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Classificação das fraturas da coluna torácica e lombar Helton L A Delfino (1) Classificação das fraturas da coluna torácica e lombar Classification of thoracic and lumbar spine fractures (1) Professor associado, Depto. de Biomecânica, Medicina e Reabilitação do Aparelho Locomotor da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto - USP. Hospital das Clínicas de Ribeirão Preto. Av. dos Bandeirantes, 3900. Campus Universitário - Ribeirão Preto / SP - 14048-900. RESUMO Uma breve revisão histórica da classificação das fraturas da coluna torácica e lombar é apresentada juntamente com a classificação atual proposta pelo grupo AO (“Arbeitsgemainchaft für Osteosynthesefragen”). A classificação do grupo AO é baseada em critérios morfopatológicos da lesão, que estão relacionados com o mecanismo da fratura. As fraturas são classificadas em três grupos principais, de acordo com o mecanismo da lesão: Tipo A (compressão), Tipo B (distração) e Tipo C (rotação), e cada tipo apresenta subdivisões. PALAVRAS-CHAVE: coluna vertebral, fraturas da coluna vertebral ABSTRACT A short historical review of the classification of thoracic and lumbar spine fracture is presented together with the current classification of the AOgroup for thoracic and lumbar fractures. The AO classification is primarily based on pathomorphological criteria and the categories are established according to the main mechanism of injury. The fractures are classified in three main groups according to the mechanism of injury: Type A fractures (compression), Type B ( distraction) and Type C (rotation). The types have a fundamental injury pattern which is determined by the three most important mechanism acting on the spine (compression, distraction and axial torque) and every type has three groups and subgroups, providing an accurate description of almost injuries. KEY WORDS: spine, spinal fractures INTRODUÇÃO Várias classificações das fraturas da coluna torácica e lombar têm sido apresentadas ao longo do tempo, utilizando diferentes critérios, sendo muito evidente a influência que o desenvolvimento ocorrido no tratamento dessas lesões, bem como o progresso nos exames de imagens, exerceram no aprimoramento das classificações. Böhler (1934)(1) apresentou uma classificação que diferenciava as fraturas sob o ponto de vista de sua morfologia e também da sua patogênese. Com base nas informações fornecidas pelas radiografias, as fraturas eram divididas em cinco diferentes tipos, que apresentavam subdivisões. Böhler (1934)(1) utilizou o termo “fratura salvadora do arco neural” (rettenden Bogenbruch) para descrever a lesão pela qual ocorria o aumento do diâmetro do canal neural e a preservação da integridade das estruturas nervosas. A descrição das fraturas apresentada por Böhler (1934)(1) abrange grande parte dos tipos de fratura que podem ocorrer, muitos dos quais foram reapresentados em classificações mais recentes. Nicoll (1949)(2), utilizando critérios morfológicos, classificou as fraturas em quatro tipos: encunhamento ventral, encunhamento lateral, fratura-luxação e fratura isolada do arco. Considerava que a estabilidade da fratura estava relacionada com a integridade do ligamento interespinhoso e que a força de rotação, atuando sobre a coluna vertebral, produziria lesões instáveis. Holdsworth (1970)(3) descreveu o modelo de duas colunas: anterior (corpo vertebral, disco intervertebral, ligamento longitudinal anterior e posterior) e posterior (facetas articulares e cápsula articular, ligamento inter e supraespinhoso e ligamento amarelo), e reconheceu a importância do complexo ligamentar posterior (ligamento supraespinhoso e interespinhoso, ligamento amarelo, facetas articulares e cápsula articular) atuando como banda de tensão na estabilização do segmento vertebral. Correlacionou o conceito de estabilidade do segmento vertebral com a integridade da coluna posterior, e apresentou a sua classificação com base no mecanismo de fratura (flexão, flexão-rotação, extensão, compressão vertical e cizalhamento), que ocasionava os seguintes tipos de fratura: encunhamento, explosão, extensão, cizalhamento, fratura-luxação em rotação e luxação pura. Louis (1977)(4) utilizando também critérios morfológicos e mecânicos apresentou um modelo de três colunas (uma anterior e duas posteriores), fazendo analogia do segmento vertebral com uma cadeira com três apoios. A coluna anterior era constituída pelo corpo e disco intervertebral, e a coluna posterior pelas facetas e processos articulares. A lâmina e os pedículos proporcionariam estabilização adicional para as colunas desse modelo. A classificação proposta por Louis tinha como objetivo a determinação da instabilidade do segmento vertebral e atribuía valores para as lesões (+2 para as perdas de substância das colunas, + 1 para as lesões das colunas verticais, + 0,5 para as lesões incompletas do pedículo, corpo vertebral ou lâmina, + 0,25 para as fraturas dos processos transversos ou espinhosos). As lesões que apresentassem escore igual ou superior a dois eram consideradas instáveis.

