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    ESCOLA SUPERIOR DE TEOLOGIA

    CARLOS ROMEU DEGE

    NA PROPOSTA DE JESUS NO H DIFERENA ENTRE CLERO E LEIGOS/AS:ANLISE HISTRICA E ECLESIOLGICA NA ARGUMENTAO PARA A

    INSTALAO DE EQUIPES DE LITURGIA

    So Leopoldo

    2005

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    CARLOS ROMEU DEGE

    NA PROPOSTA DE JESUS NO H DIFERENA ENTRE CLERO E LEIGOS/AS:

    ANLISE HISTRICA E ECLESIOLGICA NA ARGUMENTAO PARA AINSTALAO DE EQUIPES DE LITURGIA

    Dissertao de Mestrado ProfissionalizantePara obteno do grau de Mestre em TeologiaEscola Superior de TeologiaInstituto Ecumnico de Ps-GraduaoMestrado Profissionalizante em Teologia:rea de Concentrao: Liturgia

    Orientadora: Sissi Georg Rieff

    So Leopoldo

    2005

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    Aos professores e professoras, colegas do MPL, pela maravilhosa oportunidade deconviver e crescer em conjunto.

    Parquia Evanglica de Confisso Luterana de Trs de Maio, pela liberao.

    Ao colega Renato Kntzer e famlia.

    Em especial, minha esposa Nardi, s filhas Priscila e Tatiana!

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    DEGE, Carlos R.Na proposta de Jesus no h diferena entre clero e leigos/as.Anlise histrica e eclesiolgica na argumentao para a instalao de equipes deliturgia. So Leopoldo: Instituto Ecumnico de Ps-Graduao, 2005.

    SINOPSE

    Trata-se de uma anlise do termo leigo e clero. Quer justificar a participao do/aleigo/a nas celebraes comunitrias. A partir da proposta de Jesus e das primeirascomunidades crists, o desejo de um discipulado de iguais onde todos e todas seengajam em testemunhar a ao de Deus em Jesus Cristo. Na percepo danecessidade de uma ordem eclesistica surge o episcopado monrquico. Nestaordem hierrquica, distinguem-se dois estamentos no cristianismo: o clerical e oleigo. Faz-se uma anlise panormica dos estamentos clerical e leigo nos primeirossculos. No segundo momento, dois conceitos de Martinho Lutero tornam-serelevantes para compreender os termos, leigo e clero: justificao por graa e f, e,sacerdcio de todos os crentes. A partir destes dois conceitos desenvolvidos porLutero, o/a leigo/a e o clero so compreendidos novamente em um mesmoestamento a partir do batismo. O sculo XIX, marcado pela reforma prussiana nasigrejas protestantes germnicas, alimenta, novamente, uma diferena de estamentoentre o/a leigo/a e o clero. Surge uma nova forma de dominao do clero sobre o/aleigo/a. Concluindo esta parte, levantam-se questionamentos sobre os motivos quefazem com que os/as leigos/as no sejam bem aceitos/as na realizao de tarefas,vistas como exclusivas de um/a ministro/a ordenado/a, em mbito da IgrejaEvanglica de Confisso Luterana no Brasil - IECLB. A terceira parte, buscaconcluir a compreenso neotestamentria de ministrio. Avalia-se documentosconfessionais e normativos da IECLB sobre ministrio e possveis causas dosurgimento de um jargo: pastor-centrismo. Por fim, busca-se compreender o que uma equipe de liturgia; por que o envolvimento de pessoas no-ordenadas importante para a vida comunitria, para a vida celebrativa. Numa anlise de

    ordenaes, encontra-se orientaes para a elaborao de uma liturgia deinstalao de uma equipe de liturgia.

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    DEGE, Carlos R.Na proposta de Jesus no h diferena entre clero e leigos/as.Anlise histrica e eclesiolgica na argumentao para a instalao de equipes deliturgia. So Leopoldo: Instituto Ecumnico de Ps-Graduao, 2005.

    ABSTRACT

    [This work seeks to make] an analysis of the terms laity and clergy. It supports

    the participation of lay people in celebrations that happen in the congregations. Bylooking at the proposal of Jesus Christ and the first Christian communities, thiswork reassures the importance of the discipleship of equals, where everyone isengaged in the testimony of Gods action in Jesus Christ. The necessity of orderwithin the Church created what is known as monarchical episcopate. Thishierarchical order divided Christians in two different kinds: clergy and laity. Thiswork analyses the understanding of the terms clergy and laity in the firstcenturies of the Christian Era. In a second moment, two concepts of Martin Lutherbecome relevant to better understand the aforementioned terms: justification bygrace and faith and priesthood of all believers. Based upon his understanding ofbaptism, Luther used those concepts to give laity and clergy the same level ofimportance. The Prussian reformation that the German Protestant churchesexperienced in the nineteenth century went back in time and reassured thedifferentiation between laity and clergy. The result was that clergy dominated thelaity once more. To conclude this part, this work raises questions about why laypeople are not well accepted in certain church activities of the EvangelicalLutheran Church in Brazil (IECLB)activities expected to be performed only byordained people. The third part of this work seeks to make an overview of the NewTestament understanding of ministry. It evaluates confessional and normativedocuments of the IECLB regarding ministry; it also seeks the reasons for theappearance of the practice of pastorcentrism. At last, this works tries tounderstand what is an equipe de liturgia (liturgy working group), and why is theparticipation of non-ordained people important for the communitys celebrative

    life. Within the analysis of ordinations, this work offers orientations for thecreation of a liturgy of installation for the equipes de liturgia.

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    SUMRIO

    INTRODUO ................................................................................................................................................................................8

    I - NA PROPOSTA CRIST DE UM DISCIPULADO DE IGUAIS NO H ESPAOPARA LEIGOS...............................................................................................................................................................................10

    1.0 Primeiras comunidades crists: um discipulado de iguais...........................................101.1 Jesus de Nazar: o incio de um movimento judeu..............................................10

    1.2 O incio do testemunho dos seguidores e seguidoras de Jesus.............................111.3 Surgem os primeiros grupos...............................................................................121.3.1 - O Batismo..............................................................................................131.3.2 - A Eucaristia ...........................................................................................14

    1.4 Uma primeira compreenso da comunidade crist..............................................142.0 Hierarquizao elimina o discipulado de iguais?........................................................16

    2.1 Existe leigo e clero no Novo Testamento?..........................................................162.2 O termo gregokleros .........................................................................................172.3 O termo leigo .................................................................................................17

    3.0 O desenvolvimento hierrquico e o surgimento do laicato..........................................183.1 Comunidade carismtica....................................................................................183.2 Surge uma hierarquia.........................................................................................19

    3.3 - A hierarquizao e o surgimento do leigo .............................. .............................20

    II - SACERDCIO GERAL DE TODOS OS CRENTES JUSTIFICANDO APARTICIPAO LEIGA NO MINISTRIO ECLESISTICO .....................................................................26

    1.0 - Sacerdcio de todos os crentes a partir de Martinho Lutero ......................................261.1 Justificao por graa e f..................................................................................261.2 Sacerdcio de todos os crentes...........................................................................28

    2.0 Sacerdcio geral e ministrio ordenado na viso de Martinho Lutero.........................302.1 Leigos e sacerdotes tm a mesma tarefa .............................................................302.2 Sacerdcio geral: necessidade de uma ordem.....................................................32

    3.0 O que interrompeu a vivncia do sacerdcio de todos os crentes?..............................353.1 Breve relato sobre a Reforma Prussiana ............................................................35

    3.2 Questionamentos atuais.....................................................................................37

    III - EQUIPES DE LITURGIA: ORDENADOS OU INSTALADOS? ........................................................391.0 Compreenso de ministrio........................................................................................39

    1.1 Ministrio: concepo neotestamentria.............................................................391.2 Documentos da IECLB referente a ministrio com ordenao...........................40

    2.0 O pastor-centrismo ....................................................................................................423.0 - Equipes de Liturgia ...................................................................................................43

    3.1 Conceituao de Equipe de Liturgia...................................................................433.2 - Porque envolver pessoas no-ordenadas numa Equipe de Liturgia? ....................44

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    4.0 Ordenao ou instalao? ..........................................................................................454.1 - Ordenao e Instalao na IECLB qual a diferena? ........... .............................454.2 - Elementos bblicos e histricos da ordenao/instalao.....................................46

    5.0 - Caractersticas e orientaes para planejar instalaes de Equipes de Liturgia ...........48

    CONCLUSO.................................................................................................................................................................................50

    BIBLIOGRAFIA............................................................................................................................................................................53

    ANEXO 1..........................................................................................................................................................................................57

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    INTRODUO

    Vive-se em uma atualidade crist que tem presente o antagonismo entre clero e leigo.

    Por mais que existam iniciativas de democratizar o culto, as atividades eclesisticas, os pr-

    conceitos intrnsecos fazem suscitar uma diferenciao entre quem pode e quem no pode

    realizar determinada tarefa na comunidade crist. Vive-se entre o sagrado e o secular, entre o

    clero e o leigo. Para uma melhor compreenso de nossa atualidade eclesial, torna-se

    imperativo colocar algumas perguntas: Qual a proposta da igreja crist? O que quis Jesus de

    Nazar?

    No primeiro captulo, olhar-se- de forma panormica para as primeiras comunidades

    crists e a evoluo do cristianismo. Tentar-se- definir o que quis Jesus e a propostaorganizacional das primeiras comunidades crists. Ao lado, vem a pergunta sobre como as

    primeiras comunidades crists se auto-compreendiam. Porque surge um estamento leigo e

    outro clerical? Quais foram as conceituaes que leigos e clero receberam na histria? Era a

    proposta de Jesus e das primeiras comunidades crists o surgimento de um laicato ou um

    clericalismo hierrquico?

    A metodologia de trabalho e pesquisa utilizada de proporcionar um olhar

    panormico sobre a forma organizacional das primeiras comunidades crists, acentuando acomunidade primeva1 de Jerusalm. Bem como, olhar-se- ao desenvolvimento de uma

    hierarquia na igreja crist. Supem-se que a hierarquizao da igreja crist delimitou espaos,

    criou cismas, destituiu a autoridade de todo o batizado e batizada de participar ativamente da

    vida de culto da igreja.

    No contexto da Igreja Evanglica de Confisso Luterana no Brasil - IECLB2percebe-

    se este conflito em relao tarefa do leigo na vida da comunidade crist. De um lado, o leigo

    que busca seu espao de participao e, de outro lado, outros leigos e obreiros ordenados3

    com resistncia participao dos que buscam esta insero. Aqui no se pode generalizar.

    1 O termo Comunidade primeva refere-se comunidade crist iniciada em Jerusalm. Primeirascomunidades crists refere-se s comunidades em geral, tambm a iniciada em Jerusalm.2Doravante designada IECLB.3 A IECLB reconhece quatro ministrios com ordenao, os quais so: pastoral, catequtico, diaconal emissionrio. Mais orientaes sobre cada um dos ministrios. Ver em: IECLB, Estatuto do ministrio comOrdenao, p. 1-9.

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    So impresses pessoais4. Mas so elas que motivam esta pesquisa. Para encontrar respostas,

    busca-se, no segundo captulo, em Martim Lutero, promotor da reforma luterana no sculo

    XVI, da qual nasce confessionalmente a IECLB, a compreenso do papel do leigo e doministro ordenado na vida da Igreja Luterana. Tratar-se-, tambm, da Doutrina da

    Justificao por Graa e F e do Sacerdcio de todos os crentes. Por delimitao de

    espao, no ser possvel aprofundar a pesquisa bblica e nem o contexto histrico do sculo

    XVI. Buscar-se- a essncia do pensamento de Martim Lutero quanto diferena que existe

    entre o Sacerdcio de todos os crentes e os Ministrios. O objetivo perceber, na

    argumentao de Lutero, qual o papel da pessoa leiga e da pessoa ordenada.

