Civil v - Notas Externas I

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PUC MINAS – Unidade São Gabriel DIREITO CIVIL IV – 6º Período Prof. Anderson Avelino I. INTRODUÇÃO Direito das Coisas ou Direitos Reais 1. Conceito : “É o complexo das normas reguladoras das relações jurídicas referentes às coisas suscetíveis de apropriação pelo homem.” (Clóvis Beviláqua). - bens móveis ou imóveis objeto de apropriação pelo homem; - excluem-se aqueles bens/coisas que a utilização é inesgotável, como as destinadas ao uso comum da humanidade: o ar, a luz solar, o oceano e os bens públicos. Esses não interessam ao Direito das Coisas. - o Direito das Coisas, em geral, compreende apenas os bens materiais. O Código Civil Brasileiro adotou também os direitos autorais, considerando-os como propriedade imaterial, reconhecendo ainda, o seu aspecto moral, decorrente da personalidade do autor. 2. Distinção entre direitos reais e obrigacionais a) Teoria Realista, tradicional ou clássica O direito real significa o poder da pessoa sobre a coisa, numa relação que se estabelece diretamente e sem intermediário. O direito de crédito requer sempre a interposição de um sujeito passivo, devedor da prestação, seja esta de dar, fazer ou não fazer. O direito real se caracteriza pela utilização da coisa sem qualquer intermediário, enquanto no direito obrigacional o sujeito ativo necessita da intermediação do sujeito passivo (devedor). b) Teoria Personalista Não aceita uma relação jurídica diretamente entre a pessoa do sujeito e a própria coisa. No direito de crédito há dois sujeitos em confronto: o sujeito ativo e o sujeito passivo, que se vincula ao primeiro e lhe deve a prestação. A relação jurídica se forma entre pessoas determinadas. No direito real existe um sujeito ativo, o titular do direito real, e há uma relação jurídica, que não se estabelece com a coisa, pois esta é objeto do direito, mas tem a faculdade de opô-la erga omnes. Assim, estabelece-se a relação jurídica entre o sujeito ativo (titular do direito real) e o sujeito passivo (a generalidade anônima dos indivíduos ou sujeito passivo universal). O sujeito passivo universal tem que se abster à prática de qualquer ato tendente a lesar o proprietário. Está obrigado a respeitar o direito do titular. Exceções que não desfiguram a teoria personalista: - direito real com devedor determinado. Ex.: constituição de renda sobre imóvel. - direito com obrigação real. Ex.: obrigações propter rem o obrigações ob rem (IPTU, IPVA, contribuição condominial) – são situações nas quais o 1

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PUC MINAS – Unidade São GabrielDIREITO CIVIL IV – 6º PeríodoProf. Anderson Avelino

I. INTRODUÇÃO

Direito das Coisas ou Direitos Reais

1. Conceito: “É o complexo das normas reguladoras das relações jurídicas referentes às coisas suscetíveis de apropriação pelo homem.” (Clóvis Beviláqua).- bens móveis ou imóveis objeto de apropriação pelo homem;- excluem-se aqueles bens/coisas que a utilização é inesgotável, como as destinadas ao uso comum da humanidade: o ar, a luz solar, o oceano e os bens públicos. Esses não interessam ao Direito das Coisas.- o Direito das Coisas, em geral, compreende apenas os bens materiais. O Código Civil Brasileiro adotou também os direitos autorais, considerando-os como propriedade imaterial, reconhecendo ainda, o seu aspecto moral, decorrente da personalidade do autor.

2. Distinção entre direitos reais e obrigacionaisa) Teoria Realista, tradicional ou clássicaO direito real significa o poder da pessoa sobre a coisa, numa relação que se estabelece diretamente e sem intermediário. O direito de crédito requer sempre a interposição de um sujeito passivo, devedor da prestação, seja esta de dar, fazer ou não fazer.O direito real se caracteriza pela utilização da coisa sem qualquer intermediário, enquanto no direito obrigacional o sujeito ativo necessita da intermediação do sujeito passivo (devedor).

b) Teoria PersonalistaNão aceita uma relação jurídica diretamente entre a pessoa do sujeito e a própria coisa.No direito de crédito há dois sujeitos em confronto: o sujeito ativo e o sujeito passivo, que se vincula ao primeiro e lhe deve a prestação. A relação jurídica se forma entre pessoas determinadas.No direito real existe um sujeito ativo, o titular do direito real, e há uma relação jurídica, que não se estabelece com a coisa, pois esta é objeto do direito, mas tem a faculdade de opô-la erga omnes. Assim, estabelece-se a relação jurídica entre o sujeito ativo (titular do direito real) e o sujeito passivo (a generalidade anônima dos indivíduos ou sujeito passivo universal). O sujeito passivo universal tem que se abster à prática de qualquer ato tendente a lesar o proprietário. Está obrigado a respeitar o direito do titular.

Exceções que não desfiguram a teoria personalista:- direito real com devedor determinado. Ex.: constituição de renda sobre imóvel.- direito com obrigação real. Ex.: obrigações propter rem o obrigações ob rem (IPTU, IPVA, contribuição condominial) – são situações nas quais o proprietário é por vezes sujeito de obrigações apenas porque é proprietário (ou possuidor), e qualquer pessoa que o suceda assumirá essa obrigação.=> Mesmo nestes casos prevalece a oponibilidade erga omnes a todo aquele que receba, detenha ou adquira a coisa vinculada.

Teoria mais aceita:- Caio Mário da Silva Pereira: teoria personalista, pois todo direito se constitui entre humanos, pouco importando a indeterminação subjetiva. Assim, a teoria realista é mais pragmática e a teoria personalista é mais científica.- Washington de Barros Monteiro: nosso sistema legal está filiado à teoria clássica – homem sobre à coisa.

3. Características – quadro comparativo:

Direito Real (jus in re) Direito Obrigacional (jus ad rem)

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1. oponível erga omnes (direito absoluto) 1. oponível a um sujeito determinado (direito relativo)

2. relação sujeito - objeto 2. relação sujeito - sujeito

3. exige existência atual da coisa 3. a existência pode ser futura

4. é, em geral, permanente 4. é, em geral, transitório

5. pode se adquirir por usucapião 5. não admite aquisição por usucapião

6. não se extingue pela falta de exercício, até que se constitua uma situação contrária, em proveito de outro titular.

6. extingue-se pela inércia do sujeito (prescrição).

7. direito de sequela = o seu titular pode perseguir, ir buscar o objeto de seu direito com quem quer que esteja.

7. não tem direito de sequela. O credor tem como garantia geral numa execução forçada o patrimônio do devedor.

8. o titular do direito real tem preferência em caso de falência ou concurso creditório, na venda da coisa gravada

8. o titular é credor quirografário (não tem preferência)

9. o titular pode abandonar a coisa quando não suportar seus encargos.

9. o titular não tem esse direito.

10. os direitos reais são suscetíveis de posse.

10. os direitos obrigacionais não são suscetíveis de posse.

11. limitação legal – numerus clausus (motivo: restrição do uso de bens). Art. 1.225, CC.

11. podem ser criados infinitamente – numerus apertus.

4. Classificação:

4.1 – Direito real sobre coisa própria: propriedade (direito real pleno)

4.2 – Direitos reais sobre coisa alheia:a) direitos reais limitados de fruição ou gozo: enfiteuse, servidão, uso, usufruto, habitação,

renda constituída sobre imóvel e direito de superfície.b) direitos reais de garantia: hipoteca, anticrese, penhor, propriedade fiduciária (alienação

fiduciária em garantia).c) posse.

4.3 – Direito real de aquisição: promessa irrevogável de venda (NCC).

II. POSSE

1. TEORIAS – JHERING E SAVIGNY

1.1 – Teoria subjetiva (clássica) de SavignyNesta concepção, a posse seria o poder que a pessoa tem de dispor fisicamente de uma coisa, com intenção de tê-la para si e defendê-la contra a intervenção de outrem.Assim, a posse apresenta dois elementos constitutivs:

a) corpus: é o elemento material que se traduz no poder físico da pessoa sobre a coisa, possibilitando sua imediata oposição em face de terceiros;

b) animus: é o elemento volitivo. Consiste na intenção de exercer o direito de proprietário, de se sentir o dono da coisa, mesmo não sendo. Só há posse onde houver animus domini.

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Para Savigny é uma fórmula matemática: P = C + A.Excepcionalmente, nas situações em que alguém atue materialmente sobre a coisa sem o animus, teríamos a mera detenção, como nos casos do locatário, comodatário, usufrutuário e outras pessoas que entraram na coisa em virtude de relação jurídica. Por esta teoria, os detentores não fariam jus à tutela possessória, exatamente pela falta do elemento volitivo.Diante da ênfase ao aspecto anímico, esta teoria ficou conhecida como subjetiva.

1.2 – Teoria objetiva de JheringPara Jhering, fundamental é estabelecer a diferença entre as noções de posse e propriedade. Assim, a posse seria o poder de fato e a propriedade o poder de direito sobre a coisa.Por esta teoria, se alguém subtrai a coisa, obteria posse injusta, mas, se o proprietário livremente transferisse o poder de fato, o possuidor obteria posse justa.Desta forma, independentemente da condição de proprietário, possuidor seria quem concedesse destinação econômica à coisa, isto é, visibilidade ao domínio.A teoria objetiva repele a teoria subjetiva, que se baseia no elemento puramente subjetivo (animus), pois entende que este já está implícito no poder de fato exercido sobre a coisa. A fórmula de Jhering é P = C, indicando que a posse é reconhecível externamente por sua destinação econômica, independentemente de qualquer manifestação volitiva do possuidor, sendo suficiente que ele proceda em relação à coisa como se comportaria o proprietário em relação ao que é seu, mesmo reconhecendo o domínio alheio.Aqueles considerados meros detentores na teoria clássica, são considerados possuidores pela teoria objetiva. Outrossim, por dispensar a intenção de dono, a doutrina objetiva consagra a admissibilidade da coexistência das posses direta e indireta.Pela teoria objetiva amplia-se o rol dos possuidores, estendendo-se a proteção possessória àqueles que se conduzem como presumíveis proprietários (meros detentores), podendo esses agirem por conta própria. Boa-fe

1.3 – Teoria adotada pelo Código Civil BrasileiroO novo Código Civil se filia à teoria objetiva, com uma nítida concessão à teoria subjetiva no tocante ao usucapião como modo aquisitivo da propriedade que demanda o animus domini de Savigny. Art. 1.196 (posse) e 1.238 (usucapião).Com a teoria objetiva ficou claro que a distinção entre posse e detenção não pode depender exclusivamente do arbítrio do sujeito. Há que se examinar em cada caso se o ordenamento protege a relação com a coisa. Quando não houver proteção, existe mera detenção.Art. 1.198 – situação em que o próprio Código exclui a posse.Neste caso tem-se o fâmulo da posse ou servidor da posse, o qual possui relação com a coisa em nome do dono ou do verdadeiro possuidor. O ordenamento retira do sujeito os característicos da posse. Exemplos: administradores de propriedade imóvel; os empregados em relação às ferramentas e equipamentos de trabalho fornecidos pelo empregador.=> Assim, o conceito amplo de posse, descrito no art. 1.196 do CC, deve ser examinado em consonância com o art. 1.198 e, também, com a ressalva do art. 1.208.2. NATUREZA DA POSSEA tendência majoritária na doutrina é aceitar a posse como direito subjetivo, pois ele surge quando a lei concede a um fato consequências jurídicas em prol de alguém, conferindo-lhe ação assecuratória.Para autores como Caio Mário e Orlando Gomes, baseando-se em Jhering, a posse seria um direito real, pois contém os seus três elementos estruturais: a) uma coisa como objeto – e não uma prestação; b) sujeição direta e imediata do objeto ao titular – o possuidor atua imediatamente sobre a coisa, sem necessidade da colaboração de terceiros; c) eficácia erga omnes – o titular possui a faculdade de exigir de toda a comunidade um dever de abstenção, consistente em respeito à situação fática, permitindo ao possuidor o exercício dos elementos constitutivos do direito que exterioriza.Há doutrinadores, como Silvio Rodrigues, Nelson Nery e Darcy Bessone, que entendem a posse como direito pessoal, pois essa não foi expressamente elencada como direito real no art. 1.225 do Código Civil, nem em outra legislação esparsa. Alegam, ainda, a falta de registro da posse no ofício imobiliário. Assim, a posse seria inoponível erga omnes, carecendo dos atributos da sequela, preferência e publicidade, uma vez que os direitos reais imobiliários apenas nascem com o registro. A posse pode resultar de uma relação obrigacional, como um contrato de locação, comodato ou

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arrendamento. Nestes casos, não há dúvida que a posse direta não pode ser conceituada como direito real.

2.1 – Natureza da posse com base em concepções sociológicasTutela-se a posse como direito pessoal especial – inserido entre os direitos de personalidade – em atenção à superior previsão constitucional do direito primário à moradia (art. 6º., CF) e o acesso aos bens vitais mínimos hábeis a conceder dignidade à pessoa humana (art. 1º., III, CF). A oponibilidade erga omnes da posse não deriva da condição de direito real patrimonial, mas do atributo absoluto e extrapatrimonial da proteção da moradia como local de resguardo da intimidade e desenvolvimento da personalidade do ser humano e da entidade familiar.As modernas teorias sociológicas da posse procuram demonstrar que a posse não é um apêndice da propriedade, ou a sua mera aparência. Trata-se de um fenômeno de relevante densidade social, com autonomia em relação à propriedade e aos direitos reais.Assim, a posse deve ser protegida por ser um fim em si mesma, não a projeção de um outro direito pretensamente superior (propriedade). A posse é protegida por sua função social determinante e não pelos seus eventuais efeitos – acesso aos interditos possessórios e usucapião.Pode-se fazer um paralelo da posse e propriedade com a união estável e o casamento. Não há subordinação ou primazia de uma entidade familiar sobre a outra; ambas são merecedoras de idêntica tutela constitucional.

3. OBJETO DA POSSEDe acordo com o Novo Código Civil, podem ser objeto da posse as coisas corpóreas e os direitos reais (usufruto e servidão) ou pessoais (locação e comodato) que recaiam sobre coisas corpóreas. Assim, só se verifica a posse no poder de fato sobre a coisa, conforme a teoria objetiva. A materialidade é imprescindível.Protege-se também a posse de bens imateriais quando suscetíveis de uso e apropriação, como ocorre com a marca comercial e os símbolos que a acompanham. O direito autoral patrimonial é propriedade, sendo tratado como bem móvel pelo art. 3º. da Lei n. 9.610/98. Entretanto, os meios utilizados para essa proteção são diferentes dos adotados para os bens materiais (Súmula 228/STJ). Para proteção do titular dos direitos incorpóreos são conferidos outros meios processuais, tratados nas Leis n. 9.279/96 (patentes), 9.610/98 (direitos autorais) e 9.609/90 (software).

4. DESDOBRAMENTO DA POSSE4.1 – Conceito: fenômeno que se verifica quando o proprietário efetiva relação jurídica com terceiro, transferindo-lhe o poder de fato sobre a coisa. Na vigência dessa relação, desdobra-se a posse em direta (do locatário, usufrutuário, comodatário, etc.) e indireta (do proprietário).

Verifica-se apenas quando a coisa pertencente a alguém é entregue a outra pessoa para que a utilize como decorrência de relação jurídica de direito real (por exemplo, penhor, usufruto, propriedade fiduciária) ou pessoal (por exemplo, comodato, locação).

4.1.1 – POSSE DIRETA é adquirida pelo não-proprietário, correspondente à apreensão física da coisa.

Características: a) temporariedade, pois o desdobramento da posse se baseia em relação transitória de direito.

b) subordinada ou derivada: a atuação do possuidor direto é limitada ao âmbito de poderes transferidos pelo possuidor indireto, de acordo com a espécie de relação jurídica.

4.1.2 – POSSE INDIRETA: é a que o proprietário conserva quando temporariamente cede a outrem o poder de fato sobre a coisa.

Posses paralelas: é a coexistência pacífica, decorrente do desdobramento da relação possessória.

Art. 1.197, Código Civil – admissão do desdobramento da posse.Ambos os possuidores podem defender suas posses isoladamente contra terceiros, por meio

das ações possessórias, independentemente de assistência mútua (litisconsórcio). Os possuidores também defendem sua posse um contra o outro, mesmo que o art. 1.197 do CC. enuncie apenas que pode “o possuidor direto defender a sua posse contra o indireto”, pois, por exemplo, se o possuidor

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direto oferece resistência à devolução da coisa no termo final para restituição, o possuidor indireto pode adotar ação possessória contra aquele.

