração é concluída com o envio missionário de Paulo e Barnabé, mediante a impo sição das mãos. Portanto, ainda que o texto seja obscuro, permanece o fato de que é a única vez que

2. “Escolhei, pois, para vós bispos e diáconos dignos do Senhor, homens calmos e não cobiçosos por dinheiro, verazes e experimentados. Eles exerçam para vós também o ministério dos profetas e dos doutores” (Didaché 15, 1, in I Padri Apostolici, tradução, introdução e notas aos cuidados de A. Quacquarelli, Città Nuova, Roma, 1989, 4a ed., p. 38).

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leitourghein, nos escritos neotestamentários, indica o novo culto cris tão, ainda que sobre a natureza e a mo-dalidade deste cul to o texto não se pronuncie.

Se nos escritos do Novo Testamento não aparece o termo leitourghía e seus derivados ligados ao cul-to cris tão, exceto em At 13,2, é provavelmente por-que as pala vras em questão estavam muito ligadas ao sacerdócio levítico do Antigo Testamento, ministério que perde a sua razão de ser na nova situação criada por Cristo. Por outra parte, o Novo Testamento evi-ta usar termos rituais para designar lugares de culto, tempos sagrados, ritos, objetos e pessoas sagradas. Em compensação, serve-se frequentemente do vocabulário cultual (culto, sacrifício, vítima, oferta e outros) para designar situações e coisas que na opinião comum são profanas. Não estamos diante de um capricho linguís-tico, mas de uma intenção preci sa: em sentido ritual leitourghía está reservado somente ao culto judaico oficial (cf. Lc 1,23; Hb 8,2.6; 9,21; 10,11); quando, por outro lado, esse vocábulo é aplicado à experiência cristã, ele designa em particular a existência como cul-to espiritual (cf. Rm 15,16; Fl 2,17).

1.1.4. Nos primeiros escritos pós-apostólicos

Muito escassamente, porém, o termo leitourghía re a-parece nos escritos pós-apostólicos de origem judaico--cristã como, por exemplo, na Didaqué3 e na I Carta aos

3. “Ele nos prescreveu fazer as ofertas e as liturgias, e não ao acaso e desordenadamente, mas em circunstâncias e horas estabelecidas... Ao sumo sacerdote são atribuídos ofícios litúrgicos especiais...” (Clemen te, Prima ai Corinti 40, 2.5, in I Padri Apostolici, op. cit., p. 76).

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Coríntios do papa Clemente4, sendo utilizado em sentido cultual e eucarístico e em sentido ritual veterotestamen-tário. Esse modo de falar do culto cristão, tomando como referência o precedente culto hebraico, provavel mente abriu caminho para que a palavra leitourghía, des pojada do seu significado cultual levítico, adquirisse ple na cida-dania na Igreja dos primeiros séculos.

Depois da destruição do templo de Jerusalém no ano 70, os seguidores de Jesus consideram as instituições mo-saicas como puramente figurativas da verdadeira e defi-nitiva religião. O culto veterotestamentário é visto como tipo de culto salvífico da Igreja cristã. Neste con texto leitourghía é uma palavra-ponte.

1.1.5. Desenvolvimento posterior

Mesmo assim purificado, o vocábulo do qual nos ocu pamos não teve a mesma sorte nas diversas regiões da Igre ja. No Oriente grego, leitourghía passou logo a indi-car o culto cristão em geral e a celebração eucarística em particu lar. Hoje de fato ele indica, antes de tudo, celebra-ção eucarística conforme um rito particular. Assim se fala de leitourghía de São João Crisóstomo, de São Basílio,

4. S. Lyonnet, “La nature du culte dans le Nouveau Testament”, in VV.AA., La liturgie après Vatican II. Bilans, études, perspectives, Cerf, Paris, 1967, pp. 357-384; F. Hahn, II servizio liturgico nel cristianesimo pri mitivo, Paideia, Bréscia, 1972; M-F. Lacan, “Culto”, in Dizionario di teologia biblica, publicado sob a direção de X. Léon-Dufour, Marietti, Gênova, 1972, 4a ed., pp. 236-242; E. Schweizer-A. Díez Macho, La Chiesa primitiva, Paideia, Bréscia, 1980; A. Bergamini, “Culto”, in NDL, pp. 333-340; X. Basurko, “El culto en la época del Nuevo Testamento”, in VV.AA., La celebración en la Iglesia, I. Liturgía y sacramentología fundamental, Sígueme, Salamanca, 1985, pp. 53-70; B. Maggioni, “Liturgia e culto in Nuovo dizionario di teologia biblica (aos cuidados de P. Rossano – G. Ravasi – A. Girlanda), Edizioni Paoline, Milão, 1988, pp. 835-847; L.-M. Chauvet, Simbolo e sacramento. Una rilettura sacramentale dell’esistenza cristiana, LDC, Turim-Leumann, 1990; VV.AA., “La liturgie dans le Nouveau Testament”, in VV.AA., Introduction à la Bible, nova edição, vol. 9, Desclée, Paris, 1991.

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de São Tiago, de São Marcos, etc., isto é, a celebração da Eucaristia segundo o rito e a oração eucarística, que tem sua origem naquele determinado Padre grego. No entan-to, no Ocidente latino, o termo foi completamente igno-rado. De fato, não foi latinizado, como aconteceu com a maior parte dos termos gregos do Novo Testamento. Na linguagem ocidental latina, por muitos séculos, em lugar de liturgia foram usados ter mos como munus, officium, mysterium, sacramentam, opus, ritus, actio, celebratio, etc. No mundo ocidental, o termo liturgia reaparecerá no século XVI na linguagem científica para indicar os livros rituais antigos ou de modo geral tudo o que diz respei-to ao culto da Igreja. Nos séculos XVIII-XIX é adota-do também pelas Igrejas da Reforma, e precisamente no sentido amplo do culto cristão. Assim fazem também os documentos pontifícios, sobretudo a partir de Pio X, e o Código de Direito Canônico de 1917, tornando-se em se-guida usual na linguagem oficial da Igreja latina.

1.2. A concepção de culto na Bíblia5

Oferecemos aqui uma visão necessariamente global do culto na Bíblia: uma breve síntese de teologia bíblica, não uma pesquisa histórica. Como já acenamos anterior-mente, o Novo Testamento exprime um conceito origi-nal do culto. Não é possível, porém, ignorar o húmus do qual se origina e se desenvolve a experiência cristã, e as linhas de continuidade que ela tem em relação ao culto veterotestamentário.

5. Esse termo provém da raiz hebraica ZKR (“recordar-se”). Zikkarôn ou azkarah são frequentemente traduzidos pelos LXX por mnemósynon ou anámnesis (cf. K. H. Bartels, “Memoria”, in Dizionario dei concetti biblici del Nuovo Testamento, op. cit., pp. 990-996).

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1.2.1. O culto no Antigo Testamento

O homem religioso para entrar em contato com a di-vindade tira da vida – isto é, do chamado mundo profano – gestos, pessoas, espaços e tempos, carrega-os de valor sim-bólico considerando-os um lugar privilegiado do encontro com a divindade. Forma-se assim o âmbito do sagrado.

Também a tradição bíblica dá amplo espaço ao sa-grado; nela, porém, há um esforço constante para supe rar a tentação de concebê-lo como uma realidade separa da, fora do profano. O dinamismo de fundo que condu ziu Israel a estabelecer uma ligação estrita entre o culto e a vida é a fé em Javé como Deus da história. As estrutu ras cultuais das grandes religiões permanecem, mas são dire-cionadas para a vida: são “sinais” que recordam o sentido que possuem a vida e a história.

Israel funda sua identidade sobre a relação com um Deus que entrou na história. Por isso, o seu culto é histó rico e profético. O conceito que melhor exprime a essên cia histórica e profética deste culto é o termo me­morial. Não se trata de um simples ato de lembranças fixadas que se recuperam do passado, assim como se recuperam fotografias amarelecidas pelo tempo no fun-do de uma gaveta. A memória cultual é um ato vivo de comemora ção. É neste ato de memória comum que um povo ou um grupo renasce. O passado das origens é de algum modo recuperado para se tornar a gênese viva do hoje. Isto vem então recebido no presente como um dom da graça. Além disso, todo projeto de futuro parece ter suas raízes no despertar dessa tradição: o homem tem futuro somente porque tem memória.

A insistência sobre o fato de que não é “com nossos pais” que Deus fez a aliança (Dt 5, 3), mas com a gera ção

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presente, mostra que a função central do culto não é a simples memória do passado, mas sua atualização. O cul-to assim concebido procura suprimir, sem esquecê-la, a distância cronológica e espacial: Deus não agiu somen-te em tempos passados e em lugares diversos, mas age eficazmente e de modo semelhante aqui e agora. No seu memorial pascal, Israel recebe o seu passado como dom salvífico no presente, e esse dom garante uma promessa de futuro. Esta perspectiva de futuro adquire toda a sua amplitude somente pouco a pouco, graças aos profetas que anunciam a nova aliança.

Se em Israel o culto tem sua referência à história, esta tem como experiência básica o êxodo. Trata-se de um movi mento de libertação e constituição do povo em nível políti co, que traz consigo sobre o plano religio-so um movimento de conversão e aceitação da fé em Javé, e implica por sua vez uma determinada categoria de culto: Israel foi constituí do “povo de Deus” para o serviço de Deus; nasce, pois, como “povo sacerdotal”. Na espiritualidade de Israel existe uma íntima relação entre história, culto e atuação da aliança, isto é, entre culto e vida.

O Antigo Testamento coloca em evidência e repetidas vezes esta íntima união existente entre culto e vida. Js 24, na narração da grande assembleia de Siquém, sublinha for-temente a conexão entre a Palavra de Deus, que narra a história passada como história da salvação, e res posta do povo a esta Palavra na submissão à lei divina. O encontro com Javé libertador na história, a sua celebra ção alegre no culto, e a resposta coerente na fidelidade à aliança, consti-tuem três momentos fundamentais e em perfeita continui-dade na vida do povo de Israel. A res posta do povo a Josué,

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neste aspecto, é eloquente: “Nós serviremos o Senhor, nos-so Deus, respondeu o povo a Josué, e obedeceremos à sua voz” (Js 24,24). O uso do verbo “servir” exprime a adesão total do homem ao Se nhor. No ideal de vida proposto exis-te uma íntima rela ção entre história, culto e lei.

