CieNcia Versus Pseudo-CieNcia II - Renato Vicente

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Cap´ ıtulo 5 Ciˆ encia e Pseudociˆ encia Por milhares de anos temos procurado entender fenˆ omenos naturais e artifi- ciais (criados pelo homem). Nesta tentativa criamos uma grande variedade de campos de estudo: antropologia, astrologia, astronomia, biologia, qu´ ımica, criacionismo, divina¸ ao, geografia, geologia, hist´ oria, homeopatia, iridologia, nu- merologia, quiromancia, frenologia, f´ ısica, psicologia e sociologia. S´ o para citar alguns. Olhando a lista acima ´ e possivel que vocˆ e tenha a tendˆ encia de sepa- rar os campos em dois grupos. Em um estariam: antropologia, astronomia, biologia, qu´ ımica, geografia, geologia, hist´ oria, f´ ısica, psicologia e sociologia. No outro grupo estariam: antrologia, criacionismo, divina¸ ao, homeopatia, iridolo- gia, numerologia, quiromancia, frenologia. Os membros do primeiro grupo vocˆ e, provavelmente, tenderia a denominar de ciˆ encias. Ambos os grupos tentam es- tudar a natureza de uma forma fundamental, no entanto os do segundo grupo ao qualificariam para a categoria de ciˆ encias. Para entendermos porque estas ´ areas exclu´ ıdas n˜ ao qualificariam como ciˆ en- cias verdadeiras come¸ caremos por examinar quais s˜ ao as caracter´ ısticas t´ ıpicas da atividade realmente cient´ ıfica. Ap´ os isso, compararemos estas atividades com aquelas comuns nas ´ areas exclu´ ıdas. 5.1 etodo Cient´ ıfico Falar sobre o “m´ etodo cient´ ıfico”sem fazer ressalva alguma ´ e uma empreitada temer´ aria. Assim sendo, come¸ camos fazendo uma observa¸ ao delimitadora. Apesar de haver alguns pontos em comum entre, por exemplo, a teoria da gravita¸ ao universal e as teorias da psicologia, suas diferen¸ cas metodol´ ogicas ao muito maiores. Para n˜ ao prolongar em demasia a polˆ emica neste ponto, nos limitamos a dizer que o modelo de m´ etodo cient´ ıfico que apresentaremos a seguir ´ e aquele inspirado pelo paradigma newtoniano, exemplificado pela teo- ria da gravita¸ ao universal. As demais ´ areas s˜ ao, portanto, mais ou menos cient´ ıficas em compara¸ ao a esse paradigma. O modelo newtoniano de ciˆ encia pode parecer bastante misterioso quando 53

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CieNcia Versus Pseudo-CieNcia II - Renato Vicente

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  • Captulo 5

    Ciencia e Pseudociencia

    Por milhares de anos temos procurado entender fenomenos naturais e artifi-ciais (criados pelo homem). Nesta tentativa criamos uma grande variedadede campos de estudo: antropologia, astrologia, astronomia, biologia, qumica,criacionismo, divinacao, geografia, geologia, historia, homeopatia, iridologia, nu-merologia, quiromancia, frenologia, fsica, psicologia e sociologia. So para citaralguns. Olhando a lista acima e possivel que voce tenha a tendencia de sepa-rar os campos em dois grupos. Em um estariam: antropologia, astronomia,biologia, qumica, geografia, geologia, historia, fsica, psicologia e sociologia. Nooutro grupo estariam: antrologia, criacionismo, divinacao, homeopatia, iridolo-gia, numerologia, quiromancia, frenologia. Os membros do primeiro grupo voce,provavelmente, tenderia a denominar de ciencias. Ambos os grupos tentam es-tudar a natureza de uma forma fundamental, no entanto os do segundo gruponao qualificariam para a categoria de ciencias.

    Para entendermos porque estas areas excludas nao qualificariam como cien-cias verdadeiras comecaremos por examinar quais sao as caractersticas tpicasda atividade realmente cientfica. Apos isso, compararemos estas atividadescom aquelas comuns nas areas excludas.

    5.1 Metodo Cientfico

    Falar sobre o metodo cientficosem fazer ressalva alguma e uma empreitadatemeraria. Assim sendo, comecamos fazendo uma observacao delimitadora.Apesar de haver alguns pontos em comum entre, por exemplo, a teoria dagravitacao universal e as teorias da psicologia, suas diferencas metodologicassao muito maiores. Para nao prolongar em demasia a polemica neste ponto,nos limitamos a dizer que o modelo de metodo cientfico que apresentaremos aseguir e aquele inspirado pelo paradigma newtoniano, exemplificado pela teo-ria da gravitacao universal. As demais areas sao, portanto, mais ou menoscientficas em comparacao a esse paradigma.

    O modelo newtoniano de ciencia pode parecer bastante misterioso quando

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  • 54 CAPITULO 5. CIENCIA E PSEUDOCIENCIA

    apresentado em toda riqueza de detalhes. Em essencia, no entanto, este modeloe bastante simples. Os cientistas simplesmente tentam obter um entendimentofundamental dos processos da natureza.

    De uma forma ou de outra, todos educados na sociedade moderna utilizamo raciocnio cientfico com mais ou menos intensidade. Por exemplo, se voceouvir um barulho estranho no meio de uma noite fria, pode ser interessanteentender a causa do barulho para evitar surpresas desagradaveis. Voce podeconjecturar que a causa do barulho e seu cachorro Tico-tico correndo atras deseus gatos Bolao e Azeitona. Este cenario nao apresentaria risco algum e suadecisao certamente seria continuar em sua cama quentinha. No entanto, parater certeza, voce levantaria da cama, ascenderia algumas luzes, procuraria porevidencia que confirmasse sua conjectura (como por exemplo, aquela abajurtombado na sala, ou Bolao se escondendo embaixo da cama, ou Tico-tico comcara de culpado).

