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ASPECTOS NÁUTICOS DAS VIAGENS DE ZHENG HE Cmdt. José Manuel Malhão Pereira

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ASPECTOS NÁUTICOS DAS VIAGENS DE ZHENG HE

Cmdt. José Manuel Malhão Pereira

José Manuel Malhão Pereira Captain Malhão Pereira is retired from the Portuguese Navy since 1998, where he served for more than 37

years mainly in Africa and aboard ships, where he sailed not only in continental Portugal’s waters but also abroad. Besides war ships he has also been captain of the Naval Academy sail training ship Vega, and the square rigger

Sagres in which he made extensive voyages under sail, visiting Africa, South America, Northern Europe and North America, including Canada.

His knowledge of the sea and the present conditions of life aboard always made him very interested in investigating his predecessor’s ways of living and of conducting the navigation, so he has always been involved, during his naval life, on the study of the history of the Portuguese Discoveries.

For better undestanding the navigation techniques used during the period of the maritime explorations, he has made aboard the sailing ships, experiences with ancient instruments of navigation, whose results have been published.

More recently he has acquired a Master degree in History of the Portuguese Discoveries and Expansion in Universidade Nova de Lisboa. He has also studied Arabic, during two years in Faculdade de Letras of Lisbon University.

He is member of the Academia de Marinha in Lisbon, belonging now to its Academic Council, as Vice Secretary. He is also associate member of Sociedade de Geografia de Lisboa.

His main areas of interest are the ancient techniques and instruments of navigation, the sea routes and the correspondent pilots, and seamanship.

He is presently involved in many projects of investigation related to pilot books and navigation. His interest on those subjects resulted in the publication of many articles and more extensive works and the participation in many Seminars and Conferences in Portugal, Spain, India, Brasil, USA, where he lectured.

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Resumo

Sendo Zheng He o patrono da presente Semana da China, é feito um estudo das suas setes viagens, que de 1405 a 1433 são levadas a cabo nos mares do Sueste Asiático Índico Norte e costas da África Oriental.

O estudo é essencialmente de carácter náutico, e tem como principal objectivo o enquadramento das viagens na época em que foram executadas e também no ambiente físico dos mares em causa.

Baseia-se nas fontes chinesas, e na sua tradução e interpretação por reputados sinólogos Ocidentais e Chineses.

É ainda feita uma crítica breve, nos seus aspectos náuticos, a um recente livro de Gavin Menzines.

Conclui-se com algumas considerações relativas ao impacto de carácter náutico das viagens no âmbito da História da Náutica e na necessidade que há de efectuar o estudo da náutica de modo mais abrangente, contrariando a tendência ainda vigente nalguns sectores, de a estudar por áreas geográficas estanques, quando estas estão interligadas e se influenciam mutuamente.

Abstract

Being Zheng He, the Patron of the present Semana da China, a nautical study of his seven voyages, from 1405 to a433 is made. According to the sources, the voyages were made in the waters off Southeast Asia, and on the North Indian Ocean.

The work is mainly on the nautical aspects of the voyages and its main objective is to frame them in the epoch where they were made and also in the physical characteristics of the seas navigated.

The study is based on Chinese sources and its interpretation by eminent Western and Chinese Sinologues.

Some brief critical remarks on the book of Gavin Menzies are also made. Some final conclusions are made in accordance with the nautical impact of the

voyages in the scope of Nautical History and a reference is made to the need to study the nautical techniques in a more embracing way.

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Introdução

Não gostaria de iniciar a minha contribuição para este importante evento, sem manifestar à Senhora Professora Doutora Ana Maria Amaro o quanto me sinto honrado por ter confiado num marinheiro para, até certo ponto, fazer uma introdução a esta VIII Semana Cultural da China, que tem como patrono o Almirante Zheng He.

Não há dúvida que Zheng He era também um marinheiro, e as suas importantes expedições marítimas foram feitas em navios, mas nem sempre aos técnicos são dadas oportunidades como a que V. Ex.ª hoje me proporcionou, pelo que lhe estou muito grato por isso e espero não defraudar a confiança que em mim depositou.

Será oportuno salientar por exemplo, o quanto os técnicos Portugueses têm contribuído para a história da náutica. Teixeira da Mota, Fontoura da Costa, Gago Coutinho, Humberto Leitão, são entre muitos dos marinheiros já falecidos, dos que mais impacto tiveram no esclarecimento de muitos assuntos que aos historiadores eram de difícil interpretação.

O mesmo aconteceu com matemáticos como Luciano Pereira da Silva ou Luís de Albuquerque.

Saliento ainda o contributo já dado nesta área por muitos dos marinheiros e outras entidades das diferentes áreas das ciências que estão ainda entre nós, acentuando ainda o elevado número de oficiais da Armada que se licenciaram em História e se especializaram ou especializam nos Descobrimentos Portugueses.

A sua contribuição já se faz sentir, e será certamente mais um auxiliar importante para o esclarecimento de muitos assuntos ainda em aberto no estudo da evolução da ciência náutica.

É portanto, e sem qualquer intuito comparativo com as entidades anteriormente referidas, que tentarei fazer algumas considerações técnicas sobre as viagens de Zheng He, enquadrando-as no ambiente geográfico e humano em que se concretizaram.