Esta visão ideal de culto não guiou sempre a vida religiosa do povo de Israel, o qual, ao contrário, cedeu frequentemente às tentações do formalismo até chegar a estabelecer praticamente um divórcio entre os diversos elementos que constituíam a resposta de fé a Javé, iso-lado o rito seja da Palavra interpelante de Deus seja da vida consequente. A tentação de Israel foi a de apegar-se ao rito, esquecendo as exigências que a aliança requer em relação à prática de vida.

Neste contexto, deve ser interpretada a atitude dos profetas. É conhecida a crítica profética, vivacíssima em relação a cada degeneração cultual. Eles pronunciam sentenças radicais contra os sacrifícios (cf. Is 1,11-13; Jr 7,21-22; Am 5,21-25), contra a arca (cf. Jr 3,16) e contra o templo (cf. Jr 7,14; 26,1-15). Fustigam um culto no qual Deus é honrado somente com os lábios e exigem que o coração esteja em harmonia com aquilo que o cul-to exprime:

...Esse povo vem a mim apenas com palavras e me honra só com os lábios, enquanto seu coração está lon­ge de mim (Is 29,13). Os profetas, testemunhas do proje-to divino, proclamam as exigências do Deus da ali ança, que não aceita um culto sem alma, e convidam a olhar em direção de um tempo e de um culto futuro reno vados (cf. Ez 37,26; 40-48). Todas estas críticas não têm a ten-dência de superar o culto, mas sim de mantê-lo no con-texto vivo da aliança.

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É falso, portanto, interpretar a denúncia profética como pura e simples recusa da história e do culto que celebra a memória dessa história, em favor de um mo-ralismo somente interior. A palavra profética está em relação não só com o presente histórico e com o futuro escatológico, mas também com o passado da história: os profetas lembram a Israel o que ele passou e que agora, ao contrário, parece ter esquecido (Jr 2, 11). Eles não condenam o culto, mas sim uma prática ritual que não exerce efetivamente a função que lhe é inerente, isto é, ser o lugar no qual o Deus vivo da história se encontra com o seu povo. Dessa forma, por exemplo, para Amós, a busca de Deus não é simplesmente um comportamento ritual nem uma procura teórica, intelectual e especula-tiva nem mesmo uma experiência mística limitada à in-terioridade, mas uma busca prática, no amor concreto à justiça (cf. Am 5,4-6.14-15). Jeremias, no interior do templo, denuncia o vazio do culto que ali se celebra, um culto feito de palavras, mas privado de frutos de conver-são (cf. Jr 7).

Ben Sira revela-se um herdeiro autêntico da tradi-ção profética, unindo intimamente a fidelidade à lei e ao culto ritual.

Segundo Sir 35, a prática da lei é por si mesma um verdadeiro culto: Ben Sira é ao mesmo tempo um fervo-roso ritualista apegado ao culto e um moralista que tem o zelo de observar a lei. Observemos que no Antigo Testa-mento o conceito “lei” (a tora hebraica) indica a mensa-gem fundamental de toda a revelação veterotestamentá-ria, isto é, o conjunto da revelação divina, as obras do Se nhor e as suas palavras, que convidam para seguir o ca minho que conduz à salvação.

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O culto de Israel se purifica de fato sob a pressão da denúncia profética. Observamos, de fato, que, num Is rael egoísta e burocrático, Cristo encontrará ainda cora ções “pobres”, nos quais a oração dos Salmos conserva ra quer o sentido da verdadeira justiça, condição indis pensável para viver o autêntico culto, quer a espera do Messias que irá inaugurar o culto perfeito (cf. Ml 3,1-4).

1.2.2. O culto no Novo Testamento

A passagem do Antigo para o Novo Testamento está marcada ao mesmo tempo pela continuidade e pela ruptura. Isso também se aplica com relação ao conceito de culto.

É necessário observar, antes de tudo, a posição assu-mida por Jesus em relação ao serviço litúrgico judaico, durante a sua atividade pública. A primeira impressão é a de uma postura mista de dependência e de liberdade.

Por um lado, Jesus observa as práticas cultuais do seu povo; por outro, porém, ele é fiel à linha dos profetas que exigem o primado do espírito sobre o rito (Mt 5,23-24; Mc 12,33). Cristo resumiu e colocou no centro a lei no cumpri mento do preceito do amor a Deus e ao próximo. De manei ra semelhante, no âmbito do culto, ele lembra e deixa muito claras as exigências fundamentais que condi-cionam o valor ou a nulidade do próprio culto: o amor e o perdão do irmão (Mt 5,23-24; 15,5-9; Mc 7,6-9).

Mais ainda: Cristo introduz um novo culto “em es-pírito e verdade” (Jo 4,24), isto é, um culto oferecido pela própria vida na sua totalidade, como ele mesmo vi veu e exemplificou. Com a vinda do reino de Deus fica aboli-da a ordem cultual e sacral do Antigo Testamento e do judaísmo. Isso é possível porque o homem, com o iní cio

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do reino de Deus, fica unido diretamente à sua von tade e pode servi-lo também na gratidão e na alegria.

O culto cristão é “novo” porque não produz uma ação organizada à margem da vida, mas constitui a própria razão do ser cristão, isto é, cria homens que “vivem em Cristo”. A existência de Cristo é a plenitude do culto cristão.

Eis por que tudo o que merece o nome de culto está marcado pelo acontecimento definitivo realizado por Deus em favor dos homens ressuscitando Jesus dos mor-tos. Constatamos que são aplicadas a Cristo, principal-mente na Carta aos Hebreus, todas as palavras sacrais e cultuais do Antigo Testamento: Cristo é o templo, e mais do que o templo, é o eterno e sumo sacerdote, é o liturgo dos cristãos por excelência, é o único mediador da nova e eterna aliança. A existência inteira de Cristo é um mi-nistério sacerdotal de expiação que culmina com a oferta da sua vida em sacrifício (Hb 10,5ss). Ao ser glorifica do, o Senhor exerce o seu Sacerdócio em benefício dos seus. Por isso, por seu intermédio podemos entrar no san tuário e ter acesso a Deus (Rm 5,1ss; Hb 10,19ss).

A afirmação de Jesus no templo (“Destruí vós esse templo, e eu o reerguerei em três dias” – Jo 2,19) anuncia a superação da crítica profética sobre o formalismo cul-tual e um novo estatuto do culto como tal. Esta novidade, porém, poderia manifestar-se somente depois da Páscoa. Os cristãos não têm outro templo a não ser o corpo glori-ficado de Jesus, nem outro altar a não ser a cruz, nem outro sacerdote e sacrifício a não ser a sua mesma pes-soa. O corpo de Cristo, ou seja, a sua humanidade, além de ser templo de Deus é também aquele que – sempre na linha de cumprimento da mensagem veterotestamentária – será o substituto das vítimas animais do antigo estatuto

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cultual. A obediência de Cristo, que se compromete até o fim no cumprimento da vontade do Pai, abre o culto cris-tão a categorias novas e originais. A atitude de Cristo se torna o novo e exclusivo modelo cultual.

O estatuto do culto, portanto, se transformou de for-ma radical. Deus, ao atingir agora o seu povo – quer gre-gos quer judeus – de forma direta no Cristo ressuscitado e mediante o dom do Espírito Santo, e não mais pela dupla instituição da salvação representada pela lei e pelo tem-plo; o primeiro culto dos cristãos é o da acolhida dessa graça de Deus na própria vida cotidiana, por meio da fé e da caridade.

Como já dissemos, no Novo Testamento a termino-logia cultual é deliberadamente evitada para o serviço litúrgico cristão; ela serve exclusivamente para caracte-rizar o serviço veterotestamentário do templo, ou então como perífrases dos acontecimentos que se verificaram durante a presença de Cristo na terra ou do comporta-mento dos cristãos no mundo.

Os fiéis, estimulados pelo Espírito que os anima, em comunhão de vida com o seu Senhor, são usados como pedras vivas para a construção de um edifício espiritual, para um sacerdócio santo, para oferecer sacrifícios espi­rituais, agradáveis a Deus, por meio de Jesus Cristo (I Pd 2,5). Observamos que esta célebre passagem (cf. tam-bém I Pd 2,9), que proclama o “sacerdócio comum” dos fiéis, fala, todavia, não do serviço sacerdotal no âmbito da comunidade, mas da ação sacerdotal em relação ao mundo, na situação individual, na vida de todos os dias.

Destaca-se, portanto, em relevo, o caráter “profano” dessa ação e a sua finalidade de conduzir os homens para Cristo, mesmo “sem a palavra da pregação” (1Pd 3,1).

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Dessa forma, a existência inteira do fiel no mundo, vivida com fidelidade e coerência ao dom do Espírito, torna-se um verdadeiro culto espiritual, o culto perfeito dos novos tempos. Esta doutrina é maravilhosamente expressa por São Paulo, quando diz: Eu vos exorto, pois, irmãos, pelas misericórdias de Deus, a oferecerdes vos sos corpos em sacrifício vivo, santo, agradável a Deus: é esse o vosso culto espiritual (Rm 12,1).

A categoria hebraica da sacralização por meio da es-colha externa do profano é substituída pela santificação do profano, a tal ponto que, na esteira do Novo Testa-mento, o lugar primário da liturgia ou do sacrifício dos cristãos é a ética do cotidiano, santificada pela fé e pela caridade teologais.

O culto da Igreja apostólica se inspira no comporta-mento de Cristo e permite entrever o deslocamento da im-portância da ritualidade para a vida prática sem, entre tanto, negar a própria ritualidade; pelo contrário, os tex tos ofere-cem pistas para afirmar que o culto da vida é considerado como um desenvolvimento da Eucaristia (cf. 1Cor 11,17- -34; Rm 12,1-2; 1Pd 2,4-5; Jo 4,23-24; Hb 1ss).