    Utilizemos entao o exemplo acima para um analise mais sistematica. Fre-quentemente, a ciencia comeca com observacoes. Voce, neste caso, observouum barulho estranho no meio da noite. Se seu entendimento da situacao, ouhipotese, for correto, voce sera capaz de predizer que o rudo foi causado porseu cachorro preseguindo seus gatos. Voce entao realiza um experimento aolevantar da cama e procurar por evidencias.

    Se o resultado do experimento nao for o que voce havia previsto (por exem-plo, Tico-tico, Bolao e Azeitona estao dormindo sussegadamente), entao seu en-tendimento, ou hipotese, e inadequado e voce precisa reformular sua hipoteseinicial. Ja se o resultado experimental concordar com sua previsao, entao vocepodera aumentar sua confianca na hipotese. Isso nao significa de forma algumaque voce provou esta hipotese, ja que a mesma evidencia poderia ter sido pro-duzida, com probabilidade menor, por um ladrao que tivesse invadido sua casa ederrubado o abajur. Cientistas ideais devem estar sempre abertos paratodas as alternativas.

    Outra forma que os cientistas empregam para testar hipoteses e a analiseda consistencia com exemplos pre-existentes e que nao foram utilizados na for-mulacao inicial da hipotese (por que?). Por exemplo, se voce for visitar umadeterminada regiao e observar que chove toda tarde durante sua semana de es-tadia, voce poderia avaliar a hipotese de que na regiao ocorrem chuvas rapidastodas as tardes durante o ano inteiro, nao so prevendo que chovera amanha atarde, mas tambem consultando relatorios de clima publicados nos jornais nosultimos meses. Se sua busca revelar perodos longos de seca, voce tera que reversua hipotese.

    Cientistas, tem, portanto, duas formas para avaliar hipoteses: tentandofazer previsoes e procurando por exemplos consistentes pre-existentes com ashipoteses. Em princpio, a obrigacao do cientista profissional, bem como dequalquer um que afirme utilizar raciocnios cientficos, e a contnua utilizacaode tecnicas para avaliacao de hipoteses. Este tipo de comportamento e aunica garantia de que falsas crencas nao perdurarao.

  • 5.1. METODO CIENTIFICO 55

    5.1.1 Observacoes cientficas

    Examinemos agora de perto como a ciencia observa e avalia fenomenos de formaa sermos capazes de contrastar as atitudes da ciencia com as da pseudociencia.

    Observacoes sao os fatossobre os quais as hipoteses se baseiam. Estesfatos aparecem quando percebemos a ocorrencia de particulares eventos, taiscomo nveis de rudo medidos por um medidor de intensidade sonora ou chuvasregistradas por um pluviometro.

    Uma caracterstica crucial: hipoteses cientficas devem estar relacionadasa eventos observados ou a explicacao de eventos observados. Na maioria dotempo, em nossa vida cotidiana, nossos sentidos sao confiaveis. Frequentementeeles nao sao. Eventos podem parecer reais quando nao sao.

    Cientistas tem que sempre ter em mente as limitacoes e vieses cognitivos dosseres humanos. Para isso e necesario procurar por medidas objetivas que possamser repetidas por qualquer um com os mesmos resultados. A atividade cientficae fundalmentalmente democratica e egualitaria. A evidencia objetiva deveestar sempre acima da autoridade ou celebridade de um ou outroindivduo.

    Percepcoes da realidade sao influenciadas pelos conhecimentos e crencasprevios do observador. Percepcoes sao aprendidas assim ha uma tendencia damente ver aquilo que se espera ver. Por exemplo, as mentes das pessoas queacreditam em OVNIs podem construir imagens de OVNIs onde so ha luzes noceu. Essencialmente, as pessoas transformam Eu nao acreditaria se nao tivessevisto umem Eu nao veria se eu nao acreditasse.

    5.1.2 Hipoteses cientficas

    Frequentemente mais de uma explicacao e consistente com as observacoes. Senenhuma evidencia experimental esta disponvel para que uma escolha possa serfeita entre hipoteses adversarias, os cientistas, por princpio, escolhem a hipotesemais simples como aquela com maior probabilidade de estar correta. Este tipode enfoque e conhecido por crivo de Occam, devido ao filosofo medieval inglesWilliam of Occam. Basicamente, assume-se que a hipotese mais simples nao estanecessariamente correta, mas a opcao pelo aumento de complexidade e entendidacomo algo que dependa crucialmente das evidencias experimentais. Suponhaque, apos uma aula na qual voce tenha feito algumas afirmacoes publicas sobreo assunto discutido, voce veja seu professor em um supermercado. Por algummotivo ele vem em sua direcao, mas o ignora completamente.

    Uma possvel explicacao para o comportamento de seu professor e acreditarque ele reconheceu voce, mas acha que voce foi tao grosseiro em suas afirmacoesque ele prefere ignora-lo. Outra possibilidade e acreditar que ele reconheceuvoce, mas acha que seus comentarios foram tao imaturos e inadequados queprefere ignorar completamente a sua existencia. Uma terceira possibilidade eacreditar que ele e tao elitista que prefere nao perder seu tempo com alunos.Utilizando o crivo de Occam um cientista buscaria a explicacao mais simplescomo primeira aproximacao mais plausvel na ausencia de novas evidencias. Por

  • 56 CAPITULO 5. CIENCIA E PSEUDOCIENCIA

    exemplo, que ele nao conhece voce bem o suficiente para lembrar de sua face.Para a construcao de hipoteses a partir de observacoes, os cientistas em-

    pregam a logica indutiva. Na logica indutiva, utilizam-se exemplos especficospara dar suporte ou rejeitar hipoteses gerais. A linguagem formal para a logicaindutiva e a teoria de probabilidades. Simbolicamente teramos as observacoes(Oj) levando a hipotese H1:

    O1, O2, O3, ..., On H1

    5.1.3 Previsoes cientficas

    As hipoteses cientficas devem ser tanto explanatorias quando preditivas. Elasajudam a explicar as causas gerais daquilo que e observado ao mesmo tempoque possibilitam a previsao daquilo que deveria ser observado.

