Citologia das alterações leucocitárias -...

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Citologia das alterações leucocitárias Principais alterações leucocitárias reacionais o Infecções bacterianas e processos inflamatórios agudos: frequentemente há leucocitose com desvio à esquerda geralmente escalonado nessas situações. As alterações morfológicas que acompanham os quadros infecciosos bacterianos são notadas principalmente nos granulócitos, em que alguns deles exibem granulações tóxicas, vacuolização e ocasionalmente corpos de Döhle nos casos de maior gravidade (veja as fotos na próxima página). Vale ressaltar que excepcionalmente os quadros infecciosos agudos podem cursar com leucopenia ou apresentarem desvio à esquerda não-escalonado, além disso é possível também a observação de linfócitos atípicos em número aumentado. o Infecções virais: as viroses podem ser acompanhadas de leucocitose ou leucopenia, sendo que o aumento do número de linfócitos atípicos tende a ser a principal alteração nesses casos. Granulações tóxicas em neutrófilo Vacuolização em dois neutrófilos Corpos de Döhle (setas) em neutrófilos

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Citologia das alterações leucocitárias

Principais alterações leucocitárias reacionais

o Infecções bacterianas e processos inflamatórios agudos:

frequentemente há leucocitose com desvio à esquerda geralmente

escalonado nessas situações. As alterações morfológicas que

acompanham os quadros infecciosos bacterianos são notadas

principalmente nos granulócitos, em que alguns deles exibem

granulações tóxicas, vacuolização e ocasionalmente corpos de

Döhle nos casos de maior gravidade (veja as fotos na próxima

página). Vale ressaltar que excepcionalmente os quadros

infecciosos agudos podem cursar com leucopenia ou apresentarem

desvio à esquerda não-escalonado, além disso é possível também

a observação de linfócitos atípicos em número aumentado.

o Infecções virais: as viroses podem ser acompanhadas de

leucocitose ou leucopenia, sendo que o aumento do número de

linfócitos atípicos tende a ser a principal alteração nesses casos.

Granulações tóxicas em neutrófilo

Vacuolização em dois neutrófilos

Corpos de Döhle (setas) em neutrófilos

Os linfócitos atípicos são na realidade linfócitos ativados ou

reativos, que participam ativamente da resposta imune ao quadro

infeccioso (ver foto abaixo).

o Uso de corticóides e G-CSF: o uso de corticóides sistêmicos está

frequentemente associado ao desenvolvimento de leucocitose de

discreta a moderada intensidade com desvio à esquerda discreto

ou inexistente, com predomínio de leucócitos maduros. Já o G-CSF

(fator estimulante de colônia de granulócitos) pode causar

leucocitose e desvio à esquerda de moderada a acentuada

intensidade, com presença de diversos precursores granulocíticos.

Linfócitos atípicos (três) e um linfócito típico (à direita)

Desvio à esquerda ocasionado pelo uso de G-CSF

Processos leucêmicos

o Leucemia mielóide aguda (LMA): o hemograma nessa doença se

caracteriza pela leucocitose acentuada acompanhada de anemia e

plaquetopenia na maioria dos casos. Na contagem diferencial de

leucócitos geralmente há franco predomínio de mieloblastos, mas

sem desvio à esquerda. Os mieloblastos são células de tamanho

aumentado, com núcleo exibindo cromatina frouxa e presença de

nucléolos; o citoplasma é basofílico, podendo ou não conter

grânulos, e por vezes nota-se uma estrutura característica dessa

célula: o bastonete de Auer (veja última foto abaixo).

o Leucemia linfóide aguda (LLA): nessa doença, o hemograma segue

o padrão de leucemia aguda com leucocitose acompanhada de

Mieloblastos tipo I (citoplasma agranular) Mieloblasto tipo II (até 20 grânulos citoplasmáticos) Mieloblastos tipo III (>20 grânulos citoplasmáticos) Mieloblasto com bastonete de Auer (seta)

anemia e plaquetopenia; no entanto, em alguns casos a

apresentação pode ser de leucopenia. Nos quadros instalados, há

predomínio de linfoblastos que podem apresentar as seguintes

variações morfológicas:

o Leucemia mielóide crônica (LMC): esse tipo de leucemia crônica

caracteriza-se por cursar com leucocitose geralmente acentuada

com predomínio de granulócitos maduros e precursores, que

compõem um desvio à esquerda acentuado e geralmente não-

escalonado (ver foto abaixo). É possível notar alguns mieloblastos

circulantes em meio a outros precursores granulocíticos, além de

eosinofilia e basofilia na maioria dos casos. Anemia de discreta a

moderada intensidade é um achado comum, assim como a

presença de plaquetose.