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Classificação das fraturas da coluna torácica e lombar

Helton L A Delfino (1) Classificação das fraturas da coluna torácica e lombar

Classification of thoracic and lumbar spine fractures

(1) Professor associado, Depto. de Biomecânica, Medicina e Reabilitação do Aparelho Locomotor da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto - USP. Hospital das Clínicas de Ribeirão Preto. Av. dos Bandeirantes, 3900. Campus Universitário - Ribeirão Preto / SP - 14048-900.

RESUMO Uma breve revisão histórica da classificação das fraturas da coluna torácica e lombar é apresentada juntamente com a classificação atual proposta pelo grupo AO (“Arbeitsgemainchaft für Osteosynthesefragen”). A classificação do grupo AO é baseada em critérios morfopatológicos da lesão, que estão relacionados com o mecanismo da fratura. As fraturas são classificadas em três grupos principais, de acordo com o mecanismo da lesão: Tipo A (compressão), Tipo B (distração) e Tipo C (rotação), e cada tipo apresenta subdivisões. PALAVRAS-CHAVE: coluna vertebral, fraturas da coluna vertebral

ABSTRACT A short historical review of the classification of thoracic and lumbar spine fracture is presented together with the current classification of the AOgroup for thoracic and lumbar fractures. The AO classification is primarily based on pathomorphological criteria and the categories are established according to the main mechanism of injury. The fractures are classified in three main groups according to the mechanism of injury: Type A fractures (compression), Type B ( distraction) and Type C (rotation). The types have a fundamental injury pattern which is determined by the three most important mechanism acting on the spine (compression, distraction and axial torque) and every type has three groups and subgroups, providing an accurate description of almost injuries. KEY WORDS: spine, spinal fractures

INTRODUÇÃO Várias classificações das fraturas da coluna torácica e lombar têm sido apresentadas ao longo do tempo, utilizando diferentes critérios, sendo muito evidente a influência que o desenvolvimento ocorrido no tratamento dessas lesões, bem como o progresso nos exames de imagens, exerceram no aprimoramento das classificações. Böhler (1934)(1) apresentou uma classificação que diferenciava as fraturas sob o ponto de vista de sua morfologia e também da sua patogênese. Com base nas informações fornecidas pelas radiografias, as fraturas eram divididas em cinco diferentes tipos, que apresentavam subdivisões. Böhler (1934)(1) utilizou o termo “fratura salvadora do arco neural” (rettenden Bogenbruch) para descrever a lesão pela qual ocorria o aumento do diâmetro do canal neural e a preservação da integridade das estruturas nervosas. A descrição das fraturas apresentada por Böhler (1934)(1) abrange grande parte dos tipos de fratura que podem ocorrer, muitos dos quais foram reapresentados em classificações mais recentes. Nicoll (1949)(2), utilizando critérios morfológicos, classificou as fraturas em quatro tipos: encunhamento ventral, encunhamento lateral, fratura-luxação e fratura isolada do arco. Considerava que a estabilidade da fratura estava relacionada com a integridade do ligamento interespinhoso e que a força de rotação, atuando sobre a coluna vertebral, produziria lesões instáveis. Holdsworth (1970)(3) descreveu o modelo de duas colunas: anterior (corpo vertebral, disco intervertebral, ligamento longitudinal anterior e posterior) e posterior (facetas articulares e cápsula articular, ligamento inter e supraespinhoso e ligamento amarelo), e reconheceu a importância do complexo ligamentar posterior (ligamento supraespinhoso e interespinhoso, ligamento amarelo, facetas articulares e cápsula articular) atuando como banda de tensão na estabilização do segmento vertebral. Correlacionou o conceito de estabilidade do segmento vertebral com a integridade da coluna posterior, e apresentou a sua classificação com base no mecanismo de fratura (flexão, flexão-rotação, extensão, compressão vertical e cizalhamento), que ocasionava os seguintes tipos de fratura: encunhamento, explosão, extensão, cizalhamento, fratura-luxação em rotação e luxação pura. Louis (1977)(4) utilizando também critérios morfológicos e mecânicos apresentou um modelo de três colunas (uma anterior e duas posteriores), fazendo analogia do segmento vertebral com uma cadeira com três apoios. A coluna anterior era constituída pelo corpo e disco intervertebral, e a coluna posterior pelas facetas e processos articulares. A lâmina e os pedículos proporcionariam estabilização adicional para as colunas desse modelo. A classificação proposta por Louis tinha como objetivo a determinação da instabilidade do segmento vertebral e atribuía valores para as lesões (+2 para as perdas de substância das colunas, + 1 para as lesões das colunas verticais, + 0,5 para as lesões incompletas do pedículo, corpo vertebral ou lâmina, + 0,25 para as fraturas dos processos transversos ou espinhosos). As lesões que apresentassem escore igual ou superior a dois eram consideradas instáveis.

