Citizen Kane Ensaio
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5/13/2018 Citizen Kane Ensaio - slidepdf.com
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Curso: Ciências da Comunicação – 1º ano Cadeira: Teoria da Notícia
Docente: Marisa Torres da Silva Aluno: Ricardo Martins Geraldes, n.º 34420, Turma A
Ensaio Crítico – Citizen Kane
Citizen Kane, um retrato poderoso do jornalismo sensacionalista
Após a visualização de Citizen Kane, considerei como pertinente para estudo dois factores: osensacionalismo como ingrediente na formação de notícias e a influência que o jornalismo tem
sobre a opinião pública. Neste princípio afloram-se duas questões as quais procurarei responder: Oque é o Yellow Jornalism? E que influência têm a foto-choque sobre a opinião pública? Já que a
imagem ou o elemento gráfico é parte constituinte desta prática jornalística.
Antes de dar início a minha relação entre este filme e as implicações com o jornalismo
sensacionalista ou yellow journalism e o poder que o jornalismo detêm sobre a opinião pública
através da foto-choque, porque é disto que trata este ensaio, quero fazer uma breve menção ao estilo
de realização empregue por Orson Welles.
No ano de 1941 o jovem Orson Welles, já conhecido pelas suas inovadoras adaptações no teatro e o
seu famoso relato na rádio de A Guerra dos Mundos, estreou-se no mundo do cinema, com o filme
Citizen Kane, filme este considerado até os dias de hoje como um dos melhores filmes de sempre.
Citizen Kane desde que estreou nas salas de cinema, captou sempre muita atenção, não apenas pelas
suas qualidades e inovações cinematográficas, mas também pela sua própria história que retrata a
vida de um magnata dos media.O mistério desta narrativa cinematográfica desenleia-se no cair de um pequeno globo de neve, na
pronúncia da palavra RoseBud e na morte do personagem principal, Charles Foster Kane, o magnatados media. Entramos então, segundo a construção do filme, numa história jornalística, numa viagem
entre o passado e o presente, à procura de um sentido condutor na vida de Charles Foster Kane.Como já mencionei, Citizen Kane é considerado um dos melhores filmes de sempre, uma das razões
para tal distinção foi ter empregue várias técnicas inovadores no cinema, a sua fotografia é
exemplar, utilizando imagens contrastadas para fortalecer o impacto das personagens ou até as suas
intenções, outra técnica que Orson Welles empregou no seu filme foi a “profundidade de campo”,
proporcionando foco em todos os planos da imagem, enriquecendo a informação de cada frame. Na
parte da narrativa, foi também inovador o facto de uma ausência cronológica, a história desenrola-se
em analepse, levando o espectador a viajar ao passado, na tentativa de recriar a vida da personagem
encarnada por Welles.
A personagem principal deste filme, Charles Foster Kane, representa em vários aspectos a vida de
William R. Hearst. Hearst foi um dos percursores, junto com Joseph Pulitzer, do Yellow Journalism.
Mas o que é isto de yellow journalism ou jornalismo sensacionalista? De forma abreviada o próprio
título responde a esta pergunta. As notícias sensacionalistas constituíam todo o corpo de um artigo
do yellow jornalism. «O relato do crime não era o único caminho para o que iria ser conhecido de
jornalismo sensacionalista, mas era indubitavelmente a tendência moderna para os contos que
envolviam a corrupção política, o desvio sexual, e outros formulário de comportamento desviantes
(Spencer, 2007:2). Embora no filme Citizen Kane, não seja feita directamente a menção à notícia decrime, a procura tendenciosa de artigos sensacionais é observado.
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Com o firmamento da penny press oposto à imprensa de elites, os jornais de baixo custo apontam a
sua intenção para captar um novo tipo de público.
Este novo público surge devido a vários factores, como a concentração dos indivíduos nas cidades,
o aumento da alfabetização e o aumento do poder de compra. Para esta nova audiência, as notícias
criadas pela penny press passam a ser encaradas como um produto comercial, «[...] apontando como
objectivo fundamental o aumento das tiragens» (Traquina, 2002:20).
Com intenção de ser mais factual e sensacionalista, a penny press abre o caminho para o que hoje
conhecemos como yellow journalism. No âmbito de conquistar leitores, as notícias sensacionais são
o alvo preferencial. Crimes e desavenças domésticas, casos de corrupção e conflitos militares são
alguns dos tópicos que os editores escolhem para os seus jornais. A personagem de Foster Kane,
serve de exemplo para essa escolha editorial.Quando questionado pelo seu ex-tutor acerca da maneira como gere o jornal, responde prontamente
como adepto da doutrina do sensacionalismo. Afirma que não sabe como gerir um jornal, masadministra o New York Inquirer com aquilo que se lembra, melhor será dizer, com aquilo que surge
como apelativo à sensação. Para constatar essa espontaneidade, Charles Kane continua, atrevendo-se a dizer que é capaz de produzir uma guerra, aquando o seu enviado em Cuba manifesta a
ausência de material para reportar acerca de uma eventual guerra entre os EUA e Espanha na ilha deCuba. Para reforçar esta abertura de manipulação de factos, o seu ex-tutor aponta a Kane que não
existe prova da frota espanhola estar a caminho de Cuba, mas Kane remata que também não existe
prova que não está a caminho de Cuba. Deveras elucidativo de como as notícias ou factos poderiam
servir as intenções daqueles que detinham o poder da informação. As palavras de Carl Sagan penso
que demonstram bem isto: A ausência de evidência, não é evidência de ausência.