O desdobramento da posse pode comportar uma verticalização em vários graus, concebendo-se, assim, uma tripartição da posse.

Ex.: Locador/Locatário (possuidores indiretos) – Sublocatário (possuidor direto)A posse direta será sempre uma, isto é, caberá àquele que mantiver atuação material sobre a

coisa. A posse indireta pode ser fracionada.

5. CLASSIFICAÇÃO DA POSSE5.1 – POSSE JUSTA E INJUSTA

5.1.1 – POSSE JUSTA é aquela cuja aquisição não repugna ao direito, isenta de vícios de origem, posto não ter sido obtida pelas formas enunciadas no art. 1.200 do C.C.

5.1.2 – POSSE INJUSTA OU ILEGITÍMA é a que se instala por modo proibido e vicioso. Subdivide-se em três categorias:

a) posse violenta: adquire-se pelo uso da força (vis absoluta) ou pela ameaça (vis compulsiva). É a posse do esbulhador, do que expulsa o legítimo possuidor do imóvel. Importa a agressão física ou intimidação contra quem esteja protegendo a posse. Trata-se de vício objetivo da posse. Ver também art. 161, II, CP (esbulho possessório).

Se o possuidor agredido reagir prontamente ao ato de violência, ainda não haverá posse violenta (injusta). Esta só se concretizará no instante em que cessar a reação de defesa, isto é, quando o possuidor esbulhado não mais resistir à ocupação. (arts. 1.208, §1.º do art. 1.210, CC.).

b) posse clandestina: é a posse que se constitui às escondidas. É a posse do invasor que se apossa de terreno sem o consentimento do dono. É necessário demonstrar que o arrebatador deseja camuflar o ato de subtração daquele que é esbulhado, praticando condutas que evidenciam mantê-lo em situação de completa ignorância diante do fato. Ex.: invasão de casa de praia fora de temporada de férias. Também trata-se de vício objetivo da posse.

c) posse precária: resulta do abuso de confiança do possuidor que indevidamente retém a coisa além do prazo avençado como término da relação que originou a posse.Ex.: a posse do locatário que, condenado ao despejo, não restitui a coisa no tempo fixado.

Na posse precária há sempre uma relação de ato ou negócio jurídico por parte de um possuidor a outro. Trata-se de vício objetivo da posse.

A posse precária também pode ser consequência de uma situação inicial de detenção sobre a coisa (art. 1.198, CC – fâmulo da posse).

Pode-se fazer um paralelo com direito penal: posse violenta (art. 157, CP – roubo); posse clandestina (art. 155, CP – furto) e posse precária (art. 168, CP – apropriação indébita).

Os três vícios objetivos da posse se qualificam como relativos, pois são oponíveis apenas por aquele que sofreu o esbulho em virtude da aquisição ilícita da posse. O esbulhador poderá alegar posse justa no confronto com outras pessoas, obtendo respaldo judicial em face de eventuais agressõs.Exemplo: A tem seu imóvel esbulhado por B. B tem o mesmo imóvel esbulhado por C. B poderá alegar posse justa contra C, mas não terá a mesma defesa contra A.

Observação: Art. 1.200 – posse injusta em sentido restrito (ação possessória).Art. 1.228 – posse injusta em sentido amplo (ação reivindicatória).

5.2 – POSSE DE BOA-FÉ E DE MÁ-FÉ 5.2.1 – POSSE DE MÁ-FÉ: vício subjetivo que decorre da ciência do possuidor no tocante à

ilegitimidade de sua posse.5.2.2 – POSSE DE BOA-FÉ: é concebida de modo negativo (art. 1.201, CC). É definida quando

o possuidor, por meio de erro escusável, ignora o vício que lhe impede a aquisição da coisa ou do direito possuído.

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Caberá ao interessado e não ao possuidor o ônus probatório quanto à má-fé, devendo trazer elementos que demonstrem o prévio conhecimento pelo possuidor da situação de ofensa ao direito alheio.

A posse de boa-fé pode transformar-se em posse de má-fé, a partir do momento que o possuidor toma conhecimento do vício. Ex.: citação ou algum outro modo de interpelação judicial que culmine em processo que venha posteriormente validar a pretensão de quem pleiteie a restituição da coisa (art. 1.202, CC).

Não se confunde posse justa e de boa-fé, pois um possuidor de boa-fé pode ter posse injusta (adquirida de quem a obteve com violência, clandestinidade e precariedade). Também é possível a posse de má-fé, mas não injusta.

Aplicação prática da distinção entre a boa-fé e a má-fé na posse: arts. 1.214, 1.219 e 1.242, CC.

5.3 – POSSE COM JUSTO TÍTULO Justo título é a causa hábil para constituir a posse, como o contrato de locação, de comodato,

de depósito, de compra e venda, de doação, etc. (art. 1.201, parágrafo único do CC.)O justo título configura estado de aparência que permite concluir estar o sujeito usufruindo de

boa posse. Pode ser tanto aquele existente, mas defeituoso, como aquele inexistente que o possuidor reputa como tal.

Presume-se relativamente (juris tantum) a boa-fé quando o possuidor detém justo título.

6. COMPOSSE6.1 – CONCEITO: é uma situação excepcional consistente na posse comum e de mais de uma pessoa sobre a mesma coisa, que se encontra em estado de indivisão. (art. 1.199, CC).Posse = exercício de fato da propriedade.Composse = todos os possuidores utilizando a coisa diretamente, desde que não excluam uns aos outros.

6.2 – CARACTERÍSTICAS:- comuhão pro indiviso: várias pessoas exercem simultaneamente ingerência fática sobre um bem, sem que as partes sejam localizadas, contando cada qual com uma fração ideal sobre a posse.- é possível o esbulho possessório de um compossuidor contra outro, quando há prática de conduta individual excludente.- pelo fato de cada compossuidor deter uma parte abstrata (ideal) da coisa, é possível invocar isoladamente a proteção possessória contra terceiros, para o resguardo da posse sobre a área comum.- Exemplos de composse: condôminos sobre as áreas comuns de um prédio; co-herdeiros sobre o acervo hereditário, enquanto não realizada a partilha.- Não se confundem composse e desdobramento da posse. Na primeira todos os possuidores se encontram no mesmo plano.

7. DETENÇÃO- Savigny: ausência de animus domini por parte daquele que detém o poder físico sobre a coisa;- Jhering: diferencia detentor e possuidor pela regulamentação do direito objetivo.

7.1 – CONCEITO: A detenção (ou tença) é uma posse degradada, posto que juridicamente desqualificada pelo ordenamento vigente. Em algumas situações, alguém que possui poder fático sobre a coisa (o detentor), não tem a proteção jurídica porque assim entendeu o legislador.

7.2 – Hipóteses de detenção previstas no Código Civil: a) servidores ou fâmulos da posse: art. 1.198. Exercitam atos de posse em nome alheio como mero instrumento da vontade de outrem.- não é necessária a existência de contrato formal de trabalho ou remuneração como contraprestação aos serviços praticados. Basta visualizar um vínculo social de subordinação pelo qual alguém atua materialmente sobre a coisa, porém sem autonomia.- ver art. 62 do CPC.

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b) permissão ou tolerância: art. 1.208. O proprietário coloca a coisa à disposição de um usuário sem que entre ambos se forme um negócio jurídico. Em geral, nestas situações há poder de uma parte sobre a outra, ensejando o chamado direito potestativo. Assim, a parte “submissa” não poderá evitar que a outra, unilateralmente, desconstitua sua situação fática sobre a coisa. O usuário se encontra em situação de poder transitório e efêmero sobre a coisa.- permissão: nasce de autorização expressa do verdadeiro possuidor para que terceiro utilize a coisa.- tolerância: resulta de consentimento tácito ao uso da coisa por terceiro. Há dificuldade na visualização prática da tolerância. Quem deve prová-la é aquele que deseja demonstrar que o usuário agiu como detentor e não como possuidor.- exemplo: uso da vaga de garagem do vizinho.

c) prática de atos de violência ou clandestinidade: art. 1.208, parte final. A violência e a clandestinidade, enquanto existentes, impedem a aquisição da posse. Os ilícitos cometidos sobre a coisa configuram simples atos de detenção, tornando-se posse após a efetiva cessação de tais condutas antijurídicas.- ver art. 1.228, CC: “(...) injustamente a possua ou detenha”; o detentor nos casos de violência ou clandestinidade é o único caso de legitimado passivo na ação reivindicatória. Nos outros casos de detenção aplica-se o art. 62 do CPC.

d) atuação em bens públicos de uso comum do povo ou bens públicos especiais: art. 100, CC.

Bens públicos

- Detenção de bens públicos de uso comum ou uso especial: caso concreto de detenção por opção legislativa, pois tais bens não são passíveis de apropriação pelo particular, pois há vinculação jurídica da coisa a uma finalidade pública.

- Admite-se, outrossim, a posse por particulares dos bens públicos dominicais ou patrimoniais, utilizados pelo Estado como particular. São bens esvaziados de destinação pública, alienáveis, podendo ser objeto de posse autônoma e de contratos regidos pelo Código Civil (locação, arrendamento). A única restrição é a prescrição aquisitiva (usucapião). Os bens públicos especiais também serão passíveis de de posse pelo particular quando houver o processo de desafetação do bem.

8. INTERVERSÃO DA POSSE8.1 – Conceito: trata-se da alteração (inversão) no caráter da posse.- art. 1.203, CC: presunção juris tantum;- unilateralmente não é permitido ao possuidor sanar arbitrariamente eventuais vícios objetivos ou subjetivos da posse.

8.2 – A doutrina admite duas situações provenientes de fatos externos capazes de inverter a causa possessionis:a) fato de natureza jurídica: a posse objetiva ou subjetivamente viciada pode ter os vícios de origem sanados pela relação jurídica de direito real ou pessoal.Exemplos: contrato de compra e venda de imóvel sanando a posse violenta; novo contrato de comodato sanando a posse precária. Em ambos, a posse injusta se converte em justa por meio de relações jurídicas.Neste caso, a inversão da posse é bilateral, pois exige o acordo de vontades para alteração do caráter primitivo da posse.

b) fato de natureza material: é a manifestação por atos exteriores e prolongados do possuidor da inequívoca intenção de privar o proprietário do poder de disposição sobre a coisa.Exemplo: servidor da posse ou locatário que insistem em permanecer no local de origem (posse precária). Os possuidores esbulhados têm ação de reintegração de posse.

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de uso comum do povo

especiais (emprego em atividade estatal)

dominicais ou patrimoniais

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Se estes possuidores esbulhados não procuram se defender da posse injusta, denota o abandono da coisa que, se for por longo tempo, será capaz de alterar o caráter da posse.Assim, esta posse precária não é apta a gerar usucapião, mas com a inversão da posse o possuidor adquire o animus domini e, conseqüentemente, autonomia.A maior parte dos tribunais não admite essa alteração da causa possessionis, analisando-a com muita cautela. Entretanto, a moderna teoria da função social da propriedade1 ampara esta idéia, pois não se pode privar de usucapião o possuidor que mantém poder de fato sobre a coisa, sem oposição e com autonomia por longos anos, em detrimento do proprietário que abandona o objeto de seu direito e esvazia o conteúdo econômico de seu domínio.- Ver parágrafo único do art. 1.198, CC, que admite a inversão da posse no caso do detentor.

9. MODOS DE AQUISIÇÃO E PERDA DA POSSE9.1 – AQUISIÇÃO DA POSSEPela teoria objetiva adotada pelo Código Civil, possuidor é aquele que tem de fato o exercício, pleno ou não, de algum dos poderes inerentes ao domínio2. Assim, qualquer um que esteja nessa situação terá adquirido a posse. (art. 1.203, CC)

9.1.1 - Há distinção entre as aquisições das posses civil e natural:- posse civil: é adquirida por força de relação jurídica, sem necessidade de apreensão material da coisa. Sua obtenção é condicionada à satisfação dos requisitos de validade do negócio jurídico (art. 104, CC), podendo, portanto, serem constatados eventuais defeitos que podem ensejar a sua nulidade ou anulabilidade.- posse natural: sua aquisição resulta de um simples fato que provoca conseqüências jurídicas, livre de qualquer base dominial. Aqui existe o chamado ato-fato, espécie de fato jurídico em que é suficiente uma conduta humana de ocupação de um bem para que o ordenamento jurídico acautele a posse como situação autônoma à propriedade, sem que seja necessário aferir a vontade qualificada do possuidor. Não existe qualquer relação jurídica entre o novo possuidor e um possuidor ou proprietário precedente, o que elimina a possibilidade de vícios que maculem essa posse.

9.1.2 - Sujeitos de aquisição da posse: art. 1.205, CC – mais comumente na aquisição da posse civil.

9.1.3 – União das posses: art. 1.207, CC – reduzem-se diferentes posses a uma só. Espécies:a) sucessio possessionis (por sucessão causa mortis): transmitindo-se um patrimônio inteiro, os herdeiros continuam a posse dos bens da herança. Não se pode destacar a nova posse da antiga (art. 1.784, CC – saisine). Nesta situação o espólio tem legitimação ativa para o ajuizamento da ação de usucapião após a conclusão do prazo para prescrição aquisitiva (art. 12, V, CPC).b) accessio possessionis (por acessão): sempre se verifica inter vivos e por meio de uma relação jurídica. O sucessor singular tem a faculdade de unir a sua posse à do antecessor. Se o desligamento ocorrer, sua posse estará livre dos vícios que maculavam a relação possessória anterior.

9.2 – PERDA DA POSSEA perda da posse se dá no momento que cessa o poder de agir sobre o bem (art. 1.223, CC).

10. EFEITOS DA POSSE10.1 – DIREITO AOS FRUTOSFrutos são as utilidades que a coisa periodicamente produz, sem perda de sua substância. Categorias: frutos naturais : renovam-se periodicamente pela força da natureza, ex.: colheitas. frutos industriais : decorrem da atuação do engenho humano sobre a natureza, ex.: produção de

uma fábrica. frutos civis : rendas periódicas provenientes da utilização de uma coisa frutífera por outrem que

não o proprietário, ex.: juros e aluguéis.

1 Neste caso, a função social da propriedade passa a ser exercida pelo precarista ao conceder destinação econômica ao bem em nome próprio. Prevalece o direito fundamental social de moradia.2 Usar, gozar, dispor e reivindicar.

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Os frutos normalmente pertencem ao proprietário. Mas, atendendo à função social da propriedade, o possuidor de boa-fé tem o direito à percepção dos frutos enquanto assim permanecer a posse, em detrimento do proprietário que a abandonou (arts. 1.214 e 1.232, CC). A aquisição dos frutos está subordinada a duas condições: 1) que tenham sido separados e 2) que a percepção tenha ocorrido antes de cessar a boa-fé.

Importante é saber o momento da percepção dos frutos e o estado de boa-fé ou má-fé do possuidor. Assim, os frutos podem ser denominados: percebidos, pendentes, colhidos com antecipação e percepiendos.

No momento em que cessa a boa-fé o possuidor tem direito aos frutos percebidos tempestivamente, mas não faz jus aos pendentes. Os frutos pendentes, colhidos por antecipação e percepiendos são reservados ao reivindicante da posse (art. 1.214, parágrafo único e art. 1.216, CC).

O possuidor de má-fé se responsabiliza pela perda ou deterioração da coisa, ainda que o evento lesivo tenha sido determinado pelo fortuito (art. 1.218, CC) – caso de responsabilidade civil objetiva pelo risco integral. Somente se desonera da responsabilidade se provar que o fato se verificaria mesmo que lá não mais permanecesse, como por exemplo, no caso da queda de um raio que provoca a destruição de uma casa.Já o possuidor de boa-fé não responderá pela perda ou deterioração da coisa, salvo quando agir com culpa lato sensu (art. 1.217, CC).

10.2 – DIREITO ÀS BENFEITORIASBenfeitorias: consistem em obras ou despesas em coisa alheia3, efetuadas para fins de conservação, melhoramento ou embelezamento.As benfeitorias têm caráter acessório pelo Código Civil (arts. 92 e 96, CC). Assim, as benfeitorias realizadas pelo possuidor incorporam-se ao patrimônio do proprietário, pois a regra é que o acessório segue o principal.Art. 96 – classificação das categorias de benfeitorias. Cabe observar no caso concreto o critério da essencialidade: - a obra ou despesa é essencial à conservação da coisa principal?- apenas introduz um melhoramento?- é de mero deleite?Exemplos: pintura da casa pelo possuidor será benfeitoria necessária se evitou a deterioração do bem; mas pode ser voluptuária se executada por questões estéticas.A colocação de uma piscina para o lazer da família é benfeitoria voluptuária; mas pode ser útil se servir a uma escola; e, ainda, necessária, se for instalada numa escola de natação.