Linfoblastos – L1 (pequenos, cromatina escura e sem nucléolos, citoplasma escasso) Linfoblastos - L2 (tamanho aumentado, cromatina frouxa com nucléolos e citoplasma abundante, basofílico e agranular) Linfoblastos – L3 (tamanho aumentado, cromatina frouxa, vacuolização acentuada e intensa basofilia citoplasmática)

o Leucemia mielomonocítica crônica (LMMC): classificada como

síndrome mielodisplásica / doença mieloproliferativa crônica, essa

neoplasia caracteriza-se pelo hemograma evidenciando leucocitose

frequentemente acentuada, com aumento característico do

número de monócitos, muitas vezes acompanhado de neutrofilia

com desvio à esquerda. Os monócitos geralmente encontram-se

displásicos com alterações morfológicas evidentes. Pode haver

anemia e plaquetopenia (ver foto abaixo).

LMC (sangue periférico). Desvio à esquerda até mieloblastos, com presença de basófilos e vários

precursores granulocíticos

LMMC (sangue periférico). Monocitose com monócitos displásicos (a), presença de granulócitos

(b) e um mieloblasto (c).

a

a

a

a a

b

b

c

o Leucemia linfóide crônica (LLC): caracteriza-se laboratorialmente

pela presença de leucocitose com linfocitose, em que predominam

linfócitos pequenos de morfologia aparentemente madura. Não há

grande variabilidade morfológica entre os linfócitos, sendo que a

principal alteração é o aumento do número dos mesmos, além da

presença de sombras nucleares (ver foto na próxima página, à

direita). Anemias e plaquetopenias acentuadas não são comuns,

exceto quando há componente auto-imune envolvido.

o Outras doenças linfoproliferativas: alguns linfomas podem ter

apresentação leucêmica (linfomas “leucemizados”) geralmente em

decorrência da infiltração da medula óssea pela doença. A

repercussão desse fenômeno é o aparecimento de leucocitose de

variável intensidade, com predomínio de células linfóides anômalas

que podem gerar confusão pela semelhança com blastos e

linfócitos atípicos (ver fotos na sequência da próxima página).

Nesses casos, a imunofenotipagem do sangue periférico (ou

medula óssea) aliada à análise morfológica é fundamental no

diagnóstico diferencial.

Linfocitose acentuada em portador de LLC

Sombras nucleares ou “manchas de Gumprecht”

(setas)

Alterações hereditárias

o Anomalia de Pelger-Hüet: condição geralmente assintomática e de

herança autossômica dominante que se caracteriza pela

hipossegmentação do núcleo da maioria dos neutrófilos maduros.

Nessas condições, o núcleo usualmente se apresenta sem

segmentação (oval ou arredondado) ou com dois lobos simétricos

(ver foto abaixo)

Casos de linfomas “leucemizados” (sangue periférico). A – Linfoma das células do manto; B - Tricoleucemia; C – Leucemia/Linfoma de células T do adulto (ATLL); D – Síndrome de Sezary; E – Linfoma difuso de grandes células B; F – Linfoma folicular; G – Linfoma esplênico da zona marginal com linfócitos vilosos.

A B C D

E F G

Três neutrófilos maduros e hipossegmentados

o Síndrome de Chédiak-Higashi: rara e com padrão de herança

autossômico recessivo, essa doença se caracteriza pela presença

de grânulos gigantes e de coloração variável do cinza ao vermelho

no citoplasma dos granulócitos, monócitos e linfócitos (ver foto

abaixo). O quadro clínico é exuberante e complicações, como

infecções, são frequentes.

o Anomalia de Alder-Reilly: doença rara, de herança autossômica

recessiva, em que os neutrófilos apresentam grande número de

grânulos grandes, basofílicos ou violáceos no citoplasma (ver foto

abaixo). Por vezes, os linfócitos também podem apresentar tal

granulação anômala.

Neutrófilo apresentando grânulos gigantes no citoplasma

Neutrófilo apresentando grande número de grânulos citoplasmáticos

grandes e basofílicos

o Anomalia de May-Hegglin: trata-se de uma síndrome rara

caracterizada por trombocitopenia de variável intensidade,

presença de plaquetas gigantes e inclusões azuis-acinzentadas no

citoplasma dos granulócitos e dos monócitos. Nos neutrófilos, tais

inclusões podem se assemelhar a Corpos de Döhle.

Plaqueta gigante e neutrófilo com inclusão acinzentada na borda citoplasmática