    Na IECLB, o conceito teolgico de culto : encontro da comunidade com Deus sobresponsabilidade de toda a comunidade crist, no apenas do pastor5. Diante deste conceito

    pergunta-se: Por que, na prtica de vrias comunidades, o culto passou a ser uma tarefa

    exclusiva do pastor? Olhar-se-, brevemente, para a Reforma Prussiana no sculo XIX, visto

    que, muito provavelmente, grande parte dos membros da IECLB diretamente influenciada

    por se tratar de descendentes de imigrantes germnicos. Por fim, relacionar-se- alguns

    questionamentos que, em tese, respondem ao motivo da separao entre ordenados e leigos.

    Diante desta busca pelo espao do leigo a uma participao ativa na vida de culto vem

    a pergunta: Como fazer que o discipulado de iguais, o sacerdcio geral, seja vivido de tal

    forma que as diferenas entre clero e leigo desapaream ou sejam minimizadas? Como fazer

    as comunidades crists aceitarem e reconhecerem que, a partir do batismo, todos os cristos,

    todas as crists, esto em um mesmo estamento? Estes questionamentos querem auxiliar, no

    terceiro captulo, s comunidades crists a compreenderem que a participao de pessoas no

    ordenadas legtima na celebrao do culto comunitrio e na administrao dos sacramentos.

    A criao e a instalao de uma equipe de liturgia amparada pela proposta de um

    discipulado de iguais e o sacerdcio de todos os crentes. Por isso, esta pesquisa, prope

    orientaes para planejar liturgias para a instalao de equipes litrgicas.

    4Carlos Romeu Dege Obreiro Pastor da IECLB h onze anos e atualmente exerce o ministrio na cidade deTrs de Maio-RS.5IECLB,Livro de Culto,p.22.

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    I - NA PROPOSTA CRIST DE UM DISCIPULADO DE IGUAIS NO H ESPAOPARA LEIGOS

    1.0 Primeiras comunidades crists: um discipulado de iguais6

    1.1 Jesus de Nazar: o incio de um movimento judeu

    Jesus, nascido judeu, inicia um movimento de renovao dentro do judasmo7. Seus

    seguidores e seguidoras eram compostos por pessoas pertencentes ao judasmo, os quais

    aderiram ao movimento de Jesus e o propagaram8. Hans Kng relata que estes judeus eram

    integrantes de classes sociais mais baixas, englobava mulheres, originava-se de uma

    populao rural, como o prprio Jesus, filho de artesos9. Os seus seguidores viam em Jesus o

    Messias esperado. Objetivava-se que a totalidade do povo de Israel o reconhecesse como tal10.

    Este movimento de renovao, dentro do judasmo, foi inovador e propunha um discipuladode iguais11. Foi inovador por abrir espao para muita gente marginalizada e excluda da

    sociedade judaica12.

    Este movimento de renovao, de iguais, encontrou resistncias, suscitou adversrios.

    Hans Kng relaciona os adversrios dizendo:

    Los adversarios de Jess pertenecan, pues, sobre todo, a la estrecha clasesocial media, urbana, pequeo-burguesa (en su mayora fariseos), que sostena

    el primado de la Ley, as como a la tenue clase social alta, tambin urbana6 O conceito Discipulado de Iguais, o qual adotado neste trabalho, foi cunhado pela teloga feministaElisabeth Schssler Fiorenza. Este conceito fundamenta-se na igualdade dos/as filhos/as de Deus onde todos/asso chamadas para o discipulado. Mais informaes na obra: E.S.FIORENZA, Discipulado de iguais: umaekklesialogia feminista crtica da libertao.7M.J.STRHER,A Igreja na casa dela, p. 13.8M.J.STRHER,A Igreja na casa dela, p. 13.9H.KNG,El cristianismo, p. 82.10H.KNG,El cristianismo, p. 87.11M.J.STRHER,A Igreja na casa dela, p. 14.12M.J.STRHER,A Igreja na casa dela, p. 15.

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    (sobre todo saduceos), que detentaba posiciones lucrativas en torno al Temploy a la que el mensaje de Jess intranquiliz no slo en su conciencia religiosa,sino tambin en su conciencia social13.

    Estes adversrios levaram condenao e morte de Jesus, mas no conseguiram

    eliminar o movimento iniciado por ele.

    1.2 O incio do testemunho dos seguidores e seguidoras de Jesus

    A ressurreio de Jesus o evento central da continuidade do movimento de Jesus,

    mas visto como um evento externo. Assim como a ressurreio uma ao de Deus em

    Jesus14, a continuao do movimento se d atravs de uma inesperada interveno de fora

    (...) algo deve ter acontecido, algo que despertou, em todos esses homens [os doze discpulos]

    de forma alguma preparados, subitamente a convico de que Deus lhes havia mostrado o

    Jesus ressurrecto15. Segundo Werner G. Kmmel, a continuidade do movimento de Jesus

    ao do prprio Deus ao enviar o Esprito Santo no dia de Pentecostes16. pela ao do

    Esprito Santo que os discpulos chegam f na ressurreio. A f na ressurreio levou

    ao de testemunho. Assim diz Pedro em At 2.32-3317: A este Jesus Deus ressuscitou, do

    que todos ns somos testemunhas. Exaltado, pois, destra de Deus, tendo recebido do Pai a

    promessa do Esprito Santo, derramou isto que vede e ouvis.

    A f, entendida como confiana incondicional em Deus, o fundamento das primeiras

    comunidades crists18. Os seguidores e as seguidoras de Jesus se sentiram chamados a

    continuar a pregao de Jesus enfatizando a ressurreio e a esperana escatolgica como um

    novo elemento19, o que lhes distinguia do judasmo, bem como, a prtica de um discipulado

    de iguais com a ausncia de uma hierarquia.

    13Hans KNG,El cristianismo,p. 83.14Assim o testemunha 1Co 15.4 , Lc 24.34, At 10.40 onde se acentua o termo foi ressuscitado, conforme W.G.KMMEL,Sntese Teolgica do Novo Testamento, p. 115-116.15W.G. KMMEL, Sntese Teolgica do Novo Testamento, p. 117.16W.G. KMMEL, Sntese Teolgica do Novo Testamento, p. 118.17Neste trabalho usa-se a verso da Bblia Sagrada, ed. revista e atualizada, 2ed, de Joo Ferreira de Almeida.18H.KNG,El cristianismo,p. 87-88.19W.G. KMMEL, Sntese Teolgica do Novo Testamento, p. 118.

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    1.3 Surgem os primeiros grupos

    Os seguidores de Jesus renem-se a partir de Jerusalm20

    , em casas particulares21

    ,organizando-se de forma muito espontnea22, dando incio s comunidades domsticas23. A

    casa se torna o local de encontro da maioria dos grupos24. A comunidade primeva, apesar de

    iniciar novos costumes, continuava a freqentar o templo e o antigo culto judaico 25. Eles

    cumpriam as leis judaicas e eram identificados, inicialmente, como um dos diversos grupos

    judaicos existentes26. O que os diferenciava, alm da prtica de um discipulado de iguais, era

    o testemunho da ressurreio de Jesus27.

    Esta ligao com o judasmo se justifica pelo fato dos primeiros seguidores viverem

    em esperana escatolgica e crerem que o judasmo reconheceria Jesus de Nazar como o

    Messias anunciado pelos profetas28. Entretanto, muito cedo, surge a necessidade de criar

    comunidade separada do judasmo, pois via-se no Messias expectativas diferenciadas29.

    Surgem as comunidades cristocntricas. Elas adotam em sua prtica smbolos

    diferenciadores que lhes identificam com uma caracterstica particular. As comunidades

    adotam um rito de iniciao: o batismo30; e, um rito de comunho: a celebrao da Ceia do

    Senhor31.

    20Mesmo sendo atribudo a Jerusalm o incio da comunidade primeva, h indcios de discpulos que vieram daGalilia, supondo-se que podiam existir reunies de outros grupos antes de Jerusalm. Assim apresenta W.G.KMMEL, Sntese Teolgica do Novo Testamento, p. 142-143.21Para um aprofundamento sobre o assunto local de culto e a histria da arquitetura litrgica, seudesenvolvimento, h um aprofundado estudo em J.WHITE,Introduo ao culto cristo, p. 73-83.22S.G.RIEFF,Diaconia e culto cristo, p. 40.23Isto atestado em At 2.46, entre outros, bem como por A.G.MARTIMORT,A Eucaristia Igreja em Orao,p. 51. Tambm atestado por M.J.STRHER,A Igreja na casa dela, p. 15.24M.J.STRHER,A Igreja na casa dela, p. 15.25A.G.MARTIMORT, A Eucaristia Igreja em Orao, p. 51.26Havia no judasmo daquele tempo diversos grupos: fariseus, saduceus, essnios, povo de Qumr, ... todos seconsideravam os verdadeiros judeus. W.G.KMMEL, Sntese Teolgica do Novo Testamento, p. 143-145.27W.G.KMMEL, Sntese Teolgica do Novo Testamento, p. 145.28H.KNG,El cristianismo, p. 87.29H.KNG,El cristianismo, p. 89.30No a inteno deste trabalho aprofundar o tema batismo. Lembra-se, somente, que no judasmo havia outrasformas de batismo. Referente a estas formas e outras informaes para aprofundamento, H.KNG, Elcristianismo, p. 90; J.WHITE,Introduo ao culto cristo, p. 153ss.31O objetivo de citar a Ceia do Senhor de identific-la como prtica da vida da comunidade crist desde oprimrdio. nas prticas comunitrias que identificaremos o papel do leigo. Por este motivo no se far estudoaprofundado do tema, apontar-se-, somente, de forma sucinta seu significado. Maiores informaes: J.WHITE,Introduo ao culto cristo, p. 175-203; referente ao gape: S.G.RIEFF,Diaconia e culto cristo,p. 43-47.

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    1.3.1 - O Batismo

    Ingressa na comunidade crist quem recebe o batismo em nome de Jesus. No se sabeao certo quando veio esta ordem de batizar, mas referente a esta problemtica, Kng resume

    dizendo que:

    Aunque la pospascual orden de bautizar de Jess no es histrica, lacomunidad se sinti autorizada por Jess y por su mensaje para imponer elbautismo. En realidad, no hubo una institucin formal de um rito debautismo: los primeiros testimonios se remontam al tiempo inmediatamenteposterior a la muerte de Jess. () La comunidad bautizaba entonces enrecuerdo no slo del bautismo de Juan, sino del bautismo propio de Jess; msan, bautizaba en el nombre de Jess32.

    No contexto judaico, ser batizado em nome de representa uma linguagem jurdica

    que denota a posio e a autoridade deste nome no qual se batizado33. Para isto, se confessa

    de forma visvel e pblica a f em Jesus. O crente se entrega completamente ao Senhor

    elevado e se coloca sob sua soberania e proteo34. Assim mostra o texto de At 8.35-38. Este

    texto o relato mais detalhado de um batismo, e determinante para toda a evoluo [do rito

    batismal] subseqente35.