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ESTUDOS SOBRE A CHINA VIII

Dado que, como anteriormente referi, as viagens se fizeram por mar e em navios, as condições físicas dos mares e costas onde as mesmas se exerceram são factor decisivo para interpretar o modo como foram feitas.

Aliás, as técnicas náuticas empregues nas diversas áreas, estão intimamente relacio-nadas com o ambiente, pelo que os navios e as técnicas de navegação desenvolvidas pelos diferentes povos marítimos, são fruto desse ambiente e dos múltiplos incentivos dos mesmos povos para utilizarem o mar para os fins adequados aos seus objectivos de comércio, transporte, alimentação ou militares 1.

Analisemos então as áreas em causa nos seus diferentes aspectos, admitindo à partida que as viagens decorreram nos mares da China e do Sueste Asiático e no Índico Norte e parte do Índico Sul junto à costa leste africana.

Ventos e correntes

Praticamente toda a área está sujeita ao regime das monções e na figura 1, que esquematiza a direcção média dos ventos em Janeiro, se poderá ver que o vento é nordeste a norte do Equador (corresponde portanto à monção de nordeste), tanto no mar da China como no Golfo de Bengala ou no Índico Norte 2. Note-se que o vento nordeste a norte do equador, designado por monção de nordeste, ao atravessar o Equador desvia-se para esquerda, devido à força de Coriolis e passa a ser do noroeste, até atingir a frente intertropical de convergência, por volta dos 15º S.

Na outra figura (figura 2), correspondente à média para o mês de Julho, o vento sopra de sudoeste, em toda a área a norte do Equador.

A monção de nordeste sopra de Novembro a Março e a de sudoeste de Maio a Setembro, havendo nos meses de Abril e Outubro períodos de transição com ventos de variável direcção e em geral fracos. No Sueste Asiático e Mar da China a duração da monção de sudoeste diminui de sul para norte, havendo apenas em Junho e Julho predominância de vento sudoeste na zona a leste e a norte de Hainão.

As correntes seguem de uma maneira geral a direcção dos ventos.

1 Sobre este assunto, ver por exemplo, José Manuel Malhão Pereira, East and West Encounter at Sea, Lisboa,

Academia de Marinha, 2001. Neste trabalho, correspondente a uma comunicação feita em Tellichery, Índia, em 2002, durante o Seminário, Malabar and the Europeans, o autor expõe claramente este conceito, analisando as diferentes técnicas náuticas dos povos marítimos da área.

2 A análise das condições físicas do Índico estão expostos com algum detalhe em trabalho recente da Academia de Marinha. Ver para o efeito, José Manurel Garcia et al, A Viagem de Vasco da Gama à Índia, 1497-1499, Lisboa, Academia de Marinha, 1999, pp. 39-52. Também nos baseámos nos roteiros do Almirantado Britânico, que para cada área específica dão detalhadas informações de ventos e correntes e outras características físicas. Outra fonte importante é o Roteiro Geral dos Mares, Costas, Ilhas, e Baixos Reconhecidos do Globo de António da Costa Almeida, Parte Quinta (Lisboa, Tipografia da Academia de Ciências, 1840), onde há completas informações sobre ventos e correntes no Índico.

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Fig. 1 – Ventos médios em Janeiro

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113 Fig. 2 – Ventos médios em Julho

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Tufões

Os ciclones tropicais que assolam os mares da China e do Golfo de Bengala, são poderosos factores a ter em conta, convindo salientar que os seus períodos e áreas de actuação, são e eram conhecidos, podendo, com as devidas cautelas ser evitados. São no entanto factores importantes para a condução da navegação e determinantes para a escolha do tipo de navios a construir, sendo reflexo da influência deste factor a enorme diferença existente entre os navios do Índico e os do Mar da China ou do Sueste Asiático 3.

Os tufões do Mar da China são mais frequentes no Verão e raros no Inverno 4. Na Baía de Bengala são mais frequentes em Outubro e Novembro e também em

Maio, mas com menor frequência.

O ambiente astronómico

Olhando para o mapa que se apresenta na figura 3, verifica-se que as águas do Sueste Asiático e do Mar da China estão polvilhadas por inúmeras ilhas e recifes, havendo poucas zonas de mar aberto, sendo as distâncias a percorrer sem costa à vista relativa-mente pequenas 5.

Bastará compará-las com a imensidão do Pacífico Norte ou do Atlântico, ou mesmo com o Índico Norte, para se verificar que as técnicas de navegação costeira são adequadas em algumas das derrotas.

Note-se no entanto, que povos originários do continente primeiro e depois das ilhas do sueste asiático colonizaram há muitos milénios a Polinésia, chegando até ao actual Hawai e Ilha da Páscoa, e que essa colonização foi auxiliada por meios que incluíam preponderantemente a observação dos astros para manter a direcção no mar, numa época em que a bússola não tinha sido descoberta.

E foi de facto o que aconteceu, usufruindo esses povos da enorme vantagem de navegarem principalmente na região intertropical, onde as direcções das estrelas ao nascer e ao pôr se mantêm praticamente constantes ou com muito pequena variação.