Jesus, que viveu uma vida de obediência total ao Pai e de serviço para os homens (cf. Mc 10,45), isto é, o verdadeiro culto e o verdadeiro sacrifício, no fim da sua vida a retoma, resumindo-a e exprimindo-a com o gesto simbólico, cultual, da fração do pão e do cálice do vinho. Resumida num gesto ritual, repetível, celebrativo, Jesus entrega a sua vida aos discípulos para que celebrem sua memória no rito (“fazei isto em memória de mim”) e na própria existência (“tomai e comei”), de forma insepa-rável. Jesus não celebrou um sacrifício ritual, mas sim o da sua própria vida (morte como doação e oferta de si),

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mesmo que nos tenha deixado um “memorial” que é ca-racterizado por algumas formas rituais: a santa ceia (pro-vavelmente num contexto de ceia pascal, mas fora de um contexto de assembleias oficiais destinadas às multidões).

Não existe para os cristãos a possibilidade de trans-formar a própria vida em oferta agradável a Deus e útil aos irmãos, sem a mediação de Cristo e sem o sacrifício de Cristo na cruz.

Esta possibilidade é, portanto, fruto do seu sacrifí-cio e permanece numa dependência contínua em relação a eles. Esta dependência deve necessariamente traduzir--se na existência cristã de uma forma concreta. Esta é, exatamente, a finalidade dos sacramentos e especialmente da Eucaristia: a participação à salvação em virtude do Espírito na Igreja e a antecipação da sua definitiva reali-dade escatológica acontecem exatamente no culto cris-tão, especialmente na celebração eucarística.

Esta celebração constitui o Kairós da salvação, isto é, aquele momento de graça, no qual a salvação, realizada no passado, se faz presente sacramentalmente e ante cipa a sua definitiva realidade escatológica.

De fato os fiéis, como indivíduos e como comunida-de, unidos na celebração eucarística com Cristo no Espí-rito, formam um só corpo com Ele, para a glória do Pai, na comunhão da vida divina. A Eucaristia é o sacramen-to da ação mediadora de Cristo, que permite aos cristãos colocar-se real e plenamente sob o influxo da mediação de Cristo. Sem a Eucaristia, a existência cristã não pode estar plenamente unida à existência de Cristo6.

6. Sobre tudo isto, cf. A. Vanhoye, “Liturgia e vita nel sacerdozio dei laici”, in VV.AA., Sacerdozio e mediazioni. Dimensioni della mediazione nell’ esperienza della Chiesa (aos cuidados de R. Cecolin), Messagero, Pádua, 1991, pp. 21-40.

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Como conclusão, podemos afirmar que o culto cris-tão pode ser descrito com esses termos: memória do acon tecimento definitivo que Deus realizou em Cristo e por Cristo em favor dos homens; memória que se cele-bra na nova comunidade dos redimidos, corpo de Cristo ressus citado (cf. 1Cor 12,12-13), verdadeiro povo sacer-dotal que adora em Cristo e por Cristo o Pai “em espírito e verdade” (Jo 4,23-24).

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2História da liturgia1

A liturgia, cuja natureza ilustramos no primeiro ca pítulo, se manifesta através de um conjunto de formas que, ao lon-go da história, passou por transformações. Nela existe com certeza uma parte imutável porque é de ins tituição divina; mas existem também partes suscetíveis de transformações, que no decurso do tempo podem e até devem acontecer (SC, n. 21). Nós tentaremos ilus trar exatamente a história dessas transformações, isto é, do devir, do desenvolvimento e das modificações que no curso da história, paulatinamente, de-ram origem ao conjunto das celebrações da liturgia da Igreja, partindo da origem divina estabelecida em Jesus Cristo.

1. T. Klauser. La liturgia nella Chiesa occidentale, LDE, Turim-Leumann, 1971; B. Neunheuser, Storia della liturgia attraverso le epoche culturali, Edizioni Liturgiche, Roma, 1977; VV.AA., La liturgia. Panorama storico generale, Marietti, Casale Monferrato, 1978; E. Cattaneo, Il culto cristiano in Occidente. Note storiche, Edizioni Liturgiche, Roma, 1984, 2a ed.; B. Neunheuser, “Storia della liturgia”, in NDL, pp. 1.450-1.478; X. Basurko - J. A. Goenaga, “La vida litúrgico-sacramental de la Iglesia en su evolutión histórica”, in VV.AA., La celebración en la Iglesia (aos cuidados de D. Barobio), I, Sígueme, Salamanca, 1985, pp. 49- 203; I. H. Dalmais – P. M. Gy - P. Jounel, “Storia della liturgia: riti e famiglie liturgiche”, in VV.AA., La Chiesa in preghiera. Introduzione alla liturgia (aos cuidados de A. G. Martimort), I, Queriniana, Bréscia, 1987. pp. 37-103; A. Adam, Corso di liturgia, Queriniana, Bréscia, 1988, pp. 20-59.

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O conhecimento das grandes linhas dessa história é essencial para entender as estruturas celebrativas da litur-gia atual. Além disso, o estudo crítico da história passada tem força de abertura para o futuro.

Neste capítulo nos ocupamos da história “geral” da liturgia. A visão panorâmica que oferecemos mostra so-mente as fases mais importantes do desenvolvimento da liturgia cristã, e, pelas características da nossa obra, so-bretudo da ocidental.

2.1. A época dos primórdios

2.1.1. A liturgia da primeira tradição apostólica

No Novo Testamento não se encontra nenhuma des-crição sistemática da liturgia apostólica, mas sim uma série de detalhes e de indícios que precisam de uma ex-plicação particular.

A constatação de que, conforme referimos no capí-tulo primeiro, o termo leitourghía somente aparece uma vez no Novo Testamento para sinalizar o culto ritual cris-tão, não significa que a primitiva comunidade apostólica não conhecesse formas de culto litúrgico, mas indica, ao invés, a “novidade” do culto cristão.

A Igreja apostólica nasce no sulco do judaísmo, em cujo ambiente dá os primeiros passos. Cristo e os seus dis-cípulos participaram do culto judaico, mas mesmo assim foram se distanciando de forma progressiva2. A primeira comunidade cristã, numa relação contínua e descontínua

2. Sobre a relação entre culto judaico e culto cristão, cf. as observações feitas por Ch. Perrot, “Il culto della Chiesa primitiva”, in Concilium, 19 (1983) pp. 183-194. Para situar a problemática dentro de uma moldura mais geral, cf. D. Syme Russell, Dal primo giudaismo alla chiesa delle origini, Paideia, Bréscia, 1991.

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com o Antigo Testamento, toma sempre mais consciência a respeito da novidade da experiência cristã. Esta tomada de consciência a respeito das próprias ca racterísticas tam-bém no campo cultual torna-se plena, podemos afirmá-lo, após a destruição do templo de Jeru salém, ocorrida no ano 70 da nossa era.

Sem renegar as raízes judaicas, e até em sintonia com elas, a Igreja apostólica criou novas formas de culto, das quais se originam os desenvolvimentos posteriores da li-turgia cristã.

Relatamos a seguir os mais importantes.Quando o Novo Testamento fala da celebração litúr-

gica usa normalmente os verbos congregar­se e reunir­se (cf. Mt 18,20; 1Cor 11,17.20.33-34; 14,23.26; At 4,31; 20, 7-8; Hb 10,25; Tg 2,2, etc.). O fato de “reunir-se junto” dos fiéis é o elemento significativo do serviço litúrgico cristão3. A comunidade primitiva, em Jerusalém, reunia-se antes do tem plo para os ofícios de oração. A par disso, as reuniões nas casas particulares (domas ecclesiae ou oikoi ekklesías) fo ram adquirindo progressivamente importância.

Os primeiros cristãos, conforme narram os Atos, “partiam o pão em casa, tomando as refeições com ale-gria e simplicidade de coração” (At 2,46). Nisto deve-se reconhecer, à luz de outros textos bíblicos, seja a “ágape” ou a refeição fraterna, seja a “ceia eucarística” (cf. 1Cor 17-34), ainda que não possamos definir, na maior parte dos textos, se trata-se da refeição religiosa ordinária ou da Eucaristia propriamente dita.

De fato, durante todo o século I, a Eucaristia é celebra-da junto a uma refeição, especialmente nas comunidades

3. Cf. F. Hahn, II servizio liturgico nel cristianesimo primitivo, op. cit., pp. 40-41.

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de origem judaica. Junto à refeição há o ensinamento dos apóstolos, a comunhão fraterna e as orações (cf. At 2,42.47; 4,24-31; 12,5). Era normal que neste conjunto se manifestassem formas da oração judaica, por exemplo a birkat ha­mazon, ou oração de bênção (= Eucaristia) e ele-mentos individuais como aleluia (cf. Ap 19,1-6), Amém (cf. 1Cor 14,16; Ap 5,14; 7,12; 19,4, etc.), hosana (cf. Mt 21,9; Mc 11,9-10) e a fórmula nos séculos dos séculos (cf. Rm 16,27; G1 1,5; Flp 4,20; 1Tm 1,17, etc.).

De modo particular adquire importância especial a reunião litúrgica aos domingos celebrada pela comuni-dade como memória semanal da ressurreição do Senhor (cf. 1Cor 16,2; At 20,7; Ap 1,10). A celebração da Páscoa anual vai surgir mais adiante. Pode-se deduzir de 1Cor 5,7, dentre outros textos, que o Domingo de Pás coa tenha tido logo um destaque particular como Páscoa anual. Nesse texto Paulo afirma, referindo-se ao rito da festa hebraica: “Em verdade Cristo, nossa Páscoa, foi imolado!”. No texto há uma clara tomada de consciência de que a imolação de Cristo substituiu a do cordeiro da Páscoa hebraica.

A Igreja apostólica celebra o Batismo “no nome de Jesus Cristo” (At 2,38). No contexto, Ele aparece como o Batismo “no Espírito Santo”, anunciado por João Batista (cf. Mt 3,11; Mc 1,8; Lc 3,16; Jo 1,33) e pelo mesmo Jesus a Nicodemos (Jo 3,3-5).

