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UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO CENTRO DE ARTES E COMUNICAÇÃO PROGRAMA DE PÓSGRADUAÇÃO EM LETRAS E LINGÜÍSTICA A construção da sinonímia por encapsulamento anafórico: uma perspectiva sóciocognitiva Cinthya Torres Melo Orientadores: Profa. Dra. Judith Hoffnagel (UFPE) Prof. Dr. Luiz Antônio Marcuschi (UFPE) RECIFE 2008

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UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO

CENTRO DE ARTES E COMUNICAÇÃO

PROGRAMA DE PÓS­GRADUAÇÃO EM LETRAS E LINGÜÍSTICA

A construção da sinonímia por encapsulamento anafór ico: uma per spectiva sócio­cognitiva

Cinthya Tor r es Melo

Orientadores:

Profa. Dra. Judith Hoffnagel (UFPE)

Prof. Dr. Luiz Antônio Marcuschi (UFPE)

RECIFE

2008

PPGL
AVISO
AVISO O autor é o titular dos direitos autorais da obra que você está acessando. Seu uso deve ser estritamente pessoal e/ou científico. Fica proibido qualquer outro tipo de utilização sem autorização prévia do titular dos direitos autorais.
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Melo, Cinthya Torres A construção da sinonímia por encapsulamento

anafórico: uma perspectiva sócio­congnitiva / Cinthya Torres Melo. ­ Recife: O Autor, 2008.

130 folhas.

Tese (doutorado) – Universidade Federal de Pernambuco. CAC. Letras, 2008.

Inclui bibliografia.

1. Lingüística. 2. Sinonímia. 3. Encapsulamento anafórico. 4. Cognição. 5. Significação (Filosofia). 6. Pragmática. 7. Semântica (Filosofia). I. Título.

801 CDU (2.ed.) UFPE 410 CDD (21.ed.) CAC2008­

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UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMRUCO

CENTRO DE ARTES E CO~WNICACAO

PROGRAMA DE POS-GRADUACAO EM LETRAS E LINGUISTICA

A construqIo da sinonimia por encaps~~larnento anafbrico: uma perspectiva s6cio-cognitiva

Cinthya Torres Melo

Banca Examinadora:

Profa. Dra. Elizabeth Marcuschi (UFPE)

A y h I ~ J L L-

Profa. Dra. M6n

Profa. Dra. Judith

~ r o f a l ~ r a . Rosane N ~ ~ C $ ~ ' ( U F R P E )

Tese apresentada ao Programa de Pos-graduaqzo em Letras da Universidade Federal de Pernambuco

conio requisito parcial para obtenqgo do Grau de Doutora em Lingiiistica.

RECIFE

Julho dc 2008

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Dedico este trabalho ao Professor Doutor Luiz Antônio Marcuschi (UFPE), meu mestre e mentor acadêmico, que me ensinou a amar a lingüística e a enxergar nos processos de referenciação anafórica o

mais belo campo de investigação científica para o estudo dos processos de textualização.

­ Esta obra é fruto das lições que você me ensinou!

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AGRADECIMENTOS

A Deus, pela dádiva da vida plena pela qual posso pensar e construir todos os meus

objetivos;

A todos os amigos da Fraternidade Espírita Morada do Sol, por me sustentarem e

me guiarem nos árduos momentos de escrita deste trabalho, principalmente aos amigos

Dr. Adamastor, Elionel Grawost e Moisés pela compreensão e pelo apoio que me

deram durante todo este último ano de escrita;

À minha mãe Margarida Martins, por me apoiar, me incentivar e dedicar horas de

cuidados às minhas filhas para que eu pudesse me recolher e trabalhar sossegadamente;

Ao meu esposo Márcio Saraiva e às minhas filhas Gabriela (7 anos) e Maiara (4

anos), por tanta compreensão nas minhas inúmeras horas de ausência familiar;

A meu sogro Márcio José Valença Saraiva de Melo e minha sogra Therezinha

Saraiva de Melo, pelo apoio constante e irrestrito que me dedicaram;

À minha cunhada Tânia Pinheiro (UFC), pela força e pelo incentivo de irmã

espiritual;

À minha amiga Vera Lúcia Maciel, pela constante presença amorosa e pelo incentivo

desmedido para que este trabalho não parasse pela metade e chegasse ao fim;

À Karina Falcone, companheira de doutorado, pela amizade e pelo conforto em todos

os momentos difíceis vividos durante o meu doutorado;

Ao amigo doutorando Leonardo Mozdzenski, por ter compartilhado comigo o dia da

apresentação deste trabalho;

À Coordenação da Pós­Graduação em Letras e Lingüística da UFPE, na pessoa da

Coordenadora e Professora Doutora Angela Dionísio, por ter reconduzido a minha

vida acadêmica após o afastamento, por doença, do meu orientador Luiz Antônio

Marcuschi;

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A todos os funcionários da Pós­Graduação em Letras e Lingüística da UFPE, em

especial a Jozaías F. Santos e à Diva Albuquerque pela disposição e boa vontade

constantes nos atendimentos burocráticos;

A CAPES, pelos dois anos de bolsa de doutorado concedidos para esta pesquisa;

À Professora Doutora Beth Marcuschi (UFPE), por ter acreditado que tudo isto era

possível e feito inúmeros questionamentos sobre o conteúdo deste trabalho,

possibilitando riquíssimas reflexões e reescritas em todos os capítulos;

À Professora Doutora Dóris Cunha (UFPE), pelas ressalvas preciosas que fez a alguns

pontos da tese e que me fizeram ter forças para reescrevê­los do início ao fim, após a

qualificação;

À Professora Doutora Mônica Cavalcante (UFC), por mais uma vez ter aceitado o

convite para fazer parte da minha banca de defesa, tal como no mestrado, e ter

contribuído imensamente para algumas reformulações finais;

À Professora Doutora Rosane Alencar (UFRPE), por ter participado da minha banca

de defesa e ter sugerido aspectos relevantes neste trabalho;

Aos Professores Doutores Antônio Carlos Xavier (UFPE) e Francisco Alves Filho

(UFPI), por terem se disponibilizado a ocupar a posição de suplentes na banca final;

E em especial, aos dois grandes guerreiros desta minha empreitada:

À minha segunda orientadora Professora Doutora Judith Hoffnagel, por ter

permanecido ao meu lado e acreditado no meu trabalho, ultrapassando os limites de seus

campos de pesquisa científica para se aventurar comigo em um trabalho anteriormente

iniciado, me orientando com suas leituras e questionamentos;

E ao meu primeiro orientador Professor Doutor Luiz Antônio Marcuschi, que

desafiou as próprias limitações de sua convalescença para acompanhar a leitura das

idéias gerais dos capítulos, participando assim deste trabalho.

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“Pensar em meio às ciências significa: passar ao lado delas, sem desprezá­las.”

Heidegger (1950) Caminhos do Campo

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RESUMO

Este trabalho é uma investigação teórica sobre a sinonímia por encapsulamento anafórico. Este tema é novo e a expressão ‘sinonímia por encapsulamento anafórico’ foi criada por nós para explicar um outro olhar que temos do fenômeno lingüístico descrito por Conte (2003) como encapsulamento anafórico. A definição de encapsulamento dada por Conte (2003:117) diz que este é “um recurso coesivo pelo qual um sintagma nominal funciona como uma paráfrase resumitiva de uma porção precedente do texto”. Nossas análises indicam que este fenômeno também pode dar­se por uma sinonímia sócio­ cognitiva e não apenas por uma paráfrase resumitiva, como atestado por Conte. Para comprovar a nossa observação, partimos de um estudo semântico­filosófico sobre o que quer dizer significado e sentido aplicados às noções de sinonímia como igualdade de significado (Platão), como identidade de significado (Aristóteles) e por fim como equivalência de sentido, que é a forma pela qual nós concebemos este tipo de sinonímia. Em verdade, não negamos a existência das noções de igualdade e de identidade de significado na sinonímia, dentro do escopo de uma semântica formalista. Mas, apontamos que esta pode ser vista por um outro ângulo teórico. A perspectiva teórica escolhida para observarmos a sinonímia por encapsulamento anafórico é a perspectiva sócio­cognitiva. Esta concebe a língua como uma ação social situada, onde os sujeitos constroem na interatividade discursiva os objetos de discurso e os sentidos, inseridos em contextos referenciais socialmente partilhados (Salomão,1999; Marcuschi,2003; Koch e Cunha­Lima,2004). Buscamos comprovar que esta sinonímia ocorre por uma relação de sentido construída por uma equivalência sócio­cognitiva sobre as bases de um processo inferencial que se encontra apoiado em Frames (Barsalou, 1992) e Relevâncias (Sperber e Wilson, 1986). O sentido apresenta­se como um ponto de vista, um modo pelo qual compreendemos algo, uma possibilidade de interpretação (Husserl) que se estabelece por caminhos inferenciais (Frege,1978; Marcuschi,2000; 2003; 2007b) construídos em uma interação social. Para defesa desta hipótese, analisamos exemplos extraídos de autores discutidos ao longo deste trabalho. Nossas conclusões apontam este novo objeto lingüístico, chamado de sinonímia por encapsulamento anafórico, como um possível campo de estudo para as áreas da referenciação anafórica indireta e da sócio­cognição.

Palavras­Chave: Sinonímia. Encapsulamento Anafórico. Sentido. Sócio­Cognição. Referenciação. Anáfora Indireta. Inferenciação.

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RESUMEN

Este trabajo es una investigación teórica sobre la sinonimia por encapsulamento anafórico. Este tema es nuevo y la expresión ‘sinonimia por encapsulamento anafórico’ fue creada por nosotros para explicar una otra forma de ver el fenómeno lingüístico descrito por Conte (2003) como encapsulamento anafórico. La definición de encapsulamento dada por Conte (2003:117) dice que este es “un recurso cohesivo por el cual un sintagma nominal funciona como una paráfrasis resumida de una porción precedente del texto”. Nuestros análisis indican que este fenômeno tambien puede se da por una sinonimia socio­cognitiva y no solamente por una paráfrasis resumida, como atestado por Conte. Para comprobar nuestra observación, partimos de un estudio semántico­filosófico sobre lo que quiere decir significado y sentido aplicados a las nociones de sinonimia como igualdad de significado (Platón), como identidad de significado (Aristóteles) y por fin como equivalencia de sentido, que es la forma por la cual nosotros concebimos este tipo de sinonimia. En realidad, no negamos la existencia de las nociones de igualdad y de identidad de significado en la sinonimia, dentro del límite de la semântica formalista. Pero, apuntamos que esta puede ser vista por un otro ángulo teórico. La perspectiva teórica elegida para observarnos la sinonimia por encapsulamento anafórico es la perspectiva socio­cognitiva. Esta concibe la lengua como una acción social ubicada, donde los sujetos construyen en la interactividad discursiva los objetos de discurso y los sentidos, inseridos en contextos referenciales socialmente compartidos (Salomão,1999; Marcuschi,2003; Koch e Cunha­Lima,2004). Buscamos comprobar que esta sinonimia ocurre por una relación de sentido construida por una equivalencia socio­cognitiva sobre las bases de un proceso inferencial que se encuentra apoyado en Frames (Barsalou, 1992) y Relevancias (Sperber e Wilson, 1986). El sentido se presenta como un punto de vista, un modo por lo qual comprendemos algo, una posibilidad de interpretación (Husserl) que se establece por caminos inferenciales (Frege,1978; Marcuschi,2000; 2003; 2007b) construidos en una interacción social. Para defensa de esta hipótesis, analizamos ejemplos extraídos de autores discutidos a lo largo deste trabajo. Nuestras conclusiones apuntan este nuevo objeto lingüístico, llamado de sinonimia por encapsulamento anafórico, como un posible campo de estudio para las áreas de la referenciación anafórica indirecta y de la socio­cognición.

Palabras­Clave: Sinonimia. Encapsulamento Anafórico. Sentido. Socio­Cognición. Referenciación. Anáfora Indirecta. Inferenciación.

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ABSTRACT

This thesis is a theoretical investigation of synonymy through anaphoric encapsulation. This theme is new and the expression “synonymy through anaphoric encapsulation” was created by us to explain another view of this linguistic phenomenon described by Conte (2003) as anaphoric encapsulation. The definition for encapsulation given by Conte (2003:117) tells us that this is “a cohesive resource by which a noun phrase functions as a short paraphrase of a preceding portion of text”. Our analysis indicates that this phenomenon also comes about through a socio­cognitive synonymy and not only by a short paraphrase as attested by Conte. To prove our observation, we begin with a semantic­philosophical study of meaning and sense applied to the notions of synonymy as equality of meaning (Plato), as identity of meaning (Aristotle) and finally as the equivalence of sense, which is the way we conceive this kind of synonymy within the scope of a formal semantics. But we point out that this could be seen from another theoretical angle. The theoretical perspective chosen to observe synonymy through anaphoric encapsulation is the social cognitive perspective, which conceives language as a situated social action, where the subjects construct in discursive interactivity the objects of discourse and the senses, inserted in socially shared referential contexts (Salomão,1999;Marcuschi, 2003; Koch e Cunha­Lima,2004). Our objective is to show that this synonymy occurs through a relation of senses constructed by a socio­cognitive equivalence based on an inferential process, that find their support in Frames (Brasalou, 1992) and Relevance (Sperber and Wilson, 1986). Sense is presented as a point of view, a way in which we understand something, a possibility of interpretation (Husserl) that is established by inferential means (Frege,1978; Marcuschi,2000;2003;2007b) built through social interaction. To defend this hypothesis, we analyzed examples extracted from authors discussed throughout this thesis. Our conclusions point towards this new linguistic object, called synonymy through anaphoric encapsulation, as a possible field of study for the areas of indirect anaphoric reference and social cognition.

Keywords: Synonymy. Anaphoric Encapsulation. Sense. Social Cognition. Reference. Indirect anaphora. Inference.

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SUMÁRIO

INTRODUÇÃO............................................................................................................... 11

CAPÍTULO 1 DO SIGNIFICADO AO SENTIDO NA SINONÍMIA: UMA VISÃO SEMÂNTICO­ FILOSÓFICA..................................................................................... 20 1.1­ O Uso dos Termos Significado e Sentido................................................................ 24

1.2­ O Significado na Semântica Filosófica Clássica: a noção de igualdade na sinonímia .... 32

1.3­ Do Significado ao Sentido em Aristóteles: a noção de identidade na sinonímia............. 39

1.4­ O Sentido na Semântica Moderna: a noção de sentido na sinonímia ........................... 48

CAPÍTULO 2 O SENTIDO COMO UM CRITÉRIO VÁLIDO NA RELAÇÃO DE SINONÍMIA: UMA ABORDAGEM BASEADA NA LÓGICA MODERNA.............. 52 2.1­ Sentido e Referência na Sinonímia ........................................................................ 54

2.2­ O Valor Cognitivo na Relação de Igualdade para Frege ........................................... 61

2.3­ O Sentido como uma Relação de Inferência ............................................................ 63

CAPÍTULO 3 A CONSTRUÇÃO DA SINONÍMIA POR ENCAPSULAMENTO ANAFÓRICO: UMA PERSPECTIVA SÓCIO­COGNITIVA..................................... 68 3.1­ A Perspectiva da Sinonímia na chamada Paráfrase Resumitiva ................................. 69

3.2­ O Sentido na Posição de Sintagma Nominal Encapsulador ....................................... 74

3.3­ A Sinonímia por Encapsulamento Anafórico como uma Ação Social ......................... 81

CAPÍTULO 4 O ACESSO AO SENTIDO NA SINONÍMIA POR ENCAPSULAMENTO ANAFÓRICO.............................................................................................................. 88 4.1­ O Acesso ao Sentido pela Teoria da Fenomenologia de Husserl................................. 89

4.2­ O Acesso ao Sentido pela Teoria da Relevância: o modelo ostensivo­inferencial de Sperber e Wilson ................................................................................................ 98

4.3­ O Acesso ao Sentido pela Construção de Frames: a teoria de atributos e valores de Barsalou.......................................................................................................... 111

CONCLUSÃO............................................................................................................... 120

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS............................................................................ 125

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INTRODUÇÃO

Este trabalho trata da descrição de um tipo de sinonímia que até então não

é vista em nenhuma literatura lingüística de nosso conhecimento. Trata­se daquilo que

nós ‘batizamos’ de sinonímia por encapsulamento anafórico. Para a construção

teórica desta sinonímia mergulhamos em discussões que estão nas bases teóricas da

semântica filosófica, da semântica formalista e analítica, da semântica pragmaticista e da

lingüística textual, cognitiva e sócio­cognitiva. Através dessas discussões buscamos

mostrar que há, nestes campos teóricos, pequenas brechas por onde nós podemos

enxergar os caminhos que nos levam a situar este tipo de sinonímia na perspectiva sócio­

cognitiva e as razões que nos conduzem a isto.

O leitor pode estranhar não iniciarmos esta investigação abordando a

perspectiva sócio­cognitiva. Contudo, o nosso argumento é que como se trata de uma

investigação essencialmente teórica, de um tema sem nenhum precedente científico no

qual pudéssemos no apoiar, nós optamos por não desconsiderar o que a tradição dos

estudos lingüísticos nos legou sobre a sinonímia tal como nós a conhecemos: sobre as

bases de uma semântica filosófica formal e de uma semântica pragmática.

Optamos por pinçar destas teorias aquilo que refletidamente pudemos, de

alguma forma, correlacionar com a essência da perspectiva sócio­cognitiva que é: 1)

língua como ação social; 2) estudo do léxico como uma rede de relações conjunta que

envolve aspectos sociais, culturais e cognitivos para a produção de sentido socialmente

situado; 3) atividade referencial como uma atividade inferencial situada em processos

enunciativos que ocorrem em atividades de textualização; e 4) processamento da

informação através de cálculos cognitivos inferenciais guiados por contextos

socialmente partilhados. Em geral, estes quatro itens já abarcam grandes discussões, por

isso não nos sentimos comprometidos em apresentar e discutir outros pontos.

Como dissemos o tema é novo, mas ao mesmo tempo conhecido porque se

trata de apresentar o encapsulamento anafórico, só que sob a perspectiva da sinonímia e

não apenas da paráfrase resumitiva como defende e define Conte (2003). Esta idéia

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surgiu como uma possibilidade investigatória em uma das aulas de Lingüística de Texto,

ministrada na UFPE, durante o primeiro ano de doutorado.

O projeto desenvolvido para ser a tese de doutorado tinha como foco a

sinonímia na produção textual, mas este foi redirecionado para unir­se com o

encapsulamento anafórico em virtude de enxergarmos que no encapsulamento anafórico

apresentado por Conte (2003) havia uma brecha pela qual podíamos desenvolver um

estudo sinonímico que se realizava por uma relação de sentidos construídos por uma

inferência de natureza sócio­cognitiva.

Ao invés de apresentarmos um processo de sinonímia onde o sujeito é

excluído de seu papel de criador, manipulador e reformulador de sentidos construídos

socialmente, nós apresentamos uma sinonímia que considera a presença de um sujeito

cognitivo cuja bagagem sócio­histórica­cultural é elemento co­criador dos sentidos

construídos na interatividade da língua, re­unindo pensamento, linguagem e mundo em

uma dimensão que os vê como “operadores da conceptualização socialmente localizada

através da atuação de um sujeito cognitivo, em situação comunicativa real, que produz

significados como construções mentais, a serem sancionadas no fluxo interativo”,

conforme expõe Salomão (1999:64).

A hipótese sócio­cognitiva, assim chamada por Margarida Salomão e sua

equipe de pesquisadores, busca um equilíbrio entre fontes de conhecimento como

gramática, esquemas conceptuais e molduras comunicativas que proporcionam um

caminho promissor para as questões que envolvem procedimentos de produção de

sentido em discursos cotidianos (Marcuschi, 2004). Por esta razão a escolhemos para

ser a perspectiva teórica sobre a qual nos debruçamos para investigar a construção e o

funcionamento da sinonímia por encapsulamento anafórico. Pois estudar este fenômeno

é estudar processos de significação (referência + sentido) ligados diretamente ao

contexto sócio­discursivo da língua em atividades de textualização interativas, como já

dissemos.

A nossa proposta de trabalho parte de algumas concepções que são

importantes serem apontadas neste momento:

1­ Partimos de uma visão de língua não­formalista, que concebe a linguagem como

ação social (Clark,1996; Marcuschi,2003, 2003a; Koch e Cunha­Lima,2004;

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Koch,2005; Salomão,1999; Mondada e Dubois,2003; Mondada, 1994;1997; e

outros) cujos indivíduos são atuantes no processo de categorização e

recategorização dos sentidos construídos em ações interativas comunicativas

cujas vivências sociais, históricas e culturais somam­se para a produção de

sentidos situados. “A língua é uma forma de representação simbólica geralmente

opaca, não­transparente e indeterminada sintática e semanticamente”

(Marcuschi, 2003a:3).

2­ Em todo o processo analítico do funcionamento da língua em atividades

interativas, a cognição é o elo que liga todos os modos de construção da

compreensão, da interpretação, sob uma perspectiva não­representacionista da

língua (Marcuschi, 2004). A língua “não providencia uma semântica a priore

para o léxico, não estamos dizendo que as palavras são vazias de sentido, mas

que o sentido por nós efetivamente atribuído às palavras em cada uso é

providenciado pela atividade cognitiva situada” (Marcuschi, 2003a:7).

3­ As expressões significado e significação possuem entendimentos diversos em

contextos teóricos específicos e por isto não podem ser usadas indistintamente, e

muitas vezes como sinônimas (Marcuschi,1999;2000). Consideramos que o

significado, inicialmente nos estudos semântico­filosóficos formais, diz respeito

apenas à relação entre os nomes e as coisas do mundo sob uma perspectiva

referencialista da língua. Depois, o significado passa a agregar uma outra noção

além da noção de referência vericondicional entre nomes e coisas: a noção de

sentido (Frege,1978). O estudo do sentido associado à referência indireta e

intencional estudada por Frege (1978), aos nossos olhos, abre caminhos para

mostramos que podemos estudar o sentido como um objeto lingüístico

“essencialmente sócio­cognitivo de resolução textual­discursiva e não semântica

do léxico no funcionamento contextual de uso da língua (Marcuschi,2004). Por

esta razão, consideramos que a significação, estudo da referência associada ao

sentido compartilhado e situado em atividades comunicativas interativas, é

diferente do estudo do significado que contempla a referência como uma

propriedade da língua e não como uma “ação praticada pelos falantes com a

língua” (Marcuschi,2003a:4).

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4­ Processos inferenciais não se restringem apenas às análises das condições de

verdade ou falsidade das sentenças ou enunciados. Eles são resultantes, também,

de uma variabilidade de fatores que envolvem coerência, progressão tópica,

conhecimento de mundo, conhecimento partilhado, conhecimento lingüístico,

efeitos de sentido, estratégias cognitivas, construção de frames etc. Por isto,

muitas produções de sentido estão fundamentadas em nossas experiências e

raciocínios inferenciais, em uma relação com a língua no uso público

(Marcuschi,2000;2004);

5­ A sinonímia por encapsulamento anafórico é considerada neste trabalho como

um processo sócio­cognitivo que realiza operações de projeção de entidades ou

atributos de entidades entre ambientes cognitivos, estabelecendo assim uma

relação de equivalência sócio­cognitiva entre os sentidos construídos;

6­ A sinonímia por encapsulamento anafórico também é um processo de

referenciação não­nominalista que concebe a língua como atividade sócio­

cognitiva que integra a cultura, a experiência e os aspectos situacionais e os

considera como fatores de interferência na determinação referencial. Nesta

perspectiva, a língua é social e cognitiva.

Todas essas concepções formam a nossa base teórica para defendermos a

tese de que:

A sinonímia por encapsulamento anafórico é um processo de

referenciação que ocorre por uma equivalência de sentido construída

sócio­cognitivamente. Nesta perspectiva, o sentido apresenta um ponto

de vista; um modo pelo qual compreendemos algo; uma possibilidade

de interpretação que se estabelece por um caminho inferencial

construído em uma interação social.

A discussão desta idéia será exclusivamente teórica a fim de que possamos

estabelecer a compreensão do que é a sinonímia por encapsulamento anafórico, como se

dá o seu funcionamento discursivo e como temos acesso ao sentido construído por ela,

cognitivamente.

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Por serem todos os capítulos teóricos, não reservamos a esta investigação

uma análise de corpus propriamente dito. Trabalhamos essencialmente com exemplos

retirados de Conte (2003) e Francis (2003), discutindo­os e conduzindo­os para a

perspectiva sócio­cognitiva da sinonímia por encapsulamento anafórico. Não buscamos

constituir e nem analisar um corpus coletado por nós, investigando gêneros diversos,

porque a nossa preocupação foi desenvolver uma teoria que fosse capaz de explicar o

fenômeno da sinonímia por encapsulamento e torná­lo visível aos olhos dos leitores

deste trabalho, chegando­se a comprovação de sua existência lingüística. Depois disto

sim, será possível, em outro trabalho, abrir o campo de investigação para vermos o seu

funcionamento em diversos gêneros textuais.

Por tal razão, não temos um capítulo metodológico dedicado a um corpus.

Mas ressaltamos que os exemplos de Conte (2003) e de Francis (2003) são exemplos

retirados do domínio jornalístico: em Conte, os exemplos originais em italiano foram

tirados do jornal Corriere della Sera e os exemplos originais em inglês foram tirados da

revista Newsweek. Francis (2003) tirou exemplos da coleção de corpora do Bank Of

English, mantido em Cobuild, Birmingham, e em particular, do corpus de edições

completas do The Times. Entendemos que os exemplos trabalhados por estes autores

formam um corpus natural, o que já nos oferece a possibilidade de verificarmos o

fenômeno da sinonímia por encapsulamento em ações comunicativas públicas.

Nosso objetivo geral é teorizar o estudo da sinonímia para além dos limites

já instituídos pela semântica formal e pela semântica pragmática, inserindo­a, também,

no campo teórico da sócio­cognição, nas investigações de fenômenos de textualização e

estudo do léxico.

Os objetivos específicos são dois: 1) mostrar, teoricamente, que a

sinonímia por encapsulamento pode ser considerada como objeto de investigação

lingüística; e 2) que o sentido é o critério válido para sua construção.

A relevância investigativa deste estudo é oportunizar uma revisão teórica

sobre o funcionamento da sinonímia nos processos de textualização e nos processos de

seleção lexical sobre as bases de teorias sócio­cognitivas.

A metodologia de trabalho escolhida por nós é de caráter essencialmente

analítico, teórico e interpretativo a partir de uma reunião de teorias selecionadas e

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discutidas no corpo desta investigação. Esclarecemos ao leitor que todas as nossas

análises teóricas e interpretativas representam o nosso ponto de vista sobre o que ocorre

no fenômeno chamado de encapsulamento anafórico. Pois todo ponto de vista, antes de

tudo, é uma operação de categorização, recategorização e identificação de referentes

efetuados por sujeitos falantes em contextos de interação, conforme defendem

Apothéloz & Reichler­Béguelin (1995).

Este trabalho está dividido em quatro capítulos, desconsiderando a

introdução e a conclusão. O capítulo 1 traz uma visão panorâmica sobre a distinção

entre significado e sentido, e uma discussão semântico­filosófica clássica sobre as

noções de igualdade e de identidade de significado discutidas por Platão em O Crátilo e

em Aristóteles em Dos argumentos sofísticos e Tópico I, cap. 5 e 7, até chegarmos à

noção de sentido como o modo como pensamos os nomes das coisas e dos objetos do

mundo; o modo como construímos e interagimos com os objetos dos nossos discursos

elevado ao nível conceitual por intermédio das expressões de uma língua.

O capítulo 2 discute o sentido como um critério válido para a construção

da sinonímia por encapsulamento anafórico baseado nas discussões e interpretações que

fazemos sobre alguns postulados de Frege em Sobre Sentido e Referência.

Apresentamos, neste capítulo, como podemos relacionar o fator cognitivo e predicativo

abordados nos estudos sobre sentido e referência com o fator cognitivo e predicativo

que ocorre na sinonímia por encapsulamento anafórico mostrando porque é possível

inserir este fenômeno nas atividades cognitivas de conceptualização. O foco deste

capítulo é mostrar que através da concepção de referência indireta e intencional

postulada por Frege (1978), nós podemos vislumbrar, mesmo que timidamente, a

natureza essencialmente cognitiva da sinonímia por encapsulamento anafórico que é

determinada por predicações e acarretamentos predicativos no uso da língua.

O capítulo 3 apresenta o conceito de encapsulamento anafórico dado por

Conte (2003) e discute os nossos pontos de concordância e discordância encontrados na

sua definição, quando aplicados às nossas questões sobre a sinonímia por

encapsulamento anafórico. Neste capítulo abordamos a importância e o funcionamento

do sintagma nominal encapsulador que apresenta o sentido neste tipo de sinonímia.

Também expomos as razões pelas quais enxergamos a sinonímia por encapsulamento

como uma forma de ação social com a língua.

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Por fim, o capítulo 4 traz uma convergência de aspectos teóricos

postulados por Husserl (1954), Moore (1953), Mondada e Dubois (2003), Sperber e

Wilson (1986) e Barsalou (1992) quanto a construção de 3 caminhos de acesso ao

sentido construídos na sinonímia por encapsulamento anafórico:

1) Acesso ao sentido por evidências lógico­analíticas trabalhadas através da Teoria

da Consciência Intencional de Husserl (1900), a partir dos estudos de Held

(1995) que nos situa com clareza nos postulado de Husserl. Aqui damos ênfase à

concepção de Husserl de que nossos conhecimentos manifestam formas variadas

de percepção dos objetos do mundo, através de ângulos que podem nos remeter

a outros conhecimentos;

2) Acesso ao sentido por inferências por evidências pragmático­cognitivas

discutidas através da Teoria da Relevância de Sperber e Wilson (1986), a partir

do olhar inovador trazido por Silveira e Feltes (1997) que apresentaram o

aspecto cognitivo existente nos postulados da Teoria da Relevância. Enfatizamos

a concepção de Sperber e Wilson sobre o fato dos indivíduos prestarem atenção

apenas aos fenômenos que lhes são relevantes aos interesses e circunstâncias do

momento;

3) Acesso ao sentido por inferências por evidências sócio­cognitivas através da

Teoria dos frames por Atributos e Valores de Barsalou (1992). A ênfase dada a

esta teoria consiste na concepção de Barsalou de que os frames apresentam uma

correlação de conceitos e um meio natural de dar conta da variabilidade

contextual nas representações conceituais.

Todos estes três acessos evidenciam uma forma de conhecimento, um

modo de interpretar, de compreender os objetos discursivos, construindo múltiplas

possibilidades de julgamentos e ações através de seleções lexicais que constituem um

nível central ligado à produção de sentido.

Em todos os capítulos são apresentados e discutidos exemplos para

comprovação dos achados da nossa investigação. As conclusões são expostas

gradativamente nestas discussões dispensando assim um capítulo longo dedicado a estas.

O que apresentamos como conclusão é o fechamento de todas as nossas discussões e as

diretrizes para a aplicabilidade deste trabalho e para futuras investigações.

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Os nossos conceitos chaves ligados à formulação da tese que buscamos

defender neste trabalho são:

• LÍNGUA: é ação social, é ação conjunta, é ação comunicativa que integra

experiências sociais, culturais e históricas dos indivíduos (Clark,1996;

Salomão,1999; Marcuschi,1999, 2000, 2003, 2003a e 2004; Koch, 2004, 2005;

Koch e Cunha­Lima, 2004; Mondada, 1997; Mondada e Dubois, 2003);

• SIGNIFICADO: diz respeito às questões de condições de verdade ou falsidade

dos enunciados nos estudos sobre a referência, na perspectiva da semântica

referencialista (Marcuschi, 1999, 2000, 2003, 2003a e 2004);

• SIGNIFICAÇÃO: diz respeito às condições de uso de um enunciado

associando os estudos da referência aos estudos da produção de sentido situado

(Marcuschi, 1999, 2000, 2003, 2003a, 2004);

• CONTEXTO: é tudo o que está envolvido em uma interação comunicativa

situada em experiências sociais, históricas e culturais do mundo real e do mundo

imaginário, construídas nas atividades sócio­cognitivas dos indivíduos através de

ações comunicativas que ocorrem por processos associativos de natureza diversa

estudados nos escopos da cognição e da sócio­cognição, e que vão além da

semântica formal (Marcuschi, 2003, 2003a, 2004; Koch e Cunha­Lima, 2004);

• SINONÍMIA: fenômeno essencialmente sócio­cognitivo, de perspectiva textual

e de resolução textual­discursiva e não semântica (Marcuschi, 2003a); fenômeno

de construção de sentido não referencialista e não representacionista da língua

(Marcuschi, 2007a);

• SENTIDO: um modo de compreender algo através de experiências

compartilhadas em vivências sociais que são construídas numa rede de relações

sociais, históricas e culturais (Salomão, 1999; Marcuschi, 2003, 2003a;);

• SINONÍMIA POR ENCAPSULAMENTO ANAFÓRICO: um processo de

referenciação que ocorre por uma equivalência de sentido construída sócio­

cognitivamente. Nesta perspectiva, o sentido apresenta um ponto de vista; um

modo pelo qual compreendemos algo; uma possibilidade de interpretação que se

estabelece por um caminho inferencial construído em uma interação social;

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• INFERÊNCIA: uma estratégia sócio­cognitiva­textual que integra um conjunto

de saberes de natureza histórica, social e cultural. São cálculos cognitivos

guiados por ações desencadeadas por contextos socialmente partilhados e que

estão na base das categorias e dos conceitos (marcuschi, 2000; 2003);

• EQUIVALÊNCIA COGNITIVA: relação inferencial em nível conceitual que

opera com o sentido que atribuímos às palavras em cada uso, e que é

providenciado por uma atividade cognitiva situada.