3 Note-se de facto, que os navios árabes e persas, que navegavam no Índico Norte, onde as condições de mar e

vento são muito benignas à excepção do período relativamente curto correspondente à maior intensidade da monção de sudoeste (fins de Junho a inícios de Agosto), eram construídos com tabuado cosido com fibra de coco, estrutura suficiente para o fim em vista. Os navios do Pacífico Oeste, que por vezes tinham que enfrentar mares violentos, correspondentes a áreas onde a acção de ciclones tropicais fosse apreciável e não detectada a tempo, eram construídos com técnicas muito mais apuradas, de modo a dar maior resistência aos cascos. Os juncos chineses, com o seu tabuado pregado e compartimentação estanque, e os navios malaios são disso prova.

4 Cf. China Sea Pilot vol. I, London, United Kingdom National Hydrographer, 2001, pp. 27-36. 5 Note-se que a área física em causa se poderá, até certo ponto, assemelhar ao Mediterrâneo, embora este mar

tenha uma orientação leste-oeste enquanto que o Mar da China a tem no sentido norte-sul. Nestas condições as técnicas de navegação deverão ser muito semelhantes, com excepção da determinação da latitude (ou do progresso norte-sul, que será mais correcto), que se torna muito útil em mares com esta orientação geográfica.

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ESTUDOS SOBRE A CHINA VIII

Este factor, aliado mais tarde a métodos específicos desenvolvidos pelos povos que passaram a navegar no Índico Norte, criou um conjunto de técnicas que terão necessariamente origem nas condições ambientais, nos diversos incentivos dos povos para as viagens marítimas e nas trocas de informações e experiências que inevitavel-mente se terão dado entre Chineses, Persas, Malaios, Polinésicos, Indianos e outros 6.

De facto, não me parece que às diversas culturas se possa atribuir isoladamente o mérito do desenvolvimento de técnicas, sem que tenha havido troca recíproca de informação.

Nestas condições, quando as viagens de Zheng He se efectuaram, já os Chineses, Árabes, Persas, Indianos, Malaios e Polinésicos praticavam a navegação costeira e de alto mar adequada às áreas em que navegavam.

Mas antes de prosseguir, façamos uma revisão rápida das sete viagens de Zheng He, que apresentarei de modo gráfico, admitindo que todos os presentes não necessitem de qualquer descrição do ambiente histórico em que viveu o nosso homenageado, nem qualquer esclarecimento sobre a sua biografia e objectivos conhecidos das viagens.

Convém apenas chamar desde já a atenção que no oceano Atlântico apenas se começou a navegar no alto mar um pouco mais do que 50 anos antes da primeira viagem de Zheng He, durante as viagens ibéricas, e não só, para as Canárias, e que só cerca de meados do século XII, a rota terrestre entre o Mediterrâneo e o Báltico foi substituída pela rota Atlântica, que foi costeira durante mais dois séculos.

E ainda que no período correspondente à sétima viagem do nosso Almirante, os Portugueses dobraram finalmente o Cabo Bojador!

As viagens de Zheng He

Estão documentadas sete viagens de cuja organização foi encarregado Zheng He, apesar de o Almirante não ter participado directamente em todas elas.

Basear-me-ei na introdução e extensas notas de J. V. G. Mills ao livro Ying-Yai Sheng Lan, de Ma Huan, o tradutor oficial de Zheng He, que com ele embarcou em três viagens

6 Este assunto foi por nós tratado, como já se disse, em East and West Encounter at Sea (Cf., op. cit., pp. 17-31). O

assunto é novamente por nós abordado em The Stellar Compass and the Kamal. An Interpretation of its Practical Use, Lisboa, Academia de Marinha, 2004. Este trabalho correspondeu à nossa comunicação em International Seminar on Marine Archaeology, (Delhi, March, 2003), organizado pela Armada Indiana e pelo Archaeological Survey of India. François Béllec (“Early Pilots on the Indian Ocean Waters”, in International Seminar on Discoveries, Delhi, Indian Indian National Science Academy, 1998) expõe com inexcedível clareza os princípios que determinam o comportamento dos homens do mar quando confrontados com o ambiente em que as suas navegações se processam. Caracteriza também os métodos de navegação empregues no Índico e Pacífico Oeste e expõe as suas ideias sobre a origem dos referidos métodos e razão do seu emprego. Partilhamos as mesmas ideias e conceitos, que desenvolvemos nos trabalhos anteriormente referidos.

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ESTUDOS SOBRE A CHINA VIII

e que descreveu nessa obra as terras por onde passou ou das quais recebeu informação 7.

As viagens foram executadas em armadas de inúmeros navios, de diversas cate-gorias, sendo os maiores, os designados como navios do tesouro, de dimensões que ainda não estão bem esclarecidas mas que Mills indica que poderão ser da ordem dos noventa metros de comprimento e de 45 de boca 8.

Needham considera no entanto que poderão ter 135 metros de comprimento e 55 de boca 9. Dado que se pretende actualmente na China reconstruir um navio do tesouro, os estudos até agora efectuados dão dimensões muito mais consentâneas com a realidade.

Segundo informações colhidas pelo Professor Jing Ping, e em consequência das dimensões das docas onde os navios terão sido construídos, que foram recentemente descobertas e estudadas, os mesmos poderiam ter cerca de 70 metros de comprimento por 15 metros de boca e cinco metros de calado.