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Denis (1984)(5) introduziu o conceito das três colunas: anterior (parte anterior do corpo vertebral, disco intervertebral e ligamento longitudinal anterior), média (ligamento longitudinal posterior, 1/3 posterior do ânulo fibroso e corpo vertebral) e posterior (ligamento supra e interespinhoso, ligamento amarelo, cápsula e facetas articulares). Acreditava que a lesão isolada do complexo ligamentar posterior não ocasionaria instabilidade do segmento vertebral, e que era necessária a lesão do ligamento longitudinal posterior e parte posterior do ânulo fibroso para o estabelecimento da instabilidade. A sua classificação era baseada na patogênese e patomorfologia da fratura e apresentava cinco grupos: compressão, explosão, “seat belt”, flexão e fratura-luxação. CLASSIFICAÇÃO AO A classificação preconizada pela AO (“Arbeitsgemainchaft für Osteosynthesefragen”) é uma classificação mecanicista das fraturas e baseia-se no fato de que a morfopatologia da lesão indica a força ou o momento aplicado sobre o segmento vertebral. As três forças básicas que produzem as lesões traumáticas do segmento vertebral são: compressão, distração e rotação, e desse modo a morfologia da fratura permite a determinação da patogênese da lesão. A perda da altura do corpo vertebral está relacionada às forças de compressão, a ruptura anterior ou posterior às forças de distração e os desvios rotacionais à rotação (Fig. 1).

Os três tipos básicos de fraturas são classificados em grupos e subgrupos com base na descrição mais detalhada da morfologia da fratura, permitindo a sua descrição mais precisa. A gravidade da fratura aumenta do tipo A para o tipo C, ocorrendo também esse escalonamento da gravidade da lesão dentro dos grupos e sub-grupos. Essa gradação considera também a instabilidade e o prognóstico das lesões (Tabelas 1, 2 e 3). Fraturas do Tipo A: compressão do corpo vertebral As fraturas do Tipo A são causadas por uma força de compressão axial, associada ou não à flexão. A altura do corpo vertebral está reduzida, os ligamentos posteriores estão intactos e, nesse grupo de fraturas, não ocorre translação no plano sagital.

Grupo A.1 – Fraturas impactadas – a deformidade do corpo vertebral ocorre devido, principalmente, à compressão do osso esponjoso do corpo vertebral. A coluna posterior está íntegra e a compressão do canal vertebral não ocorre. Essas lesões são estáveis e a lesão neurológica raramente ocorre (Fig. 2).

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A1.1 – Impacção da placa terminal – O corpo vertebral apresenta encunhamento inferior a cinco graus e sua parede posterior está íntegra. A1.2 – Fratura encunhamento – A perda da altura do corpo vertebral resulta em angulação maior que cinco graus e a parede posterior do corpo vertebral permanece intacta. A perda da altura do corpo vertebral pode ocorrer na parte superior (encunhamento superior), anterolateral (encunhamento lateral) ou inferior do corpo vertebral (encunhamento inferior). A1.3 – Colapso do corpo vertebral – Este tipo de lesão é normalmente observada em pacientes com osteoporose e ocorre a perda simétrica do corpo vertebral sem extrusão significativa dos fragmentos, de modo que o canal vertebral não é comprimido. O corpo vertebral apresenta aspecto em “espinha de peixe”, nos casos em que esse tipo de fratura está associada a grande impacção da placa terminal.