Por fim, as nossas conclusões apontam que é possível considerarmos a

sinonímia por encapsulamento anafórico como um objeto lingüístico. A explicação

deste fenômeno pode ser vista em aspectos teóricos que foram pinçados da filosofia

da linguagem, das semânticas formal e analítica, da semântica pragmaticista, da

cognição e da sócio­cognição e trabalhados ao longo dos quatro capítulos

desenvolvidos. Consideramos ainda que o sentido na sinonímia por encapsulamento

anafórico é um fenômeno lingüístico situado por evidenciar:

• Finalidades (divertir, argumentar, ironizar, elogiar etc);

• Objetivos dinâmicos e variavelmente flexíveis nas ações comunicativas;

• E ser resultante da união de uma série de outras ações conjuntas mais simples.

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CAPÍTULO 1

DO SIGNIFICADO AO SENTIDO NA SINONÍMIA: UMA VISÃO

SEMÂNTICO­ FILOSÓFICA

Aqui cabe muito bem a pergunta que Carlos Alberto Faraco me propôs um

dia, durante uma banca de Tese de Titular em Curitiba: “o que você diria

sobre a verdade desse enunciado: ‘A justiça é cega’?.” Creio que a

resposta depende das condições em que empregamos esse enunciado que

poderia ser pertinente simultaneamente com significações opostas. Sua

verificação não depende de condições de verdade e sim de condições de

uso. Aquele enunciado não refere um fato, mas a construção de um fato.

Marcuschi (2007a:70)

A citação de Marcuschi nos põe de frente com o eixo do nosso trabalho

que é estudar a sinonímia nas condições de uso sócio­cognitivo 1 e não nas condições

lógicas de verdade ou falsidade dos enunciados. A questão posta por Faraco pode

parecer simples de ser respondida, mas não é. Não podemos pensar em língua como

algo onde os contextos social, histórico e cultural não se integram para construção da

compreensão do que dizemos e do que os outros dizem. Também não podemos pensar

com a língua sem um sistema lógico de formas e conteúdos. Não dá para dissociar os

dois aspectos quando pensamos com a língua.

A posição teórica adotada neste trabalho é a mesma de Marcuschi, na sua

resposta. Para compreendermos algo precisamos entender em quais condições de uso

um enunciado é empregado para chegarmos as suas significações, que podem ser

variadas. Para Marcuschi, o termo significação nos diz muito mais do que o termo

significado, considerado por muitas teorias semânticas formalistas como não um termo

que não é distinguido da referência sendo bastante usado dentro do contexto dos

postulados de uma semântica referencialista (2007a).

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A distinção primária que apontamos está no fato de o termo significado,

por estar mais relacionado aos estudos da lógica formal, debruça­se veementemente

sobre os estudos das questões das condições de verdade ou falsidade de um enunciado,

sem envolver o contexto sócio­cognitivo nessa relação. Nesta perspectiva, entende­se o

significado como algo construído numa relação direta entre linguagem e mundo, ou seja,

entre um signo lingüístico e seu referente, onde o contexto é o próprio código da língua,

conforme nos aponta Marcuschi (1999:115) no artigo Coerência e Cognição

Contingenciada. Já o termo significação relaciona­se muito mais aos estudos que levam

em consideração as condições de uso de um enunciado no contexto no qual ele está

inserido, como os estudos da pragmática, sócio­pragmática, cognição, sócio­cognição e

outros. Nesta perspectiva, a significação passa a indicar a existência de uma dimensão

social envolvida no processo de estabelecimento de uma referência, ou seja, a

significação é construída pelo modo como usamos as palavras num discurso 2 .

Marcuschi (2007a) postula que significação é o termo mais adequado para

se discutir a natureza dos fenômenos da língua porque esta se constrói continuamente

nas interações humanas, no cerne das ações comunicativas integradas às experiências

sociais, culturais e históricas dos indivíduos. Por isso, as condições de uso de palavras,

ou frases, ou sentenças fazerem diferença no modo de compreendê­las.

Para este lingüista, conhecer a significação de um enunciado é conhecer o

seu sentido expresso, ou seja, a significação é sentido + referência, conforme o tem

_1 A sócio­cognição será abordada em capítulos posteriores por uma questão metodológica. 2 Uma das bases teóricas que alicerçam a distinção a qual Marcuschi faz para estes dois termos encontra­se em Putnam (1988), no livro intitulado Représentation et Réalité, discutido em Marcuschi (2000), no artigo Quando a referência é uma inferência. Neste artigo, Marcuschi defende a idéia de que a análise das condições de verdade de um enunciado apresenta apenas uma preocupação que é estabelecer a verdade ou falsidade de um enunciado com a determinação de um mundo objetivo, chegando­se desta forma a uma exatidão de significado. Ele concorda com a idéia de Putnam (1988) de que é possível não se dá de maneira tão exata uma relação de significado com um correspondente unívoco no mundo extra­mente; e a razão disto repousa na concepção de que as propriedades as quais nos referimos “não estão na língua mas no modo como a usamos e a adquirimos” (Marcuschi, 2000:11). De acordo com Putnam (p.54 apud Marcuschi, 2000:11­12), trata­se de admitir que “a referência é um fenômeno social”. E assim considerando­a, “a referência é parcialmente fixada pelo próprio contexto”, ou seja, “a contribuição do contexto é essencial para que cheguemos a utilizar nossos itens lexicais de acordo com o que os demais fazem em nosso grupo social. Conhecer a significação de uma palavra é ter um conhecimento tácito de sua significação no sentido de saber usar a palavra num discurso, e não saber traduzi­la ou saber o que ela designa ou denota. Conhecer a significação de uma palavra (...) não é rigorosamente conhecer um fato. A significação é interacional. O entorno em si mesmo exerce um papel na determinação do que designam as palavras de um locutor ou de uma comunidade”.

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atestado em artigos científicos 3 . Isto é reafirmado no seu projeto de pesquisa O Aspecto

Lexical no Processo de Textualização (2004:21):

O problema da significação (sentido + referência) é central neste projeto e deverá ser o principal objeto de investigação. Embora já se saiba muito sobre a questão, o certo é que ainda persistem dúvidas e as questões em relação à significação continuam abertas.

A nossa postura é a mesma de Marcuschi: significado é diferente de

significação, e ao se falar sobre a significação fala­se sobre sentido e referência,

indissociavelmente. Também concordamos com a idéia de que há muitas questões que

continuam abertas em relação à significação. Para nós, uma delas é a questão da

sinonímia na perspectiva textual construindo uma rede de relações de sentido a partir

das nossas escolhas lexicais inseridas em contextos situados socialmente, quando

observados sobre as bases de perspectivas sócio­cognitivas.

Sendo assim, nesta investigação, partimos do princípio que o termo

significado relaciona­se aos estudos da semântica formal dos enunciados cujo contexto

sócio­cognitivo está fora do seu escopo teórico, e o termo significação é um

alongamento do termo significado porque engloba sentido e referência associados ao

funcionamento contextual envolvido nos discursos e nos textos.

Consideramos também neste trabalho, tal como Marcuschi (2000; 2004;

2007a), que o contexto é tudo o que está envolvido em uma interação discursiva situada

em experiências sociais, históricas e culturais do mundo real e do mundo imaginário,

construídas nas atividades sócio­cognitivas dos indivíduos através de ações

comunicativas que ocorrem por processos associativos de natureza diversa estudados

nos escopos da cognição e da sócio­cognição, e que vão além da semântica formal. O

processo associativo que daremos ênfase aqui é o inferencial.

Nós assumimos a distinção entre significado e significação a fim de

defendermos, a partir deste capítulo, a tese de que a sinonímia por encapsulamento

anafórico é um processo de referenciação sócio­cognitivo que ocorre por

equivalência (cognitiva) de sentido. Nesta perspectiva, o sentido apresenta um

ponto de vista; um modo pelo qual compreendemos algo; uma possibilidade de

_ 3 Ver Marcuschi (2000) e Putnam (1988), conforme citação em nota anterior.

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interpretação que se estabelece por um caminho inferencial construído em uma

interação social. 4

Por este ângulo, a sinonímia passa a ser estudada como um fenômeno

essencialmente de resolução sócio­cognitiva e textual­discursiva e não semântica. Esta

passa a ser vista nas condições de uso e não nas condições de verdade ou falsidade dos

enunciados. Por isso é preciso partir da distinção entre significado e sentido, pois a

sinonímia, nos estudos clássicos da semântica formalista lógica e objetivista, ainda tem

sido largamente estudada como elemento de coesão e de coerência por substituição de

uma palavra por outra de mesmo significado, e não de mesma significação.

Daqui para frente usaremos o termo sentido considerando­o o mesmo que

significação, e buscaremos mostrar que as bases para a defesa desta nossa tese têm

início em discussões que perpassam a semântica filosófica clássica com Platão e

Aristóteles, depois a semântica lógica e analítica com Frege até chegarmos às discussões

no campo textual­discursivo e sócio­cognitivo mostrando o funcionamento da nossa tese

e a sua inclusão em uma perspectiva sócio­cognitiva que pode ser apontada como

possível desde reflexões obtidas a partir da semântica filosófica. Consideramos também

que não há sentido sem referência por isso acharmos que o termo sentido é o melhor

termo para definir a relação de equivalência sócio­cognitiva a qual defenderemos ser a

relação de sentido construída pela sinonímia por encapsulamento anafórico.

A forma pela qual concebemos este tipo de sinonímia e o sentido

construído por ela não é o postulado de uma teoria lingüística, mas o resultado de

nossas investigações e reflexões realizadas ao longo das leituras e pesquisas feitas sobre

a organização referencial, aspecto central nos estudos da textualização, que dá

continuidade e estabilidade ao texto, e que contribui decisivamente para a coerência

discursiva.

Nas teorias da Lingüística de Texto, a sinonímia é considerada como parte

integrante dos estudos sobre a organização, a continuidade e a progressão referencial no

_4 A nossa tese será retomada em outros momentos deste trabalho, sempre na integra, para dar uma maior lucidez às nossas discussões.

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texto. Ela constrói um encadeamento referencial que se organiza num sistema de

correlações como uma rede multidimensional, assim como categoriza Marcuschi 5 .

Em virtude disto, acreditamos que é possível observarmos a sinonímia por

encapsulamento anafórico como um processo sócio­cognitivo de encadeamento

referencial que marca a construção do sentido no texto, deslocando­a assim para além

da semântica lógica e formal que a estuda nos limites das condições de verdade ou

falsidade de um enunciado, para observá­la nos campos investigativos da sócio­cognição

como um tipo de funcionamento da sinonímia no uso sócio­textual­discursivo. Vejamos

então a diferença que enxergamos entre os termos significado e sentido, como primeiro

aspecto de discussão para teorizarmos sobre a sinonímia por encapsulamento anafórico.

1.1­ O Uso dos Termos Significado e Sentido

Pode parecer, ao leitor, que estamos falando sobre a mesma coisa e por

isso é dispensável fazermos a distinção entre significado e sentido. Mas, temos

observado que o termo significado, muitas vezes, é empregado para se falar sobre o

sentido, como se fossem correlatos. Mais adiante, neste capítulo, veremos que algumas

noções de sinonímia nos mostram que mesmo se falando em significado, em algumas

destas noções, está se falando em sentido.

Ter uma visão clara dessa distinção nos ajuda a ver dois caminhos para o

estudo da sinonímia: 1) o caminho do estudo do significado por identidade, igualdade

ou correspondência entre palavras ou frases, onde se contempla a referencialidade sem

contexto de uso da língua; e 2) o caminho do estudo do sentido entre as palavras,

frases e enunciados, onde se contempla a referencialidade e o sentido no uso social da

língua.

Um dos pontos que buscaremos defender na nossa tese é que os sentidos

nos levam aos diversos modos de compreensão de um objeto discursivo. Por tal razão,

assumimos a posição de que nós construirmos o sentido das coisas através das

experiências que compartilhamos nas vivências sociais. Cada um constrói

_5 Ver Luiz Antônio Marcuschi (1998) em Referenciação e Cognição: o caso da anáfora sem antecedente.

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individualmente e coletivamente, numa rede de relações sociais, históricas e culturais, o

entendimento das coisas do mundo (Husserl) 6 .

Para observarmos uma diferença entre os termos significado e sentido

devemos ter em mente que a racionalidade científica, que estuda as relações de

significado, não é a única legítima administradora de nossas relações de conhecimento

com a realidade. A resposta de Marcuschi a Faraco (aquele enunciado não refere um

fato, mas a construção de um fato) cai em nossa defesa para mostrar que a distinção

entre significado e sentido está na maneira pela qual olhamos o mundo. Apresentamos

abaixo os dois olhares:

O primeiro olhar nos diz que se nós olhamos o mundo pelas janelas das

reflexões filosóficas e semânticas lógicas 7 acreditamos que a linguagem é o meio pelo

qual o mundo pode ser representado sem haver modificações de seus objetos mundanos.

A linguagem representa a realidade do mundo e nós estamos ligados diretamente a ela

podendo esta realidade ser analisável. O que subjaz nessa concepção é a crença de que o

mundo, cada coisa e também nossa consciência seriam compostas unicamente por

elementos plenamente determinados e de sentido unívoco com conceitos fixos. A

relação entre indivíduo e mundo seria transparente e como a linguagem é o meio de

ligação entre estes então a linguagem também seria transparente. Assim, o intuito de

fazer a distinção entre significado e sentido não teria razão de ser, pois ambos os termos

seriam sinônimos por serem considerados como termos que estudam as designações ou

denotações das palavras 8 .

Se considerarmos como uma indagação epistêmica­metodológica a

pergunta de Faraco ‘O que você diria sobre a verdade do enunciado: A justiça é

cega?’, a nossa resposta será apenas que esse enunciado é verdadeiro se e somente se a

_6 Abordaremos esta e outras concepções de Husserl no capítulo 4. 7 Ao falarmos em semântica lógica fazemos menção ao estudo do significado com o auxílio da lógica matemática (“By ‘logical semantics’ is here meant the study of meaning with the aid of mathematical logic”.), conforme Lyons (1977), em Semantics, Vol. 1, p.138. De acordo com Lyons (p.138), o termo “semântica lógica’ é comumente usado de forma mais restrita pelos lógicos que pelos lingüístas. Para os lógicos, a semântica lógica ocupa­se da investigação do significado ou interpretação de uma expressão construído especialmente em sistemas lógicos artificiais. 8 Nesta perspectiva a sinonímia dos termos significado e sentido é definida por uma idéia de identidade. De acordo com Lyons (1977:156), “duas classes são definidas por serem idênticas (mais precisamente, extencionalmente idênticas) se e somente se cada uma delas possui exatamente os mesmos membros”. Neste caso, ambos tratam do estudo das designações ou denotações das palavras.

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justiça tiver olhos e que não enxerguem. Como a justiça não é um ser vivo, mas um

conceito, não possui olhos; logo o enunciado não é verdadeiro, é falso.

O segundo olhar nos diz que se nós nos direcionarmos para as reflexões

sócio­cognitivas, ao invés de considerarmos a pergunta de Faraco apenas nas suas

relações de verdade ou falsidade com significados fixos, podemos considerá­la como

unidades de sentido conceitualmente compreensíveis cuja linguagem é o resultado da

forma como vivenciamos o mundo num campo de dimensões, articulações, ângulos,

configurações, que, em relações conjuntas, constroem o sentido (Merleau­Ponty) 9 .

Mediante esta perspectiva, a resposta para O que você diria sobre a verdade do

enunciado: A justiça é cega?, dependeria das condições de uso deste enunciado que,

resumidamente, dizemos que advêm de um vivenciar (experimentar) que pode não

coincidir, necessariamente, com a análise lógica da sentença, mas que expressa a

construção de um modo de se compreender algo 10 .

Estes são os dois olhares sobre os quais podemos nos debruçar para

entendermos a resposta de Marcuschi à indagação de Faraco: pela semântica formalista

e pela sócio­cognição. A compreensão de um enunciado não está, necessariamente, na

resposta a pergunta o que significa y ou z, mas no modo como compreendemos um

enunciado; e isto diz respeito ao conhecimento que temos sobre as situações de uso de

um enunciado, podendo se chegar a várias compreensões incluindo aquela que se tem

com a análise das condições de verdade a qual mencionamos anteriormente. A pergunta

a ser respondida deveria ser como você entende a verdade desse enunciado: ‘A justiça

é cega?, em vez de O que você diria sobre a verdade do enunciado: A justiça é cega?.

Acreditamos que a pergunta reformulada faz com que cheguemos à construção de um

fato e não apenas a referência a um fato, como asseverou Marcuschi. E isso faz muita

diferença no modo de pensar sobre o conteúdo destas perguntas.

_9 É interessante ler a reflexão sobre a percepção do mundo e dos objetos através da vivência, do filósofo Maurice Merleau­Ponty ([1945]1972) em Phénomenologie de la Perception, no artigo de Erich Christian Schröder (1995) intitulado: Fenomenologia nos limites da filosofia da subjetividade. 10 É aqui que nós enxergamos o caráter social do significado, conforme também foi apontado por M. Dummett (1974) em um texto intitulado O caráter social do significado, discutido em Marcuschi (2000). O que Dummett considera como significado não está condicionado as condições de verdade de um enunciado, o significado não é objetivo e nem faz com que o sentido seja associado a certas condições de verdade. Este pensamento se distancia do quer dizer o termo significado na semântica lógica. Preferimos adotar o termo significação como o fez Marcuschi (2000) a partir de Putnam (1988) e dizer que estudar a significação é ir atrás de conhecer o uso de uma palavra num discurso.

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O leitor pode estar se perguntando se a nossa discussão a respeito da

distinção entre significado e sentido não passa apenas de um ponto de vista o qual

buscamos explicitar neste trabalho. Respondemos que, de fato, ela o é. Dizemos isto

porque muitos teóricos afirmam não haver um consenso sobre o que é significado 11 .

A resposta para esta pergunta tem sido lugar de disputa entre estudiosos

do significado de vários campos como: filósofos, semanticistas, lógicos, psicólogos e

etc. Há aqueles que crêem que o significado é uma relação causal entre um objeto no

mundo e um dado na mente. Por exemplo, quando alguém vê um cavalo é acionado,

imediatamente, na sua mente, o conceito de cavalo. Outros crêem que o significado é

resultado de uma convenção entre os indivíduos que compõem um grupo social. Há

ainda aqueles que crêem que o significado de uma sentença pode ser apreendido pela

explicitação das condições em que uma sentença é analisada como verdadeira, conforme

o fizemos com a pergunta de Faraco.

Marcuschi (1999:115) diz que

Para superar os limites de uma semântica das representações formais e os limites da inferenciação lógica exige­se atenção especial para algumas noções básicas a fim de estabelecer distinções que permitam observar melhor as atividades desenvolvidas no processo de produção de coerência. Entre estas estão centralmente as seguintes: referência, significado, cognição e efeito de sentido. Esses termos são usuais na semântica, na pragmática, bem como nas diversas teorias preocupadas com aspectos discursivos no uso da língua. Contudo, não há unanimidade em sua conceituação.

Isto é o que também pensa Oliveira 12 (2001:36), em Semântica Formal,

autora que destacamos aqui pela clareza com que expõe esta questão, ao afirmar o que

acabamos de expor e chamar a nossa atenção para o fato de que:

O uso técnico de significado que o semanticista faz não recobre todas as ocorrências de ‘significado’ na linguagem ordinária. E se, como dissemos,

_11 Ver Maria Helena Duarte Marques (1990) em Iniciação à Semântica e Marcuschi (1999) em Coerência e Cognição Contingenciada. 12 Ao longo das nossas exposições faremos várias citações a esta autora pelo fato dela apresentar um posicionamento que condiz com o nosso quanto as questões de significado, sinonímia, referência e sentido. Apesar de seu livro intitular­se Semântica Formal, o curioso é que ela se mostra bastante reflexiva quanto aos pontos que nós destacamos e chega a conclusões convergentes com as nossas. Salientamos, mais uma vez, que o caminho para entendermos a sinonímia por encapsulamento anafórico na perspectiva sócio­cognitiva par te tanto da filosofia da linguagem quanto da semântica formal. A explicação desta sinonímia que buscamos defender existir encontra­se naquilo que está às margens destas teorias, por esta razão temos discutido muitos de seus postulados.

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um modelo semântico deve ser consistente, então temos que saber em que sentido o termo significado está sendo usado para o mantermos constante.

Vejamos os questionamentos da autora para mostrar alguns usos do termo significado

(p.36):

(8) Qual o significado da cor azul?

(9) Qual o significado da palavra azul?

(10) Qual o significado deste ato do governo?

(11) O que significa ter febre alta?

(12) O que significa a expressão ‘ter uma casa’?

(13) O que significa ter uma casa?

Quais das sentenças acima, você acredita, descrevem melhor o objeto de estudos do semanticista?

De acordo com as explicações de Oliveira, se nós respondemos à pergunta

aludindo aos itens (9) e (12) estamos certos, por já termos o conhecimento que o

semanticista se preocupa com o significado de sentenças e palavras. Os Itens (8) e (9)

mostram­se distintos por podermos dar diferentes respostas.

O item (8) indaga sobre o significado de algo no mundo e para darmos a

resposta dependeremos de um contexto, como exemplifica a autora ao dizer que se

considerarmos um contexto de aula sobre a técnica de Feng Shui, a resposta será “o

azul significa espiritualidade, porque é um elemento terra e está associado ao

hexagrama Ken do I­Ching, a montanha” . Mas se o contexto for uma prova de física, a

resposta será “cor da radiação eletromagnética de comprimento de onda

compreendido, aproximadamente, entre 480 e 510 milimícrons” . Oliveira diz que as

duas respostas nos remetem à metafísica, uma descrição de como o azul é na realidade,

considerando­o como um fenômeno no mundo.

Já no item (9) estamos diante de um questionamento sobre o significado de

azul em uma dada língua. No caso da língua portuguesa poderíamos apontar uma

amostra de azul no mundo, nos deparando com o significado de uma palavra

relacionado ao objeto no mundo, apontado, “dedado” pela palavra, como Oliveira

explicita, numa teoria referencial do significado. Aqui entram também as possíveis

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respostas dadas por dicionários ou traduções para uma outra língua conhecida do

falante.

Os itens (10) e (11) se aproximam do item (8) por perguntarem sobre o

que significa certo fenômeno ou evento no mundo. Febre significa doença, o ato do

governo significa fechamento das universidades públicas. Em (12), Oliveira nos diz que

só é possível um tipo de resposta: o significado do sintagma verbal ter uma casa. Por

exemplo, ter uma casa significa ter a posse legal de uma residência.

Já em (13) há uma possibilidade muito maior de respostas dependendo da

situação em que a frase é usada, como por exemplo: deixar de pagar o aluguel. A

autora (p.39) afirma que em (13), “o falante supõe que seu interprete saiba o significado

das palavras que ele está usando e está perguntando o significado de um evento no

mundo”. O contrário disso ocorre em (12), cujo “falante pretende que seu intérprete

perceba que ele não sabe o significado das palavras e quer que o esclareça precisamente

sobre esse aspecto”. Essa é a postura da semântica formal, de acordo com Oliveira

(p.39).

É interessante a forma como esta autora expõe a multiplicidade de

respostas que podemos dar para a pergunta o que é significado?. Como já dissemos, as

análises da autora são bastante esclarecedoras, o que nos faz concordar com a sua

exposição e aproveitarmos o ensejo para chamarmos à atenção do leitor para o que

ocorre nos itens (8) e (9), que nos servem de amostras para a distinção que fazemos

entre significado e sentido.

No item (8) as duas respostas para o significado da cor azul envolvem

questões contextuais que constroem diversas possibilidades interpretativas baseadas em

relações sócio­histórico­cultural dos indivíduos. Estas possibilidades interpretativas são

consideradas por nós como os sentidos construídos, e não como os significados da

cor azul. A pergunta Qual o significado da cor azul? não indaga, também para nós,

sobre o significado da palavra azul, como em (9); mas, de acordo com o que

defendemos neste trabalho, ela indaga sobre como entendemos a cor azul em uma dada

situação de uso da língua. Por isso podemos ter respostas variadas dentro de uma

mesma língua, como foi apontado por Oliveira (2001:37).

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Relembremos a nossa discussão sobre a pergunta de Faraco e a resposta de

Marcuschi. Se sairmos da perspectiva referencial da língua no escopo de uma semântica

formalista lógica, que relaciona uma palavra a um objeto no mundo, de forma direta, nós

veremos que a pergunta Qual o significado da cor azul? não busca referir um fato,

busca a construção que um indivíduo tem de um fato. Tal como nos afirmou Marcuschi,

no final da citação de abertura deste capítulo. Deste modo, os itens (8), (10), (11) e

(13), se são questões de metafísica ou não, não importa. O que importa é que esses itens

indagam o sentido construído pelos sintagmas, dependendo das situações em que eles

são usados. Aqui reside a diferença entre significado e sentido. Essas questões são

tratadas fora da semântica lógica, como veremos mais adiante. Elas estão inseridas no

campo de uma pragmática cognitiva, como nos apontam Silveira e Feltes (1997) ao

mostrarem o forte componente cognitivo na pragmática de Sperber e Wilson (1986), e

também da sócio­cognição, como tem abordado Salomão (1999) e (Barsalou, 1992),

teóricos que abordaremos no capítulo 4 deste trabalho para mostrarmos o

funcionamento da nossa na perspectiva sócio­cognitiva.

Diante destas considerações, nós entendemos que a sinonímia é um

fenômeno 13 de construção de sentido, não referencialista e não representacionista

da língua. Assim como as palavras e frases isoladas não demonstram mais que regras

lógicas de verdade ou falsidade ou pressupostos silogísticos vericondicionais, a

sinonímia nesta perspectiva também não demonstra mais do que a ponta de um

iceberg 14 . O que submerge é muito mais complexo do que imaginamos, pois nele está o

sentido e seus diversos modos de construção. Na superfície estão os significados das

palavras e sentenças tão bem trabalhados pela semântica lógica formalista cujo papel

principal “é fornecer o significado de uma sentença sem fazer referência aos possíveis

usos e ações que com ela se produzem” (Oliveira, 2001:50).

A sinonímia na perspectiva do significado na Semântica Lógica, aplicada às

línguas naturais, não abarca usos e ações construídos nas sentenças; cabe­nos recorrer à

Filosofia da Semântica para se entender como é possível enxergarmos o fenômeno da

sinonímia como construtor de sentido entre palavra e conceito.

_13 Fenômeno é uma palavra que usamos de forma genérica. 14 Trata­se da metáfora do iceberg proposta por Koch (por exemplo, Koch, 2002).

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A nossa excursão pela Filosofia da Semântica parte de uma pergunta: na

sinonímia, a relação existente entre palavras e conceitos é naturalmente

predeterminada ou é uma construção social? Responderemos esta questão com a

análise dos exemplos abaixo, retirados do artigo Aspectos Problemáticos numa

Semântica Lógica para Línguas Naturais, de Marcuschi (2007a:17):

1­Os pequenos ladrões são presos e os grandes ficam soltos

2­Prendem­se os grandes e soltam­se os pequenos

Para uma semântica lexicalista que esclarecesse ou descrevesse o significado de pequeno, ladrão, preso, grande, etc, a verdade da sentença 1 continuaria obscura, dado que sem a compreensão do contexto cultural, relação com contextos pragmáticos, etc., seu sentido não ficaria determinado. Seria impossível inclusive decidir sobre sua verdade, já que não se teria propriedade alguma do enunciado e sim apenas de palavras. Caso a análise lexicalista fosse completa com a informação sobre o conteúdo dos lexemas que o compõem, ela teria o mesmo valor­verdade e interpretação que a sentença 2. Contudo, os sentidos de 1 e 2 diferem em vários aspectos e ambas as sentenças diferem entre si diversamente do que as palavras que entram em 1 e 2. Isso pode ser tomado como evidência para a pouca serventia que oferece uma análise isolada de palavras quando elas funcionam num sistema de relações, ou seja, quando aparecem empregadas em sentenças.

Se as palavras e os conceitos fossem naturalmente predeterminados as

palavras pequeno, ladrão, preso e grande teriam uma relação sinonímica nas frases 1 e

2, mas isto não ocorre. O que apreendemos dos exemplos dados por Marcuschi e

também da sua explicação é que palavras e conceitos só possuem relações de significado,

e mesmo assim predeterminado e não naturalmente predeterminado, quando vistos

isoladamente. Se estes forem vistos numa interação discursiva serão frutos de uma

construção social. Portanto, podemos ter as duas respostas a depender do ângulo de

observação da língua.

Este trabalho não nega que palavras e conceitos possuem significados

predeterminados, mas considera que estes possuem sempre significados mínimos cujos

sentidos só são conhecidos ou acessados quando empregamos essas palavras e seus

conceitos mínimos em um sistema de relações construídas socialmente. Por isso palavras

e conceitos não possuem relações de significado naturalmente predeterminado. A

perspectiva adotada aqui é de que palavras e conceitos expressam significados mínimos

quando permitem acessos a uma interpretação apenas de conteúdo semântico sentencial.

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O acesso ao sentido é possível quando palavras e conceitos estão inseridos em situações

socialmente construídas. Daí o estudo sobre significado entre lexemas não dar conta da

sinonímia por encapsulamento anafórico em uma interação discursiva, pois esta trata da

construção de uma referência social com uma significação também social.

Esclarecida a distinção que fazemos entre significado e sentido, nós

precisamos entender a razão pela qual o estudo do significado não dá conta deste tipo de

sinonímia. Por isso é necessário discutir agora a trajetória da visão de significado nas

noções de igualdade ou semelhança, e identidade na sinonímia, desde as bases

semântico­filosóficas das discussões a respeito do que é significado nas relações entre

nomes e coisas até chegarmos à noção de sentido na sinonímia, e não mais de

significado. Vejamos a discussão a respeito das noções de igualdade, de identidade e de

sentido que podemos atribuir à sinonímia.

1.2­ O Significado na Semântica Filosófica Clássica: a noção de igualdade na

sinonímia

A arbitrariedade do signo é o primeiro ponto de discussão travado pelos filósofos

da Antigüidade cujo ponto de vista inicial era de que o significado das palavras era

representado pelas palavras e era também arbitrário.

Os filósofos gregos, desde o século V a.C., se preocupavam com as investigações

sobre a origem e a natureza da língua interessando­se por descobrir a relação de

nomeação que havia entre as palavras e as coisas. A história da lingüística ocidental

começa com um grande confronto de visões sobre a língua, fundamentalmente opostas:

a) língua como fonte de conhecimento; e b) língua como um simples meio de

comunicação. A questão fundamental a ser respondida naquela época era: a língua tem

algum vínculo direto e essencial com a realidade, espiritual ou física, ou é

puramente arbitrária?

As implicações dessa pergunta propõem dois pontos de vista básicos nos estudos

lógico­filosóficos, de acordo com Robins (1967: Cap.2):

1­ Se a língua, de algum modo, contém ou espelha a realidade, então o estudo da

língua é um caminho possível para o conhecimento da realidade;

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2­ Porém, se a língua é arbitrária, então nada de maior importância pode ser obtido

com seu estudo. O objetivo da lingüística será então o entendimento da

língua(gem) e nada mais.

Dos Retóricos até Platão, os problemas discutidos na filosofia da linguagem

consistiam em saber até que ponto as normas consagradas, as instituições e os

julgamentos do que era certo ou errado, justo ou injusto etc, eram baseados na natureza

das coisas ou até que ponto eram essencialmente produtos de uma convenção tácita ou

mesmo de uma legislação explícita. As questões gerais versavam sobre três pontos:

1) A natureza da linguagem e sua relação com a humanidade;

2) A linguagem e o pensamento;

3) A linguagem e a realidade.

Nos fragmentos conservados das teses sofistas encontra­se um texto do filósofo

Górgeas 15 (séc. V a.C.) que propõe uma reflexão sobre a capacidade de verdade ou

falsidade da linguagem, ou do discurso. Para este filósofo, defensor da tese sobre a

impossibilidade de haver um discurso verdadeiro, “o discurso não manifesta o objeto

exterior; ao contrário, é o objeto exterior que se manifesta no discurso” (Górgeas apud

Nef (1995:12).