As figuras apresentadas na figura 4, que me foram cedidas pelo Professor Jin Ping, correspondem a um modelo recentemente mandado executar pelo Doutor Ming-Yang Su, Professor de Oceanografia Convidado da National Taiwan Ocean University.

O modelo constitui a reconstitução conjectural de um junco com cerca 70 metros de comprimento por 15 de boca e 5 de calado, dimensões que o Doutor Ming Yang Su, de acordo com os estudos mais recentes, considera que correspondem às dimensões aproximadas de um navio do tesouro de Zheng He.

O número de pessoas embarcadas era também necessariamente elevado, e as necessidades logísticas seriam portanto de grande monta 10.

Os navios saíam normalmente de Nanking, e teriam que adaptar a complexa viagem ao regime das monções, pelo que em alguns portos faziam-se escalas prolongadas.

Para as seis primeiras viagens não há elementos suficientes para conjectura gráfica, mas para a sétima existe importante informação que permite uma reconstituição da derrota, que origina interessantes conclusões.

7 Cf. J. V. G. Mills, Ma Huan – Ying-Yai Sheng-Lan – « The Overall Survey of thev Ocean Shore » [1433] (Cambridge,

University Press, 1970). Este trabalho de Mills documenta-se essencialmente nos trabalhos de reputados sinólogos, como J. J. L. Duyvendak, Paul Pelliot e W. W. Rockhill.

8 Cf. op. cit., pp. 27-31. Mills comenta extensamewnte este problema, referindo as diversas fontes conhecidas, mas não chega a conclusões definitivas, dado que as dimensões sugeridas para estes navios de madeira são aparentemente exageradas e necessitarão necessáriamente de estudos mais aprofundados. Como é referido no texto deste trabalho, as informações que se seguem foram obtidas através de Jin Guo Ping.

9 Cf. Joseph Needham, The Shorter Science and Civilization in China : 3 (An Abridgement of Joseph Needham’s Original Text), Cambridge, Cambridge University Press, 1986, pp. 121-127.

10 Mills também refere com algum pormenor este item. Cf., op. cit., pp. 31, 32.

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ESTUDOS SOBRE A CHINA VIII

Fig. 4 – Modelo correspondente à reconstitução conjectural de um junco com cerca 70 metros de comprimento por 15 de boca e 5 de calado, dimensões que o Doutor Ming Yang Su, de acordo com os estudos mais recentes,

correspondem às dimensões aproximadas de um navio do tesouro de Zheng He.

As seis primeiras viagens 11

Na primeira viagem (figura 5), de 1405 a 1407, participaram 370 navios (dos quais 62 navios do tesouro) e 27.870 homens, tendo visitado os portos indicados na gravura, sendo o mais longínquo o de Calecute, na Índia. A chegada a Nanking foi a 2 de Outubro.

11 Todas estas informações são baseadas, como se disse, no texto de Mills.

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123

ESTUDOS SOBRE A CHINA VIII

A segunda viagem foi de 1408 a 1409 (figura 6), tendo participado um número indeterminado de homens e 249 navios, não tendo Zheng He participado na mesma.

Os portos visitados estão indicados na gravura. Foi erigida em Calecute uma inscrição comemorativa do intercâmbio entre a China e a Índia.

Na terceira expedição (figura 7), participaram 30.000 homens e 48 navios, visi-tando-se, de 1413 a 1415, os portos indicados na gravura, sendo o mais distante nova-mente o de Calecute. Em Ceilão foi colocada uma inscrição em três línguas, comemo-rando as dádivas de Zheng He a um templo budista, em nome do Imperador Chinês. Houve violentos conflitos em Ceilão, dos quais Zheng He saiu vitorioso. O regresso à capital deu-se a 6 de Julho.

Na quarta (figura 8), de 1413 a 1415, participaram 28.560 homens em 63 navios, tendo-se visitado os portos indicados na gravura, sendo o mais distante o de Hormuz.

Zheng He levava instruções para combater o usurpador do trono de Samudra, ordens que cumpriu, trazendo o mesmo prisioneiro para a capital onde o Imperador o executou. O regresso deu-se a 12 de Agosto de 1415.

Na quinta expedição (figura 9), de 1417 a 1419, atingiu-se pela primeira vez a costa ocidental de África, houve acções militares em Mogadishiu e La’sa, tendo regres-sado a 8 de Agosto. O principal objectivo foi o retorno de embaixadores às suas cidades de origem.

Em 1421-22 (figura 10), com 41 navios e número de guarnição desconhecido, visitaram-se os portos indicados e admite-se que Zheng He chegou mais cedo, tendo parte da sua armada efectuado posteriormente outra missão. Chegada de Zheng He a 3 de Setembro de 1422.

A sétima viagem (figuras 11 e 12), de 1431 a 1433, está relativamente bem docu-mentada, como se disse, e nela participaram 27.550 homens em cerca de 100 navios 12.

Será interessante analisar as conclusões de carácter náutico que se podem tirar da reconstituição das derrotas de ida e de regresso que se apresentam nas gravuras. Vejamos na correspondente à da ida:

– A escala de mais de nove meses em Chang-lo, aguardando o período favo-rável da monção, e numa zona de mais baixa latitude com consequente clima mais benigno. Note-se a zona assinalada mais a norte onde preva-lecem, de Janeiro a Junho, as depressões violentas.