10.2.1 – Efeitos econômicos derivados das benfeitorias: decorrem da boa-fé ou má-fé do possuidor e da natureza das obras ou despesas.Art. 1.219 – possuidor de boa-fé: - benfeitorias necessárias 4 e úteis 5 : direito à indenização por essas benfeitorias, além do direito de retenção 6 da coisa principal até o ressarcimento dos gastos com essas. - benfeitorias voluptuárias: poderão ser levantadas (retiradas), desde que essa opção seja possível, isto é, sem danificar a coisa principal, caso contrário, não cabe pretensão indenizatória.

Art. 1.220 – possuidor de má-fé:- benfeitorias necessárias: ressarcimento. Não tem direito à retenção.- benfeitorias úteis: não tem qualquer direito.- benfeitorias voluptuárias: não tem direito a levantá-las, nem à indenização.

3 Quando o proprietário faz obras ou despesas no seu próprio bem, estas não podem ser conceituadas como benfeitorias, por inexistir conseqüèncias jurídicas nessa atuação. (Entendimento doutrinário, contrário ao art. 97, CC.4 Exemplo: colocação de novos alicerces evitando a ruína de casa antiga.5 Exemplo: colocação de grades nas janelas para segurança do prédio.6 Consiste na faculdade de o possuidor manter o poder fático sobre a coisa alheia, como forma de constranger o retomante a pagar a indenização.

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Art. 1.222 – Diferença do valor da indenização das benfeitorias necessárias realizadas pelo possuidor de boa-fé e de má-fé:

a) possuidor de boa-fé: receberá a indenização sempre baseada no valor real do bem ao tempo da evicção.

b) Possuidor de má-fé: o retomante pode optar entre pagar o valor atual e o valor ao tempo da realização das benfeitorias necessárias. Trata-se de uma obrigação alternativa fixada pela lei ao devedor. As benfeitorias podem ter valor inferior ou superior ao seu custo.

Contrato de locação de imóvel:- ver art. 35 da Lei n. 8.245/91;- ver Súmula 158 do STF. Neste caso específico não se aplica a regra geral de oponibilidade das benfeitorias erga omnes. Desta forma, por cautela, o locatário deve averbar o contrato de locação no Cartório de Registro de Imóveis7, para resguardar o seu direito de indenização pelas benfeitorias necessárias e úteis, no caso de transferência do imóvel.* O que é:- Matrícula: tempor finalidade individualizar o imóvel. Pode-se dizer que é a sua “certidão de nascimento”. Só se modifica com o desmembramento e fusão do imóvel.- Registro: é gênero e tem como fundamento um ato jurídico de disposição total ou parcial da propriedade. Suas espécies são: transcrição – qualquer ato de transmissão imobiliária, ex.: alienação; inscrição – ônus real que não transmite propriedade, ex.: hipoteca, penhora, bem de família.- Averbação: todo ato que não seja registro. São alterações secundárias que não modificam a essência do registro, mas alteram as características físicas do imóvel (ex.: construção ou demolição) ou a qualificação do titular do direito real (ex.: certidão de casamento, pacto antenupcial).

Contrato de comodato:- ver art. 584, CC. Entretanto, as benfeitorias necessárias derivadas de despesas extraordinárias são reembolsáveis e ensejam o direito de retenção, sob pena de permitir-se enriquecimento ilícito pelo comodante.

10.3 – DIREITO AO (OU A) USUCAPIÃOÉ um dos efeitos mais importantes da posse. Entretanto, será visto como modo de aquisição da propriedade.

10.4 – DIREITO ÀS AÇÕES POSSESSÓRIASAções Possessórias: são remédios processuais (também chamados interditos possessórios) de que se vale o possuidor para defender sua posse. O que distingue uma ação da outra é o grau de agressão à posse. Começando da menos hostil, temos: - interdito proibitório: quando deriva de ameaça;- ação de manutenção de posse: turbação, a ameaça é intensificada;- ação de reintegração de posse: esbulho, quando o possuidor é excluído da coisa.1.ª – AÇÃO DE REINTEGRAÇÃO DE POSSE (arts. 1.210 do CC e 920 do CPC)Restitui a posse àquele que a tenha perdido em razão de um esbulho, sendo privado do poder físico sobre a coisa. O esbulho pode ser total ou parcial, bastando que o possuidor tenha sido mitigado de qualquer parcela de seu poder de fato sobre a coisa.

O esbulho não decorre apenas de violência (força ou ameaça) contra o possuidor. Pode ocorrer em quaisquer dos casos de subtração da posse por vício objetivo – violência, clandestinidade e precariedade. (art. 161, § 1º., II, CP).

No caso de esbulho judicial – penhora, sequestro –, isto é, a agressão à posse provém de ordem judicial, refletindo sobre bens possuídos por terceiro estranho à relação jurídica, a proteção

7 Art. 167, II, 16 da Lei n. 6.015/73.

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processual cabível é a oposição de Embargos de Terceiro (art. 1.046, CPC) e não a reintegração de posse. Ver Súmula 84 do STJ.

O possuidor esbulhado pelo Poder Público também pode ajuizar ação reintegratória, entretanto, não tem direito à tutela liminar inaudita altera parte (art. 928, parágrafo único do CPC). Se após o esbulho sobrevier obra pública, o bem incorpora-se ao patrimônio da pessoa jurídica de direito pública, restando ao possuidor esbulhado apenas a pretensão indenizatória, não podendo se defender com ação de reintegração.No contrato de locação há uma ação possessória específica. Ocorrendo a recusa do locatário em restituir o imóvel após o término do contrato, o que enseja posse injusta por precariedade, o locador pode propor a ação de despejo.Art. 1.212, CC – terceiro de má-fé que recebe a coisa esbulhada, pode ser chamado no pólo passivo da ação possessória. Se o terceiro não agiu de má-fé, ou seja, se ignorava os vícios aquisitivos de sua posse, o possuidor esbulhado só terá uma opção para reaver a coisa: a ação petitória, mas terá que ser, também, proprietário da coisa esbulhada. Caso contrário, prevalece o princípio da aparência, não podendo o terceiro de boa-fé ser prejudicado, restando ao possuidor pleitear a indenização contra o esbulhador originário.

2.ª – AÇÃO DE MANUTENÇÃO DE POSSE (arts. 1.210 do CC e 920 do CPC)O possuidor é perturbado ou severamente incomodado no exercício da posse, sem que tal agressão seja intensa o bastante para excluí-lo do poder físico sobre o bem.Assim, o objetivo perseguido na ação de manutenção de posse é interromper a prática dos atos de turbação, impondo-se ao causador do incômodo a obrigação de abster-se da prática desses atos.A lesão deve ser atual, concreta e efetiva, pois o justo receio de uma agressão que ainda não se materializou gera apenas a adoção do interdito proibitório.

3.ª – INTERDITO PROIBITÓRIO (arts. 1.210 do CC e 932 do CPC)É a defesa preventiva da posse, diante da ameaça de atos turbativos ou esbulhadores (art. 5.º, XXXV da CF), objetivando impedir a consumação do ato de violência temido. O possuidor tem fundado receio de sofrer iminente agressão, assim, pleiteia ao juiz uma liminar que obrigue o réu a abster-se de concretizar a agressão, impondo preceito proibitório, com a cominação de astreintes (multa diária) em caso de transgressão ao preceito.Havendo a conversão da ameaça em turbação ou esbulho, além da execução provisória das astreintes, o mandado liminar converte-se em ordem de reintegração ou manutenção da posse (art. 920 do CPC), além da imposição de perdas e danos, sem contar com a instauração de inquérito policial pelo delito de desobediência à ordem judicial primitiva (art. 330, CP).

Ver Súmula 228 do STJ. A posse só é admissível para bens corpóreos e tangíveis (aparência de propriedade). No caso de bens incorpóreos, só pode-se falar em propriedade, nunca em posse. Por isso, não cabe qualquer ação possessória para proteção de direitos autorais. Além disso, a Lei n. 9.610/98 já prevê o ajuizamento de ação de busca e apreensão para a proteção dessess direitos.

10.4.1 – AUTOTUTELA OU AUTODEFESALegítima defesa da posse é o desforço imediato: únicas medidas que o possuidor está autorizado a adotar de imediato para recuperar ou manter a posse agredida. Exceção à quebra do monopólio do Judiciário em virtude de reação urgente a um atentado em face de uma situação subjetiva consolidada.Art. 1.210, § 1.º - legítima defesa: reação a uma turbação, pois nessa situação a agressão apenas incomoda a posse, não tendo o possuidor, ainda, perdido a posse.Desforço imediato: dirige-se ao esbulho consumado, implicando reação imediata à injusta perda da posse do autor.Ambos devem ser praticados logo em seguida à agressão, observando-se o princípio da proporcionalidade e razoabilidade da repulsa, ou seja, como defesa privada excepcional, deve ser moderada, pois, caso contrário, poderá a conduta do possuidor se converter em ato ilícito (art. 345, CP). Exemplo: Proprietários rurais e MST.

10.4.2 – ASPECTOS PROCESSUAIS

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a) Prazo decadencial de ano e dia – art. 924, CPC. Conta-se da agressão à posse.Ações de força nova: são as ações possessórias (reintegração, manutenção e interdito proibitório) ajuizadas dentro do prazo decadencial. Segue rito especial, conforme arts. 920 e ss. do CPC, sendo um processo mais célere e dotado de liminar de caráter satisfativo.Ações de força velha: são as ações possessórias ajuizadas após o prazo decadencial. Seguem o rito ordinário, que tende a ser mais lento.A ação possessória pelo rito ordinário prescreve em dez anos, conforme art. 205 do CC, contado a partir da agressão à posse.

Contagem do prazo decadencial – observações:1) a posse injusta mediante violência só se inicia quando essa cessar (art. 1.208, CC). Assim, o

prazo decadencial começa a ser contado a partir do dia em que termina o uso da força e da ameaça;2) posse injusta mediante clandestinidade: o prazo de ano e dia inicia-se quando o esbulhado,

presumivelmente, puder tomar conhecimento da privação à sua posse, mesmo que tempos depois. Enquanto não conhecida pelo possuidor, o esbulhador é apenas detentor (art. 1.224, CC).

b) Liminar satisfativa x liminar cautelarLiminar de caráter satisfativo tem por função antecipar a tutela meritória que somente seria obtida ao final do processo.As liminares cautelares de direito processual objetivam somente resguardar a eficácia e viabilidade de um outro processo que está em andamento, impedindo a alteração das suas circunstâncias neste intervalo.

A liminar satisfativa pode ser concedida em dois momentos cronológicos diferentes (art. 928, CPC):1. inaudita altera parte: não se ouve o réu, mas o autor deve demonstrar documentalmente o fumus boni juris, de acordo com os requisitos do art. 927, CPC, com base em juízo superficial de plausibilidade;2. após audiência de justificação: o réu é citado para comparecimento e o autor faz prova testemunhal dos fatos alegados na petição inicial e insuficientemente documentados.O periculum in mora é dispensado, pois este é um requisito próprio para concessão de liminar cautelar e, também, pelo fato de que o fundado receio de dano está presumido quando a ação é proposta no prazo de ano e dia.

Liminar initio litis em face do Poder Público : art. 928, parágrafo único do CPC. Os atos da Administração têm presunção de legitimidade, por isso não se admite a liminar satisfativa inaudita altera parte neste caso.

Concedida ou não a liminar, após a contestação o processo passa para o rito ordinário, equiparando-se ao rito das ações de força velha (art. 931, CPC). Pode o autor, no caso de não concessão da liminar, e o réu, quando a liminar for concedida, interpor recurso de agravo de instrumento e, sempre que possível, com pedido de efeito suspensivo ou ativo pelo relator (art. 527, III, CPC).

c) Tutela antecipada genérica – art. 273, CPC: uma grande parte dos doutrinadores entende ser possível a tutela antecipada genérica às ações de força velha. A tutela antecipada é um meio de dar maior efetividade ao processo que segue os ritos ordinário e sumário, só podendo atingir o rito especial quando haja compatibilidade (art. 272, parágrafo único do CPC).Assim, a tutela antecipada que se estabeleceu para o processo comum não alcança as ações especiais, exceto se houver disposição legal expressa neste sentido. Por isso, outra parte de doutrinadores entende que não deve ser concedida a tutela antecipada nas ações possessórias de força velha, pois incidiria em burla à lei. Esses doutrinadores questionam-se, tendo em vista os requisitos para concessão da tutela antecipada, qual seria o juízo de verossimilhança e a alegação de periculum in mora demonstráveis pelo reivindicante que perdeu a posse há mais de ano e dia, sem se opor à nova posse.

As ações possessórias sobre imóveis de valor não superior a 40 salários minimos (valor de lançamento do IPTU) poderão ser processadas no rito sumaríssimo do juizado especial cível (Lei n.

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9.099/95). Entretanto, não caberá pedido de liminar, pela celeridade e concentração inerentes ao Juizado Especial. A doutrina dominante entende que o autor pode optar pelo Juizado Especial, mas, para garantir a ampla defesa e facilitação do acesso ao Judiciário, deve ajuizar a ação na justiça comum (competência relativa).

d) Natureza dúplice das possessórias – (art. 922, CPC) dúplices são as ações em que não se vislumbra predeterminação de legitimação ativa e passiva,isto é, o autor da demanda pode ser réu e vice-versa. Exemplos: ações demarcatórias, divisórias e prestação de contas.Para entender as ações dúplices, recorremos ao que sejam as ações ações simples, segundo Humberto Theodoro Júnior:

Nas ações simples, há nítida diferença de atitudes de cada parte: só o autor pede; e o réu apenas resiste ao pedido do autor. Somente por meio de reconvenção é que se torna possível ao réu a formulação de pedido contra o autor. Mas aí o que se tem não é mais defesa, e sim a propositura de nova ação, dentro dos autos já existentes.8

Assim, o réu da ação possessória pode usar a própria contestação para alegar que a sua posse é que foi ofendida, e demandar, contra o autor, a proteção possessória. Trata-se da aplicação do princípio da economia processual.Há uma ampliação do objeto litigioso, pois o réu formulará um pedido na contestação. A posse do réu, caso vitorioso terá caráter de coisa julgada, pois a sentença será formalmente una e materialmente dúplice.O réu não pode requerer a tutela liminar no seu pedido contraposto. Razões: 1) por ser desnecessária quando o autor não a obteve liminarmente ou na audiência de justificação; ou 2) pela preclusão, pois na contestação não cabe pedido de liminar. Neste caso, cabe defender para o réu o pedido de antecipação de tutela (art. 273, CPC), pois, neste momento (contestação), o procedimento já passou para o rito ordinário e não há via específica satisfativa em prol do réu.

e) Fungibilidade das possessórias – art. 920, CPC: autoriza a conversão de uma ação possessória em outra. Trata-se de uma exceção ao princípio da adstrição ou congruência (arts. 128 e 460, CPC), que impede o juiz de decidir além o aquém do pedido formulado. Deve o magistrado balizar sua sentença pela pretensão deduzida e pelos fundamentos jurídicos que a alicerçam, sob pena de julgamento citra, ultra ou extra petita.No caso das ações possessórias o CPC autoriza a conversão de uma ação possessória em outra, em duas situações:

1. quando a petição inicial equivocadamente descreve a agressão à posse. Em várias situações a lesão praticada contra a posse não pode ser definida com exatidão, ficando indeterminado o nome da ação possessória. O juiz pode adaptar a causa de pedir ao pedido e conceder a proteção adequada.

