Clusters Onde Os Empreendedores Se Encontram e Inovam

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    32 A febre mundiAl dos clusters de inovAo

    38 QuAl o mApA dA minA brAsileiro?

    44 o recife Antigo e os empreendedores do mAngue

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    O empreendedor de alto impacto Tony Hsieh conhe-cido: ele tornou-se o CEO do bem-sucedido e-commerce de calados Zappos.com um ano depois de sua fundao e lhe imprimiu seu diferencial inovador. O negcio foi adquirido pela Amazon em 2009 por US$ 928 milhes, mas Hsieh continua a comand-lo, gerando receita anual superior a US$ 2 bilhes.

    O que nem todos sabem, no entanto, o que Hsieh vem fazendo em Las Vegas, clebre cluster de hotis e cassinos situado no deserto de Nevada, costa oeste dos EUA. Ele resolveu transformar uma rea abandonada da cidade em um cluster de 100 a 200 startups inovadoras de empreendedores apaixonados e felizes, o Downtown Project, caracterizado pelo esprito de coworking.

    Do prprio bolso colocou US$ 50 milhes, para ser capital semente, e conseguiu mais US$ 300 milhes com outros investidores para a infraestrutura de apoio, incluindo servios de educao e sade. E quer fazer tudo acontecer em cinco anos, contados a partir do anncio, no final de 2011.

    Hoje, uma pessoa fsica como Hsieh, uma empresa, um governo podem criar um cluster de inovao. Mui-tos, especialmente governos, tentam faz-lo. Todos so movidos pela mesma ambio de estimular negcios de crescimento rpido e geradores de bons empregos.

    Porm fatores de sucesso e receitas variam de um lugar para outro, enquanto os desafios se multiplicam. o que este Dossi tem para contar.

    clusters: onde os empreendedores se encontrAm e inovAm

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  • Cada vez mais governos querem ter empreendimentos de alto impacto, por serem os geradores dos melhores empregos, e escolhem um de dois caminhos:

    o cluster local, ao modo do Vale do Silcio, ou a estratgia nacional, como Israel. Esta reportagem rene as boas prticas internacionais

    A febre mundial dos clusters de inovao

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    A reportagem de Slvio Anaz,colaborador de HSM Management, com contribuio de Lizandra Magon de Almeida.

  • NNos anos 1970, o Vale do Silcio, regio que abrange San Francis-co e cidades ao sul, na costa oes-te dos Estados Unidos, e a Route 128, estrada prxima a Boston, na costa leste, eram vistos como clusters de inovao em p de igualdade. Ambos mostravam invejvel capacidade de inovar em tecnologia eletrnica.

    Na dcada seguinte, seus des-tinos foram opostos. Enquanto o Vale do Silcio deu luz uma nova gerao de empresas de semicondutores e computao, como a Sun Microsystems, e companhias como a Intel e a Hewlett-Packard vivenciaram dinmico crescimento, a regio da Route 128 sofreu um decl-nio que se mostrou irreversvel.

    Por que um ecossistema de empresas decolou e o outro no, se nos dois casos havia compe-

    tio e cooperao, como pre-gou o especialista em estratgia Michael Porter ao ressaltar ao mundo a importncia dos clus-ters para a competitividade?

    Essa a pergunta de 100 bi-lhes de dlares j que esse o lucro registrado em 2013 pe-las principais empresas do Vale do Silcio, como as 150 do ndi-ce de aes SV 150. O mundo inteiro est tentando replicar o fenmeno neste sculo 21, por estar provado que startups ino-vadoras crescem rpido e ge-ram bons empregos. E a febre no tem previso de baixar.

    S o governo dos Estados Unidos tem investido em mais de 40 clusters regionais no pas, em setores como energia, agri-cultura e tecnologias avanadas de defesa. Um nico desafio de inovao chega a ganhar vrios

    clusters, como o caso das tec-nologias que envolvem gua, com dois clusters em Ohio Cincinatti e Cleveland e um na Pensilvnia Pittsburgh.

    Em outros pases, os esforos so igualmente respeitveis. Na Rssia, foi fundado em 2010 o cluster Skolkovo, no en-torno de Moscou, com investi-mentos em uma universidade, projetada pelo Massachusetts Institute of Technology (MIT), uma fundao e um parque tecnolgico; na Frana, o clus-ter Paris-Saclay comeou a ser erguido em 2013 com a fuso de seis escolas de engenharia.

    Em Singapura, a Biopolis converteu-se de 2003 para c em um dos mais importantes clusters de biotecnologia do mundo, com cerca de 5 mil cientistas ali.

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  • Voltando pergunta de 100 bilhes de dlares, a diferena entre o Vale do Silcio e a Route 128 foi a rede, segundo um estudo de AnnaLee Saxenian. A pesquisadora da University of California em Berke-ley explica que, enquanto a Route 128 tinha uma estrutura industrial baseada em empresas indepen-dentes, o Vale do Silcio criou um sistema verdadei-ramente em rede, do tipo que promove aprendizado coletivo e parcerias flexveis entre as companhias.

    Conforme Saxenian, tambm encorajaram o empreendedorismo a densa rede social da regio muitos empreendedores eram alunos de Stan-ford e ainda prximos da universidade e o mer-cado de trabalho aberto, aspectos no encontra-dos na Grande Boston. Ela explica que nesse ce-nrio que as fronteiras organizacionais se tornam porosas dentro das empresas, entre empresas e entre estas e instituies como universidades e ins-titutos de pesquisa, e essa porosidade crucial.

    No entanto, o segundo cluster mais bem-sucedi-do do mundo, Israel, iniciado em 1993, tem uma histria bem diferente da do Vale. Se, na Califr-nia, a iniciativa partiu de empreendedores ligados universidade e foi acontecendo de maneira es-pontnea, em Israel, o governo planejou e orques-trou um programa estratgico de longo prazo para transformar o pas na nao startup que hoje, com o impressionante ndice de um empreendi-mento iniciante para cada 1,6 mil habitantes.

    Ento, as perguntas recomeam: quo funda-mental um cluster para uma regio inovar? Ele pode estabelecer-se com crescimento natural, e at catico, ou deve seguir um plano? O papel dos governos como o do governo russo, que investiu o equivalente a US$ 2,5 bilhes em Skolkovo?

    E, ainda, a inspirao principal deve ser o Vale do Silcio, Israel ou nenhum deles? H cases ex-tremamente interessantes na Itlia, por exemplo. E quais os desafios para o Brasil [cujos clusters so detalhados nas reportagens das pginas 38 e 44]?

    Por fim, desenvolver (e integrar) um cluster con-tinua a ser obrigatrio para inovar, mesmo na era digital, marcada por relacionamentos virtuais?

    cLuSter fundAMentALMembro do conselho de inovao do presiden-

    te norte-americano, Barack Obama, Curtis Carl-

    Vista do Vale do Silcio

    Cluster MaRS, em Toronto, Canad

    Vista geral de Tel Aviv, centro do Silicon Wadi, em Israel

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  • son definitivo quanto necessidade do cluster para inovar em escala. No existe outra opo. preciso que os empreendedores e inovadores trabalhem juntos em um mesmo lugar, disse o CEO do SRI International, um dos mais impor-tantes centros de inovao do mundo.

    Falando com exclusividade a HSM Manage-ment em sua passagem recente pelo Brasil, ele acrescentou que a quantidade de lderes de go-verno e comunitrios que esto planejando um sistema de inovao inacreditvel. Hoje, toda cidade dos Estados Unidos tem um plano para au-mentar a capacidade de inovar.

    Vale observar que Carlson prefere utilizar a ex-presso sistema de inovao a cluster e que reconhece o planejamento, validando tanto o mo-delo californiano como o de Israel.

    eSpontneo ou pLAnejAdoSobre o planejamento, as opinies se dividem

    no mundo inteiro, e a academia brasileira no exceo. Renato Garcia, professor do Institu-to de Economia da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), acredita que clusters co-mo o Vale do Silcio continuam a ser uma das estratgias mais eficientes para impulsionar o empreendedorismo e a inovao em setores de alto impacto.

    Garcia, que se situa ele mesmo dentro de um cluster inovador, em Campinas (SP), oferece uma explicao: A proximidade geogrfica entre as empresas e entre estas e institutos de pesquisa e universidades estimula a colaborao, por meio das interaes frequentes e dos contatos pessoais, o que facilita o aprendizado.

    J Carlos Arruda, especialista em estratgia e inovao e coordenador, no Brasil, do Global Competitiveness Report, ligado ao Frum Eco-nmico Mundial, e dos estudos World Compe-titiveness Yearbook, do IMD, cr que isso no basta; necessria uma estratgia nacional, de longo prazo, e de implementao sustentvel. A formao de redes pressupe a construo de uma agenda de futuro, justifica.

    Arruda apresenta como argumento pr-estrat-gia o cluster canadense MaRS Discovery District, localizado em um quarteiro do centro de Toron-

    to, focado nas reas de sade, energia e educao. O MaRS foi constitudo como uma or-ganizao sem fins lucrativos e elaborou um plano h mais de dez anos, que est sendo consis-tentemente implementado, sem descontinuidade, conta ele.

    pApeL do governoO planejador no precisa

    ser o governo; pode ser um centro de inovao, uma uni-versidade, um investidor, uma entidade de empreendedores etc. Mas o papel do governo financiar? Na Frana, por exemplo, o governo tem finan-ciado os empreendedores ban-cando at 70% de seu ltimo salrio durante dois anos.