– A escala em Surabaia até Julho, para permitir cumprir a missão no estreito de Malaca com vento favorável, esperando em seguida em Samudra pelo início do vento nordeste para escalar Ceilão, Calecute e finalmente Hormuz.

12 Mills utiliza, para a reconstituição desta viagem, um precioso fragmento intitulado Hsia Hsi-yang, « Down to

the Western Ocean », escrito por Chu Yun-ming em 1536, e incluído no seu livro Ch’ien-wen chi, « A Record of Things once Heard ». Cf. op. cit., pp. 14-18.

124

ESTUDOS SOBRE A CHINA VIII

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128

ESTUDOS SOBRE A CHINA VIII

– As médias de velocidade inferiores a três nós, obtidas com dados reais e com pouca margem de erro portanto.

– A escala em Hormuz e o aproveitamento do fim da monção de nor-deste e depois de Ceilão da monção de sudoeste para o regresso à China (figura 12).

– As médias um pouco mais favoráveis na travessia do Índico no regresso.

Técnicas náuticas

As fontes dão uma ideia aproximada das técnicas usadas, que correspondiam afinal ao praticado naquela área geográfica e que foi fruto de longa evolução, dado que há séculos navios Chineses, Malaios, Árabes e outros cruzavam aqueles mares 13.

Além das técnicas de navegação à vista de costa, o uso da bússola e a navegação estimada (de rumo e distância), eram usadas pelos navios de Zheng He.

A observação da altura da Polar (ou de outras estrelas), para avaliar o progresso no sentido norte-sul e a posição em latitude relativamente a portos onde previamente se conhecia a altura dessa mesma estrela (ou outras estrelas na sua passagem meridiana), era praticada.

Para a determinação da altura das estrelas utilizava-se a “tábua de levar as estrelas” (figura 13)14, que correspondia a um conjunto de 12 tábuas quadradas, de tamanhos diferentes, que se usavam estendendo o braço, fazendo coincidir o bordo inferior da tábua com o horizonte e o bordo superior da mesma com a estrela. As 12 tábuas estavam graduadas de 12 a 1 dedos (chih, em chinês), a unidade que correspondia ao ângulo subtendido por um dedo da mão, colocado horizontalmente com o braço estendido. Escolhia-se posteriormente a tábua que se aproximasse mais do valor do ângulo assim medido.

Era afinal a utilização do corpo humano para a medição de ângulos, admitindo que existe proporção entre as diferentes partes do mesmo corpo, pelo que o braço esten-dido e a mão colocada em posição paralela ao horizonte, como a figura indica, poderia permitir medir ângulos entre os astros e o horizonte, tendo como referência os dedos. O sistema evoluiu, construindo-se posteriormente as referidas tábuas que correspon-diam a diferentes ângulos medidos em dedos ou isba em árabe (chih em chinês, como vimos).

13 Sugere-se mais uma vez, além dos trabalhos já referidos do autor, a consulta do trabalho de François Béllec

também já citado, onde se resume a problemática da evolução da navegação no Índico e Pacífico Oeste. 14 Esta gravura foi incluída no já referido trabalho do signatário, The Stellar Compass …. Cf. op. cit., Plate 1. Na

gravura está esquematicamente representado um conjunto de nove tábuas, que segundo as fontes antecederam o kamal, e que afinal correspondem ao mesmo princípio das 12 tábuas usadas na náutica chinesa.

ESTUDOS SOBRE A CHINA VIII

Várias tábuas, para vários ângulos,

usadas com o braço estendido

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Fig. 13 – Princípio anatómico e evolução do Kamal

A navegação árabe utilizava princípio semelhante, sabendo-se que o kamal mais recente, de uma tábua só, com fio graduado, corresponde à evolução do instrumento constituído por múltiplas tábuas 15.

As informações necessárias à condução da navegação, semelhantes às que consti-tuíam os roteiros coligidos no ocidente, estão incluídas em inúmeros trabalhos da época, como a carta náutica de Mao K’un, editada em 1628 mas que segundo todos os autores corresponde a informação compilada antes e durante as viagens de Zheng He.

Esta designada carta náutica, constituída por 42 fólios, apresenta a informação de modo esquemático mas eficiente, podendo, quando bem interpretada, fornecer as informações adequadas à navegação, nomeadamente a existência de baixios, os rumos magnéticos, os rumos estelares, a natureza dos fundos, os aspectos das costas quando vistas do mar, as alturas de estrelas em inúmeros locais da costa, etc. Apesar de o tipo 129

15 Recomenda-se a consulta do já referido trabalho do signatário, The Stellar Compass …, onde se faz um longo estudo sobre o kamal e se incluem inúmeras úteis referências de autores nacionais e estrangeiros.

130

ESTUDOS SOBRE A CHINA VIII

de representação ser bastante diferente das cartas europeias, servia para os fins para que foi construída 16.

Também o Shun Fêng Hsiang Sung, manuscrito que de acordo com Needham foi compilado cerca de 1430, dá importantes e úteis informações sobre as derrotas e de muitos outros elementos necessários ao navegador 17.

Foi então naquele ambiente físico e com os meios acima referidos resumidamente, que se desenrolaram as acções do almirante Zheng He e dos seus homens, que durante cerca de 30 anos sulcaram os mares da China, Sueste Asiático e Índico.