2. quando a agressão originária se intensifica no curso da demanda. As situações fáticas se alteram rapidamente e, o que era uma simples ameaça (interdito proibitório), pode se converter em turbação e esta terminar em esbulho, no curso da ação. Em caso de concessão de liminar por agressão menos grave que se tornou mais grave, o autor pode atravessar uma petição narrando a nova situação, pedindo a conversão da medida nos próprios autos.

f) Cumulação sucessiva de pedidos – art. 921, CPC – o pedido formulado em sede de ações possessórias poderá ser cumulado a outros que não se referem diretamente à defesa da posse. Tais pedidos podem ser a condenação em perdas e danos, cominação de pena para o caso de nova turbação ou esbulho e desfazimento de construção ou plantação feita em detrimento da posse. A cumulação é sucessiva, isto é, o atendimento desses pedidos subsidiários depende do acolhimento do interdito, pois sua rejeição impede a análise dos demais.Exceção ao art. 292, § 2.º, CPC, pois, caso contrário, o autor perderia a possibilidade obtenção de limnar no interdito possessório, frustrando o seu maior intento.A sentença será objetivamente complexa, isto é, ao mesmo tempo que é julgada uma ação possessória, de caráter executivo lato sensu, portanto, sem necessidade de processo autônomo

8 Curso de Direito Processual Civil, v. 3, 17.ª ed. Rio de Janeiro: Forense, 1998. pág. 157.

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complementar, os pedidos sucessivos de indenização e desfazimento de construção dependem de futuro processo de execução por quantia certa e de obrigação de fazer.A ação possessória só mantém o rito especial se a cumulação versar os pedidos descritos no art. 921, CPC. Se o autor cumular um pedido de resolução contratual, por exemplo, não poderá obter a liminar e prevalecerá a regra geral do art. 292, § 2.º, CPC.

10.4.3 – OUTRAS AÇÕES POSSESSÓRIASa) Nunciação de obra nova: arts. 934 a 940, CPC – visa impedir que o domínio ou a posse de um bem imóvel seja prejudicado em sua natureza, substância, servidão ou afins, por obra nova9 no prédio vizinho.Ver art. 1.299, CC.Só cabe essa ação se a obra vizinha está em vias de construção. Se já foi concluída ou está em fase final, como na pintura, não cabe a ação para embargá-la10. O objetivo é impedir a construção, mesmo que no momento atual ainda não exista o dano, mas bastando antever algum resultado turbativo no caso sua construção.Exemplo: art. 1.301, Código Civil.

b) Ação de dano infecto: arts. 1.280 e 1.277 do CC. – “é uma medida preventiva utilizada pelo possuidor, que tenha fundado receio de que a ruína ou demolição ou vício de construção do prédio vizinho ao seu venha causar-lhe prejuízos, para obter, por sentença, do dono do imóvel contíguo caução que garanta a indenização de danos futuros”. (DINIZ, Maria Helena. Direito Civil Brasileiro: direito das coisas. Vol. 4. São Paulo: Saraiva, 2004. pág. 91)Trata-se de uma ação cominatória com finalidade acautelatória, mas devido a proteção que confere ao possuidor, é tida como possessória. A diferença em relação à ação de nunciação de obra nova é que a ação de dano infecto refere-se à “obra velha”.Conforme o valor da causa (valor do imóvel), seguirá o rito sumário, ordinário ou Juizado Especial.

c) Ação de imissão de posse – finalidade: aquisição da posse pela via judicial.Art. 381, CPC anterior – Cabe esta ação nos seguintes casos:“I – aos adquirentes de bens, para haverem a respectiva posse, contra alienantes ou terceiros, que os detenham; II – aos administradores e demais representantes das pessoas jurídicas de direito privado, para haverem dos seus antecessores a entrega dos bens pertencentes à pessoa representada;III – aos mandatários, para receberem dos antecessores a posse dos bens do mandante”.O atual CPC não prevê essa ação de modo específico. Segundo Washington de Barros Monteiro, o autor ainda pode propô-la, desde que pelo rito comum, objetivando a obtenção da posse.

d) Embargos de terceiro – art. 1.046 e § 1.º, CPC.Sendo os embargos julgados procedentes, o juiz mandará expedir o mandado de manutenção ou reintegração de posse.

10.4.4 – JUS POSSIDENDI X JUS POSSESSIONIS* Juízo possessório: são exercitadas as faculdades jurídicas oriundas da posse em si mesma, não se cogitando de qualquer relação jurídica subjacente. A posse é protegida com base no fato jurídico da posse. Não se discute propriedade.* Juízo petitório: a proteção da posse decorre do direito de propriedade. O fundamento da proteção da posse, neste caso, é o domínio. Pretende-se alcançar a posse como um dos atributos conseqüentes à propriedade (uso e gozo do bem).

9 Deve-se entender por construção toda realização material e intencional do homem, visando adaptar o imóvel às suas conveniências. Nesse sentido, tanto é construção a edificação ou a reforma, como a demolição, o muramento, a escavação, o aterro, a pintura e demais trabalhos destinados a beneficiar, tapar, desobstruir, conservar ou embelezar o prédio. (MEIRELLES, Hely Lopes apud Humberto Theodoro Júnior, Curso de Direito Processual Civil, vol. 3., pág. 174).10 Há entendimento em sentido contrário, preconizando o aproveitamento da ação como demolitório, já que, concluída a obra, não há o que embargar.

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De acordo com essa separação, nas ações possessórias não é permitida a discussão de domínio, pois a causa de pedir e o pedido versam apenas sobre a posse. A menção dos títulos de propriedade só ocorrerá nas ações petitórias, devendo, nesse caso, o juiz deferir o direito à posse a quem trouxer o melhor título.

Ver art. 923, CPC e 1.210, §2.º, CC. Defende-se a singularidade da posse, afastada a discussão de qualquer resíduo dominial, observando-se apenas o mundo fático.A proibição da concomitância do possessório e petitório pela vedação a exceptio domini é de ordem pública (verificável ex officio) e tem raízes na questão da paz social e do repúdio ao uso arbitrário das próprias razões, de forma a impedir que o proprietário ingresse em juízo petitório enquanto não restituir a coisa esbulhada.Assim, no momento em que for proferida a sentença que reconheça como procedente o juízo possessório, será exigida a retirada do proprietário do local. Após isso o titular de domínio está autorizado a ajuizar a ação petitória.

Conclusão: no transcurso da ação possessória (da citação ao trânsito em julgado), incidirá uma espécie de condição suspensiva ao ajuizamento de qualquer ação fundada no domínio, ante a absoluta separação dos juízos analisados. O resultado da ação possessória não tem qualquer relevância no resultado de eventual ação petitória, podendo o possuidor vitorioso naquela vir a ser derrotado nesta e vice-versa.A razão de se proibir a cumulação entre ações possessórias e petitórias reside na necessidade de evitar duas sentenças contraditórias: o possessório, determinando a entrega do bem ao possuidor; o petitório, determinando exatamente o oposto.

10.4.5 – Classificação da posse quanto aos seus efeitosa) posse ad interdicta: pode amparar-se nos interditos possessórios, na hipótese de ser ameaçada, turbada ou esbulhada.b) posse ad usucapionem: é aquela que dá origem à usucapião da coisa, desde que obedecidos os requisitos legais.

III. PROPRIEDADE

1 – EVOLUÇÃO HISTÓRICAPor muito tempo o Direito das Coisas manteve-se fiel à tradição romana e aos princípios individualistas.Tem por fundamento primordial a propriedade, o mais importante e mais sólido de todos os direitos subjetivos outorgados ao indivíduo.Vem sofrendo profundas alterações. O primeiro fator para isso é a preponderância do interesse público sobre o privado.Antes: propriedade – relação privada e individual, de caráter sagrado e absoluto. Não havia qualquer restrição ao livre exercício desse direito pelo proprietário (usar, gozar e dispor da coisa). As legislações proclamavam a intangibilidade do domínio (direito absoluto).Hoje: gradativamente essa concepção individualista foi se modificando, reconhecendo o interesse público sobre o privado. O interesse público, de conteúdo social, veiculado através do direito constitucional e do direito administrativo, destruía, aos poucos, os direitos do proprietário.

Exemplos: - propriedade do solo: superfície + acessórios e adjacências + espaço aéreo e subsolo.Mudanças: 1) Códido de Minas (Dec. n. 24.642, de 10/07/34, atual Dec. lei n. 227, de 28/02/67 – Código de Mineração) => separou, para efeitos jurídicos, a jazida e o solo. Todas as jazidas desconhecidas foram incorporadas ao patrimônio da União.2) Lei n. 3.924, de 26/07/61 => a propriedade da superfície não inclui a das jazidas arqueológicas ou pré-históricas.3) Código de Águas (Dec. n. 24.643, de 10/07/34) => quedas de água e outras fontes de energia elétrica, não integrantes das terras em que se encontrem.

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4) Constituição Federal de 1988 => jazidas, em lavra ou não, demais recursos minerais e os potenciais de energia hidráulica constituem propriedade distinta da do solo, para efeito de exploração ou aproveitamento, e pertencem à União... (art. 176).5) Exigências do Poder Público para construir em terrenos urbanos. A liberdade de construir pode ser limitada, conforme a localização do terreno.

Ainda, nesta evolução, contribuiram os progressos do socialismo. Art. 170, III, CR => função social da propriedade (condenação ao abuso de direito – art. 187, CC). O proprietário pode usar sem ferir os direitos dos outros cidadãos.Ex.: plantar árvores, sem aparente utilidade para o proprietário, apenas para tolher a vista panorâmica do vizinho (ato emulativo).

A propriedade, hoje, com o atributo da função social, tem de ser geradora de novas riquezas, de mais trabalho e emprego, tornando-se apta a concorrer para o bem geral do povo.

Como evolução, reconhece-se também, a força de expansão ao direito das coisas, com novas relações jurídicas:

a) compromisso de compra e venda de bens imóveis irrevogável => antes era mera obrigação de fazer (escritura definitiva do imóvel). Hoje é um direito real (art. 1.225, VII, CC).

b) Lei 4.591/64 => condomínio nos prédios de apartamentos e relação entre os condôminos (art. 1.331 e ss. CC.).

c) Propriedade literária, científica e artística => tornou-se mais complexo o ordenamento jurídico, com o aparecimento da TV e do rádio.

d) Informática => Lei 9.609/98. 2. CARACTERÍSTICAS2.1 - Direito de Propriedade: direito subjetivo patrimonial.- direito subjetivo = poder do indivíduo de satisfazer interesses próprios (facultas agendi), concretizando o comando legal abstrato (norma agendi).- patrimonial = suscetível de avaliação econômica.

2.2 – É um direito complexo: consiste em um feixe de atributos consubstanciados nas faculdades de usar, gozar, dispor e reivindicar a coisa (art. 1.228, CC).2.3 – Propriedade e domínio- propriedade: do latim proprium – aquilo que me pertence. Abrangeria todos os direitos que formam nosso patrimônio, todas as situações jurídicas aferíveis pecuniariamente. Coisas corpóreas e incorpóreas.- domínio: do latim domus (casa) – mais restrito; relativo apenas aos bens corpóreos, coisas tangíveis.O Código Civil/1916 alternava os vocábulos indiscriminadamente, ou seja, os tratava como sinônimos.O Código Civil atual adota somente o termo propriedade. Pode-se afirmar, que o NCC trata a propriedade apenas como relação entre pessoa e coisa corpórea. Assim, o objeto da propriedade no novo CC é o bem certo, determinado e tangível.Entretanto, o ordenamento jurídico brasileiro refere-se à propriedade tanto de bens corpóreos como incorpóreos, haja vista que a regulamentação dos bens imateriais está disciplinada em leis esparsas.Já na Constituição da República/88, o termo propriedade é amplo, significando qualquer espécie de bem aferível patrimonialmente, tutelando diversas formas de propriedade: direito real, direitos pessoais de conteúdo patrimonial. - art. 5.º, XXII => bens corpóreos e incorpóreos, desde que redutíveis a dinheiro.A CF tutela apenas a propriedade que cumpre sua função social (art. 5.º, XXIII).Propriedade e domínio hoje: alguns autores farão distinção, como Venosa, que entende ser a expressão propriedade voltada apenas para os bens corpóreos (NCC) e domínio para os bens incorpóreos (direitos autorais – ex.: “cair no domínio público”; ou “domínio de página da internet”). Outros autores, entretanto, não farão distinção, assim como no antigo Código Civil.

2.4 – Extensão vertical do direito de propriedade

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O direito de propriedade do solo abrange o espaço aéreo e o subsolo correspondentes, conforme o art. 1.229, CC.Art. 1.230, CC e art. 20, IX e X, CR => a propriedade do solo não abrange os recursos minerais do subsolo, potenciais energéticos, sítios arqueológicos. (ver art. 176, CR)

3. HISTÓRICO DO DIREITO DE PROPRIEDADE- Início das civilizações: propriedades com feição comuninitária. Ex.: índios brasileiros ao tempo da descoberta – domínio comum das coisas úteis, entre os que habitavam a mesma oca. Individuais apenas certos móveis, como redes, armas e utensílios de uso próprio. Solo: pertencente a toda a tribo.

- Direito Romano: raiz histórica.Preponderava o sentido individualista de propriedade, mas existiram duas formas de propriedade coletiva:

a) propriedade da gens: “nos primórdios da cultura romana a propriedade era da cidade ou gens, possuindo cada indivíduo uma restrita porção de terra (1/2 hectare), e só eram alienáveis os bens móveis.”11

b) propriedade da família: substituiu a propriedade da gens, mas também foi sendo extinta pelo fortalecimento da autoridade do pater familias.

Cada família cultuava seus próprios deuses, chamados “lares” ou manes. Nada mais eram que seus antepassados. Os romanos não acreditavam em céu. Os mortos continuavam vivendo, mas no mesmo território que haviam ocupado enquanto vivos. Daí a importância das terras familiares, solo sagrado em que se enterravam os ancestrais e se lhes prestava culto. Estando vinculada a esses sentimentos, era lógico que só se concebesse a propriedade em solo romano. 12

Assim, a propriedade coletiva foi dando lugar à propriedade privada, passando pelas seguintes etapas:

1.º. objetos necessários à existência de cada um;2.º. bens de uso particular que podiam ser trocados;3.º. meios de trabalho e produção;4.º. moldes capitalistas: exploração do bem de modo absoluto.

- Idade Média: feudos (usufruto condicional). Com o passar do tempo, a propriedade sobre os feudos tornou-se perpétua e transmissível pela linha masculina.Brasil – feudos => capitanias hereditárias.

- Revolução Francesa (1789): fim do feudalismo.Estado Liberal: propriedade privada de caráter absoluto. Não intervenção do Estado nas relações privadas.

- Atualmente: a configuração da propriedade depende do regime político adotado pelo país.Ex.: ex-URSS – propriedade exclusiva e propriedades socializadas.

Modernamente a propriedade individual vem sofrendo restrições, perdendo seu caráter absoluto. Há limitações oriundas da própria natureza do direito de propriedade ou imposição legal, como por exemplo: preservação do meio ambiente (art. 225, CF), do patrimônio histórico (tombamento; art. 216, CF); proteção de áreas indígenas (art. 232, CF); restrições relativas ao direito de vizinhança, etc. Finalidade: coibir abusos ou impedir que o direito de propriedade acarrete prejuízo ao bem-estar social, permitindo, assim, o exercício da função social da propriedade.

4. FUNDAMENTO JURÍDICO DA PROPRIEDADE4.1 – Legitimidade da propriedade

11 DINIZ, Maria Helena. Direito civil brasileiro: direito das coisas. Vol. 4. São Paulo: Saraiva, 2004., pág. 109.12 FIUZA, César. Direito Civil: curso completo. 8ª. ed. Belo Horizonte: Del Rey, 2004. pág. 717.

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a) Ocupação: os autores que seguem esta corrente, entendem que o fundamento da propriedade está na ocupação de bens ainda não apropriados por ninguém. Todavia, apenas a ocupação não pode gerar o direito de propriedade. É necessária a lei para organizar a propriedade e incluir a ocupação como modo aquisitivo de propriedade. Caso contrário, a ocupação violenta, tanto interna como externa seria fundamento da propriedade de várias áreas.b) Lei: adeptos desta teoria como Montesquieu, Hobbes, Benjamin Constant, Mirabeau e Bentham, entendem que a lei é o fundamento da propriedade. Entretanto, se a propriedade se fundar apenas na vontade do legislador, poder-se-ia entender, também, que esta mesma vontade pode suprimir tal direito.c) Trabalho: defendida pelos economistas, como Locke, Guyot, Mac Culloch, na teoria da especificação. Assim, o título legítimo de propriedade só seria alcançado com o trabalho, ou seja, a transformação de bens da natureza, pelo trabalho do homem, dando forma à matéria bruta. As críticas a esta teoria: o homem deve ser recompensado pelo seu trabalho com salário, e não com o objeto por ele produzido; o trabalho de várias pessoas concentrado sobre uma mesma coisa, daria origem a múltiplas propriedades; a “propriedade coletiva de trabalhadores” levaria à privação do proprietário dos meios de produção, que não participou com seu trabalho.d) Teoria da natureza humana: “a propriedade é inerente à natureza do homem, sendo condição de sua existência e pressuposto de sua liberdade. É o institinto da conservação que leva o homem a se apropriar de bens seja para saciar sua fome, seja para satisfazer suas variadas necessidades de ordem física e moral.”13 Desta forma, o homem transforma em direitos (normas jurídicas) os seus autênticos interesses, que passam a ser assegurados pela sociedade, defendendo a propriedade individual.Assim, a propriedade nasceu para atender às necessidades do homem, de sua família e, em última instância, à própria sociedade.