    Para derivar previsoes a partir das hipoteses emprega-se a logica dedutiva. Oraciocnio dedutivo toma as hipoteses como premissas e prediz o que ocorreriase as hipoteses fossem verdadeiras. Do ponto de vista logico, a previsao seravalida se as hipoteses tambem forem. Da mesma forma, se as previsoes foremfalsas, pelo menos uma das hipoteses tambem o sera. Simbolicamente teramosas observacoes as hipoteses Hj prevendo as observacoes (Oj):

    H1,H2, ...Hn O1, O2, O3, ...

    5.1.4 Experimentos cientficos

    Fazer predicoes e relativamente facil quando comparado a conducao de um ex-perimento para testa-las. As variaveis experimentais tem que ser controladas emonitoradas rigorosamente. Quaisquer vieses do experiemento ou experimenta-dor tem que ser eliminados ao maximo e as condicoes e resultados experimentaistem que ser divulgados de forma precisa de forma que outros experimentais pos-sam repetir o experimento, comparar os resultados e resolver discrepancias.

    5.1.5 Revisao cientfica

    Do ponto de vista logico, se um experimento for planejado apropriadamente e osresultados experimentais concordarem com o previsto, a hipotese sera apoiadaate que seja testada novamente. Se os resultados experimentais nao concordaremcom o previsto, as hipoteses deverao ser revisadas ou ate mesmo descartadas.Portanto, cientistas nao devem se tornar emocionalmente ligados assuas hipoteses. Embora a comparacao entre os resultados experimentais e asprevisoes possa ser difcil, ha tecnicas estatsticas que permitem determinar quale o erro esperado entre o experimento e as predicoes. Assim, o refinamento dasprevisoes e mais experimentos podem ser necessarios para eliminar duvidas.

  • 5.2. PSEUDOCIENCIA 57

    5.2 Pseudociencia

    Teorias que anseiam pelo selo de cientficas tem que passar pelo crivo dos padroesrigorosos exigidos pela ciencia. Para garantir que todas as teorias satisfacamestes padroes e essencial que as pessoas sejam cientificamente alfabetizadas. In-felizmente, a batalha contra a pseudociencia e particularmente difcil. O publicole mais sobre pseudociencia e sobre misterios ocultosdo que sobre ciencia deverdade. Livros pseudocientficos vendem milhoes de copias. Alem disso, opublico ainda e bombardeado por todo tipo de pseudociencia na forma de se-riados de TV e filmes. Hoje em dia e possvel produzir efeitos especiais taoconvincentes que muitos tem dificuldades em distinguir entre realidade e fanta-sia.

    Como resultado, o numero de pessoas que conseguem distinguir entre cienciae pseudociencia e pequeno e pode ate diminuir. Mais pessoas acreditam em per-cepcao extrasensorial do que em evolucao. Ha mais astrologos do que astronomos.A tendencia a crenca em pseudociencia e global. De certa forma esta tendenciacorresponde a busca das pessoas por poderes especiais e pessoais, promessasde cura para doencas, promessas ate de continuidade infinita para a existencia.A pseudociencia oferece respostas imediatas e certas, satisfazendo poderosasnecessidades emocionais.

    Os cientistas tentam explicar os fenomenos naturais bem como os fenomenosartificiais. Eles tambem tentam explicar fenomenos supostamente sobrenatu-rais, que parecem violar a ordem natural das coisas mas na verdade tem ex-plicacoes perfeitamente naturalistas. Em resumo, um fenomeno que ainda naofoi explicado nao e necessariamente sobrenatural.

    Por exemplo, para os gregos antigos, uma tempestade de granizo era umadas formas que Zeus tinha para mostrar que estava zangado. Para o meteoro-logista moderno, uma chuva de granizo resulta de correntes ascendentes de arque carregam gotas de agua que congelam rapidamente nas camadas frias daatmosfera. Isto pode ocorrer repetidamente e quanto mais frequente maiores osgranizos serao.

    A explicacao cientfica para um fenomeno pode ser possvel em termos dasteorias ja disponveis ou pode requerer a revisao de uma teoria. O modelo dosistema solar, que ja foi geocenctrico, hoje e heliocentrico. O modelo geologicoda Terra no incio do seculo vinte tinha dificuldades em explicar a aparentemigracao dos continentes, ate que um mecanismo fosse proposto juntamentecom com forcas geradas por correntes de magma abaixo dos continentes. Omecanismo genetico que possibilitou uma explicacao para a teoria da evolucaode Darwin apenas se tornou possvel com a determinacao da estrutura do DNA,que, por sua vez, somente se tornou possvel com a descoberta dos raios X.

    A tarefa da ciencia consiste da tentativa de fornecer explicacoes naturalsticaspara todos os fenomenos observaveis. Esta tarefa teve incio com a teoria dagravitacao universal de Sir Isaac Newton cuja afirmacao principal e a atracaomutua exercida pela forca gravitacional entre quiasquer corpos com massa naonula. Esta teoria descreve uma forca atrativa invisvel entre macas e o planetaTerra e preve que uma bola chutada para o alto a velocidades nao muito altas

  • 58 CAPITULO 5. CIENCIA E PSEUDOCIENCIA

    necessariamente acabara retornando ao solo.Antes da descoberta de leis especficas para rege-los, fenomenos como os des-

    critos pela gravitacao poderiam ser encarados como sobrenaturais ou magicos.De certa forma a magia e a ciencia nao sao estranhas uma para a outra. Porexemplo, ha rochas estranhas capazes de atrair pedacos de metal. Esta forca in-visvel era misteriosa ate que cientistas descobriram o fenomeno do magnetismoe descreveram em detalhes suas leis (na mesma linha que Newton descreveu asleis da gravidade). Nao ha nada magico nestas rochas, apenas a presenca deuma especie mineral que veio a ficar conhecida como magnetita. Uma pessoaque desconheca o fenomeno do magnetismo pode ser levada a acreditar que arocha magnetica e magica por outra que diga abracadabrae depois apresenteo fenomeno de atracao. A maioria das pessoas aprecia o efeito de suspensaoda realidade possibilitado pela ideia de magica. Frequentemente esta suspensaopode ser emocionalmente reconfortante.