    Para Carlson, no papel do governo emprestar dinheiro, e sim criar o sistema de inovao, providenciando a reunio dos elementos bsicos [veja quadro na prxima pgina].

    E tambm cabe ao gover-no educar as pessoas desde crianas sem educao, elas no participaro desse siste-ma, investir em pesquisa nas universidades e tratar melhor as empresas nascentes. Uma startup exige os cuidados de um beb; no pode ser trata-

    da da mesma forma que uma empresa adulta, diz Carlson.

    Para o economista Scott Wallsten, do Technology Policy Institute, especializado em ino-vao, os governos usam duas estratgias principais para esti-mular o empreendedorismo:

    Criao de fundos pbli-cos de venture capital, por meio do subsdio direto pa-ra startups.

    Construo de parques tec-nolgicos para atrair em-presas de alta tecnologia.

    A startup precisa dos cuidados

    de um beb Curtis Carlson, SRI International

    Curtis Carlson, CEo do SRI, um dos maiores laboratrios de inovao do mundo, sediado no Vale do Silcio

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  • Wallsten analisou ambas as polticas em vrias regies dos Estados Unidos ao longo dos anos 1980 e 1990 e concluiu que nenhuma dessas estratgias teve significativo sucesso no estmulo ao desenvolvi-mento tecnolgico regional.

    Um estudo do Banco Mundial recomenda uma parceria entre governo e setor privado em prol da inovao. Segundo ele, o governo deve remover barreiras de entrada e sada das empresas em um cluster, criar instituies de pesquisa e desenvolvi-mento que abasteam as necessidades coletivas das empresas do cluster e fornecer, sim, capital, alm de mo de obra altamente especializada.

    Ao setor privado, o estudo atribui funes como identificar novos produtos e segmentos do merca-do, desenvolver estratgias que ampliem o alcance do negcio e melhorar as tecnologias e a gesto pa-ra alcanar maior produtividade.

    iSrAeL, o MAiS repLicAdoBen Lang um jovem empreendedor israelen-

    se. Nem completou 20 anos e j fundou trs em-presas; ele encarna o esprito startup. De onde vem seu impulso para empreender? Ele o atribui proximidade com a universidade onde pode

    Os 6 elementospara Curtis Carlson, CEo do SRI

    International, os cinco elementos bsicos de qualquer sistema de inovao so: talento empreendedor, pesquisa, universidade, incubadora/aceleradora e venture capital. E a eles se soma um sexto elemento, que a viso global.

    Na anlise de Carlson, o Brasil est carente de dois desses recursos: o venture capital e a viso global. D tempo de o Brasil virar esse jogo empreendedor, mas, de um lado, o governo brasileiro deveria incentivar o venture capital em vez de investir ele mesmo e, de outro, as empresas precisam deixar de focar s o Brasil, por

    maior que seja o mercado domstico, e pensar em inovao para o mundo.

    Falando como investidor, pedro Melzer concorda que o hbito de lanar produtos globais chave, e falta ao Brasil. h dois lados nisso: o produto global d uma dimenso maior de mercado para a empresa e esse produto ter de concorrer mundialmente tambm, com produtos de outras empresas, o que o levar a ser melhor.

    No que se refere a VC, Melzer entende que a participao do governo, seja por meio do Banco Nacional de Desenvolvimento Econmico e Social (BNDES) ou da agncia Finep, em

    fundos VC muitas vezes engessa a gesto das empresas. Essas instituies exigem participar do comit de investimento, mas no tm condio tcnica para isso, pois os modelos de negcio no bvios, inovadores, exigem preparo especfico.

    o especialista em estratgia e inovao Carlos Arruda chama a ateno ainda para a fragilidade do elemento universidade, apontando a falta de incentivo para que esta inove. Se um professor desenvolve uma pesquisa que gera uma licena, ele ganha 20% de direitos autorais no Brasil, enquanto em Israel a participao de 50% e em oxford pode chegar a 100%.

    eSSeS eleMentoS So cHave; carlSon diz que S 12 cluSterS So SiSteMaS de inovao noS eua

    no alto, Pedro Melzer, diretor do e-Bricks early Stage, fundo de venture capital brasileiro com foco em empresas de tecnologia nascentes; ao lado, renato Garcia, professor da unicamp

    cursar programas voltados para o empreendedorismo, massa crtica de investidores, grande quantidade de aceleradoras e intensa programao de eventos sobre o tema.

    Israel, do tamanho de Sergi-pe, tem startups em todo o pas, mas a maior concentrao fica no chamado Silicon Wadi (wadi vale, em rabe, e silicon, silcio, em ingls), faixa de terra entre Tel Aviv e Haifa, margem do mar Mediterrneo.

    Dan Senor e Saul Singer, au-tores do livro Startup Nation, tm mais uma explicao. Segundo eles, o papel das foras armadas no estmulo ao desenvolvimento de solues inovadoras e na for-mao de uma mentalidade de empreendedorismo e liderana nos jovens israelenses imenso. Aps o servio militar obriga-trio trs anos para homens e

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  • dois para mulheres, eles retornam vida civil com experincia na soluo de problemas e capacidade de deciso obtidas nos campos de batalha.

    Olhando de longe, o brasileiro Daniel Cunha, scio do fundo de venture capital (VC) Initial Capital, que investe no Brasil e em Israel, lem-bra que o tamanho pequeno obrigou o Silicon Wadi a ter viso global e diz que o empreende-dor do pas consegue, como o da Califrnia, no se preocupar em gerar receita rpido e ter como foco fazer um produto sensacional. Seu ecos-sistema tem liquidez suficiente para apoiar essa estratgia e os respectivos riscos.

    Ainda que tenha particularidades culturais e po-lticas, o modelo israelense est servindo de par-metro para Espanha (e seus empreendedores de

    A universidade

    Nos anos 1960, a Cambridge university, na Inglaterra, fundou a empresa Cambridge Consultants para colocar os crebros da universidade disposio da indstria; em 1970, estabeleceu-se o Cambridge Science park e, hoje, Cambridge o maior cluster de inovao da Europa.

    h 1,5 mil empresas sediadas no cluster, empregando 54 mil pessoas e com receita anual de 12 bilhes, mas a Cambridge university continua fundamental: o maior provedor de tecnologia, fonte de conhecimentos e qualificadora de mo de obra da regio, com seus professores, ex-alunos e ideias

    movimentando as principais empresas do cluster. A universidade tambm atua por meio da Cambridge Enterprise, que presta consultoria aos empreendedores, alm de licenciar e patentear suas invenes e descobertas.

    A Cambridge university um dos seis elementos-chave do cluster tpico, segundo Curtis Carlson, e, qualquer que seja o modelo, ele sempre tem universidade, seja em pequim (China), em Bangalore (ndia), em Adelaide (Austrlia) ou em Nova York (EuA). Esta, por exemplo, tem quatro: Columbia, princeton, Yale e Cornell. Trata-se de um ponto onde um cluster pode facilmente tropear.

    to sempre dentro de casa. Me-lhor seria, por exemplo, que as empresas de biotecnologia es-panholas buscassem inspirao em suas antecessoras que j ob-tiveram bons resultados.

    o brASiL e o digitALO ecossistema de inovao do

    Brasil imaturo principalmente na relao empreendedor-inves-tidor, como avalia Pedro Melzer, scio do fundo VC e-Bricks Early Stage: Nos Estados Unidos, os empreendedores j sabem esco-lher seu investidor; aqui o proces-so comea distorcido, com um empreendedor despreparado e um investidor no profissional.

    Alguns especulam que o Bra-sil amadurecer em uma nova onda de clusters, os virtuais, que trocaro a proximidade geogrfica pela internet. Ou-tros duvidam disso.

    em Bouldero investidor Brad Feld

    criou em Boulder, colorado, a tese de que h quatro elementos-chave para

    comunidades de startups de impacto: empreendedores

    como lderes, viso de longo prazo, incluso de pessoas

    diversas e eventos de engajamento

    biotecnologia), Irlanda e Dubai, entre outros que tentam replic--lo. O programa Startup Chile, que desde 2010 oferece capital para inovadores estrangeiros, segue o modelo israelense de es-tratgia de maneira ousada.

    O professor da Wharton School Stephen Sammut, tam-bm scio de um fundo de VC, discorda de qualquer tentativa de emular Israel ou o Vale. Ele diz: Os melhores modelos es-BRu

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    Cambridge Consultants, na Inglaterra, empresa que

    planejou o maior cluster

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    A reportagem de Sandra Regina da Silva,colaboradora de HSM Management.

  • Das cerca de 90 iniciativas existentes, em torno de 12 so realmente dedicadas inovao. Mas o ecossistema dos clusters do Pas cresce, diversifica a atuao em relao a TI e aprende a lidar com as prprias caractersticas

    Qual o mapa da mina brasileiro?

    oo Brasil tem muitos problemas para resol-ver, logo o Brasil um mercado comprador para clusters de inovao.Essa uma lgica to irrefutvel quanto penso, logo existo, uma vez que, onde h um problema para resolver, h uma opor-tunidade para empreender e inovar.