5. FACULDADES INERENTES À PROPRIEDADEConceituar propriedade não é tarefa fácil. Dentre os critérios para se realizar tal fato, o que parece mais acertado é o que tem por base o conteúdo da propriedade, ou seja, enunciar os poderes do proprietário, reduzindo a propriedade aos seus elementos essenciais positivos – direito de usar, gozar, dispor e reivindicar a coisa.

Aliás, o art. 1.228, caput, do Código Civil adotou a mencionada solução, pois não descreve o que é propriedade, mas apenas descreve o seu conteúdo. Assim, analiticamente, pode-se definir propriedade “como sendo o direito que a pessoa física ou jurídica tem, dentro dos limites normativos, de usar, gozar e dispor de um bem, corpóreo ou incorpóreo, bem como de reivindicá-lo de quem injustamente o detenha.”14

Proprietário não é apenas a pessoa que detém todas as faculdades acima enumeradas. Quando todos os atributos da propriedade encontram-se reunidos em um só indivíduo, tem-se a propriedade plena, mas é possível o desmembramento, como por exemplo no direito real de usufruto. Ainda é possível o proprietário deixar de ter um dos atributos, como no caso do bem gravado com cláusula de inalienabilidade, isto é, o proprietário não tem a faculdade de dispor da coisa.

5.1 – DIREITO DE USAR – Jus utendi É a faculdade do proprietário de se servir da coisa de acordo com a sua destinação econômica. O uso será direto quando o proprietário o utiliza pessoalmente e, indireto, quando o proprietário deixa-o em poder de alguém que esteja sob suas ordens (fâmulo da posse).O direito de usar também é exercido mesmo quando não há utilização atual, desde que o proprietário o preserve em condições de servi-lo quando necessário. Ex.: casa de praia.Desta forma, pode-se afirmar que as faculdades não prescrevem pelo não uso. A mudança subjetiva de propriedade só ocorrerá pela posse prolongada de terceiro e nos prazos legais (usucapião).

5.2 – DIREITO DE GOZAR – Jus fruendi

13 DINIZ, Maria Helena. Direito civil brasileiro: direito das coisas. Vol. 4. São Paulo: Saraiva, 2004., pág. 115.14 DINIZ, Maria Helena. Direito civil brasileiro: direito das coisas. Vol. 4. São Paulo: Saraiva, 2004., pág. 117.

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Consiste na exploração econômica da coisa, mediante a extração de frutos e produtos. Pode ser direto quando o proprietário colher os frutos naturais ou industriais e, indireto, na percepção de frutos civis (rendas oriundas da utilização da coisa por outrem).Ver artigos: 92, CC; 1.232, CC (ex.: uso, habitação, usufruto, locação e posse na hipótese do art. 1.214, CC).

5.3 – DIREITO DE DISPOR – Jus abutendi Direito de abusar (latim)? Dispor significa alterar, material ou juridicamente, a própria substância da coisa.- Disposição material da coisa: destruição do bem ou o seu abandono. Em ambos os casos o proprietário pratica atos físicos que importam em perda da coisa. (art. 1.275, III e IV, CC).- Disposição jurídica da coisa: pode ser total ou parcial. É total quando o proprietário pratica a alienação, que pode ser onerosa (venda) ou gratuita (doação). Será parcial nos casos de instituição de ônus real sobre o bem, tal como o usufruto e a hipoteca, pois nesses casos o proprietário dispõe parcialmente da coisa.Exemplos:

a) uma casa – direito de usar: habitação; direito de gozar: alugá-la; direito de dispor: demoli-la ou vendê-la;

b) um quadro – direito de usar: utilizá-lo na decoração de uma casa; direito de gozar: exibi-lo numa exposição a troco de dinheiro; direito de dispor: destruí-lo, aliená-lo ou doá-lo.

5.4 – DIREITO DE REIVINDICAR – rei vindicatio Alguns autores entendem que aquelas três primeiras faculdades consistem nos elementos internos ou econômicos do direito de propriedade, pois por intermédio do seu exercício é que o proprietário obterá as vantagens pecuniárias decorrentes de sua titularidade. O direito de reivindicar é denominado elemento externo ou jurídico da propriedade, vez que representa a faculdade de exluir terceiros de indevida ingerência sobre a coisa. Trata-se do poder que o proprietário tem de mover ação para obter o bem de quem injustamente o detenha ou possua, em virtude do seu direito de seqüela, que é uma das características do direito real. A ação reivindicatória é a pretensão ajuizada pelo proprietário não possuidor (privado dos poderes de uso e gozo) contra o possuidor não proprietário.

6. PRINCIPAIS ATRIBUTOS DA PROPRIEDADE6.1 – EXCLUSIVIDADEA mesma coisa não pode pertencer com exclusividade e simultaneamente a duas ou mais pessoas, ao mesmo tempo. O direito de um sobre determinado bem exclui o direito de outrem sobre o mesmo bem.Condomínio – não desaparece o atributo da exclusividade, pois os condôminos são, conjuntamente, titulares do direito. O condomínio implica uma divisão abstrata da propriedade, pois cada condômino possui uma quota ideal do bem indivisível. Assim, os condôminos são donos de cada parte e do todo ao mesmo tempo. Conseqüentemente, cada qual poderá isoladamente reivindicar a coisa de terceiro que injustamente a possua, sendo desnecessária a autorização dos demais condôminos, isto é, não há litisconsórcio necessário.Não é possível ajuizar ação reivindicatória entre condôminos, pois ambos possuem propriedade sobre o todo. Ver art. 1.314, CC – reivindicar de terceiro.A oponibilidade erga omnes é um atributo decorrente da exclusividade, pois, pelo fato de ser a propriedade exclusiva é que o proprietário pode excluir terceiros da utilização da coisa.

6.2 – PERPETUIDADE (irrevogável)Tal atributo resulta do fato de que a propriedade existe, independentemente de exercício, enquanto não sobrevier causa extintiva legal ou decorrente da própria vontade do titular. Assim, a propriedade tem duração ilimitada. 15

A perpetuidade compreende a possibilidade da transmissão da propriedade, a título singular ou universal.

15 O atributo da perpetuidade vem sendo flexibilizado com as recentes alterações constitucionais, sendo contestado pelo princípio da função social da propriedade. Ver art. 1.276, § 2.º, CC.

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Usucapião – o proprietário não perde o domínio pelo não uso, e sim pela posse prolongada do usucapiente. A prescrição aquisitiva é modo de aquisição de propriedade, afastando o domínio primitivo.Excepcionalmente pode se ter a propriedade resolúvel ou revogável (art. 1.359, CC).

6.3 – ELASTICIDADE E CONSOLIDAÇÃOA propriedade é elástica, ou seja, pode ser distentida ou contraída, no seu exercício, conforme lhe adicionem ou subtraiam poderes destacáveis.Quando a propriedade concentra todas as faculdades – usar, gozar, dispor e reivindicar, é chamada propriedade plena ou alodial. A alodialidade é uma qualidade do imóvel sobre o qual não incidem ônus reais.Tratando-se de propriedade que sofre contrações, caso algum de seus poderes sejam destacados para a formação de direitos reais em coisa alheia, é chamada de propriedade limitada. Ex.: usufruto, hipoteca, domínio com cláusula de inalienabilidade.Na propriedade limitada, a essência do direito subjetivo permanece com seu titular, mesmo que de forma residual. Exemplo: o falido tem uma propriedade vazia, pois não pode usar, fruir, dispor ou reivindicar os bens arrecadados ao juízo universal. Essas faculdades passam ao síndico da massa. Entretanto, o proprietário (falido), ao final do processo, poderá resgatar plenamente os seus bens.

Consolidação (ou força de atração): todas as contrações da propriedade são sempre transitórias e anormais. Após determinado decurso de tempo elas cessam e os direitos desmembrados são reunificados, reassumindo o titular a propriedade em sua plenitude. Ex.: hipoteca após o pagamento da dívida; usufruto vitalício após a morte dos usufrutuários. 7. OBJETO DO DIREITO DE PROPRIEDADEO direito de propriedade abrange os bens corpóreos e incorpóreos, bem como os móveis e os imóveis. Assim, regra geral, o objeto da propriedade são todos os bens suscetíveis de apropriação.“A terminologia atual aceita domínio e propriedade como sinônimos, embora, como acentuado, se reserve com maior uso o termo propriedade para os bens imateriais, referindo-se o domínio de forma mais ampla aos bens corpóreos e incorpóreos.” (VENOSA, 2004:181). Mas pode-se falar em propriedade de direito de crédito, de patente de invenção, de direito intelectual, isto é, o titular desses direitos pode ser chamado de proprietário.16

8. ESPÉCIES DE PROPRIEDADE8.1 – Quanto à extensão do direito do titular da propriedade:a) propriedade plena: quando todos os elementos constitutivos (usar, gozar, dispor, reivindicar) estão reunidos na pessoa do proprietário;b) propriedade restritura ou limitada: quando há desmembramento de um ou alguns dos poderes do proprietário, que passa a ser de outrem, constituindo, assim, direito real sobre coisa alheia ou quando o proprietário está impedido de exercer algum desses poderes. Exemplo: usufruto – o nú-proprietário tem propriedade limitada, pois o usufrutuário tem o poder de usar e gozar sobre o bem; bem gravado com cláusula de inalienabilidade – o proprietário fica privado do direito de dispor do bem, tendo, portanto, uma propriedade limitada.

8.2 – Quanto à perpetuidade do domínio:a) propriedade perpétua: tem duração ilimitada;b) propriedade resolúvel ou revogável: no título constitutivo consta cláusula para sua extinção, conforme estabelecido pelas partes (arts. 1.359 e 1.360, CC). Exemplo: fideicomisso (art. 1.951, CC), propriedade fiduciária (arts. 1.361 a 1.368, CC), retrovenda (arts. 505 a 508, CC).

16 Bens corpóreos e incorpóreos. “Essa classificação é exclusivamente doutrinária, e não foi reproduzida especificamente na lei. Os bens corpóreos (ou materiais) são os dotados de existência física, enquanto os incorpóreos (ou imateriais) são meramente conceituais.” (COELHO, Fábio Ulhoa. Curso de Direito civil: volume 1. São Paulo: Saraiva, 2003. p. 268)Exemplos: bens corpóreos - um terreno, uma jóia, um livro; bens incorpóreos – “direitos que as pessoas físicas ou jurídicas têm sobre as coisas, sobre os produtos de seu intelecto ou contra outra pessoa, apresentando valor econômico, tais como: os direitos reais, obrigacionais, autorais.” (DINIZ, Maria Helena. Curso de direito civil brasileiro: volume 1. São Paulo: Saraiva, 2005. p. 313).

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9. FUNÇÃO SOCIAL DA PROPRIEDADEA função social é um princípio inerente a todo direito subjetivo.

Direito subjetivoConceito tradicional Conceito modificado pela função social

Poder concedido pelo ordenamento ao indivíduo para a satisfação de um interesse próprio.

O ordenamento jurídico apenas concederá legitimidade à persecução de um interesse individual se este for compatível com os anseios sociais.

A evolução social demonstrou que a justificação de um interesse individual muitas vezes é fator de sacrifício de interesses coletivos. Atualmente admite-se um direito civil-constitucional, no qual princípios de caráter superior e vinculante criam uma nova mentalidade, erigindo como direitos fundamentais do ser humano a tutela de sua vida e de sua dignidade.

No que concerne ao direito de propriedade, hoje ele está relativizado. No final do século XIX, na França, surgiram as primeiras restrições ao absolutismo do direito de propriedade, por intermédio da teoria do abuso do direito. 17

A Constituição alemã de Weimar, de 1919, introduz uma nova visão ao instituto da propriedade, ao afirmar que “a propriedade obriga”. É introduzido o lema da solidariedade social, que serve como freio ao egoísmo humano, valorizando-se o princípio da justiça comutativa.

Com essa mudança de paradigma, o proprietário passa a ser titular de direitos e deveres. Assim, ao lado dos poderes do titular colocam-se obrigações positivas deste perante a comunidade.Constituição Federal do Brasil – 1988: art. 5.º, XXII e XXIII => lidos conjuntamente. Não subsistirá a propriedade anti-social. No art. 170, CR/88, o legislador observou a conciliação da propriedade empresarial com a sua função social.

O que é função social?Traduz o comportamento regular do proprietário, exigindo que ele atue numa dimensão na qual realize interesses sociais, sem a eliminação do direito privado do bem que lhe assegure as faculdades de uso, gozo e disposição. Assim, a propriedade se mantém privada e livremente transmissível, porém detendo finalidade econômica adequada às atividades urbanas e rurais básicas, no intuito de circular riquezas e gerar empregos.

Pode-se falar que a função social é o quinto elemento, somado às faculdades de usar, gozar, dispor e reivindicar. Enquanto esses são estáticos, aquele é dinâmico e assume um papel decisivo de controle sobre os demais. Significa dizer que o proprietário só exercerá os direitos de uso, gozo, disposição e reivindicação da coisa, se conceder destinação relevante ao bem.

Função social no novo Código Civil => cláusula geral, isto é, trata de uma norma imprecisa e vaga, com grande abertura semântica. Vantagem: abre-se ao influxo contínuo dos valores sociais, sendo sempre atualizada pela sociedade.Ver art. 1.228, § 4.º, CC: nova modalidade de desapropriação judicial indireta e de aquisição da propriedade imobiliária. Posse qualificada pela função social. Conceitos jurídicos indeterminados: “extensa área”; “considerável número de pessoas”; “obras e serviços de interesse social e econômico relevante”.Nesse caso surgirá uma tensão entre dois princípios constitucionais:

a tutela da propriedade x a função social da propriedade por possuidores

17 Proprietário que edifica uma enorme chaminé para emanar gases no terreno vizinho; proprietário que levanta muro com hastes de ferro para causar danos aos dirigíveis que partiam do prédio contíguo (Clement x Bayard). Nos dois casos há atos emulativos, isto é, aqueles com ânimo de lesar interesses alheio. Ver artigos 187 e 1.228, § 2.º do Código Civil.

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Na colisão deverá ser aplicado o método hermenêutico da ponderação, avaliando-se no caso concreto, qual dentre eles será o de maior peso e densidade.

9.1 – FUNÇÃO SOCIAL DA PROPRIEDADE URBANADireito urbanístico: objetiva a ordenação das cidades, com a organização dos espaços habitáveis, propiciando melhores condições para o homem.

Tarefa árdua e emergencial é responder à seguinte dualidade:Interesse particular do titular do direito da propriedade privada

XInteresse social da ordenação da cidade

Para essa finalidade foi criada a Lei n. 10.257/01 (Estatuto da Cidade), que regulamenta o art. 182, CR, a fim de estabelecer normas de ordem pública e interesse social que regulam o uso da propriedade em prol do bem coletivo, da segurança e do bem-estar dos cidadãos, bem como do equilíbrio ambiental.

O município pode disciplinar a função social da propriedade através de instrumentos urbanísticos, como o plano diretor ou leis orgânicas locais. A pretensão é delimitar o crescimento da cidade, de forma ordenada, preocupando-se em impedir a concentração de áreas com objetivos especulativos, evidenciando a importância do uso e do controle do solo.Art. 182, § 4.º, CR: sanções para adequar a propriedade ao desenvolvimento urbano e ao bem-estar das pessoas – parcelamento ou edificação compulsória (art. 5.º, Estatuto da Cidade); IPTU progressivo (art. 7.º, EC) e desapropriação-sanção (caso de confisco? Ver art. 243, CR; art. 8. º, § 4.º c/c 52, II do EC).

Inovações no direito de propriedade, com base na função social: usucapião urbano coletivo (art. 10, EC); direito de superfície (art. 21, EC); direito de preempção conferido ao Poder Público Municipal (art. 25, EC).