    No batismo, o batizando recebe perdo dos pecados, participao na vida de Cristo,

    em seu Esprito, e em sua relao filial com Deus36

    . a porta de entrada para a divindade deJesus37, onde o batizando recebe a capacitao do Esprito Santo e os dons do mesmo,

    pertencendo ao povo sacerdotal de Cristo como relata o texto de 1 Co 12.13: Pois, em um s

    Esprito, todos ns fomos batizados em um corpo, quer judeus, quer gregos, quer escravos,

    quer livres. E a todos ns foi dado beber de um s Esprito. Conforme Glatas 3.26-28 esta

    unidade a partir do batismo coloca tambm homens e mulheres lado a lado.

    Nas primeiras comunidades crists, o batismo unia os mais diferentes e os capacitava

    com dons, atravs do Esprito Santo, para viverem o discipulado dos iguais38. A compreenso

    32H.KNG,El cristianismo, p. 90.33H.KNG,El cristianismo, p. 90.34H.KNG,El cristianismo, p. 90.35J.WHITE,Introduo ao culto cristo, p. 155.36H.KNG,El cristianismo, p. 90.37W.G.KMMEL, Sntese Teolgica do Novo Testamento, p. 126.38M.J. STRHER,A Igreja na casa dela, p. 20.

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    do batismo sintetizada no texto de 1 Pe 2.9-1039. O texto apresenta a indicao de uma

    separao entre a comunidade crist e o judasmo, e a distinta tarefa que possuam.

    1.3.2 - A Eucaristia

    O que une a comunidade crist de batizados a celebrao de uma refeio. Diz o

    texto de At 2.46: Diariamente perseveravam unnimes no templo, partiam po de casa em

    casa e tomavam as suas refeies com alegria e singeleza de corao,.... Esta prtica, que

    recebe diferentes nomes40, tem sua origem nos relatos de Mc 14.22-25, Mt 26.26-29, 1 Co

    11.23-26 e Lc 22.15-20, os quais fazem referncia ltima ceia de Jesus com seus discpulos.

    Kng mostra que Jesus no inventa um novo rito, mas concede uma nova interpretao em

    uma hora dramtica a um rito que j existia na comunidade judaica41. Kng42 resume o

    significado dado a esta refeio: a eucaristia (festa de ao de graas) como uma festa

    comemorativa (anmnesis)43, que se torna comida de aliana e comunho que expressa uma

    esperana escatolgica na forma aramaica citada pelo apstolo Paulo em 1 Co 16.22,

    marna-tha, o que significa, nosso Senhor, vem!44.

    A eucaristia uma refeio sagrada que une os e as participantes com o seu Salvador e

    os/as leva uma ao concreta de servio, de comunho45.

    1.4 Uma primeira compreenso da comunidade crist

    Pelo batismo e pela celebrao da eucaristia a comunidade crist se identificava cada

    vez mais com Jesus Cristo como o verdadeiro Messias. Ao desenvolver estas prticas ao lado

    do culto judaico e da sinagoga, reunindo-se em casas, o que decisivamente promoveu o

    39Especula-se que este texto um sermo batismal. Veja em J.WHITE,Introduo ao culto cristo, p. 156.40Eucaristia, Ceia do Senhor, partir o po, liturgia divina, missa, santa comunho, santa Qurbana, memria doSenhor, ... J.WHITE,Introduo ao culto cristo, p. 175.41H.KNG,El cristianismo, p. 92.42H.KNG,El cristianismo, p. 92.43Quanto ao termo anmnesis, J.White conceitua: Nenhum termo no vernculo transmite sozinho seu sentidopleno; lembrana, recordao, representao, experincia renovada so apenas fracas aproximaes.Anmnesisexpressa o sentido de que, ao repetir essas aes, a pessoa volta a vivenciar a realidade do prprioJesus presente.. J.WHITE,Introduo ao culto cristo, p. 175.44W.G.KMMEL, Sntese Teolgica do Novo Testamento, p. 127.45A refeio comunitria era, tambm, momento de partilha, de ajuda aos necessitados. Veja mais na pgina 14.

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    surgimento de lideranas, passa a existir uma nova proposta de viver a f, surge a comunidade

    de iguais alicerada no que diz o texto de Gl 3.26-2846.

    O movimento de Jesus d incio a uma prtica de vida diferenciada. Este discipulado

    de iguais tem, como identidade central, a diaconia motivada pelo exemplo de Jesus. Este foi o

    paradigma desafiador central. Props-se uma nova forma de viver a f47. E esta forma se

    caracterizava por uma ao diaconal concreta. Assim o demonstra Sissi,

    Muitos foram os gestos diaconais concretos, visveis e perceptveis das primeiras

    comunidades. A partir do gape, trabalhava-se a conscincia das implicaes da vida

    comunitria crist: exercer a hospitalidade, socorrer famintos e sedentos, ofertar recursos para

    dar suporte material a famlias e pessoas que precisam, planejar a visitao, cuidar dos

    doentes e idosos, educar e criar rfos, consolar os desanimados, enlutados e presos, e ainda

    amparar outras comunidades em necessidade. Os primeiros cristos procuraram levar a srio o

    mandamento do amor ao prximo e constituir-se uma irmandade de servio. A partir dessa

    atuao, o cristianismo desafiou as pessoas para a converso e o sentimento humanitrio, e o

    Estado para a responsabilidade social48.

    Os primeiros sculos foram marcados por mudanas e afirmaes da comunidade

    primeva. Este desenvolver a partir dos ensinamentos de Jesus, fez com que houvesse cada

    vez mais um distanciamento do judasmo. Esta contracultura desencadeada pela vivncia de

    um discipulado de iguais gerou muita incompreenso e no-aceitao do cristianismo,

    principalmente, pelas lideranas judaicas.

    Os cristos foram acusados e perseguidos pelo governo poltico. Alm disso, em

    especial no primeiro sculo, a vida dos cristos foi dificultada ainda mais pelos obstculos

    advindos do dio e da inveja das lideranas religiosas judaicas, que resultaram em priso de

    lderes, mortes e disperso dos cristos49.

    46M.J.STRHER,A Igreja na casa dela, p. 20.47M.J.STRHER,A Igreja na casa dela, p. 20.48S.G.RIEFF,Diaconia e culto cristo, p. 39.49S.G.RIEFF,Diaconia e culto cristo, p. 40.

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    A partir desta conscincia de comunidade que se entende como um discipulado de

    iguais, um sacerdcio santo, um s corpo, que surge a pergunta: por que passa a existir oleigo? Por que surge um clero? O que causa a quebra deste discipulado de iguais?

    2.0 Hierarquizao elimina o discipulado de iguais?

    2.1 Existe leigo e clero no Novo Testamento?

    No Novo Testamento, no h nenhum indcio do termo leigo, assim como ns

    o conhecemos, antagnico ao clero50. No primeiro sculo da era crist no existem funes

    sacerdotais exclusivas a um s grupo de pessoas e nem um laicato, mas um s povo santo51.

    bem provvel que o termo no seja usado no nvel eclesial pelo fato de Jesus ter proposto um

    discipulado de iguais. A. Faivre resume:

    O prprio Cristo se colocou acima de tudo o que, na sociedade judaica de seu tempo,

    poderia introduzir uma categorizao ou uma desigualdade entre os homens chamados por

    Deus. Recusando os preconceitos, com o risco de causar escndalo, ele come com os

    publicanos, convive com os samaritanos, fala com as mulheres de m vida, ousa levantar avoz diante das autoridades religiosas com o risco de pagar tudo isso com a vida. Como uma

    tal atitude poderia t-lo conduzido a instituir, para o futuro, diferentes classes sociais de

    cristos?52

    A partir deste conceito de comunidade onde todos os crentes so colocados em

    patamar de igualdade, no h espao para diferenciao; pelo menos, no que tange a uma

    hierarquizao entre clero e leigo.

    50A.FAIVRE, Os leigos nas origens da Igreja, p. 17.51A.FAIVRE, Os leigos nas origens da Igreja, p. 21.52A.FAIVRE, Os leigos nas origens da Igreja, p. 17-18.

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    2.2 O termo gregokleros

    Contrapondo nossos conceitos atuais, esta comunidade de iguais que seautodenominava de santos, eleitos, escolhidos, separados, que formava, nas primeiras

    comunidades crists, o clero. O termo grego kleros, em sua origem, designava a sorte, ou

    instrumento que se usava para tirar a sorte. Kleros tambm designava a parte que foi tirada

    por sorte, seja uma sorte material como uma herana, um pedao de terra, quer seja

    constituda por um estatuto ou encargo social53. Assim, Matias recebeu oKlerosdo dcimo

    segundo apstolo que estava vago e tomou o lugar de Judas54. Para os primeiros cristos e

    crists o klerosdesignava a grande sorte de pertencer a Jesus Cristo, ser seu discpulo, sua

    discpula. Faivre, afirma,

    Os cristos tm a sorte de ao mesmo tempo serem co-herdeiros de Cristo e de

    constiturem uma poro posta parte desde que foram marcados com o selo do Esprito da

    promessa. E o que justifica a pertena a essa poro no uma funo qualquer de governo ou

    de direo, nem um grau mais avanado na santidade, nem um mrito particular, mas a

    pertena ao povo55.

    2.3 O termo leigo

    Provavelmente a primeira compreenso de leigo, assim como ns hoje o

    compreendemos, advm das cartas pastorais de Paulo. O apstolo usa o vocbulo grego

    idiotais. De acordo com a sociedade da poca, o termo idiotais se referia s pessoas da

    iniciativa privada e que no tinham funes pblicas; s pessoas sem formao

    antagonicamente aos sacerdotes, juzes e filsofos; e, aos de fora, em relao aos membros da

    igreja56. O termo idiotais empregado no Novo Testamento cinco vezes, e em nenhuma delaspara diferenciar entre membros leigos e sacerdotes57, ou seja, referindo-se a clero e leigo

    como duas categorias distintas em autoridade eclesial. Refere-se, isto sim, a iletrados e

    53A.FAIVRE, Os leigos nas origens da Igreja, p. 20.54At 1.26. Outras passagens onde se usa o termo kleros: Cl 1.12 (klero dos santos); At 20.32 e 26.18 (herana);lPe 1.4 (herana incorruptvel); Gl 3.29 (herdeiros segundo a promessa).55A.FAIVRE, Os leigos nas origens da Igreja, p. 20.56O.FLENDER,Laie, p. 831.57O.FLENDER,Laie, p. 831.

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    incultos em At 4.13; falto no falar em 2Co 11.6; indouto em 1Co 14.16; indoutos e

    incrdulos em 1Co 14.23 e 24.

    Alexandre Faivre levanta possibilidades para um significado na comunidade para o

    termo idiotais, referindo-se precisamente ao texto de 1Co 14.16-19. Sugere que o termo pode

    referir-se a no-iniciados, simpatizantes no convertidos, catecmenos, fiis sem carisma

    algum ou que no possuem funo especfica no culto58. Em todo caso, segundo Alexandre

    Faivre, pode-se afirmar que no existe nas comunidades do primeiro sculo uma funo

    sacerdotal independente que fosse exercida por uma casta ou por um ministro particular59.

    3.0 O desenvolvimento hierrquico e o surgimento do laicato60

    3. 1 Comunidade carismtica

    As primeiras comunidades crists se expandem atravs de uma ao missionria de

    todos e todas as integrantes deste movimento. uma ao dos santos, ou seja, todos e todas

    que invocam o nome de Jesus61. na Antioquia que os discpulos so chamados pela primeira

    vez de cristos62. Esta igreja dos seguidores e seguidoras de Jesus, judaico-crist, era

    democrtica. No era constituda por um regime de dominao, mas de livres. No era igreja

    de classes, raas ou castas, mas onde todos e todas eram basicamente iguais, irmos e irms,

    com uma prtica de incluso63. Isto no significa que todos so iguais, uniformes, h uma

    diversidade de dons. Na teologia paulina se usa o termo grego carismas para descrever os

    diferentes servios e funes exercidas na Igreja64.