    A pergunta : em que medida a oferta est altura da demanda?

    A oferta no para de crescer e hoje j h cerca de 90 iniciativas de clusters no Brasil, conforme a Associao Nacional de Enti-dades Promotoras de Empreendimentos Inovadores, a Anprotec, um nmero signi-ficativo, se todos inovarem de fato.

    Em um cluster, as empresas juntam-se para enfrentar e resolver problemas, por meio de pesquisa e desenvolvimento e de inovao, confirma Srgio Rezende, um dos maiores especialistas no assunto, ex--ministro da Cincia, Tecnologia e Inova-o (2005-2010), que tambm comandou a agncia Finep, uma das principais fi-

    nanciadoras de pesquisa e ino-vao do Brasil.

    No entanto, s uma dzia de clusters brasileiros justifica esse nome. Entre nossos par-ques tecnolgicos, como os chamamos, poucos so clus-ters; a maioria ocupada por empresas que usam tecnologia avanada, mas no inovam, explica Rezende.

    E quanto aos clusters verda-deiros? So competitivos em inovao? Em uma anlise cri-teriosa, veem-se neles motivos tanto de otimismo como de pes-simismo em relao a isso.

    98% de inovaoSegundo pesquisa realizada em 2011, a inovao est presente na esmagadora

    maioria das empresas que tm sido incubadas

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  • tria dos clusters de inovao es-t apenas comeando no Brasil, quando em muitos pases an-tiga. Pesquisadores, s os temos de 1970 para c, e foram eles, professores de universidades fe-derais, que deram incio a mui-tos clusters. o primeiro fundo de venture capital (VC), crucial, surgiu em 1999. Uma empresa s pode receber dinheiro pbli-co desde 2005, quando foi regu-lamentada a Lei da Inovao.

    Entre os aspectos negativos, o primeiro a pouca sinergia en-tre os clusters brasileiros, como h em tantos lugares no mundo.

    Tambm se lamenta que, na maioria dos casos, sejam enti-dades pblicas a organizar um cluster. A iniciativa privada ain-da tem atuao discreta fazem falta, por exemplo, grandes em-presas que liderem a formao de clusters, chamando mais em-presas para inovar.

    outro problema est na baixa interao das empresas vista em muitos clusters; no h rede.

    Start-up Brasil, estratgia la Israel?

    nosso ecossistema de inovao deu um salto nos ltimos dez anos, em recursos e capacidades, graas principalmente Lei de Informtica de 2004, e tambm Lei de Inovao, de 2005. A previso de que o empreendedorismo inovador ser estimulado pelo programa start-Up Brasil, lanado em 2012. Pode-se dizer, ento, que o Brasil formula uma estratgia nacional?

    vejamos o start-Up Brasil, que se baseia em trs pilares: capital (R$ 40 milhes previstos, at R$ 200 mil por startup contanto que uma das 12 aceleradoras selecionadas tambm invista), conhecimento (reserva vagas para startups estrangeiras e intermedeia a relao com aceleradoras) e foco (software), alm de ter princpios como descentralizao regional e criao de empregos.

    Os resultados da primeira fase do start-Up Brasil so bons, segundo virglio Almeida, secretrio de poltica de informtica: das 150 startups previstas, 100 j esto desenvolvendo projetos so de 15 estados do Brasil e de 10 pases estrangeiros. Alm disso, 73% das startups j tinham produtos funcionais em abril (ante 41% no incio da acelerao) e 53% esto faturando. elas geraram empregos, porque as equipes cresceram 33%, e a inovao est ocorrendo, porque vieram nove prmios de inovao.

    empreendedores e investidores viram na iniciativa competncia e energia raras, aplaudindo a definio de metas e a liberdade de escolher a aceleradora. Preocupou-os a incerteza sobre a continuidade, fundamental a uma estratgia desse tipo, mas o segundo edital acaba de ser anunciado, para 100 empresas, e expandido (agora inclui hardware, por exemplo).

    O Brasil tem estratgias nacionais de inovao, mas, para alguns, precisaria ter uma estratgia maior que envolvesse a educao universidades de viam ensinar a empreender e inovar mais.

    MercAdo SAdA iniciAtivA, MAS teM SugeSteS A fAzer

    o otimismo se relaciona, por exemplo, com a atuao de incubadoras e aceleradoras. Um es tu do de 2011 com 384 dessas entidades conta que 2,5 mil empreendimentos de base tecnolgica incubados geram faturamento anual estimado em R$ 4,1 bilhes e 29,2 mil empregos do tipo que paga mais e exige maior qualifica-o profissional.

    Melhor ainda, a inovao est presente em 98% das empresas incubadas e s 28% se limitam ao mercado regional; 55% tm alcance nacional, e 15%, foco mundial, segundo o estudo, que foi realizado pela Anprotec e pe-lo Ministrio da Cincia, Tecno-logia e Inovao (MCTI).

    outra razo de otimismo, conforme Rezende, que a his-

    oswaldo fernandes e rosana Jamal, do cluster de campinas; ele lidera a aceleradora Baita e ela preside o unicamp ventures

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  • CONCENTRAO NO SUL E SUDESTEEntre os clusters inovadores do Brasil desta-

    cam-se os do Centro-Sul do Pas. Os de So Jo-s dos Campos e So Carlos, em So Paulo, e o de Santa Rita do Sapuca, em Minas Gerais, so extremamente dinmicos, por exemplo, mas o fa-moso cluster da Ilha do Fundo, no Rio de Janei-ro, no entra na lista, por ter mais fabricantes do que inovadores.

    Uma exceo regra, no Nordeste, o cluster de Campina Grande, na Paraba, que remonta dcada de 1970. Empresas de base tecnol-gica foram sendo criadas por professores da fa-culdade de engenharia da Universidade Federal da Paraba, por conta das inovaes que tinham feito, e houve o impulso de um diretor progres-sista, Linaldo Cavalcante, relata Rezende, em uma histria que lembra a de outro dos clusters mais fortes do Pas, o do Recife, escolhido como estudo de caso deste Dossi.

    Um terceiro cluster promissor do Nordeste o Parque Tecnolgico da Bahia, em Salvador, im-plantado em 2012 pelo governo estadual, que ain-da no tem densidade de cluster, mas vem evoluin-do, perto de centros de pesquisa e universidades.

    os segmentos preferidos dos clusters brasileiros so tecnologia da informao e da comunicao, energia e tecnologia limpa, economia criativa e cincias da vida. A seguir, HSM Management mapeia os diferenciais de quatro, mais privados:

    Certi, Florianpolis (SC). o desenvolvi-mento de empresas inovadoras na capital cata-rinense foi iniciado em 1984, com a criao da Fundao Certi pela Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC). At hoje, esse um dos casos mais admirados no Brasil e, se comeou com o empurro do poder pblico, ganhou rela-tiva independncia.

    A fundao teve origem na prtica de pesquisa e desenvolvimento da UFSC, em atividades de seu laboratrio do Departamento de Engenha-ria Mecnica, e, em dois anos, montou a incuba-dora Celta, que formou mais de cem empresas, muitas de hardware. o cluster se concentrou por quase dez anos em um prdio alugado perto da universidade, at que estruturou suas 75 empre-

    sas (70, ex-startups locais) no ParqTec Alfa, com 13 prdios.

    Jos Eduardo Fiates, que foi superintendente da Fundao Certi por nove anos, conta que o Celta continua incubando em-presas 40, atualmente e que estas tm exemplos inspiradores para seguir, como a Softplan, de sistemas integrados de gesto, que em 2013 faturou em torno de R$ 200 milhes e agora ocu-pa dois prdios do ParqTec Alfa.

    Ecossistema empreen-dedor de Cam pinas (SP). o cluster ligado s universidades Unicamp e PUC, que remonta a 1991, conhecido. H o p-lo de alta tecnologia da Ciatec, o parque cientfico da Unicamp, mais de 220 empresas com 10 mil colaboradores. A agncia Inova, criada pela Unicamp em 2003, j lder de patentes entre as universidades brasileiras. Mas poucos conhecem os elos meno-res do ecossistema, que formam o crculo virtuoso de inovao.

    Por exemplo, o ecossistema campineiro conta com uma ga-

    ma de incubadoras e acelerado-ras, que apoiam startups com capital e conhecimento. Uma das mais novas a aceleradora Baita, que j est entre as 12 cer-tificadas do programa Start-Up Brasil; foi constituda formal-mente este ano dentro do cam-pus da Unicamp. A localizao chave, porque nenhuma acele-radora faz o ecossistema prospe-rar se no houver interao en-tre todos os atores, diz seu scio oswaldo Fernandes.

    Entre os elos menos bvios est o Unicamp Ventures, re-de de 255 empresas criadas por ex-alunos dentro da Uni-camp, donas de um faturamen-to anual superior a R$ 1 bilho e empregadoras de mais de 10 mil pessoas. Essas empresas se uniram h oito anos, com apoio da Agncia Inova, para retri-buir a ajuda que tiveram, im-pulsionando o ecossistema local para criar e fomentar mais em-presas, explica Rosana Jamal, presidente do Unicamp Ventu-res e tambm scia da Baita.