Grupo A2 – “Split fractures” (separação) – o corpo vertebral está dividido no plano coronal ou sagital e o fragmento principal apresenta graus variáveis de desvio. Na presença de grande desvio do fragmento principal, a falha pode ser preenchida com material oriundo do disco intervertebral, que pode resultar em não consolidação da fratura. A coluna posterior não está acometida nesse tipo de fratura e a sua associação com o déficit neurológico não é comum (Fig. 3).

Grupo A3 – Fraturas tipo explosão – O corpo vertebral encontra-se parcial ou completamente cominuído, com extrusão centrífuga dos seus fragmentos. Fragmentos da parede posterior estão desviados para o interior do canal e são a causa do déficit neurológico, que é elevado nesse grupo de fraturas e aumenta significativamente dentro de seus subgrupos. O complexo ligamentar posterior encontrase íntegro, podendo ocorrer fenda vertical através do arco vertebral ou processo espinhoso. Essa fenda não apresenta importância do ponto de vista da estabilidade da fratura e, em algumas ocasiões, fibras nervosas extrudem através de lesão da duramater e ficam presas nessa fenda (Fig. 4). A3.1 – Fratura tipo explosão incompleta – A parte superior ou inferior do corpo vertebral apresenta cominuição, enquanto que a outra parte permanece intacta. A estabilidade dessas fraturas está reduzida à flexão-compressão, e os

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fragmentos da parede posterior podem apresentar desvio adicional quando submetidos à essas forças. A3.2 – Burst-split fracture – Nesse tipo de fratura uma metade da vértebra (mais freqüentemente a superior) apresenta cominuição, enquanto que a outra metade está fendida sagitalmente. Essas fraturas são mais instáveis à flexão-compressão e apresentam maior índice de lesão neurológica que as fraturas tipo explosão incompletas. A3.3 – Fraturas tipo explosão completa – Todo o corpo vertebral apresenta cominuição e essas fraturas são ainda mais instáveis à flexo-compressão, que causam redução adicional da altura do corpo vertebral. O diâmetro do canal vertebral geralmente encontra-se muito reduzido pelos fragmentos da parede posterior do corpo vertebral, e o índice de lesões neurológicas é elevado.

A.3.1 – Fratura do tipo explosão incompleta A.3.2 – Fratura do tipo explosão-separação (burst-split) – Observar a separação dos pedículos, a cominuição da parte superior do corpo vertebral e a separação da parte inferior. A.3.3 – Fratura do tipo explosão completa – Observar a separação dos pedículos e a cominuição da parte superior e inferior do corpo vertebral. As características radiológicas das fraturas do tipo A são: diminuição da altura da parte anterior do corpo vertebral, fenda da lâmina vertebral acompanhada de aumento da distância interpedicular. A distância entre os processos espinhosos apresenta pequeno aumento naquelas fraturas com encunhamento do corpo vertebral e manutenção da integridade da parede posterior do corpo vertebral. Um aumento significativo da distância entre os processos espinhosos pode indicar a presença de uma lesão posterior por distração, que, porém, é característica das fraturas do tipo B. Os fragmentos da parede posterior estão desviados para o interior do canal vertebral, mas não apresentam desvio cranial ou rotação. Esses fragmentos apresentam na tomografia computadorizada aspecto denso e liso de seu bordo posterior, enquanto que o bordo anterior é ligeiramente apagado. Nas fraturas do tipo A não ocorre translação ou desvio no plano horizontal. Fraturas do Tipo B: lesão dos elementos anteriores e posteriores por distração Nesse tipo de fratura o mecanismo de flexão-distração produz a rotura e alongamento dos elementos posteriores nos grupos B1 e B2, enquanto que o de hiperextensão, com ou sem cizalhamento anterior é a responsável pela rotura e alongamento anterior no grupo B3. Nas lesões do grupo B1 ocorre predominantemente a rotura através das estruturas disco-ligamentares, enquanto que no grupo B2 a lesão é através dos elementos ósseos posteriores da vértebra (Fig. 5, 6, 7). A lesão pode estender-se até o corpo vertebral por meio da sua compressão, e desse modo as fraturas do tipo A reaparecem nesses dois grupos (B1 e B2). A translação e o deslocamento sagital podem estar presentes nesse tipo de fratura; quando não observado nas radiografias, devemos considerar o potencial desse tipo de deslocamento que essas fraturas apresentam. A freqüência de lesões neurológicas nas fraturas do tipo B é superior à observada no tipo A.

