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DOUGLAS MARCELO MERQUIOR
CIÊNCIA, TECNOLOGIA E INOVAÇÃO COMO PILARES PARA A SOBERANIA NACIONAL
Trabalho de Conclusão de Curso - Monografia apresentada ao Departamento de Estudos da Escola Superior de Guerra como requisito à obtenção do diploma do Curso de Altos Estudos de Política e Estratégia. Orientador: Prof. Simon Rosental.
Rio de Janeiro 2011
C2011 ESG
Este trabalho, nos termos de legislação que resguarda os direitos autorais, é considerado propriedade da ESCOLA SUPERIOR DE GUERRA (ESG). É permitido a transcrição parcial de textos do trabalho, ou mencioná-los, para comentários e citações, desde que sem propósitos comerciais e que seja feita a referência bibliográfica completa. Os conceitos expressos neste trabalho são de responsabilidade do autor e não expressam qualquer orientação institucional da ESG _________________________________
Assinatura do autor
Merquior, Douglas Marcelo
Ciência, tecnologia e inovação como pilares para a soberania nacional / Douglas Marcelo Merquior - Rio de Janeiro : ESG, 2011.
58 f.
Orientador: Prof. Simon Rosental Trabalho de Conclusão de Curso – monografia apresentada ao
Departamento de Estudos da Escola Superior de Guerra como requisito à obtenção do diploma do Curso de Altos Estudos de Política e Estratégia (CAEPE), 2011.
1. Ciência, tecnologia e inovação. 2. Soberania. 3. Brasil. I.Título.
Biblioteca General Cordeiro de Farias
RESUMO
Este trabalho tem por objetivo avaliar a importância da ciência, da tecnologia e da
inovação (CT&I) para a soberania nacional. Busca-se compreender e analisar de
forma crítica como o Brasil, um país continental e rico em recursos naturais, em
reservas energéticas e em biodiversidade, contudo com defasagem científica e
tecnológica em áreas críticas, poderá preservar sua soberania e manter sua
integridade territorial. É importante entender o papel desempenhado pela CT&I no
processo de desenvolvimento, diante de sua importância na composição do poder
nacional, e como se situa o Brasil no contexto mundial. Apesar do desenvolvimento
científico e tecnológico do país ter iniciado com atraso em relação aos países
centrais, hoje já podem ser observados avanços que levaram ao reconhecimento
internacional, tendo atingido, em 2010, a décima terceira posição em quantidade de
publicações científicas. No entanto, este avanço na ciência nacional ainda não
refletiu diretamente no desenvolvimento tecnológico, como pode ser verificado pela
quantidade de patentes ainda pouco significativa diante da atual importância da
economia brasileira no cenário internacional. Felizmente, cabe salientar que diversas
inovações tecnológicas têm sido realizadas em áreas importantes para o
desenvolvimento nacional, com destaque na agropecuária, em combustíveis
renováveis, na exploração de petróleo em águas profundas e na fabricação de
aviões a jato. Portanto, investimentos de médio e longo prazos na capacitação de
recursos humanos, com base em um sistema universal e eficaz de educação,
associados a uma política de estímulo à inovação nas organizações e empresas,
são ações fundamentais para o desenvolvimento sustentável da CT&I, que, sem
dúvida, representam pilares estratégicos para a soberania nacional.
Palavras-chave: Ciência, tecnologia e inovação. Soberania. Brasil.
ABSTRACT
The aim of this study is to evaluate the importance of science, technology and
innovation (STI) for the national sovereignty. The question that arises is to
understand and analyze how Brazil, a continental country, rich in natural resources,
energy reserves and biodiversity, but with scientific and technological gap in critical
areas, could preserve its sovereignty and maintain its integrity territorial. It is
important to understand the role of STI in the development process, due to its
importance in the composition of national power, and how Brazil is situated within the
global context. Although the Brazilian scientific and technological development
started later than in developed countries, today it can be observed advances that led
to international recognition, reaching the thirteenth position in number of scientific
publications in 2010. However, this advance in national science hasn’t reflected
directly on technological development yet, as verified by the fact that the number of
patents has little significance on the current global importance of the Brazilian
economy. Fortunately, it is noted that several technological innovations have been
carried out in important areas to national development, especially in agriculture,
renewable fuels, deepwater oil exploration and the jet aircraft manufacture.
