CInElíngUA e REAlidAdE - Fil0s0fAm Os AUdi0visUAis (2015)

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    cinelngua e realidade: filosofam os audiovisuais?lo pimentel, amante da heresia,

    primavera, cerrado, 2015

    preldio:

    aps mais de um sculo de

    histria(s) de filmes1, passando pelos

    mais diversos recursos de

    visualidade e de som, e chegando at

    a uma crise de roteiros, onde se abre

    mo de experimentos narrativos

    visuais em prol da consolidao de

    uma nica forma de narrar histrias,

    o cinema, como conjunto abstrato

    onde esto contidos todos os filmes em sua(s) histria(s), pode ser visto como uma representaoimagtico-sonora animada (tecnologia intelectual) de modelos mentais (composies cognitivas que

    visam ser anlogas s estruturas objetivas) j criados por outros processos lingusticos (teatro,

    literatura, msica, pintura, fotografia, etc.) e reinventados a partir de sues prprios processos (tcnicas

    de filmagem, movimento de cmera, efeitos especiais, edio, etc.). sendo assim o cinema, enquanto

    um conjunto de modelos mentais pode ser pensado, ou como representao de um sistema ontolgico,

    por exemplo, uma representao daquele fornecido pela tradio filosfica ocidental, cuja base do

    pensar a lngua verbal flexional, que divide as coisas entre imaginrias, reais e ideias, ou como um

    sistema ontolgico propriamente dito que estabelece outra ordem das coisas por no mais pensa-las

    nem desde essa base lingustica nem desde o campo filosfico ocidental.

    dentro desse nosso horizonte inicial, cada filme pode ser considerado tanto uma representao

    interna de informaes que visa corresponder analogamente com aquilo que est sendo representado

    1Fao aqui a opo de falar em Histria de Filmes e no em Histria do Cinema por entender queambas so coisas bem diferentes. Entendimento mais bem esclarecido na obra Dilogo|Cinema deMarcia Tiburi e Julio Cabrera.

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    (obra de uma autora2), quanto expresso de uma parcela de um sistema ontolgico maior, como o

    anunciado anteriormente quando histria do cinema e filosofia do cinema o estudam apenas como

    linguagem, como regras de composio de ideias, sem que tal seja um modo de pensar independente

    da lngua verbal flexional. o audiovisual emerge desse universo cinematogrfico. no entanto, no se

    reduz a ele. na verdade, o audiovisual emerge como forma de compor pensamentos no qual tornapossvel o cinematogrfico ultrapassar seu nvel de linguagem e seguir rumo ao nvel de uma lngua

    mesma.

    ao estudar outra lngua, de modo geral, logo mergulhamos nela, quando percebemos que o

    ncleo de uma ideia quase sempre um verbo simples (ao/processo/estado) ou, quando

    reconhecemos primeira vista que, certos verbos so a base dessa lngua estudada (ncleo do sujeito

    e do predicado). interessante notar que, ao se mergulhar ainda mais profundamente na lngua

    estudada so a poesia e as grias de rua as expresses lingusticas mais ricas que nos fazem entend-

    la melhor. isso pela curiosa situao de que, toda lngua, se enriquece quanto mais so quebradas as

    regras de sua composio seja gramaticalmente, seja na inveno de novas palavras ou mesmo

    mudando completamente o sentido original de uma palavra. o prprio vilm flusser em seu livro lngua

    e realidade, que inspirou o ttulo do presente artigo, escreve:

    a palavrapoiein(fazer, produzir) deve ter raiz comum com a palavra latina ponere(pr). o poeta ,

    pois, um positor, que fornece a matria-prima para os com-positores, isto , os intelectos em

    conversao (flusser, 2012, p.146).

    pois bem, por analogia, na encruzilhada destes trs caminhos [(1) verbo ncleo de uma ideia;

    (2) verbos bases da lngua, e; (3) quebra das regras de composio], que podemos caminhar rumo a

    uma cinelngua3 e, com isso, aprender a pensar por meio dela: como um cinepensador que me

    proponho ser, de forma ousada, digo que o verbo simples (1) por traz de toda ideia cinematogrfica o

    pr, os verbos nucleares (2) que podemos ver primeira vista so seus derivados (contrapor, dispor,

    depor, compor, etc.) e as expresses quebradoras de regras de composio lingustica (3) so os

    audiovisuais estes magnficos positores que a todo tempo no deixam de se arriscar emexperimentos visuais e sonoros. riscos estes que no s se pem a pensar em seus contedos, como

    tambm se pem em formas que pensam.