Parece-me contudo que a principal consequência de ordem náutica destas viagens, foi o extraordinário acréscimo de informação geográfica que as mesmas proporcionaram. O grande número de locais visitados, a longa permanência nos portos e a elevada efi-ciência da organização de bordo, aliada ao facto de que estavam embarcados inúmeros e qualificados técnicos das diferentes áreas, provocaram, como se viu, a compilação de trabalhos novos que são agora conhecidos e de muitos outros que recentemente se têm encontrado e que ainda não sofreram o estudo adequado.

Considero ainda que é admirável como foi possível comandar tão grandes frotas, navegando por vezes em águas restritas e semeadas de escolhos, entrando em canais e barras estreitas, manter 100 ou mais navios à vista uns dos outros para que os sinais visuais fossem entendidos, comandar tantos milhares de homens na guerra ou dirigir tanta gente em missões diplomáticas e de afirmação do poderio do Império.

É minha convicção que o feito de Zheng He, homem que o Imperador escolheu para dirigir estas sete viagens, foi principalmente naval e não náutico. De facto naval no sentido do comando de uma força disciplinada e coesa, de dimensões não usuais para a época e muito difícil de dirigir com os meios de então, em missões de vário tipo, que incluíram várias vezes o recurso à força.

É portanto como militar da armada e não apenas como marinheiro, que admiro o modo como Zheng He cumpriu as suas difíceis missões, exercendo da maneira mais adequada e eficiente as suas funções que no conceito moderno corresponde às atri-buições de um Almirante.

16 Mills faz um extenso e bem elaborado estudo desta designada carta náutica. Cf. op.cit., Appendix 2. 17 Cf., The Shorter Science & Civilisation …, p. 32. Segundo Needham, trata-se de um importante manuscrito

existente na Universidade de Oxford, que contém informações sobre marés, ventos, estrelas, rumos da agulha e ainda uma descrição do uso da agulha.

131

ESTUDOS SOBRE A CHINA VIII

Menzies e seu livro 18

E por isso mesmo, pelo respeito que esta figura histórica me merece, não posso deixar de comentar os hipotéticos trabalhos acrescidos que lhe foram recentemente atribuídos por um oficial da armada britânica, fazendo com que os seus almirantes navegassem por todos os mares do mundo.

Refiro-me como Vossas Excelências estarão certamente a perceber, ao Sr. Gavin Menzies, e ao seu livro 1421, The Year China Discovered the World.

O autor baseia todo o seu raciocínio em conjecturas de ordem náutica e afirma que tal só lhe foi possível devido à sua longa experiência de mar, nomeadamente no comando de um submarino.

Trata-se portanto de um técnico, categoria que inicialmente considerei como muito útil para o estudo da história da náutica.

Tive recentemente oportunidade de ler a edição inglesa do referido livro e de veri-ficar quão incoerentes, infundados e deturpados raciocínios e conclusões de carácter náutico faz o autor ao longo de toda a obra.

Menzies afirma que de 1421 a 1423, 4 frotas da armada de Zheng He, já sem o seu comando directo, efectuaram as viagens que se esquematizam na figura (figura 14).

A seguir se indica uma ínfima parte dos erros detectados:

– Em Calecute a armada de Chengo Ho iniciou a sua viagem para a costa de África em Junho. Sabe-se que tal é impossível, dado que corresponde ao período da monção de sudoeste, sendo portanto o vento contra. Além disso, em Calecute e em Junho (figura 15), em plena monção de sudoeste, não se poderá estar fundeado com segurança, muito menos com tantas dezenas de enormes navios 19.

– Zheng He regressou à China em Novembro. Ora tal também não é possível, dado que os regressos à China só se podiam efectuar em Junho ou Julho, durante a monção de sudoeste. Em Novembro o vento nordeste opunha-se à viagem.

18 Fizemos recentemente uma crítica a este livro, nos seus aspectos náuticos, em conferência na Academia de

Marinha, na qual também participou Jin Guo Ping, que focou outros aspectos. Os trabalhos correspondentes às duas comunicações serão brevemente publicados por aquela instituição.

19 Esta fotografia foi tirada pelo signatário em 22 de Maio de 1999, já com a monção de sudoeste estabelecida. A ponte cais sobre a qual estamos, é a ponte cais de Calecute, frente ao edifício da actual Capitania do Porto. A viagem que efectuámos a Calecute foi intencionalmente planeada para verificar as condições deste fundeadouro e do de Pandarane, na mesma época do ano em que Vasco da Gama lá chegou, em 1498. Ver do signatário, Vasco da Gama na Costa Indiana, Lisboa, Academia de Marinha, 1999. Ver ainda o trabalho já citado, A Viagem de Vasco da Gama à Índia (Lisboa, Academia de Marinha, 1999).

132

ESTUDOS SOBRE A CHINA VIII

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ESTUDOS SOBRE A CHINA VIII

Fig. 15 – O mar em Calecute (Maio de 1999). Em Junho piora bastante.

– O autor considerou normal a passagem pelo Cabo da Boa Esperança de dezenas de navios sem quaisquer dificuldades, apesar de a mesma se ter dado no inverno austral. Veja-se um exemplo (de entre milhares que se podem apresentar), do autêntico martírio sofrido por um navio Português, que durante 33 dias lutou contra ventos e mares desencontrados na zona do Cabo (figura 16)20.