Therefore, the medium- and long-term investments in training human resources,
based on an effective and universal educational system, in association with a political
for stimulating the innovation in organizations and firms, are fundamental tasks for
sustainable development of STI, that undoubtedly represent strategic pillars for
sovereignty.
Keywords: Science, technology and innovation. Sovereignty. Brazil.
LISTA DE SIGLAS E ABREVIATURAS
ABNT Associação Brasileira de Normas Técnicas
BNDE Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico
BNDES Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social
BRIC Brasil, Rússia, Índia e China
CAPES Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior
CDTN Centro de Desenvolvimento da Tecnologia Nuclear
CNEN Comissão Nacional de Energia Nuclear
CNPq Conselho Nacional de Pesquisa (atualmente Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico)
C&T Ciência e Tecnologia
CTA Centro Técnico Aeroespacial
CTEx Centro Tecnológico do Exército
CT&I Ciência, Tecnologia e Inovação
DNA Deoxyribonucleotide acid
ELETRONUCLEAR Eletrobrás Termonuclear
EMBRAER Empresa Brasileira de Aeronáutica
EMBRAPA Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária
END Estratégia Nacional de Defesa
ESG Escola Superior de Guerra
EUA Estados Unidos da América
FAPESP Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo
FNDCT Fundo Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico
FUNTEC Fundo de Desenvolvimento Técnico Científico
FUNTTEL Fundo para o Desenvolvimento Tecnológico das Telecomunicações
GERD Gasto interno bruto em P&D (proveniente do inglês Gross Expenditure on Research and Development)
GERD/PIB Taxa de crescimento do GERD em relação ao PIB
IEA Instituto de Energia Atômica
IEN Instituto de Engenharia Nuclear
IMBEL Indústria de Material Bélico do Brasil
IME Instituto Militar de Engenharia
INPI Instituto Nacional de Propriedade Intelectual
INT Instituto Nacional de Tecnologia
IPCA Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo
IPEN Instituto de Pesquisas Energéticas e Nucleares
IPR Instituto de Pesquisas Radioativas
IPT Instituto de Pesquisas Tecnológicas
ITA Instituto de Tecnologia Aeronáutica
LEM Laboratório de Ensaios de Materiais
MIT Massachusetts Institute of Technology
MCT Ministério da Ciência e da Tecnologia
OCDE Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico
PATCI Plano de Ação em Ciência, Tecnologia e Inovação para o Desenvolvimento Nacional
P&D Pesquisa e Desenvolvimento
PIB Produto Interno Bruto
PITCE Política Industrial, Tecnológica e de Comércio Exterior
PROALCOOL Programa Nacional do Álcool
REUNI Programa de Apoio a Planos de Reestruturação e Expansão das Universidades Federais
SAE/PR Secretaria de Assuntos Estratégicos da Presidência da República
STI Science, Technology and Innovation
UFMG Universidade Federal de Minas Gerais
UFRJ Universidade Federal do Rio de Janeiro
TIC Tecnologia da Informação e Comunicação
UnB Universidade de Brasília
UNESCO Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (do inglês United Nations Educational, Scientific and Cultural Organization)
UNICAMP Universidade de Campinas
USP Universidade de São Paulo
USPTO Escritório de Patentes e Marcas Registradas do EUA (proveniente do inglês United States Patent and Trademark Office)
SUMÁRIO
1 INTRODUÇÃO................................................................................................................ 9 2 CONHECIMENTO E PODER ........................................................................................ 13 2.1 CIÊNCIA ....................................................................................................................... 13 2.2 TECNOLOGIA .............................................................................................................. 14 2.3 INOVAÇÃO ................................................................................................................... 18 2.4 CT&I, PODER E SOBERANIA ...................................................................................... 