    58A.FAIVRE, Os leigos nas origens da Igreja, p. 22.59A.FAIVRE, Os leigos nas origens da Igreja, p. 21.60Por delimitao de pginas, no faremos aqui um estudo pormenorizado de como a comunidade se organizava,quais as funes que eram realizadas e quem as realizava. Optamos em fazer uma descrio perifrica sem umagrande preocupao cronolgica. O objetivo transmitir ao leitor os conceitos e a viso que a hierarquiaeclesistica promoveu aos leigos.61A.FAIVRE, Os leigos nas origens da Igreja, p. 19.62At 11.26.63H.KNG,El cristianismo, p. 95-96.64L.C.HOCH, O Ministrio dos Leigos: Genealogia de um Atrofiamento, p. 258.

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    Esta relao entre os diferentes carismas apresentado em 1Co 12.12-31 pelo apstolo

    Paulo. Ele usa a imagem de um corpo que possui diversos membros, com funes diversas.

    Estas diversas funes, conforme 1Co 12.1-11, so dons espirituais concedidos pelo EspritoSanto. Esta imagem de corpo ilustra a Igreja de Cristo, o discipulado de iguais, mas que ao

    mesmo tempo possui uma diversidade de servios65. Esta diversidade de servios, estes

    carismas, no caracterizam uma posio privilegiada de poder, de monoplio da pregao, de

    qualquer membro do Corpo de Cristo em relao aos demais66.

    Bem possivelmente por este motivo o Novo Testamento omite termos civis como

    ministrio, por expressarem uma situao de dominao e hierarquia, o que a comunidade

    crist no queria67. Para designar esta relao de um para com o outro busca-se, segundo

    Kng, um termo a-religioso, um tanto pejorativo, para que no se possa associ-lo com

    autoridade, superioridade ou dominao. Chega-se ao termo grego diakonia, termo que

    originariamente significava o servio mesa68. Com este termo, diaconia servio, conceitua-

    se a forma de relacionamento que a Igreja buscava, vivenciava. Mostra-se que na Igreja todos

    so servos. Os diferentes dons ou carismas so servios que se presta ao prximo em amor,

    como mostra Lc 22.25-26.

    3.2 Surge uma hierarquia

    Sem dvida na igreja existe autoridade e poder69 mas, de acordo com a

    proposta de Jesus, nunca para dominar, nem para conceder privilgios especiais, seno para o

    servio do bem comum. Porque, ento, surgem diferenciaes neste sonhado discipulado de

    iguais?

    Para se chegar mais prximo de uma resposta, necessrio olhar para a evoluo da

    igreja. No podemos, neste trabalho, delimitar com muita riqueza de detalhes a evoluo

    eclesistica. Por isso, a partir de um panorama geral poderemos entender como mudou a

    651Co 12.5.66L.C.HOCH, O Ministrio dos Leigos: Genealogia de um Atrofiamento, p. 258.67H.KNG,El cristianismo, p. 97.68H.KNG,El cristianismo, p. 97.69Como pode ser visto em Ef 4.11, 15-16 e 1Tm 3.

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    conceituao das primeiras comunidades crists e identificar, com mais facilidade, a

    compreenso que se deu ao leigo durante esta evoluo. Lothar Hoch70mostra esta evoluo

    relatando que no incio Cristo e a comunidade estavam juntos. Mais tarde a concepo mudacolocando Cristo como o cabea, faz parte do corpo, da comunidade, mas tornam-se duas

    grandezas distintas. Mais adiante, como mostram os textos de 1Tm 4.14, 5.22, 2Tm 1.6, os

    cargos de liderana e de pregao so destacados pela imposio de mos, uma ao herdada

    da tradio judaica71. At aqui existe o Cristo, o Presbtero72 e a Comunidade. Surge a

    doutrina da sucesso apostlica. O clero autorga-se o monoplio da palavra, o status

    sacerdotal diferenciado. Aos leigos cabe cuidar da esfera temporal. Desta evoluo surge o

    estamento clerical e secular.

    Nesta evoluo da igreja, o leigo e o clero, como antagnicos, vo surgindo. Para

    Alexandre Faivre73, que faz um aprofundado estudo do leigo nos cinco primeiros sculos da

    igreja crist, medida que se evolui na hierarquizao, o leigo vai recebendo uma

    conceituao mais negativa; a mulher perde seu espao; e, por conseqncia, mostrado que

    o discipulado de iguais, a igreja de um sacerdcio dos santos, perde seu lugar.

    3.3 - A hierarquizao e o surgimento do leigo74

    Quem pela primeira vez usou um termo que diferenciou a comunidade de um clero

    sacerdotal foi Clemente de Roma no ano 95 d.C.75. Ele designou a comunidade com o termo

    grego laos povo. Diz ele, Pois ao sumo-sacerdote foram confiadas tarefas particulares,

    aos sacerdotes um lugar prprio, aos levitas certos servios e o leigo [laos] liga-se pelas

    ordenaes exclusivas dos leigos76. At esta poca, o servio prestado continuava sendo mais

    importante do que o ttulo dado. Mas, de acordo com o texto de Clemente de Roma, percebe-

    se que h um conflito onde alguns agitadores haviam voltado os fiis contra os presbteros

    70L.C.HOCH, O Ministrio dos Leigos: Genealogia de um Atrofiamento, p. 258-261.71H.KNG,El cristianismo, p. 98.72Termo que deriva originalmente do ttulo cltico do ancio na comunidade. Presbteros, ancios estavam comoa cabea de cada comunidade judaica. H.KNG,El cristianismo, p. 98.73A.FAIVRE, Os leigos nas origens da Igreja.74Na continuidade apresentamos um breve resumo histrico e as alteraes que o termo leigo sofreu, baseado naobra de A.FAIVRE, Os leigos nas origens da Igreja.75O.FLENDER,Laie, p. 831.76Clemente de ROMA,Primeira carta de So Clemente aos Corntios, captulo 40.5.

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    legitimamente nomeados77. Para que este conflito fosse resolvido Clemente usa vrias

    imagens para demonstrar a disciplina comunitria necessria na igreja. Nestes exemplos usa a

    organizao militar, mostrando que os soldados esto sujeitos a seus comandantes; ofuncionamento de um corpo, identificando que h subordinao mtua dos membros de um

    corpo; e, por ltimo, o exemplo da hierarquia levtica78. Para Clemente, todos os cristos so

    eleitos, a poro santa, mas isto no impede que se faa uma distino entre o rebanho e quem

    encarregado por ele79. Por isso o leigo carrega a definio como aquele a quem proibido,

    aquele que no pode, aquele que destinado obedincia passiva. preciso ter claro que

    ainda no existe o leigo e o clero institudo como o compreendemos em nossa atualidade. Por

    isso, estas definies se dirigem a todos e todas, para que cada um fique na sua funo.

    Afirmava-se que cada cristo tem uma leitourgia, termo que designava um servio no culto,na vida da igreja; mas, que cada um agrade a Deus em seu cargo, sem infringir as regras

    estabelecidas para a sua funo80. Aqui o termo leigo quer dizer aquele que faz parte da

    poro vulgar do povo, que no pertence ao patriciado, o laos - povo.

    Depois de Clemente de Roma, o termo reaparece quase um sculo depois, com

    Clemente de Alexandria, no mundo grego, e com Tertuliano, no mundo latino81. A funo do

    leigo parece estacionar na igreja como tendo a atribuio de obedecer os preceitos

    carismticos82.

    Justino chama os cristos batizados de iluminados, pois no so apenas discpulos pela

    inteligncia, mas tambm por todas as dimenses de sua vida e receberam a graa de Deus

    para partilhar na totalidade do povo de Deus. Tambm fazem parte dos iluminados os

    humildes, ignorantes, pessoas incapazes de traduzir em discurso a doutrina, mas esses

    pequenos pregam por suas obras e fazem discpulos por seu exemplo. A Igreja, para Justino,

    deve ser toda ela missionria, no aponta diferena entre clrigos e leigos. Em Justino no hsacerdcio ministerial que se sobreponha sobre o sacerdcio universal dos cristos. No existe

    77Clemente de ROMA,Primeira carta de So Clemente aos Corntios, introduo.78A.FAIVRE, Os leigos nas origens da Igreja, p. 30-31.79A.FAIVRE, Os leigos nas origens da Igreja, p. 31.80A.FAIVRE, Os leigos nas origens da Igreja, p. 34-35.81A.FAIVRE, Os leigos nas origens da Igreja, p. 36.82A.FAIVRE, Os leigos nas origens da Igreja, p. 37.

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    ttulo que d preferncia a certos cristos sobre outros. Apresenta, na funo do culto, o

    presidente e os assistidos83.

    Resumindo, Faivre, nos diz,

    ...dos anos 40 a 180, encontramos apenas uma vez a palavra leigo. Alm disso, era

    empregada numa imagem veterotestamentria e no diretamente aplicada aos cristos. Isto

    significa que houve mais de um sculo e meio de cristianismo sem leigo, apesar da existncia

    de uma tipologia veterotestamentria e de uma terminologia disponvel84.

    No sculo III85, quando surgem Tertuliano, Clemente de Alexandria, Orgenes, a

    noo de clrigo se forma e se divulga. As comunidades esto em pleno crescimento

    numrico e busca-se preservar a pura doutrina, os verdadeiros crentes so poucos, a

    institucionalizao se faz necessria. Ainda existe a idia de um corpo, mas as qualidades

    espirituais sobrepujam as funes litrgicas e os ttulos que as acompanham. Nas obras de

    Tertuliano se apresenta uma estrutura eclesial organizada entre clero e leigo. Os leigos so o

    povo distinto da ordem sacerdotal ou eclesistica constituda por bispos, presbteros e

    diconos. Admite que, em casos de necessidade, leigos so perfeitamente dignos para exercertemporariamente funes sacerdotais, mas o exerccio comum e normal do sacerdcio

    necessita de uma ordem a partir de sacerdotes preparados. Para que esta ordem seja

    preservada os leigos podem participar na escolha dos ministros dignos, srios e experientes

    para exercer a funo sacerdotal.

    O clero, em Tertuliano, era formado por ancios provados pelo seu testemunho

    pessoal. A tarefa dos leigos, aqui pensado somente nos homens86, era de manter

    financeiramente estes membros provados que compunham a ordem sacerdotal. Parece que

    havia um caixa comum que servia para a manuteno do clero, mas tambm aos carentes87.

    83A.FAIVRE, Os leigos nas origens da Igreja, p. 40-48.84A.FAIVRE, Os leigos nas origens da Igreja, p. 53.85O que segue refere-se a A.FAIVRE, Os leigos nas origens da Igreja, p. 59-67.86A.FAIVRE, Os leigos nas origens da Igreja, p. 70.87Para aprofundar o objetivo deste caixa comum e perceber a ao diaconal existente na igreja, veja S.G.RIEFF,Diaconia e culto cristo,p. 48-54.

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    O leigo, segundo Clemente de Alexandria, no est em outro patamar do que o clero.