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Grupo B1 – Rotura posterior predominantemente ligamentar – A principal lesão desse grupo de fraturas é a rotura do complexo ligamentar posterior associada à subluxação bilateral, luxação ou fratura da faceta articular. Esse tipo de lesão está associada à rotura transversa do disco intervertebral ou à fratura tipo A do corpo vertebral. As lesões puras em flexo-distração são instáveis em flexão, enquanto que as luxações puras são instáveis em flexão e cizalhamento. As fraturas do tipo B1 associadas à fratura do tipo A do corpo vertebral são ainda adicionalmente instáveis à compressão axial. O déficit neurológico é freqüente e é causado pelo desvio translacional e ou retropulsão de fragmentos do corpo vertebral para o interior do canal. B1.1 – Lesão posterior predominantemente ligamentar (lesão em flexão-distração) associada com rotura transversa do disco intervertebral (Fig. 5). B1.1.1 – Subluxação em flexão – É uma lesão puramente disco-ligamentar, e um fragmento ósseo pequeno que não afeta a estabilidade da fratura pode estar avulsionado pelo anulo fibroso da parte posterior da borda da placa terminal. B1.1.2 – Luxação anterior – É uma lesão discoligamentar pura com luxação completa da faceta articular e associada com translação anterior e estreitamento do canal. B1.1.3 – Subluxação em flexão ou luxação anterior associada à fratura do processo articular – apresenta as características mencionadas para as fraturas B1.1.1 e B1.1.2, apresentando alto grau de instabilidade AO cizalhamento no plano sagital devido à fratura da faceta articular.

B1.2 – Lesão posterior predominantemente ligamentar (lesão em flexão-distração) associada à fratura tipo A do corpo vertebral (Fig. 6). Essa combinação pode ocorrer se o eixo transverso do momento de flexão ficar situado próximo à parede posterior do corpo vertebral. Desse modo um intenso momento de flexão pode ocasionar a rotura transversa da coluna posterior e, simultaneamente, a compressão do corpo vertebral, que corresponde às fraturas do tipo A.

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Grupo B2 – Rotura posterior predominantemente óssea – O principal critério para o enquadramento das lesões nesse grupo é a rotura da coluna posterior através da lâmina, pedículo ou ístmo. Como ocorre no grupo B1, essas lesões podem estar associadas com a rotura transversa do disco intervertebral ou fratura do tipo A (Fig. 7). B2.1 – Fratura transversa das duas colunas – Geralmente ocorre na coluna lombar superior e é instável em flexão. Possui excelente potencial de consolidação por ser uma lesão puramente óssea. B2.2 – Rotura posterior predominantemente óssea com rotura transversa do disco B2.2.1 – Rotura através do pedículo e disco – Essa é uma rara variante, caracterizada por fratura horizontal através do arco, que estende inferiormente através da base do pedículo. B2.2.2 – Rotura através do pars interarticularis e disco (flexão-espondilólise) B2.3 – Rotura posterior predominantemente óssea associada com fratura tipo A do corpo vertebral B2.3.1 – Fratura através do pedículo associada com fratura do tipo A – A lesão posterior é a mesma descrita para o tipo B2.1. B2.3.2 – Fratura através do istmo associada com fratura do tipo A – A lesão posterior é a mesma descrita para o tipo B2.2, e a lesão do corpo vertebral geralmente corresponde à variante inferior da fratura do tipo A.