Para Górgeas o discurso (logos) era concebido como o resultado das impressões

sensíveis e a cada impressão gerada por um sentido corresponderia um tipo de discurso

relativo a essa impressão. Ou seja, o discurso se realizaria em si mesmo, seria incapaz de

apreender uma estrutura geral comum aos diferentes campos sensoriais, dependeria das

impressões. Nas suas palavras,

Pois se existem seres visíveis, audíveis e universalmente sensíveis, e de uma existência que nos é exterior, desses seres, os visíveis são percebidos pela vista, os audíveis pelo ouvido, e esses sentidos não podem trocar os seus papéis. Assim sendo, como se poderá revelar a outrem esses seres? Pois o meio que temos de revelar é o discurso; e o discurso não é nem as substâncias nem os seres: não são pois os seres que nós revelamos àqueles que nos cercam; nós só lhes revelamos um discurso que é diferente das substâncias. (...) Quanto ao discurso (...), sua constituição resulta das impressões vindas dos objetos exteriores, isto é, dos objetos da sensação: do encontro com o seu sabor nasce em nós o discurso que será proferido com relação a essa qualidade, e da impressão da cor, o discurso referente à cor. Se é assim, o discurso não manifesta o objeto exterior; pelo contrário,

_15 Essa questão encontra­se em Frédéric Nef (1995) no livro A linguagem: uma abordagem filosófica.

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é o objeto exterior que se manifesta no discurso (Górgeas apud Nef (1995:12).

Um aspecto que achamos interessante na definição de discurso de Górgeas é o

uso do termo sentido. Não podemos afirmar que para ele sentido e significado são

correlatos, a nossa impressão é que não são. O que podemos arriscar dizer é que ao

definir discurso como resultado das impressões sensíveis de cada um, Górgeas nos

permite entender nas suas entrelinhas que existe no discurso algo que vai além do

significado sentencial. Por esta perspectiva de observação nos parece mais acertado ter

sido usado o termo sentido e ao invés do termo significado, tal como o fez Górgeas.

O pensamento contido nesta citação de Górgeas, sobre a tese da impossibilidade

de um discurso verdadeiro, foi importante para a oposição de Demócrito entre

naturalismo e convencionalismo nos questionamentos sobre a linguagem e a realidade.

No diálogo chamado Crátilo 16 , de Platão (final do século V a.C.), as controvérsias entre

essas duas questões é discutida entre Hermógenes e Crátilo ao formarem um diálogo

com Sócrates para ouvirem este último falar sobre a justeza dos nomes.

A posição naturalista defendida por Crátilo partia do princípio que o significado

na linguagem era natural, a alma era a fonte de origem dos nomes de acordo com a

forma de representação que esta possuía das diversas realidades. O resultado disso foi

uma visão de língua como espelho exato do mundo.

O convencionalismo defendido por Hermógenes assegurava que no significado

não havia uma correspondência direta entre o nome e a coisa, entre estes havia uma

variável de relações e de fenômenos semânticos importantes que invalidava a concepção

de língua como espelho da realidade. Os nomes eram arbitrários e podiam ser impostos à

vontade. Para refutar a posição de Hermógenes ao dizer: “Para mim, seja qual for o

nome que se dê a uma determinada coisa, esse é o seu nome certo; e mais: se

substituirmos esse nome por outro, vindo a cair em desuso o primitivo, o nome não é

menos certo do que o primeiro” (384, d), Sócrates se apóia na afirmativa de que as

proposições nos permitem falar a respeito das coisas, sejam elas verdadeiras ou falsas,

pois “é possível dizer por meio das palavras o que é e o que não é” (385, b).

_16 Usamos a tradução de Carlos Alberto Nunes. Belém, Universidade Federal do Pará, 1973.

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A posição de Sócrates nos permite pensar que, para ele, os nomes constituem

formas convencionais com significados convencionais e que, também, entre nomes e

coisas há um elo de co­naturalidade que garante o seu conhecimento. Ou seja, referindo­

se as proposições às coisas como elas realmente são, entra­se no campo da verdade.

Para este filósofo as palavras são instrumentos dessa verdade. No ato do dizer, o

uso dos nomes e a sua forma enunciativa proposicional, que se revela em conhecimento,

são inseparáveis da ação de dar informação uns aos outros e de distinguir as coisas da

maneira como elas estão constituídas. Por isso Sócrates diz que:

Assim sendo, convirá nomear as coisas pelo modo natural de nomeá­las e serem nomeadas, e pelo meio adequado, não como imaginamos que devemos fazê­lo, caso queiramos ficar coerentes com o que assentamos antes. Só por esse modo conseguiremos, de fato, dar nome às coisas; do contrário, será impossível” (387,d). ...O nome, por conseguinte, é instrumento para informar a respeito das coisas e para repará­las, tal como a lançadeira separa os fios da teia (Sócrates, 388,c).

É instigante percebermos que a obra Crátilo defende a idéia de que não é

possível a relação direta entre nome e coisa e nem a separação completa de ambos.

Para dar nomes às coisas é preciso conhecê­las, e para conhecê­las é preciso que elas

tenham nome. Assim, os nomes surgem com a linguagem, são mantidos e reformulados

na linguagem.

O resultado deste pensamento é que Platão tornou­se um grande precursor de

uma das discussões centrais da filosofia da linguagem: a discussão a respeito da forma

como o mundo está organizado. O personagem Crátilo apresenta a concepção do

mundo como um museu onde para cada objeto tem­se um nome adequado que o

categoriza de forma definível em suas categorias perante todos os indivíduos.

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Este aspecto foi batizado séculos mais tarde por Quine como o “mito do

museu” 17 . Isto é, o mundo estaria todo etiquetado lá fora, como as peças de um museu.

E compreender esse mundo seria conhecer as coisas que estão “lá fora”.

Essa visão de mundo e de língua conceitua o significado como algo que acontece

pelas características necessárias que os objetos do mundo precisam ter para serem

reconhecidos com tal. O nome Homem teria significado quando aplicado ao indivíduo do

sexo masculino, com as características corporais próprias da masculinidade. Logo,

nomear corretamente seria nomear de acordo com a existência dessas características nos

indivíduos, os nomes de alguma maneira representariam essa estrutura.

Isto quer dizer que se aplicarmos de forma correta um nome a uma coisa, o

acesso ao significado será garantido pelas propriedades que essa coisa possui. Postular

que os nomes são propriedades de seus objetos é dizer que a língua é espelho da

realidade, e que o significado por ela está aprisionado nas características de seus objetos

mundanos. E isso, sabemos, é uma posição extremista.

Esta é uma perspectiva ontológica e tradicionalista do significado, que o

considera como uma correspondência instituída e atribuída a um termo. Ou seja, como

uma representação direta entre nome e coisa. Assim, a noção de sinonímia como

fenômeno de substituição por igualdade de significado entre nomes é plenamente

justificada. São sinônimas as palavras que possuem o mesmo significado isolado, e por

isso podem ser permutáveis sem acarretar mudança de significado.

_17 Quine, vinculado por herança ao positivismo lógico, casa a tendência da filosófica analítica com o pragmatismo norte­americano clássico e aplica ao que chama de “teorias semânticas acríticas” a expressão “mito do museu”. Para Quine, as semânticas acríticas vêem o significado com a mesma percepção do homem comum, de certo modo a mesma da filosofia tradicional. Para as semânticas acríticas, a mente do homem é concebida como um museu no qual há internamente várias peças em exposição nas vitrines (os significados), e em todas essas peças estão associados os seus rótulos (as palavras). Por isso Quine postulou que, sob essa perspectiva, trocar de linguagem era apenas trocar de rótulos, conservando as peças do “museu mental”. Um dos pontos centrais de investigação de Quine foi responder à pergunta ‘O que vêm a ser o significado e as condições de verdade das declarações lingüísticas?’. Quine vai de encontro ao pensamento positivista lógico que diz que a análise da linguagem e sua assepsia são possíveis em virtude do significado das sentenças da linguagem, e também suas condições de verdade, serem algo nítido e determinável. Este pressuposto é abalado pela tese de Quine sobre a indeterminabilidade do significado, que é justamente o fato de não ser possível etiquetar o significado como se faz às peças de um museu, criando­se uma linguagem privada a tal ponto de tornar­ se uma linguagem não aprendida socialmente onde se pressupõe que cada indivíduo possui um plano mental interno e privado criado fora de uma vivência social. É interessante ver essa discussão em Ghiraldelli, P. (2003:131­136) e no próprio Quine em Dois Dogmas do Empirismo (1975).

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Isto nos lembra o que Oliveira (2001:71) afirma sobre a sinonímia na perspectiva

da semântica formal ao apresentar duas frases: (21) João é casado e (22) João é

solteiro 18 . Ela enfatiza que nas questões de sinonímia,

O problema está na exigência de que as sentenças expressem o mesmo significado. Note que se João é casado, então ele necessariamente não é solteiro, mas o inverso não é válido. Se João não é solteiro, ele não é necessariamente casado. Ele pode ser divorciado ou viúvo. Portanto, elas não expressam precisamente o mesmo conteúdo, suas condições de verdade não são exatamente as mesmas, tanto que a sentença em (22) é verdadeira se João é viúvo e a sentença em (21) é falsa nessa situação.

Este pensamento é também o nosso pensamento neste trabalho. Acreditamos que

para haver sinonímia exata, as sentenças devem ser verdadeiras nas mesmas condições

de uso e esta é uma restrição muito rígida imposta à sinonímia, porque se pensarmos em

algum contexto situacional a relação de o mesmo significado, de exatidão de significado

pode ser quebrada. Eis um argumento o qual não podemos perder de vista nesta

discussão a respeito da noção de igualdade na sinonímia, pois este argumento é

facilmente derrubado se pensarmos na tese da indeterminabilidade do significado de

Quine ou ainda nas concepções de M. Dummett (1974) sobre o caráter social da

linguagem ou de Putnam (1988) sobre a referência ser um fenômeno social.

Contribuições estas trazidas por perspectivas pragmáticas e também sócio­interativas

preocupadas com o caráter social, histórico, dinâmico e não transparente da língua.

Mas, voltando ao Crátilo, a teoria de Hermógenes também é extremista. Para ele

a língua estaria “a mercê” da vontade de cada indivíduo. Qualquer nome poderia ser

modificado e mesmo assim haveria o reconhecimento do seu objeto. O ato de significar

recai sobre o usuário da língua e depende de conhecer o que se passa na sua cabeça para

se chegar à compreensão. Mais uma vez estamos diante de uma perspectiva ontológica,

com a diferença de ser o outro lado da extremidade do pensamento de Crátilo.

Como mediador da discussão entre Hermógenes e Crátilo, Sócrates expõe que o

ato de nomear representa apenas uma fase do processo que intermedia o nome e a coisa;

é um instrumento que viabiliza construir a compreensão das coisas. O significado, por

esse ângulo, é representado pela relação entre nome e coisa no ato de nomear, e por

isso está em “co­relação” com o nome e o objeto.

_18 Encontramos a discussão sobre estas duas frases em Quine (1975), em Dois Dogmas do Empirismo.

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Apesar de Sócrates buscar uma mediação, a idéia de representação da realidade

continua ser a base da linguagem sob o pressuposto de que a língua é um espelho do

mundo e o que existe é uma relação biunívoca entre linguagem e mundo. Sendo assim, a

relação entre nome e coisa continua a ser arbitrária.

Contudo, é importante frisarmos que Platão, no diálogo O sofista, chegou à

conclusão de que a verdade e a falsidade não são propriedades nem das palavras nem

dos fatos, mas dos enunciados. O que foi muito importante para se estudar o significado

saindo do eixo das palavras para o eixo da sentença.

Uma das posições adotada por este filósofo era de que ao se tratar da

possibilidade do falso nos enunciados nos deparamos com dois níveis de distinção

importantes: 19 1) o nível do nomear (onomazein), nível da sintaxe que combina nomes

e verbos; e 2) o nível do dizer (legein), nível que formula em que condições um

enunciado é verdadeiro e significativo. O legein trata do discurso propriamente dito no

qual se discorre sobre as expressões e o onomazein trata da denominação, da nomeação

das expressões. Para Platão, um discurso discorre sobre uma proposição (leigen) e não

apenas nomeia uma proposição. Parece­nos aqui que para Platão, o significado na

nomeação é mais restrito que no discurso onde as proposições podem ser entendidas, de

fato, como verdadeiras ou falsas.

Em resumo, as correntes clássicas da Idade Antiga discutem basicamente duas

concepções de significado:

1) Se cada palavra da língua nomeia uma entidade, um acontecimento da realidade, o

significado de uma palavra é então a coisa por ela nomeada, o seu referente;

2) Se as palavras são concebidas como reflexo da realidade e, em suas relações com

os estados de coisas, não há verdadeiramente relação explícita entre linguagem e

pensamento. Logo, o significado de uma palavra é uma construção que se dá nas

relações com os estados de coisas do mundo.

_19 Para essa discussão ver Frédéric Nef, Cap. I (1995).

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Todavia, essa discussão sofreu uma mudança na virada da Idade Antiga para a

Idade Média, pois Aristóteles postulou com rigor e clareza que a única relação lógica

para se analisar a questão da verdade é aquela que se estabelece entre o sujeito e o

predicado. Para nossa investigação, isso implica em uma mudança na noção de sinonímia

como igualdade entre palavras e coisas para a noção de sinonímia como identidade

entre palavras e coisas, caracterizando­se para nós como uma possibilidade de se

enxergar uma fase de transição na perspectiva do significado, a qual aproveitamos para

mostrar a nossa concepção de equivalência de sentido na sinonímia por encapsulamento

anafórico cuja predicação é um elemento importante de sua constituição.

1.3­ Do Significado ao Sentido em Aristóteles: a noção de identidade na sinonímia

Nos postulados de Aristóteles em Dos argumentos sofísticos 20 (cap.6), a análise

da natureza da relação entre linguagem e pensamento passa pelo viés da identidade de

um pensamento expresso por asserções diferentes. Assertivas e pensamentos são

combináveis para a formação de um pensamento verdadeiro. Este filósofo chamou de

identidade a relação de significado existente entre nome e coisa, ao invés de usar o termo

‘igualdade’ como acabamos de ver na noção de igualdade na sinonímia. Segundo ele

(Cap. 1: 5­15),

É impossível introduzir numa discussão as próprias coisas discutidas: em lugar delas usamos os seus nomes como símbolos e, por conseguinte, supomos que as conseqüências que decorrem dos nomes também decorram das próprias coisas, assim como aqueles que fazem cálculos supõem o mesmo em relação às pedrinhas que usam para esse fim. Mas os dois casos (nomes e coisas) não são semelhantes, pois os nomes são finitos, como também o é a soma total das fórmulas, enquanto as coisas são infinitas em número. É inevitável, portanto, que a mesma fórmula e um nome tenham diferentes significados.

Nesta citação, Aristóteles nos fala sobre a relação com aquilo que ele chamou de

conseqüente e que existe quando se refuta um argumento. De acordo com este filósofo,

algumas pessoas supõem que a relação de conseqüência é conversível. Ou seja,

_20 Este discurso trata dos argumentos sofísticos que pareciam ser argumentos ou refutações, mas que na realidade não passavam de ilogismos.

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“sempre quando A existe, B necessariamente também existe, existindo B, A também

deve necessariamente existir” (Cap.5: 167b, 5). A conclusão a qual ele chega é que,

“daí nascem também os enganos relacionados com as opiniões que se baseiam na

percepção dos sentidos”.

A noção de que os enganos nascem das opiniões que têm por base os sentidos

nos dá a possibilidade de fazermos uma outra leitura a qual diz respeito à distinção que

fazemos entre significado e sentido para a construção da sinonímia por encapsulamento.

A aparente simplicidade do pensamento de Aristóteles nos leva a uma reflexão

complexa, pois nos parece que neste ponto do seu discurso em Dos Argumentos

Sofísticos, nos é apresentada uma pequena brecha por onde é possível nos perguntar se

para ele, de fato, significado e sentido expressavam a mesma coisa. As discussões que

faremos adiante nos permitem ousar dizer que não.

Em muitas passagens Dos Argumentos Sofísticos e também de Tópicos­I 21 , de

Aristóteles, encontramos pontos de convergência com os exemplos de Oliveira

(2001:71) analisados no item 1.2 deste capítulo. Recapitulemos os exemplos (21) João é

casado e (22) João é solteiro. Ambos seguem o seguinte raciocínio, nas palavras de

Oliveira: “se João é casado, então ele necessariamente não é solteiro, mas o inverso não

é válido. Se João não é solteiro, ele não é necessariamente casado”. Este raciocínio não

parece diferir do pensamento de Aristóteles ao sugerir ser um equívoco a suposição das

pessoas de que “sempre quando A existe, B necessariamente também existe, existindo B,

A também deve necessariamente existir”. Oliveira aplica nos exemplos (21) e (22) a

relação de conseqüência de Aristóteles e nos mostra que nem sempre ela pode ser

conversível, conforme postulado por este.

Como a relação de conseqüência nem sempre é conversível, as nossas reflexões

nos levam a questionar a sustentabilidade de algumas definições clássicas de sinonímia

como vocábulos de significado muito parecido ou até mesmo igual 22 , ou aspecto

_21 Discurso que fala sobre o raciocínio e as suas variedades a fim de se chegar à capacidade de replicar um argumento para evitar dizer algo que venha a embaraçar a si mesmo, proporcionando o entendimento do raciocínio dialético. 22 Ver Maria Margarida de Andrade e João Bosco Medeiros, 2000.

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que se refere à igualdade semântica entre palavras ou sentenças que expressam o

mesmo significado 23 .

A razão que nos conduz a este questionamento reside no argumento usado por

Aristóteles que diz que as opiniões se baseiam na percepção dos sentidos. Sendo

assim, o aspecto de igualdade ou semelhança de significado semântico entre vocábulos

deve, obrigatoriamente, contemplar o sentido e não apenas a referência de um nome

quando se fala em significado entre nomes. Isto foi demonstrado por Oliveira nos

exemplos (21) e (22), pois o raciocínio inverso só pode ser admitido se considerarmos o

sentido como a causa para não se ter estabelecido uma relação de sinonímia entre João é

casado e João não é solteiro. Mas, pelas definições clássicas de sinonímia já

apresentadas, estas duas sentenças são sinonímicas por constituirem uma igualdade

semântica: um dos significados de ser solteiro é não ser casado.

Se consideramos correta a explicação dos exemplos (21) e (22), e nós a

consideramos, devemos admitir que existe no miolo dessa discussão, como pano de

fundo, uma distinção entre significado e sentido. Por isso não ser possível obter­se o

inverso em (22), pois neste ocorre a percepção de um sentido quanto ao uso do termo

solteiro. Afirmar que não ser solteiro não implica necessariamente em ser casado, é uma

percepção que acreditamos estar ligada a um sentido atribuído a expressão ‘homem

casado’ e que poderia ser por exemplo 24 :

(a) Um homem que vive junto com alguém como se fosse casado, mas não é;

(b) Um homem que possui namorada, e por isso não está solteiro, mas também não

é casado.

É interessante a maneira como construímos a relação de sentido em (a) e (b),

pela lei civil (a) e (b) são solteiros porque não são casados legalmente, mas por valores

relacionados a comportamentos sócio­afetivos temos o seguinte raciocínio:

(a) é um não­solteiro, porque mora junto com alguém como se fosse casado e ao

mesmo tempo é um não­casado, porque não é casado pela lei civil;

(b) é um não­solteiro, porque é comprometido, e também um não­casado, porque não

_23 Ver Roberta Pires de Oliveira (2001). 24 Os exemplos (a) e (b) são nossos e as análises também.

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mora junto com ninguém. Como se pensar na sinonímia nestes casos? 25 Não há

igualdade de significado em ser solteiro em (a) e (b). São sentidos distintos.

No capítulo 10 Dos argumentos Sofísticos, Aristóteles reafirma a existência de

uma relação indireta entre nomes e coisas e sugere que o silogismo não se apresenta

como uma condição sine qua nom que assegura o sentido de uma assertiva, pois a

impressão que se tem da coisa é que assegura o sentido. De acordo com esse

posicionamento teórico, parece­nos pertinente dizer que para este filósofo o termo

significado aplicava­se à expressão e o termo sentido aplicava­se ao pensamento. Isto

implica inferirmos que para Aristóteles, o pensamento era de natureza conceitual e

também cognitiva, embora ele não tenha usado os termos conceito e nem cognitivo.

Em uma de suas afirmações ele diz que quando alguém “se dirigi contra a

expressão”, não quer dizer que esteja se dirigindo “contra o pensamento”. O exemplo

que ele nos oferece é o da ambigüidade e da multiplicidade de significados de uma

expressão como formas de argumentar sobre a expressão. Mas quando não se está

argumentando sobre os vários significados de uma expressão, está se argumentando

sobre o pensamento que veicula uma expressão: sobre o sentido.

Podemos ver este raciocínio na explicação de Oliveira: “se João é casado, então

ele necessariamente não é solteiro, mas o inverso não é válido. Se João não é solteiro,

ele não é necessariamente casado”. Na segunda sentença o argumento recai sobre um

determinado sentido no uso da palavra solteiro, e na primeira sentença o argumento recai

sobre o significado da palavra.

Vejamos esta outra afirmação de Aristóteles:

Se alguém pensa que “triângulo” é uma palavra que comporta vários significados e a concedeu em algum sentido diferente do da figura que, segundo se demonstrou, contém dois ângulos retos, o inquiridor dirigiu

_25 Nossa sugestão é que pensemos na sinonímia, neste caso, como uma relação de sentido construída por valores que estão subordinados a um atributo. Tanto valores quanto atributos são conceitos que descrevem um aspecto de um membro de uma categoria. A categoria ‘homem solteiro’ possui um atributo que é ‘não ser casado’, esse atributo possui valores subordinados a ele e que são conceitos como: homem que vive junto com alguém, mas não é casado. Esta teoria é abordada por BARSALOU (1992) e será alvo de estudo no capítulo 4.

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neste caso o seu argumento contra o pensamento do outro ou não? Se a expressão tem vários significados, mas o respondente não compreende nem imagina que assim seja, como negar que o inquiridor tenha dirigido aqui o seu argumento contra o pensamento daquele? Ou de que outra maneira deveria ele formular sua pergunta supondo­se que a pergunta seja “do silencioso é ou não possível falar?” a não ser sugerindo uma distinção como segue: “a resposta é ‘não’ num sentido e ‘sim’ em outro? Se, pois, alguém respondesse que isso não é possível em sentido algum e o outro replicasse que sim, o seu argumento não se dirigiria contra o pensamento do inquirido? (Dos Argumentos Sofísticos, Cap. 10)

Nesse discurso de Aristóteles, nos parece estar implícita uma distinção entre o

significado da expressão e o sentido da expressão. Aquele que responde que não há

sentido algum na pergunta do silencioso é possível falar? dirige seu argumento contra a

expressão, pois uma análise das condições de verdade desta sentença nos permite dizer

que esta é falsa. Porém, aquele que responde que sim dirige seu argumento contra um

pensamento que nada mais é do que um sentido construído. O primeiro argumenta

sobre o significado da expressão e o segundo sobre o sentido.

Mais uma vez nos reportamos aos exemplos de Oliveira (2001), já citados neste

capítulo: (8) Qual o significado da cor azul? e (9) Qual o significado da palavra azul?.

Em (8) temos o termo significado inquirindo o sentido, aquilo que pensamos sobre a cor

azul, a forma como a concebemos, e em (9) temos o termo significado inquirindo o

significado da palavra, aquilo que ela significa enquanto expressão.

Dissemos que Aristóteles não usou o termo conceitual para falar sobre a natureza

do pensamento, mas que suas posições teóricas nos sugerem isso. Um exemplo dado por

ele é neve e cisne. Ele nos diz que as duas palavras possuem uma relação de identidade

com ser branco. O que ocorre entre neve, cisne e coisa branca é uma relação de

identidade por uma propriedade absoluta que há em neve e cisne, que é a

propriedade de ser branco. A relação semântica entre essas palavras não é mais a dos

naturalistas e nem a dos convencionalistas que tratavam a relação entre palavras como

unívoca e direta, pois neve e cisne não significam a mesma coisa. Esta relação de

identidade, que nos sugere Aristóteles, nos parece existir a partir de uma inferência,

embora mais restrita e sentencial.

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Uma propriedade para Aristóteles (Tópicos I: Cap. 5) “é um predicado que não

indica a essência 26 de uma coisa, mas, todavia, pertence exclusivamente a ela e dela se

predica de maneira conversível”.

Ele nos dá o exemplo de que é uma propriedade do homem ser capaz de aprender

gramática. Se A é um homem então é capaz de aprender gramática, e se é capaz de

aprender gramática, é um homem. Essa é uma propriedade chamada de absoluta.

Porém, ele aponta para o fato de que ninguém chama de propriedade absoluta

uma coisa que pertence a algo diferente e que por isso é chamada de propriedade

temporária. Ele explica o que é propriedade temporária da seguinte forma:

Exemplifiquemos o ‘sono’ no caso do homem, ainda que, em dado momento, só se possa predicar dele. Quer dizer, se alguma coisa desse tipo se chamasse atualmente “propriedade”, ela não receberia tal nome em sentido absoluto, mas como uma propriedade “temporária” ou “relativa”, pois “estar ao lado direito” é uma propriedade temporária, enquanto “bípede” é, em suma, atribuído como propriedade em certas relações: constitui, por exemplo, uma propriedade do homem em relação a um cavalo ou a um cão. (Tomo –I, Cap. 5)

Entendemos com esta explicação que as propriedades temporárias tem haver com

os sentidos construídos como formas de compreensão das coisas. E por esta razão são

temporários e não absolutos, e dizem respeito ao pensamento e não diretamente à

expressão.

Um outro aspecto interessante na noção de identidade em Aristóteles é a

discussão sobre a empregabilidade do termo o mesmo. Ele afirma que quando se trata de

falar sobre a relação existente entre nomes e coisas se emprega o termo ‘o mesmo’,

sobretudo, num sentido aceito por todo mundo, ao que é uno. Porém, ele nos diz que

mesmo assim podemos empregá­lo em mais de um sentido. O termo ‘o mesmo’ pode ser

empregado em um uso mais literal 27 sempre que identidade diz respeito a um nome duplo

ou definição dupla: “Manto é o mesmo que capa; um animal que anda com dois pés é a

mesma coisa que um homem”. 28

_26 Em Aristóteles, a essência de uma coisa indica a sua “definição”, por exemplo: ‘um animal que caminha com dois pés’ é a definição de homem. Pois animal é o gênero do homem. 27 Este termo foi usado por Aristóteles em Tópicos –I: Cap. 7. 28 Exemplos extraídos de Aristóteles em Tópicos –I: Cap. 7.

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Uma outra aplicação do termo ‘o mesmo’, segundo Aristóteles, é quando este diz

respeito a um acidente, que é uma propriedade temporária: “aquele que está sentado ou

aquele que é músico é o mesmo que Sócrates”.

Aristóteles chamou de acidente as propriedades temporárias ou relativas. Um

acidente é: (1) aquilo que pertence como atributo a um sujeito sem ser nem a sua

definição, nem o seu gênero 29 e nem uma propriedade absoluta, mas pertence, no

entanto, à coisa; e (2) algo que pode pertencer ou não pertencer a alguma coisa, sem

que por isso a coisa deixe de ser ela mesma.

Segundo este filósofo, (2) é a melhor forma de expressar o que é um acidente por

não se precisar ter conhecimento do que seja gênero, propriedade e definição. Um

exemplo dado por ele é brancura. Uma coisa pode ser branca em um momento e deixar

de branca em outro momento. No caso do exemplo ser branco em neve e cisne,

Aristóteles o considera como um exemplo de identidade criada por uma propriedade

absoluta, e não temporária.

Em resumo, podemos sintetizar o pensamento aristotélico da seguinte forma: o

termo o mesmo quando usado para caracterizar a relação de identidade entre nome e

coisa dá­se por intermédio de duas propriedades: por uma propriedade absoluta ou por

uma propriedade temporária. Ou seja, por algo que está no significado das palavras, ou

por algo que está na percepção do sentido no uso das palavras, no modo como as

entendemos.

Nas duas relações de identidade apresentadas enxergamos ocorrer um processo

de inferência. A primeira propriedade nos sugere a ocorrência de uma inferência

semântica encontrada nos postulados da lógica componencial e analítica. A segunda nos

sugere mais que uma inferência lógica componencial, ela sugere uma inferência

cognitiva onde a sinonímia não é construída por uma relação estabelecida por uma

propriedade absoluta, mas por uma relação estabelecida por uma propriedade temporária

entre nome e coisa.

_29 Segundo Aristóteles (Tópicos – I, Cap. 5), um gênero é aquilo que se predica, na categoria de essência, de várias coisas que apresentam diferenças específicas. Por exemplo, se alguém pergunta “que é o objeto que tens diante de ti?”. Se o objeto for homem, respondemos que é um animal. “Gênero é a classe genérica”, como afirmou Aristóteles, cuja propriedade é universal para todos que pertençam a aquela classe. Ao afirmar que “animal” é o gênero do homem assim como o do boi, teremos afirmado que eles pertencem ao mesmo gênero.

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Em ambas as propriedades a inferência não deixa de ser conceitual, pois na

propriedade absoluta a inferência semântica apresenta o que chamamos de um conceito

mínimo e na propriedade temporária a inferência cognitiva apresenta o que chamamos

de um conceito relevante, que é posto em destaque por condições situacionais

construídas em uma determinada interação discursiva.

Todos esses postulados apresentados reforçam ainda mais a nossa crença de que em

Aristóteles há, entre nome e coisa, uma relação de identidade entre significados (uso de

conceitos mínimo) 30 e outra de identidade entre sentidos (uso de conceitos relevantes).

O fato de conjeturarmos que existe nos postulados de Aristóteles uma implícita

abordagem sobre uma inferência semântica e uma inferência cognitiva no processo de

identidade entre nome e coisa, permite­nos associar, apenas por estas conjeturações, a

sinonímia por encapsulamento anafórico ao que ele chamou de relação de identidade

por propriedades temporárias que ocorre por intermédio dos sentidos construídos pelas

expressões.

Aristóteles usou o termo identidade para mostrar que havia algo além do

significado, na perspectiva de igualdade, unindo uma palavra à outra numa substituição.

Este algo era o sentido, conforme nossas análises; o que implica em uma diferença na

forma de pensarmos sobre a sinonímia. Esclarecemos que esta é uma releitura daquilo

que consideramos estar implícito nos postulados deste filósofo.

Aristóteles nunca falou explicitamente sobre a relação entre nome e conceito.

Tanto é que chamou uma das formas de se entender o termo o mesmo, na relação de

identidade temporária, como acidente.

O argumento da propriedade temporária a qual atribuímos às coisas favorece a

nossa tese de que a sinonímia também ocorre além da relação entre significados, ocorre

na relação entre sentidos, caso contrário, como poderia ocorrer a sinonímia entre nomes

e coisas que se encontram em caráter de ligação temporária ou relativa?.

Por exemplo, como se dá a sinonímia entre pizza e as CPIs que resultam na

impunidade dos políticos nas investigações feitas pelo nosso Congresso Nacional,

_30 Tomamos por base para o uso do termo conceito mínimo o que nos diz Ariel (2002) sobre a noção de “sentido mínimo” como substituição ao termo sentido literal. E para o uso do termo conceito r elevante o que nos dizem Sperber e Wilson (1986) sobre a noção de Relevância na construção do sentido. Estes dois últimos autores serão abordados no capítulo 4 ao falarmos sobre o acesso ao sentido na sinonímia por encapsulamento.

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em Brasília­DF?. A sinonímia aqui só é possível se atribuirmos a essas duas expressões

uma identidade por propriedade temporária, que as une pelo pensamento que designam,

ou seja, pelo sentido socialmente construído e no qual elas são empregadas.

Contudo, mesmo acreditando ser possível fazermos essa releitura em Aristóteles,

a sua postura teórica não deixou de confundir o significado e o sentido de uma expressão

lingüística com o objeto. E este é o problema que encontramos nos seus postulados.

Pois para ele, as percepções, mesmo baseadas em opiniões que emergem dos sentidos

construídos, ocorrem por haver propriedades de identidade referencialista entre nome e

coisa. Sejam estas absolutas ou temporárias, se não houver a propriedade de ser branco

em cisne e neve, não há como criar uma relação de brancura entre eles. Aqui, a idéia de

identidade é representacionista e referencialista: um nome representa uma coisa, ou um

nome representa um conceito, e esta é a sua referência.

Concordamos com Marcuschi (2007a:18­19) ao expressar que teria sido de

grande relevância se este filósofo tivesse levado adiante um estudo detalhado sobre o

significado numa lógica sentencial, “ao invés de ter permanecido com sua lógica

silogística, apenas na análise da relação de predicados no enunciado, e não de orações

entre si”. Por isso não encontramos em Aristóteles uma explicitude quanto ao sentido de

uma expressão, que é o que Aristóteles chamou de pensamento. Apesar de ter escrito

sobre o pensamento, as suas discussões permaneceram em estado de latência nos seus

postulados.