    Por sua vez, o Unicamp Ven-tures tem subprodutos, que so outros elos do ecossistema. Um o Inova Ventures Participa-

    gustavo caetano, fundador e ceo da Samba tech e porta-voz informal do cluster San Pedro valley

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  • es, criado h trs anos, que rene 48 empreen-dedores que se tornam investidores das startups j so quatro as empresas beneficiadas por isso. Ou como o Conselho de Startups, que oferece mentoria a 22 empresas locais. ou ainda como o Desafio Unicamp, programa que apresenta pa-tentes a estudantes para que explorem as possi-bilidades de negcio.

    A Liga Empreendedora, criada pelos estudantes, mais um ator no bvio do cluster. Ela veio esti-mular o empreendedorismo entre os alunos de gra-duao, que, assim, saem da universidade prontos para tomar a iniciativa muitos dos formados, em vez de procurar emprego, montam empresa.

    o cluster de Campinas tem at elos externos e complementares, como a Associao Campinas Startup (ACS), com 30 a 40 startups que partici-pam das atividades de coworking.

    Tecnopuc, Porto Alegre (RS). Universi-dade privada, a Pontifcia Universidade Catli-ca do Rio Grande do Sul (PUC-RS) inaugurou o Tecnopuc em 2003 como um habitat de ino-vao, onde tudo acontece. Em volta do par-que temos todo um ecossistema para fomento do empreendedorismo inovador, diz Rafael Prikladnicki, diretor do parque. Ao todo, so cerca de 120 empresas e a incubadora sozinha abriga hoje 26.

    o Tecnopuc e a incubadora tambm fazem parte de um ecossistema, a rede de inovao Ino-

    vapucrs, que inclui a Agncia de Gesto e Empreendimentos e seu respectivo Programa de Acelerao de Empreendimen-tos, que, de acordo com Prik-ladnicki, identifica empresas com potencial de acesso a ven-ture capital e busca alavancar o negcio, com consultoria (de mercado e de gesto), entre ou-tros servios de apoio.

    o Tecnopuc mantm acor-do com a prefeitura para pro-jetos especficos e atua em si-nergia com os outros trs par-ques da Grande Porto Alegre.

    San Pedro Valley, Be-lo Horizonte (MG). Trs anos atrs, um cluster surgiu espontaneamente em BH, no bairro de So Pedro. Suas ra-zes remontam a 2005, quando o Google comprou a Akwan, startup fundada por professo-res da Universidade Federal de Minas Gerais para desen-volver sistemas de busca, e a transformou em seu centro de inovao na Amrica La-tina. Vrias startups inovado-ras foram atradas por isso, at ultrapassando as fronteiras do

    Um cluster virtual, feminino

    Para gustavo Caetano, o empreendedor da samba Tech e do san Pedro valley que tambm preside a Associao Brasileira de startups, a internet est liberando as empresas de estarem no mesmo lugar para interagir e inovar, o que pode fazer com que o cluster geogrfico deixe, com o tempo, de ser um requisito de competitividade. ser? vale a pena acompanhar a experincia de um cluster virtual brasileiro, que a Rede Mulher empreendedora (RMe), que rene 116 mil membros, se consideradas todas as seguidoras de Facebook, e 13 mil como um grupo fechado e ativo, que frequenta encontros presenciais regulares.

    nossos objetivos so muito parecidos com os de um cluster fsico tradicional, confirma Ana Lcia Fontes, fundadora da RMe, ex-executiva e empreendedora. Mulheres com alto potencial empreendedor integram a rede, porque costumam ter experincia corporativa e mostram-se motivadas a ter uma atividade profissional que as realize e proporcione flexibilidade de tempo. A RMe facilita as conexes entre elas que, em regra, fazem menos networking do que os homens e lhes oferece conhecimento empreendedor e servios de apoio.

    esse conhecimento ultrapassa os elementos-chave da cartilha empreendedora. Por exemplo, um erro a corrigir muitas no estudarem o mercado, preferindo empreender em sua zona de conforto, focando beleza, vesturio ou a rea de atuao anterior,, explica Fontes. Outro desafio que elas querem gerar impacto social no negcio, o que requer know-how parte.

    A rMe contA coM 13 Mil eMPreendedorAS AtivAS

    Srgio rezende, professor titular da universidade federal de Pernambuco e um dos mais atuantes ministros da cincia, tecnologia e inovao do Brasil recente (2005-2010)

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  • bairro, e os empreendedores resolveram organizar-se infor-malmente, como explica um de seus idealizadores, o em-preendedor Gustavo Caetano.

    Fundador e CEo da ino-vadora Samba Tech, que tra-balha com solues de vdeo online corporativas h sete anos e expandiu-se na Am-rica Latina h dois, Caetano conta que o que eles criaram foi uma cultura de ajuda m-tua. Vimos que era melhor nos unirmos, para promover a regio e atrair investidores e talentos para trabalhar nas startups, do que tentar fazer isso individualmente, diz ele.

    Deu certo, e to rapidamente que, no ano passado, a revista The Economist publicou uma ma-tria sobre a efervescncia local e o governo mineiro criou o pro-grama de acelerao Startups and Entrepreneurship Ecosys-tem Development (Seed).

    O Seed beneficia 40 star-tups por ano, com capital semente entre R$ 68 mil e R$ 80 mil e seis meses de ca-pacitao e apoio.

    Hoje, o San Pedro Valley tem cerca de 150 startups, de acordo com Caetano, de setores como educao, sade, TI/telecom (principalmente com foco em mobile) e mdia/entretenimen-to. E os empreendedores estran-geiros, atrados propositalmente pelo Seed, esto chegando.

    FUTUROH duas boas notcias. A

    primeira que clusters es-to em expanso no Brasil. Exemplo disso o Sapiens

    Parque, em implantao, que o segundo de Florianpolis, patrocinado pelo governo es-tadual, mas gerido pela Fun-dao Certi. Ele vem se orga-nizando como um cluster de clusters; ergueu 30 prdios e atrai inovadores oferecendo condies de competitivida-de como incubadora, acelera-dora, laboratrio de pesquisa e desenvolvimento por reas etc. A viso de longo prazo. Em 2020, queremos ter ge-rado 30 mil postos de traba-lho, diz Jos Eduardo Fiates.

    A segunda boa notcia que, por faltar capital de ris-co, h mais espao para que as empresas estabelecidas se tornem parceiras de inovao das startups do Brasil; o Sa-piens Parque, por exemplo, j atraiu a Petrobras.

    A esperana tambm de que parques no muito inova-dores hoje, como o da Ilha do Fundo, no Rio de Janeiro, re-posicionem-se; no caso do Rio, o pr-sal pode ser o indutor. Por fim, o fato de que vrios clusters esto se preocupando com a formao em empreen-dedorismo e gesto, como o de So Carlos, d alento aos oti-mistas da inovao.

    s

    entre os seis elementos-chave de um sistema de inovao [veja quadro na pgina 36], empreendedores e investidores reconhecem nossa vulnerabilidade em trs: venture capital (vC), viso global e universidade. Mas, para virar o jogo, acham que o vC o primeiro ponto a atacar, e preciso reduzir sua percepo de risco, que o faz instvel e focado no curto prazo.

    A reputao de no inovar do Brasil contribui para essa percepo e tem origem na principal mtrica internacional da inovao: a patente. em 2012, o Brasil tinha 41.453 patentes vlidas, ante 2,2 milhes dos estados Unidos, e, segundo a Organizao Mundial de Propriedade Intelectual, registrou 365 patentes internacionalmente, enquanto os eUA encaminharam 121.026.

    no Brasil, patente no serve de indicador, porque a maior parte de nossa inovao de software, tratado pela lei como direito autoral no patentevel e fcil de emular sem plagiar, o que desencoraja o esforo do registro, como explica o advogado Lus Felipe Luz. Mesmo quando a patente faz sentido, muitos no a perseguem, ou por no poderem esperar para lanar o produto e faturar a concesso demora (at 14 anos), ou pelo receio de abrir informaes. Falta educar o mercado nas mtricas de inovao usadas aqui, como taxa de crescimento de venda de produtos inovadores, nmeros de P&D e expanso internacional.

    A percepo de risco acentuada pelo fato de o Brasil responsabilizar legalmente o investidor por dvidas trabalhistas, tributrias e consumeristas de uma empresa, o que ameaa at seu patrimnio pessoal. Isso desequilibra, de sada, a relao risco-recompensa na deciso de investir no Brasil e, ao mnimo recuo da recompensa potencial, o investidor se vai. em 2013, os fundos vC somaram Us$ 2,3 bilhes aqui, quase um quarto do valor de 2011. Menor o vC, menor o grau de inovao de ruptura, mais produtos B2B e menor a visibilidade.