Fica claro, por tudo o que foi dito, que a comunida de apostólica, embora não tendo ainda uma regulamen tação estável da liturgia, já dispunha de algumas formas litúr-gicas próprias. Destaca-se a importância das reuniões de oração, do Batismo e da Eucaristia. Das outras formas litúrgicas pouco sabemos: a imposição das mãos, a peni-tência, a unção dos enfermos, etc.

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Neste período quatro fatores são essenciais para a formação e o desenvolvimento do complexo litúrgico: a mensagem e a atividade de Jesus; o mistério de sua mor te e ressurreição; a conscientização da presença do Se nhor entre os seus; a ação do Espírito Santo.

Conforme já destacamos anteriormente, fica eviden-te, sobretudo pela terminologia usada, que, sob o aspecto de princípio, não há qualquer divisão entre reunião para o serviço litúrgico e o serviço dos cristãos no mundo: te-mos aqui os traços da influência da superação por parte de Jesus entre o sagrado e o profano.

2.1.2. A liturgia nos séculos II-III

Neste período os autores que nos dão informações sobre a liturgia cristã são, primeiramente, os Padres apostólicos: a Diclachè, Clemente Romano, Inácio de Antioquia, Policarpo de Esmirna. Entre os Padres apo-logistas é importante o testemunho do filósofo e már tir Justino. Pela primeira vez encontramos alguns textos litúrgicos na regulamentação eclesiástica, atribuída ao presbítero romano Hipólito, que, como representante dos círculos conservadores, procura preservar a tradição de falsificações, escrevendo para isso a Tradição Apostóli ca (conforme a tradução do título grego), documento esse do ano 215 aproximadamente. Hipólito, no entanto, embo-ra apresentando alguns textos tradicionais, reconhece o direito de livre formulação por parte do Bispo, se esse se julgasse à altura.

Em pleno século III e dando continuidade às informa ções fornecidas por Hipólito, sobretudo quanto ao Batismo, Eucaristia e a outorga do ministério eclesial, são importan tes as obras de Tertuliano e de Cipriano,

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que representam os primórdios da literatura cristã na língua latina.

Nos autores citados, encontramos múltiplas informa-ções sobre a celebração da Páscoa anual, do domingo, dos sacra mentos da iniciação cristã, da Eucaristia e sobre a estruturação da oração e ordenação do bispo, presbítero e diácono.

Nos séculos II e III, assistimos à passagem do Evange-lho de Cristo do mundo hebraico-aramaico ao mundo he-lenístico a partir das línguas síria (aramaica) e sobre tudo da grega (koiné) e latina.

No campo litúrgico, como em outros setores da vida da Igreja, é um período de improvisação e de criatividade. Embora possa parecer paradoxal, a liturgia primitiva, extre-mamente fiel à Tradição, foi de certa forma universal exa-tamente porque era inimaginável que a Tra dição apostólica pudesse ser formulada de uma forma definitiva e imutável. A improvisação da qual falamos pressupunha a fiel obser-vância de alguns cânones ou prin cípios tradicionais, isto é, pontos estáveis transmitidos de uma geração a outra.

2.1.3. A virada do século IV

O edito constantiniano do ano 313 estabeleceu a paz para a Igreja, mas também abriu a comunidade eclesial ao universo circunstante e ao império romano, provocan-do não somente conversões fáceis, especialmente nas ci-dades, mas também um inevitável contato com alguns elementos culturais que até aquele período haviam per-manecido mais ou menos fora do âmbito cristão. Isto trou-xe consequências também no campo litúrgico. Estamos diante do pleno desenvolvimento das formas litúrgicas.

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As celebrações, especialmente nas grandes cidades, são realizadas agora em esplêndidas “basílicas”, construí--das sobretudo com a ajuda do imperador e de membros da sua família. Isso exige uma liturgia mais solene. Das ca sas particulares (domus ecclesiae) passou-se para um verdadeiro templo, e o templo exige o “altar”.

A ideia da mesa, portanto, que se coloca no lugar no momento aprazado, passou para um segundo plano e até tomou sempre mais a linha de fora do altar fixo no lugar, devido a uma visão que nunca desapareceu por completo e da qual o Antigo Testamento estava repleto. Ao lado das igrejas principais constrói-se o “Batistério”.

Por vontade do Imperador, os Bispos são equipara dos aos mais altos funcionários do Império. A valoriza ção so-cial do Bispo e do seu clero conduz também a uma indu-mentária semelhante à oficial: túnica, paenula ou toga e mappula romana, da qual se desenvolverá a indumentária litúrgica em sentido próprio, quando, após o século V, o antigo traje masculino romano (túnica e toga) cede lugar ao traje gálico-germânico com seu formato mais curto (calções e jaqueta curta). Os ministros da liturgia conser-varam as antigas roupagens festivas, que se transforma-ram depois nos paramentos sagrados4.

É imposta a celebração do domingo, protegida pela lei do Estado. Na segunda parte do século IV, delineia-se a estrutura definitiva do ano litúrgico, com o ciclo pascal e natalício.

Com o fim das perseguições, após a virada de Constantino, os mártires da fé se tornam objeto de aten ção especial e de veneração. Já antes, porém, encontra mos o

4. Cf. P. Salmon, Études sur les insignes du pontife dans le rite romain. Histoire et liturgie, Officium Libri Catholici, Roma, 1955.

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começo deste culto, especialmente no Oriente, onde, por exemplo, por volta da metade do século II, a co munidade de Esmirna na Ásia Menor celebra a memória anual do seu bispo e mártir Policarpo († 155 ou 156)5. Neste con-texto aparece a igreja cemiterial ou “memó ria”, construí--da sobre ou ao lado do túmulo dos mártires.

Para a elaboração da oração, especialmente para o de senvolvimento da cotidiana oração das horas, é de particu lar importância a consolidação do monarquismo no século IV.

É de grande relevância, para a formação posterior da liturgia, a influência dos grandes centros eclesiás -ticos, que se fortalece depois da paz constantiniana sob os aspectos teoló gico, disciplinar e litúrgico. Surgem des-sa maneira, no âm bito da mesma língua, da mesma província, da mesma cul tura, formas litúrgicas com carac terísticas diferentes; as se des menores, no entan-to, seguem o modelo e o exemplo das sedes maiores centrais. Partindo de um fundo comum apos tólico (em suas grandes linhas esquemáticas), com uma liberdade muito ampla, chega-se a uma relativa uniformida de, no âmbito da mesma província, segundo o modelo das metrópoles das sedes patriarcais.

As vicissitudes deste período nos ensinam que o culto cristão, embora nunca deixando de ser um culto “espiri-tual”, não conseguiu se livrar das situações concretas do ambiente histórico, social e cultural no qual estava inse-rido. O fato de que, dessa forma, o culto cristão tenha ad-quirido as características específicas, ou seja, o “espí rito” de um determinado povo, deve ser avaliado num sentido

5. Cf. Il martirio di Policarpo, 18, in I Padri Apostolici, op. cit., p. 170.

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muito positivo; isso, porém, não deve impedir a análise do fenômeno sob o aspecto crítico.

2.2. As “famílias litúrgicas”

O surgimento e a consolidação das famílias litúrgi­cas coincidem com a época que assiste à ação de for-ças centrí fugas na estrutura do Império Romano, para o qual já teve início aquela parábola descendente, que não será de tida nem pela descentralização introduzida por Diocleciano (284-305), para dar maior flexibilidade à sua admi nistração, nem muito menos pela criação da sede imperi al de Bizâncio, obra de Constantino, nem pela subsequente divisão do império em quatro prefeituras. A queda do Império Romano do Ocidente se completa com a deposi ção de Rômulo Augústulo no ano de 476. Após esta data não existem mais no Ocidente nem imperador nem im pério; há somente uma série de reinos controla-dos por soberanos germânicos que, embora reconhecen-do teori camente a soberania de Bizâncio, na verdade são total mente independentes.

A separação política de Roma exige uma organiza-ção mais profunda de toda a disciplina das províncias eclesiásticas singulares, cada qual pressionada por ne-cessidades particulares por causa das diferentes situa-ções culturais, econômicas e religiosas; dessa realidade nos dão testemunho os Atos dos concílios provinciais. E não podemos esquecer que já no começo do século V se conso lidava o princípio jurídico da uniformidade de disciplina – portanto, também da liturgia – de todas as Igrejas com a do respectivo Metropolita. Isso com certe-za favoreceu a coordenação de alguns detalhes litúrgicos

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a ponto de cons tituírem, pouco a pouco, um rito local no sentido regio nal. Antes do século V, porém, não há exemplos de imposi ções litúrgicas diretas por parte de um bispo sobre outro.

2.2.1. As liturgias particulares no Oriente6

Embora nós usemos indistintamente as palavras “li-turgia” e “rito”, observe-se que, falando em sentido es-trito, “rito” tem um sentido mais amplo: abrange não somente o conjunto cultual, mas também as normas jurí-dicas e administrativas de uma determinada Igreja.

No começo (séculos III-IV) podemos distinguir dois ramos litúrgicos principais, que correspondem a duas áreas geográficas bem distintas: ramo siro-antioqueno e ramo alexandrino.

Constantinopla, eminente capital do Império Roma-no e guardiã dos Concílios, não tem uma tradição cristã bem caracterizada. Sofre muita influência de Antioquia, especialmente em assuntos litúrgicos. Dessa forma resul-tam, após os cismas dos séculos. V e VI, na fase de es-truturação definitiva, os seguintes grupos litúrgicos mais importantes:

1. Grupo siro­oriental ou siro­mesopotâmico – Após o Concílio de Éfeso (431) aderiu ao Nestorianismo. Des-de o ano de 484, decidiu conservar a doutrina de Teodoro de Mopsuéstia. Fechou-se num isolamento eclesiástico em relação ao Ocidente siro-helênico, com a duração de quase oito séculos. Esse fato explica por que a sua liturgia

6. Para mais amplas informações sobre o assunto, ver em T. Federici, “le liturgie dell’area orientale”, in VV.AA., La liturgia. Panorama storico generale, op. cit., pp. 110-128; D. Gelsi, “Orientali Liturgie”, in NDL, pp. 983-1.007.