    5.2.1 Observacoes pseudocientficas

    Comparemos agora o uso cientfico de observacoes, hipoteses, predicoes, experi-mentacao e revisao com o uso pseudocientfico.

    As observacoes sao os fatos sobre os quais se baseiam as hipoteses. Quandoha vies por parte do experimento ou experimentador as observacoes produzidaspodem nao corresponder a realidade objetiva do experimento 1. Pessoas comcrencas muito arraigadas podem ser levadas a imaginar ter visto algo que, naverdade, nao esta ocorrendo. Em particular quando os eventos observados foremintimamente relacionados a estas crencas. Por esse particular aspecto, relatospessoais sao um tipo de evidencia muito pouco confiavel. A tendencia e orelato de observacos que reforcem a crenca e o descarte sistematico de evidenciascontrarias.

    A honestidade dos relatos de resultados e um dos pilares da comunicacaocientfica. Quando uma fraude e descoberta a punicao imposta pela comunidadecostuma ser severa. Por tras deste tipo de atitude esta o interesse coletivo emassegurar a propria integridade da ciencia. Os mesmos controles nao estaoimplementados nas comunidades que praticam pseudociencia.

    5.2.2 Hipoteses pseudocientficas

    A navalha de Occam nao e pratica comum entre os pseudocientistas. Ao inves deadotar as explicacoes mais simples como princpio, o pseudocientista tende a es-colher explicacoes amplas, vagas e adaptaveis, imunes ao estudo e reformulacaocientficos e em conformidade com crencas as quais esta ligado emocionalmente.

    Hipoteses pseudocientficas frequentemente respondem a anseios emocionaise fornecem respostas prontas, certas e imediatas. Sao comuns hipoteses emresposta as aflicoes espirituais e aspiracoes a vida eterna. Estas explicacoes emgeral se baseiam em sistemas de crenca que demandam fe em poderes ou forcas

    1Por realidade objetiva entende-se aqui observacoes replicaveis por observadores diferentes.

  • 5.2. PSEUDOCIENCIA 59

    para as quais nao ha evidencia. Neste processo e comum que o crente tenha queabandonar completamente hipoteses cientficas bem estabelecidas.

    Outro serio problema com hipoteses pseudocientficas e que estas sao fre-quentemente formuladas de uma maneira que torna difcil, ou impossvel, seuteste por meio de experimentos. Por exemplo, nossa amiga Alice poderia ar-gumentar que o comportamento das pessoas e causado por um coelho invisvelque as acompanha o tempo todo. A invisibilidade da causa a torna indetectavele imune a qualquer avaliacao objetiva. Tecnicamente, uma hipotese dessa na-tureza e denominada nao-faseavel, ou seja, nao e possvel conceber um testepara determinar sua falsidade. Para uma hipotese ser cientfica e necessario queseja falseavel. Em outras palavras, deve haver uma situacao que, caso resulteem um comportamento diferente do previsto, leve a rejeicao da hipotese comofalsa. Por exemplo, a lei da gravidade de Newton, preve que macas devemcair, as mares devem ocorrer, a Terra deve ser aproximadamente esferica comligeiro achatamento nos polos. Se qualquer uma destas previsoes falhar issodemonstrara que ou a lei e falsa ou esquecemos de considerar algum aspecto im-portante ao fazer a previsao. De qualquer maneira, se nao for possvel imaginarcondicoes de falseamento a hipotese nao podera ser considerada cientfica.

    5.2.3 Previsoes pseudocientficas

    Se uma hipotese for verdadeira, entao as consequencias deduzidas desta hipotesetambem serao necessariamente verdadeiras. Assim, deveria ser possvel utilizara logica dedutiva para fazer previsoes a partir de hipoteses pseudocientficas e,por consequencia, testa-las. No entanto, hipoteses pseudocientficas sao normal-mente vagas demais e gerais demais, levando a previsoes com margens de errotao grandes que nao podem ser avaliadas.

    5.2.4 Experimentos pseudocientficos

    A ausencia de controles coletivos apropriados e a orientacao das observacoes eexperimentos por particulares crencas fazem dos experimentos pseudocientficosexerccios estereis de confirmacao de ideias pre-concebidas.

    5.2.5 Revisao pseudocientfica

    Mesmo quando experimentos pseudocientficos nao coincidem com suas pre-visoes, adeptos de uma particular hipotese tendem a continuar acreditandodogmaticamente em sua veracidade. Estes adeptos frequentemente argumen-tam que uma determinada crenca tem sido sustentada por tantas pessoas portanto tempo que so pode ser valida. Outra forma comum de resistencia a revisaode uma hipotese pseudocientfica nao corroborada pelos dados e a formulacaode teorias conspiratorias. Por exemplo, no caso da existencia de inteligenciasaliengenas, seus adeptos tendem a formular uma conspiracao de ocultacao daverdadepatrocinada pelo governo dos EUA.

  • 60 CAPITULO 5. CIENCIA E PSEUDOCIENCIA

    5.3 As Cinco Maiores Ideias Pseudocientficas

    Basta uma simples busca na internet para perceber que ha muitas ideias pseudo-cientficas disponveis. Cinco particularmente populares sao:

    1. Experiencias fora do corpo, experiencias de quase-morte e fantasmas. Umabusca em Out of body experienceproduz 170.000.000 de links.

    2. Astrologia. Astrologyproduz 54.400.000 links.

    3. OVNIS e contatos com inteligencias aliengenas. O termo UFOproduz42.200.000 links no Google.

    4. Criacionismo. Creationismproduz 10.800.000 links.

    5. Poderes paranormais tais como telepatia, psicocinese e percepcao extra-sensorial. Extrasensory perceptionou telepathygeram 4.750.000 links.

    Na proxima secao analisamos o Criacionismo como um exemplo.