    2 Na tentativa de superar o machismo presente na lngua portuguesa e paralelamente facilitar a

    leitura, tratarei o sujeito sempre como pessoa, de modo que sempre que eu me referir pessoa oupessoas, usarei o feminino, pois, em portugus, tal palavra feminina. 3Uso o termo lngua para ampliar o horizonte de compreenso do audiovisual para alm da sua

    costumeira determinao de arte, ou seja, para alm da compresso do audiovisual ser um conjuntode elementos que lhe diferencia de outra arte. uma manifestao autnoma muito mais profunda eplstica. Alm de possuir instrumentos e mtodos prprios de se comunicar, um modo autnomo depensar.

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    nota posicional para uma cinelngua

    antes de tudo, o verbo pr, e suas derivaes, no so um vocabulrio que se adota quando se vai

    compor um audiovisual s quando se fala sobre ele. mas, propriamente seu gesto originrio, seu

    gesto formador, gesto positor. a questo inicial que um audiovisual pe no um dizer como o mundo

    ; no um pensar verbal-flexional; sim um compor o mundo; sim um pensar composicional-

    multimodal. portanto, no a busca de um verdadeiro ou de um falso, ou ainda o estabelecimento de

    uma relao referencial com o mundo, mas sim a busca de como dispor um cosmos, ou um

    microcosmos, para se agir sobre ele, um propor, um suscitar uma realidade virtual para se jogar os

    jogos do intelecto e dos afetos contrapor, antepor, transpor, sobrepor/subpor, justapore, com isso,

    agir e reagir repor, depor, recompor, entrepor/superpor, pospor com o pensar e o sentir entre

    compositores e composies.

    imagerio4para uma cinelngua

    angulao: posio da cmera para compor a imagem filmada. por exemplo, ao se filmar algo para o

    cinema temos o plonge, o contra-plongee o inclinado que tem como objetivo gerar a

    impresso de diminuio, superioridade e inquietao.

    cena: espao e tempo onde tantos as imagens quanto o som, sejam ambos de qualquer forma

    gerados, so compostos/dispostos atuando uns com os outros. onde tambm

    encontramos a prpria representao desse espao mesmo em seus diversos momentos

    composicionais. e, ainda, funciona como horizonte de viso.

    movimentos de cmera: plano e angulao em movimento que acrescentam traos imagem, ou

    seja, tambm tanto um propositor quanto um elemento da imagem. podemos considerar

    tal movimentao propriamente como uma abstrao figurativa, comumentenegligenciada, por termos o hbito de trata-lo como um mero percorrer que simula o olhar.

    4 A lngua verbo-flexional possui seu VOCABULRIO (conjunto de palavras), do Latim

    VOCABULUS (palavra), derivado de VOCARE(chamar, falar), de VOX(voz) e sua Gramtica(conjunto de princpios que regem seu funcionamento), do Grego GRAMMATIKE TEKHNE (arte dasletras), de GRAMMA (letra), derivada de GRAPHEIN (escrever). Por analogia, proponho ainveno da palavra IMAGERIO para suscitar que, no caso do pensamento audiovisual, estes doishorizontes esto permeados um pelo outro. Ou seja, a arte das imagens tanto para cria-las quantopara combina-las/comp-las, anima-las e p-las em cena. Invento tal palavra para diferenci-la deImaginao (faculdade de representar objetos pelo pensamento) e Imaginrio (aquilo que sexiste na imaginao). Mas que, no entanto, partilha sua origem do Latim com ambas via oIMAGINARI(formar uma imagem mental de algo), derivada de IMAGO(imagem, representao) damesma raiz de IMITATI(copiar, fazer semelhante).