Ao refletirmos sobre a sinonímia, considerando as bases teóricas aristotélicas, nós

enxergamos uma mudança da idéia de igualdade entre significado para a idéia de

identidade entre significados e identidade entre sentidos. Mesmo enxergando esta

mudança, nós temos consciência de que a noção de identidade em Aristóteles ainda

objetifica o significado e o sentido, mantendo­se a idéia de língua como representação do

pensamento e representação da realidade. Por este motivo nós descartamos a

possibilidade de dizer que a sinonímia por encapsulamento anafórico ocorre por uma

identidade entre sentidos construídos. Se não existisse essa objetificação do significado e

do sentido, nós poderíamos dizer que o raciocínio que desenvolvemos sobre a identidade

de sentido por propriedade temporária seria pertinente ao estudo da sinonímia por

encapsulamento anafórico.

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A sinonímia nesta perspectiva ainda é arbitrária e descontextualizada da situação

sócio­comunicativa e de seus interlocutores. A noção de identidade é um avanço

comparado com a noção de igualdade, mas o significado e o sentido continuam sendo

tratados como uma questão de condições de verdade, de contradição, de dedução etc,

considerando­se apenas o que expressam as palavras. Passemos a discutir agora a

terceira noção de sinonímia como uma relação de equivalência entre sentidos.

1.4­ O Sentido na Semântica Moderna: a noção de sentido na sinonímia

Já esclarecemos que não consideramos o sentido como uma identidade ou

mesmo uma correspondência instituída arbitrariamente a um termo. Defendemos que

sentido é fruto do movimento de nossos pensamentos, é o lugar onde a linguagem é

sempre o resultado de uma interação social. Sentido é o modo como pensamos os

nomes e as coisas do mundo. E isto ocorre porque as diferentes vivências dos

indivíduos elaboram o sentido como um nível intersubjetivo da comunicação (Husserl) 31 ,

contrapondo­se ao nível ontológico nominalista.

Pensar é fazer julgamentos, proferir desejo, querer, fazer perguntas,

suposições etc. Como pensamento e sentido podem ser tomados como correlatos, isto

faz com que o sentido não seja um elemento material das vivências, portanto ele não é

um objeto que representa nomes e coisas. O sentido é o modo como construímos e

interagimos com os objetos dos nossos discursos, e que é elevado ao nível

conceitual por meio das expressões da língua.

Esta nossa maneira de conceber o sentido enfraquece a força da

arbitrariedade do signo e oferece­nos condições para enxergamos o significado como

algo que está relacionado diretamente com o signo e a sua formalidade no uso

gramatical dos nomes. Enquanto o sentido está relacionado com o indivíduo e o modo

como este compreende e interpreta o mundo, construindo as diversas possibilidades

conceituais designadas, pelas palavras, em vivências sociais. A intencionalidade aqui

abre caminho para que o sentido seja visto como uma porta de entrada para a

compreensão (Husserl).

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Acreditamos que a sinonímia na perspectiva fenomenológica avança nos

seus limites com a semântica formal, e passa a fazer parte de uma semântica analítica

ou contemporânea que pode explicar como temos acesso à interpretação pelo modo de

construção de nossos objetos discursivos, sem tratá­los como representações diretas das

coisas, ou como imagens ou conceitos abstratos que só ocorrem na mente de um

indivíduo, ou ainda como abstrações fictícias dos objetos. Essa semântica preocupa­se

em explicar como os objetos permitem que tenhamos acesso à interpretação e ao modo

de uso que fazemos dos objetos lingüísticos.

Stein (2003: 35­52) em Ontologia, Semântica Formal e Diferença

Ontológica discute bem a virada de perspectiva da semântica formal para a analítica, onde

a diferença entre significado e sentido é essencial porque se trata de estudar o como se

chega a algo. Ele nos diz que:

Esse como se dá através do nosso compreender e a universalidade do nosso compreender não é dada por uma espécie de superabstração generalizadora pela qual podemos afirmar que com isso apanhamos o todo, porque por mais abstração que façamos do objeto, ainda estamos em contato com ele no espaço e no tempo e não com o significado. Mas o que é este ‘como’, este ‘wie’, este ‘how’ de que a filosofia analítica se ocupa? Sabemos que este como nasce diretamente da seguinte afirmação: sujeitos somente se podem relacionar com objetos do mundo através da mediação do sentido. Portanto, o como é o âmbito no qual nos relacionamos com os objetos. Esse âmbito é a condição de possibilidade. (...). Compreender é exatamente operar este como e explicar como se articula o nosso compreender em expressões lingüísticas; é dar conta desse como. (pg­46)

A preocupação em explicar esse como é o que não encontramos em

Aristóteles, na sua teoria da metafísica, ao expor uma teoria do objeto sem uma teoria

do significado. Por isso dissemos anteriormente que este estudo teria sido relevante para

a distinção entre significado e sentido que estão implícitos nos postulados deste filósofo.

Aristóteles deixou uma lacuna sobre a teoria do que estava implicado no

conhecimento empírico como um todo e que é a totalidade do nosso compreender,

conforme nos assevera Marcuschi (2007a). Daí termos afirmado que este filósofo,

apesar de não ter mencionado o termo ‘conceito’ ao falar sobre sentido, abriu

pressupostos para esta nossa investigação no campo do acesso à compreensão e à

interpretação de objetos discursivos.

_31 Ver Husserl (1984) em Investigações Lógicas.Vol. XIX, 1.

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A afirmativa de Stein de que “compreender é exatamente operar este como

e explicar como se articula o nosso compreender em expressões lingüísticas”, pode ser

aplicado ao nosso objeto de estudo que é a sinonímia por encapsulamento anafórico.

Apothéloz & Chanet (2003) e Conte (2003) atestam que o encapsulamento

anafórico é formado por um sintagma nominal encapsulador, composto

preferencialmente por um demonstrativo + um nome e que possui função predicativa.

Nós defendemos a idéia de que o sintagma nominal encapsulador, por ser predicativo,

expressa um sentido que está associado à porção anaforizada e indica um ponto de

vista, uma possibilidade de interpretação do que se está encapsulando. Para nós,

esse ponto de vista não é o significado da porção anaforizada, é o sentido indicando o

modo como acessamos a interpretação dos enunciados encapsulados. Vejamos um

exemplo retirado do artigo de Conte 32 (2003) intitulado Encapsulamento Anafórico, que

será o tema do nosso capítulo 3:

(1) É de ontem a notícia de que um superpetroleiro afundou ao

largo da costa báltica derramando a carga inteira no mar. Hoje se

pergunta: esta enésima catástrofe ecológica poderia ser evitada?

Em nossas análises, o sintagma nominal esta enésima catástrofe apresenta

um ponto de vista sobre o conteúdo expresso pela porção anterior do texto. É uma

possibilidade interpretativa deste conteúdo, é o sentido construído, não é o significado.

Este sintagma apresenta o modo como acessamos a interpretação dos

enunciados encapsulados. Tanto é que podemos modificar este sintagma e expressarmos

outras possibilidades interpretativas sem alterarmos a porção anterior do texto. Basta

substituirmos o sintagma nominal por outro como: este naufrágio poderia ser evitado?,

ou este vazamento de óleo poderia ser evitado?, ou ainda este acidente poderia ser

evitado?. A substituição vai depender do modo como interpretamos os enunciados

encapsulados.

As substituições exemplificadas acima constituem, no nosso ponto de vista,

como um bom argumento para pensarmos na possibilidade de ocorrer uma sinonímia no

encapsulamento anafórico. E é a partir deste pensamento que iremos discutir agora

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como se estabelece a relação de sinonímia entre sintagma nominal encapsulador, que é o

sentido construído, e o conteúdo da porção encapsulada, ou seja, entre sentido e a sua

referência.

_32 Os exemplos analisados nesta investigação foram extraídos, em sua maioria, de Conte (2003), por trabalhar o encapsulamento anafórico. Porém, as análises são nossas.

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CAPÍTULO 2

O SENTIDO COMO UM CRITÉRIO VÁLIDO NA RELAÇÃO DE

SINONÍMIA: UMA ABORDAGEM BASEADA NA LÓGICA

MODERNA

É na semântica do século XX, nos postulados da Lógica de Gottlob Frege

(1978), no artigo Über Sinn und Bedeutung (Sobre o Sentido e a Referência), que

encontramos as idéias que revolucionaram os estudos semânticos analíticos. De modo

bastante geral, podemos dizer que nesta obra Frege discorre sobre os seguintes pontos:

1) O significado se compõe de duas partes: referente e sentido;

2) A linguagem natural exprime sentenças com valor de verdade, e o valor de verdade é

considerado como o referente da sentença, pois este existe em um mundo real. À estas

sentenças aplica­se o princípio de substitutividade salva veritate que se aplica à

sinonímia por identidade de referentes;

3) A linguagem natural também exprime inúmeras sentenças intencionais, mas que não

se submetem ao princípio da substitutividade salva veritate e por esta razão,

sentenças intencionais não se incluem na linguagem artificial almejada por Frege para

seus estudos. Pois não há como determinar o valor de verdade dessas sentenças, uma

vez que o valor de verdade depende, aqui, de crenças, de conhecimento de mundo dos

indivíduos, resultando assim na impossibilidade de atribuir uma interpretação para as

sentenças intencionais nos estudos de descrição das línguas naturais.

Oliveira (2001:133­114) nos oferece uma explicação clara sobre o que é

este princípio:

A propriedade de substituirmos guardando a referência é chamada de substitutividade salva veritate. Ela possibilita criarmos uma linguagem extensional, isto é, uma linguagem em que o valor de verdade de uma sentença complexa é função exclusiva dos valores de verdade das partes que a compõem. Essa propriedade permite construirmos uma máquina semântica totalmente cega para o sentido; uma máquina que, dadas as

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referências de sentenças simples, calcula (mecanicamente) o valor de verdade de qualquer sentença, complexa que seja, formada pelas sentenças simples. (...) Esse princípio, que Frege atribui a Leibniz, diz que podemos substituir as partes sem alterar o todo, se mantivermos os valores de verdade das partes, independentemente do sentido.

Destacamos esta explicação porque ela aponta a razão de tornar­se

problemática a questão das sentenças intencionais em Frege. Na perspectiva deste

filósofo, não se podia obter o valor de verdade de sentenças intencionais, que é o

referente, como o mesmo, ao se aplicar a propriedade de substitutividade salva veritate,

pois para isto era necessário considerar fatores como crenças, conhecimento de mundo,

indivíduo, temporalidade e outros aspectos mais que estivessem arrolados à

intencionalidade com a qual uma sentença era proferida.

Todavia, o que era problemático para Frege se apresenta bem oportuno

para estudarmos a sinonímia por encapsulamento anafórico. O nosso interesse em Frege

reside pontualmente no item (3), e em uma de suas implicações direcionada para a nossa

investigação: o sentido como um critério válido para a relação de sinonímia por

encapsulamento anafórico. Pois consideramos que esta sinonímia não se enquadra no

princípio de substitutividade salva veritate.

Antes de entrarmos nas considerações de Frege, retornemos, mais uma vez, ao já

mencionado artigo de Marcuschi Aspectos Problemáticos numa Semântica Lógica para

Línguas Naturais para colocarmos em evidência o caso da sinonímia, apesar de neste

artigo a sinonímia não ser o foco de sua discussão. Leiamos com atenção esta citação de

Marcuschi (2007a:42­43), um pouco longa, sabemos, mas de grande importância para o

que temos defendido sobre a sinonímia por encapsulamento:

A objeção mais séria e sistemática à noção de que “referência” e “sentido” seriam a mesma coisa veio de Frege e foi levada adiante por quase todos os que vieram depois dele e, hoje, é uma noção teórica essencial nos estudos semânticos. Na moderna Filosofia da Linguagem a distinção estabelecida por Frege marcou profundamente a investigação. A questão levantada por Frege em seu ensaio Sinn und Bedeutung era: como poderia ser determinada a diferença de sentido de dois nomes como “Estrela matutina” e “Estrela vespertina”, se ambos se referiam ao mesmo objeto, ou seja, ao Planeta Vênus? Se ambos têm a mesma referência, então as expressões teriam que ser, forçosamente, sinônimas. Se assim não o fosse, a identidade referencial não seria critério de sinonímia para expressões. Que ambas as expressões não têm o mesmo significado – não são

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sinônimas ­, apesar de terem a mesma referência, pode ser inferido da simples observação de que as sentenças:

25. A Estrela da Manhã é idêntica à Estrela da Manhã

26. A Estela da Manhã é idêntica à Estrela da Tarde têm a ver com duas coisas diversas. A sentença 25 é uma tautologia lógica, ao passo que 26 traduz uma observação empírica com base em dados da Astronomia. A verdade de ambas é determinada por métodos e análises totalmente diversos. Se aqui temos duas sentenças com proposições equivalentes, é porque não temos uma predicação com expressões de mesmo sentido, não obstante referirem­se ao mesmo objeto. Isso já é prova suficiente para se demonstrar que a semântica realista não tem condições de fornecer um critério válido para relações de sinonímia.

Em primeiro lugar, esta citação nos é interessante porque apresenta um

ponto de discussão central nos estudos da sinonímia, sob a perspectiva da

referencialidade: a identidade referencial como o critér io essencial para haver

sinonímia. Já vimos no capítulo anterior, em Aristóteles, que a questão da identidade

por uma propriedade absoluta ou temporária existente entre nome e coisa não deixa de

confundir o significado e o sentido com o objeto, a coisa em si. O que não se adequa às

discussões que temos travado sobre a sinonímia por encapsulamento anafórico. Os

exemplos de Frege, quando aplicados à sinonímia, de fato colocam em dúvida o seu

critério válido que era o de identidade referencial, ou seja, de mesmo referente ao

preencher as condições do princípio de substitutividade salva veritate.

E em segundo lugar, a citação de Marcuschi nos é valiosa porque nos

mostra que podemos inferir, a partir de Frege, uma nova forma de enxergar a relação de

sinonímia: através uma relação de equivalência de sentido, conforme buscamos

defender. Por isto, discutir a respeito de sentido e referência é de extrema importância

para os estudos sobre sinonímia por encapsulamento anafórico.

2.1­ Sentido e Referência na Sinonímia

Em Über Sinn und Bedeutung (1978) Frege discute sentido e referência e

tece considerações sobre a igualdade ao se questionar se ela estabeleceria de fato uma

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relação e qual relação seria esta: entre objetos?, entre nomes?, ou entre sinais de

objetos?.

Em outro artigo chamado Função e Conceito 33 (1978:43), anterior ao Sinn

und Bedeutung, Frege apresentou pela primeira vez a noção de distinção entre

referência e sentido ao postular que “2 4 = 4²” e “4.4 = 4²” exprimem pensamentos

diferentes, mas os sinais usados contêm a mesma referência, o número 16, e por isso

podem ser substituíveis. Com este raciocínio ele chegou à conclusão de que a igualdade

de referência não implica, necessariamente, em uma igualdade de pensamentos.

As duas frases usadas na citação de Marcuschi e que são célebres da

distinção entre sentido e referencia, dadas por Frege, mostram como separarmos o

sentido da referência:

a) A Estrela Manhã é a Estrela da Manhã.

b) A Estrela da Manhã é a Estrela da Tarde.

Nas análises de Frege (1978) as duas frases possuem o mesmo referente

(Vênus), mas veiculam pensamentos (sentidos) diferentes, pois a Estrela da Tarde

apresenta um outro pensamento pelo qual podemos chegar ao referente Vênus, por

intermédio dos conhecimentos da astronomia. As duas frases são verdadeiras, possuem

o valor de verdade que é Vênus, o referente de ambas. Aqui podemos aplicar

tranqüilamente o princípio de substitutividade salva veritate, pois continuaremos a obter

o mesmo referente ou valor de verdade nas duas frases. O que obtemos então é uma

relação de sinonímia com base na igualdade ou identidade de seus referentes 34 .

Oliveira (2001:111­112) nos apresenta uma leitura elucidativa quanto a

outro par de frases usado por Frege:

c) A Estrela da Manhã é a Estrela da Tarde.

d) A Estrela da Manhã é um planeta.

_33 Título original Funktion und Begriff. 34 Leiam­se os termos referente, valor de verdade e objeto como correlatos em muitas passagens de Frege, uma vez que, para Frege, eles querem dizer um objeto no mundo real, ou seja, a verdade. Nós preferimos o termo referente, embora algumas vezes possamos usar valor de verdade ou objeto.

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Segundo a autora, na frase (c) o referente Vênus é o mesmo para os nomes

Estrela da Manhã e Estrela da Tarde, o que caracteriza uma identidade referencial entre

os dois nomes. Porém, (d) Estrela da Manhã, que é Vênus, não possui identidade

referencial com um planeta, pois o verbo ser não diz que Estrela da Manhã e um

planeta são nomes de um mesmo objeto.

A explicação deste mesmo é que um planeta não referencia um objeto

particular no mundo, mas um conjunto de objetos que são os planetas do nosso sistema

solar. A relação do verbo ser em (c) é uma relação de identidade e em (d) é uma relação

de pertence a alguma coisa, como ao conjunto de planetas do nosso sistema solar. Pela

teoria de Frege, ainda é possível se aplicar o princípio da substitutividade salva veritate

nestes exemplos, pois embora havendo a relação de identidade em (c) e a relação de

pertence em (d), as duas frases continuam com o mesmo referente, embora continuem a

possuir sentidos distintos.

Vejamos agora a aplicação do princípio de substitutividade salva veritate

nestas outras duas frases usadas por Frege (1978:43), no artigo Função e Conceito:

e) A Estrela Vespertina é um planeta cuja revolução é menor que a da Terra.

f) A Estrela Matutina é um planeta cuja revolução é menor que a da Terra.

Sabemos que Estrela Vespertina e Estrela Matutina possuem o mesmo referente,

Vênus, e que estes dois nomes possuem sentidos distintos. Sabemos também que tanto

em (e) quanto em (f) a relação do verbo ser é de pertence a um conjunto de planetas do

nosso sistema solar. Ao aplicarmos o que postula Frege, a frase (e) não pode ser

sinônima da frase (f) porque o valor de verdade de um planeta cuja revolução é menor

que a da Terra depende de conhecimentos astronômicos mais específicos, por isso nada

se pode dizer da verdade ou falsidade deste predicado.

Se a verdade do predicado depende de conhecimentos mais específicos, de

acordo com a teoria de Frege, não se pode considerar que este predicado tenha uma

referência, mas ele possui um sentido. Frege (1978:68) afirma que “há partes de

sentenças que possui sentido, mas que não têm referência”. Isto é o que ocorre com as

frases (e) e (f). Os nomes Estrela da Manhã e Estrela da Tarde possuem referência e

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sentido, mas o predicado, que é o mesmo para as duas frases, possui apenas sentido e

não referência. Por esta razão, não podemos aplicar o princípio da substitutividade salva

veritate para termos uma sinonímia salva veritate entre as frases (e) e (f), pois do

predicado destas nada se pode dizer, nem que é verdadeiro nem que é falso, conforme

concluiu Frege.

Todavia, as frases (e) e (f) podem ser sinônimas se considerarmos as duas

sentenças como intencionais e não como extensionais em seus predicados. Pois como

nos assevera Oliveira (2001:116),

A máquina semântica de Frege só traduz sentenças extensionais. Sentenças intencionais emperram a máquina freguiana, precisamente porque o seu valor de verdade não pode ser deduzido mecanicamente. (...) Em outros termos, a máquina freguiana não consegue atribuir­lhes uma interpretação.

Concordamos com Oliveira que a máquina freguiana não dá conta de

sentenças intencionais e por isso poderia não parecer lógico discutirmos Frege nesta

investigação sobre sinonímia por encapsulamento anafórico, porém como ela mesma

afirma, “uma boa parte de “Sentido e Referência” é um minucioso estudo semântico de

sentenças intencionais da linguagem natural”. Eis aqui a parte que buscaremos ressaltar

e que irá nos servir como uma ponte para tudo o que discutimos em Aristóteles, no

capítulo 1, sobre a questão de enxergarmos uma duplicidade de interpretação na

definição do princípio de identidade que foi o de identidade de significado e o de

identidade de sentido. Outra vantagem de estudarmos Frege nas questões de sinonímia é

que este desenvolve seus postulados em relações sentenciais e não apenas em relações

entre palavras.

Voltemos às sentenças intencionais. Para resolver a questão do entrave da

máquina freguiana, Frege (1978:110­111) no artigo Digressões sobre o Sentido e a

Referência 35 afirma que é possível haver substituição mantendo o mesmo sentido e não

a referência, construindo desse modo sentenças sinônimas chamadas de segundo nível:

Embora a relação de igualdade seja imaginável entre objetos, também entre os conceitos ocorre uma relação semelhante que, por se dar entre conceitos, denomino de relação de segundo nível, ao passo que a igualdade entre objetos, chamo­a de relação de primeiro nível. Digamos

_35 Artigo Póstumo publicado sob o título original Ausführungen über Sinn und Bedeutung. Escrito provavelmente entre 1892 e 1895.

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que um objeto a é igual a um objeto b (no sentido de coincidência total) se a cai sob todo conceito sob o qual cai b, vice­versa. Obtemos algo de correspondente para os conceitos se fizermos com que conceito e objeto troquem os seus papéis.

Apliquemos às frases (e) e (f) o que Frege postula sobre a igualdade entre

objetos ou referentes, chamada de relação de primeiro nível: (...) digamos que

o

referente Estrela Vespertina é igual ao referente Estrela Matutina (pois ambos são

nomes de Vênus) se o referente Estrela Vespertina cai sob toda uma relação de

acarretamento com o conceito um planeta cuja revolução é menor que a da Terra sob o

qual também cai uma relação de acarretamento em Estrela matutina.

Para que o conceito ou predicado 36 em (e) tenha uma relação de

acarretamento com o seu referente é necessário termos conhecimentos astronômicos que

nos levem ao valor de verdade ou falsidade de (e). Porém, nós já vimos que este tipo de

sentença intencional não possibilita uma sinonímia salva veritate com a sentença (f), em

nenhuma de suas partes. Pois se nada podemos dizer, extensionalmente, do predicado da

sentença (e), então o acarretamento com o seu referente Estrela Vespertina não ocorre.

Assim, o princípio de substitutividade salva veritate entre Estrela Matutina e Estrela

Vespertina, apesar de Vênus ser o mesmo referente para ambas as expressões, por esta

parte da teoria de Frege, não pode ocorrer.

Vamos agora ao inverso dessa questão, no que diz respeito à igualdade

entre conceitos ou predicados chamada de relação de segundo nível: (...) digamos que

o conceito um planeta cuja revolução é menor que a da Terra em (e) é igual ao

conceito um planeta cuja revolução é menor que a da Terra em (f), pois constituem o

mesmo conceito, se o conceito um planeta cuja revolução é menor que a da Terra cai

sob toda uma relação de acarretamento com o referente Estrela Vespertina, caindo

assim também sob Estrela Matutina.

A outra parte da teoria de Frege nos diz que aqui podemos ter uma

sinonímia, mas não é a salva veritate. O que acontece para isto é que a relação de

acarretamento entre o conceito ou predicado de (e), que se repete em (f), mas poderia

não se repetir também, foi considerada como possível mesmo não se podendo dizer

_36 Entendemos que ao usarmos os termos predicado ou conceito estamos nos remetendo ao mesmo raciocínio de Frege de que um predicado é um conceito.

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nada sobre a referência ou valor de verdade do conceito de (e) e (f). Isto implica

dizermos que: 1) se Estrela Vespertina e Estrela Matutina referem­se ao mesmo objeto

e 2) se consideramos o acarretamento do conceito em (e) com o seu referente, então

podemos asseverar que temos entre as sentenças (e) e (f) uma relação de sinonímia,

porém não é uma sinonímia salva veritate. Mas, então, nos perguntamos que tipo de

sinonímia é esta chamada por Frege de relação de segundo nível? Responderemos

esta pergunta mais adiante.

Observemos atentamente que o fato de Frege considerar a relação de

igualdade entre conceitos como um critério que é válido para se estabelecer uma relação

de segundo nível faz com que os referentes possam ser tomados como sinonímicos

mesmo tendo sentidos diferentes. Nossas reflexões indicam que essa relação de

sinonímia pode ser aplicada ao que estamos chamando de sinonímia por

encapsulamento anafórico. Vejamos o exemplo (g) 37 :

(g) Contudo, o contribuinte que refletisse sobre as notícias que lê diariamente nos jornais ou vê na TV, agiria com mais sabedoria do que com justa indignação diante dos assaltos diários ao dinheiro público. Quem atentar, por exemplo, para as filas que serpenteiam nas calçadas dos hospitais, irá concluir que elas nascem bem longe dali. Geralmente nas cidades do interior, cujos prefeitos e deputados preferem mil vezes receber a “transporterapia” das ambulâncias do que manter um hospital, uma unidade de primeiros socorros que seja. Pelas razões que a Policia Federal acaba de descobrir com essa Operação Sanguessuga. Apropriada denominação que não pode ser esquecida nas próximas eleições. (Diário de Pernambuco 14 /04/ 06).

O termo 38 essa Operação Sanguessuga retoma anaforicamente uma parte

do que foi dito anteriormente e que está sublinhado. O termo sanguessuga diz respeito

a um pequeno bicho com aparência de minhoca que posto sobre o corpo de um animal

ou ser humano chupa­lhe o sangue. Já a parte anaforizada diz respeito ao roubo de

verbas da saúde pública nas cidades do interior. Ambos possuem referentes e conceitos

distintos.

_37 Este exemplo faz parte do corpus de pesquisa da monografia Intertexto, Interdiscurso e Intergênero em Artigos de Jornal e Revista, escrita por Ádina Soares Silva e Elisabete Silva Menezes (2006). 38 Trata­se de um sintagma nominal encapsulador, como já foi apresentado no final do capítulo 1. Porém, para uma melhor compreensão do raciocínio que estamos desenvolvendo, usaremos aqui a expressão “termo” no lugar de sintagma nominal encapsulador.

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Todavia, se aplicarmos o raciocínio de Frege quanto à sinonímia de

segundo nível, entre conceitos, veremos que sanguessuga e a parte anaforizada, no

contexto do texto, dizem respeito a um outro conceito, digamos conceito Z, que é

sorver ou roubar indiscriminadamente todo ou quase todo o dinheiro destinado à

saúde pública nas cidades do interior. Este é o conceito que os liga. Contudo, o

conceito Z só pode ser inferido se usarmos o nosso conhecimento de mundo para

chegarmos até ele. Desta forma, sanguessuga e a parte anaforizada podem ser

consideradas equivalentes por haver uma relação de acarretamento com conceito Z. Os

dois termos podem ser arrolados como sinonímicos mesmo tendo conceitos e referentes

extensionais diferentes. Estas são sentenças chamadas de intencionais, portanto, geram,

na nossa perspectiva, sinonímias intencionais. Mas qual a natureza desta sinonímia?

Responderemos esta pergunta mais adiante juntamente com a anterior.

O conceito Z que liga sanguessuga e a parte anaforizada acarreta uma

referência a qual Frege chamou de referência indireta, ou seja, a referência a qual se

chega pelo sentido das palavras em contextos intencionais. No exemplo (g), a

referência indireta que nós construímos foi: políticos que sugam ou roubam dinheiro

público. Oliveira (2001:120), ao se reportar ao contexto intencional em Frege, afirma

que:

(...) Em contextos intencionais, só é possível substituir se mantivermos o que Frege denominou de referência indireta, isto é, o sentido das palavras. É por isso, aliás, que esses casos são chamados de intencionais, eles requerem uma descrição semântica baseada no sentido e não na referência. (...) A substituição, nesses casos, é possível se mantivermos o sentido da expressão. Mais tarde, esse grupo de operadores e predicadores será chamado de intencional, o contexto, de “contexto opaco”. Nesse grupo, a verdade do todo não é uma função dos valores de verdade das partes, e o princípio de substitutividade não se aplica. Pode haver substituição desde que eu garanta que o sentido se mantenha absolutamente idêntico, desde que haja sinonímia.

Diante das considerações que levantamos com o exemplo (g), nós

entendemos que a sinonímia por encapsulamento anafórico é possível de ocorrer se

construirmos uma relação chamada por nós, nesta investigação, de relação de

equivalência de sentido, que une o anaforizante e o anaforizado. Portanto, a nossa

resposta para a pergunta “Mas que tipo de sinonímia é esta chamada por Frege de

relação de segundo nível?” é: sinonímia por equivalência de sentido. E a resposta

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para a segunda pergunta “Mas qual a natureza desta sinonímia?” é: natureza cognitiva.

Completaremos esta segunda resposta mais adiante.

2.2­ O Valor Cognitivo na Relação de Igualdade para Frege

Dissemos anteriormente que em Sobre Sentido e Referência, Frege

(1978:61) tece considerações sobre a igualdade e questiona­se se a igualdade

estabeleceria de fato uma relação. Para ele,

A igualdade * desafia a reflexão dando origem a questões que não são muito fáceis de responder. É ela uma relação? Uma relação entre objetos ou entre nomes ou sinais de objetos? Em minha Begriffsschrift * assumi a última alternativa. As razões que parecem apoiar esta concepção são as seguintes: a=a e a=b são, evidentemente, sentenças de valor cognitivo diferentes; a=a sustenta­se a priori e, segundo Kant, deve ser denominada de analítica, enquanto que sentenças da forma a=b contêm, freqüentemente, extensões muito valiosas de nosso conhecimento, e nem sempre podem ser estabelecidas a priori.

* as notas de roda pé com este símbolo são todas originais de Frege.

Frege usa o termo valor cognitivo para expressar a razão da relação de

a=b. Segundo a sua teoria, para determinar o valor cognitivo é relevante o sentido da

sentença, ou seja, o pensamento expresso por ela; enquanto para determinar a sua

referência basta apenas o seu valor de verdade.

Assim, nos diz Frege (1978:86), se a=b, ambos possuem a mesma

referência, o mesmo valor de verdade de a=a. Mas apesar disto b pode diferir do sentido

de a, então o sentido de a=a terá sentido diverso de a=b, ou seja, não terá o mesmo

valor cognitivo. Ele conclui que “se, como anteriormente, entendemos por “juízo” a

trajetória do pensamento para seu valor de verdade, podemos também dizer que os

juízos são diferentes”. Com esta citação nós arriscamos dizer que para frege, os sentidos

são construídos por juízos que nos levam a um referente. Portanto, podemos concluir

que o valor cognitivo de uma sentença constitui­se em seu sentido, e este por sua vez

_ * “Uso esta palavra no sentido de identidade e entendo “a = b” no sentido de “a é o mesmo que b” ou “a e b coincidem.” * Begriffsschrift, eine der arithmetischen nachgebildete Formelsprache des reinen Denkens, Halle, 1879, S 8. (N. do T.)

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constitui­se em um juízo que nos leva a um referente 39 . Logo, são os sentidos que nos

levam às referências das coisas e não o inverso.

Na explicação de como funciona a relação de igualdade consideramos a

expressão ‘valor cognitivo’ de suma importância. O uso desse termo relacionado ao que

Frege entende por sentido nos faz pensar que talvez, para ele, o sentido seja de natureza

experiencial, ou seja, quanto ao modo de construção do sentido. Pois, neste caso, os

juízos se constroem por intermédio da experiência, do conhecimento de mundo público

particular e coletivo, e também do conhecimento enciclopédico que podem dar o

estatuto de verdade para os enunciados. Por isso chegamos a um objeto referencial por

meio de um sentido construído.

Em Oliveira (2001:123) encontramos a afirmativa de que o contexto

intencional associado ao valor cognitivo de uma sentença, tal como explicitado por

Frege, mesmo que de maneira rudimentar, consegue nos explicar que “o conhecimento

do falante sobre o significado das sentenças está relacionado à sua capacidade de

relacionar linguagem e mundo”. Assim, “o significado de uma expressão lingüística está

na possibilidade de o sentido alcançar uma referência”. Conforme já explanamos no

exemplo (g).

Entendemos então que o valor cognitivo atribuído a uma sentença indica

uma possibilidade de variabilidade na substituição dos termos em uma sentença. Por

exemplo: em (g) o sintagma nominal encapsulador pode ser outro se atribuirmos um

outro valor cognitivo para o que foi dito na parte anaforizada. Pode ser, por exemplo,

essa Operação Anti­Colarinho Branco:

(g’) Contudo, o contribuinte que refletisse sobre as notícias que lê diariamente nos jornais ou vê na TV, agiria com mais sabedoria do que com justa indignação diante dos assaltos diários ao dinheiro público. Quem atentar, por exemplo, para as filas que serpenteiam nas calçadas dos hospitais, irá concluir que elas nascem bem longe dali. Geralmente nas cidades do interior, cujos prefeitos e deputados preferem mil vezes receber a “transporterapia” das ambulâncias do que manter um hospital, uma unidade de primeiros socorros que seja. Pelas razões que a Policia Federal acaba de descobrir com essa Operação Anti­Colarinho Branco.

_39 Lembramos que esta questão tem muita semelhança com o que discutimos em Aristóteles, no item 1.3 deste trabalho, ao postular que “as opiniões se baseiam na percepção dos sentidos”.

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Apropriada denominação que não pode ser esquecida nas próximas eleições. (Diário de Pernambuco 14 /04/ 06).