– O Sr. Menzies admite também como possível uma tirada entre o Rio Orenoco (figura 17), na Venezuela actual, para a costa do actual Brasil, de modo a navegar para sul, quando é sabido que tal é inviável devido às condições meteorológicas e hidrográficas da área, com vento e corrente contra. Note-se que quando os navios da Carreira da Índia não conseguiam dobrar e Cabo de Santo Agostinho, eram arrastados para as Antilhas e teriam que voltar ao reino para refazer a viagem.

20 Participámos recentemente numa Conferência de Arqueologia na África do Sul, organizado pelo Centre for

Portuguese Nautical Studies, na qual apresentámos a comunicação com o título The Portugueses Logbooks and the Cape of Good Hope, que a Academia de Marinha irá também publicar brevemente. Neste trabalho se analisam as dificuldades encontradas pelos navios portugueses ao dobrar o Cabo, segundo os relatos dos pilotos. Verificámos ainda, pelo contacto com os muitos arqueólogos subaquáticos presentes, que não há notícia de quaisquer destroços de navios chineses na área, apesar de estarem documentados mais de 2400 naufrágios. 133

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Fig. 17 – A volta do mar das naus da Índia, no Atlântico Sul, único meio de montar a costa Brasileira. Se não se conseguir dobrar o Cabo de Santo Agostinho, torna-se necessário refazer a viagem.

– O autor diz que os navios de Yang Quing determinaram longitudes por eclipse total de Lua, quando durante a navegação desta frota no Índico, entre 1421 e 1422, o único eclipse total que ocorreu não foi visível em toda a área 21.

– O autor, para justificar muitas das suas afirmações (figura 18), adapta cartas às suas conveniências de raciocínio, como por exemplo a de Piri Reis, tentando convencer o leitor que a totalidade desta carta de 1513 se assemelha espantosamente à área da Patagónia (figura 19).

– Modifica também a carta de Kangnido para a assemelhar à actual forma de África, baseando-se em considerações sobre correntes que estão total-mente erradas, como se poderá ver por consulta a todos os documentos náuticos, incluindo o insuspeito Pilot do Almirantado Britânico (figura 20).

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21 No trabalho crítico anteriormente referido e que será publicado pela Academia de Marinha, desenvolve-se este assunto.

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ESTUDOS SOBRE A CHINA VIII

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ESTUDOS SOBRE A CHINA VIII

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A totalidade da carta de Piri Reis de 1513, e a sua comparação adequada com a Patagónia actual.

Fig. 19 – Comparação da totalidade da carta com a atual

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ESTUDOS SOBRE A CHINA VIII

Estes e muitos outros erros, distorções, omissões e deturpações da realidade, são uma pequena amostra, que permitirá concluir que o autor não tem credibilidade, visto que se tão levianamente manuseia os seus hipotéticos conhecimentos náuticos, o que se poderá esperar das deduções que faz sobre assuntos de outras áreas do conhecimento.

Aliás permitam-me que me desvie um pouco dos aspectos técnicos e que vos pergunte qual a razão pela qual o Imperador da China teria interesse em descobrir a Europa, dobrando o Cabo da Boa Esperança, possivelmente encontrando-se com caravelas portuguesas ao longo da costa da África do Norte?

Será que era necessário trazer à Europa os produtos por outra via que não fosse a dos intermediários árabes, persas e indianos, que ligados aos comerciantes do Mediterrâneo proporcionavam um fluxo comercial rentável e satisfatório para a economia chinesa.

E se houvesse essa vontade política, será que o Imperador enviaria uma armada numerosa e pesada não só em termos de gestão administrativa como em termos de mobilidade operacional?

Se o Imperador quisesse descobrir a passagem do sudoeste do Índico para o Atlântico não teria feito como os Portugueses mais tarde, enviando uma pequena frota, ágil, resistente e manobrável, com guarnições ligeiras e sem grandes necessidades logís-ticas, capazes de resistir, tanto os homens como os navios, às tempestades do sul do Índico, já conhecidas pelas informações certamente fornecidas pelos colonos e comer-ciantes árabes da costa oriental africana?

E teria o Imperador enviado muçulmanos a comandar essa grande armada, para contactos políticos com as cidades estado Mediterrânicas, fazendo a mesma passar pelas colunas de hércules, de apenas 15 milhas de largura, que os cristãos Portugueses já fiscalizavam desde 1415, depois de ocuparem Ceuta?

Parece-me que tal não aconteceria, mas teremos oportunidade de ouvir, por parte do Professor Jin Guo Ping, as verdadeiras motivações imperiais para o envio destas impressionantes armadas aos mares do sul.

Propostas finais

Resta-me finalmente chamar a atenção de Vossas Excelências para o facto de que, entre os estudiosos da história da náutica, é muito comentada a maneira fulminante com que os Portugueses conseguiram passar a operar com elevada eficiência náutica nos Oceanos Índico e Pacífico Oeste.

É certo que a náutica europeia, inicialmente desenvolvida durante a exploração oeste africana e mais tarde consolidada com novas técnicas devido às necessidades da exploração das derrotas longas, se tornou independente do local navegado, depois de para o mesmo estar elaborada a carta hidrográfica adequada.