    O leigo comparado aos presbteros e aos diconos, para que estejam em uma mesmadisciplina. Devem ter uma postura condizente com o evangelho, ser homem de uma mulher

    s, cuidar com a forma de viver, no vestir-se, no comportar-se, fugir do suprfluo. Segundo

    Clemente de Alexandria, bispo, presbteros, diconos e leigos so dignos quando fazem e

    ensinam as coisas do Senhor. Os leigos devem ter uma vida irrepreensvel para estarem

    sujeitos s exigncias do sacerdcio88.

    Orgenes89continua o pensamento de Tertuliano, mas se recusa a colocar os leigos em

    p de igualdade com clrigos. Para Orgenes, o termo leigo parece referir-se aos membros

    batizados mongamos, imaculados, sem rugas, que tm como funo desembaraar o clero de

    toda preocupao material que os impedisse de se entregarem totalmente ao servio de Deus.

    Assim cada um estaria na sua categoria de participao da leitourgia, como lembrava

    Clemente de Roma.

    A Tradio Apostlica o primeiro documento que coloca claramente critrios

    precisos para a definio de pertena ao clero90

    . Da mesma forma argumenta em favor de umaordem hierrquica por medo de heresia ou erro motivado pela ignorncia e pelos

    ignorantes91. No ano 200 o clero composto por um bispo, presbteros e diconos92. A

    ordenao do clero realizada em funo do servio litrgico.

    Com a clericalizao ocorre uma infantilizao dos leigos. O bispo deve ser o pastor

    misericordioso, cheio de amor e ternura, deve ser amado. Quem o ouve, ouve a Deus93. Na

    hierarquia, o bispo passa a representar a Deus; o dicono, no lugar de Cristo; a diaconisa, o

    Esprito Santo; os ancios ou presbteros, os apstolos; as vivas e os rfos, o altar, pois ali

    88A.FAIVRE, Os leigos nas origens da Igreja, p. 71-76.89A.FAIVRE, Os leigos nas origens da Igreja, p. 77-81.90A.FAIVRE, Os leigos nas origens da Igreja, p. 92.91Tradio Apostlica,4, In: M.G.NOVAK (trad); M.GIBIN (intr.). Tradio Apostlica de Hiplito de Roma,Liturgia e catequese em Roma no sculo III, p. 37.92Para maior esclarecimento da trade clerical veja S.G.RIEFF,Diaconia e culto cristo,p. 31-32.93A.FAIVRE, Os leigos nas origens da Igreja, p. 105.

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    se depositava as ofertas94. Surge a orientao que o leigo no deve julgar nem vigiar o bispo

    em sua tarefa de gerenciamento das contribuies. Os leigos devem conceder a sustentao da

    igreja contribuindo para o bispo e s obras diaconais; gerenciadas pelo bispo. Age-se com obispo da mesma forma como se deve agir com Deus95, confiando. Quanto aos deveres

    familiares dos leigos pede-se que ajam em imagem a Deus e ao bispo. Orienta-se que os

    leigos vivam na famlia com regras rgidas de disciplina, assim como agem os bispos em

    relao aos leigos96.

    Em Cipriano, o clero deveria se preocupar somente com o servio divino e serem

    sustentados pelos leigos. Os leigos tinham o benefcio da sportula, doao, oferenda97.

    Leigo numa viso positiva aquele que sustenta o sacerdcio. Numa viso negativa aquele

    que no pertence classe sacerdotal98. Com o crescimento da hierarquizao, os leigos foram

    excludos da tarefa litrgica e diaconal. Ao final do sculo III, restava aos leigos assistir,

    contribuir e participar da eleio do bispo99.

    Este quadro se complica ainda mais na era ps-constantiniana com as vantagens civis

    concedidas ao clero100. O bispo decidia soberanamente quem pertencia ao grupo dos clrigos

    e quem, ao grupo dos leigos101

    . Surge uma hierarquia no bispado. O clero um estamentoprivilegiado, onde o estamento leigo era considerado punio para o clrigo que se

    desviava102. O leigo torna-se refm da burocracia eclesistica. Pertencer ao clero torna-se

    sinnimo de membro ativo na igreja e privilegiado em relao ao estado103.

    Concluindo, pode-se afirmar que, aps Constantino, definitivamente h dois

    estamentos bem distintos: o clero e o leigo. O clero com privilgios civis e com o monoplio

    das atividades eclesisticas. O leigo, sem privilgios civis, excludo da possibilidade de

    94A.FAIVRE, Os leigos nas origens da Igreja, p. 106.95A.FAIVRE, Os leigos nas origens da Igreja, p. 108.96A.FAIVRE, Os leigos nas origens da Igreja, p. 111.97A.FAIVRE, Os leigos nas origens da Igreja, p. 125.98A.FAIVRE, Os leigos nas origens da Igreja, p. 130.99A.FAIVRE, Os leigos nas origens da Igreja, p. 144-147.100Entre estas vantagens est a iseno de impostos. Veja em A.FAIVRE, Os leigos nas origens da Igreja, p.163-166.101A.FAIVRE, Os leigos nas origens da Igreja, p. 174.102A.FAIVRE, Os leigos nas origens da Igreja, p. 177.103A.FAIVRE, Os leigos nas origens da Igreja, p. 164-169.

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    exercer seu sacerdcio nas celebraes, restando-lhe desempenhar o evangelho na prtica

    diria, no relacionamento com o prximo, e, sustentar, com suas contribuies, a atividade

    eclesial, agora profissionalizada.

    Olhando frente, vemos a reforma da igreja do sculo XVI que reinterpretou

    conceitos teolgicos existentes. Por isso, importante ver, na continuidade, como Martinho

    Lutero se posiciona em relao compreenso do clero e do leigo.

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    II SACERDCIO GERAL DE TODOS OS CRENTESJUSTIFICANDO A PARTICIPAO LEIGA NO MINISTRIO ECLESISTICO

    1.0 - Sacerdcio de todos os crentes a partir de Martinho Lutero

    1.1 Justificao por graa e f

    Lutero ingressa na vida eclesistica enfrentando um conflito pessoal: Como posso

    alcanar um Deus misericordioso?104, pergunta presente diante da doutrina da predestinao

    que o fazia ter dvidas sobre sua salvao e de como alcan-la. O conflito era potencializadopela prtica da doutrina da justificao por obras, doutrina exercida pela Igreja Catlica

    Romana, no sculo XVI, que previa o cumprimento de vrios preceitos, aes e indulgncias

    para alcanar a salvao. Diante deste quadro, Lutero acolhe a orientao da Igreja de que,

    pela vida monstica, encontraria o caminho para a maior perfeio da vida crist105. na vida

    monstica que Lutero dedica-se ao estudo das Sagradas Escrituras, leciona sobre as mesmas e,

    em 1512, torna-se Doutor em Teologia106.

    No estudo da Sagrada Escritura, principalmente no pensamento do apstolo Paulo107

    em Romanos 1.17, Lutero descobre que a pessoa salva pela f em Jesus Cristo e no pelas

    obras que ela realiza. Descobre, luz das Sagradas Escrituras, que a justia de Deus se

    104G.J.FISCHER,A Organizao da Vida e Misso das Comunidades Crists, p. 9.105A.DREHER,Martim Lutero, p. 17.106A.DREHER,Martim Lutero, p. 23.107G.J.FISCHER,A Organizao da Vida e Misso das Comunidades Crists, p. 9.

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    cumpriu na ao salvfica de Jesus Cristo e, Ele, impe o fim da lei, da necessidade do

    cumprimento de obras para a salvao108. A partir desta descoberta, Lutero afirma:

    Pois se tu mesmo outra coisa no fosses do que boas obras dos ps cabea,assim mesmo no serias justo, nem adorarias a Deus, nem cumpririas oprimeiro mandamento, visto que Deus no pode ser adorado a no ser quelhe tribute a glria da verdade e de toda a bondade, como de fato lhe deveser tributada; isso, porm, no o fazem as obras, mas somente a f docorao. Pois no obrando que glorificamos a Deus e o confessamos veraz,mas crendo109.

    A doutrina da justificao por graa e f fundamenta-se no fato de que Cristo agiu para

    salvar o seu povo. A obra dele. Ao cristo cabe aceitar esta ao (graa divina) por meio daf. No h nada que o ser humano possa pessoalmente fazer para alcanar a salvao. Como

    diz Fischer: Ao invs de exigir, Deus oferece sua justia aos seres humanos por meio de

    Cristo. (...) a nica justia capaz de agradar a Deus aquela por meio da qual se vive a partir

    da f em Cristo110. A f se torna a principal obra. A f faz o cristo, movido pela graa

    concedida por Jesus Cristo, agir em servio ao prximo111.

    Esta descoberta faz com que Lutero entre em choque com a hierarquia da Igreja, pelo

    fato da mesma defender a justificao por obras. Lutero no rejeita as obras da f. Rejeita, istosim, a compreenso que se concedeu s mesmas, isto , como necessrias salvao. Ele

    defende que a f leva a agir a partir do exemplo de Jesus Cristo. A f desafia a servir sem

    buscar vantagem pessoal, mas sim, buscar a necessidade e a vantagem do prximo. Lutero

    afirma:

    Por isso, tal qual o Pai celeste nos auxiliou gratuitamente em Cristo,devemos tambm ns auxiliar a nosso prximo gratuitamente pelo corpo esuas obras, e cada qual tornar-se para o outro como que um Cristo, para que

    sejamos Cristos um para o outro, e o prprio Cristo esteja em todos, isto ,para que sejamos verdadeiros cristos112.

    108G.J.FISCHER, A Organizao da Vida e Misso das Comunidades Crists, p. 9. M.LUTERO, Tratado deMartinho Lutero sobre a Liberdade Crist, p. 438.109M. LUTERO, Tratado de Martinho Lutero sobre a Liberdade Crist, p. 443.110G.J.FISCHER,A Organizao da Vida e Misso das Comunidades Crists, p. 9.111M.LUTERO, Tratado de Martinho Lutero sobre a Liberdade Crist, p. 447.112M.LUTERO, Tratado de Martinho Lutero sobre a Liberdade Crist, p. 454.

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    A doutrina da justificao por graa e f torna-se um aceitar da ao de Deus em Jesus

    Cristo. Deus que vem ao encontro do seu povo. Este agir primeiro de Deus leva ao livre,

    no para alcanar a salvao como pregava a Igreja na poca, mas porque Deus j a concedeu.Desta forma, o agir por f um agir em resposta ao amor de Deus. Por se ter a salvao e crer

    nela, se levado s boas obras113.

    1.2 Sacerdcio de todos os crentes

    A doutrina da justificao por graa e f e o sacerdcio de todos os crentes esto

    intimamente ligados. O sacerdcio de todos os crentes, designado por sacerdcio geral e real

    por Martinho Lutero, tem como pano de fundo o combate contra a hierarquia eclesistica e odomnio absoluto do Papa114. Esse conflito tem incio oficial com a divulgao das 95 teses115.

    Com as teses Lutero ataca a autoridade ilimitada do Papa, sua infalibilidade na interpretao

    da Sagrada Escritura e a questo das indulgncias116.

    Martinho Lutero indica que a unio com Cristo, que acontece pelo batismo, torna os

    crentes sacerdotes, unidos graa de Deus e membros de um s corpo 117. Para explicar esta

    compreenso de sacerdcio, Lutero usa, inicialmente, os textos de x 13.2 e x 22.29ss.