Neste caso, o conceito Z é o de homens da classe alta que roubam

dinheiro público e ficam impunes. Percebamos que este conceito Z é um outro conceito

que é diferente do conceito do exemplo original (g). Para nós, essa é a grande

contribuição de Frege para a defesa da nossa tese. Ele chega à conclusão que podemos

preencher o espaço de um conceito, que é um predicado, um sentido, com expressões

variadas que indicam juízos variados.

Isto quer dizer que a relação de equivalência cognitiva ocorre pela

construção de sentidos através de um modo associativo chamado de inferência, que é

por onde obtemos uma referência indireta. Desta forma, podemos pensar na

sinonímia por encapsulamento anafórico como uma relação de substitutividade

indireta construída por uma inferência que integra um conjunto de ‘saberes’ de

natureza histórica, social e cultural. Nós acreditamos que esses saberes formam

aquilo que Frege chama de valores cognitivos.

Este raciocínio nos leve a crer que os sentidos construídos pela sinonímia

por encapsulamento anafórico são resultantes de atr ibutos e valores sociais públicos, e

não subjetivos. Agora, podemos completar a resposta para a pergunta, aqui ampliada:

qual a natureza, fenomenológica, da sinonímia intencional?. A nossa resposta é: a

natureza sócio­cognitiva.

2.3­ O Sentido como uma Relação de Inferência

No artigo Digressões sobre o Sentido e a Referência, Frege (1978:111)

aborda a condição de variabilidade do conceito sob a perspectiva formal. Trata­se de

“um lugar que sempre deve ser preenchido de alguma maneira”. Oliveira (2001:134)

ressalta que “trata­se de uma estrutura com lacunas que indicam a possibilidade de

preenchimentos alternativos. Para determinarmos essa estrutura, comparamos sentenças

e destacamos a parte que é recorrente”. Oliveira chama essa estrutura de predicado, nós

a chamamos de sentido. Já Frege (p.111) a chama de conceito ø ou conceito X.

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Podemos entender isso pelos seguintes exemplos 40 :

(F1) A Estrela Matutina é Vênus.

(F2) A Estrela Matutina é um planeta.

(F3) A Estrela Matutina é um astro luminoso do céu.

Consideremos os exemplos (F2) e (F3) possuidores de uma parte

recorrente e invariante que é Estrela Matutina e outra variável. A parte variável é o

predicado ou conceito ou sentido que atribuímos à parte recorrente e invariável. As

partes variáveis de (F2) e (F3) indicam propriedades diversas de Estrela Matutina. Estas

propriedades modificam o modo de compreensão das sentenças construindo, assim,

novas sentenças. Podemos visualizar as lacunas de preenchimento alternativo da

seguinte forma:

(F2) A Estrela Matutina é ______________.

(F3) A Estrela Matutina é __________________.

Estes espaços podem ser preenchidos de maneiras diferentes das que estão

em (F2) e (F3). Para isto, basta que ativemos um conjunto de saberes históricos,

sociais, culturais e enciclopédicos chamados de valores cognitivos. Em todas as

ativações estamos nos servindo de uma construção inferencial para chegarmos às

diversas possibilidades de preenchimento, que são os modos pelos quais

compreendemos Estrela Matutina.

Deixamos o exemplo (F1) de fora porque, como já explicitamos

anteriormente, Vênus não é um predicado ou conceito ou sentido de Estrela Matutina.

Vênus é a própria Estrela Matutina. Por isso não podemos aplicar o raciocínio acima.

As partes variáveis, que são os sentidos, além de indicar propriedades de

Vênus, também indicam possibilidades de recuperarmos discursivamente o nome Estrela

Matutina. Por isto Frege chamou este tipo de sentença de estrutura completa e

saturada, com sentido e referência.

Neste caso, de recuperação discursiva, as propriedades podem se tornar

nomes próprios desde que prescindam do artigo definido. Por exemplo, o planeta..., o

_40 Os exemplos (F1) e (F2) pertencem a Frege, e o (F3) é de nossa autoria.

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astro luminoso do céu.... Também é considerada como nome próprio toda uma

sentença como A Estrela Matutina é um planeta, por possuir sentido e referência.

Lembramos que para Frege esta referência é indireta.

Sendo assim, as frases (F1) e (F2) só podem ser sinônimas se pensarmos

em uma relação de referência indireta em (F2), de acarretamento entre a parte variável e

a parte invariante. Isto torna (F3) também uma sinonímia de (F1) e (F2). Lembramos

que esta é uma sinonímia de natureza sócio­cognitiva.

Em Oliveira (2001:136) encontramos uma citação de Lyons (1977:125)

que nos é muito oportuna:

Nas palavras de Lyons: “Por predicado entende­se um termo que é usado em combinação com um nome a fim de fornecer uma determinada informação acerca do indivíduo a que o nome se refere: i.é., a fim de lhe atribuir uma propriedade”. Aos espaços vazios dá­se o nome de argumento. Quando os espaços de um predicado são preenchidos, geram­ se sentenças que são, por sua vez, nomes próprios, porque têm sentido e referência, e que podem então, funcionar como argumento de outros predicados mais complexos.

Vejamos como tudo isso pode ser aplicado à sinonímia por

encapsulamento usando agora os termos que lhe são cabíveis. Voltemos, novamente, ao

exemplo (g):

(g) Contudo, o contribuinte que refletisse sobre as notícias que lê diariamente nos jornais ou vê na TV, agiria com mais sabedoria do que com justa indignação diante dos assaltos diários ao dinheiro público. Quem atentar, por exemplo, para as filas que serpenteiam nas calçadas dos hospitais, irá concluir que elas nascem bem longe dali. Geralmente nas cidades do interior, cujos prefeitos e deputados preferem mil vezes receber a “transporterapia” das ambulâncias do que manter um hospital, uma unidade de primeiros socorros que seja. Pelas razões que a Policia Federal acaba de descobrir com essa Operação Sanguessuga. Apropriada denominação que não pode ser esquecida nas próximas eleições. (Diário de Pernambuco 14 /04/ 06).

O sintagma nominal encapsulador essa Operação Sanguessuga apresenta

um sentido, um modo de compreensão da parte anaforizada sublinhada. Este sintagma

é o espaço do qual falamos que indica a possibilidade de preenchimento alternativo para

o encapsulamento anafórico. Se consideramos este sintagma como um acarretamento

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do que inferimos cognitivamente da parte anaforizada, então o sintagma essa Operação

Sanguessuga, a porção anaforizada Geralmente nas cidades do interior, cujos prefeitos

e deputados preferem mil vezes receber a “transporterapia” das ambulâncias do que

manter um hospital, uma unidade de primeiros socorros que seja, e a inferência realizada

políticos que sugam ou roubam dinheiro público são sinonímicos por constituírem

referência indireta e sentido. As possibilidades de preenchimento são ativadas por

valores cognitivos que constituem a razão da variabilidade de sentido, tornando o

sintagma nominal encapsulador um argumento que poderá ser usado ou não,

posteriormente, no discurso.

O sintagma nominal poderá ser recuperado discursivamente como um

nome próprio com o uso do artigo definido ‘A Operação Sanguessuga’ e se tornar um

argumento discursivo. Em (g’) mostramos a possibilidade de uma variação de sentido

com o sintagma nominal ‘essa Operação Anti­Colarinho Branco’, que implica

também em uma variação da inferência: homens da classe alta que roubam dinheiro

público e ficam impunes.

Portanto, diante de tudo o que foi exposto, nós acreditamos que a nossa

forma de enxergar esta manifestação de sinonímia, através do encapsulamento anafórico,

pode ser defendida e definida ocorre por uma relação que ocorre pelo estabelecimento

de uma equivalência de sentido. O sentido é considerado como o modo pelo qual

compreendemos algo; é um ponto de vista; é uma possibilidade de interpretação que se

dá por uma relação de equivalência de sentido que se estabelece pelo viés de uma

inferência indireta, conforme temos destacado.

Através da ‘máquina freguiana’, como a chamou Oliveira, podemos

observar que a inferência ocorre tanto em sentenças extensionais quanto em sentenças

intencionais. As inferências variam desde uma inferência sintática até uma inferência que

podemos chamar de sócio­cognitiva, por agregar valores cognitivos.

Vejamos no próximo capítulo as implicações dessa nossa forma de ver a

sinonímia por encapsulamento anafórico, deixando agora a perspectiva da semântica

lógica e filosófica, para nos debruçarmos sobre a perspectiva da lingüística textual e da

referenciação para avançarmos no modo de compreensão do que é como funciona esta

sinonímia. Continuaremos a observar o sentido pela perspectivas que desenvolvemos até

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agora, e mergulharemos na definição de Maria­Elisabeth Conte (2003) para fazermos

considerações sobre alguns de seus pressupostos e adentrarmos na visão sócio­cognitiva

deste fenômeno.

Lembramos que a nossa intenção é mostrar que a sinonímia por

encapsulamento existe, é um fenômeno identificável e possível de ser descrito a partir de

reflexões que partem da semântica filosófica, da semântica analítica e de análises que se

encontram à margem da semântica lógica, como vimos em Frege ao tratar da

substituição de segundo nível e da referência indireta e intencional. Até o momento

buscamos mostrar que nas perspectivas acima há indicativos sobre algo que vai além do

significado de uma palavra ou sentença: o sentido.

Nossas discussões têm evidenciado a existência de componentes cognitivos

nas análises e reflexões feitas até aqui. Embora muito timidamente. Veremos este

aspecto com mais ênfase nos capítulos 3 e 4, onde ressaltaremos o caráter social e

cognitivo da sinonímia por encapsulamento anafórico e a enquadraremos, então, na

perspectiva sócio­cognitiva.

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CAPÍTULO 3

A CONSTRUÇÃO DA SINONÍMIA POR ENCAPSULAMENTO

ANAFÓRICO: UMA PERSPECTIVA SÓCIO­COGNITIVA

Encapsulamento anafórico é um recurso coesivo pelo qual um sintagma funciona como uma paráfrase resumitiva de uma porção precedente do texto. O sintagma nominal anafórico é construído com um nome geral como núcleo lexical e tem uma clara preferência pela determinação demonstrativa. Pelo encapsulamento anafórico, um novo referente discursivo é criado sob a base de uma informação velha; ele se torna o argumento de predicações posteriores. Como um recurso de integração semântica, os sintagmas nominais encapsuladores rotulam porções textuais precedentes; aparecem como pontos nodais no texto. Quando o núcleo do sintagma nominal anafórico é axiológico, o encapsulamento anafórico pode ser um poderoso meio de manipulação do leitor. Finalmente, o encapsulamento anafórico pode também resultar na categorização e na hipostasiação * (“hypostasis” ) de atos de fala e de funções argumentativas no discurso.

Conte (2003:177)

A definição de encapsulamento anafórico apresentada por Conte diz que este

fenômeno funciona como uma paráfrase resumitiva que retoma uma porção anterior do

texto, e que isto ocorre através de um sintagma nominal acompanhado,

preferencialmente, de uma determinação demonstrativa, criando­se um novo referente

discursivo. Vejamos o exemplo (1), de Conte, abordado no nosso capítulo 1:

(1) É de ontem a notícia de que um superpetroleiro afundou ao

largo da costa báltica derramando a carga inteira no mar. Hoje se

pergunta: esta enésima catástrofe ecológica poderia ser evitada?

Neste exemplo, de acordo com a definição de Conte, o sintagma nominal

encapsulador esta enésima catástrofe funciona como uma paráfrase resumitiva da

porção anterior anaforizada ‘É de ontem a notícia de que um superpetroleiro afundou

ao largo da costa báltica derramando a carga inteira no mar’. Enésima catástrofe é

vista então como: 1) uma paráfrase resumitiva; 2) um novo referente discursivo; e 3) um

argumento para predicações posteriores podendo servir de meio de manipulação

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discursiva. Nós concordamos com os itens (2) e (3), mas não temos a mesma opinião

quanto ao item (1).

Pela definição de Conte, a paráfrase resumitiva estabelece uma relação de

argumento para predicações posteriores. Nós entendemos que a função da paráfrase, em

Conte, é predicar através de um sintagma nominal encapsulador. Entendemos também

que nem sempre a paráfrase irá manter o mesmo referente e o mesmo sentido da porção

precedente do texto porque, de acordo com a definição, a paráfrase resumitiva cria um

novo referente discursivo.

Todavia, a posição de Conte quanto ao sintagma encapsulador funcionar como

uma paráfrase resumitiva não é a mesma defendida por nós neste trabalho. Nós

enxergamos este recurso textual como uma ocorrência de sinonímia e não como uma

ocorrência de paráfrase resumitiva. Como já dissemos anteriormente, esta não é a

perspectiva pela qual enxergamos este fenômeno textual, e este trabalho pretende

mostrar que o nosso olhar é racional e pertinente a toda descrição de sinonímia por

encapsulamento anafórico que temos desenvolvido até aqui.

Sem pretendermos discutir a teoria geral da paráfrase e nem as suas formas de

ocorrência, observamos que no exemplo (1) e também em outros exemplos dados por

Conte, o sintagma nominal encapsulador PODE funcionar como uma sinonímia por

encapsulamento anafórico e não só como uma paráfrase resumitiva. Por isto a temos

chamado de sinonímia por encapsulamento anafórico. Vejamos como isto acontece.

3.1­ A Perspectiva da Sinonímia na chamada Paráfrase Resumitiva

Buscamos no trabalho de Gaston Hilgert (USP) uma leitura mais

abrangente sobre a paráfrase e suas formas de manifestação. Lá, encontramos uma

definição de paráfrase dada por Wenzel (1981:386 apud Hilgert,1989:28) 41 nos

seguintes termos: “dois enunciados lingüísticos estão um com o outro numa relação

parafrástica, quando o segundo enunciado retoma em parte ou no todo o que foi

_* N.T: Hipóstase, em sentido filosófico lembra sedimentação transformação em substância (aquilo que há de permanente nas coisas que mudam). (Conte,2003:190). 41 Ver a tese de doutorado de G. Hilgert, intitulada A paráfrase: um procedimento de constituição do diálogo.

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dito no primeiro e, com isso, expressa idéia de igualdade ou de semelhança”.

Vejamos a aplicação dessa definição no exemplo abaixo 42 :

(2) A verdade, profunda anomalia do nosso sistema de televisão,

representa o peso do poder político. Este fato provocou uma

excessiva fragmentação da rede privada, sobretudo no Centro­Sul.

(Conte,2003:178).

No exemplo (2), este fato está em relação parafrástica com toda a frase anterior e

expressa idéia de igualdade ou semelhança. A primeira pergunta que nos vem à mente é:

igualdade ou semelhança entre o quê? Entre sentidos, entre referentes? O uso do termo

igualdade na definição clássica de paráfrase dada por Wenzel nos leva a percebermos

que esta possui a mesma concepção de Frege sobre a igualdade do significado: que é a

igualdade entre referentes. Aquela a qual Frege chamou de primeiro nível.

Se a igualdade a qual a definição de paráfrase de Wenzel alude é pensada em

termos de igualdade entre referentes, então estamos diante do princípio de

substitutividade salva veritate, que é atribuído, também, à sinonímia. Tal como foi

tratado por Frege(1978) e por Oliveira (2001).

A possibilidade de enxergarmos como paráfrase o encapsulamento anafórico só é

possível se levarmos em conta o conteúdo extensional dos termos. Ao que nos parece foi

o que Conte fez. Mas, ainda assim, como explicar pela definição de Wenzel que o

sintagma nominal este fato possui o mesmo valor de verdade que a porção anaforizada

‘É de ontem a notícia de que um superpetroleiro afundou ao largo da costa báltica

derramando a carga inteira no mar’? Qual seria o valor de verdade ou referente deste

sintagma nominal? Não sabemos responder. Pois falta para isto o conhecimento de um

contexto que foi chamado por Frege de “opaco”, por ter propriedades intencionais e não

extensionais.

Vimos no capítulo 2, no item 2.3, que este fato ocupa a posição de predicado ou

conceito que precisa ter um valor de verdade para poder assumir a posição de substituto

salva veritate, da porção anterior anaforizada. E isto nós já sabemos que não é possível,

pois é necessário que tenhamos um conhecimento de mundo para chegarmos à verdade

_42 Usamos este e outros exemplos de Conte (2003) apenas para argumentarmos a nossa posição teórica. As análises e considerações são nossas.

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deste termo. Assim, não se trata de uma sinonímia salva veritate, nem de uma igualdade

ou semelhança entre referentes. Trata­se de uma sinonímia intencional com referência

indireta. O que só reforça a nossa idéia de que este tipo de encapsulamento anafórico

pode ser visto como uma sinonímia.

Podemos associar aos argumentos que temos usado para defender a nossa tese de

sinonímia por encapsulamento anafórico, que a paráfrase é uma técnica corrente no

Estruturalismo e na Gramática Gerativo­Transformacional em particular, chamada de

transformação parafrástica. É um mecanismo de transformação nas operações

estruturais, sejam elas de natureza fonológica, morfológica ou mesmo semântica. Mas

essa natureza semântica tem por base as inferências extensionais e não as intencionais.

As inferências intencionais têm um estudo mais desenvolvido no campo da

pragmática (Grice,1971;1975), da pragmática­cognitiva ou sócio­pragmática

(Sperber e Wilson, 1986), da cognição e da sócio­cognição (Miller:1994;

Fauconnier:1997; Salomão:1999; Fauconnier e Turner: 2002; Barsalou:1992;

Koch:2004; Marcuschi: 2003), mais particularmente nos estudos sobre cálculos e

projeções de sentido em uma natureza sócio­contextual. Marcuschi (2003:246) é um dos

teóricos que defende a tese de que “não existem categorias naturais porque não existe

um mundo naturalmente categorizado”.

De acordo com Marcuschi (2003), o seu ponto de vista sócio­cognitivo é o

mesmo defendido por Miller (1994) ao afirmar que a forma como construímos a nossa

percepção revela o modo pelo qual concebemos a realidade externa de maneira

recorrente; por Fauconnier (1997) ao postular que as mesclagens conceituais são

originárias de relações inferenciais que ocorrem também por um contínuo de recorrências

que se dá em relações intersubjetivas e não numa relação direta com a realidade; por

Fauconnier e Turner (2002) ao expressarem que ao se levar em conta a vida mental de

um indivíduo com os processos de analogia, a atividade metafórica, associações etc, a

produção de significações resulta de mesclagens conceituais e não de identificações

factuais, e por Salomão (1999) ao tratar a linguagem como capacidade de conhecimento

do sujeito com outros sujeitos em uma relação de criação de conhecimentos,

multiplamente enquadrável em processos sócio­cognitivos.

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Estas posições teóricas servem para nos mostrar que a forma não é a única via de

acesso para a construção do sentido. Existem atividades sócio­cognitivas, como as

associações, metáforas, metonímias, meronímias, e incluímos aqui a sinonímia, que vão

ser relevantes para essa construção. Todos esses autores buscam integrar, como fator

relevante nos estudos científicos, as inter­relações de identidade e imaginação criadas a

partir de inferenciações.

O que nós dizemos é construído discursivamente e a inferência está na base das

categorias e dos conceitos, tal como discutimos no capítulo 2, no item 2.3. Por isso,

entendemos que o exemplo (2), embora caracterizado através de um nome geral

(Halliday e Hasan,1976), na perspectiva de uma referência indireta e intencional, vai se

constituir como uma sinonímia de natureza sócio­cognitiva que se dá através de

processos inferenciais indiretos.

Através da análise que fizemos com o exemplo (2), de Conte, nós podemos dizer

que este exemplo não pode ser definido, APENAS, como um caso de transformação

parafrástica, tal como visto nos moldes do Estruturalismo e da Gramática Gerativa

formal. Sobre bases teóricas sócio­cognitivistas, nós podemos enxergá­la, TAMBÉM,

como um caso de sinonímia levando­se em conta o caráter social dos processos

cognitivos envolvidos em uma ação discursiva. Pois o sintagma nominal este fato

estabelece uma sinonímia onde o sentido é revelado pelo próprio sintagma nominal

encapsulador que evidencia um modo de apresentação da compreensão; um ponto de

vista; uma possibilidade interpretativa construída por uma relação inferencial de

natureza sócio­cognitiva. No exemplo (2) também podemos aplicar o princípio de

variabilidade do sentido:

(2) A verdade, profunda anomalia do nosso sistema de televisão,

representa o peso do poder político. Esta declaração / Esta situação /

Esta conscientização / Esta alienação / Esta mentira provocou uma

excessiva fragmentação da rede privada, sobretudo no Centro­Sul.

(Conte,2003:178).

Por tal razão dissemos anteriormente que o sentido constrói um ponto de vista no

processo do encapsulamento anafórico. E cada palavra usada para ocupar o lugar do

termo fato poderá resultar em uma outra sinonímia com um outro sentido.

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Diante das considerações apresentadas, a definição de paráfrase de Wenzel

(1981:386) parece­nos bastante restrita para se analisar o que ocorre no exemplo (2),

sob a perspectiva intencional discutida em Frege. Ao aplicarmos a teórica de Frege na

definição de Wenzel vemos que a relação estabelecida não é nem de igualdade e nem de

semelhança, uma vez que um conceito só pode ser paráfrase de outro conceito e um

objeto só pode ser paráfrase de outro objeto. O que não é o caso aqui, pois o sintagma

nominal encapsulador tem a função de predicado e não de referente. O sintagma nominal

pode se tornar um referente se nós usarmos o artigo definido transformando­o em ‘o

fato’, um nome que poderá servir como um argumento posterior no texto.

O encapsulamento anafórico observado como um tipo de ocorrência de sinonímia

insere­se numa visão de língua praxeológica e interativa, na qual as formas servem

sempre como fontes para as interações. Quanto a isto, nós assumimos a posição teórica

de Marcuschi (2003:252­253) ao dizer que:

Situações são constructos sociais que resultam não de “percepções”, mas de definições, considerando que as ações humanas são guiadas por sentidos e significações, no centro das ações estão os processos de interpretação. Antes de agir, sempre interpretamos as situações com algum instrumento disponível como, por exemplo, algum modelo de situação disponível para o momento da ação. (...) É nesse momento que a linguagem assume seu papel fundamental como condição de possibilidade da expressão intersubjetiva da recorrência, analogia e similaridade que operam como estruturas semióticas e fundam o conhecimento como reconhecimento.

Como dissemos no início deste capítulo, não é nosso foco discutir as relações de

paráfrase neste trabalho. Buscamos levantar algumas inquietações quanto ao fato de se

observar este recurso apenas como um recurso semântico, e apenas sobre a ótica de uma

paráfrase resumitiva.

Outro estudo detalhado e profundo sobre a paráfrase nós encontramos em

Catherine Fuchs (1982). No final do seu livro intitulado La Paraphrase (p.163­164), há

uma trecho no qual ela nos diz que existe um fenômeno lingüístico interessante que pode

ser a favor ou contrário à paráfrase: “l’existence de relations d’inférence à partir dês

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énoncés – relations qui peuvent, selon lês cas, fonder ou au contraire bloquer

l’établissement d’une relation de paraphrase 43 ”.

Nós acreditamos que a sinonímia no encapsulamento anafórico, na perspectiva de

uma inferência indireta, sobre bases sócio­cognitivas, pode ser um dos possíveis

questionamentos para discutirmos claramente os limites que separam uma paráfrase e

uma sinonímia em ações comunicativas socialmente situadas.

Esta citação de Fuchs baseia­se em sua crença de que “aquilo que poderia passar,

do ponto de vista do estrito ‘sentido lingüístico’, por uma identidade de sentido

(sinonímia), funciona sempre, na prática discursiva concreta, como um avanço, como um

deslocamento de sentido”. Por isso, para Fuchs (p.30), “parafrasear é entregar­se a uma

atividade de reformulação pela qual se restitui o sentido de um discurso (enunciado ou

texto) já produzido (...), e toda restituição de sentido é deslocamento de sentido”.

A nossa posição é que o encapsulamento anafórico, conforme o temos descrito, é

uma atividade de referenciação indireta de natureza sócio­cognitiva na qual o sentido

não é a restituição de um discurso já produzido. O sentido é a apresentação de um

ponto de vista, um modo de compreensão, uma possibilidade interpretativa que é inferida

a partir do conteúdo anteriormente expressado, constituindo assim um processo de

sinonímia. Vejamos com mais detalhes as partes constituintes deste processo sinonímico.

3.2­ O Sentido na Posição de Sintagma Nominal Encapsulador

De acordo com Apothéloz e Chanet (2003:132­133), no artigo Definido e

demonstrativo nas nomeações, o sintagma nominal encapsulador é uma nominalização

que sumariza informações da porção anterior do texto através do encapsulamento de um

processo ou estado expresso anteriormente por uma proposição.

O termo nominalização diz respeito a uma operação discursiva chamada de

operação anafórica, e o nome núcleo da anáfora é denominado por estes autores de

substantivo predicador. O predicador apresenta­se como um lexema que marca a

_43 “A existência de relações de inferência a partir dos enunciados – relações que podem, de acordo com os casos, fundamentar ou ao contrário bloquear o estabelecimento de uma relação de paráfrase”. (Trad. nossa).

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operação de encapsulamento anafórico cuja função é criar um referente ou objeto de

discurso através de um conjunto de informações­suporte.

O nome núcleo de um sintagma encapsulador, como por exemplo esta enésima

catástrofe, é um predicado. Por isso é possível dizermos, de acordo com o vimos em

Frege, que este nome apresenta um conceito, um sentido expresso pelo lexema e que se

torna um objeto de discurso. E os casos de encapsulamento com nomeações que

manifestam uma propensão para uma determinação demonstrativa (c.f. Conte,2003:177;

Apothéloz e Chanet,2003:142), nos parecem sempre possuírem referência e sentido

construídos extensionalmente ou intencionalmente, como discutido no capítulo 2 com a

teoria de Frege.

Segundo postulam Apothéloz e Chanet, o substantivo predicador pode operar

uma recategorização mais ou menos metafórica do processo, ou comportar uma

conotação axiológica evidente. Como temos defendido que o substantivo predicador é o

sentido construído na sinonímia por encapsulamento, isto explica o fato deste espaço, no

texto, poder ter várias possibilidades de preenchimento como especificamos no exemplo

(2): Esta declaração / Esta situação / Esta conscientização / Esta alienação / Esta

mentira. Cada uma dessas possibilidades requalifica, reenquada, reorienta,

recategoriza o encapsulamento e por conseqüência apresenta uma nova sinonímia.

É importante lembrarmos que todos os exemplos de sinonímia por

encapsulamento anafórico discutidos nesta investigação são exemplos que

recategorizam, pois partimos da posição teórica assumida por Marcuschi (2003:243) de

que:

A maneira como dizemos aos outros as coisas é muito mais uma decorrência de nossa atuação discursiva sobre o mundo e de nossa inserção sócio­cognitiva no mundo pelo uso da nossa imaginação em atividades de ‘interação conceitual’ do que simplesmente fruto de procedimentos formais de categorização lingüística.

Deste modo, mesmo que o núcleo do sintagma nominal seja preenchido por um

nome semanticamente quase neutro ou pro­nome (Halliday e Hasan,1976), como o

sintagma nominal do exemplo (2) este fato, ainda assim acreditamos ocorrer a

recategorização. Todo o processo de encapsulamento, de sumarização de informação

anterior, que não ocorre por meio de uma repetição lexical de algum item explicitado

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anteriormente no texto, implica em uma recategorização da informação, seja ela através

de inferências semânticas ou sócio­cognitivas.

Isto nos lembrar da definição de sinonímia que encontramos em Ullmann

(1964:130) no livro intitulado Semântica: uma introdução à ciência do significado.

Segundo este autor:

A sinonímia é mais que um processo textual de substituição, é um processo textual de construção, manutenção, categorização e recategorização da interpretação através de operações mentais que intensificam, emotivam, valoram, depreciam, identificam aspectos discursivos culturais e sociais, e até mesmo psíquicos dos seus usuários. As associações aqui são condicionadas pelas circunstâncias de uso e características dos usuários, e costumam ocorrer nas diversas modalidades de registro.

É interessante observarmos as idéias de recategorização, de operações mentais, de

valores cognitivos e de associações que estão expressas nesta definição semântico­

pragmática 44 . Esta definição não apresenta discrepâncias com o que é defendido na

sócio­cognição sobre ser a língua uma forma de ação social situada cujos aspectos

sociais, históricos e culturais dos indivíduos contribuírem para as diversas formas de

categorização e recategorização dos objetos de nossos discursos.

Defendemos aspectos semelhantes, mas com algumas alterações que ousamos fazer

nesta definição para ajustá­la às concepções mais amplas defendidas neste trabalho, uma

vez que elas nos parecem bem plausíveis: (a nossa mudança está sublinhada):

A sinonímia é mais que um processo de substituição, é um processo textual discursivo de construção, manutenção, categorização e recategorização da interpretação, através de operações predicativas que intensificam, emotivam, valoram, depreciam, identificam aspectos discursivos culturais e sociais, e até mesmo psíquicos dos seus usuários. As associações aqui são construídas por relações de sentido socialmente situadas nas ações comunicativas, que são condicionadas pelas circunstâncias de uso e características dos usuários, e costumam ocorrer nas diversas modalidades de registro.

_44 Ullmann em 1964 (pp.294­295) defendia a idéia do professor W. E. Collinson (1939) de que não há sinônimos perfeitos e sim diferenças no uso de sinônimos. O professor Collinson baseia­se no artigo de G. Devoto <<sinonímia>> in Enciclopédia Italiana, XXXI, p. 857. Neste artigo, Devoto expõe que uma palavra pode ser sinônima de toda uma frase.

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Ullmann (1964:294) diz que “é perfeitamente verdade que a absoluta sinonímia

vem contra o nosso modo habitual de considerar a linguagem. (...) Muito poucas

palavras são permutáveis em qualquer contexto, sem a mais leve alteração do significado

objetivo, do tom sentimental ou do valor evocativo”.

Ainda segundo Ullmann (1964:498), nos processos de categorização e

recategorização subjaze uma rede de associações que as ligam com outros termos,

outros discursos. Essas associações estão algumas vezes baseadas em ligações entre os

sentidos, outras são meramente formais, enquanto que outras envolvem ao mesmo tempo

a forma e o significado­ termo da semântica formal.

De acordo com o conceito de campos associativos desenvolvido por Bally

(1950), o que forma o campo associativo de uma palavra é uma intrincada rede de

associações que se baseiam ora na semelhança, ora na contiguidade, surgindo umas entre

sentidos e outras entre nomes ou ainda entre ambos. Ullmann (1964:501) nos diz que

por ser o campo aberto por definição, algumas associações estão condenadas a ser

subjetivas. Muitas fazem parte dos processos de metáforas, comparações e provérbios.

Consideramos que este é mais um motivo para pensarmos que a sinonímia vai além do

processo de substituição. Em uma ação comunicativa socialmente situada, a sinonímia

constrói, mantém, categoriza e recategoriza os sentidos que são organizados

socialmente. Acreditamos que são as predicações realizadas na sinonímia que nos

permitem estudarmos este fenômeno no campo da cognição e mais ainda da sócio­

cognição, por evidenciarem os aspectos axiológicos que são intrínsecos a esse processo.

A recategorização no encapsulamento anafórico é chamada de rótulo

retrospectivo. No artigo Rotulação do discurso: Um aspecto da coesão lexical de

grupos nominais, Gills Francis (2003:191) aborda o sintagma nominal encapsulador

como um rótulo retrospectivo. Na nossa perspectiva, o rótulo retrospectivo é o que

denominamos de sentido. Francis (p.195) define um rótulo retrospectivo da seguinte

forma:

Um rótulo retrospectivo serve para encapsular ou empacotar uma extensão do discurso. Meu critério maior para identificar um grupo anaforicamente coesivo como um rótulo retrospectivo é que não há nenhum grupo nominal particular a que ele se refira: não é uma repetição ou um “sinônimo” de nenhum elemento precedente. Em vez disso, ele é apresentado como equivalente à oração ou orações que ele substitui, embora nomeando­as pela primeira vez. O rótulo indica ao leitor exatamente como esta extensão

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do discurso deve ser interpretada, e isso fornece o esquema de referência dentro do qual o argumento subseqüente é desenvolvido.

Esta definição apresenta dois aspectos com os quais não concordamos quando

pensamos no caso da sinonímia por encapsulamento anafórico. A primeira

discordância recai sobre a afirmação do critério maior de identificação de um rótulo

retrospectivo ser a não referência a nenhum grupo nominal particular.

Nós sublinhamos a porção anaforizada nos exemplos trabalhados justamente para

mostrar que o sintagma nominal dirige­se, no texto, a um grupo nominal individuado.

Porém, a porção anaforizada funciona como uma âncora referencial para se chegar ao

referente inferido e que está ligado à âncora pelas pistas co­textuais e contextuais que

unem a âncora referencial, o sintagma nominal encapsulador e o referente inferido.

Este referente nós já o apresentamos no capítulo 2 sob o nome de conceito Z,

que é o resultado da inferência indireta construída e que resulta no sentido construído.