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ESTUDOS SOBRE A CHINA VIII

Assim, logo que se colheram elementos hidrográficos e meteorológicos, a nave-gação passou a ser rotineira e não ofereceu dificuldades de maior.

Contudo é muito difícil de compreender como esse elementos hidrográficos foram tão rapidamente obtidos.

É por exemplo admirável como o mapa dito de Cantino (figura 21), elaborado até Agosto de 1502, pôde incluir tanta informação diferente da tradicional informação ptolomaica, nos mares e terras para leste da costa ocidental do Industão. De facto, as expedições Portuguesas que antecedem esta data (as de Vasco da Gama, Pedro Álvares Cabral e João da Nova), não passaram além de Cochim.

Fig. 21 – Golfo de Bengala e mar da China no mapa de Cantino (1502)

O que dizer também das cartas de Francisco Rodrigues, do conteúdo do Livro de Duarte Barbosa 22, da Suma Oriental de Tomé Pires 23 e de tantos outros documentos que reflectem os contactos entre portugueses e outros povos do oriente.

22 Cf. The Book of Duarte Barbosa, ed. Mansel Longworth Dames, 2 vols., New Delhi, Madras, Asian Educational

Services, 1989 e ainda « Livro de Duarte Barbosa », in Colecção de Notícias para a História e Geographia das Nações Ultramarinas, Lisboa, Academia Real das Sciências, 1867.

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ESTUDOS SOBRE A CHINA VIII

O caso Cantino, de entre os muitos outros que se conhecem e que são difíceis de explicar, foi abordado de modo muito claro e profundo por Luís de Albuquerque em Macau em 1988, durante o Seminário Ciência Náutica e Técnicas de Navegação nos Séculos XV e XVI, organizado em boa hora por instituições culturais de Macau 24.

Conclui o nosso saudoso historiador que o contributo da náutica oriental foi deci-sivo para a elaboração da carta, depois de demonstrar que os elementos foram obtidos de pilotos e outra entidades locais, cabendo aos técnicos portugueses a adaptação dessas informações á maneira ocidental de notação e representação cartográfica.

São estes problemas mal esclarecidos, que envolvem não só Chineses e Portugueses como também os Polinésios, os Malaios, os Indianos, os Persas, os Árabes, que poderão ser aprofundados pelos contactos muito mais íntimos e profundos que a vida actual nos proporciona. Parece não haver melhor época para os povos se conhecerem ainda melhor e cooperarem em todas as áreas e nomeadamente na área da história, sendo a reunião de hoje um exemplo a seguir e a aprofundar.

E para a interpretação dos documentos será sempre fundamental a existência de técnicos das áreas respectivas e será aí que os marinheiros poderão dar valioso contri-buto para o estudo das fontes de carácter náutico, dado que a maior parte dos estu-diosos da náutica oriental não têm qualquer formação marinheira.

Nas conclusões às Actas do já anteriormente referido Seminário de Ciência Náutica organizado em 1988 em Macau, era proposta a sua realização bianual 25. Que se saiba não se concretizou tal ambição.

Nestas condições Senhora Professora, permita que lhe sugira que num futuro muito próximo dinamize, no seguimento desta sua iniciativa cultural luso chinesa, um Congresso Mundial de História da Náutica, que se poderia, se possível, realizar em Macau, local privilegiado de intercâmbio cultural entre o Ocidente e o Oriente. Aliás muitas outras instituições Portuguesas e Macaenses estão certamente interessadas em colaborar.

Permita-nos também que a felicite desde já pela organização deste evento, visto que o mais difícil, que foi o tê-lo conseguido iniciar, já está feito.

Permita-nos ainda que saúde os seus colegas chineses e que lhes deseje em nome de um marinheiro português uma agradável e profícua estadia em Portugal.

23 Cf., A Suma Oriental de Tomé Pires e o Livro de Francisco Rodriques, leitura e notas de Armando Cortesão,

Coimbra, Universidade de Coimbra, 1978. 24 Cf. Actas do Seminário Ciência Náutica e Técnicas de Navegação nos Séculos XV e XVI, Macau, Instituto Cultural de

Macau e Centro de Estudos Marítimos de Macau, 1988, pp. 183-211. 25 Cf., op. cit., p. 211. Note-se também a observação por parte do presidente do Condselho Directivo do

Instituto Cultural de Macau, que durante o discurso de abertura chama a atenção para as dificuldades encontradas por parte da equipa de traductores, dizendo que «Em alguns casos, não se conseguiu mesmo transmitir os conceitos, topónimos, nomes de objectos, etc.; noutros, é provável que se registem erros de tradução. ». Cf., op. cit., p. 8.

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ESTUDOS SOBRE A CHINA VIII

E sugerimos-lhe que após terminar esta Semana Cultural, que será certamente um êxito, descanse pelo menos durante um mês, até porque precisamos de si, para o já referido Congresso Mundial de História da Náutica.

Lisboa, Instituto de Ciências Sociais e Políticas, 16 de Janeiro de 2005

José Manuel Malhão Pereira

TRABALHOS APRESENTADOS

NO VII COLÓQUIO INTERNACIONAL

SOBRE A CHINA