9.2 – FUNÇÃO SOCIAL DA PROPRIEDADE RURALConforme o art. 186, CR, a propriedade rural cumpre sua função social quando observados três elementos: econômico, social e ecológico. A propriedade rural tem a terra como bem de produção de riquezas e criação de empregos. Assim, o ônus social do proprietário de imóvel rural é maior do que o do proprietário de imóvel urbano.Art. 184, CR – requisitos que devem ser cumpridos simultaneamente, sob pena de desapropriação por interesse social para fins de reforma agrária.Art. 185, CR – a propriedade produtiva também pode vir a ser desapropriada, se não observados os requisitos do art. 184 da CR. Ver também o § 1.º do art. 1.228, CC: harmonização da propriedade privada com os princípios sociais pertinentes aos interesses difusos.

9.3 – FUNÇÃO SOCIAL DAS DIVERSAS PROPRIEDADESPropriedade: bens corpóreos e incorpóreos, bem como a empresa como propriedade de bens de produção.Art. 5.º, XXIX, CR – proteção da propriedade de marcas e patentes aos seus autores, ressalvando a compatibilização desse privilégio com o interesse social do Estado. Ex.: interesse fundamental à vida e dignidade prevalecerá sobre a patente, podendo resultar na suspensão do privilégio, como no caso da necessidade de medicamento vital.

Art. 5.º, XXVII, CR x art. 41, Lei 9.610/98 – justifica-se ?

Art. 5.º, XXX, CR x art. 1.784, CC x art. 1.848, CC: justa causa declarada em testamento para clausular de inalienabilidade e impenhorabilidade os bens da legítima. Finalidade: preservar a função social da propriedade, pois a inalienabilidade provoca a paralisação da circulação de riquezas (ver art. 2.042, CC).

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Art. 170, III, CR: função social da empresa – CADE (Conselho Administrativo de Defesa Econômica) – Lei 8.884/94 => forma de prevenção aos abusos do poder econômico ao suspender processos de concentração nocivos à sociedade, pelo risco da criação de monopólios capazes de lesar a concorrência e os consumidores, colocando em risco a livre iniciativa.

Decisão que reconheceu o direito do médico internar e assistir os seus pacientes em hospitais privados com ou sem caráter filantrópico, ainda que não faça parte de seu corpo clínico, respeitadas as normas técnicas da instituição. Função social da propriedade. Livre exercício de qualquer trabalho (art. 5.º, XIII) e saúde como direito de todos (art. 196). (STJ – 3.ª Turma – Resp n. 27039/SP – Rel. Min. Nilson Naves, DJ 07/02/1994).

A função social da empresa deve resultar de uma ampliação de sua responsabilidade social, redefinindo e valorizando a sua missão perante a coletividade. Isso pode ser feito sem a diminuição de lucros, bastando à empresa, bem como ao Estado, assegurar direitos fundamentais ao indivíduo, por meio de políticas ambientais e culturais e oferta de benefícios diretos e indiretos à sociedade.

Conclusão:Para cada tipo de bem (propriedade) há um regime específico de atuação da função social. A intensidade será maior nos bens de produção do que nos de mera fruição ou consumo.Função social da propriedade não se confunde com socialização da propriedade, pois deve ser respeitado um círculo mínimo de exclusividade ao proprietário, imune à ação de terceiros.

10. MODOS DE AQUISIÇÃO DA PROPRIEDADE IMOBILIÁRIAA propriedade imobiliária pode ser adquirida pelos seguintes modos:a) originário: o indivíduo faz seu o bem sem que este lhe tenha sido transmitido por alguém, não havendo qualquer relação entre o domínio atual e o anterior. Exemplos: acessão (art. 1.248, CC) e usucapião (art. 1.238, CC).b) derivado: há transmissibilidade de domínio, por ato causa mortis ou inter vivos. Exemplo: direito hereditário (sucessão – art. 1.784, CC) e negócio jurídico seguido de registro (transcrição – art. 1.227, CC).Outras formas: desapropriação, adjudicação compulsória, casamento pela comunhão universal de bens.10.1 – REGISTROArt. 1.227, CC: registro do título de transferência no Cartório de Registro Imobiliário competente.Ver artigos 1.245 a 1.247, CC. Lei n. 6.015/73, artigos 167, I, 168 e 169.Devem ser registrados os seguintes negócios jurídicos: compra e venda, troca, dação em pagamento, doação, transação em que entre imóvel estranho ao litígio.Assim, o registro é uma “tradição” solene, sendo insuficiente a subscrição do título ou a mera entrega da coisa ao adquirente.

10.1.1 - São três os sistemas do registro imobiliário:1- Romano: o título não se mostra suficiente para transferir o domínio, devendo ser completado por uma forma de aquisição, que seria o registro.2- Francês: o registro imobiliário tem finalidade apenas como instrumento de publicidade e oponibilidade a terceiros, pois o contrato por si só transfere a propriedade e gera direito real.3 - Alemão: os contratos (causa) produzem apenas obrigações. A transmissão da propriedade depende de uma segunda convenção entre as partes, denominada convênio jurídico-real, realizada perante o oficial de registro e completamente dissociada do título originário. A chave desse sistema é o cadastro de toda propriedade imobiliária. O registro tem presunção absoluta, pois eventual nulidade do contrato originário não contaminará o direito real, posto que é livre de vícios em face da aposição da fé pública pelo oficial do registro.

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No Brasil adotou-se o sistema romano. (art. 1.245 e seu § 1.º, CC). O título18 simplesmente serve de causa, pois não tem força translativa. É fundamental a intervenção estatal, realizada pelo oficial do Cartório Imobiliário. Entretanto, é desnecessária a efetivação de um segundo contrato para a consolidação do registro em nome do novo titular; basta o depósito do negócio causal no RGI, pois a autorização para a transferência resta implícita no título de origem.Exemplo: vendedor que falece antes do registro imobiliário pelo comprador.Em nosso sistema o registro não conduz a uma presunção absoluta e indestrutível da propriedade. São características básicas do sistema de registro brasileiro:

a) Vinculação do modo ao título : a validade do registro está condicionada ao conteúdo do título. Assim, qualquer vício no negócio jurídico originário poderá, a qualquer tempo, contaminar o registro, acarretando a perda da propriedade pelo adquirente.

b) Relatividade da presunção de propriedade : em princípio, quem registra é dono. Mas se o teor do registro não exprime a verdade, cabe ao prejudicado invalidá-lo. Desta forma, se o proprietário não desfruta de garantia absoluta do seu título, por outro lado, tem a comodidade de aguardar que o terceiro apresente as provas necessárias para desconstituí-lo. A presunção juris tantum de domínio proporciona ao proprietário uma vantagem processual, que é a inversão do ônus da prova.

Exemplo: João celebra contrato de compra e venda com Manoel, vindo o comprador a efetuar o registro imobiliário. Posteriormente Antonio alega que o alienante (João) não era proprietário, sendo a aquisição realizada por Manoel a non domino. Antonio ajuizará ação para decretação de invalidade do título (contrato de compra e venda) com a cumulação sucessiva do pedido de cancelamento do registro, logrando êxito nesta demanda e eliminará a propriedade de Manoel (art. 1.245, § 2.º, CC).Supondo, ainda, que Manoel houvesse alienado o imóvel para Maria e esta, sucessivamente, a Joaquim, seria ainda possível que Antonio alegasse o vício do título perante Joaquim. Os vícios originários do título são insanáveis e se transmitem junto à cadeia de adquirentes. É irrelevante ao desfecho da causa a alegação de boa-fé por parte de Joaquim (art. 1.247, parágrafo único, CC).19

Sistema Torrens: art. 277 e ss. da Lei n. 6.015/73 – o título levado a assento no Registro Torrens tem valor absoluto, ficando resguardado de quaisquer protestos, reclamações, reivindicações e evicções, como se estivesse revestido com o manto da intangibilidade. Restringe-se ao registro de propriedades rurais.Trata-se de um procedimento demorado, difícil e complexo, em que cada registro requer ação judicial (art. 281, LRP), que pode assumir o caráter de contenciosa, reivindicatória do imóvel que se pretende registrar, além do elevado custo com publicação de editais, custas e outras despesas. Talvez por isso, o Torrens não foi bem acolhido no Brasil. Só o proprietário possui legitimação para requerer esse registro, mediante comprovação de seu domínio (art. 278, I, LRP).

10.1.2 – Atributos ou efeitos da transcrição: Prioridade ou preferência : é a proteção concedida àquele que prenota o título constitutivo em

primeiro lugar no Livro de Protocolo do Registro Imobiliário. Ordem cronológica de apresentação dos títulos. Assim, se uma pessoa vender o mesmo imóvel duas vezes, a pessoas distintas, considerar-se-á proprietário aquele que primeiro proceder ao registro imobiliário. Restará ao outro adquirente apenas ação indenizatória contra o alienante, em face do inadimplemento da obrigação de dar. A conduta do alienante pode ser considerada crime de estelionato, conforme art. 171, § 2.º, II, CP.Em certas situações, a prioridade serve para estabelecer a ordem de preferência quando do resgate de créditos de diversos credores. É o caso da hipoteca, posto que a vantagem do primeiro credor hipotecário sobre os demais será a faculdade de obter preferencialmente o pagamento do débito após a venda do bem em leilão. Remanescendo crédito, porém, os credores que o seguirem na ordem de graduação serão contemplados (arts. 1.477, 1.478, 1.493 e parágrafo único, do CC).

18 Título: negócios jurídicos emanados da autonomia privada (contrato de compra e venda, doação, etc.), bem como sentença de adjudicação, carta de arrematação.19 STJ, REsp. n. 122.853 – SP – 3.ª Turma – Rel. Min. Ari Pargendler – DJU 07/08/2000.

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Força probante : funda-se na fé pública do registro, pois presume-se (juris tantum) pertencer o direito real à pessoa em cujo nome se faz o assento. O registro não possui eficácia saneadora, como no sistema germânico, e a qualquer tempo toda a cadeia sucessória poderá ser afastada em face do defeito inicial.Ver artigos: 447, 456, CC (evicção) e 70, I, CPC (denunciação da lide); art. 1.242, CC (usucapião ordinário – justo título [boa-fé] e prazo).

Continuidade : o registro anterior prende-se ao posterior. Se o imóvel não estiver registrado no nome do alienante ou transmitente, não poderá ser levado a assento em nome do adquirente.Exemplo: imóvel adquirido quando a pessoa era solteira e alienado após o seu casamento. Primeiro é necessário averbar a certidão de casamento no Cartório Imobiliário, para depois proceder ao registro de compra e venda.* Esse princípio é derrogado na hipótese excepcional da aquisição da propriedade imobiliária por usucapião (modo de aquisição originário).

Publicidade : tem por fim tornar conhecidas pela sociedade as alterações no cadastro imobiliário e proteger os atos praticados com boa-fé. Erga omnes.

Legalidade : o oficial só efetua o registro do título quando não encontra quaisquer irregularidades nos documentos apresentados. Assim, o título deve estar revestido das exigências legais.Exemplo: se no assento imobiliário constar que o imóvel é inalienável em virtude de doação ou sucessão, não será registrado um contrato de compra e venda.Neste caso, quando o oficial se nega ao registro devido ao exame de legalidade, o intessado deve formular requerimento ao oficial do registro, a fim de que ele suscite dúvida ao juiz de direito – art. 198, LRP. A dúvida é um processo de jurisdição voluntária, no qual o juiz decidirá se o juízo de legalidade emitido pelo oficial deve ser confirmado. Se a dúvida for julgada improcedente, o oficial é obrigado a acatar o registro, pois não dispõe de interesse em recorrer.

Especialidade : o imóvel deve estar precisamente descrito e caracterizado como corpo certo, individual e autônomo. Não se procede ao registro sobre uma universalidade de bens ou sobre um número indefinido de imóveis. Exemplo: herança – só poderá ser objeto de registro quando da homologação do formal de partilha. Durante o inventário o patrimônio pertence abstratamente aos herdeiros, em frações ideais, sem divisão de cotas concretas.

10.2 – ACESSÃOArt. 1.248, CC: direito em razão do qual o proprietário de um bem passa a adquirir a propriedade de tudo aquilo que a ele se adere. O acréscimo surge do exterior da coisa, passando a integrá-la física ou juridicamente, em caráter definitivo. Questões:- Podem ser considerados acréscimos, para o fim de acessão, os frutos e produtos?- E as coisas que se acrescentam ao imóvel sem aderência – ex.: barraca de camping?

A acessão, como modo de aquisição de propriedade imóvel, pode dar-se:a) de imóvel a imóvel: aluvião, avulsão, formação de ilhas, álveo abandonado;b) de móvel a imóvel: plantações e construções;

Subdivide-se em:a) acessão natural (arts. 1.249 a 1.252, CC): aluvião, avulsão, formação de ilhas, álveo abandonado.b) acessão artificial: construções e plantações.

É modo originário de aquisição da propriedade: o proprietário da coisa acedida (principal) adquire a propriedade da coisa acedente (acessória) que pertence a outrem, independentemente de qualquer registro na circunscrição imobiliária. Em alguns casos, o titular desfalcado do domínio será indenizado, em respeito ao princípio que veda o enriquecimento sem causa.

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10.2.1 – FORMAÇÃO DE ILHAS – art. 1.249, CC- Rios particulares.- A formação de ilha só beneficiará um particular quando, por força natural, surgir um pedaço de terra em um rio não navegável20. O surgimento de ilhas decorre de movimentos sísmicos; depósito paulatino de materiais (areia, cascalho, fragmentos de terra) trazidos pela própria corrente ou de rebaixamento de águas, deixando descoberto e a seco uma parte do fundo ou do leito.Para identificar o proprietário ribeirinho com direito à acessão, deve-se observar a linha mediana do rio (art. 23, §§ 1.º e 2.º, do Código de Águas e 1.249, I a III, CC):

1. se a ilha se formar no meio do rio, pertencerá aos proprietários ribeirinhos fronteiros, na proporção de suas testadas, até a linha que dividir o álveo em duas partes iguais;- Álveo: é a superfície que as águas cobrem sem transbordar para o solo natural e ordinariamente enxuto.

2. se a ilha se formar entre a linha mediana e uma das margens, pertence ao proprietário do mesmo lado;

3. se um braço do rio abrir a terra, a ilha que resultar desse desdobramento continua a pertencer aos proprietários à custa de cujos terrenos se constituiu.

* Ver gráficos.

Verificar arts. 20, IV e 26, II e III, da CF.

10.2.2 – ALUVIÃO – art. 1.250, CC- Aluvião própria: acréscimo paulatino de terras que o rio deixa naturalmente nos terrenos ribeirinhos;- Aluvião imprópria: acréscimo que se forma quando parte do álveo se descobre em razão do afastamento das águas correntes, muitas vezes como conseqüência de lesões ambientais.Requisitos: realizar-se de forma lenta, sucessiva e imperceptível, sem que se possa determinar o lugar de onde se desprendeu a terra.Identificação do proprietário: será do dono dos terrenos marginais.As substâncias materiais que se acrescem podem ter-se originado de destaque da propriedade de outrem, que as perde. Para este não há pretensão indenizatória, posto presumir-se que os acréscimos vieram de lugar ignorado, não podendo se estabelecer um nexo de causalidade entre a perda de um proprietário e a gradual aquisição de outro.

10.2.3 – AVULSÃO – art. 1.251, CC- É o desprendimento, por força natural, violenta e abrupta (ex. uma correnteza), de uma porção de terra que se vai juntar ao terreno de outro proprietário, ocorrendo a consolidação de duas coisas em uma.O proprietário perdente reclaramará a devolução no prazo decadencial de um ano. O proprietário do prédio acrescido, no prazo decadencial, tem o direito de optar entre concordar com a remoção da parte acrescida ou indenizar o dono da propriedade perdente. O quantum indenizatório deverá ter por base a extensão do acréscimo ocorrido.Após o prazo decadencial sem qualquer manifestação do proprietário perdente, a terra é incorporada definitivamente e gratuitamente ao domínio.