    Os elementos e a reputaoA virAdA PASSA Pelo cAPitAl e Pelo riSco

    Jos eduardo fiates, diretor do Sapiens Parque, novo cluster de florianpolis

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  • Cada vez mais governos querem ter empreendimentos de alto impacto, por serem os geradores dos melhores empregos, e escolhem um de dois caminhos:

    o cluster local, ao modo do Vale do Silcio, ou a estratgia nacional, como Israel. Esta reportagem rene as boas prticas internacionais

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    A reportagem de Adriana Salles Gomes,editora-chefe de HSM Management, que visitou Recife a convite do C.E.S.A.R.

  • oo monitor de irrigao no la-boratrio do centro de inovao C.E.S.A.R pouco sexy; no fcil imaginar que ele possa pro-vocar uma ruptura tal no agro-negcio brasileiro a ponto de aumentar em at quatro vezes a produtividade das plantaes.

    os sistemas de irrigao das fazendas so caros: s uma des-sas estruturas exibidas na foto direita, chamada de piv, custa R$ 500 mil, e so necessrias vrias delas por plantao. Ain-da h o investimento em aude, casa de bomba, transmisso eletrnica etc.

    Para serem funcionais, esses sistemas precisam de pivozei-ros, rapazes que percorrem a plantao uma vez por dia, de moto, e vo anotando dados re-gistrados sobre nvel de chuva e condio do solo para regular a

    irrigao, para que um agrnomo possa con-feri-los a cada ms.

    O monitor do C.E.S.A.R, lanado no fi-nal de 2013, vem substituir o pivozeiro e aumentar tanto a confiabilidade das infor-maes como a frequncia com que estas so entregues ao agrnomo, com grande benefcio potencial ao cultivo. Pode no ser uma inovao que cause tanto burburinho quanto um tablet da Apple, mas resolve, para determinado segmento de empresas, uma sria ineficincia e ainda supera o custo Brasil ao usar bateria para evitar as falhas de fornecimento de energia eltrica.

    Essa inovao, comercializada como um servio mensal, moda de uma TV por assi-natura, constitui a sntese perfeita do esprito inovador que predomina no cluster da ilha do Recife Antigo: voltada a empresas, para resolver ineficincias.

    culturA do mAnGueo Recife Antigo formado pelo C.E.S.A.R

    e pelo parque tecnolgico Porto Digital, mas, NIk N

    EVES

    Um dos clusters mais inovadores, dinmicos e independentes do Pas fica, surpreendentemente, fora do eixo Rio-So Paulo; o destaque atribudo a sua cultura e a um conjunto de princpios revelados nesta reportagem

    O Recife Antigo e os empreendedores do mangue

    Monitor do C.E.S.A.R inovao que resolve ineficincia do agronegcioem seu sistema de irrigao

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  • antes de tudo, feito de hackers, como se costu-ma brincar localmente. Dos seis elementos desse cluster [veja quadro na pgina 36], C.E.S.A.R e Porto Digital materializam quatro: instituto de pesqui-sa, incubadoras/aceleradoras, empreendedores e viso global. E outros diferenciais so estabeleci-dos por eles:

    Uma cultura nica. Influenciada pelo movimento Mangue Beat [veja quadro na p-gina 49], a cultura do cluster do Recife mostra ser to forte quanto a do Vale do Silcio, o que aproxima os dois modelos.

    At as diferenas culturais contm semelhan-as: enquanto o cluster de San Francisco foi ini-ciativa de alunos da universidade (Stanford), o do Recife partiu de professores (Universidade Federal de Pernambuco); se o vale marcado por construes contemporneas, a ilha pre-serva prdios antigos; se o vale d destaque ao empreendedor-usurio, que cria o que gos-taria de consumir, a ilha potencializa o em-preendedor-cidado, que quer ver seu pas funcionar melhor.

    Estudo antes de qualquer coisa. os ne-gcios no Recife Antigo sempre comeam com estudos do usurio, do mercado, da tecnologia. Faz-se um paper antes de se propor qualquer

    coisa, como explica Eduardo Peixoto, executivo-chefe de ne-gcios do C.E.S.A.R.

    A rede est viva. Uma pesquisa do Porto Digital mos-tra que dois teros das compa-nhias locais tm parceria com uma vizinha. Exemplo dis-so o sistema Anjo da Rua, que identifica eventos de risco nos ambientes urbanos e d o alarme quando detecta som de tiros ou acidentes de carros. Ele foi desenvolvido pela Sert-tel com base na expertise da DAccord, ambas embarcadas no Porto Digital.

    Os empreendedores no se apegam a um ne-Abaixo, Srgio Cavalcante, superintendente do C.E.S.A.R;

    ao lado, ambiente de trabalho de um dos prdios do centro de inovao, que tem um drago na entrada se o visitante se aproxima, ele, graas tecnologia, ruge e solta fumaa

    gcio apenas. Vrios deles atuam em mais de um ne-gcio ao mesmo tempo ou pulam de uma organizao para outra, como aconteceu com Guilherme Cavalcanti, que atuou na Silicon Reef, no C.E.S.A.R, na Pitang, na Joy Street e no fundo de venture capital Fundotec II, e agora preside a Agncia Recife para Inovao e Estratgia.

    Mais e melhores no-tas fiscais. A preocupao com o registro de patentes j foi abandonada por muitos, trocada pela mtrica do di-nheiro novo.

    A seguir, HSM Manage-ment apresenta os principais atores do cluster.

    o c.e.S.A.r Se as fachadas antigas dos trs

    prdios desse instituto de inova-o na ilha fossem congeladas em uma foto, o leitor diria que ali impera a calmaria, mas nada poderia ser menos verdade.

    medo de virar sucoO empreendedor que comea

    a ter um pouco de sucesso e para de correr riscos (e de estudar) para inovar e crescer rejeitado na ilha como um

    indivduo que vira suco

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  • O C.E.S.A.R uma escola, nossa equipe aprendeh.d.mabuse, consultor de design do C.E.S.A.R

    os colaboradores desse cen-tro tocam em paralelo 64 pro-jetos por ano, com 19 geren-tes, e tendo de adaptar seus processos constantemente aos clientes. Tudo isso em ape-nas uma das trs divises do C.E.S.A.R, a de engenharia. As outras duas, de empreen-dedorismo e educao, so igualmente movimentadas.

    Srgio Cavalcante, supe-rintendente do C.E.S.A.R, coordena os 800 colaborado-res com a filosofia de gesto cardica, criada pelo CEo da Visa International, Dee Hock. Ele confere autonomia a todos, mas desde que sigam as regras. Horrios no so sagrados e h muita diverso.

    Para h.d.mabuse, que chefia a rea de design da instituio, o fato de o C.E.S.A.R no ter acionistas contribui bastante pa-ra a alegria responsvel. Todos se sentem donos.

    organizao privada sem fins lucrativos, o C.E.S.A.R tem lucro foi de R$ 4 milhes

    em 2013 (em um faturamento de R$ 70 milhes), s no o distribui; tudo reinvestido. Boa parte dos empreendedo-res do Porto Digital surgiu des-ses reinvestimentos, inclusive, por meio da incubadora do C.E.S.A.R.

    Sob um conselho consul-tivo (que inclui representantes de clientes), a instituio se organiza em dez reas, alm das divises em outros estados. H as de apoio, como capital humano e comunicao insti-tucional, e as que geram inova-o, como as trs a seguir.

    c.e.S.A.r engenharia. o foco dessa rea em P&D e servios de consultoria para outras organizaes, sendo procurada por estas ou procu-rando-as com propostas.

    Recentemente, desenvolveu a primeira inovao para si mesma, o monitor de irriga-o, em busca de aumentar o lucro e poder, em mdio pra-zo, financiar inovaes mais ambiciosas.

    Para no pr em risco o foco em inovao, o C.E.S.A.R se-parou a Pitang, sua fbrica de software, do restante. Era ten-tador ficar ganhando dinheiro com a fbrica e deixar de arris-car e inovar, mas no o que queremos, explica Cavalcante.

    o que empurra a inovao a rea de novos negcios, bem ativa, a cargo de Eduar-do Peixoto, com profissionais em perfil T (generalistas e es-pecialistas) e a proposta de tambm dar consultoria de ne-gcios. o ncleo de design de

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  • h.d.mabuse igualmente importante, empode-rado especialmente de 2004 para c, depois que executou um complexo projeto de acessibilidade de documentos (14 mil) para o Banco Central de forma criativa e inclusiva com uma equipe com cinco estagirios da comunidade do Pilar, uma favela local. Hoje trabalham na instituio 54 designers de diversas formaes.

    Mas o C.E.S.A.R, como outros institutos de inovao, ainda conta principalmente com pro-jetos incentivados pela Lei de Informtica, res-ponsveis por 70% de seu faturamento total. At h projetos privados, como um da TV conectada para a Rede Globo, mas poucos, explica Karla Godoy, executiva responsvel pelo departamento administrativo-financeiro.

    Muitas empresas brasileiras j se beneficiaram da criatividade do C.E.S.A.R. o tablet inserido em refrigeradores Brastemp para controlar o que h para comer saiu daqui; o medidor inteligente do smart grid das empresas da Associao Brasi-leira da Indstria Eletroeletrnica, que mudar o setor de energia eltrica, est sendo desenvolvido aqui; o replanejamento do grupo Sonae Sierra Brasil para um cenrio de varejo bem diferente em dez anos feito com consultoria daqui.