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conserva traços arcaicos. Uma dinâmica atividade mis-sionária dessa Igreja nestoriana difundiu o Cristianis mo, entre outros lugares, até a costa ocidental do sul da Índia, onde se manteve ao longo dos séculos.

2. Grupo anticalcedoniano – Não aceitou o Concí-lio de Calcedônia (451). É muito diversificado, porque engloba siro-ocidentais, armênios, coptas e etíopes. As instituições e a doutrina revelam certa influência antio-quena, mas a liturgia, ao invés, registra uma influ ência bizantina.

3. Grupo calcedoniano – Inclui o patriarcado de Constantinopla, de Jerusalém e as partes dos patriarcados de Antioquia e Alexandria de influência calcedoniana. Neste grupo sempre se desenvolveu mais intensamente a liturgia bizantina. Na época dos Iconoclastas, o ambien te monástico da Palestina influiu definitivamente na or dem litúrgica bizantina.

2.2.2. As liturgias particulares no Ocidente

A partir do século IV multiplicam-se os testemunhos indiretos sobre as liturgias ocidentais; mais tarde surgem os textos. Podemos identificar as seguintes tradições litúrgicas:

1. A liturgia romana – Os textos autênticos e exclu-sivos são transmitidos numa época relativamente tardia. A fonte mais antiga é o denominado Sacramentário de Verona (da segunda metade do século VI); contém uma sé rie de cadernos (libelli missarum) nos quais estão regis-trados os formulários de determinadas celebrações, clas-sificadas pela ordem dos dias do ano civil.

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O documento está mutilado. Os meses de janeiro a março, incluindo a Quaresma e a Festa da Páscoa, não constam.

Encontramos a seguir o Sacramentário gelasiano antigo, que foi transcrito perto de Paris, no fim do sé-culo VII. O núcleo original romano deveria remontar ao século VI e representa a liturgia de Roma. A finalidade da cole ção original parece ter sido a de servir para a li-turgia dos “títulos” romanos. É o primeiro autêntico sa-cramentário organizado; começa com a vigília de Natal e abrange o ano inteiro, tendo o “santoral” separado do “temporal”. Além disso inclui diversos rituais7.

O Sacramentário Gregoriano, atribuído ao Papa Gregório I (590-604), mas redigido sob o pontificado de Honório (625-638), representa a liturgia papal. Nele o santoral está misturado com o temporal, e até às vezes os domingos são conhecidos pelo nome de algum santo cele-brado anterior mente. O Papa Adriano I (772-795) enviará dele uma cópia reformulada ao Imperador Carlos Magno, que lhe tinha fei to o pedido. Para as necessidades da Igreja franca, o mesmo será acrescido de um Suplemento (Hucusque), preparado por Bento de Aniano († 821). No século VIII e mais tarde, surgem em seguida inúmeras for-mas mistas conhecidas como Gelasianos do século VIII8.

Embora os sacramentários romanos tenham surgido numa época relativamente tardia, ficou demonstrado que alguns dos seus textos remontam a Leão I (440-461), a Gelásio I (492-496) e Vigílio (537-555). Os textos que

7. Os “sacramentários” são livros nos quais, até a época de Carlos Magno e além, o bispo ou o sacerdote encontram reunidas juntas as orações da missa e das outras ações litúrgicas.

8. Sobre os sacramentários e outros livros Iitúrgicos da liturgia romana e de suas respectivas edições, cf. I. Scilicone, “Libri liturgici”, in NDL, pp. 701-713.

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ainda hoje usamos na liturgia romana, em grande parte, têm origem nesta antiga tradição.

Comparando os elementos formais da liturgia roma-na pura com os das liturgias orientais e de outras liturgias ocidentais, observamos a sua simplicidade precisa, só-bria, sucinta, não loquaz e pouco sentimental; a sua dis-posição é clara e lúcida; a sua grandeza, sagrada e huma-na ao mesmo tempo, espiritual e de notável valor literá-rio. Entre os elementos teológicos característicos, deve--se observar que a oração é dirigida geralmente ao Pai, por Cristo, no Espírito Santo. Observamos ainda que a oração eucarística romana se distingue da sua correspon-dente galicana e hispânica e também das “anáforas” ori e-ntais, porquanto ela é única (= cânone romano).

2. A liturgia africana – É opinião bastante comum que a liturgia galicana e a hispânica tenham se formado ao mesmo tempo e que comprovam terem raízes sobre-tudo na liturgia da África norte-ocidental, da qual teriam conservado alguns elementos arcaicos, especialmente na estrutura da missa. A liturgia da África norte-ocidental, de uma primeira fase, que não podia ser senão grega, passou para uma segunda fase na língua latina. Entretan-to, ela não podia ser uma liturgia romana integralmente, pois em Roma, até a época do Papa Dâmaso († 384), usa-va-se a língua grega, enquanto na África, ao contrá rio, usava-se o latim, desde os tempos de Cipriano († 258).

Faltam os documentos dessa liturgia. Dispomos so-mente de alguns testemunhos indiretos nos escritos dos Padres da Igreja africana dos séculos III-VI9.

9. Cf. F. Cabrol, “Afrique (Liturgie anténicéenne de 1’)”, in DACL, 1, pp. 501-619; Id., “Afrique (Liturgie post-nicéenne de 1’)”, in ibid., pp. 620- 657.

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3. A liturgia galicana – A respeito da liturgia gali-cana temos algumas informações contidas nos sermões de São Cesário de Aries († 542) e nos escritos de São Gregório de Tours († 594). Os documentos autênticos e específicos que nos dão testemunho da liturgia galicana pura do século VI e cerca de meados do século VII são fragmentários. Esta liturgia foi celebrada na Gália, com muitas particularida des locais, pois não havia um centro predominante e unificador.

As principais características da liturgia galicana são: não tem a sobriedade e a simplicidade do rito romano; possui grande quantidade de fórmulas que apresen tam um tom solene e grandiloquente o qual às vezes pode pa-recer até prolixo ou loquaz; as orações são dirigidas com frequência não ao Pai, mas a Cristo; as cerimônias são mais ricas. A respeito da missa, é característica a sua for-ma de estruturar a oração eucarística com fórmulas que variam todos os dias, inclusive aquelas que prece dem e as que seguem imediatamente a narração da insti tuição da Eucaristia. Isso permite a fusão entre a temática do ano litúrgico e a tradicional inerente à função especí fica que cada componente exerce no discurso global da oração eu-carística. Nisso a liturgia galicana se distinguia da roma-na e da ambrosiana, que tinham um cânone fixo. Na litur-gia hispânica, ao contrário, o sistema é muito se melhante ao galicano, e mesmo mais evoluído e aperfei çoado. A liturgia galicana desapareceu definitivamente no início do século IX com a decisão de Carlos Magno de adotar oficialmente a liturgia romana em todo o seu terri tório10.

10. Para mais informações, cf. J. Pinell, “La liturgia gallicana”, in VV.AA., La liturgia. Panorama storico generale, op. cit., pp. 62-67; Jd., “Libri liturgici gallicani”, in ibid., pp. 185-190.

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4. A liturgia hispânica ou hispano­moçárabe – É a li-turgia autóctone que se desenvolveu na Península Ibé rica no final do século VI, ao mesmo tempo que se pro cessava a unidade política, e que vigorou até a sua su pressão du-rante o pontificado de Gregório VII (1073-1085). Poucos anos depois, tendo sido liberta da Toledo da dominação árabe (1085), permitiu-se a seis paróquias dessa cidade, cujos fiéis eram “moçárabes” (adjetivo aplicado aos cris-tãos que viviam sob o jugo dos muçulmanos), continuar usando o antigo rito hispânico.

Na formação e no desenvolvimento da liturgia his-pânica convergem, por um lado, a obra doutrinário-literá-ria dos grandes Padres da Igreja hispânica: Justo de Urgell (primeira metade do século VI) e João de Leida (me tade do século VII), Leandro († 600) e seu irmão Isidoro († 636) de Sevilha, Eugênio II († 657) e Ildefonso († 667) de Toledo; por outro, a legislação de numerosos concí lios hispânicos, sobretudo os da época dos visigodos: do ano 540 ao ano 681 realizaram-se 24 concílios.

As características da liturgia hispânica são muito se-melhantes às da liturgia galicana. Quanto ao conteúdo pro priamente dito dos textos da liturgia hispânica, deduz--se, de forma permanente, uma preocupação dogmática destinada a esclarecer os pontos principais da doutrina católica sobre os mistérios da Trindade e da Encarnação11.

Após o Vaticano II foi constituída, em 1982, uma co-missão de peritos para a revisão da liturgia hispânica. No ano de 1988 o novo Missale hispano­mozarabicum foi aprovado ad interim pela Congregação do culto12.

11. Para ulteriores informações, cf. Pinell, “La liturgia ispanica”, in VV.AA., La liturgia. Panorama storico generale, op. cit., pp. 70-88; Id., “Libri liturgici ispanici”, in Ibid., pp. 190-201.

12. Ver o decreto in Notitiae, 24 (1988), pp. 671-672.

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5. A liturgia ambrosiana – Esta liturgia tem um inte-resse especial, pois ela nunca deixou de ser a liturgia viva de uma inteira e importante Igreja local, a de Milão. O nome ambrosiana se refere a Santo Ambrósio († 397), embora não possa ser considerada sic et simpliciter obra do santo. As fontes escritas da liturgia ambrosiana che-gadas até nós remontam, na sua quase totalidade, aos sé-culos IX e seguintes, época durante a qual esta liturgia sofre influências marcantes da liturgia romana, no calen-dário e nos formulários da missa. Portanto, a eucologia destes documentos somente em parte é especi ficamente ambrosiana. Há também pontos de contato com o Oriente e com a liturgia galicana.

A estrutura da missa ambrosiana é muito semelhan te à da missa romana. Na opinião de alguns autores, po rém, não faltam elementos que nos permitam reconstruir de alguma forma a estrutura mais primitiva que teria pon tos de contato com a missa afrogalicano-hispânica13.