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    montagem: organizao do imagerio em um pensamentoeste mesmo que j composio. nela se

    d a noo de lngua o pensar tudo o que enquanto organizao numa forma

    determinada. mas com uma caracterizao diferente da lngua verbal-flexional, cuja

    gramtica lhe d a funcionalidade. a montagem a realidade, a forma e criao da lngua

    proposta.

    plano: direcionar o olhar, por enquadramento, para uma parte, partes ou para um todo em evidncia.

    no entanto, um direcionamento que no negligencia a circularidade prpria do olhar

    enquanto a direo apontada o olhar da espectadora circula pelo mostrado.

    sequncia: sucesso de cenas dentro de uma mesma unidade espaciotemporal.

    caracterizao de uma cinelngua

    desde parmnides a tradio filosfica ocidental nos ensina que pensar e ser so o mesmo. ou

    seja, que a prpria estrutura do pensar seria a mesma estrutura do ser partilham de uma mesma

    lgica universal. mundo e pensamento so correspondentes exatos, desde que, se descubra quais dos

    seus componentes tocam, ponto por ponto, uns aos outros: um mundo, um pensar. no entanto, as

    lnguas que se falam e por meio delas se pensam ao redor do planeta, no possuem a preciso

    estrutural necessria; no h, em nenhuma delas, a correspondncia exata ponto por ponto. preciso

    uma lngua absoluta que esteja acima de toda a multiplicidade de lnguas e de seus pensares. eis o

    desafio que a prpria tradio filosfica ocidental vem tentando solucionar ao longo de sculos. as

    filosofias de leibniz (caracterstica universal), rousseau (ensaio sobre a origem das lnguas), e

    wittgenstein (tractatus logico-philosophicus) so bons exemplos dessa tentativa: sendo a realidade

    independente das lnguas deve haver uma lngua da realidade.

    no entanto, mesmo que o pensar audiovisual tenha se desenvolvido tecnicamente dentro dessatradio, ele se recusa a compactuar na ntegra com o ensinamento acima mencionado. recusa

    estabelecer sua estrutura (lgica) desde aquela utopia semitica da linguagem absoluta um mundo

    independente das lnguas, figurado por uma estrutura lgica universal. recusa que no se pe por um

    acaso, mas sim por motivos profundos: (i) deixa de ser linguagem (cinematogrfica, no caso), que a

    diferencie de outras expresses artsticas, para se realizar como uma lngua dentre a multiplicidade de

    lnguas pensa-se audiovisualmente, no s se expressa artisticamente por meio do audiovisual; (ii)

    abre mo da pretenso ao absoluto (realizar a lngua do mundo), a ter uma estrutura semitica

    universal (correspondncia ponto a ponto com a realidade), engajando sua lgica interna, ao pr-se

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    desde particulares modos de ser pensa-se de formas/composies diferentes por habitar

    provisoriamente mundos diferentes inventados e propostos.

    o interessante aqui para ns que, na medida em que o audiovisual deixa de ser expresso de

    uma linguagem e passa a ser um pensar mesmo via uma lngua que lhe propicia, comeamos at

    mesmo a recolocar as questes da(s) filosofia(s) da linguagem. e no por autores como, por exemplo,

    poderamos comear a ver que, na cinelngua, ser e pensar at que pode parecer o mesmo, mas tal

    semelhana se daria por outras vias: s se daria porque a prpria lngua, seja ela qual for, quem

    prope, forma, cria e propaga um determinado mundo, uma determinada organizao ontolgica. o

    que nos diz vilm flusser em seu livro, j mencionado aqui, lngua e realidade. mas tal interpretao

    ainda tem suas pegadas na semntica ocidental: estrutural e universalista, mesmo que pensada

    diversificadamente e s margens da historiografia oficial da filosofia a linguagem ser, ontologia,

    mundo. ou ainda, pensar a cinelngua como semelhante proposta de pierre lvy em seu a ideografia

    dinmica (1998) forma de escrita, prpria dos suportes tcnicos contemporneos, cuja funo

    figurar e animar modelos mentais. semelhana que logo se desfaz, pois a base do proposto por esse

    filsofo a lgica de programao para fins de automao de ideias formuladas como hipteses

    direcionadas ao mundo numa relao de correspondncia com eleo que apenas acrescentaria uma

    espcie de quinta dimenso linguagem pensada dentro dessa tradio do ser e pensar so o

    mesmo: lngua-programar como acrscimo lngua-ser, lngua-forma, lngua-criao e lngua-

    propagao.

    a cinelngua aqui comea a se delinear como entidades psquicas intersubjetivas que servem

    de elemento ao pensar individual/coletivo. signos populares, anamorfoses inconscientes, imagens mais

    ou menos claras, rudos que podem ser reproduzidos e combinados vontade. seu modo de

    comunicar ideias no por meio do seu resultado final, ideia pronta, como por exemplo, se pensa ser

    um filme de longa ou curta-metragem, ou mesmo audiovisuais artsticos, comerciais ou experimentais;

    seu modo de comunicar ideias se d por meio do fazer mesmo, por meio do processo de compor tais.