    5.4 Criacionismo

    5.4.1 Teorias cientficas sobre a evolucao da vida na Terra

    Se voce quiser saber mais sobre as atividades de, por exemplo, Lord ErnestRutherford, o fsico neozelandes que descobriu em 1911 que os atomos temum nucleo, voce pode ter acesso a informacao abundante a respeito dele e deseu trabalho. Ha disponiveis fotografias, equipamentos utilizados, cadernos detrabalho, etc...

    Se voce quiser aprender sobre atividades muito mais antigas, como as deDemocrito, o filosofo grego que viveu entre 460 aC e 370 aC e sugeriu pelaprimeira veaz a ideia de atomo, tera muito mais trabalho. Tera que revisar anti-gos documentos que sobreviveram ao tempo, procurar por pequenos artefatosda epoca ou, ate mesmo, descobrir novas evidencias ainda desconhecidas.

    Agora suponha que voce queira voltar ainda mais no tempo, suponha quevoce queira olhar para os primeiros momentos do universo. Que tipo de registrovoce poderia utilizar para analisar tempos tao longnquos? Voce poderia, porexemplo, observar as estrelas. Como a luz percorre o espaco a uma velocidadefinita, as estrelas que voce observar hoje representam o estado em que elas seencontravam no passado. Por exemplo, a luz da estrela mais proxima a nossa,Alfa Centauro, demora quatro anos para chegar a nos. Em resumo, quandoolhamos para o ceu vemos um retrato da historia do universo, quanto maisdistante o astro observado, mais para o passado viajamos.

    Nos, por vezes muitos, anos apos a partida da luz que vemos hoje o astro podeter sofrido todo tipo de transformacoes. Para se ter uma ideia a luz que partede Andromeda leva 2 milhoes de anos para chegar a nos. Ainda mais distantessao os quasares, tao distantes que a luz demora 10 bilhoes de anos para viajar

  • 5.4. CRIACIONISMO 61

    deles ate nos. A simples existencia de astros como quasares e indicacao de queo universo deve ter pelo menos 10 bilhoes de anos.

    Galaxias estao agrupadas em aglomerados. Apos observarem centenas deaglomerados de galaxias, astronomos foram capazes de perceber que cada aglom-erado observado parece se afastar de todos os outros. Em outras palavras, ouniverso esta expandindo.

    Visto que o universo esta em expansao, e razoavel trabalharmos com ahipotese de que, no passado, estes aglomerados de galaxias estivessem maisproximos do que hoje. No caso extremo, esta mesmo hipotese sugere que, emalgum momento, toda a materia esteve compactada em um mesmo ponto. Comosabemos a distancia entre os aglomerados hoje e sua velocidade de afastamento,podemos estimar o tempo necessario para retrocedermos ate o ponto inicial.Esta estimativa resulta em algo da ordem de 15 bilhoes de anos.

    A teoria do big bang descreve a historia do universo na seguinte linha. A 15bilhoes de anos a materia estava concentrada em uma pequena regiao extrema-mente densa e quente. Com o tempo esta regiao foi expandindo numa velocidadeextremamente alta. As formas de vida que conhecemos nao poderiam existirnestes momentos iniciais na ausencia de atomos e moleculas estaveis. Segundoa teoria do big bang, o estagio compatvel com atomos e moleculas estaveis soteria sido atingido muito depois, a 4, 5 bilhoes de anos atras, quando o materialque teria dado origem a Terra era parte de um nuvem gasosa conhecida comonebula. Parte desta nebula teria entao colapsado sob a acao da gravidade for-mando o Sol e os planetas. Nos etagios iniciais de sua formacao os planetas,ainda muito quentes, nao estavam em condicoes de abrigar as formas de vidaque conhecemos.

    A cerca de 3, 8 bilhoes de anos atras, as condicoes se tornaram suficiente-mente adequadas para a vida, consistentemente com isso observamos fosseis demicroorganismos datados a 3, 5 bilhoes de anos atras. A teoria da evolucaosustenta que seria necessario o aparecimento de uma forma auto-replicante ca-paz de manutencao da propria energia uma unica vez para que o processo deproducao de novas especies fosse iniciado. Este processo levaria de procariotos aeucariotos e desses a formas multicelulares cada vez mais complexas, produzindogorilas, chimpanzes, cachorros e seres humanos.

    Da mesma forma como a teoria do big bang e apoiada pela luz de estrelasproveniente de diferentes distancias e, portanto, diferentes epocas passadas. Osmecanismos necessarios para a ocorrencia de mudancas evolucionarias sao apoia-dos e demonstrados experimentalmente. Com especies de vrus demonstrandona pratica a ocorrencia do processo de evolucao e com mapeamento exaustivode mutacoes em varias especies, em particular, nos humanos.

    Tem sido observado em populacoes de plantas e animais in natura que algu-mas variantes geneticas sobrevivem e reproduzem com mais facilidade que out-ras. Quando duas populacoes adquirirem diferencas que impossibilitam cruza-mentos elas se tornam especies diferentes. O surgimento deste tipo de bar-reiras reprodutivas tambem tem sido fartamente observado e documentado emsituacoes naturais e em experimentos de laboratorio.

    De acordo com a teoria das placas tectonicas a propria superfcie da Terra

  • 62 CAPITULO 5. CIENCIA E PSEUDOCIENCIA

    coevoluiu com as especies animais que aqui habitavam. A geologia contem-poranea inclui uma teoria detalhada para o cenario geral de evolucao da estru-tura continental da Terra. A teoria e suportada por fosseis e rochas cuja idadee determinada experimentalmente e cuja localizacao da pistas claras sobre suahistoria.

    Estas tres teorias big bang, placas tectonicas e evolucao natural formamum conjunto consistente que determina a idade e explica a evolucao do universo,do planeta e de suas formas de vida. De fato, uma das marcas registradas daciencia e a consistencia entra varias teorias diferentes. Como ja citamos, apresenca de uma inconsitencia imediatamente forcaria a revisao das hipotesesiniciais. Por exemplo, os astronomos estimam a idade do planeta Terra em4 bilhoes de anos baseando-se nas quantidades relativas de hidrogenio e heliono Sol 2. Aproximadamente a mesma idade e obtida pelos geologos medindoo movimento das placas tectonicas e pelos biologos medindo o crescimento decorais.