    Atravs da tradio do Antigo Testamento, mostra que o primognito possua direitos

    diferenciados, entre eles, os do sacerdcio e do reinado. Pelo fato de Cristo ser designado o

    primognito dos primognitos, todos os que esto unidos com Ele pelo batismo unem-se ao

    seu sacerdcio e a sua realeza. Lutero fundamenta sua tese:

    Como, porm, Cristo obteve estas duas dignidades por meio de suaprimogenitura, assim as compartilha e comunica a qualquer de seus fiis,segundo o direito do matrimnio anteriormente referido, de acordo com o

    113 M.LUTERO, Tratado de Martinho Lutero sobre a Liberdade Crist, p. 449. Lutero usa vrios exemplospara explicar sua doutrina e mostrar que as obras vm como conseqncia da f e no para alcanar a salvao.114 M.LUTERO, Nobreza Crist da Nao Alem, acerca da Melhoria do Estamento Cristo, escrito queataca trs muros, ou seja, trs conceitos construdos para proteger ostatus quoda Igreja de Roma. A saber, a) opoder eclesistico acima do poder secular, b) que a interpretao da escritura exclusiva do papa, c) somente opapa pode convocar um conclio. Lutero ataca, ainda, dizendo que o clero havia descuidado e desviado a Igrejade seu objetivo para manter seustatus quo(p. 280-1).115As 95 teses tinham por objetivo provocar uma discusso entre acadmicos, autoridades e povo, sobre a vendado perdo de Deus por meio das cartas de indulgncia. Elas questionavam a autoridade indelvel do papa. Maisinformaes N. Beck, Introduo, p. 11.116G.J.FISCHER,A Organizao da Vida e Misso das Comunidades Crists, p. 12.117Lutero argumenta a partir dos textos bblicos de Rm 12.5; 1Co 10.17, 12.12; Ef 4.4.

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    qual da noiva tudo o que do noivo. A partir disso, em Cristo somos todossacerdotes e reis os que cremos em Cristo, como diz em 1 Pe 2.9: Vs soisgerao eleita, povo adquirido, sacerdote rgio e reino sacerdotal, para

    narrar as virtudes daquele que vos chamou das trevas para sua maravilhosaluz..118

    Pela unio com Cristo partilhamos de sua natureza, de seu sacerdcio e de sua realeza.

    Os batizados so filhos e filhas de Deus. Diante dessa argumentao, mostrado que por

    meio do sacerdcio somos dignos de comparecer perante Deus, orar por outros e ensinar-nos

    mutuamente sobre as coisas de Deus119. Portanto, as pessoas tm livre acesso compreenso

    da Palavra de Deus. No uma tarefa exclusiva do clero ordenado. Todos os batizados podem

    express-la e no necessitam de intermediao eclesistica para alcanar a Deus120.

    A unio com Cristo pelo Batismo testificada de forma veemente por Lutero quando

    diz: o Batismo o primeiro sacramento e o fundamento de todos os sacramentos, sem o qual

    no se pode receber nenhum dos outros121. Convm lembrar que isto no ocorre por causa do

    rito. No o rito que salva, que une, mas, sim, a vivncia por meio da f na promessa divina

    que se recebe no Sacramento. Por isso Lutero diz, o primeiro que se deve observar no

    Batismo a promessa divina que afirma: Quem crer e for batizado ser salvo.[Mc

    16.16.](...) Mas devemos observ-la de tal modo que nela exeramos a f,...122.

    Na unio com Cristo, pelo Sacramento do Batismo123, o cristo se torna sacerdote livre

    de todos, mas ao mesmo tempo servo de todos124. Isto significa que, a partir do sacerdcio

    geral, o cristo no necessita submeter-se ou depender da Igreja para poder viver sua f, mas

    est livre para viv-la concretamente no dia-a-dia, a exemplo de Jesus Cristo. Por esta unio,

    que vem de Deus e que no pode ser alcanada por nenhuma obra humana, todos, sem

    distino, tm livre acesso a Deus. Todos tm o poder de julgar, perceber e compreender o

    118M.LUTERO, Tratado de Martinho Lutero sobre a Liberdade Crist, p. 444.119M.LUTERO, Tratado de Martinho Lutero sobre a Liberdade Crist, p. 445.120G.J.FISCHER,A Organizao da Vida e Misso das Comunidades Crists, p. 18.121M.LUTERO,Do Cativeiro Babilnico da Igreja Um Preldio de Martinho Lutero, p. 377.122M.LUTERO,Do Cativeiro Babilnico da Igreja Um Preldio de Martinho Lutero, p. 376.123M.LUTERO,Do Cativeiro Babilnico da Igreja Um Preldio de Martinho Lutero, Lutero defende que: preciso recordar sempre o Batismo; necessrio se faz despertar e fomentar continuamente a f. (p. 377).124M.LUTERO, Tratado de Martinho Lutero sobre a Liberdade Crist, Lutero defende a tese: O cristo umsenhor librrimo sobre tudo, a ningum sujeito. O cristo um servo oficiosssimo de tudo, a todos sujeito. (p.437).

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    que correto luz da Sagrada Escritura. O Sacerdcio Geral liberta os crentes para uma

    participao ativa na vida da Igreja e no servio ao prximo125.

    2.0 Sacerdcio geral e ministrio ordenado na viso de Martinho Lutero

    2.1 Leigos e sacerdotes tm a mesma tarefa126

    Lutero defende que todos os batizados, os crentes, fazem parte de um s sacerdcio.

    Ele fundamenta sua compreenso em textos da Sagrada Escritura. Entre os textos destaca-se,

    como um dos principais127, o texto de 1 Pe 2.9: Vs, porm, sois raa eleita, sacerdcio real,

    nao santa, povo de propriedade exclusiva de Deus, a fim de proclamardes as virtudesdaquele que vos chamou das trevas para a sua maravilhosa luz,.... A partir deste texto, Lutero

    questiona a autoridade clerical exercida na poca. O clero se entendia como classe

    privilegiada, especial, superior aos que no eram ordenados. O clero, principalmente

    referindo-se centralidade do papa, era visto como o nico capaz de interpretar a Bblia e

    julgar os temas da igreja128. Para Lutero, em contraposio, fica claro que, pelo batismo, todos

    e todas esto em um mesmo patamar de autoridade, a saber, o sacerdcio de todos os crentes.

    Todos os cristos so unidos graa de Deus e, com isso, so sacerdotes. Assim

    desempenham um ministrio da f, que consiste em viver a partir da Sagrada Escritura, dos

    sacramentos e do exemplo de Cristo no dia-a-dia de sua vida. Argumenta Lutero,

    ... v, todos estes [batizados que vivem pela f], onde quer que estejam,so verdadeiros sacerdotes e celebram em verdade corretamente a missa,obtendo com ela tambm o que buscam. Pois a f tudo deve fazer. Somenteela o ministrio sacerdotal verdadeiro e no permite que ningum mais oseja. Por isso todos os homens cristos so sacerdotes e todas as mulheres

    125Referente total liberdade de participao na vida da Igreja, G.J.FISCHER,A Organizao da Vida e Missodas Comunidades Crists, p. 19.126Ao tratarmos das expresses leigos e sacerdotes nos referimos compreenso da poca da Reforma, sendoleigos todos aqueles que no foram ordenados como clrigos na Igreja Catlica Romana. O termo sacerdote,diferentemente do que defende Lutero no sacerdcio geral, era destinado aos ordenados pela Igreja Catlica,como ser comprovado no decorrer do estudo.127 G.J.FISCHER, A Organizao da Vida e Misso das Comunidades Crists, p. 20. M.LUTERO, DoCativeiro Babilnico da Igreja, p. 414.128M.LUTERO, Tratado de Martinho Lutero sobre a Liberdade Crist, p. 444. M.LUTERO, Nobreza Cristda Nao Alem acerca da Melhoria do Estamento Cristo, p. 284. M. LUTERO,Do Cativeiro Babilnico daIgreja, p. 390, 410-417.

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    so sacerdotisas, sejam jovens ou velhos, senhor ou serva, senhora ou serva,douto ou leigo. Aqui no h diferena, a no ser que a f seja diversa129.

    Diante da argumentao de Lutero, importante destacar que aqueles que vivem em f

    so sacerdotes ali onde vivem, ali onde trabalham. Dessa forma, presume-se que o sacerdcio

    deve ser vivido na prtica eclesistica, por meio da pregao da palavra, da administrao dos

    sacramentos, bem como, em uma vivncia diria comprometida com os ensinamentos

    evanglicos. Por isso, mesmo que se pertena a um sacerdcio ordenado, ningum se torna

    superior ou mais especial do que outro leigo. Ambos tm a tarefa de viver, na prtica diria, a

    f crist e a responsabilidade pela pregao da palavra e a administrao dos sacramentos.

    Ambos esto num s corpo130. Os cristos esto em um s estamento espiritual. No h

    qualquer diferena entre eles, a no ser exclusivamente por fora do ofcio131. Por isso, no se

    pode excluir os leigos do sacerdcio da pregao e da administrao dos sacramentos 132.

    Lutero ataca, veementemente, a autoridade e a infalibilidade do Papa e, por conseqncia, o

    clero e a sua hierarquizao133. Diante do acima exposto, principalmente referente

    diferenciao e separao entre clero e leigos, afirma Lutero:

    ... procurou-se criar uma sementeira de implacvel discrdia, para que osclrigos e os leigos sejam mais diferentes entre si que o cu e a terra, o que

    uma ofensa inconcebvel graa batismal e traz confuso comunidadeevanglica. Pois da vem essa detestvel tirania dos clrigos com relao aosleigos. (...) No s crem que so mais que os cristos leigos, que soungidos com o Esprito Santo, mas quase os consideram cachorros indignosde serem enumerados juntamente com eles na Igreja134.

    129M.LUTERO, Um Sermo a respeito do Novo Testamento, Isto , a respeito da Santa Missa, p. 269.130Aluso a 1Co 12.12ss.131M.LUTERO, Nobreza Crist da Nao Alem acerca da Melhoria do Estamento Cristo, p. 282.132M.LUTERO,Do Cativeiro Babilnico da Igreja Um Preldio de Martinho Lutero, p. 417.133M.LUTERO, Nobreza Crist da Nao Alem acerca da Melhoria do Estamento Cristo, p. 286.134 M.LUTERO, Do Cativeiro Babilnico da Igreja Um Preldio de Martinho Lutero, p. 414. Diante dapergunta em que se distinguem os leigos dos sacerdotes, Lutero responde: ...foi feito injustia a estesvocbulos: sacerdote, clrigo, espiritual, eclesistico, porquanto foram transferidos de todos os demaiscristos para aqueles poucos que agora, por uso prejudicial, so chamados de eclesisticos. Pois a EscrituraSagrada no faz nenhuma diferena entre eles, a no ser que chama de ministros, servos, administradoresqueles que agora se jactam de papas, bispos e senhores, que devem servir aos outros com o ministrio daPalavra, para que seja ensinada a f em Cristo e a liberdade dos fiis.In: M. LUTERO, Tratado de MartinhoLutero sobre a Liberdade Crist, p. 445-6.

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    Portanto, todos os batizados so leigos e sacerdotes. Ambos tm como tarefa viver a

    sua f, no dia-a-dia, a exemplo de Jesus Cristo135, devem desempenhar um papel de servio

    em relao aos seus semelhantes136

    .

    2.2 Sacerdcio geral: necessidade de uma ordem

    Pelo batismo, no h diferena entre leigos e ordenados, pois todos fazem parte de um

    s corpo, de um s sacerdcio em Cristo. Entretanto, Lutero, defende a necessidade de uma

    ordem em favor da manuteno da unidade do povo de Deus s Sagradas Escrituras e reta

    administrao dos sacramentos. Esta ordem serve para conduzir o povo no caminho da f137.

