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16 Mackenzie O jeito calmo, tranqüilo de falar, explicar seu trabalho, em nada lembra as cenas de ação de Matrix Reloaded, um dos maiores sucessos da moderna ficção científica nas telas dos cinemas. Aliás, foi preciso muita paciência para criar o ambi- ente de ação do filme. O paulista Eduardo Gurman, 29 anos, hoje profes- sor de Computação Gráfica, Desenho Animado, Cinema, Áudio e Vídeo da Faculdade de Comunicação e Artes da Universidade Presbiteriana Mackenzie, ficou de novembro de 2000 a setembro de 2001 praticamente isolado do mundo, trabalhando como animador (tracker) para a empresa Cinema Cinema Um mackenzista em Matrix Eduardo Gurman trabalhou em Hollywood para criar os efeitos especiais de Matrix

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16 Mackenzie

Ojeito calmo, tranqüilo de falar, explicar seu trabalho,em nadalembra as cenas de ação de Matrix Reloaded, um dosmaiores sucessos da moderna ficção científica nas telas doscinemas. Aliás, foi preciso muita paciência para criar o ambi-

ente de ação do filme. O paulista Eduardo Gurman, 29 anos, hoje profes-sor de Computação Gráfica, Desenho Animado, Cinema, Áudio e Vídeo daFaculdade de Comunicação e Artes da Universidade PresbiterianaMackenzie, ficou de novembro de 2000 a setembro de 2001 praticamenteisolado do mundo, trabalhando como animador (tracker) para a empresa

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Um mackenzistaem Matrix

Eduardo Gurman trabalhou em Hollywood

para criar os efeitos especiais de Matrix

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duro, difícil, que exigiu dedicaçãototal, mas que valeu a pena. Afinal,não é todo o dia que aparece a opor-tunidade de chegar a Hollywood pelaporta da frente e trabalhar, de cara,em uma megaprodução”, exulta.

É inegável que além de boa dosede sorte e muita determinação, ascaracterísticas da família ajudaram.

O pai de Gurman é administrador,sua mãe designer de moda, o irmão,músico. O veio artístico é, pois,latente. Desde muito cedo, os paisfizeram constar da vida dos meni-nos as artes e os idiomas. Assim,nãohavia programação que não in-cluísse visita a museus, tanto noBrasil quanto na Europa.

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que cuidou dos efeitos especiais dedois novos filmes de Matrix, além dovideogame e os episódios em 3D.Eduardo conta que muitas cenas dofilme são totalmente virtuais – desdeos acessórios,como o bastão,passan-do pelos atores, lutas, teto, chão,parede, tudo foi criado a partir dosefeitos especiais. “Foi um trabalho

Formado em Desenho Industrial

pela Faculdade de Comunicação

e Artes Mackenzie, Eduardo Gurman

fez parte da equipe de animação

dos efeitos especiais do filme

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Chapéu

Por influência de uma prima quetrabalhava com artes gráficas, Gur-man decidiu estudar no Mackenzie,onde se formou (1998) em DesenhoIndustrial, com especialização emProgramação Visual.Ao mesmo tem-po, formava-se em Propaganda, naUniversidade Metodista (Unimesp).Profissionalmente, já trabalhara emprodutora de vídeo e em agência depropaganda, passando por váriasfunções, da contratação de atores àfinalização de áudio para rádio etevê. O próximo passo, já que sentiaque no futuro iria trabalhar no ramo,foi procurar curso no exterior. Nãosabia exatamente o que, mas queriaalgo abrangente e qualificado. Che-gou ao American Film Institute(AFI), depois de um ano e meio depesquisas. Só após concluir o cursodescobriu que se tratava da escolamais prestigiada dos Estados Unidos.

Palestras com Lynch,Doyle, Spielberg, Hanks

Foram quase seis meses entre oprimeiro contato, com envio deportfólio, até a entrevista final, aconference call, com três pessoas,em inglês, para que fosse aprovadopela AFI. Somente 100 pessoas porano são aceitas nas sete opções demestrado – direção, produção, fo-tografia, direção de arte, roteiro,edição e efeitos especiais. Eduardooptou por efeitos especiais, por terde manusear computador e traba-lhar com a especialidade. Foram 19meses,com aulas de segunda a sába-do, das 9 às 23 horas. No primeirodia de aula, palestra com o cineastaDavid Lynch, aula de direção de artecom um senhor de 96 anos – BobDoyle –, que foi diretor de arte damaioria dos filmes de AlfredHitchcock. E era sempre assim.Muitas e muitas aulas, com profis-sionais renomados do cinema ecom patronos como Steven Spiel-berg e Tom Hanks.