Vejamos novamente o exemplo (g):

(g) Contudo, o contribuinte que refletisse sobre as notícias que lê diariamente nos jornais ou vê na TV, agiria com mais sabedoria do que com justa indignação diante dos assaltos diários ao dinheiro público. Quem atentar, por exemplo, para as filas que serpenteiam nas calçadas dos hospitais, irá concluir que elas nascem bem longe dali. Geralmente nas cidades do interior, cujos prefeitos e deputados preferem mil vezes receber a “transporterapia” das ambulâncias do que manter um hospital, uma unidade de primeiros socorros que seja. Pelas razões que a Policia Federal acaba de descobrir com essa Operação Sanguessuga. Apropriada denominação que não pode ser esquecida nas próximas eleições. (Diário de Pernambuco 14 /04/ 06).

1) O sintagma nominal encapsulador (o sentido construído): essa Operação

Sanguessuga;

2) Porção anaforizada (âncora referencial): Geralmente nas cidades do interior, cujos

prefeitos e deputados preferem mil vezes receber a “transporterapia” das ambulâncias do

que manter um hospital, uma unidade de primeiros socorros que seja,

3) Inferência realizada (referente inferido): políticos que sugam ou roubam dinheiro

público

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Neste exemplo o sintagma nominal encapsulador é o sentido, ou como chama

Francis, rótulo retrospectivo. A porção anaforizada é o grupo nominal particular que

serve de âncora referencial para o encapsulamento, pois ancora e ativa (cognitivamente)

o seu referente que é a inferência construída. Assim, o chamado rótulo retrospecto, pela

perspectiva investigativa deste trabalho estabelece uma relação sinonímica com a

inferência, criando assim a anáfora e o seu referente.

A nossa segunda discordância diz respeito ao sintagma nominal encapsulador

não ser um “sinônimo” de nenhum elemento precedente. De fato, o sintagma nominal

encapsulador não é sinônimo e nem repetição de nenhum elemento anterior, mas é

sinônimo da inferência construída entre os conteúdos da porção anaforizada e as suas

associações realizadas em um contexto sócio­discursivo situado. A âncora referencial,

por um processo inferencial, ativa um novo referente construído cognitivamente.

Schwarz (2000:98­110) 45 , no artigo Indirekte Anaphern in Texten, chama este tipo de

anáfora de anáfora indireta, pois

Exigem­se, para sua solução, estratégias cognitivas fundadas em conhecimentos semânticos armazenados no léxico, ligados a papéis semânticos, e também se exige estratégias cognitivas baseadas em conhecimentos conceituais baseados em modelos mentais, conhecimento de mundo e enciclopédicos.

Para finalizarmos a nossa análise sobre a citação de Francis (p.195), ao invés de

elaborarmos uma outra discordância, apresentaremos um ponto de concordância.

Concordamos com a explicação de que “o rótulo indica ao leitor exatamente como

esta extensão do discurso deve ser interpretada, e isso fornece o esquema de

referência dentro do qual o argumento subseqüente é desenvolvido”. Isto é o temos

afirmado ao postular que o sentido indica o modo pelo qual interpretamos os conteúdos

da porção anterior anaforizada.

Diante das considerações que acabamos de tecer, não nos é possível percebermos

o encapsulamento anafórico apenas como um recurso de integração semântica, tal como

postulam Francis (2003) e Conte (2003). Ele é mais que isso. Ele é também um recurso

de coerência e interação de natureza sócio­cognitiva construído pela língua em uma

_45 Tradução de Marcuschi (2001), no artigo Anáfora Indireta: O Barco Textual e suas Âncoras.

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prática social, tornando­se então uma forma de referenciação por inferenciação indireta

sócio­cognitiva.

Vejamos mais dois exemplos (Conte,2003) para sintetizarmos o que foi exposto

até agora:

(3) O miniteste de ontem parece dizer que a maioria dos italianos

continua a votar dentro do perímetro do centro­direito do Pólo

da Liberdade: mas dentro desse perímetro redistribuem­se os

próprios consensos, não esquecendo nem mesmo a Aliança, que

parece ter começado a bloquear uma perigosa erosão.

Curiosamente, sim. Mas, acrescentamos, nem tanto. Porque, esta

tendência era em boa medida colhida daquelas mesmas

estratégias berlusconianas de avaliação.

Em (3), a porção anaforizada sublinhada serve de âncora referencial para o sintagma

nominal encapsulador esta tendência que, por sua vez, é o sentido da relação inferencial

construída pela porção anaforizada. A inferência construída ativa um referente cognitivo

que pode ser, por exemplo, maneira de agir temporária.

(4) No fim, contudo, a luta contra a corrupção será vencida pelo

desenvolvimento dos próprios países­ não pelo mundo dos ricos.

Há sinais encorajadores: a Tailândia e o Zimbábue, entre outros,

estabeleceram comissões anticorrupção, embora elas nem sempre

cumpram o que prometem. (...). na Argentina e em outros locais,

advogados, que uma vez defenderam casos civis, agora lutam

contra a corrupção. Estes esforços nativos algumas vezes acabam

morrendo na casca.

Em (4), a porção anaforizada é a âncora referencial do sintagma nominal

encapsulador estes esforços nativos, que é o sentido construído pela inferência. Já o

referente ativado pela inferência pode ser: luta pela moralização da pátria.

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As inferências descritas constituem cálculos cognitivos guiados por ações

desencadeadas por contextos socialmente partilhados, por isto os chamamos de

inferências sócio­cognitivas. Nestes cálculos estão os conhecimentos partilhados, o

conhecimento de mundo, os frames, os esquemas, os scripts etc, que agem como ações

sociais possibilitando a variabilidade do sentido.

3.3­ A Sinonímia por Encapsulamento Anafórico como uma Ação Social

Quando consideramos a sinonímia por encapsulamento como um fenômeno

sócio­cognitivo deixamos de lado a concepção de língua em termos de sistema e

passamos a considerá­la como uma ação social, uma ação conjunta que envolve

aspectos cognitivos e sociais.

A idéia de que a linguagem é uma ação conjunta foi formulada por Clark (1996)

a partir dos trabalhos de G. Lakoff (1986) e R. Langacker (1987), que estudam a

linguagem como uma forma de ação no mundo e que integra fenômenos cognitivos em

geral e em particular. Os fenômenos cognitivos que ocorrem na vida social funcionam

como um espaço que oferece modelos da interação e da construção de sentidos

cognitivamente coerentes e motivados 46 . Segundo Clark 47 (1996:4):

Em alguns lugares, o uso da língua tem sido estudado como se fosse um processo inteiramente individual, como se residisse inteiramente dentro das ciências cognitivas – psicologia cognitiva, lingüística, ciência da computação, filosofia. Em outros lugares, ela tem sido estudada como se fosse um processo inteiramente social, como se residisse inteiramente dentro das ciências sociais – psicologia social, sociologia, sociolingüística, antropologia. Eu sugiro que ela pertence às duas áreas. Nós não podemos ter esperança de entender a língua a não ser tomando­a como um conjunto de ações conjuntas construídas a partir de ações individuais.

Sabemos que a perspectiva pragmática foi o grande marco da virada da

concepção de língua como sistema para a concepção de língua como ação social. O

texto, visto como a unidade principal da comunicação e da interação humana ganhou

forças nas teorias de cunho comunicativo. Koch (2004;2005) explica que a lingüística de

texto teve seus pilares na Teoria dos Atos de Fala e na Teoria da Atividade Verbal, onde

_46 Ver essa discussão em Koch e Cunha­Lima (2004). 47 Tradução de Koch e Cunha­Lima (2004).

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o texto tornou­se o ponto de partida para os estudos sobre contextos comunicativos­

situacionais cujo foco principal era estudar a língua no seu funcionamento concreto, na

sociedade. A língua era tomada como uma atividade humana comunicativa e como ações

sociais. De acordo com Koch e Cunha­Lima (2004:285):

As ações verbais são ações conjuntas, ou seja, usar a linguagem é sempre se engajar em alguma ação na qual a linguagem é o meio e o lugar onde a ação acontece necessariamente em coordenação com outros. Essas ações, contudo, não são realizações autônomas de sujeitos livres e iguais. São ações que se desenrolam em contextos sociais, com finalidades sociais e com papéis distribuídos socialmente. Os rituais, os gêneros e as formas verbais disponíveis não são em nada neutros quanto a este contexto social e histórico. (...) Ver a linguagem como ação conjunta não é, então, suficiente: é preciso passar a abordá­la como uma ação social. Relações sociais complexas (cultural e historicamente situadas) autorizam ou desautorizam os falantes a produzirem certos sentidos.

Segundo as autoras, para a concepção de língua como ação social houve

contribuição da psicologia da linguagem e da filosofia da linguagem, em meados da

década de 70. À primeira coube o desenvolvimento da idéia de atividade verbal humana,

e à segunda coube os estudos sobre a Teoria dos Atos de Fala nas ações sociais

individuais.

Muitas críticas foram feitas aos estudos dos Atos de Fala (Austin,1962;

Searle,(1984); e Grice,(1975), na pragmática clássica, pelo fato dessas teorias tratarem a

construção do sentido como algo que ocorre só na mente dos falantes e não como algo

que se constrói também externamente, socialmente, conjuntamente.

Para Searle (1984), o uso de uma expressão representa intenções e significados

pretendidos por tal expressão. O significado é construído através de um processo que se

dá internamente, é mental e individual. Compreender o significado é depreender as

intenções do falante e qualquer desvio dessa interpretação é vista como errada. O

ouvinte é apenas um decodificador das intenções do falante. A interação na Teoria dos

Atos de Fala ocupa uma função de trocas sistemáticas entre dois indivíduos autônomos,

ligados por um código comum (a língua falada de ambos), tal como nos apontam Koch e

Cunha­Lima (2004:281) e Koch (2005).

Também consideramos como as autoras acima (2004:282), que o maior problema

dessa concepção é que “as intenções são tomadas como o real significado de uma

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expressão usada. A língua ainda não sai da idéia de código e a interação fica relegada a

um conjunto de trocas sistemáticas entre falante e ouvinte que usam um código comum”.

Koch e Cunha­Lima (2004) ressaltam que é problemático o fato de Searle usar o termo

significado e considerá­lo como um processo totalmente mental e individual. Nós já

discutimos isto nos capítulos anteriores, ao dizermos que o termo significado pode

considerar apenas a referência, como pode também considerar referência e sentido, como

em Frege.

No entanto, as autoras asseveram que a concepção de Searle não se constituiu

como entrave para que a teoria da ação verbal viesse a ter contornos mais amplos,

deixando de ser vista como se fosse construída exclusivamente na mente do indivíduo

para ser vista como uma construção em atividades sociais, no fazer (agir) interativo com

o outro num contexto sociocomunicativo. Vejamos a virada para essa perspectiva, em

uma das citações em Koch (2004:14­15), ao pôr em evidência a citação de Wunderlich

(1976:30), e apontá­lo como um dos autores mais referendados na área dos estudos

textuais na década de 70 que aborda a Teoria da Atividade Verbal:

O objetivo da teoria da atividade é extrair os traços comuns das ações, planos de ação e estágios das ações, e pô­los em relação com traços comuns dos sistemas de normas, conhecimentos e valores. A análise do conceito da atividade (o que é atividade/ação) está estreitamente ligada à análise do conhecimento social sobre as ações ou atividades (o que se considera uma ação). A teoria da atividade é, portanto, em parte uma disciplina de orientação das ciências sociais, em parte, também de filosofia e de metodologia da Ciência. A relação com a lingüística está em que o funcionamento pragmático da teoria da linguagem deve enlaçar­se com a teoria da atividade e que, por sua vez, a análise lingüística pode contribuir de alguma forma para o desenvolvimento da atividade.

Esta citação é considerada como um marco para a concepção de língua como

ação social. O que Koch (2004:15) nos chama a atenção com esta citação é que “pensar

em ações lingüísticas é pensar que elas são sempre produzidas conjuntamente e se

sobrepõem constantemente quando, por exemplo, damos uma aula, respondemos

perguntas e conversamos sobre assuntos fora do tema da aula”. Por esta razão a

linguagem é sempre o meio e o lugar onde as ações acontecem conjuntamente, e não um

sistema ou um produto. Os contextos sociais vão ancorar as ações em qualquer instância

social, por isso elas nunca serão neutras, conforme vimos no exemplo (2) com o uso do

termo este fato.

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Em uma outra citação em Koch (2004:18) encontramos um resumo das

investigações sobre língua como ação verbal, através do pensamento de Heinemann &

Viehweger (1991). Consideramos oportuna transcrevê­la, mesmo sendo um pouco

longa:

Heinemann & Viehweger (1991), em Introdução à lingüística do texto, asseveram que os pressupostos gerais que regem esta perspectiva podem ser assim resumidos:

(a) Usar uma língua significa realizar ações. A ação verbal constitui uma atividade social, efetuada por indivíduos sociais, com o fim de realizar tarefas comunicativas, ligadas com a troca de representações, metas e interesses. Ela é parte de processos mais amplos de ação, pelos quais é determinada;

(b) A ação verbal é sempre orientada para os parceiros da comunicação, portanto é também ação social, determinada por regras sociais;

(c) A ação verbal realiza­se na forma de produção e recepção de textos. Os textos são, portanto, resultantes de ações verbais/complexos de ações verbais/estruturas ilocucionais, que estão intimamente ligadas com a estrutura proposicional dos enunciados;

(d) A ação verbal consciente e finalisticamente orientada origina­se de um plano/estratégia de ação. Para realizar seu objetivo, o falante utiliza­se da possibilidade de operar escolhas entre os diversos meios verbais disponíveis. A partir da meta final a ser atingida, o falante estabelece objetivos parciais, bem como suas respectivas ações parciais. Estabelece­ se, pois, uma hierarquia entre os atos de fala de um texto, dos mais gerais aos mais particulares. Ao interlocutor cabe, no momento da compreensão, reconstruir essa hierarquia;

(e) Os textos deixam de ser examinados como estruturas acabadas (produtos), mas passam a ser considerados no processo de sua constituição, verbalização e tratamento pelos parceiros da comunicação.

Por esta perspectiva, a língua não obedece apenas aos aspectos sintáticos e

semânticos, mas aos aspectos (sócio)pragmáticos que envolvem as crenças, valores,

preferências, desejos, contraposições, etc. Lembramos que esta é também a concepção

de Husserl e Também Merleau­Ponty, filósofos da linguagem citados no nosso capítulo

1.

De acordo com Koch (2004), na década de 80 sedimentam­se os estudos sobre

os processos cognitivos envolvidos nas ações verbais. Nas décadas de 70 e 80 duas

viradas foram de suma importância para construir a visão de língua como ação social: a

virada sócio­pragmática (que vai além da pragmática clássica) e a virada cognitiva.

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É importante frisarmos que uma ação verbal não está dissociada de processos

cognitivos. No princípio dos estudos cognitivistas a idéia era de que o agir(ação) era

resultante de operações mentais no processamento do conhecimento que por sua vez

estavam representados na memória e lá então eram ativados para processar o sentido.

Citamos algumas operações mentais como: Inferências

(Marcuschi,2000;2003;2007b), Conhecimento de mundo (Heinemann &

Viehweger,1991); Graus de Relevância (Sperber e Wilson,1986); Hipótese da

Saliência Gradual (Giora,2002­2003); Frames (Minsky,1975); Frames por atributos

e valores (Barsalou,1992); Scripts (Schank & Abelson,1997); Cenários (Sanford &

Garrod,1985); Esquemas (Rumelhart, 1980); Modelos mentais (Johnson­Laird, 1983),

Modelos episódicos ou de situação (Van Dijk,1995;1997) etc. Estas são operações

complexas de conhecimentos que representam 48 experiências vivenciadas pelos

indivíduos em sociedade e que vão ajudar a construir o sentido expresso pelo sintagma

nominal encapsulador, conforme visto nos exemplos analisados.

As operações mentais também são chamadas de estratégias cognitivas. Elas são

construídas no discurso através de processos sócio­cognitivos muito mais complexos do

que supõe a percepção individual com base numa linguagem transparente, iluminadora e

confortavelmente instrumentalizada ou naturalizada (Marcuschi,2003).

Para entendermos o funcionamento da sinonímia por encapsulamento anafórico e

a construção do sentido nesta sinonímia é preciso nos inserir no campo dessas estratégias

cognitivas situadas socialmente, como ações conjuntas, onde o exterior e interior não são

mais distintos e únicos para se chegar aos sentidos.

Isto quer dizer que o fazer sentido/interpretar é uma ação de produção de

conhecimento socialmente útil e validado na interação. Eis uma das diferenças do sócio­

cognitivismo para o cognitivismo, pois, neste último, os conhecimentos que um indivíduo

possui estão estruturados em sua mente e sua preocupação está em estudar como eles

são acionados para resolver problemas postos pelo ambiente social que está representado

mentalmente. Enquanto que para o sócio­cognitivismo há processos cognitivos que

_48 Esta palavra não está relacionada com a teoria representacionista da língua. Não se trata de defender neste trabalho o mentalismo cognitivo, nem a nossa visão de língua encontra­se atrelada a esta perspectiva. Representações mentais são vistas no cognitivismo inicial como entidades naturais. E essa não é a nossa crença. Representar aqui significa conceitualizar o mundo e a comunicação do mundo, conforme Marcuschi (2003).

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acontecem na sociedade e não exclusivamente no indivíduo; tais como os processos de

referenciação, inferenciação e categorização construídos essencialmente em atividades

sócio­discursivas (Marcuschi, 2003:245). Eis porque intitulamos este trabalho de A

construção da sinonímia por Encapsulamento Anafórico: uma perspectiva sócio­

cognitiva.

Marcuschi afirma que os três processos acima são básicos e que permitem toda a

reflexão humana e a análise do próprio pensamento no âmago da linguagem. Pois, “é no

sócio­cognitivismo que reside a concepção de língua como uma ação social, uma ação

conjunta que envolve aspectos cognitivos e sociais para construção de sentidos

socialmente situados” (p.245).

A relação entre sinonímia, encapsulamento anafórico e sentido, que temos

buscado mostrar neste trabalho, só é possível se considerarmos a cognição de forma

situada e dinâmica, pois na base dessa atividade lingüística está a interatividade e o

compartilharmento de conhecimentos e atenção. Ou seja, se considerarmos a perspectiva

sócio­cognitiva.

Assim, a língua pode ser vista como uma ação humana onde as situações

comunicativas são constructos sociais. É por esta razão que mostraremos, no próximo

capítulo, que o acesso ao sentido está relacionado com as nossas escolhas lexicais; estas

por sua vez conduzem os interlocutores à interpretação e à compreensão dos conteúdos

discursivos.

Acreditamos que as escolhas lexicais que fazemos no uso da sinonímia por

encapsulamento anafórico não ocorrem simplesmente pela busca de uma igualdade ou

semelhança ou identidade de significado entre lexemas, mas pela busca, também, de

uma equivalência de sentido estabelecida sócio­cognitivamente, através de uma

relação inferencial indireta construída a partir dos lexemas. O que queremos é

ressaltar que este tipo de sinonímia está intimamente ligado à produção de sentidos

socialmente partilhados e não apenas ao estabelecimento de significados lexicais.

Marcuschi (2003a:4) nos chama a atenção para o fato do léxico constituir

um dos pontos nucleares e ao mesmo tempo mais frágeis do trabalho com a língua. (...) O léxico é estratégico não só para a produção de sentido, mas para o próprio processo de textualização. Este aspecto é relevante para tratar a sinonímia, a metáfora, a ironia, a polissemia, a ambigüidade,

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o tópico e todos os demais problemas que afligem o aluno na hora de produzir e compreender um texto. Como o léxico tem a ver com o processo referencial e como este liga­se à organização tópica, a continuidade referencial se dá por relações sócio­cognitivas e atividades inferenciais em que o léxico tem uma função bastante saliente.

Este autor (p.5) defende o princípio de que “identidade lexical, identidade tópica,

significação e referenciação não são automaticamente correlacionadas, mas

enunciativamente produzidas”. Três razões são oferecidas por ele: 1) “os itens lexicais

não são autônomos”; 2) “os tópicos não são dados a priore”; 3) “a compreensão textual

não é coercitiva nem extrativa, isto é, podem­se ter várias compreensões de um mesmo

enunciado”. Este autor conclui que

uma vez determinado o enquadre tópico, o léxico passa a funcionar desse ponto de vista como produtor de sentidos possíveis. Daí o grande desafio a todos os trabalhos que buscam no interior do léxico índices de identidade temática, presença de ideologias etc, na suposição de um funcionamento autônomo do léxico. (...) Se o léxico é limitado e recorre com regras que são também limitadas, a produção de sentido não pode vir do sistema nem de alguma propriedade lingüística apenas, mas de nossas ações com a língua. Sentido é efeito de trabalho com a língua e não da língua. (2003a:5)

Seguramente, a posição de Marcuschi contempla bastante a nossa

investigação e nos dá um respaldo para mostrarmos que estudos sobre sinonímia podem

e devem ir além dos limites da semântica formal, além do pragmatismo de Searle e de

Grice e além do cognitivismo puro.

Convém dizer que não negamos nenhum estudo realizado pelas

perspectivas teóricas citadas acima, mas estudar a sinonímia apenas no campo de estudo

dos fenômenos de igualdade ou identidade de significado é não contemplar,

holisticamente, a visão de língua como uma ação social, uma ação conjunta que envolve

aspectos cognitivos, históricos, sociais e culturais para a produção de sentido. Essa visão

é pertinente a sócio­cognição.

Vejamos no capítulo 4 como efetivamente o sentido é providenciado por

atividades sócio­cognitivas situadas e acessado na sinonímia por encapsulamento

anafórico.

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CAPÍTULO 4

O ACESSO AO SENTIDO NA SINONÍMIA POR

ENCAPSULAMENTO ANAFÓRICO

Apresentamos desde o primeiro capítulo desta investigação a nossa tese de

que a sinonímia por encapsulamento anafórico apresenta um ponto de vista, um modo

de compreensão, de interpretação construída inferencialmente em uma interação social,

e que este ponto de vista pode ser chamado de sentido. Ressalvamos o que já dissemos

em capítulos anteriores: que não concebemos o sentido por meio de uma

correspondência instituída arbitrariamente a um termo, mas como o modo de pensarmos

os nomes e as coisas do mundo, o modo pelo qual construímos e interagimos com os

objetos de discurso, que é elevado ao nível conceitual por intermédio das expressões da

língua.

Sem dúvida, é possível dizermos que o sentido que atribuímos às coisas

relaciona­se com o indivíduo e o modo como este compreende e interpreta o mundo,

construindo as diversas possibilidades conceituais designadas, pelas palavras, em

vivências sociais. Por tal razão escrevemos no item 1.4, do primeiro capítulo, que são

importantes os estudos que abordam a intencionalidade, a fim de que o sentido possa ser

observado como uma porta de entrada para a compreensão (Husserl).

A intencionalidade em si não é o foco de nosso trabalho, nós já o dissemos

anteriormente. Todavia, nós abordaremos neste capítulo perspectivas teóricas que não

deixam de falar a respeito da intencionalidade, mas, sobre o ângulo da construção de

possibilidades conceituais, no qual o sentido construído no encapsulamento anafórico,

que é definido como um ponto de vista assumido quando interpretamos a relação

existente entre a âncora referencial e o conceito Z 49 inferido, é resultado de opiniões e

de valores axiológicos. Pois cada ato de opinar apresenta apenas um ponto de vista

provisório (Husserl). Por isso nós dissemos que os sintagmas nominais encapsuladores

podem ser modificados de acordo com as opiniões formadas pelos leitores ou

produtores do texto.

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As perspectivas teóricas que trabalharemos são: a Teoria da

Fenomenologia (Husserl) a partir de Klaus Held (1995), a Teoria da Relevância

(Sperber e Wilson, 1986) a partir de Silveira e Feltes (1997) e a Teoria dos Frames por

Atributos e Valores (Barsalou,1992) 50 .

Estas teorias foram escolhidas pelo fato de serem aquelas as quais melhor

julgamos poder visualizar a sinonímia por encapsulamento anafórico e o acesso ao

sentido construído. Outros autores que trabalham o processamento das inferências

intencionais, cálculos e projeções de sentido como Fauconnier (1997), Fauconnier e

Turner (2002) e também o que é saliente no acesso à significação lexical como Giora

(2002; 2003) mereceriam ser estudados na perspectiva desta nossa investigação, mas em

um outro momento. As teorias selecionadas já nos dão condições de explicarmos a

sinonímia por encapsulamento anafórico como uma atividade sócio­cognitiva situada.

Iniciemos as nossas discussões pelo filósofo Husserl.

4.1­ O Acesso ao Sentido pela Teoria da Fenomenologia de Husserl

Husserl, na obra A crise das Ciências Européias e a Fenomenologia

Transcendental. Uma introdução na filosofia Fenomenológica (1954), 51 postula que ao

apresentarmos um ponto de vista abrimos uma perspectiva interpretativa que é

provisória por sempre apresentar condições de ser revisada, e esta condição pertence ao

ato de opinar.

O artigo de Klaus Held (1995) intitulado Fenomenologia transcendental:

evidência e responsabilidade, publicado em alemão e traduzido para o português, faz

uma profunda abordagem da obra de Husserl e diz que para este filósofo, do ponto de

vista da episteme, ou seja, da ciência, a característica básica da opinião é sua

_49 Já abordamos o conceito Z no segundo capítulo, no final do item 2.1. 50 Trabalharemos Husserl a partir de K. Held (1995) em virtude da complexidade que é a fenomenologia de Husserl. Held nos traz um olhar bastante crítico e aprofundado desta obra. Também trabalharemos Sperber e Wilson através do olhar de Silveira e Feltes pelo fato destes autores trazerem com clareza o forte componente cognitivo contido nos processos inferenciais e na noção de relevância de Sperber e Wilson, o que foi inovador na época da publicação do ensaio de Silveira e Feltes (1997) intitulado Pragmática e Cognição: A textualidade pela relevância. 51 O título original é Die Krisis der europäischen Wissenschaften und die transzendentale Phänomenologie. Eine Einleitung in die phänomenologische Philosophie.

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parcialidade em pontos de vistas unilaterais. E isto ocorre porque as pessoas sempre

estão fixadas naquilo que lhes é de maior interesse no momento.

De acordo com Held (1995), Husserl postula que o interesse estreita as

perspectivas para as possibilidades de julgar e de agir, e que há uma imensidão de

incalculáveis possibilidades de fazermos julgamentos e construirmos ações. Isto ocorre

em virtude das pessoas viverem sempre em mundos específicos do único mundo,

como o mundo da criança, do trabalhador, do estudante, do filósofo etc. Ou seja, esses

mundos específicos são recortes de um único mundo universal que criam possibilidades

interpretativas, condicionadas a interesses. Esta perspectiva nos ajuda a mostrarmos que

a sinonímia por encapsulamento anafórico, através do sentido, constrói um ponto de

vista, uma possibilidade interpretativa que diz respeito a um horizonte limitado, a

mundos específicos nos quais vivem os indivíduos.

Segundo Held, o que é interessante em Husserl é a concepção que ele tinha

do ato de julgar e agir na linguagem. Cada mundo específico ou horizonte limitado gera

um espaço de possibilidades de julgamento e ação que permite ao homem ver aquilo que

ocorre, em termos de acontecimento, no interior desse mundo particular. Pois Husserl

postula que o que pode ser visto no espaço de possibilidades de julgamento e ação é a

manifestação da opinião.

Na linha de discussão desta investigação, a tese de que a sinonímia apresenta um

ponto de vista, um modo de interpretação construído em uma interação social, e que

este ponto de vista pode ser chamado de sentido, também pode ser explicada por esta

perspectiva husserliana que vai nos dar embasamento para compreendermos que o

acesso ao sentido dá se por aquilo que o leitor ou produtor de um texto vê em seu

mundo particular, que é um mundo também de coletividade, pois não estamos falando

sobre o mundo interior de um indivíduo, mas sobre um mundo particular inserido em

uma coletividade, como o mundo ou universo dos lingüístas, dos recifences, dos

pernambucanos, dos brasileiros etc.

Nós nos inserimos na mesma perspectiva de Husserl de que aquilo que se

vê em um mundo particular é um recorte realizado à luz de interesses, isto é, o olhar do

leitor ou produtor na construção da sinonímia por encapsulamento anafórico não se

mantém, necessariamente, naquilo que é dito ou escrito em si. Este olhar vai

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imediatamente além do dito ou escrito, direciona­se para aquilo ao qual é familiar e útil

no universo de interesses dos interlocutores. Consideremos tudo isso no exemplo 52 a

seguir:

(5) ...o sistema imunológico dos pacientes reconheceu os anticorpos

do rato e os rejeitou. Isto significa que eles não permanecem no

sistema por tempo suficiente para se tornarem completamente

eficazes. A segunda geração de anticorpos agora em desenvolvimento

é uma tentativa de contornar este problema através da “humanização”

dos anticorpos do rato, usando uma técnica desenvolvida por...

De acordo com as nossas análises, o sintagma nominal este problema

constitui a sinonímia por encapsulamento anafórico que apresenta um sentido construído

pelos conceitos existentes na âncora referencial (o sistema imunológico dos pacientes

reconheceu os anticorpos do rato e os rejeitou) e na parte conceitual que diz respeito à

âncora (Isto significa que eles não permanecem no sistema por tempo suficiente para

tornarem completamente eficazes.).

O sintagma nominal encapsulador este problema expressa uma opinião,

um ponto de vista inserido em um mundo particular, mas também coletivo, de quem o

escreveu. O sintagma nominal encapsulador abre, portanto, uma perspectiva diante das

outras possibilidades que podem ser geradas pelo campo de diversidades de julgamento

e de ação os quais nós podemos proferir. Por isso afirmamos ser possível haver outras

possibilidades de preenchimento do espaço do sintagma nominal encapsulador. Vejamos

isto então no exemplo (5):

(5A) A segunda geração de anticorpos agora em desenvolvimento é

uma tentativa de contornar esta falha através da “humanização” dos

anticorpos do rato, usando uma técnica desenvolvida por...

Ou ainda:

(5B) A segunda geração de anticorpos agora em desenvolvimento é

uma tentativa de contornar esta janela imunológica através da

“humanização” dos anticorpos do rato, usando uma técnica

desenvolvida por...

_52 Retirado do artigo de Francis (2003:195).

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A relação de inferência que se estabelece entre a âncora referencial e a parte

conceitual em (5) constitui aquilo que chamamos de um caminho de acesso ao sentido

construído, que resulta no sintagma nominal encapsulador este problema ou esta falha

ou ainda esta janela imunológica. O acesso se dá em virtude de construirmos a relação

de inferência sobre evidências que nos são apontadas tanto por situações lógicas das

sentenças em questão quanto por situações que vão além dessa lógica sentencial.

Percebamos que há uma gradação de sentido entre problema, falha e

janela imunológica, pois cada sintagma apresenta um aumento de informação e de

conhecimento. Os três apresentam pontos de vista que evidenciam um outro modo de

falar sobre os conteúdos da porção anaforizada que, por sua vez, nos direciona para

outras informações. São novas inferências a constituir outros caminhos de acesso a

outros sentidos.

As nossas análises indicam que o sintagma este problema é acessado por

uma inferência lógico­analítica realizada a partir das sentenças anteriores cujos verbos

rejeitou e não permanecem, no conjunto das pressuposições lógicas do que foi dito,

evidenciam um problema que está se buscando resolver com pesquisas científicas. Já

no sintagma esta falha, o acesso ao sentido construído vai além da lógica sentencial ao

inferirmos, por exemplo, que a pesquisa terminada constatou ser possível usar

anticorpos do rato para aumentar o sistema imunológico de pacientes, mas ao usá­los

houve uma falha inesperada no processo de aceitabilidade orgânica. Por último, em esta

janela imunológica, o acesso ao sentido ocorre através de conhecimentos que

possuímos sobre a ação da Aids no sistema imunológico dos seres humanos.

Todas essas inferências são possíveis de serem acessadas, quer seja por meio

de uma lógica sentencial quer seja por intermédio de enquadres de situações sociais que

nos remetem para além dos conteúdos das sentenças analíticas, como ocorre, por

exemplo, em esta falha e esta janela imunológica.

Os diferentes caminhos de acesso ao sentido construído na sinonímia por

encapsulamento anafórico evidenciam uma forma de conhecimento que temos dos

objetos do mundo, um modo de interpretar, de compreender esses objetos. E justamente

por assim nos apresentarem os objetos é que estes evidenciam outras possibilidades de

julgamentos e ações. Esta é a teoria da consciência intencional de Husserl.

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De acordo com essa teoria, os nossos conhecimentos manifestam formas

variadas de percepção dos objetos do mundo, estes têm sempre ângulos que podem nos

remeter a outros conhecimentos. Por exemplo, se vemos uma casa a partir da rua, temos

a consciência de que também poderíamos vê­la a partir de outro ângulo, como, por

exemplo, do jardim. Assim, a percepção da casa feita a partir da rua ou do jardim insere­

se em um contexto referencial de formas de manifestação do nosso olhar, abrindo um

espaço que resulta em uma forma de ver as coisas através das nossas vivências

(Husserl). Segundo Husserl, o mundo é o contexto referencial onde os objetos estão

inseridos, o contexto referencia os objetos mudando­lhes os ângulos de observação de

acordo com os nossos olhares inseridos em mundos particulares e coletivos de vivências

sociais.