    um compor que necessariamente ser coletivo ao ponto de que, individualmente, no se precise gerar,

    a todo o momento, mais e mais imagens ou sons do mesmo no processo de composio, gerar

    imagem e som, no est no horizonte da necessidade, mas sim est no da possibilidade. assim cada

    audiovisual, ou frao sua, gerado/a encarado como momento cognitivo comunitrio. e no como

    algo a ser capturado pela propriedade intelectual, patentes, direitos autorais e marcas registradas. isso,

    ao mesmo tempo em que, cada audiovisual, no negligencia a livre no-cooperao e o livre

    desengajamento gestos individualistas e privados do compartilhamento de arquivos, considerados

    atual e pejorativamente como pirataria. a cinelngua se faz ordinariamente para enriquecer a

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    imaginao e proporcionar pensamentos mais complexos (multimodais) do que os pensamentos

    verbais (monomodais) que, comumente, elegemos como o pensar por excelncia.

    cinelngua: uma lngua materna

    sendo este um texto, uma pea de pensamento verbal-flexional (no presente caso, um pensar

    via a lngua portuguesa), pelo qual estou fazendo uso para pensar sobre o audiovisual, uma pea de

    pensamento cintico-composicional (cinelngua), qual a relao que h entre ambas? a mesma que

    entre duas lnguas? ou seja, a da traduo? so lnguas paralelas? uma se pe como metalinguagem

    para se pensar sobre a outra? pois bem, digo que ambas as lnguas so to independentes e maternas

    que ao tentar, uma apontar outra, cada qual se torna elemento de composio para a outra, como se,

    o que ocorresse, fosse uma espcie de fuso nuclear. tanto a verbal-flexional pode tornar-se uma

    lngua pictrica-flexional, quanto cintica-composicional pode tornar-se uma lngua verbal-

    composicional. como experimento bem interessante pois podemos realizar intelectos at ento

    impensveis por ainda estarem dando cotoveladas nos limites de sua lngua em particular.

    em 2013 iniciei meus experimentos nessa direo. primeiramente escolhi um texto para

    cinematiz-lo: dos canibais de michel de montaigne (1972). a escolha se deu tanto pelo carter

    poltico-filosfico de seu contedo (escrito na poca da invaso portuguesa por estas terras) quanto

    pelo mesmo de sua forma, o ensaio. esse texto escolhido horizontaliza dois mundos (ontologias,

    realidades), mostrando a impossibilidade da existncia de um terceiro imparcial que pudesse servir

    como tribunal para avaliar qual dos dois seria o mais civilizado, ou o mundo da cultura de guerra do

    ocidente ou o mundo da cultura canibal dos tupinambs. minha cinematizao, a qual qualifiquei como

    sendo insurgente, visou ampliar e enriquecer a imaginao e os pensamentos sobre o tema. tambm

    foi inspirada na prpria atitude filosfica de montaigne, cuja importncia para a filosofia, foi a de

    instaurar o ensaio como estilo literrio de se filosofar. eu me perguntava: porque no pode acontecer o

    mesmo com o audiovisual? ou seja, ser um modo pelo qual filosofamos. assim minha insurgncia

    deveria ser distribuda tanto sobre seu contedo quanto sobre sua forma: meu audiovisual deveria ser

    a composio de um pensamento filosfico que, ao mesmo tempo em que se debrua sobre o assunto

    montaigniano, tambm intervm na prpria linguagem cinematogrfica. pois eu no pretendia fazer

    uma adaptao cinematogrfica do texto, muito menos ilustra-lo. minha ideia era de que, ao se tratar

    de canibais, que meu pensar audiovisual sobre o assunto canibalizasse o pensamento original de

    montaigne, tanto quanto a composio de minhas imagens, sons e legendas assim tambm o fizesse

    prpria linguagem do curta-metragem.