    Lutero, desde o princpio, no se coloca contrrio a uma ordem eclesial138. No entanto, ope-se ao exclusivismo clerical e excluso do direito sacerdotal do leigo, pois esta forma de

    pensar exclui, nega o batismo, nega o sacerdcio real de Cristo139.

    Lutero aponta, ainda, para a falibilidade do sacerdcio ordenado e do papa140. Quando

    o sacerdote ordenado deixa de ser fiel pregao da palavra de Deus e a sua ao no

    condizente com a tarefa recebida pela ordenao, ele perde a sua consagrao. Ou seja, o que

    135 M.LUTERO, Nobreza Crist da Nao Alem acerca da Melhoria do Estamento Cristo, p. 283. M.LUTERO, Um Sermo a respeito do Novo Testamento, Isto , a respeito da Santa Missa, p. 269.136G.J.FISCHER,A Organizao da Vida e Misso das Comunidades Crists, p. 44.137M.LUTERO, Como instituir Ministros na Igreja,p. 84.138Lutero argumenta que a vocao e a ordem so importantes. Deve-se insistir nelas. Ao abandon-las corre-seo risco de no sobrar mais Igreja em parte alguma. M. LUTERO, Carta do Dr. Mart. Lutero sobre os Intrusos ePregadores Clandestinos 1532, p. 114.139M. LUTERO, Carta do Dr. Mart. Lutero sobre os Intrusos e Pregadores Clandestinos 1532, Lutero afirma:A concluso: Cristo sacerdote, logo os cristos so sacerdotes, fiel e correta. (...) Somos seus irmossomente atravs do novo nascimento [batismo]. Por essa razo tambm somos sacerdotes com ele, filhos como

    ele, reis como ele, pois nos fez sentar com ele nos cus, para que sejamos seus consortes e co-herdeiros, no quale com o qual nos so dadas todas as coisas, Rm 8[.32].(p. 94).140M. LUTERO, Nobreza Crist da Nao Alem acerca da Melhoria do Estamento Cristo, referente aoPapa, Lutero escreve Por isso deve ter sido o prprio diabo-chefe quem disse o que se acha escrito no direitocannico: Se o papa fosse to perniciosamente mau a ponto de levar ao diabo uma multido de almas, aindaassim no poderia ser deposto. sobre esse fundamento maldito e diablico que eles se baseiam em Roma,...(p. 285), e, ainda, referente ao sacerdote ordenado, escreve: E onde acontecer que algum escolhido parasemelhante ofcio e for deposto por abusar dele, ser o mesmo que antes. Por essa razo um estamento desacerdote na cristandade no deveria ser diferente de um funcionrio pblico: enquanto estiver no cargo, eletem procedncia; se for deposto, um agricultor ou cidado como os outros. Assim na verdade um sacerdotedeixa de ser sacerdote ao ser deposto... (p. 283).

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    verdadeiramente consagra o sacerdote a sua atuao coerente na f evanglica141, no a sua

    ordenao142. Lutero questiona o carter indelvel do sacerdote ordenado143.

    Lutero sugere chamar aquele que ordenado de ministro144. Sugere este termo para

    diferenciar dentre o sacerdcio, visto que nele esto todos os batizados, e para evitar o carter

    sacrifical145que se concedia queles que dirigiam a missa. Ainda, conforme o texto de 1Co

    4.1, o termo ministro sugere servio ao evangelho e no status sacerdotal, o qual deveria ficar

    com a comunidade146. O que diferencia os ministros dos demais a funo que

    desempenham. O ministro executa uma funo do sacerdcio que qualquer membro do corpo

    pode desempenhar. Mas para que haja uma ordem e no hierarquia de poder, como o pregava

    a igreja catlica, a comunidade delega a sua tarefa a uma pessoa que desempenha esta tarefacom e para a comunidade147. assim que Lutero testifica:

    Esteja, pois, certo e reconhea (...) todos somos igualmente sacerdotes, isto, temos o mesmo poder na Palavra e em qualquer sacramento. Entretanto,no lcito que qualquer um faa uso desse poder, a no ser com oconsentimento da comunidade ou por chamado de um superior. Porque oque comum a todos ningum pode se arrogar individualmente, at que sejachamado. E, por isso, se o Sacramento da Ordem [como visto na IgrejaCatlica] algo, no pode ser outra coisa que determinado rito de chamar

    algum ao ministrio eclesistico148

    .

    A ordenao pertence comunidade que escolhe e elege o seu ministro, concedendo-

    lhe uma funo. Lutero nega a necessidade da pompa de raspar [a cabea], ungir e

    ordenar149, o que era tradio da Igreja, para assim reforar que o sacerdote havia ingressado

    em um estamento diferente, um corpo diferente, um corpo espiritual. O que se exige,

    141O termo evanglica tem a conotao daquilo que ensinam os evangelhos.142M.LUTERO, Como instituir Ministros na Igreja,p. 88. M. LUTERO, Do Cativeiro Babilnico da IgrejaUm Preldio de Martinho Lutero, acrescenta: ... quem no prega a Palavra, para o que foi chamado pela

    Igreja, no sacerdote de maneira alguma,..., (p. 415).143 M.LUTERO, Nobreza Crist da Nao Alem acerca da Melhoria do Estamento Cristo , p. 283. M.LUTERO, Do Cativeiro Babilnico da Igreja Um Preldio de Martinho Lutero, ... no compreendo por quemotivo no pode voltar a ser leigo quem uma fez foi feito sacerdote, pois somente pelo ministrio difere doleigo (p. 418).144M.LUTERO, Como Instituir Ministros na Igreja, p. 106.145M.LUTERO, Como Instituir Ministros na Igreja, p. 106. Lutero nega o carter de sacrifcio da missa e dossacramentos realizados pelo clero, pois o nico sacrifcio, realizado de uma vez por todas, o de Jesus Cristo.146M.LUTERO, Como Instituir Ministros na Igreja, p. 106.147M.LUTERO, Como Instituir Ministros na Igreja,p. 105.148M.LUTERO,Do Cativeiro Babilnico da Igreja Um Preldio de Martinho Lutero, p. 417.149M.LUTERO, Como Instituir Ministros na Igreja,p. 106.

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    conforme a argumentao de Lutero com base no texto de 2Tm 2.2, de que o escolhido seja

    idneo para que se lhe delegue o ofcio de ensinar as Sagradas Escrituras. Ao delegar o ofcio

    da palavra, a comunidade simultaneamente lhe delega o ofcio de batizar, consagrar, ligar,absolver, orar, julgar150. Tudo isto realizado em nome de Deus, por meio de orao e

    imposio de mos sobre o ministro escolhido ou aceito pela comunidade151. O ministro,

    ordenado em nome de Deus pela comunidade, assume uma forma de servir152 dentro do

    sacerdcio geral. O ministro faz aquilo que qualquer sacerdote real pode desempenhar. Mas o

    faz delegado pela comunidade e para a comunidade, representando em sua pessoa o prprio

    Deus. Lutero, ao falar do papel daquele que realiza o batismo, afirma:

    ... no outra coisa que um instrumento vicrio de Deus (...) como sedissesse: O que fao, no o fao por minha autoridade, mas em lugar e emnome de Deus, para que no o consideres de outra maneira do que se oSenhor mesmo o tivesse feito visivelmente...153.

    Na viso de Martinho Lutero, o ministro ordenado est no mesmo corpo sacerdotal do

    leigo. No existe uma substncia diferente entre o corpo de Cristo, mas sim uma

    modalidade diferente154. Neste corpo, o que h so tarefas diferentes que podem ser

    desenvolvidas por todos os sacerdotes devidamente delegados pela comunidade. Lutero

    aponta para as tarefas do sacerdcio, lembrando o que a Igreja Catlica designava de ofciossacerdotais. So eles: ensinar, pregar e anunciar a Palavra de Deus, batizar e consagrar ou

    ministrar a Eucaristia, ligar e absolver, orar por outros, sacrificar e julgar todas as doutrinas e

    espritos155. Estas so as tarefas da comunidade, do sacerdcio de todos e todas, mas,

    conforme Lutero, impossvel para uma boa ordem que todos desempenhem, ao mesmo

    tempo, estas tarefas. Por isso, a comunidade delega a sua funo a um ministro que

    preparado, ensinado e ordenado. A funo do ministrio especial de edificar a comunidade

    com a autorizao e a delegao da mesma156.

    150M.LUTERO, Como Instituir Ministros na Igreja, p. 107.151M.LUTERO, Como Instituir Ministros na Igreja, p. 107.152 A palavra traduzida por ministrio por Lutero na sua traduo do Novo Testamento a palavra gregadiakonia.Sobre este significado ver cap.3.2.1.153M.LUTERO,Do Cativeiro Babilnico da Igreja Um Preldio de Martinho Lutero, p. 379.154M.DREHER,A concepo Luterana do Ministrio Eclesistico Alguns Apontamentos,p. 236.155M.LUTERO, Como Instituir Ministros na Igreja,p. 94.156M.LUTERO, Carta do Dr. Mart. Lutero sobre os Intrusos e Pregadores Clandestinos 1532, p. 122.

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    3.0 O que interrompeu a vivncia do sacerdcio de todos os crentes?

    3.1 Breve relato sobre a Reforma Prussiana157

    Ao final do sculo 18, por influncias diversas, a Igreja Luterana encontrava-se, em

    geral, grandemente desprestigiada entre o povo. Havia um esvaziamento na participao das

    celebraes, desprezo aos pregadores e sacramentos. Havia grande perda da religiosidade,

    alegando-se, por exemplo, que o Batismo era algo desnecessrio e ultrapassado nestes

    tempos em que a religio assumira contornos racionais158. Diante deste quadro, o rei da

    Prssia, Frederico Guilherme III (1797-1840), o qual era de origem calvinista e reunia em sua

    pessoa a dupla funo de senhor supremo do Estado e da Igreja, temia que o desprezo pelaIgreja, num segundo momento, alcanasse a prpria monarquia e toda a nobreza a ela ligada;

    as quais poderiam ser consideradas suprfluas e ser simplesmente derrubadas159. Frederico

    Guilherme III encara a crescente perda de religiosidade como uma grave questo de segurana

    nacional.

    Assim, conforme relata Tesche, torna-se necessria uma imperativa e profunda

    reforma administrativa, tanto do Estado quanto da Igreja, para eliminar a ameaa ao status

    quoda monarquia.

    Frederico Guilherme III entendeu que o nico caminho possvel, no sentidode firmar a dominao do Estado, seria o da via religiosa, o que significavavoltar-se, em primeiro lugar, para a majoritria Igreja Luterana da Prssia.(...), urgia, portanto, resgat-la, bem como a seus pastores, que jaziam,inclusive, desprestigiados entre o povo160.

    Neste contexto, o rei busca, por meio de uma reforma na Igreja, assegurar seustatus

    quo. Planeja uma profunda reforma que vai acontecendo sistematicamente. O primeiro passo

    a cooptao da Igreja Luterana com a Igreja Calvinista para transform-las em uma s

    157Este relato basear-se- no estudo feito por S.TESCHE, Vestes Litrgicas, p. 93-130. O objetivo deste item apresentar breve extrato do trabalho de Tesche para que o leitor possa perceber a influncia desta reformaprussiana na vida de culto e no desvirtuamento que causou na compreenso do papel do leigo e do ministroordenado. Esta viso prussiana, muito provavelmente, os imigrantes luteranos possuam quando desembarcaramno Brasil em 1824.158S.TESCHE, Vestes Litrgicas, p. 101.159S.TESCHE, Vestes Litrgicas, p. 103.160S.TESCHE, Vestes Litrgicas, p. 99.