Por esta razão, nós dissemos no nosso primeiro capítulo que a nossa visão

de língua não é de um sistema de etiquetagem, conforme também asseveram, entre

outros já citados, Mondada e Dubois (2003). Lembramos, oportunamente, as duas

autoras porque para elas a visão de língua enquadra a concepção de que os sujeitos

constroem, através de práticas discursivas e cognitivas social e culturalmente situadas,

versões públicas do mundo.

Conforme afirmam Mondada e Dubois (2003:17), no resumo introdutório

do texto Construção dos objetos de discurso e categorização: uma abordagem dos

processos de referenciação 53 ,

Nesta segunda visão, as categorias e os objetos de discurso pelos quais os sujeitos compreendem o mundo não são nem preexistentes, nem dados, mas se elaboram no curso de suas atividades, transformando­se a partir dos contextos. Neste caso, as categorias e os objetos de discurso são marcados por uma instabilidade constitutiva, observável através de operações cognitivas ancoradas nas práticas, nas atividades verbais e não­verbais, nas negociações dentro da interação.

A base desse postulado de Mondada e Dubois, na perspectiva da nossa

investigação, coincide com a teoria da consciência intencional de Husserl quanto à

instabilidade da referência dos objetos no mundo, em virtude de haver um contexto

_53 Título original (1995): Construction des objets de discours et catégorisation: une approche des processus de réferenciation. Apesar deste texto ser escrito em conjunto com Dubois, o conceito de objetos de discurso foi primeiramente exposto por Mondada (1994) em Verbalisation de léspace et

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referencial que evidencia ângulos de um mesmo objeto, consolidando pontos de vista,

julgamentos e ações variados. Pois para Husserl, os ângulos são os nossos olhares

advindos de um mundo particular inserido em uma coletividade, como já dissemos.

Para Mondada e Dubois (2003:35),

As instabilidades não são simplesmente casos de variações individuais que poderiam ser remediadas e estabilizadas por uma aprendizagem convencional de “valores de verdade”; elas são ligadas à dimensão constitutivamente intersubjetiva das atividades cognitivas.

Por esta razão, os objetos aos quais nos referimos discursivamente são

chamados de objetos de discurso, ao invés de objetos do discurso, a fim de

desvinculá­los da idéia de etiquetagem onde as palavras referem­se aos objetos

existentes no mundo, de forma direta.

Nossa reflexão nos leva a asseverar que Mondada (1994) e Mondada e

Dubois (2003), na concepção de objetos de discurso, pensam da mesma forma que

Husserl. De acordo com Held, o pensamento de Husserl era o de que (1995:113)

Nós só podemos lidar com objetos, enquanto eles eventualmente nos são dados em qualquer forma de manifestação e que cada forma de manifestação é apenas uma, de uma multiplicidade de possíveis possibilidades de manifestação, e que os objetos devem vir ao nosso encontro em formas de manifestação, para de fato estarem numa relação conosco, como sujeitos percipientes.

O que entendemos com essas três últimas citações é que a sinonímia por

encapsulamento anafórico ao apresentar um objeto de discurso, por exemplo, este

problema, como um modo de interpretar o que está escrito na porção anaforizada

oferece­nos uma explicação indicativa, também chamada de definição ostensiva. Uma

definição ostensiva evidencia o modo de interpretação dado à âncora referencial e a sua

parte conceitual (porção textual anaforizada). Essas explicações indicativas ou

definições ostensivas, para nós, constituem o sentido construído por um olhar, por

uma perspectiva de observação.

A noção de explicação indicativa chamada de definição ostensiva, que mais

tarde será vista como modelo ostensivo­inferencial em Sperber e Wilson (1986), é

_ fabrication du savoir: Approche linguistique de la construction des objets de discours, lausanne,

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tratada por um filósofo que merece ser citado aqui e que se chama George Edward

Moore (1953), no artigo Some Main Problems of Philosophy.

Buscamos no artigo intitulado George Edward Moore: o que é análise

conceitual, de W. Künne (1995), trazer uma discussão interessante sobre os postulados

de Moore quanto à relação de sentido e a construção da sinonímia. Künne (1995:52) nos

diz que em resposta ao que o filósofo americano Cooper Harold Langford chamou de

Paradox of Analysis (1942:323), no seu artigo The Notion of Analysis in Moore’s

Philosophy, Moore esclarece a sua compreensão sobre o que é analisar e fala

explicitamente sobre a questão da sinonímia. No Paradox of Analysis Langford (apud

Künne, 1995:52)diz que:

Se a expressão lingüística que propõe o Analysandum (expressão a ser analisada) tem o mesmo significado como a expressão lingüística que propõe o Analysans (expressão analisadora), então a análise afirma uma simples identidade e é trivial; mas, se ambas as expressões lingüísticas não têm o mesmo significado, então a análise não é correta.

Segundo Künne, Moore responde ao pensamento de Langford

especificando que ao se dizer que a sinonímia é uma questão de identidade entre termos,

o que é chamado por Langford de uma simples identidade tr ivial, não há nenhuma

informação diferente entre, por exemplo, ‘leoa’ e ‘leão feminino’; são sinônimos. Porém,

segundo o que defende Moore quanto à perspectiva de observação das coisas do

mundo, se ‘leoa’ e ‘leão feminino’ não se referirem a mesma coisa na frase Ser leoa é o

mesmo que ser um leão feminino, então há valores pragmáticos 54 desiguais que

desfazem a relação de sinonímia entre ‘leoa’ e ‘leão feminino’.

Nós podemos exemplificar o pensamento de Moore da seguinte forma: se

alguém entende que ser leoa diz respeito à reação de uma pessoa frente a algumas

situações da vida ou que ser leoa é uma atitude das mulheres em relação aos cuidados

com a sua prole, então, ser leoa, não vai constituir um sinônimo de leão feminino

porque a relação não é de ‘ser animal, ‘ser bicho’; a relação é de ‘postura

comportamental’, de ‘atitude’, de ‘ação’. No postulado de Langford, a sinonímia vista

_ Université de Lausanne, Thèse. 54 Valores pragmáticos, para Moore, têm a ver com o uso dos termos em situações de vivência diferenciada.

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sob esses valores pragmáticos que acabamos de apresentar é incorreta, ou melhor, não

existe.

Para resolver o Paradox of Analysis de Langford, Moore postula que ao

lado da exigência de sinonímia, quanto ao significado da expressão lingüística através da

constatação de uma identidade entre os termos, está a exigência, também, de uma

equivalência cognitiva no uso dos termos, e que esta deve ser conhecida por aqueles

que a usam.

De acordo com Künne (1995:54), para Moore, o fato de duas expressões

se referirem uma à outra, ainda não é uma condição suficiente para a sinonímia. A

condição necessária da sinonímia está no fato de se saber que algo é “A” porque se sabe

que “A” é o mesmo que “BC”. O exemplo dado por Künne é: meio cheio e meio vazio

(proposição BC) em uma primeira análise não constitui uma sinonímia. Cheio e vazio

expressam uma idéia antagônica. Porém, um copo pela metade (proposição A) é

sinônimo de um copo meio cheio e também de um copo meio vazio. Sendo assim, meio

cheio e meio vazio são sinônimos quando atribuímos valores pragmáticos que constroem

uma equivalência cognitiva entre meio cheio e meio vazio ao se tratar de um copo de

água pela metade. Para Moore, equivalência cognitiva se explica quando os substitutos

da proposição A, meio cheio e meio vazio, expressam dois modos distintos de compor a

sinonímia do conteúdo da proposição A.

Isto nos faz lembrar Frege (1978:62), em Sobre o Sentido e a Referência,

ao expressar que:

Sejam a, b, c as linhas que ligam os vértices de um triângulo com os pontos médios dos lados opostos. O ponto de interseção de a e b é, pois, o mesmo que o ponto de interseção de b e c. Temos, assim, diferentes designações para o mesmo ponto, e estes nomes ( “ponto de interseção de a e b” e “ponto de interseção de b e c” ) indicam, simultaneamente, o modo de apresentação e, em conseqüência, a sentença contém um conhecimento real.

Ao aplicarmos o pensamento de Frege ao exemplo dado por Künne, para

explicar a equivalência cognitiva defendia por Moore, temos o seguinte raciocínio:

Sejam um copo pela metade (a), meio cheio (b) e meio vazio (c) as

proposições que constroem uma relação sinonímica. O ponto de

interseção de a e b (Um copo pela metade é um copo meio cheio) é,

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pois, o mesmo que o ponto de interseção de b e c (Um copo meio

cheio é um copo meio vazio).

Estas considerações só nos mostram que é possível a construção da

sinonímia por encapsulamento anafórico ocorrer por uma equivalência sócio­cognitiva.

Por tais razões repetimos ao longo dos capítulos anteriores que a sinonímia vai além da

construção de igualdade, de identidade e de equivalência semântica entre as expressões

lingüísticas; ela vai, também, se constituir como uma relação de equivalência sócio­

cognitiva no uso dos termos.

A equivalência sócio­cognitiva se aplica, por exemplo, quando

consideramos como sinonímia os termos Congresso Nacional e pizza, ao ouvirmos ou

lermos notícias que falem sobre os escândalos no nosso Congresso Nacional, em

Brasília­ DF, estando estes associados ao termo pizza. Este exemplo já foi abordado no

nosso segundo capítulo. O fato de se ouvir dizer que os escândalos no Congresso

Nacional acabam em pizza, faz com que em muitas notícias o termo pizza possa ser

usado como sinônimo de escândalo no Congresso Nacional.

Essa rápida abordagem sobre a Teoria da Fenomenologia de Husserl,

discutida e desmembrada para algumas assertivas de Mondada & Dubois e de Moore

tem a finalidade de ressaltar que todos se apóiam em um mesmo ponto para exporem

suas teorias: todos se apóiam na convicção de que há um modo de compreender as

coisas do mundo que se distancia da realidade das coisas na perspectiva

ontológica. Curiosamente, Frege também se apóia na concepção de que há uma

diversidade no modo de conhecimento das coisas, chamado de sentido.

Reunindo os posicionamentos desses quatro autores não nos resta dúvida

de que os objetos de discurso evidenciam sentidos diversos porque há modos

diversificados de interpretação, de compreensão, por haver múltiplas formas de olhares

debruçados sobre um mesmo objeto. São perspectivas diferentes, ângulos diversos pelo

qual um objeto do mundo real ou imaginário pode ser visto. Daí podermos chamar esses

objetos de objetos de discurso, dos nossos discursos em contextos referenciais

particulares e ao mesmo tempo coletivos, como expôs Husserl.

A nossa intuição nos leva a crer que a integração dessas perspectivas

teóricas está no fato de que um ponto de vista só existe porque lhes conferimos

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atr ibutos e valores que se diferenciam em situações referenciais definidas. Os nossos

julgamentos e as nossas ações são resultados destes, que por sua vez, também fazem

parte daquilo que Moore chamou de definição ostensiva, que tomamos como o

resultado da inferência feita entre os conteúdos da âncora referencial e da parte

conceitual: o sentido.

As definições ostensivas são, portanto, os sintagmas nominais

encapsuladores ‘esse problema’, ‘esta janela imunológica’ e ‘esta falha’, que são os

‘sentidos­sinônimos’ da porção anterior anaforizada. Esta nossa perspectiva de

observação da sinonímia é pertinente se levarmos em conta a condição de equivalência

sócio­cognitiva entre os termos, e que vai além da condição de identidade de significado

lingüístico entre os termos ou mesmo de equivalência semântica, como temos ressaltado

em muitos momentos da nossa argumentação.

Um outro aspecto importante que resulta da discussão sobre os postulados

de Husserl, de Mondada & Dubois e de Moore é que o ângulo pelo qual vemos as

coisas, que mostra o modo como estamos compreendendo algo, indica caminhos de

acesso ao sentido que podem ocorrer através das outras duas perspectivas teóricas

escolhidas para esta investigação: a perspectiva da Relevância (Sperber e Wilson,1986);

e a perspectiva dos Frames por atr ibutos e valores (Barsalou,1992). Vejamos como

podemos explicar a sinonímia por encapsulamento anafórico por estas duas teorias.

4.2­ O Acesso ao Sentido pela Teoria da Relevância: o modelo ostensivo­

inferencial de Sperber e Wilson

Sperber e Wilson (1986) em Relevance: Communication and Cognition,

partindo do modelo inferencial de Grice (1975) e das discordâncias quanto a esse

modelo, desenvolveram uma teoria pragmático­cognitiva chamada de Teoria da

Relevância. Para estes autores, a Teoria da Relevância toma por base a concepção de

que os indivíduos prestam atenção apenas a fenômenos que lhes parecem relevantes. Ou

seja, nós prestamos atenção a alguma coisa, em alguma medida, que vem ao encontro de

nossos interesses ou que se ajustam às circunstâncias do momento.

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O estudo de Silveira e Feltes (1997), em Pragmática e Cognição: a

Textualidade pela Relevância, sobre o modelo da Teoria da Relevância nos traz uma

leitura interessante sobre a teoria de Sperber e Wilson (1986), aproximando­os da

cognição e de seus aspectos sociais. Esta teoria diz que a comunicação humana tem

duas propriedades indissociáveis que são a de ser ostensiva, por parte do comunicador,

e a de ser inferencial, por parte do ouvinte. Quando o comunicador produz um

enunciado ele manifesta um conjunto de suposições 55 para o ouvinte, sobre aquilo que

ele comunica. O enunciado funciona nesta perspectiva como uma evidência direta­ uma

ostensão – da intenção informativa do falante (Sperber e Wilson, 1986:162).

Isto nos faz lembrar o que falamos anteriormente, neste capítulo, sobre

entendermos o sintagma encapsulador sinonímico como uma explicação indicativa, uma

definição ostensiva, conforme postulado pelo filósofo Moore (1953). Segundo Moore,

as explicações revelam a relação de sentido construída por um olhar, por uma

perspectiva de observação. O que pode perfeitamente ser comparado com o que diz o

modelo da Teoria da Relevância, pois para esta teoria um enunciado quando chama a

atenção do ouvinte leva este a construir e a manipular representações conceituais.

Assim, aquilo que é posto em foco pelo ouvinte, por meio da ostensão do estímulo­

enunciado pode originar suposições e inferências no nível conceitual. Por esta razão

dissemos ser possível haver uma variedade de opções para o preenchimento do sintagma

nominal encapsulador no exemplo (5) e nos outros exemplos trabalhados em capítulos

anteriores.

O modelo ostensivo­inferencial de Sperber e Wilson (1986), tema do

segundo capítulo de Silveira e Feltes (1997), apresenta uma outra propriedade da

comunicação que se chama Grau de Relevância. Quando construímos suposições a

respeito de um enunciado, ou seja, quando construímos um conjunto estruturado de

conceitos, manifestamos esses conceitos em graus diversos formando aquilo que

Sperber e Wilson chamam de ambiente cognitivo.

Um ambiente cognitivo pode ser mútuo ou não. O comunicador pode

produzir algo em um ambiente cognitivo e o ouvinte processar este algo em outro

ambiente cognitivo justamente por não haver ocorrido uma interseção de ambientes

_55 Entendamos por suposição “um conjunto estruturado de conceitos” (Sperber e Wilson, 1986:85), que são considerados por estes autores como um rótulo, como um endereço para acessarmos as informações.

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cognitivos entre comunicador e ouvinte, a fim de se formar o mesmo conjunto de

conceitos. “Um ambiente cognitivo fornece a informação necessária para a

comunicação, mas é meramente um conjunto de suposições que é mentalmente

representado e considerado como verdadeiro” (Silveira e Feltes, 1997:29) 56 . Assim, uma

comunicação pode gerar alterações dos ambientes cognitivos dos interlocutores por se

construir inferências diversas.

De acordo com Silveira e Feltes (1997:42) é preciso entender bem o termo

Relevância usado por Sperber e Wilson:

Esse termo não é tomado em seu sentido comum, que pode se tornar vago e variável de acordo com as diferentes circunstâncias em que é empregado. Para Sperber e Wilson, trata­se de um conceito teórico útil para explicar o processamento de informação pelos indivíduos nos contextos comunicativos. O interesse destes é mostrar como a Relevância é buscada e alcançada em processos mentais.

O contexto comunicativo nada mais é do que o ambiente cognitivo

construído por um conjunto de premissas usadas para interpretar os enunciados.

Segundo nos explicam Silveira e Feltes (p.29), “trata­se em essência de um constructo

psicológico, construído de um subconjunto de suposições do ouvinte sobre o mundo,

que afeta, e mesmo determina, a sua compreensão do enunciado”.

Para Sperber e Wilson (1986), as premissas e conclusões extraídas de um

ambiente cognitivo formam as implicaturas 57 contextuais que, segundo Silveira e

Feltes (p.44), “consistem nas suposições resultantes (derivadas) da combinação de

informações velhas (já existentes ou dadas) com informações novas”. Elas podem ser

acessadas, por exemplo, pela memória enciclopédica ou pelo conhecimento de mundo.

Ressaltamos que o que estes autores chamam de implicatura, nós temos

chamado de inferência porque enxergamos nestes dois termos os mesmos caminhos de

acesso às informações tanto pela memória enciclopédica quanto pelo conhecimento de

_56 A expressão ‘mentalmente representado’, usada por Silveira e Feltes, é considerada como o lugar onde se estabelecem os conceitos; e não como a teoria da representação mental. 57 “A noção de implicatura proposta por Sperber e Wilson é diferente daquela apresentada por Grice. Para Grice, as implicaturas partem do dito, indo além dele, mas pressupõem obediência às ou violação das máximas conversacionais. Já em Sperber e Wilson, a noção de implicatura desdobra­se em premissas e conclusões implicadas, que não partem necessariamente do dito” (Silveira e Feltes, 1997:30). Para Sperber e Wilson as implicaturas não seguem a obediência às máximas conversacionais de Grice, elas seguem aquilo que compõe um determinado ambiente cognitivo.

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mundo. Retornemos ao exemplo (5) e vejamos como isso funciona ao criar­se duas

outras possibilidades de construção do sintagma nominal encapsulador em (5 A) e (5 B):

(5) ...o sistema imunológico dos pacientes reconheceu os anticorpos do

rato e os rejeitou. Isto significa que eles não permanecem no sistema por

tempo suficiente para se tornarem completamente eficazes. A segunda

geração de anticorpos agora em desenvolvimento é uma tentativa de

contornar este problema através da “humanização” dos anticorpos do

rato, usando uma técnica desenvolvida por...

(5A) (...) A segunda geração de anticorpos agora em desenvolvimento é

uma tentativa de contornar esta falha através da “humanização” dos

anticorpos do rato, usando uma técnica desenvolvida por...

(5B) (...) A segunda geração de anticorpos agora em desenvolvimento é

uma tentativa de contornar esta janela imunológica através da

“humanização” dos anticorpos do rato, usando uma técnica desenvolvida

por...

O sintagma nominal encapsulador este problema, em (5), constitui uma

relevância acessada por um ambiente cognitivo gerado pela âncora referencial (...o

sistema imunológico dos pacientes reconheceu os anticorpos do rato e os rejeitou) e

pela sua parte conceitual (Isto significa que eles não permanecem no sistema por tempo

suficiente para tornarem completamente eficazes.). Este problema implica um

determinado grau de relevância em relação aos outros sintagmas nominais

encapsuladores esta falha e esta janela imunológica.

Ao processarmos as informações contidas na âncora e na sua parte

conceitual, nós construímos ambientes cognitivos diversos que são os conjuntos de

suposições as quais fazemos sobre aquilo que foi lido e que podem partir do dito ou não

dito, conforme já o dissemos.

No exemplo (5), o acesso a este problema dá­se por um ambiente

cognitivo criado pelos termos rejeitou, não permaneceu por tempo suficiente e tentativa

de contornar, que estão expressos na porção anaforizada e são interpretados por um

conhecimento enciclopédico. No campo das inferências lógico­analíticas, estes

evidenciam um problema que ainda busca­se resolver com o avançar das pesquisas

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científicas. Eis aqui o ambiente cognitivo de acesso ao sintagma nominal encapsulador

este problema. Ou podemos dizer também, eis aqui o ambiente cognitivo de acesso ao

sentido construído pela sinonímia por encapsulamento anafórico.

Em (5A), esta falha apresenta um segundo grau de Relevância acessado

por um outro ambiente cognitivo que já não é o mesmo de (5). Este ambiente cognitivo

dá­se a partir de inferências pragmático­cognitivas, também criadas pelos mesmos

termos rejeitou, não permaneceu por tempo suficiente e tentativa de contornar, mas

que vão além do conhecimento enciclopédico ou da lógica sentencial, nos remetendo a

conceitos socialmente partilhados e que nos levam a construir a idéia de uma pesquisa

que já foi terminada e ao ser posta em prática ocorreu uma falha inesperada. Eis então

um segundo ambiente cognitivo para o acesso ao sentido, parcialmente apoiado no dito.

Por último, em (5B), esta janela imunológica apresenta um terceiro grau

de relevância acessado por um ambiente cognitivo diverso de (5) e (5A). Usa­se aqui o

conhecimento de mundo e o conhecimento específico sobre o que é a AIDs, os seus

sintomas e o seu comportamento no corpo físico para a construção de um outro sentido

que se apóia menos ainda no dito, e muito mais naquilo que não é dito, naquilo que é

mais inferido sócio­cognitivamente. Eis o terceiro ambiente cognitivo para o acesso ao

sentido.

Nas três relevâncias encontramos um processo de inferência que vai da

inferência proposicional à inferência cognitiva. Aquilo que é inferido da âncora

referencial e da sua parte conceitual implica em diferentes Graus de Relevância que

resultam em novas suposições, e assim novas interpretações são dadas ao mesmo

enunciado.

Em (5), há um Grau de Relevância maior porque se faz um menor

esforço no processamento da informação para se chegar ao sintagma nominal

encapsulador este problema. Em (5A), o Grau de Relevância é menor do que em (5) e

maior do que em (5B), porque se faz um esforço moderado no processamento da

informação que resulta no sintagma esta falha. Em (5B), tem­se um Grau de

Relevância menor em razão de haver um maior esforço no processamento da

informação para se chegar ao sintagma esta janela imunológica.

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Quanto maior for o esforço e a energia mental gastos para operações

mentais como atenção, memória e raciocínio usados no processamento da informação,

menor será o Grau de Relevância porque as implicaturas contextuais ou as

inferências, como nós as temos chamado, terão menos evidências nos elementos do co­

texto, como em (5B). Inversamente, quanto menor for o esforço e a energias gastos,

maior será o Grau de Relevância porque se terá mais evidências informativas nos

elementos co­textuais.

Cabe­nos fazer uma pergunta agora: podemos afirmar que os sintagmas

nominais encapsuladores em (5), (5A) e (5B) não são sinônimos dos ambientes

cognitivos criados pelas inferências feitas a partir da porção textual anterior

anaforizada? A nossa resposta é não. Não podemos afirmar isso. Ao contrário, eles são

sinonímias construídas por uma equivalência sócio­cognitiva entre o ambiente cognitivo

criado a partir da âncora referencial e da sua parte conceitual e o sintagma nominal

encapsulador, que é o sentido dessa relação.

Simplifiquemos tudo da seguinte forma:

A­ Sintagma nominal encapsulador ou sentido em (5B): esta janela

imunológica;

B­ Porção textual anterior anaforizada (âncora referencial e sua

parte conceitual) em (5B):

... o sistema imunológico dos pacientes reconheceu os anticorpos do

rato e os rejeitou. Isto significa que eles não permanecem no sistema

por tempo suficiente para se tornarem completamente eficazes;

C­ Ambiente Cognitivo em (5B): a AIDs, os seus sintomas e o seu

comportamento no corpo físico;

Conclusão: A é sinônimo da equivalência sócio­cognitiva que há entre B

e C. Portanto, nesta relação de equivalência A=B=C=A.

A Teoria da Consciência Intencional de Husserl, que diz que os nossos

conhecimentos manifestam formas variadas de percepção dos objetos do mundo e que

estes têm sempre ângulos que podem nos remeter a outras formas de conhecimento,

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parece­nos ligar­se à Teoria da Relevância quanto aos Graus de Relevância que são

gerados por ambientes cognitivos mútuos ou não, e que evidenciam uma outra forma de

ver os objetos discursivos.

O contexto referencial, postulado por Husserl, também parece encaixar­se

no que Sperber e Wilson chamam de ambiente cognitivo, pois ambos são formas de

manifestação do nosso olhar abrindo um espaço que resulta em uma forma de ver as

coisas através das nossas vivências.

Tanto o contexto referencial quanto o ambiente cognitivo referenciam os

objetos de discurso mudando­lhes a interpretação pelos ângulos de observação, de

acordo com olhares inseridos em mundos particulares e coletivos de vivências sociais,

conforme já explicitamos. Ambos evidenciam um vasto campo de incalculáveis

possibilidades de fazermos julgamentos e construirmos ações que resultam em opiniões

sobre a forma como olhamos os objetos discursivos. Essas opiniões são as

interpretações as quais chegamos sobre algo ou, como temos defendido, são os sentidos

criados na sinonímia por encapsulamento anafórico.

Na Teoria da Relevância, um outro ponto importante para entendermos a

diversidade de possibilidades para o preenchimento do sintagma nominal encapsulador é

que no processo de compreensão, para Sperber e Wilson (1986), a interpretação não

pode ser comprovada, e sim apenas confirmada. Pois no processo de construção

inferencial não há garantias de linearidade, o que torna, como nos diz Silveira e Feltes

(1997:35), “a verdade das conclusões apenas provável, através de um processo de

formação de hipóteses – que supõe raciocínio criativo, analógico e associativo – e de

confirmação de hipóteses – que se ajusta ao conhecimento de mundo do indivíduo”.

Este é mais um ponto de congruência da Teoria da Relevância com a Teoria da

Consciência Intencional de Husserl.

Estas perspectivas explicam­nos o fato das informações contidas na âncora

referencial e na parte conceitual serem acessadas de diversos modos e construídas por

inferências variadas. No acesso à interpretação ocorre um processo de integração de

informações que culmina em quatro formas de processamento da interpretação ou

acesso ao sentido.

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Silveira e Feltes (1997:45) nos apresentam o esquema pelo qual, na teoria

de Sperber e Wilson, uma informação pode ser reforçada ou enfraquecida pelo

fenômeno chamado de força das suposições que é um tipo de efeito contextual

resultante da combinação de informações velhas com informações novas.

No caso da sinonímia por encapsulamento, nós enxergamos esse esquema

como um esquema de acesso ao sentido construído pelo processo de integração das

informações contidas na âncora referencial e na parte conceitual dos exemplos

trabalhados, como nos exemplos (5), (5A) e (5B). De acordo com Silveira e Feltes

(pg.45), o esquema de processamento da informação ou acesso ao sentido apresenta­se

da seguinte forma, podendo ser imbricadas:

(a)Por um input perceptual (visual, auditivo, olfativo, tátil, etc.);

(b)Por input lingüístico (decodificação lingüística), pela ativação de suposições;

(c)Pela ativação de suposições estocadas na memória (conhecimento enciclopédico e outros) ou esquemas de suposições, que podem ser completados com informação contextual;

(d)Por deduções, que derivam suposições adicionais.

No exemplo (5) observamos que os sintagmas rejeitou, não permanecem

no sistema imunológico por tempo suficiente e tentativa de contornar constroem um

ambiente cognitivo ou contexto referencial por meio de um input lingüístico que ativa

suposições lógicas que resultam no sintagma nominal encapsulador este problema.

(5) “ ...o sistema imunológico dos pacientes reconheceu os anticorpos do

rato e os rejeitou. Isto significa que eles não permanecem no sistema por

tempo suficiente para se tornarem completamente eficazes. A segunda

geração de anticorpos agora em desenvolvimento é uma tentativa de

contornar este problema através da “humanização” dos anticorpos do

rato, usando uma técnica desenvolvida por...”

Em (5A) temos novamente o input lingüístico dos sintagmas rejeitou, não

permanecem no sistema imunológico por tempo suficiente e tentativa de contornar.

Porém, nós temos concomitante a esse input lingüístico a ativação de outra suposição,

formada por um conjunto estruturado de conceitos, como já explicitamos. Essa

suposição resulta no sintagma encapsulador esta falha, que é construído por

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informações contextuais que nos levam, por exemplo, ao enquadre 58 ou frame de que se

trata de uma pesquisa terminada, mas quando posta em prática houve uma falha

inesperada. O que é diferente do enquadre ou frame criado em (5), de uma pesquisa em

andamento que apresentou um problema no seu teste.

(5A) “(...) A segunda geração de anticorpos agora em desenvolvimento é

uma tentativa de contornar esta falha através da “humanização” dos

anticorpos do rato, usando uma técnica desenvolvida por...”

Em (5B) o acesso ao sintagma encapsulador esta janela imunológica

ocorre devido à ativação de suposições estocadas na memória do interlocutor. Como

exposto antes, são inferências construídas por suposições adicionais acessadas pelo

conhecimento de mundo e também específico que se tem sobre a AIDS e suas

conseqüências no sistema imunológico de um indivíduo. A nossa análise indica que o

input lingüístico que serve de porta de acesso para a construção do sintagma esta janela

imunológica reside em informações contidas nos sintagmas o sistema imunológico dos

pacientes e não permanecem no sistema por tempo suficiente para se tornarem

completamente eficazes.

(5B) “ (...) A segunda geração de anticorpos agora em desenvolvimento é

uma tentativa de contornar esta janela imunológica através da

“humanização” dos anticorpos do rato, usando uma técnica desenvolvida

por...”

Este modo de interpretar as informações da porção textual anaforizada não

quer dizer que não possam existir outros sintagmas, no co­texto, para o input lingüístico

aqui nestes exemplos. O gatilho pode ser outro. As suposições, “conjunto estruturado

de conceitos” (Sperber e Wilson, 1986:85), são consideradas por estes autores como

um rótulo 59 , como um endereço para acessarmos as informações.

Assim, a relevância se define mediante um esforço de processamento da

informação. Do esforço de processamento derivam­se os chamados efeitos contextuais

que são as suposições as quais acessamos através das informações contidas na âncora

_ 58 Relembramos aqui idéia defendida por Marcuschi (2003a:5) de que “(...) uma vez determinado o enquadre tópico, o léxico passa a funcionar desse ponto de vista como produtor de sentidos possíveis”. 59 Já foi abordado no terceiro capítulo deste trabalho que Francis (2003) também considera esses sintagmas encapsuladores como rótulos.

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referencial e na parte conceitual da porção anaforizada dos exemplos trabalhados. Por

meio das suposições acessadas, nós construímos então o sentido de todo esse

processamento da informação que resulta no sintagma nominal encapsulador.

Isto quer dizer que o processo de interpretação, de construção do sentido

no encapsulamento anafórico, é uma via de mão dupla que se efetiva pela sócio­

interatividade construída entre os interlocutores. Ao escrevermos ou falarmos sobre

algo, nós criamos um objeto de discurso que pode ser visto por diversos ângulos. Daí

ser possível acessarmos diversos sentidos mediante um único objeto discursivo.

Por este aspecto, a construção do sentido torna­se mais que um

procedimento cognitivo, ela se torna um processamento sócio­cognitivo porque

envolve, em essência, “um constructo psicológico, constituído de um subconjunto de

suposições do ouvinte sobre o mundo, que afeta, e mesmo determina sua compreensão

do enunciado” (Silveira e Feltes, 1997:29).

No processamento sócio­cognitivo quando os interlocutores acessam o

mesmo contexto referencial (Husserl,1954) ou ambiente cognitivo (Sperber e

Wilson,1986), ou ainda contexto sócio­cognitivo (Salomão,1999; Marchuschi &

Koch,1998; Marchuschi,1998, Mondada e Dubois,2003; Mondada,1997), há então a

construção de sentido compartilhado entre falante e ouvinte, escritor e leitor. Quando

não, constroem­se sentidos diferentes, porém não menos possíveis de serem

considerados como pertinentes para uma interpretação.

Nós entendemos que quando Sperber e Wilson consideram o ambiente

cognitivo como, em essência, um constructo psicológico, conforme asseverou Silveira e

Feltes, aqueles dois acoplam ao ambiente cognitivo o caráter social que envolve os

acessos a esses ambientes. Por isso Sperber e Wilson consideram o ambiente cognitivo

como “um subconjunto de suposições sobre as coisas do mundo”. Esta perspectiva só é

possível se considerarmos o caráter social que está envolvido em toda e qualquer

interação.

De acordo com a Teoria da Relevância, nós podemos dizer que nas entrelinhas de

seus postulados há a compreensão de que os sentidos construídos discursivamente não

apontam para os objetos do mundo, mas para os objetos de discurso acessados pela

interação social. Não construímos o sentido DAS coisas do mundo, nós construímos o

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sentido SOBRE as coisas do mundo. Podemos entender este SOBRE como indicador de

que o sentido não é uma representação mental dos objetos. O sentido é necessariamente

uma operação sócio­ cognitiva, conforme afirmou Salomão (1999:71),

“na medida em que o sujeito nunca constrói o sentido­em­si, mas sempre para alguém (ainda que este alguém seja si mesmo). Construir sentido implica em assumir determinada perspectiva sobre uma cena, perspectiva que é também mutável no próprio curso da encenação”.