    5.4.2 Versao criacionista

    A ideia da criacao sobrenatural do universo, da Terra e da vida e bem maisantiga do que as teorias cientficas descritas na secao anterior. A ideia partede uma interpretacao literal do Genesis, primeiro livro da Bblia. O cenarioapresentado e muito diferente daquele apresentado pela ciencia.

    Neste cenario: (1) o universo e criado em toda sua complexidade pelo co-mando de Deus no sexto dia de 24 horas cada a nao mais do que 6.000 a 10.000anos atras; (2) todas as especies que existiram ou existem foram criadas aomesmo tempo; (3) o diluvio de Noe ocorreu universalmente a 4.500 anos atrase explicaria a deposicao de rochas e fosseis em extratos; e (4) a humanidadese dispersou em muitas racase lnguas a partir dos eventos que ocorreram naTorre de Babel.

    Esta primeira versao do criacionismo, chamemos de criacionismo imediato, ea mais antiga e foi revisada posteriormente frente a evidencias cientficas, dandoorigem ao que chamaremos criacionismo gradual. Nesta versao mais moderna,os seis dias de criacao descritos no Genesis sao reinterpretados como um processode bilhoes de anos. O criacionismo gradual e construdo sobre uma plataformareligiosa temperada por insights cientficos. Do ponto de vista evolucionario (!),o criacionismo evoluiu de um cenario de criacao em seis dias a um cenario ondeo tempo Divino ganha proporcoes diferentes, equivalendo a bilhoes de anos.

    No entanto, um grupo numeroso de pessoas ainda se mantem fiel a descricaoliteral do criacionismo imediato. Este grupo sustenta suas crencas afirmandoque o criacionismo imediato e apoiado por evidencias cientficas. Eles afirmamque a Bblia nao e so um livro sobre religiao mas tambem um livro cientfico. Aeste tipo de enfoque chamaremos de criacionismo cientfico.

    2Segundo a fsica das reacoes de fusao nuclear, a abundancia de helio em uma estrelaindica por quanto tempo ela tem convertido seu combustvel original, hidrogenio, em helio.Considerando que a Terra e o Sol se formaram mais ou menos ao mesmo tempo e possvelavaliar a idade da Terra calculando a idade do Sol.

  • 5.4. CRIACIONISMO 63

    Uma vez que os criacionistas cientficos afirmam que sua teoria se tratatanto de fe religiosa quanto autentico conhecimento cientfico, esta aberta apossibilidade de analise seguindo os mesmos padroes aplicaveis a quaisquer teo-rias cientficas. Na proxima secao aplicaremos padroes de analise cientficosas afirmacoes da teoria criacionista cientfica comparaveis aqueles aplicados asteorias do big bang, placas tectonicas ou evolucao natural.

    5.4.3 Testando a teoria criacionista

    Os geologos descobriram que fosseis aparecem distribudos em camadas com osmais antigos geralmente localizados nas camadas mais baixas e os mais jovenslocalizados nas camadas mais altas. Excecoes sao logo explicadas por processossubsequentes de deformacao do solo (e.g. terremotos). Os geologos atribuemesta distribuicao a um processo de milhoes de anos envolvendo a deposicao decamadas de sedimento contendo os restos de organismos (com os mais antigossendo depositados primeiro). Tal cenario seria impossvel tivesse o universosido criado a apenas 6.000 anos. No entanto, a teoria criacionista explica adeposicao de fosseis em termos de uma inundacao global descrito no Genesis.De acordo com este cenario, chuvas torrenciais causaram uma inundacao dasuperfcie inteira da Terra por 371 dias. Antes deste evento, Deus ordenou aMoises que construisse uma grande arca suficientemente grande para acomodarsua famlia, milhares de especies, cerca de 1 milhao de especies de insetos ecomida para alimenta-los. A arca deveria ser resistente o suficente para suportar40 dias e noites de chuva. Segundo o Genesis, apenas os seres vivos dentro daarca teriam sobrevivido a enchente.

    Quando a chuva cessou e a agua retornou ao nvel normal, os animais quenao estavam a bordo teriam sido enterrados em sequencia. Os criacionistas sus-tentam que os animais que viviam nos oceanos teriam sido enterrados primeiro,depois teriam sido enterrados os anfbios que se moviam muito devagar, entaoos repteis, os animais mais rapidos e finalmente os humanos. Esta ordem cor-responderia a ordem encontrada pelos geologos.

    Do ponto de vista cientfico duas questoes precisam ser respondidas comsimpara que a hipotese da inundacao global possa se considerada provavel:Seria tecnicamente possvel, na epoca de Noe, a construcao de uma arca capazde suportar pelo menos dois indivduos de cada especie existente? Ha evidenciasde alguma inundacao global?

    A resposta a primeira questao comeca com um calculo exibido no proprioGenesis. Convertendo as unidades de medida da Bblia para unidades modernastemos uma embarcacao com cerca de 137 metros de comprimento, 23 metros delargura e 14 metros de altura. O fato e que, pela engenharia naval moderna,sabe-se que um comprimento superior a 90 metros implicaria em torcoes e stressinevitaveis resultando em vazamentos e ate no afundamento da embarcacao demadeira. Mesmo se a embarcacao com mais de 100 metros pudesse ser cons-truda os problemas logsticos de captura, embarcacao e manutencao por 371dias de mais de 1 milhao de especies animais seriam inimaginaveis, mesmo paraos padroes modernos. Mesmo carregando apenas ovos de algumas das especies

  • 64 CAPITULO 5. CIENCIA E PSEUDOCIENCIA

    (dinossauros, repteis, peixes, anfbios e passaros), praticamente nenhuma de-las tem perodo de incubacao superior a 371 dias. A maioria dos animais emovos nasceriam antes do perodo estabelecido e os animais orfaos precisariamde cuidados especiais. Todas as tarefas necessarias para manutencao de tal em-barcacao requereriam muito mais do que as 8 pessoas embarcadas: Noe, suaesposa, seus tres filhos e suas respectivas esposas. Para complicar ainda mais asituacao, o pool genetico destes 8 humanos iria ter que explicar a diversidadegenetica encontrada atualmente na especie humana!