Em 1970, foi criada uma comissão de trabalho para proteger e renovar o rito ambrosiano. Foi o primeiro pas-so para uma reforma segundo os princípios do Vaticano II. Em 1976, foi publicado o Missal ambrosiano segundo o rito da santa Igreja de Milão e em 1981 a Diurna laus. Saltério para uso das comunidades de rito ambrosiano14.

2.3. A liturgia ocidental na Idade Média

O desenvolvimento da liturgia ocidental se processa, durante o longo período da Idade Média, mais por meio

13. Sobre a liturgia ambrosiana, cf. A. M. Triacca, “Ambrosiana. Liturgia”, in NDL, pp. 16-52; A. Paredi, Storia del rito ambrosiano, Edizioni O. R., Milão, 1990.

14. Cf. F. Dell’Oro, “II nuovo Messale della chiesa ambrosiana”, in RL, 64 (1977) pp. 524- -623; Id., “La ‘diurna laus’ ambrosiana”, in RL, 70 (1983), pp. 223-256.

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de adapta ções e reproduções, do que de criação original. A criatividade se manifesta mais na periferia da ação li-túrgica: orações privadas para os fiéis ou até para o cele-brante, tex tos em prova e sequencias, ofícios de devoção, etc. Em se guida, parte-se da multiplicidade de ritos para a uniformida de estabelecida no século XVI pelo Concílio de Trento.

2.3.1. A época franco-carolíngia

Ao longo do século VII e na primeira metade do século VI desenvolve-se ao norte dos Alpes um amplo proces so de fusão entre a liturgia romana e a galicana, poden do-se falar de um período de transição. O impulso era provocado pelo apreço generalizado à liturgia ro mana também pela ampla insegurança e pela insa tisfação cau-sada pelo diversificado tipo litúrgico galicano por parte de muitos bispos e abades. Para o bispo anglo-saxônico Bonifácio († 755), um objetivo importante era unir mais solidamente as estirpes germânicas com Roma e com a sua liturgia. Assim pensava o seu amigo Crodegango († 766), Bispo de Metz. Finalidade seme lhante cara-terizava também os esforços da autoridade civil: o rei Pepino, em 754, estabeleceu a liturgia romana para o seu reino, obra que Carlos Magno completou en tre os anos de 785 e 78615.

Na prática, porém, aquilo que estava sendo adotado, julgando-se que fosse liturgia romana, já estava mesclado com elementos galicanos e passou mais adiante por novas

15. As relações e as trocas entre a liturgia romana e a liturgia galicana fo ram estudadas por C. Vogel, “Les échanges liturgiques entre Rome et les pays francs jusqu’à l’époque de Charlemagne”, in Settimane di studio del Centro Italiano di Studi sull’Alto Medioevo. vol. 7, Spoleto, 1960, pp. 185-295.

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adaptações e transformações galicanas. O tipo de liturgia que resulta pode ser descrito com estas características: de-senvolvimento muito rico, material variado e abundante, novo estilo (mais extenso, bastante loquaz, dramático). A explicação alegórica da liturgia da missa determina a sua compreensão. Os principais representantes deste ale-gorismo foram, na época carolíngia, o monge beneditino Alcuíno († 804) e seu discípulo Amalário († 814), Bispo de Metz, que eram também os principais conselheiros de Carlos Magno.

O alegorismo tenta transpor o sentido dos sinais-sím-bolos litúrgicos em estranhas e fantásticas aproximações bíblicas, tendo como resultado a redução dos ritos a uma espécie de espetáculo popular.

A dissolução do império carolíngio teve repercussões econômicas tão profundas que alteraram intensamente as fontes tradicionais de subsistência. Instaura-se o feudalis-mo. A nova situação econômica provoca repercussões tam bém na liturgia e explica em grande parte o indivi-dualismo litúrgico-devocional do século IX. O devocio-nalismo se cons titui num substituto da liturgia porque, ao dar importância à espontaneidade e à intensidade dos sentimentos religiosos, tende a criar um amplo espaço de práticas devotas e de ex pressões de culto que acabam por substituir e mesmo por distorcer a própria piedade cristã.

2.3.2. Decadência romana e influência germânica

Roma também se ressentiu da queda do império caro-língio. Ela continuou desenvolvendo a atividade ju rídica, mas a sua decadência espiritual foi de tal ordem que já nenhuma Igreja se dirigia a Roma para sistemati zar ou melhorar as próprias condições.

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Ao mesmo tempo que Roma assistia à redução da sua importância, crescia a civilização germânica. Por causa da queda do império, a Alemanha se projetou para assumir a herança de toda a antiga civilização ocidental. Isso se manifestou de forma clara quando subiu ao trono Otão I (1973). Ele se julgou o reformador, no sentido conservador, das instituições fundamentais carolíngias.

Em toda a parte espiritual teve a admirável ajuda da sua mulher, Adelaide. A nós interessam aqui as repercus-sões deste processo no campo litúrgico. Detemo-nos so-mente num fato fundamental.

Os sacramentários, dos quais falamos anteriormen te, contêm quase exclusivamente os textos da celebra ção, sem nenhuma indicação do desenvolvimento do rito; as ordi­nes (regulamentações) são, ao contrário, autênti cos e es-pecíficos livros de cerimônias. A maior parte des ses livros surgiu no norte dos Alpes. A obra do gênero mais impor-tante na história da liturgia ocidental foi es crita por volta do ano de 950 pelos monges do mosteiro de São Albano em Mogúncia e mais tarde recebe o nome de Pontifical ro­mano­germânico. Além do assim chama do Ordo romanus antiquus, contém textos galicano-francos, com anotações próprias do redator.

Na segunda metade do século X (e exatamente em 962 quando Ótão I se dirige a Roma para a coroação impe rial), esse livro chega à cidade eterna, na qual a vida eclesiástico-cultural atravessa um período de grave crise.

Do século IX e até a primeira metade do século X, a mui to custo ainda se produziam alguns manuscritos, com muito mais gratidão e rapidez foi aceita em Roma esta obra, e recebida, como se fosse a autêntica liturgia romana. O mesmo aconteceu com outros manuscritos.

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Constatou-se dessa forma que os livros litúrgicos que saí ram de Roma no mais puro estilo latino, reformu-lados na França e na Alemanha, voltaram em seguida alterados para Roma, que se apropriou deles. Dessa maneira, a antiga liturgia romana volta para Roma em roupagem galicano-franca e daí, “como liturgia da cú-ria romana”, iniciará seu caminho como liturgia unitá-ria do Ocidente.

É importante apresentar alguma informação a res-peito das controvérsias eucarísticas que se espalharam durante os séculos IX-XI. Desde a época carolíngia, sím bolo e realidade eram considerados como dois con-ceitos opostos um ao outro. O símbolo era considerado como um indicador, como alguma coisa que desperta a atenção para alguma realidade diferente. Real era aquilo que se podia tocar e pegar, a realidade física. Esse é o substrato das controvérsias eucarísticas desses séculos, que têm uma importância decisiva para a compreensão da liturgia eucarística16.

2.3.3. A reforma gregoriana

Com o Papa Gregório VII (1073-1085) começa em Roma uma fase de consolidação, não só da vida eclesiás--tica no seu conjunto, mas também da liturgia. A refor-ma promo vida por Gregório VII tem como perspectiva a decisão de moralizar o clero. Nesse contexto, explica-se o específico interesse pela liturgia, interpretada, porém, como atividade própria e quase exclusiva do ministério

16. Cf. B. Neunheuser, L’eacharistie. I. Au moyen âge et à l’époque moderne. Cerf, Paris, 1966.

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sacerdotal. A liturgia, em verdade, exige, de quem tem o dever de presidi-la, dig nidade, santidade e coerência de vida.

Dessa forma, procura-se restituir ao clero a imagem da dignidade perdida.

A reforma gregoriana também se caracteriza por uma marcante tomada de consciência da autoridade papal, da qual deriva também um processo de centralização, para garantir uma unidade substancial de todas as Igrejas em torno da sede de Roma. Nesse contexto, deve-se situar a abolição da liturgia hispânica, a decisão de que as festas dos papas santos sejam celebradas em âmbito universal, a introdução do juramento de fidelidade ao papa, no rito da sagração episcopal, etc.

A “volta ao antigo”, que orienta a reforma gregoriana na reforma dos livros litúrgicos, de fato ficou reduzida, por desconhecimento da situação histórica real, à organi-zação sistemática e à introdução definitiva da estrutura fundamental da liturgia romano-franco-germânica.

A retaguarda eclesiológica de toda a reforma gregoria-na tem características hierárquicas e ao mesmo tempo jurí-dicas. Os fiéis tinham se afastado pouco a pouco da liturgia clericalizada de maneira muito profunda. Gregório VII não se propõe a diminuir a preponderância clerical da liturgia nem a tornar mais fácil sua compreen são. Os objetivos que ele tem são: aumentar o apreço pelo sacerdócio; cultivar o sentido do mistério diante da ação litúrgica e abrir espaços às devoções, ainda que sob uma roupagem litúrgica.

A partir de Gregório VII e desde a reforma da Igreja latina por ele promovida, a unidade litúrgica, realizada por Carlos Magno para o seu império, foi elevada a valor eclesiológico.

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2.3.4. Em direção a uma liturgia universal

Os ideais de unidade litúrgica do Ocidente, cultiva-dos por Gregório VII, se consolidam nos séculos seguin-tes pela atuação de outros papas.

1. Os livros mistos ou plenários – Os sucessores de Gregório VII atribuem importância nova à liturgia da ca-pela papal, que se tornou independente daquela da basíli-ca de Latrão. As reformas posteriores realizam-se exata-mente no âmbito da liturgia da capela papal.