    A revoluo que inovaes do C.E.S.A.R provocam em empresas de menor porte, co-mo a fabricante de no-breaks NHS Nilko, ento, enorme: ela, que oferece 64 tipos de gabinete customizados, conse-guiu reduzir o tempo de mon-tagem de cada um de dois dias para 15 minutos.

    Tambm h muitos projetos secretos no C.E.S.A.R, instala-dos em salas de acesso contro-lado cujas paredes de vidro so forradas por papel especula--se at sobre clientes do Vale do Silcio.

    c.e.S.A.r educao. Em-presas como Samsung e HP j compram cursos customizados do C.E.S.A.R, pessoas fsicas j fazem seu programa de resi-dncia em software. Mas a ins-tituio prepara voos maiores.

    No toa, gastou R$ 3 mi-lhes em fevereiro ltimo na aquisio de um enorme edi-fcio que abrigar sua rea de educao e elevar o investi-mento total a R$ 9 milhes, somado o custo da reforma. Ali deve criar mais cursos de extenso e especializao, alm de uma faculdade voltada para empreendedorismo e inovao.

    Eiran Simis, gerente de empreendedorismo do C.E.S.A.R e empreendedor ele criou uma espcie de Airbnb para eventos corporativos, o EventPlatz

    carto de visita

    Para Amrico Amorim, da DAccord, o cluster funciona como se fosse seu carto de

    visita, para que as pessoas tenham noo de sua competncia tcnica

    c.e.S.A.r empreendedo-rismo. No histrico de incu-bao desse instituto h muitas empresas bem-sucedidas, mas at a rea de empreendedoris-mo est sendo transformada. Se seu ambiente Garage inves-tia em cerca de trs empresas por vez, R$ 200 mil em cada uma, agora apostar em mui-tas mais, destinando-lhes valor menor individualmente.

    A ideia que, assim, os pe-quenos sucessos viabilizem os pequenos fracassos, necessrios ao aprendizado, explica o ge-rente de empreendedorismo Eiran Simis.

    o C.E.S.A.R montou, se-gundo Simis, uma incuba-celeradora, incubadora de startups que as acelera, com o capital tambm de parceiros. o plano investir em 30 a 40 empresas por ano, comeando com um ciclo de quatro meses e dando R$ 40 mil para cada uma. o investimento pode con-tinuar por anos.

    o processo de menos con-versa e mais ao, sem isolar o empreendedor do problema, distingue-o Simis.

    As etapas so as seguintes: sempre com orientao de mentores, os empreendedores chegam com a ideia, criam um modelo de negcio pa-ra ela, vo entender com os clientes potenciais como po-dem resolver o problema de-les, fazem um prottipo com uma viso da soluo, geram um produto minimamente vivel (MVP, em ingls) e vol-tam aos clientes para test-lo, em preo e em usabilidade. dIV

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  • A origem do cluster do Recife Antigo costuma ser associada capacidade de mobilizar pessoas de Silvio Meira, professor e pesquisador de engenharia de software da Universidade Federal de Pernambuco, que fundou o C.E.S.A.R e o Porto Digital. Ele, que colunista de HSm management, teria feito a jornada do heri, inspirado por ter nascido a 120 quilmetros de onde seria criado o pioneiro cluster de Campina Grande (PB); por formar-se no Instituto Tecnolgico da Aeronutica (ITA), no cluster de So Jos dos Campos (SP); por conhecer a experincia inglesa na rea ao estudar l; pelo fato de a Procenge, empresa de informtica, existir no Recife desde 1984.

    Meira enxerga a raiz do cluster em um movimento coletivo: o Mangue Beat, liderado pelos msicos Chico Science e Fred Zero nos anos 1990. Com a imagem da antena parablica enfiada na lama, o movimento buscava, cultural e metaforicamente, reenergizar e fertilizar o mangue, revertendo a depresso crnica que paralisava os cidados, como sugeria seu manifesto.

    De repente, surgiu uma cena musical com mais de cem bandas, vieram programas de rdio, desfiles de moda, videoclipes, filmes, tudo virando a cultura pernambucana de cabea para baixo, relembra Meira. E, em 1994, quando os professores da Universidade Federal de Pernambuco debatiam como romper o isolamento da academia, veio o lbum Da Lama ao Caos, de Chico Science & Nao Zumbi, que levou milhares de jovens a aprender maracatu e tambor, misturando-os com guitarras pesadas e som psicodlico.

    Foi a fagulha de que Meira precisava. Em 1995, ele tomava posse como professor titular trocando a tradicional msica de cmara da cerimnia por Da Lama ao Caos. A universidade ficou horrorizada, mas a mensagem era simples: se a meninada estava fazendo aquela revoluo na msica, com tremendo impacto no pensamento e na atitude coletivos, por que a academia no podia fazer algo similar em relao a educao e tecnologia? Era preciso aumentar o parque industrial local, devia-se conter a evaso de crebros.

    Com a adeso de vrios professores, o centro de inovao C.E.S.A.R nasceu em 1996, como parte do departamento de informtica, e o parque tecnolgico Porto Digital foi criado em 2000. Com seu surgimento, ambos revitalizaram a ento decadente ilha do Recife Antigo, com a reforma de seus edifcios antigos. O C.E.S.A.R repatriou, inclusive, um dos protagonistas do Mangue Beat, herr doktor (h.d.) mabuse, que tinha se refugiado em So Paulo depois da morte do amigo Chico Science em um trgico acidente de carro. E ele se tornou o chefe de design da instituio.

    Sem o Mangue Beat, tudo isso no existiria, diz Meira, que se tornou tambm empreendedor, investidor e porta-voz da rede. O movimento proporcionou ao cluster do Recife, alm da fagulha inicial, sua cultura, to forte quanto a cultura do Vale do Silcio californiano. Traos como rebeldia, irreverncia e cosmopolitismo, prprios dos empreendedores locais, podem ser vistos, por exemplo, em mabuse, que se autobatizou como o personagem de um filme policial de 1922 dirigido por Fritz Lang. A responsvel pelo RH do C.E.S.A.R est to aculturada que j desconfia dos candidatos certinhos.

    A pintura na entrada de um dos prdios do centro, de um drago que solta fumaa e ruge para o visitante com ajuda da tecnologia, e um varal de ideias penduradas so alguns sinais exteriores da energia do cluster, que pode ser vista em seus caranguejos todos os dias exceto, talvez, no Carnaval.

    Caranguejos inovadoresO MOVIMENTO MANGUE BEAT, NOS ANOS 1990, SERVIU DE CATALISADOR DE UMA CULTURA qUE BUSCA SER TO NICA qUANTO A DO VALE DO SILCIO

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  • esquerda, Eduardo Peixoto, executivo-chefe de negcios do C.E.S.A.R, repatriado da Sua; acima, Fbio Silva, presidente do conselho e cofundador do C.E.S.A.R, responsvel por sua estratgia

    o porto diGitAlo parque tecnolgico do Recife Antigo tem

    230 empresas embarcadas com 7 mil colabo-radores e faturamento de R$ 1 bilho por ano, atuando sobretudo em tecnologia da informa-o e economia criativa. Delas, 25% j tm atuao internacional.

    Com os governos estadual e municipal parti-cipando de sua governana, tem dois objetivos: aumentar a competitividade das empresas e atrair novos negcios inovadores. Para o segundo caso, o Porto possui incubadora e aceleradora prprias.

    Em prol da competitividade, uma srie de me-didas vem sendo tomada. Temos preocupao em ter os certificados de qualidade, como a nor-ma CMMI, que a ISo do software, e tambm um programa vigoroso de formao de capital humano, com cursos de tecnologia, gesto de projetos e ingls, conforme o gap detectado em nossas pesquisas, conta Guilherme Calheiros, diretor de inovao e competitividade do parque.

    A melhoria da mo de obra comprovada pelo aumento de pessoal das grandes empresas instala-das no Porto: na ogilvy, de publicidade, o quadro pessoal subiu de 30 para 150 pessoas; na Accentu-re, de consultoria, passou de 80 a 600.

    Nesse ritmo, possvel que o cenrio traado pelo Porto, para 2022, se concretize mesmo, com 20 mil pessoas trabalhando no local. Se a ocupa-o dos imveis mtrica de empreendedorismo, vale saber que o Porto j est avanando para o quadriltero de Santo Amaro, fora da ilha.

    Algumas empresas do Porto ajudam a entend--lo melhor:

    tempest Security intelli-gence. uma das mais famo-sas empresas locais, de hackers ticos, que so referncia em segurana da informao e es-to se consolidando em defesa ciberntica. Abriram recente-mente filial no Reino Unido, para atender dois clientes mui-to importantes, BBC e grupo The Economist, e tm em sua carteira de clientes Serasa Ex-perian, Ita Unibanco, Brades-co e Embraer, entre outros.