    Espaco tambem seria um problema serssimo na arca. Os items transporta-dos teriam que incluir um suprimento de comida para 371 dias, gaiolas ou tan-ques para animais grandes como elefantes, rinocerontes e baleias, tanques deagua fresca, tanques de agua salgada3, restos digestivos animais 4, plantas esolo e espacos para acomodacao de 8 humanos.

    Algumas plantas poderiam ser transportadas na forma de sementes, muitasoutras nao se reproduzem dessa forma e teriam que ser transportadas na formaadulta. Alguem iria ter que coletar estas plantas por todo o mundo. Parasitas emicroorganismos infecciosos que nao pudessem sobreviver fora de um hospedeiroanimal ou humano teriam que ser transportados a bordo de seus hospedeirossem destru-los. Noe e sua famlia teriam que ser infectados com sfilis, varola,lepra por mais de um ano sem adoecerem.

    Para aqueles que acreditam na historia literalmente, se restos da Arca deNoe fossem encontrados isso significaria evidencia a favor da ocorrencia de umainundacao global. A lenda conta que a Arca teria encalhado no Monte Araratna Turquia. Desde 1829 exploradores tentam encontra-la sem sucesso.

    A resposta a segunda questao e ainda mais crtica. Questoes tecnicas sobrea arca perdem o sentido na ausencia de uma inundacao de extensao global.Estorias de inundacoes catastroficas sao comuns a muitas culturas, algumasdelas anteriores ao Genesis. Estas lendas incluem herois equivalentes a Noe 5.A similaridade do Genesis com relacao a outras lendas nao faz da sua estoriamais ou menos real. Um teste real para o cenario de uma inundacao globalseria a deducao dos tipos de evidencia fsica que seriam produzidas. Inundacoesgenunas deixam evidencias na forma de depositos sedimentares em uma faixaestreita no mesmo nvel (com a mesma data de ocorrencia). Isto implica napredicao de que uma cheia global iria produzir um banda de sedimentos globalem um mesmo nvel em todas as regioes que eram ocupadas por terras secasantes da inundacao. A ausencia deste tipo de evidencia significa que a previsaodeduzida desta hipotese nao e verificada pela evidencia experimental.

    Outro problema com o cenario de cheia global e a localizacao da agua emquantidade suficiente para inundar o planeta. A maior quantidade de aguacongelada se encontra nos polos. Mesmo se toda a agua dos polos for liquefeitaisso somente seria suficiente para que os oceanos subissem pouco mais de 9metros. Assim a Terra contem uma quantidade de agua insuficiente para uma

    3A mudanca brusca na salinidade da agua durante a enchente mataria quase todos ospeixes na arca.

    4Um elefante sozinho produz 40 toneladas de esterco em um ano!5Zinsuddu na Sumeria, Utnapishtim, Gilgamesh, Xisunthus na Babilonia.

  • 5.4. CRIACIONISMO 65

    inundacao dessas proporcoes.Mas e se a agua necessaria tivesse vindo do espaco? Um cometa contendo

    esta quantidade de agua seria tao massivo que seu impacto com a Terra a -despedacaria completamente. Mesmo se a agua tivesse sido, de alguma forma,fornecida, permaneceramos com o problema de termos que explicar para ondeela teria ido apos 371 dias. Teramos, neste caso, que introduzir um fenomenosingular sem consistencia alguma com o sistema cientfico pre-existente 6. Aevidencia sugere que grandes inundacoes aconteceram no passado, no entanto,elas sempre foram locais, jamais globais. Elas ate poderiam parecer globaispara pessoas que nao tivessem a exata consciencia do tamanho de nosso planeta.Estas historias de grandes inundacoes locais podem ter sido aumentadas como tempo nas estorias de viajantes que viraram as lendas de um diluvio queconhecemos hoje.

    5.4.4 Analisando afirmacoes criacionistas

    Os criacionistas se utilizam de uma serie de argumentos que poderiam dar su-porte a sua visao em detrimento a trade cientfica big bang-platas tectonicas-evolucao. Os mais comuns sao:

    1. Dinosauros e Humanos foram Contemporaneos. De acordo com a teoriade evolucao, as especies nao sao criadas de uma unica vez, mas aparecemem tempos diferentes. Por exemplo, dinossauros apareceram primeiro a250 milhoes de anos durante a Era Mesozoica e desapareceram a cerca de65 milhoes de anos. Humanos apenas surgiram na Era Cenozoica, a 200mil anos atras. Dessa forma, a aparicao de evidencia de coexistencia entrehumanos e dinossauros consistiria em um serio reves para a teoria. Oscriacionistas afirmam ter encontrado evidencia de pegadas de dinossaurose humanos feitas ao mesmo tempo no Texas. Estas pegadas foram anal-isadas em 1978 pelo paleontologista Glen Kuban. Kuban demonstrou queas pegadas identificadas como humanas eram na verdade pertencentes auma especie de dinossauro com tres dedos. Devido a erosao, a imagem dapegada foi distorcida, no entanto, uma analise cautelosa demosntrou queas pegadas diferiam significativamente de pegadas tipicamente humanas.

    2. A Segunda Lei da Termodinamica Seria Violada. De acordo com a se-gunda lei da termodinamica, uma lei cientfica fundamental e bem testada,um sistema fechado7 tende ao estado de maior desordem (ou maior en-tropia). De acordo com a teoria da evolucao, o processo evolutivo produzestados cada vez mais complexos e organizados (organismos mais com-plexos). Assim, criacionistas cientficos sustentam que, visto que o plan-eta Terra e um sistema fechado, evolucao seria um processo impossvel.O problema e que o planeta Terra nao e um sistema fechado. O plan-eta recebe constantemente energia do exterior na forma de raios solares.