A ação litúrgica de Inocêncio III (1198-1216) se con-centrou, sobretudo, na reforma dos livros litúrgicos. Ori-ginariamente cada ator da celebração eucarística ou do ofício divino tinha o seu livro na parte que lhe competia. Esta praxe era expressão do caráter comunitário da cele-bração. Com o passar do tempo, porém, a participação ativa diminui em tal medida que se acaba por confiar tudo ao sacerdote, acentuando, por conseguinte, sempre mais a sua função; ele é o único verdadeiro ator, enquanto os fiéis assistem passivamente. Surge daí o costume de in-cluir no Sacramentário também as outras partes da mis-sa, leituras (anteriormente apresentadas no Lecionário) e antífonas (anteriormente apresentadas no Antifonário). Como resultado final deste processo teremos no século XIII o Missal plenário, instrumento muito útil para as missas privadas, que neste tempo se tornaram de uso co-mum. O mais importante é o denominado Missale secun­dum consuetudinem curial, do século XIII, amplamente difun dido, porque foi aceito pelos Frades Menores, que o usa vam em todas as suas peregrinações missionárias17.

17. Cf. M. Andrieu, “Missale curiae romanae seu Ordo missalis secundum consuetudinem romanae curiae du XIIIe siècle”, in Miscellanea F. Ehrle, 2, Roma, 1924. pp. 348-376.

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O mesmo processo que conduz ao aparecimento do Missal também se verificou para o livro da oração ecle-sial. Por motivo de comodidade e para a oração privada, incluí-se num único livro, geralmente de formato reduzi-do, tudo o que é necessário para o Ofício divino, chama do mais tarde, Breviário. O mais conhecido é o Breviarium secundum consuetudinem romanae curiae, difundido por obra dos Frades Menores, que o adotaram oficialmente em 122318.

2. A vida litúrgica no fim da Idade Média – O século que se situa entre dois concílios ecumênicos, o de Vienne, na França (1311-1312), e o de Constância (1414-1418), marca a manifestação progressiva de uma acentuada de-cadência da vida e da espiritualidade litúrgicas. O fato não deve surpreender se considerarmos os efeitos desas trosos naquele século do exílio de Avinhão e do cisma ocidental. Verifica-se uma separação, considerada provi dencial por alguns, entre hierarquia e fiéis: a primeira, voltada para uma vida mundana e os outros abrigados numa ardente piedade popular.

O caráter da piedade em geral, durante esta época, revela uma profunda intensidade de sentimento, um inti-mismo crescente, um máximo de pathos. Há a ten dência a querer ver, por exemplo, a Hóstia sagrada de maneira concreta, e experimentá-la de maneira sensível.

Acentua-se a dimensão subjetiva, com prejuízo, às ve zes, dos valores objetivos. Há certo prazer em acu-mular, em repetir (por exemplo, as missas), complicar as formas da arte, na liturgia e na piedade popular.

18. Cf. P. Salmon, L’office divin au moyen âge. Histoire de la formation du bréviaire du IXe au XVIe siècle, Cerf, Paris, 1967.

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Manifesta-se um novo tipo de piedade em relação ao Cristo Senhor: uma piedade mais realística, mais ade rente aos detalhes históricos da vida de Jesus, mais hu mana, de tom mais intimista. O mesmo acontece no campo da piedade mariana e, no sentido mais geral, no culto dos santos. Deve-se observar, além disso, que, do século XIII em diante, a piedade popular adquire autonomia sempre maior em relação à piedade propriamente litúrgica.

2.4. Do Concílio de Trento ao “movimento litúrgico”

Um fato extremamente importante no século XV é a manifestação de uma vontade de reforma espiritual, pro-curada e organizada pela base – simples sacerdotes, fra des ou leigos – ao mesmo tempo em que as altas hierar quias religiosas se tornam espiritualmente pobres e ain da pior, e os membros das classes mais elevadas mistu ram uma religiosidade tradicional e exterior com uma concepção pagã da vida, insinuada por muitas formas da civilização do renascimento.

2.4.1. A “devotio moderna”

Nesse contexto deve ser lembrado o movimento da devotio moderna, que no fim do século XIV teve suas ori gens nos Países Baixos, com G. Groote († 1384), e se espalhou por toda a Europa Ocidental. As características da devotio moderna são a prática ascética e o metodismo na oração, não privada de afetuosidade, especialmente na meditação da vida de Cristo. Expressão clássica dessa es-piritualidade é a Imitação de Cristo, atribuída a Tomás de Kempis († 1471). Trata-se, sem dúvida, de uma salu tar renovação espiritual, que permanece, porém, em gran de

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parte, à margem da liturgia. Os cristãos fervorosos procu-ram e encontram alimento para a sua vida espiri tual em setores periféricos, em novas formas devocionais.

2.4.2. A Reforma litúrgica do Concílio de Trento

Numa situação de crise eclesial, da qual a liturgia é parte essencial, toma força no começo do século XVI a as piração para uma reforma da Igreja “na cabeça e nos membros”. Nesse contexto, os reformadores pro-testantes puderam concentrar as suas pesadas acusações com a exigência de mudanças fundamentais e dessa maneira encontrar ampla disponibilidade e aceitação. Concretamente eles colocaram a liturgia romana sob acusação, não somente do ponto de vista teológico, mas também na sua celebração.

Depois de grandes dificuldades, finalmente foi pos-sível chegar à convocação do Concílio de Trento (1545- -1563, com longas interrupções). O Concílio tratou, an-tes de tudo, das questões eclesiais mais urgentes, levan-tadas pela Reforma protestante; chegou-se às reformas litúrgicas propriamente ditas somente no último perío-do19. Após o trabalho das respectivas comissões, na ses-são XXII do Concílio (17 de setembro de 1562), saíram tanto o decreto dogmático “Doutrina e cânones sobre o santíssimo sacrifício da Missa”, como os dois decretos disciplinares, o mais importante dos quais é o “Decreto sobre o que deve ser observado e o que deve ser evitado na celebração da missa”20.

19. Sobre a reforma litúrgica de Trento, retomamos substancialmente a breve e eficiente síntese de G. Colombo, Introduzione allo studio della liturgia. LDC, Turim-Leumann, 1988, pp. 31-32.

20. Ver o texto in COeD, 732-741.

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O decreto dogmático definiu o caráter sacrifical da missa, o seu valor propiciatório tanto para os vivos como para os defuntos. Afirmou também a legitimidade das missas, nas quais somente o sacerdote comungava ou os fiéis estavam ausentes por completo, como também a le-gitimidade das missas em louvor dos santos. Por fim de-clarou o cânone da missa imune de erros.

O decreto disciplinar combateu os abusos e as ma-zelas mais evidentes. Além da condenação de qualquer atitude que denotasse falta de respeito, ou que de qual-quer forma pudesse atrapalhar, proibia nas igrejas qual-quer gênero de música ou de canto que contivesse em si qualquer resquício de lascivo ou frívolo; punha um fim ao arbítrio dos padres no uso das orações e dos ri-tos da missa; condenava qualquer observância de séries “nu méricas” de missas, que tivesse qualquer sintoma de su perstição. Por fim estabelecia que sobre todo o desenvol vimento da liturgia os bispos deveriam exercer vigilân cia, devendo, de modo especial, impedir qual-quer abuso na candente matéria das esmolas das missas.

Quanto à reforma dos livros litúrgicos21, não havia possibilidade de ser executada pelo concílio, porque ela exigia um longo trabalho e decisões delicadas. A res-ponsabilidade pela revisão foi confiada, portanto, aos papas, apontando, porém, os princípios e os critérios a serem seguidos. A reforma não deveria ser particular, li mitada somente a algum livro litúrgico, mas univer-sal, isto é, deveria abranger todo o campo litúrgico.

A reforma não deveria estender-se somente a alguns Estados, mas deveria ser uniforme, válida para todo o

21. Cf. H. Jedin, “Il Concitio di Trento e Ia riforma dei libri liturgici”, in Id., Chiesa della fede, Chiesa della storia, Morcelliana, Bréscia, 1972, pp. 391-425.

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Ocidente. Esse critério correspondia aos desejos dos Es-tados italianos, da Espanha e de Portugal. Outros Esta-dos, como a Inglaterra durante a restauração e especial-mente a França, preferiam, ao contrário, estabelecer para si regulamentos internos exclusivos.

Devia-se voltar à forma genuína da liturgia, elimi-nando as emendas tardias, de caráter muito privado, ou as espúrias. Devia-se, portanto, proceder em continuida-de com a tradição. Devia-se, por fim, corrigir o estado caótico em que se encontrava a liturgia, como conse-quência das inovações e das críticas dos reformadores protes tantes. A primazia no ofício e na missa deveria ser resti tuída ao temporal, com a diminuição das festas dos san tos e a restrição às missas votivas. Devia ser fixa-do o ordinário da missa, estabelecendo rubricas gerais obri gatórias.

As decisões do concílio não demoraram a ser execu-tadas. Sob o pontificado de Pio V, em 1568 apareceu o Breviarium Romanum, seguido em 1570 pelo Missale Romanum. Nos anos seguintes foram publicados os ou-tros livros. Nas bulas de apresentação ficava estabeleci do que no futuro esses livros seriam obrigatórios para todos, a não ser que algumas dioceses ou comunidades religio-sas pudessem provar costumes particulares de pelo me-nos duzentos anos. A Congregação dos Ritos, instituída por Sixto V em 1587, devia vigiar sobre a fiel observân-cia das normas litúrgicas.

Para julgar com precisão algumas “questões fecha-das” da reforma tridentina, é preciso lembrar a atitude dos protestantes. Eles sem dúvida propunham algumas reformas positivas: culto na língua vulgar, comunhão sob as duas espécies, superação do excessivo aspecto

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priva do ainda presente na celebração da missa, insis-tência da comunhão durante a missa e, especialmente, a eliminação dos abusos. Os reformadores, porém, eli-minaram em excesso coisas do genuíno patrimônio da tradição eclesial. Por isso, o concílio recusou muitas coisas de caráter polê mico por causa das posições de fundo dos protestantes.

A obra reformadora de Trento, todavia, deve ser va-lorizada porque salvou a liturgia da crise do século XVI, apesar de ser, no entanto, uma obra limitada. Ao mesmo tempo que fi xou a liturgia para superar a situação caótica da época, também a afastou da vida real, transformou-a quase numa forma “congelada”, obrigando a piedade dos fiéis a saciar-se nas manifestações de piedade popular e devocional, de modo a dar origem, inconscientemente, à cultura religiosa do Barroco. Por outro lado, afirmando a legitimidade de um mínimo, por exemplo, a comunhão sob a espécie do pão, ela estimulava unicamente a busca da “validade” sem qualquer tentativa de restituir o valor aos sinais sacramentais.