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    Igreja. Isto acontece por uma ordem expedida a 12 de janeiro de 1798, e resulta na nova Igreja

    da Unio Prussiana. Em 1808, criado no Ministrio do Interior uma seo sob o nome

    Culto e Ensino, que agregava a inspeo e assistncia do Estado para os assuntos religiosose espirituais. A partir desta seo, em 1817, surge o Ministrio do Culto, o qual se

    encarregava de acompanhar todos os assuntos relativos a suscitar a religiosidade e o esprito

    patritico. A partir destas reformas, surgem outras medidas que transformam a concepo de

    religiosidade e de culto. Os pastores passam a ser funcionrios clericais e recebem uma veste

    que lhes concedesse, na viso do monarca, dignidade e solenidade quando do exerccio de seu

    ministrio. Em 20 de maro de 1811, uma ordem de gabinete161institui a veste talar preta

    com um peitilho branco como uniforme ministerial. Quem alegava no ter como adquirir tal

    veste, em muitos casos denotava situao de no concordncia com as medidas adotadas pelorei, por isso, a recebia gratuitamente e era obrigado a us-la.

    Outra medida que influenciou fortemente a forma de culto e participao foi a

    elaborao de uma agenda de culto nica. Esta agenda, inicialmente encomendada pelo

    monarca, e, quando de sua apresentao foi rejeitada pelo mesmo, fez com que ele

    pessoalmente coordenasse os trabalhos de reforma do culto e de organizao da nova agenda.

    Em 1822, aps vrias modificaes, uma agenda contendo a ordem de culto, com minuciosas

    rubricas que determinavam rigorosamente cada passo do ritual, foi oficialmente apresentada.

    Algumas das conseqncias desta ordem de culto, costumes que geraram, podem ser

    apresentadas da seguinte forma: a) cria uma unidade de culto em toda a Prssia, visto que, at

    ento, cada pastor dirigia o culto a sua maneira; b) para a congregao restou o papel de

    platia, restando-lhe participar efetivamente s na repetio de alguns refres cantados; c) a

    celebrao da ceia fica como um apndice a ser includo excepcionalmente; d) estabelece que

    o culto deveria ter durao mxima de uma hora, com meia hora para a liturgia e meia hora

    para a prdica; e) a disposio do altar teria o crucifixo, candelabros com velas de cera acesas,

    a grande Bblia e o lugar para o liturgo (pastor); f) pelo menos uma vez ao ano dever-se-ia

    participar da Santa Ceia; g) no se deveria esperar mais que 06 semanas, aps o nascimento,

    para a realizao do batismo das crianas.

    Tesche descreve as conseqncias desta reforma litrgica assim:

    161S.TESCHE, Vestes Litrgicas, p. 110-1.

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    Com essa ordem cltica, sancionada por Frederico Guilherme III em 1822como parte da nova Igreja da Unio Prussiana, estamos, portanto, diante deuma obra literalmente antilitrgica, ideolgica e, em conseqncia,antievanglica, onde no a redeno do ser humano pela obra de Cristoque celebrada, mas sim a amarrao do ser humano pelo Estado162.

    3.2 Questionamentos atuais

    Inicialmente, constatamos que Lutero defende que leigos e ministros esto em um

    mesmo ministrio. Com a reforma prussiana esta compreenso esmagada. Concede-se

    autoridade para o pastor e os membros lhe devem submisso. O pastor transformado em

    funcionrio ao qual se deve obedincia. Ao lado ou junto a esta herana de mentalidade

    prussiana, o pastor passa a ser visto como o profissional de formao privilegiada. Os leigos

    acabam delegando ao pastor/a cada vez mais funes que pertencem a todo sacerdcio, por

    entenderem que eles mesmos, os leigos/as, no tem condies e nem autoridade para

    desempenh-las163. Brakemeier defende que este fenmeno de monoplio teolgico favorece

    a transformao dos/as pastores/as em executivos164. Decorre assim, o que no meio

    luterano se designa de pastor-centrismo, ou seja, assuntos relativos f so tarefa exclusiva

    do pastor/a. Da decorre, segundo Hoch, uma hierarquia eclesistica de carter popular, onde

    aos olhos da comunidade o/a catequista, o/a dicono/a, [missionrios/as] sero subalternos do

    pastor/a. O leigo homem se satisfaz cumprindo a administrao do dinheiro e bens. A mulher

    leiga fica relegada s aes da cozinha e trabalhos manuais na comunidade165. Esta descrio

    de 1990. Mas ainda est muito presente em vrias comunidades luteranas, principalmente do

    interior e de reas rurais.

    Conforme Hoch, h crticas quanto formao dos obreiros e que em sua ao

    possuem um carter muito discursivo ou acadmico, o qual possui efeito paralisante. A

    comunidade permanece em um papel passivo. Raramente obreiros/as oferecem pistas

    162S.TESCHE, Vestes Litrgicas, p. 120.163L.C.HOCH, O Ministrio dos Leigos: Genealogia de um Atrofiamento, p. 267.164 G.BRAKEMEIER, Teses Referentes Compreenso de Ministrio na Igreja Evanglica de ConfissoLuterana no Brasil (IECLB) Avaliao e Questes Abertas, p. 120.165L.C. HOCH, O Ministrio dos Leigos: Genealogia de um Atrofiamento, p. 268.

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    concretas e viveis a uma atuao efetiva da comunidade166. Segundo Brakemeier, o

    ministrio um servio exercido por incumbncia explcita, em carter contnuo, por pessoas

    particularmente qualificadas167

    . Isto quer dizer que, mesmo com o desenvolvimento, com ocrescimento das comunidades, com o preparo teolgico, o ministrio continua tendo um

    carter funcional168que no pode eliminar os servios espontneos do sacerdcio de todos os

    crentes. M. Dreher afirma: Ministrio e congregao no so concorrentes169. Ou, ainda,

    como mostra L. Dreher: a tradio luterana implica que todos os cristos so de estado

    clerical, a palavra estado estendida a todos os batizados de forma a excluir a conotao de

    um incremento ou grau superior de qualidade espiritual em alguns170.

    166 L.C.HOCH, O Ministrio dos Leigos: Genealogia de um Atrofiamento, p. 269. Esta crtica est presentetambm em, G.BRAKEMEIER, Teses Referentes Compreenso de Ministrio na Igreja Evanglica deConfisso Luterana no Brasil (IECLB) Avaliao e Questes Abertas, p. 120.167 G.BRAKEMEIER, Teses Referentes Compreenso de Ministrio na Igreja Evanglica de ConfissoLuterana no Brasil (IECLB) Avaliao e Questes Abertas, p. 118.168M.DREHER,A concepo Luterana do Ministrio Eclesistico, p. 241.169M.DREHER,A concepo Luterana do Ministrio Eclesistico, p. 240.170L.DREHER,Algumas Idias sobre a Teologia do Ministrio, p. 58.

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    III - EQUIPES DE LITURGIA: ORDENADOS OU INSTALADOS?

    1.0 Compreenso de ministrio

    1.1 Ministrio: concepo neotestamentria

    A palavra ministrio vem do latim e significa servio. Ela a traduode uma palavra grega, diakonia, que aparece muitas vezes no NovoTestamento. O prprio Jesus se apresentou como servo (dicono,ministro) de Deus. Paulo se considera servo de Cristo. Todo cristo chamado a servir: Todos vs, conforme o dom que cada um recebeu deDeus, consagrai-vos ao servio uns dos outros, como bons dispenseiros damultiforme graa de Deus (IPd 4,10)171.

    Ministrio refere-se a aes de servio. No contexto das primeiras comunidades crists

    o ministrio, servio, desconhecia a diferenciao entre clero e leigo172. Tanto que, antes do

    surgimento do episcopado monrquico, no qual se estabelece a diferenciao, como hoje

    conhecemos, entre leigos e sacerdotes, existia uma ordem chamada democrtica173. Esta

    designao concebida por Bultmann, refere-se ao perodo carismtico onde se acreditava que

    o Esprito Santo capacitava o batizado com dons e, estes dons, reconhecidos pela comunidade,

    capacitavam e legitimavam ao ministerial174. No havia uma ordem hierrquica de poder.

    Havia sim, um chamado para servir e nisto consiste o ministrio. Desta forma, o apstolo

    Paulo autodenomina-se ministro (diakonos) de Deus (2Co 6.4), de Cristo (2Co 11.23), do

    Evangelho (Ef 3.7; Cl 1.23), da nova aliana (2Co 3.6), da igreja (Cl 1.25). A partir desta

    autodenominao de Paulo conclui-se que o ministrio amplo, pois todo servio que cabe

    aos cristos, quer seja pregao, exortao, testemunho, consolo, quer a ajuda concreta, a

    171IGREJA CATLICA, Curso de preparao para ministrios leigos, p. 7.172Como visto no primeiro captulo deste trabalho.173R.BULTMANN, Teologia do Novo Testamento, p. 538.174R.BULTMANN, Teologia do Novo Testamento, p. 538.

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    interveno em situao de necessidade e sofrimento175. Mas, de outra forma, pode-se dizer

    que h um s ministrio, a saber, o de testemunhar o Evangelho de Cristo confiado

    comunidade de batizados/as176

    . Desta forma resume-se: ministrio h um s, mas vrios soos ministrios criados pela comunidade, que se desenvolvem, para que o nico ministrio

    acontea.

    H, portanto, o ministrio de todos os crentes. A partir do batismo todos e todas esto

    no sacerdcio e tm a funo ministerial, de servio. Mas, ao lado disto, percebe-se uma

    necessidade de cargos, funes, que so concedidos, inicialmente, aos apstolos com o

    objetivo de organizarem as comunidades177. Surge ao lado da funo de servio, das tarefas

    denominadas administrativas (1Tm 3.2; Tt 1.6), a atividade magisterial. Esta atividade tempor dever cuidar da reta doutrina, evitar as heresias (1Tm 1.3; 4.6,11; 6.3, 20; 2Tm 2.14, 3.1,

    4.1; Tt 1.10) e manter uma ordem nas celebraes (1Co 14.40)178. So escolhidas pessoas para

    presidirem celebraes e comunidades (1Ts 5.12; 1Co 16.16, Rm 12.8). Estas pessoas

    escolhidas, separadas, com o consentimento da comunidade, eram oficializadas em sua funo

    com um rito que consistia em jejum, oraes e imposio de mos (At 6.6, 13.3; 1Tm 4.14,

    5.33; 2Tm 1.6; At 13.2; 1Tm 1.18, 4.14). Pode-se concluir que estes ritos deram origem ao

    ministrio com ordenao. Assim como afirma a Confisso de Augsburgo, no artigo da ordem

    eclesistica: ningum deve publicamente ensinar na igreja ou administrar os sacramentos a

    menos que seja legitimamente chamado179. Este chamado legtimo ocorre por ocasio da

    ordenao.

    1.2 Documentos da IECLB referente a ministrio com ordenao

    O documento normativo da Igreja Evanglica de Confisso Luterana no Brasil180

    denominado Estatuto do ministrio com ordenao181atesta:

    175S.G.RIEFF,Diaconia e culto cristo, p. 23-4.176IECLB,Nossa F Nossa vida, p. 10.177R.BULTMANN, Teologia do Novo Testamento, p. 538.178R.BULTMANN, Teologia do Novo Testamento, p. 548-549.179Confisso de Augsburgo, Art. XIV, p. 23.180Doravante denominada IECLB.181Doravante denominado EMO.

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