    6Este tipo de hipotese e conhecida como hipotese ad hoc7No qual nenhuma materia ou energia entra ou sai

  • 66 CAPITULO 5. CIENCIA E PSEUDOCIENCIA

    Esta energia e utilizada pelas plantas, via fotossntese, para aumentara ordem convertendo agua e dioxido de carbono em acucares. Estesacucares sao consumidos por herbvoros que, por sua vez, sao consumi-dos por carnvoros.

    3. O processo de Evolucao Nunca Foi Observado. Criacionistas sustentamque o processo de evolucao nunca foi observado diretamente. A partir dissoquestionam porque alguem deveria acreditar em um processo que nao e ob-servavel. O problema aqui e a compreensao equivocada do que os biologosentendem por evolucao. Os biologos definem evolucao como uma mudancano tempo no pool genetico de organismos pertencentes a mesma especie eocupando uma particualr area geografica. Estas mudancas sao observadascom certa facilidade. Um exemplo sao insetos ou prgas desenvolvendo re-sistencia a pesticidas em um perodo de poucos anos.O efeito coletivo destetipo de mudancas e que teria tornado possvel a geracao da diversidadeobservada, inclusive com novas especies. o processo de evolucao tambeme observado retrospectivamente no sentido de que predicoes sobre o queseria esperado em registros fosseis tem sido encontrado (e.g. distribuicaogeografica de especies).

    4. Mutacoes Aleatorias Nao Podem Explicar Isso Tudo. Criacionistas afir-mam que um processo evolucionario atraves de mutacoes puramente alea-torias nao pode explicar como a evolucao ocorre. Novamente o problema eum entendimento incompleto da teoria. As mutacoes aleatorias ocorrendodurante 3, 8 bilhoes de anos tem um potencial para criacao de novas for-mas de vida que e difcil compreendermos. nem todo potencial de mutacaoe realizado, visto que a interacao das especies com o ambiente produziraa selecao de algumas variacoes em detrimento das outras. Este processo econhecido como selecao natural. Com o advento dos computadores temoscada vez mais tomado consciencia do potencial criativo do par mutacoesaleatorias - selecao natural atraves de simulacoes conhecidas como algo-ritmos evolucionarios.

    5. Evolucao e Apenas uma Teoria. Criacionistas afirmam que a evolucaoe apenas uma teoria que nao foi provada. E verdade que a teoria daevolucao nao foi provada. Tambem e verdade que a teoria do big bangnao foi provada, o mesmo sobre a teoria das placas tectonicas. A segundalei da termodinamica e a teoria da gravitacao tambem nao foram provadas.Nenhuma teoria cientfica pode ser provada. Todas as teorias cientficassao provisorias, sua natureza e provisoria. O que ocorre e que o grau deconfianca que temos em uma ou outra teoria depende do teor e quantidadede evidencias disponveis e do numero de testes experimentais que podemser feitos com sucesso. A evidencia experimental apoiando a teoria ddeevolucao e vasta. Para que ela seja desafiada e necessario que uma previsaosua nao coincida com experimentos.

    6. Evidencias Contrarias Criadas por Deus. Criacionistas sustentam queevidencias que parecem contrarias a sua teoria foram deliberadamente

  • 5.5. EXERCICIOS 67

    colocadas la por Deus. Assim um Quasar apenas parece estar a 10 bilhoesde anos, na verdade, ele teria sido criado por Deus a 6 mil anos junta-mente com a ilusao de antiguidade. Uma explicacao cientfica tem queser testavel. Este tipo de afirmacao nao pode ser testada ou falseada.Embora este tipo de explicacao possa ate ser possvel, a crenca nela de-pende apenas da fe e nao de evidencias. Visto que nao ha como fasea-laexperimentalmente, o onus da prova pertence aos criacionistas. De formasemelhante, o onus das provas de que Deus teria criado o universo atravesde um processo especial que nao mais opera no mundo natural e de que asleis regendo a criacao nao sao as mesmas observadas atualmente recaemsobre os criacionistas.

    5.5 Exerccios

    1. Faca a releitura crtica do texto. Anote as principais ideias. Comente ostrechos que achar interessantes. Concorde ou discorde. Ache conexoescom os outros captulos e com outros textos que leu.

    2. Pense a respeito das experiencias fora do corpo. Quais hipoteses sobreo comportamento do corpo e da mente humana estao envolvidas? Quaisevidencias e experimentos seriam necessarios para um teste cientfico dofenomeno?

    5.6 Referencias

    Este captulo foi adaptado de:

    Wynn, C.M. e Wiggins A.W., Quantum Leaps in the Wrong Direction,Joseph Henry Press, 2001.

    Sobre ciencia e pseudociencia leia tambem:

    Sagan, C., Mundo Assombrado Pelos Demonios, Companhia das Letras,2002.

    Collins, H., O Golem: O Que Voce Deveria Saber Sobre Ciencia, Ed.UNESP, 2003.

    Bryson B., Breve Historia de Quase Tudo, Companhia das Letras, 2005.

    Wynn, C.M. eWiggins A.W., As Cinco Grandes Ideias da Ciencia, Prestgio,2002.

    Sobre a teoria do big bang:

    Hawking, S.W., Uma Breve Historia do Tempo, Rocco, 2000.

    Weinberg, S., Os Tres Primeiros Minutos, Gradiva, 2002.

  • 68 CAPITULO 5. CIENCIA E PSEUDOCIENCIA

    Sobre a teoria de evolucao:

    Dawkins, R., O Relojoeiro Cego, Companhia das Letras, 2001.

    Dawkins, R., O Gene Egosta, Itatiaia, 2001.

    Jay Gould, S., Polegar do Panda: Reflexoes sobre a Historia da Natureza,Martins Fontes, 2004.

    Darwin, C., A Origem das Especies, Martin Claret, 2004.

    Sobre a teoria das placas tectonicas:

    Wegener, A., The Origin of Continents and Oceans, Dover, 1966.

    Sobre o Criacionismo:

    http://www.criacionismo.com.br

    http://www.universocriacionista.com.br