O toque de sorte veio pelas mãosde um colega de turma, o francês

com nome americano John Klepper,que trabalhava na Spectrum Studiose o indicou para um estágio. Gur-man foi e recebeu a tarefa de, emdez dias, aprender tudo sobre o pro-grama de manipulação de imagens,chamado EVA. No retorno, demons-trada sua capacidade, Eduardo rece-beu o contrato para assinar. Ima-ginou que seria para desenvolverum novo videogame, ou coisa pare-cida, por isso havia trabalhado fortena técnica de motion capture – ani-mação desenvolvida na medicinapara a reconstituição de órgãos per-didos. Feliz com o contrato, chegouà terceira página dele. Surpresa! Láestava escrito que ia trabalhar nosMatrix 2 e 3, com roteiro e direçãodos premiados irmãos Andy e LarryWachowski. A primeira reação foidar uma gostosa risada! Não eravideogame, mas a continuação dofilme que havia revolucionado osefeitos especiais há alguns anos.

O contrato trazia algumas cláusu-las que num primeiro momentoGurman estranhou: 1. Era proibidodizer que estava trabalhando no pro-

“Fico feliz em dar aulas, de passar um pouco do que aprendi, nesta escola em

que me formei e aprendi a amar. Visto mesmo a camisa do Mackenzie”

Cenas do filme que arrecadou

US$ 2,8 milhões na semana

de estréia no Brasil

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luminosos e feitos os “esqueletos”, opasso seguinte era a “envelopagem”dos personagens, a construção docorpo, com imagens de cada umdeles já capturadas em alta defini-ção,texturizado e iluminado.A partirdaí poderia ser construída a cena nocenário. Tudo virtual, baseado emmovimentos reais.

Keanu Reeves: “Experimente aquele bolo...”Foi uma experiência e tanto. O

roteiro do filme não circulava peloset. Só o que seria feito no dia e,mesmo assim, quando continha algomais vinha em vermelho para nãoser copiado.E,afinal de contas,não étodo dia que na hora do almoço, nafila do bandeijão, instalado alimesmo no set de filmagem – umgalpão de mais de 400 m2 –, KeanuReeves, bem atrás de você, lhe diz:“Experimente aquele bolo que estábem gostoso...”Trabalhar com estre-las desse porte também não requernenhuma atenção especial. Todossão muito profissionais, trabalhamcomo nós,com o mesmo objetivo.OKeanu normalmente era mais fecha-do, ficava o tempo livre dentro doseu trailer, mas na hora das cenassempre fazia o que era preciso. O

Lawrence Fishburne era um poucomais falante, às vezes batia um paporápido”, conta Eduardo. O queimpressionou o mackenzista foi oestilo de Fishburne,chegando todosos dias ao trabalho a bordo de umreluzente Aston Martin roxo.Reevesvinha num espartano Porsche.Outra surpresa foi o envolvimentoda atriz Carri-Anne Moss, que nãousou dublês para suas cenas eaprendeu a andar de motocicleta,apesar do medo que sente do veícu-lo de duas rodas. Uma verdadeiraaula de profissionalismo.

Terminado o trabalho, Gurmandecidiu voltar ao Brasil por contado mau momento nos EstadosUnidos, logo após os atentados de11 de setembro de 2001, e tambémpara colocar em prática o queaprendera. Abriu a produtora SyncProdução Digital, que faz efeitosespeciais, composição, aberturas deTV, animação em geral, vídeo insti-tucional e autoração de DVD, entreoutros serviços na área. Desdesetembro, leciona no Mackenzie.“Fico muito feliz em dar aulas, depassar um pouco do que aprendi.E,claro, nesta escola em que me for-mei e aprendi a amar.Visto mesmoa camisa do Mackenzie.”

jeto Matrix, para evitar que fosseseguido ao set de filmagens. 2. Porcausa do grande número de pessoasenvolvidas no filme, seu nome nãoapareceria nos créditos. Pensou rápi-do. Ora, se é esse o preço para par-ticipar de um trabalho de tal enver-gadura, que seja assim.“Foram pertode oito meses trabalhando dia enoite em Alameda, Califórnia (EUA),nos filmes Matrix Reloaded,Revolution e para o jogo Enter theMatrix, além das animações deAnimatrix, os episódios em 3D”,conta Eduardo. O salário? “Bem, nãoera nada especial, mas dava parapagar as despesas e viver digna-mente”, sorri.

A rotina diária era logo pelamanhã “vestir”os atores com pontosluminosos – até 46 deles, que se-riam capturados pelos computa-dores motion capture –, montandoo esqueleto de cada personagem.Os movimentos depois de feitoseram armazenados individual-mente. Havia contratempos. Àsvezes os pontos luminosos se sobre-punham e era preciso usar pe-quenos artifícios para identificarqual deles era de tal ator – issoquando não caíam ou saíam do lu-gar. Depois de definidos os pontos