10.2.4 – ÁLVEO ABANDONADO – art. 1.252, CC- Há um total e permanente abandono do antigo leito, por um rio que seca ou que se desvia em virtude de fenômeno natural, ficando o leito inteiramente descoberto e passando a pertencer aos proprietários ribeirinhos das duas margens, seja o rio público ou particular. Deve originar-se de forças naturais. Os donos dos terrenos por onde o rio inaugure novo curso não têm direito à indenização, por se tratar de força maior que não pode ser evitada.A divisão se fará tendo por base a linha mediana do álveo abandonado, pertencendo a cada um na extensão de sua testada, por uma linha perpendicular da margem, nos pontos extremos, à linha mediana do álveo. - Álveo abandonado por forças humanas:

20 Se o rio for navegável, a acessão se verifica em proveito da pessoa jurídica de direito público, por se tratar de águas públicas.

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a) o prejudicado fará jus à indenização correspondente ao valor das terras submergidas; Havendo irregularidade da parte contrária, poderá, ainda, o prejudicado reclamar o desfazimento da obra e o retorno das águas ao curso original;b) se a mudança da corrente se der por utilidade pública, o terreno ocupado pelo novo álveo deve ser indenizado e o álveo abandonado passa a pertencer ao expropriante para que se compense da despesa feita. Nesse caso, o abandono do álveo foi artificial, por isso não se fala em acessão.

10.2.5 – CONSTRUÇÕES E PLANTAÇÕES – art. 1.253 e ss. CCVerifica-se a acessão artificial nas hipóteses de semeadura, plantação e edificação, quando a titularidade das sementes, plantas e materiais de construção não coincidem com a do terreno (art. 1.253, CC – presunção relativa)Princípio de que o acessório segue o principal. O solo é a coisa principal.

- Possibilidades:a) semeadura, plantação ou construção em terreno próprio com sementes, plantas ou materiais alheios: art. 1.254, CC.b) semeadura, plantação ou construção em terreno alheio com sementes, plantas e materiais próprios: art. 1.255, CC. Boa-fé = justo título (art. 1.201, parágrafo único, CC).Art. 1.255, parágrafo único, CC: “acessão inversa” ou “desapropriação privada” – o solo deixa de ser o bem principal. Princípio da função social da propriedade: o dono do solo invadido deveria, durante a construção, ter feito uso da ação de nunciação de obra nova, para embargá-la.

Acessão artificial BenfeitoriaObras que criam uma coisa nova e que se aderem à propriedade anteriormente existente. Há alteração na substância ou na destinação da coisa principal.

Despesas feitas com a coisa ou obras feitas na coisa, visando sua conservação, melhoramento ou embelezamento.

Boa-fé: elemento imprescindível para fins de indenização.

Boa-fé: elemento irrelevante no caso de benfeitoria necessária.

O possuidor visa o seu próprio interesse, sem se preocupar com o do proprietário.

Pode-se falar em gestão de negócio, presente o princípio da solidariedade humana e do não-locupletamento.

Não admite direito de retenção para fins de ressarcimento.

Admite-se o direito de retenção, em alguns casos, para fins de ressarcimento.

Valor da indenização: justo. O proprietário pode optar entre o valor atual e o valor do custo.

c) proprietário do terreno e possuidor-construtor/plantador agem de má-fé: art. 1.256 e seu parágrafo único, CC.Exemplo: após o casamento, o casal A e B resolvem construir no fundo do terreno do pai de A. Tempos depois o casal resolve se separar. Caberá a B pleitear indenização calculada sobre 50% do valor da acessão (construção), uma vez que o proprietário agiu de má-fé ao permitir as obras em seu terreno. B não terá qualquer direito sobre o terreno.d) terceiro de boa-fé que realiza semeadura, plantação ou construção em terreno alheio com sementes, plantas e materiais alheios: art. 1.256 e 1.257, parágrafo único, CC.e) construção em zona lindeira (que invade parcialmente terreno alheio): art. 1.258 e 1.259, CC. Favorece a boa-fé do construtor e evita-se a demolição de construção de valor considerável que invadiu pequena área do proprietário vizinho (não superior a 1/20 parte desse), desde que o beneficiado o indenize conforme o valor do solo invadido, levando-se em conta a desvalorização mercadológica do remanescente.Esse fato é comum em loteamentos irregulares, com marcos divisórios apagados ou confusos.Aqui também observa-se a aplicação do princípio da função social da propriedade, em detrimento ao direito do proprietário que não embargou oportunamente a obra, movendo nunciação de obra nova.Portanto, nesse caso, devem ser observados:

- animus do construtor: boa-fé ou má-fé;- extensão da construção no imóvel alheio: inferior ou superior a 1/20;

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- valor da indenização conforme boa-fé ou má-fé do construtor: valor da área perdida, desvalorização da área remanescente, valor da construção x valor da parte invadida, impossibilidade de demolição da construção.

10.3 – USUCAPIÃOEtimologicamente:

10.3.1 - CONCEITO: modo de aquisição da propriedade e de outros direitos reais pela posse prolongada da coisa, durante certo lapso de tempo, com a observância dos requisitos legais.10.3.2 - FUNDAMENTO: consolidação da propriedade; garantia de estabilidade e segurança da propriedade.

Posse = poder de fato; Propriedade = poder de direito sobre a coisa.

A posse, unida ao tempo e demais requisitos legais, confere juridicidade a uma situação de fato, convertendo-a em propriedade. A usucapião é a “ponte” para essa alteração objetiva na relação entre o titular e o objeto.Trata-se de um instituto imprescindível à estabilidade do direito; há interesse social de que a lei se aproveite da negligência do proprietário.

10.3.3 - Modo de aquisição originário : inexistência de relação de direito real ou pessoal entre o adquirente e o antigo dono da coisa. Conseqüências: o bem incorpora-se ao patrimônio do novo titular (usucapiente) em toda a sua plenitude, livre de todos os vícios que a relação jurídica pregressa apresentava; não incidência do fato gerador do ITBI (a transmissão da propriedade, a teor do art. 35 do CTN); inexistência de qualquer ônus real sobre o imóvel (por exemplo, hipoteca, servidão).

O Direito Romano já considerava a usucapião como modo aquisitivo de domínio: Lei das XII Tábuas – posse prolongada:2 anos – imóveis; posteriormente 10 anos entre presentes e 20 anos entre ausentes.1 ano – móveis e mulheres.Mais tarde surgiram os requisitos do justo título e da boa-fé.

10.3.4 - REQUISITOS:a) Pessoais: relativos ao possuidor que pretende adquirir e o proprietário que perde o bem. Ver arts. 1.244, 197 a 201, 3.º, CC.Exemplo: três irmãos formando um condomínio em relação a um imóvel. Um terceiro, estranho àquele condomínio, conclui prazo de posse ad usucapionem relativo ao imóvel citado, mas há causa impeditiva ou suspensiva ao curso da prescrição em prol de um dos condôminos (como por exemplo, um deles é absolutamente incapaz). Em regra, a prescrição não beneficiará os demais comproprietários, pois as hipóteses elencadas no CC para paralisar o curso da usucapião são de natureza personalíssima. Entretanto, de acordo com o art. 201, CC, se a obrigação for indivisível, o benefício da suspensão será estendido aos demais e, cessado o motivo justificador da paralisação, o prazo voltará a correr de onde parou.

b) Reais: relativos aos bens e direitos suscetíveis de usucapião.Somente os direitos reais que recaem em coisas prescritíveis podem ser adquiridos por usucapião – propriedade, servidões, enfiteuse, usufruto, uso e habitação. Certos bens são imprescritíveis, como os que estão fora do comércio (ar, luz solar, etc) e os bens públicos (arts. 183, § 3.º e 191, parágrafo único da CF; art. 102, CC; Súmula 340/STF).Bens pertencentes a sociedades de economia mista e empresas públicas são usucapíveis, pois tratam-se de pessoas jurídicas de direito privado (art. 98, CC). Essas pessoas jurídicas desempenham atividade de natureza econômica de produção ou comercialização de bens ou de prestação de serviços (art. 173, § 1.º, CF). Assim, seus bens são privados e não tem os benefícios que protegem os bens públicos. Entretanto, o STF faz distinção entre as paraestatais prestadoras de

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usu + capio/caperePelo uso tomar/adquirir => tomar (a coisa) pelo uso

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serviço público e exploradoras de atividade econômica, incluindo os bens afetados à finalidade pública como submetidos ao regime jurídico de direito público. Bens com cláusula de inalienabilidade: são passíveis de aquisição por usucapião. Fundamento: usucapião é modo originário de aquisição da propriedade (entendimento do STJ).Há divergência neste particular, pois o STF entende que, se admitida a usucapião ao bem clausulado de inalienabilidade, haverá vulneração ao art. 1.911, CC.Diante disso, pode-se ter o seguinte entendimento: não se admite a usucapião na modalidade ordinária (art. 1.242,CC – exige justo título e boa-fé) sobre bem imóvel com cláusula de inalienabilidade. Não se forma justo título quando o negócio jurídico de origem não é capaz de, ao menos em tese, transmitir domínio. Bem de família – voluntário (art. 1.711, 1.715, CC) e legal (Lei n. 8.009/90) – admite usucapião. A restrição do bem de família legal refere-se à impenhorabilidade do imóvel residencial da entidade familiar. Já o bem de família voluntário possui restrição de inalienabilidade e impenhorabilidade.Terras tradicionalmente ocupadas pelos indígenas em usufruto – não são passíveis de usucapião (arts. 231, §2.º e 20, XI, da CF), pois são inalienáveis, indisponíveis e insuscetíveis de prescrição aquisitiva (§4.º do art. 231, CF).Terras ocupadas pelos quilombolas – usucapião permitido de acordo com o art. 68 do ADCT. Beneficiam-se os moradores e descendentes de quilombolas (escravos fugidos ao tempo da escravidão) que começaram a possuir tais terras, se a posse contínua e pacífica, com animus domini se transmitiu por gerações até a edição da CF de 1988. Neste caso, a usucapião pode recair sobre bens públicos, não se aplicando a ressalva dos arts. 183 e 191, da CF.Condômino x demais comproprietários – possibilidade de usucapião:

1. condomínio pro indiviso : o bem é indivisível de fato e de direito. Nesse caso, é possível a usucapião apenas se um dos condôminos possuir a integralidade do imóvel, isto é, se tiver posse exclusiva sobre a totalidade do condomínio por quinze (15) anos, de modo a excluir os outros proprietários.

2. condomínio pro diviso : neste caso a indivisão é apenas jurídica, pois não houve ação de divisão, mas já houve divisão de fato entre os condôminos sobre as áreas específicas de atuação individual. Assim, só haverá usucapião se um dos condôminos possuir área exclusiva de outro(s) comproprietário(s) (determinada porção concreta do imóvel), pelo prazo de quinze (15) anos.

3. Condomínios horizontais (edifícios) – não cabe usucapião de área comum, mesmo que de forma exclusiva. Presume-se que os atos de ocupação decorrem de mera tolerância dos demais condôminos, gerando somente detenção. (arts. 1.331, §2.º e 1.335, II, CC).

4. Vaga de garagem – não é área comum a todos os moradores. È possível a usucapião. Entretanto, a vaga deve ser autônoma em relação ao imóvel, tendo matrícula e fração ideal determinadas.

c) Formais: três requisitos essenciais à usucapião ordinária e extraordinária: tempo, posse (mansa, pacífica, contínua e pública) e o animus domini . Ainda pode-se falar no justo título e boa-fé para a modalidade de usucapião com menor tempo.

- Tempo: diminuição no novo CC – princípio da efetividade. Usucapião extraordinária: diminuiu o prazo de vinte para quinze ou dez anos (art. 1.238, CC), de acordo com o tipo de posse, simples (caput) ou qualificada (parágrafo único).Ver art. 2.029, CC – solução de conflito intertemporal.

- Posse ad usucapionem : mansa, pacífica, contínua e pública.Exclusão do direito de usucapião aos detentores.Mansidão, pacificidade e continuidade – exercício ininterrupto e sem oposição do proprietário. A pacificidade da posse cessa apenas no instante em que há oposição judicial/extrajudicial por parte de quem pretende retomá-la, condicionada a interrupção da prescrição aquisitiva ao reconhecimento da procedência da sentença transitada em julgado. A continuidade refere-se à posse exercida sem intervalos. Perdida a posse, inutiliza-se o tempo anteriormente vencido. Na usucapião ordinária e na extraordinária, não há exigência de moradia pelo usucapiente. Pode ele possuir a coisa por intermédio de seus funcionários ou das pessoas a quem outorgou posse direta em virtude de relação jurídica. A posse será descontínua quando o possuidor abandonar o poder físico sobre a coisa por

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prazo relevante. A questão sobre o tempo aproximado desse lapso de ausência é mais uma questão probatória e fática do que jurídica.Ver arts. 1.243, e 1.207, CC – união de posses.

- Animus domini: consiste no propósito de o usucapiente possuir a coisa como se esta lhe pertencesse (requisito psíquico). Excluem-se do usucapião os que exercem temporariamente a posse direta, por força de obrigação ou direito (art. 1.197, CC), pois a posse indireta não é afastada, continua a existir concomitantemente com aquela.

- Justo título: art. 1.201, parágrafo único; art. 1.242, CC – documento capaz de transferir o domínio; formalizado e devidamente transcrito e hábil ou idôneo à aquisição da propriedade.Ex.: contrato de compra e venda, de doação, formal de partilha. Algum vício/irregularidade não obsta o direito de usucapir, pois pode ser eivado pelo tempo, exceto a nulidade absoluta.

- Boa-fé: art. 1.201 e 1.202, CC – Convicção do possuidor de que não ofende direito alheio; ignora vício/obstáculo que impede a aquisição da propriedade; crença de que a coisa realmente lhe pertence. A menor dúvida exclui a boa-fé. Sem boa-fé: usucapião extraordinária.

* Sentença: título hábil para assento no Registro Imobiliário. Sentença declaratória: arts. 941 a 945, CPC; art. 1.241 e parágrafo único do CC.Registro: valor meramente probante, não constitutivo. Não confere aquisição, mas regulariza a situação do imóvel. (Art. 167, I, n. 28, Lei n. 6.015/73)

10.3.5 – ESPÉCIES DE USUCAPIÃO

a) Código Civil:a.1 - Extraordinária (art. 1.238)a.2- Ordinária (art. 1.242)a.3 - Especial urbana ou pro habitante (art. 1.240)a.4 - Especial rural ou pro labore (art. 1.239)

b) Constituição da República:b.1 - Especial urbana ou pro habitante (art. 183, §§ 1.º ao 3.º)b.2 - Especial rural ou pro labore (art. 191)

c) Estatuto da Cidade:Especial coletiva de imóvel urbano (art. 10)

d) Medida Provisória 2.220/01: Concessão especial de Uso para fins de moradia.

Fundamento: moradia como direito social fundamental (art. 6.º, CR) e a concessão de uso a qualquer pessoa ou entidade familiar, conforme art. 183, § 1.º, CR.

Aqueles que até 30/06/2001 completaram cinco anos de posse sobre terrenos públicos

urbanos, com os mesmos requisitos exigidos pelo art. 183, CR para a usucapião urbana, são beneficiados com a MP.

Trata-se de um contrato de direito público gerador de novo direito real em coisa alheia que concede ao possuidor de bens públicos a moradia gratuita sobre o bem imóvel transmissível inter vivos ou mortis causa (mas passível de resolução se ao imóvel for conferida destinação diversa à moradia). O título de uso será obtido pela via administrativa ou judicial, com posterior registro no ofício imobiliário.

10.3.6 – USUCAPIÃO COMO DEFESASúmula 237/STF: possibilidade de arguição de usucapião em defesa nas ações reais. Mesmo no caso do possuidor com prazo de prescrição aquisitiva já completado não ter ajuizado a ação de usucapião pelo rito especial dos arts. 941 e ss. do CPC, não ficará impedido de demonstrar os

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requisitos cumulativos em defesa (contestação), obstando, assim, o êxito da pretensão contra si dirigida.

11. MODOS DE AQUISIÇÃO DA PROPRIEDADE MÓVEL

- Modos originários: ocupação e usucapião.- Modos derivados: especificação, confusão, comistão, adjunção, tradição e sucessão hereditária (esta tratada no direito das sucessões).

11.1 – OcupaçãoConceito: É a forma pela qual alguém imediatamente se apropria de coisas móveis ou semoventes21, sem dono, seja porque nunca foram apropriadas (res nullius), seja porque foram abandonadas pelos seus donos (res derelictae) – art. 1.263, CC.

Não se confundem coisas abandonadas com coisas perdidas. Quem perde uma coisa não perde sua propriedade, mas fica, momentaneamente, privado de exercer o seu domínio. No caso da perda, há um temporário afastamento do corpus, mas é mantido o animus.