Outra referência desta busca pelo sensacionalismo, embora não seja mencionado no filme Citizen
Kane, foi o próprio William Hearst ao ser arrojado na tentativa de obter notícias ao ponto de querer
competir com a polícia local. Quando foi encontrado um corpo desmembrado num rio em Nova
Iorque, Hearst decidiu resolver este crime antes da polícia, criou um grupo de repórteres
investigadores que acabaram por desvendar o mistério bem como um caso extraconjugal envolvido
no mesmo assassinato, «[...]no curso do oportunismo, o yellow journalism tinha nascido»(Spencer,
2007:20). Na alusão ao ditado popular, que a ocasião faz o ladrão, diria que o oportunismo faz (ou
fazia) o jornalismo (sensacionalista).Este modo de operar, por um lado demonstra a boa intenção na tentativa de fornecer notícias
factuais e até mesmo resolver crimes, um serviço à sociedade, e por outro lado o aspecto puramentesensacional para atender às necessidades financeiras de um jornal. Esta dicotomia na altura
possivelmente não era colocada, já que os leitores tornaram-se ávidos em notícias que lhe poderiamser familiares (os crimes; as desavenças conjugais; a corrupção; etc.) o negócio corria bem e a
informação agradava os leitores.
Esta nova prática jornalística, incessante no sensacionalismo e na procura de lucro, originou a uma
expansão dos jornais no século XIX, bem como a criação de novos empregos e a dedicação a tempo
inteiro à prática jornalística (Traquina, 2002:20). Aliado a esta fome por parte dos jornais em
fornecer material bombástico, o avanço tecnológico foi outro factor que facilitou esta propagação de
notícias, «[...] com as rotativas de Marinoni, em 1871, tornou-se possível imprimir 95 000
páginas/hora. […] A melhoria na reprodução de imagens, sobretudo com a fotogravura em 1851 e a
heliogravura em 1905, deu um novo impulso à imprensa […] (Traquina, 2002:24).
Apesar do texto em si, como relato factual, ser a base de todo o sensacionalismo, a fotografia teve
um lugar de destaque para alimentar ainda mais a prática do yellow journalism e toda a expansão da
imprensa.
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Jorge Pedro Sousa em Uma História Crítica do Fotojornalismo Ocidental menciona que «as
fotografias teriam deixado de ser secundarizadas como ilustrações do texto para serem definidas
como uma outra categoria de conteúdo tão importante como a componente escrita» (Sousa,
1998:12).
E aqui volto a minha atenção para a segunda pergunta: Que influência têm a foto-choque sobre a
opinião pública?Embora não seja de imediato demonstrado no filme Citizen Kane, a fotografia no seu sentido lato,
tem um cariz interpretativo e/ou ilustrativo (a imagem exerce um poder sobre o espectador), e para
exemplificar isto, reporto ao filme, no momento em que Jerry Thompson, o jornalista delegado para
investigar a vida de Foster Kane tenta vasculhar as memórias no escritório do ex-tutor de Charles
Kane para desvendar o mistério que envolve a palavra Rosebud . Mais uma vez a qualidadecinematográfica de Orson Welles sobressaí neste momento de investigação, ao apresentar as
personagens (o jornalista como investigador e divulgador de informação; a secretária com vozmecânica representando o lado burocrático; e o homem fardado transportador das memórias como
alusão ao guardador de informação) em contraluz, reforçando as silhuetas, salientando um certoobscurantismo, até uma ausência de propriedade. Analogia que começa a construir a ideia de um
poder por detrás da luz, um poder sem rosto. Este poder imagético que Welles utiliza no filme, éanálogo à própria fotografia e à foto-choque, por sua vez, ao jornalismo como espelho da realidade:
«O realismo fotográfico tornou-se, assim, o farol orientador da prática jornalística,[...] um repórter
deve ser uma mera máquina que repete, apesar de uma orientação editorial.» (cit. em Traquina,
2002:36-37). Na alusão à construção de um puzzle, passatempo de escolha da segunda mulher de
Foster Kane, constatamos a junção de duas peças importantes para o jornalismo sensacionalista, a
ligação do jornalista à fotografia como espelho do real.
Tendo como base o aumento de tiragens, a fotografia, torna-se um elemento de uso excessivo. Jorge
Pedro Sousa apresenta-nos as palavras de Karen E. Becker, mencionando o fecundo uso das
imagens, incluindo fotografias forjadas, descontextualizadas e em nada fiéis à verdade (cit. em
Sousa, 1998:39). Embora na altura de William Hearst, devido a uma iliteracia ainda existente e até
àqueles que por problemas de visão não tinham a possibilidade de adquirir óculos(Spencer,
2007:79) a imagem ganha um lugar confortável para estabelecer a ligação entre a notícia reportada
e o leitor, o que aparentemente só podemos apontar como positivo para toda esta evolução no processo informativo.