    Segundo o cofundador Evan-dro Hora, o maior desafio gente. Hackers requerem um talento que nenhuma escola de-senvolve, da investirmos muito em formao interna.

    neurotech. Paulo Adeoda-to trabalha com data mining

    Os investidores do Vale do Silcio conhecem Recife Andr Ferraz, Ubee

    desde 1999 e com big data e analytics desde 2004. Um dos maiores xitos de sua Neuro-tech, empresa de algoritmos para tomada de decises nos negcios, uma soluo para deteco de fraudes e ris-cos nos sistemas de crdito, com o uso de redes neurais ele comeou com um projeto para a Telefnica (atual Vivo) e hoje muitas das grandes em-presas financeiras e de varejo so suas clientes.

    Um avano foi mudarmos nosso modelo de negcio, tro-cando a venda de software e de licena por um sistema de receita recorrente, baseada em participao no lucro adicional gerado pela fraude evitada.

    Agora, a Neurotech, que foi adquirida pelo fundo de priva-te equity da TMG Capital em 2013, move-se em direo a ou-tros setores como o agroneg-cio e outros pases. Estamos negociando com a indstria de suco de uva do Vale do So Francisco e fechamos negcio com a autoridade porturia que monitora o trfego de navios no Canad, diz Adeodato.

    Joy Street. Criadora de uma plataforma de games educati-

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  • Nosso maior concorrente por talentos empreendedores e inovadores o emprego pblico. Essa declarao, do investidor teco Sodr, j d uma dimenso do desafio de investir em startups no Brasil. Mas seu segundo comentrio assusta mais: os investidores esto exaurindo nossa pequena capacidade empreendedora ao utilizar os mesmos mtodos dos EUA, em que eles abraam trs projetos a cada cem apresentados; os outros 97 encruam.

    Percebendo isso, Sodr e seus scios fundaram, em 2012, uma firma de investimento diferenciada. Ela olha para o empreendedor, e no para o negcio, e se posiciona como designer de negcios. Seu princpio selecionar empreendedores e convert-los em lderes em at dez anos, tempo em que talvez fracassem umas cinco vezes, como ele diz.

    Esse relacionamento investidor-empreendedor comea com um programa de residncia de trs meses, em que o empreendedor explora os negcios atuais da Ikewai e escolhe fazer uma imerso remunerada em um deles, podendo tornar-se scio; seguem-se trs anos de experincia em operao e muito estudo.

    Assim, as pessoas mudam seu padro mental e podem desenhar modelos de negcio inovadores. o empreendedor brasileiro tem uma boa ideia, mas espera gerar receita de modo bvio e pouco vivel, explica Sodr. Quando parte para um novo negcio, o empreendedor o inicia usando a rede Ikewai: atua em escritrio emprestado, com CNPJ de parceiro, e s se lana depois de ter compromissos comerciais fechados. o processo constri a fundamental viso de longo prazo e testa a alma empreendedora. Muitos desistem s de ter de ficar seis meses trabalhando em outra cidade. Uma curiosidade que empreendedores de 30 a 40 anos lidam melhor com isso que os jovens.

    Investidor com foco nos empreendedoresIkEwAI CULTIVA PESSOAS, NO NEGCIOS

    vos [veja quadro na pgina 54] e dirigida por Fred Vasconcellos, considera seu maior desafio a forma de vender inovao a governos, que ainda no sa-bem compr-la; governos so seu principal cliente, no mundo inteiro. A empresa ficou anima-da com os resultados de sua 1 olimpada de Jogos Digitais e Educao (OJE), em 2010 a percepo dos professores em relao evoluo e ao enga-jamento dos alunos foi muito positiva. E est ampliando seu mercado. Conquistou novos clientes governamentais, com

    os estados do Rio de Janei-ro e do Acre; entrou na arena das oNGs, quando, em 2013, lanou a Plinx com os institu-tos Natura e Ayrton Senna e a Fundao Telefnica; e agora planeja abordar escolas priva-das e governos estrangeiros, com EUA e Chile na mira.

    Serttel. Nascida em 1988, oferece solues para mobili-dade, segurana e comodidade em ambientes urbanos e vem crescendo tanto que j virou um grupo de trs empresas. famosa no Brasil por seu servi-o de bike sharing, e seus mais de 2 mil colaboradores esto espalhados por vrias capitais.

    A internacionalizao j comeou; a Serttel acaba de abrir a primeira unidade fora do Brasil, em Buenos Aires. Produz aplicativos diversos, para emitir tquetes de zona azul, pagar pedgios eletr-nicos e estacionamentos de shopping, faz controle de se-mforos e, neste ano, lanar

    crescer 100%

    ao anoO ritmo de crescimento

    das startups do Porto Digital vertiginoso; crescem 50% a 100% em um ano, como

    tem sido o caso da DAccord em anos recentes

    Vista area da ilha do Recife Antigo, cujo cluster abriga o

    centro de inovao C.E.S.A.R e o parque tecnolgico

    Porto Digital

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  • o compartilhamento de carros, inicialmente em Pernambuco.

    Silicon reef. Com experincia em projetos de circuitos integrados digitais para empresas, est partindo para a estratgia de chips pr-prios: seu chip EH01 ser lanado em 2014, para otimizar a colheita e o condicionamento de energia solar. Sua aposta no mercado de energy harvesting alta; este deve movimentar US$ 4,4 bilhes anuais no mundo j em 2019.

    Lagos azuis nos oceanos vermelhos

    Por que inovaes como o google no nascem no Brasil? Um produto parecido foi incubado no C.E.S.A.R: o buscador (chamava-se Radix). A principal explicao que produtos de ruptura precisam de muito capital investidor enquanto se educa o mercado para consumi-los e no h tanto capital disponvel no Brasil, razo pela qual todos os clusters de inovao do Pas tm uma maioria de empreendedores atuando no segmento B2B.

    Em vez de investir em oceanos azuis, concorrendo em nveis de ateno com empreendedores que tm mais capital, miramos lagos azuis dentro dos oceanos corporativos vermelhos, explica o investidor teco Sodr, da Ikewai. o tamanho da economia brasileira entre oitava e nona do mundo garante que a inovao para reverter ineficincias das empresas seja um grande lago azul.

    o desafio o de abordar essas empresas, pouco acostumadas a lidar com startups ou com um centro de inovao como o C.E.S.A.R, e conseguir vender a ideia de uma inovao mais avanada. Eduardo Peixoto, do C.E.S.A.R, lamenta que as inovaes de horizonte 1 ainda sejam a maioria da demanda. As inovaes so classificadas pelos horizontes 1, 2 e 3: (1) a inovao incremental, baseada em tecnologia madura e em um mercado j conhecido; (2) o grau de inovao moderado, com uso de tecnologia existente e dirigida a um mercado real, mas ambos no necessariamente dominados pela empresa; (3) a inovao radical, baseada em tecnologia emergente usada de modo experimental e/ou em mercado no existente. Queramos nosso portflio de 30%, 30% e 40%, respectivamente, mas preciso mudar a mentalidade; a nova verso da lei de Informtica pode mud-la, se passar a avaliar o impacto gerado pelo uso do incentivo.

    O OBJETIVO INOVAR SOLUCIONANDO INEFICINCIAS DA CADEIA PRODUTIVA

    As portas internacionais j se abriram para a SR quando venceu uma competio de inovao patrocinada pela Intel em 2009 e chamou a ateno do fundo de VC norte-ameri-cano Draper Fisher Jurvetson. Eles nos classificaram como empresa com alto potencial de investimento, conta seu scio e fundador Tiago Lins.

    A ambio de expanso naturalmente mundial. Seu P&D, que ainda constitui 70% da atividade da empre-sa, vem contando com apoio de dinheiro pblico, por meio do fundo Criatec (do Ban-co Nacional de Desenvolvi-mento Econmico e Social BNDES), da agncia Finep e do CNPq, entre outros.

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    Da esquerda para a direita, os scios da Neurotech, Paulo Adeodato, Germano Vasconcelos, Domingos Monteiro, Rodrigo Cunha e Adrian Arnaud; Evandro Hora, da Tempest; ngelo Leite, da Serttel; chip da Silicon Reef; sistema de ensino digital de msica da DAccord

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  • Sodet.biz. Tendo o design thinking como di-ferencial, desenha e executa estratgias digitais de dois a cinco anos para as empresas se relaciona-rem com seus consumidores e clientes, que po-dem se concretizar na forma de novos produtos digitais, canais de relacionamento com o consu-midor ou mesmo novos negcios.

    Ela atende segmentos de varejo, beleza e bem--estar, financeiro, indstria automobilstica e educao, mas planeja estender sua atuao na-cional por meio da conquista de contas diferen-tes. A internacionalizao ser o passo seguinte, seja por meio de projetos pioneiros para grandes multinacionais j clientes da empresa, seja com parceiros estratgicos de mercado. Temos de ir ao mundo antes de o mundo vir a ns, diz Bru-no Encarnao, um de seus fundadores.

    dAccord. Uma das raras empresas da ilha que atuam tanto B2B como B2C, tem produtos volta-dos para a educao que relacionam msica e TI, como o material didtico digital Turma do Som (livro, animaes e jogos), usado por mais de 5 mil alunos de diversos estados brasileiros, e a plata-forma Livro Educacional Digital (LED), adotada pelas trs maiores editoras do Pas para produzir e distribuir livros digitais interativos entre compu-tadores e tablets de alunos e professores.