O abandono se presume pelas circunstâncias que induzem ao despojamento conjunto de corpus e animus. Torna-se necessário que haja intenção do seu dono de se despojar dela. Não há necessidade de declaração expressa do dono, basta a dedução inequívoca do propósito de abandonar o bem, tendo em vista o comportamento do dono em relação ao bem.Maria Helena Diniz, citando Caio Mário da Silva Pereira, diz que

não seria lícita a cláusula inserida em talões de empresas de serviço (lavanderia, sapataria, transportadora), que entendem como abandonados os objetos não procurados dentro de um certo prazo, porque não se pode presumir que alguém, deixando um objeto para ser reparado, esteja renunciando a ele; só sendo aceitável o mandato para vender, para que o locador do serviço possa pagar-se do custo deste.22

A ocupação pode se dar de três formas:

a) ocupação propriamente dita – art. 1.263, CC. Tem por objeto seres vivos e coisas inanimadas. Principais: caça e pesca, conforme legislação especial.

b) descoberta (arts. 1.233 a 1.237, CC). Objeto: coisas perdidas.A descoberta é o achado de coisa móvel perdida pelo proprietário. Existe a obrigação de restituição ao dono ou legítimo possuidor (art. 1.233, CC; arts. 1.170 e 1.173 e ss., CPC). O descobridor deve usar todos os meios possíveis para encontrar o verdadeiro dono, comunicando o fato aos conhecidos, publicando em jornais e outros meios de comunicação. Não conseguindo encontrá-lo, deve entregar o achado à autoridade competente do lugar (art. 1.233, parágrafo único, CC). A violação dessas normas pode enquadrar-se no delito de apropriação de coisa achada, art. 169, parágrafo único, II CP.O descobridor não adquire o bem achado, mas tem direito a um prêmio ou recompensa, denominada achádego, acrescida da indenização pelas despesas de conservação e transporte da coisa, se tiver feito. O valor da indenização dá-se conforme art. 1.234 e seu parágrafo único, CC. O dono da coisa perdida pode eximir-se do pagamento da recompensa se resolver abandoná-la. Neste caso o descobridor tem direito de se apropriar dela.

c) tesouro (arts. 1.264 a 1.266, CC). Objeto: coisas achadas.

21 A ocupação, conforme o NCC tem por objeto seres vivos e coisas inanimadas. Assim, recairá em animais, sob a forma de caça e pesca, bem como sobre substâncias minerais, vegetais ou animais lançados à praia pelo mar.22 DINIZ, Maria Helena. Curso de Direito Civil Brasileiro: direito das coisas. Vol. 4. 20ª. ed. rev. e atual. São Paulo: Saraiva: 2004. Pág. 304, 305.

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Conforme art. 1.264, CC, tesouro é o depósito antigo de coisas preciosas ocultas, cujo dono seja desconhecido. Se sua propriedade puder ser justificada, não há tesouro.Exemplo: objeto encontrado em escavação de terreno ou demolição de prédio. È requisito que a coisa esteja oculta. A ocultação deve ter sido providenciada pelo homem. Não se tem achado quando a ocultação se dá por fenômeno natural.A quem pertence os bens encontrados?1) se for achado pelo proprietário do terreno, ou em pesquisa que ordenou por meio de prepostos, pertence ao proprietário, seguindo a regra de que o acessório segue o principal (art. 1.265, CC).2) se for encontrado por pessoa que não é proprietária, isto é, pelo descobridor, terá este direito à metade do tesouro quando o encontre casualmente (art. 1.264, CC). Exemplo: comodatário, locatário.3) se o descobridor penetrar no prédio alheio com o propósito de encontrar o tesouro, não terá direito a nada, pois não se permite a obtenção de vantagem no caso de esbulho (art. 1.265, CC).O art. 1.266 não tem muita aplicação nos dias atuais, tendo em vista a extinção da enfiteuse no atual CC (art. 2.038). Só se aplica às constituições de enfiteuse anteriores ao CC.No caso de terreno objeto de usufruto ou locação, não cabe ao usufrutuário ou ao locatário qualquer direito sobre o tesouro casualmente encontrado por terceiro. O direito à metade desse tesouro compete ao nú-proprietário (usufruto) ou ao locador (locação).

11.2 – USUCAPIÃOA estrutura da usucapião sobre móveis se assemelha à modalidade da usucapião imobiliária.- Usucapião ordinária (art. 1.260, CC): posse mansa, pacífica, ininterrupta e sem oposição, durante três anos, exercida com animus domini, justo título e boa-fé.- Usucapião extraordinária (art. 1.261, CC): posse ininterrupta e pacífica com animus domini pelo decurso de prazo de cinco anos, sem que tenha justo título e boa-fé.

O terceiro de boa-fé que adquire veículo proveniente de furto, tem a faculdade de usucapi-lo. Após três anos de posse, sem sofrer qualquer oposição séria (judicial), não poderá o proprietário primitivo buscar a coisa em seu poder, haja vista possuir o usucapiente os requisitos do justo título e boa-fé. A sua convicção de dono procede do fato de ter registrado o veículo em seu nome perante o órgão de trânsito, ignorando, assim, a sua origem ilícita.

É possível a usucapião de objeto furtado pelo próprio autor do furto?É possível a aquisição por usucapião, por terceiro, quando há posse incontestada de objeto furtado por mais de 5 anos. Existe controvérsia quanto a essa possibilidade, quando o usucapiente é o próprio autor do furto/roubo.

Razões de admissibilidade:1. usucapião extraordinário não requer boa-fé.2. posse violenta – a prescrição aquisitiva inicia-se com a cessação da violência (art. 1.208, CC).

=> Posse mansa e pacífica: cessa quando o MP oferece denúncia pelo fato típico, ante o caráter de publicidade emanado da ação penal.

=> Desta forma, conclui-se que é possível ao autor do furto/roubo, adquirir por usucapião extraordinário, a propriedade do produto de crime.

Entretanto, o possuidor-usucapiente pode prejudicar-se reflexamente, pois o juiz cível pode julgar procedente o seu pedido de usucapião, mas oficiar o juízo penal sobre o ilícito criminal, e a possível sentença condenatória incluir como um dos efeitos secundários o perdimento dos bens obtidos com a prática do ilícito (art. 91, CP).

CÓDIGO PENALArt. 91. São efeitos da condenação:I - tornar certa a obrigação de indenizar o dano causado pelo crime;II - a perda em favor da União, ressalvado o direito do lesado ou de terceiro de boa-fé:

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a) dos instrumentos do crime, desde que consistam em coisa cujo fabrico, alienação, uso, porte ou detenção constitua fato ilícito;b) do produto do crime ou de qualquer bem ou valor que constitua proveito auferido pelo agente com a prática do fato criminoso.

CÓDIGO DE PROCESSO PENALArt. 118. Antes de transitar em julgado a sentença final, as coisas apreendidas não poderão ser restituídas enquanto interessarem ao processo.Art. 119. As coisas a que se referem os artigos 74 e 100 do Código Penal não poderão ser restituídas, mesmo depois de transitar em julgado a sentença final, salvo se pertencerem ao lesado ou a terceiro de boa-fé.Art. 120. A restituição, quando cabível, poderá ser ordenada pela autoridade policial ou juiz, mediante termo nos autos, desde que não exista dúvida quanto ao direito do reclamante.§ 1º. Se duvidoso esse direito, o pedido de restituição autuar-se-á em apartado, assinando-se ao requerente o prazo de 5 (cinco) dias para a prova. Em tal caso, só o juiz criminal poderá decidir o incidente.§ 2º. O incidente autuar-se-á também em apartado e só a autoridade judicial o resolverá, se as coisas forem apreendidas em poder de terceiro de boa-fé, que será intimado para alegar e provar o seu direito, em prazo igual e sucessivo ao do reclamante, tendo um e outro 2 (dois) dias para arrazoar.§ 3º. Sobre o pedido de restituição será sempre ouvido o Ministério Público.§ 4º. Em caso de dúvida sobre quem seja o verdadeiro dono, o juiz remeterá as partes para o juízo cível, ordenando o depósito das coisas em mãos de depositário ou do próprio terceiro que as detinha, se for pessoa idônea.§ 5º. Tratando-se de coisas facilmente deterioráveis, serão avaliadas e levadas a leilão público, depositando-se o dinheiro apurado, ou entregues ao terceiro que as detinha, se este for pessoa idônea e assinar termo de responsabilidade. Art. 121. No caso de apreensão de coisa adquirida com os proventos da infração, aplica-se o disposto no artigo 133 e seu parágrafo. Art. 122. Sem prejuízo do disposto nos artigos 120 e 133, decorrido o prazo de 90 (noventa) dias, após transitar em julgado a sentença condenatória, o juiz decretará, se for caso, a perda, em favor da União, das coisas apreendidas (artigo 74, II, a e b do Código Penal) e ordenará que sejam vendidas em leilão público.Parágrafo único. Do dinheiro apurado será recolhido ao Tesouro Nacional o que não couber ao lesado ou a terceiro de boa-fé. Art. 123. Fora dos casos previstos nos artigos anteriores, se dentro no prazo de 90 (noventa) dias, a contar da data em que transitar em julgado a sentença final, condenatória ou absolutória, os objetos apreendidos não forem reclamados ou não pertencerem ao réu, serão vendidos em leilão, depositando-se o saldo à disposição do juízo de ausentes.Art. 124. Os instrumentos do crime, cuja perda em favor da União for decretada, e as coisas confiscadas, de acordo com o disposto no artigo 100 do Código Penal, serão inutilizados ou recolhidos a museu criminal, se houver interesse na sua conservação.

CONFISCO – APREENSÃO DE QUANTIAS JUNTO AO ACUSADO CUJA PUNIBILIDADE FOI FULMINADA PELA PRESCRIÇÃO – LIBERAÇÃO DOS VALORES – NECESSIDADE – Devem ser liberadas as quantias apreendidas junto ao acusado cuja punibilidade foi fulminada pela prescrição, uma vez que com a declaração de extinção do jus puniendi ocorre o restabelecimento da situação anterior aos fatos geradores da atividade persecutória, não se podendo falar em produto do crime e, muito menos, cogitar-se acerca da aplicação do art. 91, II, b, do CP. (TACRIMSP – MS 386908/8 – 1ª C. – Rel. Juiz Laércio Laurelli – DOESP 13.09.2001) JCP.91 JCP.91.II.B

* Lei n. 370/37, modificada pela Lei n. 2.313/54 e regulamentada pelo Decreto n. 40.395/56, dispõe sobre dinheiro e objetos de valor depositados em estabelecimentos comerciais e bancários, considerando-os abandonados, quando a conta tiver ficado sem movimento e os objetos não houverem sido reclamados durante 30 anos, contados do depósito.

11.3 – ESPECIFICAÇÃO

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11.3.1 - Conceito: modo de aquisição da propriedade mobiliária que se dá mediante a transformação de matéria-prima em espécie nova por meio do trabalho. Ex.: madeira em estátua, bloco de folhas em livro.11.3.2 - Requisitos: - a matéria-prima não pertença ao especificador (mesmo que em parte);- que seja transformada em espécie nova pelo especificador.

11.3.3 - A quem pertence a coisa nova (transformada)?a) se a matéria-prima pertence ao especificador, dele será a titularidade do bem especificado (art. 1.269, CC).b) se parte da matéria-prima pertencer ao especificador, dele também será o bem (art. 1.269, CC);c) se a matéria-prima for alheia em sua integralidade, pertencerá o produto ao especificador de boa-fé quando a espécie nova não puder ser restituída à forma primitiva (art. 1.270, CC);d) se a matéria-prima for alheia em sua integralidade, pertencerá o produto ao dono da matéria-prima, não podendo o especificador de má-fé pleitear indenização pelo trabalho executado (art. 1.270, § 1.º c/c 1.271, CC);e) se a matéria-prima for alheia em sua integralidade, mas o preço da mão-de-obra exceder consideravelmente o seu valor, mesmo havendo má-fé, a coisa nova será do especificador, apenas indenizando o dono daquela por seu valor (art. 1.270, § 2.º, CC). Ex.: um famoso pintor que utiliza tela alheia para criar uma bela obra, ficará com ela, ressarcindo o proprietário da tela.

11.4 – COMISTÃO, CONFUSÃO E ADJUNÇÃOEssass três formas de aquisição da propriedade móvel têm regras semelhantes.- comistão: é a mistura de coisas secas ou sólidas pertencentes a diferentes donos, sem que possam ser separadas e sem que se produza coisa nova (ex.: cimento e areia);- confusão: é a mistura de coisas líquidas de diferentes pessoas, nas mesmas condições (ex.: bebida alcoólica);- adjunção: é a justaposição de uma coisa à outra, sendo uma delas principal e a outra acessória, de tal modo que não possam mais ser separadas sem deterioração do bem formado (ex.: anel de bilhantes, tinta à tela).

Pode-se falar em três formas de acessão de móvel a móvel, em que ocorre a união de coisas de proprietários diversos, sem a possibilidade de separação e entendimento, pois se houver criação de coisa nova haverá especificação (art. 1.269, CC).Situações possíveis:1) Se a mescla for intencional, os proprietários decidem consensualmente o que fazer com o produto. 2) Se a mescla for acidental e irreversível, deve-se observar o art. 1.272, CC:

em regra, a propriedade da coisa indivisível será do dono do bem principal, considerando-se este o de maior valor ou importância. O outro dono será indenizado (art. 1.272, § 2.º).

se não puder ser considerada uma das coisas como principal em relação à outra, haverá um condomínio forçado e cada um dos donos terá quinhão proporcional ao valor da coisa no estado originário (art. 1.272, § 1.º).

3) Se a mescla for consequência de uma conduta unilateral de má-fé por parte de quem sabia que a coisa acedida pertencia à outra pessoa, a outra parte (de boa-fé) terá o direito potestativo de adquirir a propriedade do todo constituído com a mistura ou justaposição, devendo indenizar a parte que agiu de má-fé, mas dela descontando indenização pelo ato ilícito ou, então, renunciar a propriedade da coisa móvel, com direito ao ressarcimento por este ato.

11.5 – TRADIÇÃO11.5.1 - Conceito: é a efetiva entrega da coisa móvel ao adquirente (accipiens), com a intenção de lhe transferir o domínio, em razão de título translativo de propriedade.O contrato, por si só, não é instrumento apto a transferir a propriedade. Trata-se, apenas, de direito pessoal. Somente com a tradição é que essa declaração translatícia de vontade se transforma em direito real (arts. 1.267 e 1.226, CC).11.5.2 - Modalidades:a) Tradição real: é a forma usual de transferência, pois consiste na entrega material da coisa ao adquirente, como por exemplo, aquisição de uma bicicleta na loja.

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b) Tradição simbólica: traduz-se no ato representativo de transferência, em que a entrega não é real, substituindo-se por coisa equivalente. Exemplo: entrega das chaves do veículo.c) Tradição consensual: é a que resulta de acordo de vontade dos interessados, por aposição de cláusula contratual, sem qualquer alteração no mundo dos fatos. Tanto se apresenta no constituto possessório23 (art. 1.267, parágrafo único, CC) como na tradição brevi manu24.Exemplo: Alienação fiduciária de veículo – no primeiro momento, o proprietário aliena o veículo à instituição financeira em garantia de um empréstimo, havendo o constituto possessório; no segundo momento, ao final do pagamento, há a tradição brevi manu.

11.5.3 - Requisitos:a) o tradens (transmitente) deve ser capaz e titular do domínio (art. 1.268, CC). Alienação

realizada por quem não é dono, constitui crime de estelionato (art. 171, § 2.º, I, CP).b) Negócio jurídico válido (artt. 1.268, § 2.º, CC). A tradição requer vontade, que se manifesta no

contrato, e ato, que se dá na efetiva entrega da coisa. Se não houver vontade, não há tradição hábil para transferir propriedade. (ver art. 227, CC – necessidade de forma escrita).

23 Constituto possessório: o proprietário de um bem o aliena a outrem, mas continua como possuidor direto, isto é, há uma inversão no título da posse. Assim, o possuidor que possuía em nome próprio passa a possuir, em razão de acordo (clausula constituti), em nome do adquirente. Ex.: o alienante, em vez de entregar a coisa vendida, a conserva para si por um outro título, como o de locatário.24 Tradição brevi manu: aquele que detinha o bem móvel em nome alheio passa a possuí-lo como proprietário. Não há tradição material da coisa, pois esta permanece na posse direta do primitivo possuidor.

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