Em resumo, construir sentidos não é construir representações mentais.

Construir sentidos é acessar ambientes cognitivos mediante suposições feitas sobre os

objetos de discurso em uma interação discursiva. Na sinonímia por encapsulamento, o

sintagma nominal encapsulador apresenta um sentido construído pelos ambientes

cognitivos gerados pelas suposições feitas a partir das informações contidas na âncora

referencial e na parte conceitual da porção anaforizada. Os sintagmas nominais

encapsuladores este problema, esta falha e esta janela imunológica apresentam um

sentido construído, inferido a partir das suposições realizadas. O sentido, nestes casos,

apresenta, evidencia e não representa um ponto de vista conceitual que implica em

assumir determinadas perspectivas sobre o conteúdo da âncora referencial e da parte

conceitual anaforizada. O sentido é variável mediante o ângulo de observação.

Silveira e Feltes (1997:49) afirmam que para Sperber e Wilson (1986),

A Relevância é uma função de efeitos e esforços, ela é uma propriedade não­representacional da mente. A Relevância é “disparada”, simplesmente ocorre espontânea e inconscientemente, não é uma regra que se siga ou que se viole, como acontece com o Princípio de Cooperação e suas máximas. O que pode vir a ser representado são apenas julgamentos de Relevância. Quando estes ocorrem, são comparativos e intuitivos, nunca quantitativos (por exemplo: x é fracamente relevante, y é mais relevante que x, etc.).

As considerações acima, mais uma vez, nos permitem dizer que o sentido

na sinonímia por encapsulamento é o modo como um indivíduo compreende e interpreta

os ambientes cognitivos acessados a partir dos conteúdos da porção anaforizada,

construindo assim as diversas possibilidades interpretativas. Por isso podemos pensar

nos exemplos de encapsulamento anafórico como relações de equivalência sócio­

cognitiva que ocorrem entre o sentido construído e os ambientes cognitivos acessados.

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Motivados por esta razão dissemos, no nosso terceiro capítulo, que o

encapsulamento anafórico é mais que um recurso coesivo de integração semântica. O

encapsulamento anafórico é também um recurso de coerência e de interação de

ambientes cognitivos que resulta em uma equivalência sócio­cognitiva entre o sintagma

nominal e a porção anaforizada, constituindo­se, assim, em uma sinonímia por

encapsulamento anafórico sobre as bases de uma perspectiva sócio­cognitiva.

Na medida em que trabalhamos com a perspectiva acima, a sinonímia sai

da relação de identificação do significado para a relação inferencial e interacional da

significação. Marcuschi (1999:114), em Coerência e Cognição Contingenciada, aponta

o fato que na relação de identificação a pergunta a ser respondida é “o que significa

isso?” e a coerência é vista como “uma propriedade do texto que se acha presa a um

determinado uso do código e suas relações imediatas”. Já na relação de inferência e de

interação as perguntas a serem respondidas são, respectivamente, “o que ele quer dizer

com isso?” e “ o que entendemos com isso agora?”. Na relação de inferência, a

coerência é “resultado de processos inferenciais em contextos cognitivos complexos

onde a noção de relevância é central”. Na relação de interação, a coerência é vista como

“resultado coletivo, conjuntamente construída e, em muitos casos, de difícil identificação

fora do contexto em que foi produzida”.

Tudo isto que acabamos de expor nos leva a concluir que os sentidos que

nós construímos com a língua são instáveis e mutáveis 60 ; e é graças a essa possibilidade

de mutabilidade e instabilidade que possuem os sentidos que podemos organizar o

mundo, discursivamente, de inúmeras maneiras. A produção de coerência, de fato, como

nos aponta Marcuschi (1999:114), “é produção de sentido numa atividade conjunta”.

Portanto, considerar que a língua é constitutivamente instável e mutável 61

só é possível se concebermos que são os sentidos construídos com a língua que

proporcionam a esta a condição de ser constitutivamente instável e mutável. Não

_60 Leia­se mutáveis como variáveis. 61 Esta foi a conclusão a qual chegou Penna (2006:1314) no seu artigo Construção de sentidos por formas nominais: anáforas associativas; rotulações e (re) categorizações. “De tudo o que foi visto, conclui­se que a língua é constitutivamente instável (Revuz, 1998) e que é justamente da instabilidade que nasce a possibilidade de se construir sentidos; que textos progridem graças às muitas estratégias de construção dos objetos­de­discurso e que essas estratégias só são possíveis porque falante/produtor procede a escolhas passíveis de serem negociadas no ato enunciativo e joga com as inúmeras possibilidades de organização discursiva do mundo”.

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consideramos que por ser a língua instável é que nasce a possibilidade de se construir a

diversidade de sentidos. Ao contrário, é pela instabilidade e mutabilidade que os sentidos

apresentam que nós construímos possibilidades de se pensar com a língua de forma

infinitamente variável.

Ressaltamos que quando concordamos que o sentido é construído pelos

ambientes cognitivos acessados estamos dizendo também que estes formam o que

Salomão (1999:71) tem chamado de moldura (ou frame) da interação. Segunda esta

autora,

Do ponto de vista de Goffman (1986), toda interação comunicativa (ou todo encontro, como ele o denomina) é dramática, na medida em que participar dele é inserir­se numa determinada moldura (ou “frame”) e exercer dentro dela um papel comunicativo particular.

A possibilidade de variação do sintagma nominal encapsulador ocorre

porque nós estamos inseridos numa determinada moldura ou frame que vai categorizar

ou recategorizar os objetos de discurso. Assim, as molduras ou frames construídos se

configuram como um fundo estruturado de experiências, crenças e práticas constituindo

uma espécie de pré­requisito conceitual para se chegar à compreensão.

Por tanto, a sinonímia por encapsulamento não ocorre de forma direta,

palavra a palavra. Mas por integração de informações (Sperber e Wilson, 1986) que

eclodem tanto pelo que está armazenado na memória enciclopédica quanto pelo que está

na memória de mundo dos indivíduos, iluminando elementos particulares dos frames

construídos.

Sendo assim, nós podemos dizer que esta relação de sinonímia ocorre por

equivalência sócio­cognitiva entre frames. São os frames que vão servir de base para

construirmos os sentidos que são, por sua vez, perspectivas de um objeto discursivo.

Mediante o que temos discutido é possível dizermos que as relevâncias são

iluminações particulares dos frames que evidenciam um ponto de vista, uma

possibilidade de julgamento e ação que é a manifestação da opinião, como postula

Sperber e Wilson (1986) e Husserl (1954), podendo ser sempre revisada. Por isso a

sinonímia por encapsulamento anafórico não é linear, o sentido é tomado como

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provisório, torna­se por tanto uma hipótese que não pode ser provada e sim confirmada,

como asseguram Sperber e Wilson (apud Silveira e Feltes,1997:35).

Também acreditamos que a não­linearidade do sentido ocorre pelo fato

dos frames formarem conjuntos de atr ibutos e valores, pois estes nos oferecem um

meio natural de dar conta da variabilidade do sentido construído na sinonímia por

encapsulamento anafórico. Essa concepção encontra­se em Barsalou (1992). Até agora

vimos que o acesso ao sentido, na sinonímia por encapsulamento anafórico, pode

ocorrer através de uma relevância que nos leva a construção de frames possuidores de

atributos e valores. Vejamos agora como podemos acessar o sentido a partir de frames,

na concepção de Lawrence W. Barsalou (1992).

4.3­ O Acesso ao Sentido pela Construção de Frames: a teoria de atributos e

valores de Barsalou

No artigo Frames, Concepts, and Conceptual Fields 62 , Barsalou (1992)

busca mostrar que “os frames providenciam a representação fundamental do

conhecimento na cognição humana” 63 (p.21). Para este autor, essa noção de frame é

interessante por duas razões: primeiramente porque “oferece um meio natural de dar

conta da variabilidade contextual nas representações conceituais 64 ”, e depois porque “os

frames representam todos os tipos de categorias, incluindo categorias de seres

animados, objetos, lugares, eventos físicos, eventos mentais, etc” 65 (p.29).

A posição de Barsalou nos faz refletir sobre a variabilidade do

preenchimento do sintagma nominal encapsulador, como destacado nos exemplos (5),

(5A) e (5B). Na nossa perspectiva, os sintagmas nominais este problema, esta falha e

esta janela imunológica apresentam pontos de vista. Cada um dos pontos de vista

constitui um frame.

_62 As citações de Barsalou são traduções feitas por Marcuschi, na aula 8 do Curso de Lingüística Cognitiva, ministrado na UFPE em 2005. Este material encontra­se em mimeo. 63 “In this capter I propose that frames provide the fundamental representation of knowledge in human cognition”. 64 “Frames ofter a natural means of accouting for contextual variability in conceptual representations”. 65 “I assume that frames represent all types of categories, including categories for animates, objects, locations, physical events, mental events, and so forth”.

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Segundo a teoria deste autor, os frames possuem três componentes:

(a) Conjuntos de atr ibutos e valores;

(b) Invariantes estruturais;

(c) Condicionantes.

Todo frame possui um núcleo formador de um conjunto de atributos, que

são conceitos que descrevem um aspecto de um membro de uma categoria. Para cada

atributo, muitos são os valores que podem vir junto com ele. Por exemplo, o frame de

casa possui muitos atr ibutos como térrea, primeiro andar, quartos, cozinha, área de

serviço, banheiros etc. Todos são conceitos que descrevem um aspecto de casa.

Podemos juntar a esses atributos alguns valores como: térrea sem piscina, cozinha com

armários embutidos, quartos com suíte, área de serviço sem dependência de

empregada etc.

Em Barsalou não há a questão da lista de traços necessários ou suficientes

para uma categoria numa representação semântica. Para ele, em uma categoria como

‘casa’, há evidências de atr ibutos e valores que estão inter­relacionados, não há

independência de elementos como a lista de traços (Rosch,1978). Há características que

formam valores e outras que formam atributos. O exemplo que ele nos oferece é o

frame de carro. São atributos o motorista, combustível, motor e rodas. São valores o

motor de 4 cilindros, 8 ou 16; o combustível a gás, gasolina ou álcool, e assim por

diante.

Já dissemos que na sinonímia por encapsulamento anafórico, os sintagmas

encapsuladores evidenciam a maneira pela qual estamos interpretando o que foi dito

anteriormente, na porção anaforizada. Pela perspectiva de Barsalou, nós podemos

considerar o ambiente cognitivo de cada sinonímia por encapsulamento como um

frame­atributo porque evidencia o conceito que foi formado pela leitura da porção

textual anaforizada.

A porção anaforizada apresenta o que vamos chamar neste trabalho de

âncora­frame 66 . Assim como Marcuschi (2001) e Schwarz (2000) chamam de âncora

_ 66 Não existe em Barsalou o termo âncor a­fr ame e nem fr ame­atr ibuto ou mesmo fr ame­valor . Nós criamos estes termos a partir do que Barsalou considera como frame, atributo e valor e os aplicamos ao nosso objeto de investigação.

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referencial e não de referente, a porção textual anaforizada. Isto porque ela vai servir

de base, de âncora, para a construção do que vamos chamar de frame­atributo.

Por fim, o sintagma nominal encapsulador, que é o sentido, constitui o que

vamos chamar de frame­valor, pois é um conceito que está subordinado ao frame­

atributo. Ou seja, ele é um conceito valorativo do conceito de frame­atributo. Por isso é

que na sinonímia por encapsulamento anafórico a equivalência sócio­cognitiva existe

entre o ambiente cognitivo e o sintagma nominal encapsulador. Porque ambos formam

frames por atributos e valores que estão sempre inter­relacionados, pois os valores são

subordinados ao atributo, como referendou Barsalou (pg.31).

Os atributos e valores de um frame são construídos pelos nossos

conhecimentos de memória enciclopédica, construídos pelas nossas habilidades

perceptuais, pelas nossas atividades mentais nas quais estamos engajados nos momentos

de interação e pelas nossas vivências sociais. Percebamos que isto não é muito diferente

do esquema de processamento da informação de Sperber e Wilson (1986) 67 .

Podemos esquematizar tudo isso da seguinte forma, no exemplo (5B):

A­ Esta janela imunológica (sintagma nominal encapsulador ou sentido):

Frame­valor;

B­ Porção textual anaforizada (âncora referencial e sua parte conceitual):

Âncora­frame;

... o sistema imunológico dos pacientes reconheceu os anticorpos do

rato e os rejeitou. Isto significa que eles não permanecem no sistema

por tempo suficiente para se tornarem completamente eficazes.

C­ Ambiente Cognitivo (a AIDs, os seus sintomas e o seu

comportamento no corpo físico): Frame­atributo.

Conclusão: A é sinônimo da equivalência cognitiva entre a âncora­frame

B e o frame­atributo C. Continua então, nesta relação de equivalência, o

esquema A=B=C=A. Poderemos mudar quantas vezes for possível o item

C, que estaremos mudando também o item A. O que não pode mudar é a

_67 Este esquema encontra­se no subitem 4.2 deste capítulo.

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relação de equivalência sócio­cognitiva que deve haver sempre entre

ambos.

No exemplo (5A) o frame­atributo é uma pesquisa terminada que ao ser

posta em prática apresentou uma falha não esperada. O frame­valor é o sintagma

nominal encapsulador esta falha. Já em (5) o frame­atributo é uma pesquisa em

andamento aonde se busca resolver algo que não deu certo no avançar das pesquisas

científicas. O frame­valor é este problema, que é o sentido construído e apresentado

pela estrutura de um sintagma nominal encapsulador como vistos em (5A) e (5B). As

âncoras­frame continuam iguais para todos estes porque é a parte invariante.

Segundo Barsalou, “a definição de atr ibuto é extrínseca, dependente de

uma relação aspectual de um conceito com a categoria” 68 (pp.30­31). O que em um caso

consideramos como atributo pode não ser em outro caso, o que resulta apenas em um

conceito. Por o exemplo dado na pg. 108: casa térrea com piscina.

O conceito, para Barsalou, se define como “a informação descritiva que as

pessoas representam cognitivamente para uma categoria, incluindo informação

definicional, informação prototípica, informação funcionalmente importante e

provavelmente outros tipos de informação” 69 (p.31). Por esta perspectiva, Barsalou

postula que a forma como ele define conceito “assemelha­se vagamente a intenção e

sentido” (p.31). E que, em geral, ele assume que os frames representam todos os tipos

de conceitos.

Isto implica dizermos que tanto os atributos quantos os valores podem ser

chamados de conceitos. E trabalhar com conceitos, como é o caso de todos os

elementos envolvidos na sinonímia por encapsulamento anafórico, é trabalhar na

perspectiva de uma integração conceitual ou mesclagem conceitual que ocorre entre

frames 70 . Tanto os atributos quantos os valores implicam num determinado ponto de

vista de uma situação imaginada.

_68 “In this regard, the definition of attribute is extrinsic, depending on a concept’s aspectual relation to a category”. 69 “By concept I mean the descriptive information that people represent cognitively for a category, including definitional information, prototypical information, functionally important information, and probably other types of information as well. In this regard, my use of concept vaguely resembles intension and sense”. 70 Ver Fauconnier e Turner (2002).

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O curioso é que Frege (1978), em Sobre o Sentido e a Referência, nos

alerta para o fato de que o sentido pode recair sobre um conceito, sendo este último

tomado como sentido e ao mesmo tempo como conceito. Frege considera a trajetória de

um pensamento como um “juízo”, e se são os pensamentos diferentes são também os

juízos diferentes.

Sabemos que neste caso Frege considera “juízo” como a trajetória do

pensamento para o seu valor de verdade 71 . Se Frege não tivesse mencionado que esta

trajetória dirige­se para o um valor de verdade, nós até poderíamos pensar que há uma

fagulha de semelhança com a forma de pensar sobre o conceito descrita em Barsalou.

Um conceito não deixa de ser um “juízo de valor”, um sentido uma intenção, ou seja,

não deixa de mostrar uma trajetória do pensamento, mas não necessariamente para um

valor de verdade.

As invariantes estruturais, segundo fator formador de um frame,

constituem um outro aspecto pelo qual podemos explicar a sinonímia por

encapsulamento anafórico em exemplos onde o sintagma nominal encapsulador é um

nome geral. Para Barsalou 72 (p.35), as relações existentes entre conceitos são muitas

vezes comuns a todos os exemplares de uma categoria tornando­se de algum modo

invariáveis. E isto é o que ele chama de invariantes estruturais.

Este segundo aspecto liga­se ao terceiro aspecto que são os

condicionantes. De acordo com o autor 73 (p.37), as invariantes estruturais representam

relações relativamente constantes entre atributos de um frame. No caso de carro,

exemplo dado por ele, tem­se relações condicionantes entre o motor e o combustível

que se estabelecem normativamente e não mudam de carro para carro.

Os condicionantes mostram que as relações são ordenadas,

interdependentes e determinam valores globais dos atributos, como em transporte

temos relações entre velocidade e duração. Por exemplo, um avião se desloca em

menos tempo que um carro, e este em menos tempo que uma lambreta. Velocidade e

duração são condicionantes nas relações de invariantes estruturais, seja qual for o

_71 Esta questão encontra­se no subitem 2.2 do capítulo 2. 72 (...) “Because such relations generally hold across most exemplars of a concept, providing relatively invariant structure between attributes, I refer to them as structural invariants”. 73 “The structural invariants described in the previous section represent relatively constant relations between a frame’s attributes”.

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transporte pensado haverá sempre a relação de invariância ocasionada por

condicionantes que apresentam relações constantes, como em motor e combustível, e

velocidade e duração.

Isto é o que ocorre no exemplo (3) analisado no capítulo anterior:

A verdade, profunda anomalia do nosso sistema de televisão,

representa o peso do poder político. Este fato provocou uma

excessiva fragmentação da rede privada, sobretudo no Centro­Sul.

(Conte,1996:178).

De acordo com o que expôs Barsalou, nós podemos dizer que o sintagma

nominal encapsulador este fato, além de um frame­valor, constitui­se em uma invariante

estrutural, pois diz respeito a um conceito que é comum atribuir aos eventos

comunicativos em geral. A relação de condicionante dá­se entre evento comunicativo e

fato, imprimindo assim um valor, um conceito global para o sintagma nominal

encapsulador. Mas, lembramos que esta é apenas uma possibilidade para o

preenchimento deste sintagma nominal. O Valor poderia ser outro como, por exemplo,

esta declaração ou esta notícia. E aí não teríamos mais esta relação de invariância

estrutural.

Os frames por atributos, valores, invariantes estruturais e condicionantes são

todos conceitos os quais manipulamos de acordo com as várias situações nas quais

estamos inseridos e inserindo­se sempre, na medida em que interagimos com o mundo

construindo e reconstruindo o modo como compreendemos as coisas do mundo em

geral.

A construção de frames e as suas relações conceituais nos indicam um outro

caminho de acesso ao sentido para a construção e explicação da sinonímia por

encapsulamento. Mais do que operações cognitivas, os frames são operações sócio­

cognitivas por se mostrarem sempre interdependentes com o aspecto sócio­histórico­

cultural dos indivíduos no uso da linguagem, o que garante também uma não­linearidade

nas manifestações discursivas.

Tanto a teoria da Relevância de Sperber e Wilson (1986) quanto a teoria dos

Frames de Barsalou (1992) contemplam o caráter inferencial das relações conceituais,

ambas admitem que essas relações ocorrem em ambientes cognitivos ou frames

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formadores de diversos modos de interpretação que é, em essência, o sentido construído

nas interações discursivas sociais. As duas teorias nos fornecem caminhos de acesso ao

sentido e demonstram os aspectos cognitivos envolvidos na sinonímia por

encapsulamento. São perspectivas pelas quais podemos abordar o acesso ao sentido na

sinonímia por encapsulamento anafórico, ora pela escolha de uma Relevância, em seus

graus, ora pela construção de um frame por atributos, valores, invariantes estruturais e

condicionantes.

Em síntese, a teoria de Barsalou nos mostra a possibilidade de construirmos uma

série de atributos. Contudo, estes atributos têm uma limitação que lhes é imposta pela

experiência, pelas teorias, pela cultura etc. Isto é o que Barsalou (pg.34) nos diz no

trecho:

Clearly, an infinite number of attributes could be constructed for a category (Goodman,1995). In this regard, the human conceptual system is highly productive, although no person constructs all or even many of these potencial attributes. Experience, goals, and intuitive theories play important roles in constraining attribute construction. If people experience different exemplars of a category, they may represent different attributes for it. Once particular attributes become represented for a category, they determine relevance. If two people represent a category with different attributes, they encode its exemplars differently. Different aspects of the exemplar are relevant, because the perceivers’ respective frames orient perception to different information.

Os frames, ao formarem campos conceituais, propiciam combinações inúmeras

para ocorrência de outros conceitos, outros frames. Desse modo, a teoria de Barsalou

sobre frames, conceitos e campos conceituais nos oferece uma ampla possibilidade de

enxergarmos a relação de equivalência sócio­cognitiva que ocorre na sinonímia por

encapsulamento anafórico como uma relação que não é fixa e nem rígida, pois assim

como os frames, ela é dinâmica, flexível aos contextos diversos que podem ativar novos

atributos, portanto, novos pontos de vista, novos sentidos.

De acordo com Barsalou (pg.61) os frames correlacionam conceitos. E nesta

perspectiva de correlação podemos sempre produzir frames dentro de frames. Por esta

razão a sinonímia por encapsulamento pode construir diversos pontos de vista, com

diversos conceitos correlacionados. O sintagma nominal encapsulador é apenas um

resultado dessa correlação entre frames.

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A perspectiva dos atributos e valores demonstra que podemos considerá­los

como relevâncias pelas quais são apontadas possibilidades de diversos pontos de vista.

Por isso relacionamos, neste capítulo, a Teoria da Relevância de Sperber e Wilson com a

Teoria de Frames por Atributos e Valores de Barsalou. Estas também se encontram

inter­relacionadas com os postulados de Husserl, Moore e Mondada e Dubois

apresentados neste capítulo.

Pois, de uma forma geral, todas evidenciam que os sentidos são modos de

observação de objetos de discurso construídos por contextos referenciais ou ambientes

cognitivos gerados sempre por inferências.

Buscamos com todas as teorias, discutidas neste e nos outros capítulos, fechar a

nossa proposta de argumentação em defesa da existência do nosso objeto de

investigação que é a construção da sinonímia por encapsulamento anafórico desde

a perspectiva semântico filosófica até a perspectiva sócio­cognitiva, perspectiva

esta que nos dá condições de explicá­la, enxergá­la e torná­la um objetivo possível

de ser investigado em diversos gêneros textuais públicos porque ela existe como

objeto lingüístico.

E para finalizar o conjunto de todos os capítulos, nós escolhemos uma citação de

Salomão (1999:65) que nos é bastante apropriada para encerrarmos esta investigação

sobre a sinonímia por encapsulamento anafórico e os sentidos que esta constrói:

Escolher como objeto de lingüística os processos de construção do sentido, antes que a identificação de unidades estruturais ou a predição sobre seqüências bem­formadas é mudar substancialmente a agenda da disciplina. Não se trata de menosprezar os comprometimentos anteriores, cujo bom sucesso abriu campo (nos termos de Fauconnier, 1997,p.6) “para a investigação em larga escala dos fenômenos semânticos e pragmáticos”; na verdade, tais empreendimentos podem ser desenvolvidos em paralelo, ressalvando seu caráter epifenomênico.

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A posição de Salomão também é a nossa. A sinonímia por encapsulamento

anafórico pode ser investigada em paralelo com a sinonímia estudada pela semântica

formal. O que almejamos com os quatro capítulos apresentados foi ampliar o foco de

estudos sobre a sinonímia nos processos de textualização e nos processos de

referenciação anafórica indireta sobre as bases da perspectiva sócio­cognitiva. Desta

maneira, acreditamos estar trabalhando tanto aspectos do léxico quantos aspectos da

produção textual.

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CONCLUSÃO

Durante as discussões apresentadas nos quatro capítulos desta investigação

tecemos as nossas considerações argumentativas e também as nossas conclusões sobre a

sinonímia por encapsulamento anafórico e os sentidos construídos por ela. Ao

conduzirmos este tipo de sinonímia para chegarmos à perspectiva sócio­cognitiva, que

considera a língua como ação conjunta, nós sugerimos que a sinonímia por

encapsulamento anafórico possa ser vista como um fenômeno de textualização por

referenciação indireta essencialmente sócio­cognitivo, que ocorre por meio de uma

equivalência sócio­cognitiva entre os sentidos construídos por processos inferenciais.

Nós também sugerimos que o sentido seja considerado como é o modo pelo qual

compreendemos algo; como um ponto de vista; como uma possibilidade de

interpretação que se dá por uma relação de equivalência sócio­cognitiva que se

estabelece pelo viés de uma inferência.

Nós consideramos as afirmativas de Koch e Cunha­Lima (2004:283­286),

que por sua vez baseiam­se em Clark (1996), para evidenciarmos que na sinonímia por

encapsulamento o sentido possui finalidades, objetivos dinâmicos e variavelmente

flexíveis, tornando­se uma ação principal no discurso. São elas:

1­ Na sinonímia por encapsulamento anafórico, “os sentidos construídos possuem

finalidades comuns seja para divertir , argumentar, ironizar, elogiar, seja para

manter­se relativamente imparcial ou tomar partido de algo ou alguém, etc”;

podemos ver isto nos exemplos (2) e (4) analisados:

(2) A verdade, profunda anomalia do nosso sistema de televisão,

representa o peso do poder político. Este fato provocou uma

excessiva fragmentação da rede privada, sobretudo no Centro­Sul.

(Conte,1996:178).

Em (2), este fato pode ter finalidades como: 1) demonstrar imparcialidade

quanto ao discurso anterior; 2) seguir um manual qualquer de redação que exija esse tipo

de comportamento redatório; e 3) marcar um acontecimento ocorrido. A prova de que

existe uma finalidade definida é que se mudarmos o sintagma nominal podemos mudar a

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natureza da ação e construirmos outros sentidos. Por exemplo, esta declaração, esta

demagogia, esta manchete, este moralismo, etc.

(4) No fim, contudo, a luta contra a corrupção será vencida pelo

desenvolvimento dos próprios países­ não pelo mundo dos ricos.

Há sinais encorajadores: a Tailândia e o Zimbábue, entre outros,

estabeleceram comissões anticorrupção, embora elas nem sempre

cumpram o que prometem. (...). na Argentina e em outros locais,

advogados, que uma vez defenderam casos civis, agora lutam

contra a corrupção. Estes esforços nativos algumas vezes acabam

morrendo na casca.

Em (4), estes esforços nativos pode ter finalidades como: 1) demonstrar

uma ação de reconhecimento pelo que foi dito anteriormente; e 2) ironizar, com o apoio

da continuação da frase algumas vezes acabam morrendo na casca.

2­ Na sinonímia por encapsulamento anafórico, “os sentidos construídos possuem

objetivos dinâmicos e variavelmente flexíveis nas ações comunicativas, a depender

do tipo de interação, pois uns podem ser mais r itualísticos e previsíveis, enquanto

outros podem ser mais abertos estabelecendo a cada momento novos objetivos

comunicativos”;

Em (2) temos uma notícia. Se nos guiarmos, por exemplo, pelo Manual de

Redação da Folha de S. Paulo, este fato é uma ação comunicativa ritualística e previsível

para dar uma conotação “neutra” à posição assumida pelo jornal ou pelo jornalista a fim

de evitar comprometimento com o que foi dito, e isto pode ser inferido ao se ter esse

contexto.

Já em (4), também uma notícia, estes esforços nativos estabelece um novo

rumo para a ação comunicativa, pois o mesmo pode se tornar um argumento de

manipulação de opinião que pode ser desenvolvido ou não na interação, mas que será

sempre um sentido construído naquele ponto do discurso em relação ao que foi dito

anteriormente.

3­ Na sinonímia por encapsulamento anafórico, “o sentido é resultante da união de

uma série de outras ações conjuntas mais simples e que se organizam de forma

hierárquica, constituindo etapas da ação principal”.

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Por exemplo, em (4), ao observarmos a relação que se estabelece entre a

âncora referencial e a sua parte conceitual, que forma a porção anaforizada para

construção do sentido, apresentam­se outras ações comunicativas como: 1) luta pela

corrupção; 2) sinais encorajadores dados por países; 3) comissões anticorrupção; e 4)

elas nem cumprem o que prometem. O resultado da relação inferencial que se estabelece

entre todas estas ações converge para uma ação principal que é interpretar tudo isto

como esses esforços nativos.

Estas exemplicações servem para mostrar a possibilidade de variabilidade

do sentido na construção da sinonímia por encapsulamento anafórico, de forma a

sintetizar as discussões travadas em todos os capítulos. Não foi nosso objetivo investigar

as intenções dos falantes/escritores, mas sim apontar que esta sinonímia pode ser

estudada pela construção de sentidos com finalidades e objetivos definidos que

apresentam as intenções dos falantes/escritores.

As discussões teóricas e as análises dos exemplos mostram que na

sinonímia por encapsulamento anafórico a equivalência sócio­cognitiva entre o sentido

e o ambiente cognitivo inferido, a partir da âncora referencial e da sua parte conceitual,

não é resultante de uma imagem mental que alguém forma ao ouvir, por exemplo, a

palavra PAPAGAIO, que pode ser bem diferente para dois indivíduos dependendo da

imagem que projetam. Esta é uma teoria representacional defendida por psicólogos e

pesquisadores da inteligência artificial que postulam uma abordagem dos protótipos

mentais, uniformizando as imagens mentais dos indivíduos perante um termo, relegando­

as ao caráter privado. O que vimos não ser o caso da sinonímia em questão, pois as

imagens mentais vistas neste trabalho pela construção de frames mostram que estas

imagens são partes de um enquadre social e possuem um caráter público e particular,

desde que inseridos em uma coletividade e não em uma individualidade.

O sentido da palavra PAPAGAIO não é a imagem mental que criamos ao

ouvir esta palavra. Por exemplo, a imagem de uma AVE. O sentido que vai atribuir à

sinonímia por encapsulamento anafórico uma equivalência cognitiva é o modo como

interpretamos, compreendemos a palavra PAPAGAIO mediada por uma referência direta

ou indireta que se faz. Por exemplo: PAPAGAIO como AVE, como PIPA, como

ALGUÉM QUE VIVE A REPETIR O QUE OS OUTROS FALAM, como alguém que

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é TAGARELA etc. Isto pode ser explicado pela teoria dos frames e atributos

(Barsalou).

A equivalência sócio­cognitiva que ocorre entre o sentido e o ambiente

cognitivo inferido também não pode ser considerada, na sinonímia por encapsulamento,

como resultante de práticas e convenções sociais constitutivas de ações particulares que

produzem sentidos determinados por inferências lógicas em sentido estrito. Não se trata

aqui de implicaturas que devem, necessariamente, partir do dito e ir além dele

pressupondo uma obediência às máximas conversacionais ou uma violação a estas

máximas (Grice). A equivalência sócio­cognitiva considerada neste trabalho gera

premissas e conclusões implicadas, porém elas não precisam, necessariamente, partir do

dito (Sperber e Wilson). Como vimos no exemplo (5B), do capítulo 4.

Todos os argumentos defendidos por nós, neste trabalho, nos levam a

afirmar que a sinonímia por encapsulamento anafórico não se constitui APENAS como

uma relação entre palavras que denotam convencionalmente o sentido sob avaliações de

condições de verdade, conforme vimos com a Teoria Vericondicional. Todavia,

curiosamente, nós encontramos nas discussões travadas no capítulo 2, no qual

abordamos a teoria de Frege, uma brecha para enxergarmos os limites que podem levar a

sinonímia por encapsulamento anafórico para além da Teoria Vericondicional: quando

consideramos o sentido de uma sentença e a sua referência indireta é possível

constituirmos uma equivalência de natureza sócio­cognitiva.

A nossa avaliação final sugere a sinonímia por encapsulamento anafórico

como um fenômeno essencialmente sócio­cognitivo. Esta investigação integralmente

teórica pode servir de base para outros estudos teóricos mais aprofundados e também

práticos sobre sinonímia, processos de referenciação por anáfora indireta,

construção de frames, e também, para o estudo do aspecto lexical no processo de

textualização. Este último, foi o título e o tema do projeto de pesquisa de Marcuschi

(2004), no Projeto Integrado “Fala e Escrita: Características e Usos”, no departamento

de letras da Universidade Federal de Pernambuco, na sala do NELFE (Núcleo de

Estudos Lingüísticos da Fala e da Escrita).

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Finalizando, nós esperamos que este trabalho possa se tornar uma gota de

contribuição no imenso universo de pesquisas e estudos sobre o fenômeno da sinonímia,

da referenciação anafórica indireta, da produção de sentido e da organização tópica do

texto nos processos de textualização.

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