Edema, hematoma subcutâneo, dor acentuada no local da lesão posterior e palpação de espaço entre os processos espinhosos são indicativos de lesão por distração dos elementos posteriores. Deformidade cifótica pode estar presente, e a observação de desnivelamento entre os processos espinhosos indica desvio translacional. Vários achados radiológicos são típicos das lesões tipo B1 e B2: cifose com aumento significativo da distância entre os processos espinhosos, translação anterior, subluxação bilateral, luxação, fratura bilateral da faceta articular, avulsão da borda posterior do corpo vertebral, pequena fratura por cizalhamento da borda anterior da placa terminal, fratura horizontal ou de outro tipo de elementos posteriores, fratura por avulsão do ligamento supraespinhoso. Nas lesões do tipo B1 e B2 associadas com fraturas do tipo explosão, o fragmento da parede posterior do corpo vertebral freqüentemente está desviado no sentido posterior e cranial. Algumas vezes o fragmento encontra-se rodado até 90 graus AO redor do eixo transversal e sua superfície correspondente à placa terminal fica em contato com o corpo vertebral. AO contrário das fraturas do tipo A, a borda anterior do fragmento aparece densa e lisa na tomografia computadorizada, enquanto que a borda posterior aparece borrada. Esse fenômeno tem sido denominado de sinal cortical reverso. Grupo B3 – Rotura anterior através do disco – Nas raras lesões em hiperextensão – cizalhamento, a rotura, que tem origem na parte anterior, pode ficar limitada à coluna anterior ou extender-se posteriormente. Os cizalhamentos anteroposteriores causam rotura das duas colunas (Fig. 8). B3.1 – Subluxação em hiperextensão – Essa é uma lesão disco-ligamentar pura, que reduz expontaneamente e é difícil de ser diagnosticada. A presença de um alargamento do espaço discal, que pode ser observado pela ressonância magnética, indica a presença dessa lesão. B3.2 – Hiperextensão-espondilólise – Ao contrário do que ocorre com a espondilólise em flexão, o diâmetro sagital do canal vertebral é alargado, à medida que o corpo vertebral desloca anteriormente, enquanto a lâmina permanece em seu lugar, não ocorrendo lesão das estruturas nervosas.Os raros casos desse tipo de fratura foram observados na coluna lombar baixa. B3.3 – Luxação posterior – Essa é uma das lesões mais graves da coluna lombar e freqüentemente está associada

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com paraplegia completa.

Tipo C – Lesão dos elementos anteriores e posteriores com rotação – As fraturas do tipo C são caracterizadas pelo mecanismo de rotação e são divididas em três grupos: fraturas do tipo A, associadas com rotação; fraturas do tipo B, associadas com rotação; e fraturas do tipo C, representadas pelas lesões do tipo cizalhamento – rotação. Excluindo-se algumas raras exceções, as lesões do tipo C representam as lesões mais graves da coluna torácica e lombar, e estão associadas com a maior porcentagem de déficit neurológico. A lesão das estruturas nervosas é causada pelo deslocamento de fragmentos para o interior do canal vertebral ou pelo esmagamento das estruturas nervosas devido “”AO”” desvio translacional. As características comuns das lesões do tipo C são: a lesão das duas colunas, desvio rotacional, potencial para desvio translacional em todas as direções no plano horizontal, lesão de todos os ligamentos longitudinais e disco, fratura do processo articular (geralmente unilateral), fratura do processo transverso, luxação da costela ou fratura próxima à vértebra, avulsão lateral da placa vertebral, fratura irregular do arco neural, fratura assimétrica do corpo vertebral. Esses achados, que são típicos do torque axial, estão associados com os padrões fundamentais das lesões do tipo A e B, que ainda podem ser identificados. Uma vez que os padrões de lesões do tipo A e B já foram descritos, a descrição das lesões do tipo C ficará restrita somente às características das lesões especiais desse grupo de lesão (Fig. 9, 10 e 11).

Grupo C1 – Fraturas do tipo A com rotação – Esse grupo é composto pelas fraturas em cunha, separação (split) ou explosão, que estão associadas à rotação. Nas lesões do tipo A associadas à rotação, uma das partes laterais do corpo vertebral permanece intacta, de modo que o contorno normal do corpo vertebral (vértebra fantasma) pode aparecer na radiografia em perfil, juntamente com a fratura (Fig. 9).

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Grupo C2 – Fraturas do tipo B com rotação – As lesões mais freqüentes do tipo C2 são as variantes da flexãosubluxação associadas à rotação. As luxações unilaterais são menos freqüentes (Fig. 10).