    Aprendemos que a empresa que quer ino-var no Brasil tem dois grandes desafios: montar uma tima equipe de P&D e se estruturar em marketing e vendas. Ns conseguimos o pri-meiro e investimos para melhorar o segundo,

    diz Amrico Amorim, diretor--executivo da DAccord.

    ubee. Primeira rede de publi-cidade mobile baseada em tec-nologias de localizao indoor do mundo, teve sua tecnologia apontada pela Microsoft como a quarta mais precisa do pla-neta: com um erro na faixa de 2 metros, ela permite saber exatamente o ambiente onde o usurio est e ainda consegue identificar andares em prdios, diferentemente do GPS.

    A Ubee, fundada em 2013, surgiu de um projeto de fa-culdade de Andr Ferraz e j conta com 15 colaboradores. Nossa soluo foi ao merca-do h apenas dois meses e j registra mais de 1 bilho de impresses de anncios por ms; continuaremos focados no mercado brasileiro por en-quanto, diz Ferraz.

    univerSidAde e cApitAl

    Quanto aos outros dois ele-mentos do sexteto fundamen-tal a um cluster bem-sucedido, a universidade foi e bastante

    Um hospital encomendou ao C.E.S.A.R o desenvolvimento de um novo aparelho de radiologia porttil e a rea de design, como de costume, deu incio ao processo, voltado para o usurio, em quatro fases: (1) pesquisa no local de uso em profundidade e contextual, com observao; (2) ideao, com brainstorming e o chamado placestorming (troca de ideias no local de uso); (3) prottipo em papel com teste, cujo objetivo errar o mais rpido possvel; e (4) prottipo digital testado pelos usurios, que so observados por horas.

    Na pesquisa, os designers descobriram que, no aparelho existente, a automao era ineficaz, pelo fato de o painel ser complexo demais para os tcnicos (20 opes de uso). o C.E.S.A.R desenvolveu uma mquina com dois botes: um de subir e descer, outro de definir tempo de exposio/intensidade da radiao. E, com os dados, props e emplacou um segundo projeto.

    DESIGN MANDA

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  • presente na ilha: professores da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE) continuam a ser membros-chave do C.E.S.A.R e muitos dos empreendedores vistos no Porto Digital saem de seu centro de informtica. No quesito capi-tal de risco, o cenrio est longe do ideal, mas tem melhorado: se j h cerca de 20 investido-res atuantes, ante trs h dois anos, depende--se bastante do governo ainda: o maior desta-que o fundo Criatec, ligado ao BNDES, e a agncia Finep, por exemplo, faria muita falta.

    A boa notcia que um investidor diferente como a Ikewai, que se define como business designer [veja quadro na pgina 51], encontrou espao. Ela tem oito empresas em seu portflio, que, juntas, faturam R$ 50 milhes ao ano, con-forme o scio Teco Sodr, e a ambiciosa meta de, at 2030, ter 20 empresas, faturando R$ 50 mi-lhes cada uma. Em sua agenda esto os setores de lixo urbano, infraestrutura em geral e educa-o, como revela Sodr, que chega a atuar como CEo de algumas empresas quando necessrio.

    Futuro mAiS Sexyo futuro do cluster do Recife, como em outros

    clusters, ainda est ligado ao governo seja pelo capital que financia P&D, seja pela Lei de Infor-mtica, cuja renovao ainda crucial para as empresas investirem em inovao. Mas no plane-jamento dos prximos 25 anos que o C.E.S.A.R vem fazendo, liderado por Fbio Silva, seu dire-tor-presidente, a linha mestra contribuir para mudar esse quadro.

    o Brasil perdeu a guerra da educao na sala de aula. Essa foi a premissa da qual os fundadores da Joy Street partiram em 2009 e, com pensamento orientado pelo design, venderam ao governo de Pernambuco, em 2010, uma plataforma de games de rede social: a 1 olimpada de Jogos digitais e Educao (oJE).

    o projeto envolveu 60 mil alunos do ensino mdio das escolas estaduais durante o ano escolar inteiro e durou trs anos. Nessa gincana de internet, era preciso desvendar enigmas, como o do instrumento de uma famosa banda local que desapareceu. Para resolv-lo, os estudantes competiam interpretando texto, pesquisando, usando matemtica, explica guilherme Cavalcanti, que atuou na Joy Street entre 2009 e 2013 e agora enfrenta outro desafio, como praxe no Recife. E criou-se um sistema que habilitava o professor autor a criar aulas gamificadas (e receber bnus).

    o desafio foi imenso para a equipe da Joy Street, com 25 pessoas entre pedagogos, designers e engenheiros; tiveram de superar obstculos como falhas de energia eltrica e de internet, computadores desatualizados. Mas o aprendizado tambm foi grande, como o de detectar as dificuldades de cada turma e adaptar o jogo para lidar com elas.

    O curioso caso da Joy Street A INDSTRIA DE GAMES, B2C POR NATUREZA, VIRA B2B E ATACA CUSTO BRASIL ESCALVEL

    Entende-se, no cluster do Recife

    Antigo, que, assim como o empreendedor

    tem projeto, o investidor tem agenda

    Teco Sodr, scio da Ikewai, um

    investidor que se define como

    designer de empresas

    No temos nenhuma indstria realmente inova-dora e nossas empresas inovadoras so poucas, no diagnstico de Silva. o plano do C.E.S.A.R gerar inovaes em maior quantidade e diversidade para influir em uma estratgia nacional. Isso significa, por exemplo, que abraar a inovao sexy, montando uma rea para desenvolver tecnologias novas hoje trabalhamos com tecnologias que apareceram faz 25 anos, diz Silva, e trar estrangeiros para seus cur-sos promovendo a troca de conhecimentos.

    Tal futuro parece comear a acontecer, pois o C.E.S.A.R acaba de abrir uma unidade em Manaus (AM) a biologia que est na mira?

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    dossi

  • LIVROS PAPERS ACADMICOS VDEOS

    CENRIOS E POWERPOINT

    MDIA ESPECIALIzADA

    Denis Donaire, Joo Paulo Lara de Siqueira, Joo Maurcio Gama Boaventura, Renato Telles e Sergio Baptista Zaccarelli. Clusters e Redes de Negcios. Ed. Atlas, 2008.

    O livro apresenta os principais conceitos relacionados com os clusters. Nos dez captulos so abordadas noes de governana e auto-organizao, por exemplo.

    Michael E. Porter. A Vantagem Competitiva das Naes. Ed. Campus, 1989.

    Porter o maior especialista mundial em vantagem competitiva. Neste livro, mostra como fazer toda a economia de um pas se tornar competitiva, com conselhos para o governo e para a iniciativa privada.

    Ann Markusen. Sticky Places in Slippery Space: a Typology of Industrial Districts. http://migre.me/jSjlO

    Entenda os principais desenhos de clusters, do tipo marshalliano, estrela, satlites e os conduzidos pelo Estado.

    Geraldo Luciano Toledo e Cludia Szafir-Goldstein. Vantagens Competitivas em Clusters Industriais. http://migre.me/jSjom

    O artigo discute as vantagens dos clusters industriais, mostrando a importncia da cooperao entre as empresas.

    Paulo de Souza Nunes Filho. Vantagem Competitiva: Precedentes Tericos da Anlise do Diamante Nacional de Porter.http://migre.me/jSkdl

    Conhea mais sobre o sistema em forma de diamante proposto por Porter e o papel dos clusters.

    Spatial Pattern Analysis: Mapping Trends and Clusters.http://migre.me/jSkk0

    Como mapear tendncias e clusters.

    Logistics Clusters.http://migre.me/jSkql

    Como funcionam os clusters ligados ao transporte de materiais.

    See the Future.http://migre.me/jSlKJ

    PwC sugere as cidades que tero os maiores clusters mundiais em 2040. Experincias Internacionais de Clusters de Parques Tecnolgicos.http://migre.me/jSlOK

    Confira highlights de quatro especialistas do evento da Agncia Inova.

    Global innovation heat map. The Guardian.http://migre.me/jSlwD

    Potencial de inovao dos clusters conforme as patentes: os lagos silenciosos, as fontes quentes, os oceanos dinmicos e os reservatrios que secam. World innovation clusters. MIT Technology Review.http://migre.me/jSlBv

    Uma anlise de vrios clusters globais e um interessante infogrfico. The Chilean experiment. Business Insider.http://migre.me/jSlFy

    Um mergulho na aventura chilena de replicar o Vale do Silcio.

    Ingls

    Portugus

    Todos os links citados foram acessados em 16 de junho de 2014.

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    + referncias do assunto no BrasiL: idiomas:Carlos Tarrasn, scio e diretor da empresa Cluster Consulting

    Jos Dornelas, professor- -visitante da Columbia University, em Nova York

    Valter Pieracciani, consultor em inovaoAgncia Inova/Unicamp

    Prximo passo: Para empreender ou fazer parcerias, procure um cluster que rena as melhores competncias para seu negcio (do sistema educacional que forma bons profissionais at concorrentes, investidores e polticas pblicas). Para investir, busque um com massa crtica de empreendedores que podem ser lderes em trs a cinco anos.

    dossi

    merguLhe no tema:

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