2.4.3. A liturgia no período barroco

O Barroco é um gosto e um estilo que se solidifi-cou na arte e na literatura do século XVII, com tendên-cias para efeitos caprichosos, desusados, declamatórios, criando um clima de ilusionismo cenográfico. Trata-se de uma época que se desenvolveu no espírito do catoli-cismo renovado pelo Concílio de Trento e dos seus fiéis executores, os grandes papas e bispos do tempo. Existe a convicção de ter salvaguardado a fé e a Igreja e de es-tar na verdade. Há o entusiasmo da vitória e do triunfo. A cultura barroca é fundamentalmente festiva.

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O gosto barroco da vida conduz a celebrações da li-turgia oficial da Igreja com pompa sempre maior. A missa é interpretada como um “banquete para os olhos e para os ouvidos”. A missa é estruturada como se fosse um espetáculo ao qual os fiéis assistem. É o espetáculo da corte do grande Rei. Santa Tereza de Ávila († 1582) já se referia a Deus chamando-o de “Sua Majestade”. Esta rou pagem faustosa aparece sobretudo nas procissões do Corpus Domini nas inúmeras rogações e peregrinações e nas representações sagradas.

Quanto ao subjetivismo, pouco mudou em relação à Alta e Baixa Idade Média, se excluirmos o fim dos abu-sos mais graves.

Durante a missa os fiéis rezam o terço ou as “devo ções da missa”, que se encontram nos numerosos livros de oração. A tentativa do padre francês Voisin de levar ao alcance do povo os textos da missa, traduzidos na lín gua do seu país, é conde-nada com extrema severidade por um Breve de Alexandre VII (1655-1667) como “pro fanação do santuário”.

Merece registro, como dado positivo do período bar-roco, o desenvolvimento da ciência litúrgica. Inúmeros estudiosos, especialmente italianos e franceses, publicam fontes litúrgicas e tratadas sobre temas referentes à área. Por outro lado, entre os grandes representantes da espi-ritualidade francesa do século XVII não faltam elemen-tos de inspiração litúrgica. Dessa forma, por exemplo, na espiritualidade de Pedro de Bérulle (†1629), que se de dicara sobretudo ao estudo de Santo Agostinho e de outros Padres da Igreja, encontramos um acentuado teo-centrismo: “A Cristo através de Maria e através de Cristo à Trindade”22.

22. Cf. J. Aumann, Sommario di storia della spiritualità, Dehoniane, Ná poles, 1986, pp. 325ss.

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Por volta do fim do século XVII, percebe-se uma espé cie de crise na consciência europeia que abre as por-tas para o Iluminismo.

2.4.4. A liturgia na época do Iluminismo

O Iluminismo é um movimento filosófico cultural, de dimensão europeia, do século XVIII, que se propu-nha a combater a ignorância, o preconceito, a superstição, apli cando a análise racional a todos os campos possíveis da experiência humana.

Sob a influência dessa cultura, a liturgia foi enfo-cada mais claramente sob o aspecto da utilidade para a pasto ral, recebeu destaque o seu caráter comunitário, consta tando-se uma tentativa para atingir uma simplici-dade e racionalidade mais amplas.

Na luta contra a cultura barroca, procura-se o cami-nho para a essência lógica da liturgia. Em contraste com uma falsa e exagerada valorização do opus operatum, pretende-se esclarecer mais intensamente o valor real do opus operantis de Cristo e da Igreja.

Não deve causar estranheza se nesse contexto sur-gem tentativas de reformas litúrgicas. Surgem as liturgias locais (neogalicanas) das dioceses da França, que não re-cebem a aprovação por parte de Roma.

Outras tentativas de reforma litúrgica, como o famo-so sínodo de Pistoia, (1786), são abafadas pelas conde-nações doutrinárias. Esse sínodo, idealizado por Mons. Cipião Ricci, desde 1780 bispo de Pistoia e de Prato, contém também as pectos positivos, mas que foram en-venenados por ideias jansenistas, em seguida por atitudes inopinadas, insubordinadas, inoportunas e irreverentes

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em relação à autoridade pontifícia e em relação a uma população ligada a uma tradição preferida pela maioria e ainda não preparada doutrinal e psicologicamente para reformas desse porte23.

O insucesso dessas e de outras tentativas deve-se, em parte, ao racionalismo exagerado e às tendências par cialmente heréticas dos seus promotores. Houve, porém, numerosos teólogos que encamparam as aspi-rações para uma sadia reforma da liturgia e em parte as transmitiram para o século XIX. Pode-se, portanto, afirmar que a época do Iluminismo foi um período de gestação do Movimen to litúrgico.

2.4.5. Liturgia e restauração católica no século XIX

Nas primeiras décadas do século XIX, em oposi-ção ao Iluminismo, semelhante a uma oscilação pendu-lar, surge o Romantismo. Esse defende uma nova visão do mundo e uma espécie de sensibilidade baseadas no culto das tra dições e da história, no individualismo ani-mado pela fan tasia e pelo sentimento. Na melhor das hipóteses, o Ro mantismo considera a liturgia como um dado histórico, ou como algo que agrada esteticamente, mas a essência da liturgia lhe é totalmente estranha. O Romantismo, além disso, não é um movimento es-pecificamente católico e não deve ser equiparado com a renovação católica que veio a seguir, embora alguns representantes do Roman tismo, posteriormente, se te-nham unido à restauração católica e nesta se encontram ocasionalmente elementos românticos.

23. Cf. R. Pilkington, “La liturgia nel Sinodo Ricciano di Pistoia”, in EL, 43 (1929), pp. 410-424.

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Partindo do próprio conceito, a restauração católi­ca tem como objetivo reconstruir aquilo que se supõe destruído pelo Iluminismo. Nesse aspecto ela busca uma estreita ligação com Roma e com a Alta Idade Média. Esta posição caracteriza também a relação com a liturgia que ela pretende cultivar na sua suposta forma originária romana, como um valor digno de veneração e para o qual quer despertar entusiasmo. Expoente de destaque dessa posição é o abade beneditino Prosper Guéranger († 1875), fundador da abadia de Solesmes. A intuição fundamental de Guéranger está em ter ele indicado na sua obra L’Année liturgique a liturgia como a oração da Igreja; ela é real mente o verdadeiro modelo da oração cristã, superando todas as escolas e métodos particulares.

Adquire importância para a renovação litúrgica pos-terior, nesta época de restauração, a atividade científica que tem por objeto a história da liturgia. Surgem vastas edições dos Padres e obras a respeito das fontes. Migne inicia e publica celeremente a Patrologia latina e grega. Dessa forma, são colocadas as premissas para uma consi-deração mais crítica da liturgia da Idade Média e triden-tina, às vezes enaltecida de maneira unilateral na fase da restauração. Digna de destaque é também a pu blicação, no começo do século XX, do monumental Dictionnaire d’archeologie chrétienne et de liturgie24.

24. Sobre todo o movimento do século XIX informa-nos muito bem. O Rousseau, Storia del movimento liturgico. Lineamenti storici dagli inizi del sec. XIX fino ad oggi, Edizioni Paoline, Roma, 1961. Em apêndice: S. Marsili, Storia del movimento liturgico italiano dalle origini all’Enciclica “Mediator Dei”, e E. Moneta Caglio, Movimento liturgico ambrosiano.

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2.4.6. O movimento litúrgico do século XX25

O movimento litúrgico do século XIX foi autônomo, mais controlado do que auxiliado pelos organismos hie-rárquicos. Não foi assim o do século XX. Nele podemos distinguir a atuação dos papas e a ação dos teólogos e dos pastores.

O Motu proprio Tra le sollecitudini (entre as preo-cupações) de Pio X, do dia 22 de novembro de 1903, revela a preocupação por “uma participação ativa nos sagrados mistérios e na oração pública e solene da Igre-ja”. Pode-se dizer que esta afirmação estabelece os fun damentos para o início da verdadeira fase pastoral do Movimento Litúrgico. O beneditino belga Lambert Beaudouin († 1960) fez dela o lema do seu trabalho litúrgico-pastoral.

A sua participação no congresso nacional das obras católicas de Malines (1909) é considerada o momento no qual o Movimento Litúrgico se abre para horizon-tes mais amplos, além dos monásticos. Neste congresso Beaudouin proclamou que a liturgia constitui a cateque-se fundamen tal da doutrina cristã e o meio mais eficaz para estimular e alimentar a vida espiritual. Depois da Primeira Guerra Mundial, o movimento se difundiu na Alemanha. Foi so bretudo a abadia de Maria Laach a promotora da com preensão e da participação da liturgia: destaca-se parti cularmente Odo Casei († 1948), que, com seus estudos patrísticos e da ciência das religiões, chega à convicção de que a liturgia é a celebração dos mistérios, na qual o “mistério primordial”, Jesus Cristo,

25. Cf. B. Neunheuser, “Movimento liturgico”, in NDL, PP. 904-918; F. Brovelli (aos cuidados de), Liturgia: temi e autori. Saggio di Studio sul movimento liturgico, Edizioni Liturghiche, Roma, 1990.

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se torna presente com sua ação salvífica como porta-dor de salvação. Enquanto os monges de Maria Laach se voltavam antes de tudo para os teólogos, Romano Guardini († 1968) levava o “espírito da liturgia” às fi-leiras dos jovens estudantes, e Pius Parsch († 1954), na Áustria, se preocupava especial mente com a dimensão paroquial-pastoral do Movimen to Litúrgico.

O sucesso do Movimento não ficou imune de opo-sições e suspeitas que causaram acaloradas dis cussões. Uma voz importante neste debate foi a de Pio XlI, que publicou, em 1947, a Encíclica Mecliator Dei, documen-to decisivo para a causa litúrgica, que especifica alguns conceitos e reconhece os esforços desenvolvidos pelo Movimento Litúrgico. O mesmo papa introduziu algumas reformas parciais da liturgia, que teve prosse guimento com João XXIII até as vésperas do Concílio Vaticano II.