Grupo C3 – Lesões por cizalhamento e rotação – As fraturas desse grupo são causadas por mecanismo

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envolvendo rotação e cizalhamento, e elas podem ser identificadas nas radiografias como uma linha de fratura oblíqua através do corpo vertebral. A primeira fratura do sub-grupo é a fratura descrita por Holdsworth, e denominada de slice fracture, na qual uma cunha óssea está cizalhada próxima da placa terminal. O outro tipo de fratura do subgrupo é identificado por uma fratura oblíqua que se estende de uma borda à outra do corpo vertebral (Fig. 11). DISCUSSÃO A classificação proposta pelo grupo AO tem recebido crescente aceitação, sendo no momento uma das mais empregadas, pois auxilia no entendimento da fisiopatologia da lesão e no seu planejamento terapêutico. Esta classificação não é recente, tendo sido desenvolvida por Magerl et al. (1994)(6) há mais de dez anos. Seus idealizadores organizaram as lesões em tipos, grupos e sub-grupos, e a experiência com a sua utilização tem demonstrado que essa sistematização é suficiente para a aplicação prática da mesma. Apesar de ser possível a divisão dos sub-grupos, a mesma possui validade apenas acadêmica, para a comparação mais homogênea de fraturas em ensaios clínicos. Na prática diária, a identificação do tipo, grupo e sub-grupo são suficientes para a caracterização da lesão e a elaboração de seu tratamento.

A classificação é baseada nas informações fornecidas pelos exames por imagem e, no futuro, o aprimoramento destes exames permitirá a identificação mais precisa de lesões das partes moles, que até o momento não podem ser identificadas com clareza. Esse fato tem grande importância nas lesões no tipo B, que em algumas ocasiões não são observadas na fase inicial da avaliação. Um aspecto muito importante da classificação, e que não tem sido muito bem explanado na sua apresentação, é que a mesma valoriza os achados do exame clínico dos pacientes (presença de hematoma, pontos dolorosos, falha na palpação dos processos espinhosos e ligamentos supra e interespinhosos), reforçando a necessidade do exame clínico e a sua correlação com os achados dos exames por imagem. A avaliação da estabilidade das fraturas da coluna tóracolombar faz parte da semiologia da lesão, e algumas considerações acerca desse termo merecem destaque. A definição de Whitesides (1972)(7) é a que mais auxilia no entendimento da instabilidade traumática da coluna vertebral: “A coluna vertebral estável deve ser capaz de suportar forças de compressão anterior através do corpo vertebral, forças de tensão posterior e rotação, sendo capaz de manter o corpo ereto sem o aparecimento de cifose progressiva e proteger o canal espinhal de lesões adicionais”. Segundo a definição de Whitesides (1972)(7), qualquer redução da capacidade da coluna vertebral em suportar forças de compressão, tensão ou rotação na posição ereta, pode ser considerada instabilidade. As fraturas do tipo A seriam primariamente instáveis às forças de compressão, as do tipo B às forças de distração, e as do tipo C às forças de rotação. Embora a instabilidade possa ser definida com a perda da resistência a uma força primária, é necessária uma definição mais precisa do tipo e grau da instabilidade para a programação do tratamento. Como exemplo, podemos citar a maioria das fraturas do tipo A, que são instáveis à compressão e estáveis à forças de distração, cizalhamento e