Mas recorrendo a este uso desmedido das imagens/fotografias, o choque é criado como ponto daexacerbação, levando-nos à escalada da foto-choque. A constante tensão imagética, o banalizar da
violência adjacente à fotografia, poderá fomentar uma neutralização do aspecto afectivo (Sousa,1998:158), criando um estado amorfo, que facilmente se concluí como porta aberta à manipulação
das intenções.
Olhando para o passado, aquilo que é encarado como progresso tem também o seu oposto ou o seureverso da medalha. No ganho da propagação de informação, associado à auto-sustentação da
imprensa/aumento de tiragens, é colocado no bolso o dissabor da alienação da opinião pública em
prol do sensacionalismo, o que poderá ser considerado, conforme Paul Virilio expressa em
Cibermundo: A Política do Pior , um acidente do progresso, um milagre ao contrário, se para Paul
Virilio, inventar o navio é inventar o naufrágio, inventar a electricidade é inventar a electrocução
(Virilio, 2000:95), atrevo dizer que, a invenção do jornalismo sensacionalista também proporcionou
a invenção da deturpação de factos, logo a alienação da opinião pública.
Neste retrato de poder, o yellow journalism desenha o percurso da perversão da opinião pública. A
busca de sensacionalismo, aliado à fotografia, traça um caminho para qual os fins justificam os
meios. No fim o propósito é de obter um aumento de receitas e a fidelização de leitores,
subrepticiamente aliado a uma boa prática informativa, Foster Kane demonstra isso numa discussãocom o seu ex-tutor, apontando para a necessidade de atender às necessidades dos mais desprovidos,
se não for ele quem será?
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Chegando ao término deste grande filme, Orson Welles presenteia-nos com o desfasamento da
personagem de Foster Kane, uma perda de contacto com a realidade que me reporta o jornalismo
sensacionalista. De acordo com o historiador Joy Wiltenburg, as representações dos crimes e das
imagens-choque na concepção da vida das pessoas e da comunidade é bem superior à realidade da
incidência das actividades criminosas (Spencer, 2007:2), o que manifesta a dualidade elaborada
pelo jornalismo sensacionalista, o bom propósito de fornecer notícias factuais aos leitores e nãoopiniões e a capacidade de sustentação por parte dos jornais através da elaboração de notícias
atractivas para cativar e manter o grande público.
Perante as questões que coloquei, chego à conclusão que o tipo de jornalismo demonstrado em
Citizen Kane apenas serve a manipulação, quer de intenções individuais, quer de interesseseconómicos representados por alguma colectividade. Se os valores-notícia tratam realmente de
servir uns “óculos” para observar o mundo e para o construir (Traquina, 2007:203), as lentes que o
yellow journalism usa, são lentes sujas e formatadas à priori para servir quem as coloca no
«paciente», ou seja, no consumidor de notícias, apenas com o propósito de domesticar a opinião pública. E nesta referência a lentes que são colocados perante o leitor, a fotografia realmente
encaixa-se na perfeição. O uso da fotografia no choque visual e por sua vez, tomada da percepção,tem de facto um papel crucial, mais uma vez frisando que isso não é tão evidente no filme de Orson
Welles, mas que é uma constatação na génese do jornalismo sensacionalista.
Finalizo com as palavras de Susan Sontag em Regarding the Pain of Others: «Awareness of the
suffering that accumulates in a select number of wars happening elsewhere is something
constructed. Principally in the form that is registered by cameras, it flares up, is shared by many
people, and fades from view. In contrast to a written account – which, depending on its complexity
of thoughts, reference, and vocabulary, is pitched at a larger or smaller readership – a photograph
has only one language and is destined potentially for all (Sontag, 2003:17).
Sem querer abandonar o filme que deu origem a este texto, e o mistério que serve de mote à cruzada
jornalística, a palavra Rosebud , a minha interpretação reza o seguinte: Rosebud é o nome do trenó
de neve de Foster Kane, representa um dispositivo, representa o desejo do infante e o sentido de
liberdade, o trenó que desliza livre na neve e o sopro enigmático do magnata nas portas da morte. Omagnata que teve tudo e teve tudo a seu prazer, mas nunca consegui obter a verdadeira liberdade
que tinha enquanto jovem. Na morte abriu a sua mão da sua própria prisão.
Bibliografia
Spencer, D. (2007). The Yellow Journalism. Evanston, Illinois: Northwestern University Press
Sontag, S. (2003). Regarding the Pain of Others, London: Pinguim books
Sousa, J. (1998). Uma História Crítica do Fotojornalismo Ocidental. Porto: Letras Contemporanea
Traquina, N. (2007) O que é Jornalismo. Lisboa: Quimera
Virilio, P. (2000) Cibermundo: A Política do Pior. Lisboa: Teorema