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    o resultado foi meu media-metragem dos canibaisuma cinematizao insurgente(2013).

    para aqui se ter uma ideia do que consegui com esse meu experimento; para que ele nos sirva como

    exemplo de um audiovisual filosofando; para se comear a visualizar o que venho anunciando e

    propondo no presente artigo, e; para incio de conversa; ofereo-lhes a frao de uma cartografia

    desse meu audiovisual para, em momento oportuno, a presente leitora possa navegar por suasimagens e sons e compor outro momento cognitivo comunitrio.

    dos canibaisfraes cartogrficas de um audiovisual filosfico

    na primeira parte de dos canibais, h um plano, que faz parte de uma sequncia intitulada

    espao da mercadoria. com um mesmo movimento de cmera, a espectadora convidada a

    percorrer a cena situada em braslia, onde h dois monumentos importantes na cidade separados

    apenas por uma rua: o memorial jk e o museu do ndio o primeiro simbolizando um morto que o

    desejam vivo e o segundo simbolizando um vivo que o desejam morto.

    a cmera inicia seu trao no gesto de saudao,

    ou de adeus, que a esttua de juscelino kubitschek5

    faz, desce do auto do monumento do memorial,

    atravessa a rua, sobe a rampa do museu e finaliza na

    postura guerreira da esttua de um indgena. o trao

    um arco cncavo. no exato momento em que a cmera

    atravessa a rua, nela em linha reta, de baixo para cima

    do enquadramento, atravessa outra sequncia de

    imagens: livros, dvds, fotos e notcias de jornais com o

    imaginrio colonizador s vistas. alm do barulho

    ambiente de carros (smbolos do progresso e da

    modernizao) ouvimos a leitura do seguinte trecho de

    um depoimento do militar e poltico portugus cunha

    leal, feito em 1961:

    "no exterminmos grupos humanos por consideraes ftuas de superioridade racial, tanto isso repugna aonosso modo de ser. fomos assim sbrios, modestos, humanos e trabalhadores. prefervel, mil vezesprefervel, o nosso colonialismo, honrado e progressivo, ao colonialismo de certos anti-colonialistas, emespecial o da rssia, com os campos de concentrao... e aos estados unidos da amrica do norte, com oseu odioso racismo interno."

    (cunha leal, 1961)

    5 Ex-presidente do Brasil cujo governo foi entre os anos de 1956 e 1960. Durante seu mandato

    construiu Braslia, a nova capital do Pas, inaugurada no dia 21 de abril de 1960.

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    outro momento que aqui escolhi para compor

    estas fraes cartogrficas a sequncia final do meu

    audiovisual intitulada ano primeiro: onde no h vazio

    que o estado possa preencher.... o plano dado por

    uma cmera fixa sem angulao num recorte chamadomeio primeiro plano. a sequncia a exibio na

    ntegra do curta-metragem lamento (2007), uma

    espcie de ritual funeral que contrape o mundo

    indgena e o mundo no-indgena brasileiro, projetado

    em minhas costas e em uma parede a qual me

    encontro de frente ela. a cena segue at que a

    imagem de uma indgena nua me encara. medidaque o curta-metragem, dentro do meu media, se

    desenrola, eu vou me despindo at ficar nu, tal qual a

    indgena que antes me encarou. vou embora da cena enquanto seguem as imagens de uma cidade e

    seu barulho de trnsito. todo o udio o som endgeno do lamento sendo exibido, que o choro

    ritual de um funeral bororopovo indgena que vive no estado de mato grosso (mt).

    dos canibais uma cinematizao insurgente est disponvel na ntegra em:

    https://youtu.be/8hwjbxdf2ks.

    concluso

    com a cinelngua a noo de realidade tambm est em jogo. portanto, um filosofar audiovisual

    nasce daqui.

    https://youtu.be/8hwJbxDf2kshttps://youtu.be/8hwJbxDf2kshttps://youtu.be/8hwJbxDf2ks
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    horizonte bibliogrfico

    flusser, vilm. lngua e realidade. so paulo: editora annablume, 2012.

    lvy, pierre. a ideografia dinmicarumo a uma imaginao artificial?. so paulo: edies loyola, 1998.

    montaigne, michel de. ensaios. vols. 1 e 2, coleo os pensadores. so paulo: ed. nova cultural, 1972.

    tiburi, marcia, cabrera, julio. dilogo/cinema. so paulo: editora senac so paulo, 2013

    filmografia

    dos canibaisde michel de montaigne, uma cinematizao insurgente. direo, engenharia de som e

    montagem de lo pimentel souto. produo autnoma por lo pimentel souto e sandra m. nascimento,

    2013. digital.

    lamento. direo de kim-ir-sem. montagem de janurio leal. som de um choro ritual de um funeral

    bororo-mt. produo de kim-ir-sem. kimage, 2007. digital.