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rotação. A luxação anterior apresenta instabilidade às forças de flexão e cizalhamento anterior e, no entanto, após a sua redução ela é estável às forças de extensão e compressão. A instabilidade é progressiva do tipo A para o tipo C, e, também, em cada grupo (1 para 3). As fraturas do tipo A podem apresentar vários graus de instabilidade à força de compressão, dependendo da extensão da lesão do corpo vertebral, ocorrendo o mesmo com a estabilidade às forças de flexão, que pode estar mantida ou reduzida, dependendo do grau de lesão do corpo vertebral. No entanto, a estabilidade à flexão nunca é totalmente perdida (como pode ocorrer com a estabilidade à compressão), pois o complexo ligamentar posterior encontra-se íntegro nesse tipo de fratura. Não ocorre translação no plano horizontal nesse tipo de fratura, e na verdade as únicas fraturas estáveis ocorrem no tipo A, sendo que a estabilidade diminui progressivamente das fraturas estáveis A1 para as fraturas altamente instáveis A3. A integridade do complexo ligamentar posterior e do ligamento longitudinal anterior é a responsável pela manutenção da resistência às forças de distração, o que é muito importante em algumas modalidades de tratamento que utilizam a tração longitudinal (Harrington, fixador interno), impedindo a distração excessiva AO nível da fratura. Nas fraturas do grupo B1 e B2 a estabilidade à flexão está completamente perdida devido à rotura dos elementos estabilizadores posteriores; em algumas situações, ela também está associada com a perda da estabilidade para o cizalhamento anterior. Nas lesões associadas com fraturas do tipo A, adicionalmente a instabilidade está associada à redução da estabilidade à compressão axial. A estabilidade à extensão está geralmente preservada devido à integridade do ligamento longitudinal anterior, que as vezes encontra-se apenas descolado do corpo vertebral. Luxação ou sub-luxação anterior podem ocorrer, e mesmo na sua ausência o potencial para translação no plano sagital deve ser considerado. Nas fraturas do grupo B1 e B2 a aplicação de forças de tração posterior pode resultar em cifose ou no afastamento demasiado das vértebras. A estabilização desse tipo de lesão deve ser realizada por meio da aplicação de compressão posterior e, quando necessário, da restauração da resistência da coluna anterior às forças de compressão. A estabilização dessas fraturas pode ser obtida por meio de tratamento conservador (imobilização em hiperextensão), que é adequada para lesões predominantemente ósseas, nas quais a integridade das facetas articulares impede a translação anterior. O tratamento conservador pode ser também utilizado na fratura transversa das duas colunas (B2. 1), pois o atrito da grande superfície óssea fraturada impede o desvio anterior. No entanto, o tratamento cirúrgico (fixação e artrodese) deve ser realizado nas lesões discoligamentares, que possuem baixo potencial de cicatrização e conseqüente potencial de instabilidade crônica. As lesões do grupo B3 são instáveis à extensão e quando reduzidas são estáveis à compressão axial. As lesões que apresentam o complexo ligamentar posterior íntegro são também estáveis à flexão, contrariamente àquelas com lesão das estruturas posteriores (luxação posterior e algumas lesões com perda da resistência à tensão e cizalhamento). Desvio translacional anterior pode ser observado nas fraturas luxações por cizalhamento, enquanto que nas espondilólise por hiperextensão, somente o corpo vertebral desvia no sentido anterior. O desvio translacional posterior é típico das luxações posteriores. O tratamento cirúrgico está indicado nas lesões do grupo B3, pois o disco intervertebral encontra-se lesado. A artrodese anterior associada com fixação, que possui a função de tirante de tensão, ou imobilização pós-operatória em discreta flexão pode ser utilizada nas lesões cuja estabilidade à flexão esteja preservada. Nas luxações posteriores, e em algumas fraturas-luxações com cizalhamento, é necessária a fixação anterior e posterior. As fraturas do tipo C são instáveis AO torque axial, e a maioria dos casos apresenta ainda a instabilidade característica dos tipos A e B. A instabilidade rotacional é causada pelo próprio padrão de fratura do corpo vertebral ou pela avulsão das conexões de partes moles (disco, ligamentos, músculos) e fraturas de estruturas ósseas que influenciam a rotação (processo transverso, costela). Com exceção de algumas fraturas incompletas desse grupo, as fraturas do tipo C são as lesões mais instáveis, apresentando a maior incidência de lesão neurológica associada. O potencial para translação horizontal em todas as direções está presente na maioria dos casos. Um vez que essas lesões podem reduzir expontaneamente, a translação pode não ser observada nas radiografias. O tratamento cirúrgico é o de escolha nas lesões do tipo C, devido AO alto grau de instabilidade e baixo potencial de cicatrização das estruturas disco-ligamentares. Enquanto que nas lesões do tipo A e B a fixação interna deve resistir AO encurtamento, flexão ou extensão, e em algumas situações AO cizalhamento no plano sagital. Nas lesões rotacionais do tipo C a fixação interna deve resistir AO torque axial e algumas vezes AO cizalhamento no plano horizontal.

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