18 3 EVOLUÇÃO HISTÓRICA DA CT&I NO BRASIL ......................................................... 24 3.1 NO PERÍODO COLONIAL ............................................................................................ 24 3.2 NO IMPÉRIO ................................................................................................................ 26 3.3 NA REPÚBLICA VELHA ............................................................................................... 27 3.4 CRIAÇÃO DAS UNIVERSIDADES ............................................................................... 31 3.5 CRIAÇÃO DOS CENTROS DE PESQUISA .................................................................. 32 3.6 A EXPANSÃO INDUSTRIAL E O AVANÇO DA TECNOLOGIA .................................... 33 4 ANÁLISE CRÍTICA DA SITUAÇÃO ATUAL DA CT&I NO BRASIL ............................. 41 4.1 CENÁRIO MUNDIAL EM CT&I ..................................................................................... 41 4.2 SITUAÇÃO ATUAL DA CT&I NO BRASIL .................................................................... 45 5 CONCLUSÃO ............................................................................................................... 53 REFERÊNCIAS ............................................................................................................ 56
9
1 INTRODUÇÃO
Atualmente, o conhecimento científico avançado e as tecnologias críticas
estão sob o domínio de países que integram o centro mundial do poder, o que lhes
garantem grandes vantagens sob os aspectos político, econômico, social e militar.
Nada melhor para começar um texto sobre a importância da ciência, da
tecnologia e da inovação, do que lembrar do seu principal agente: o Homem, o
Descobridor, como diz Boorstin (1989), no livro “Os Descobridores”. O autor lembra
que o mundo que vemos agora do Ocidente instruído – com a compreensão do
tempo, da terra e dos mares, dos corpos celestes e dos nossos próprios corpos, das
plantas e dos animais, da história e das sociedades humanas passadas e presentes
– teve que ser desbravado pela própria humanidade por incontáveis descobridores.
Alguns tornaram-se ilustres, tais como Colombo, Cabral, Fernão de Magalhães,
Copérnico, Galileu, Kepler, Darwin, Pasteur, Adam Smith, Keynes, Newton, Dalton,
Faraday, Maxwell e Einstein. Outros tantos podem até permanecer anônimos em
algum recanto do passado, mas não são menos importantes para construção do
conhecimento.
Aliás, falando em conhecimento, Boorstin (1989) lembra que esses
descobridores, verdadeiros heróis, tiveram que vencer severos obstáculos às
descobertas, o que ele chamou de ilusões de conhecimento. Hoje, alguns conceitos
parecem bastante triviais, como por exemplo, a maneira com a qual se conta o
tempo, a forma da terra, dos mares e dos continentes, mas pode-se imaginar a
coragem despendida, as arremetidas heróicas e imaginativas dos grandes
descobridores contra ilusões, arraigadas em fatos, dogmas vigentes e no senso
comum estabelecido.
Algumas invenções, tais como, o relógio, a bússola, o telescópio, o
microscópio, a imprensa, que se deram a partir do domínio de certos conhecimentos
e técnicas, foram cruciais para novas descobertas e avanços científicos e
tecnológicos, o que no final sempre resultou em conquista e em acúmulo de poder.
Na história das guerras, o domínio de um novo armamento, ou uma nova tática, ou
uma estratégia inédita tem sido o diferencial nos campos de batalha no caminho
para a vitória. O que antes se fazia quase que exclusivamente pelo domínio de
territórios, nos tempos contemporâneos, o domínio do conhecimento e o saber fazer
são formas, talvez mais sutis de dominação, no entanto, igualmente, ou tão mais
10
eficientes, do que a simples posse de terras. E assim, tem sido ao longo da História:
as sociedades que mais valorizaram a formação intelectual, incentivando a criação e
a aplicação de técnicas, acabaram por se destacar, ou até mesmo, por prevalecer
de alguma forma sobre as demais.
Este trabalho tem por objetivo geral avaliar a importância da ciência, da
tecnologia e da inovação (CT&I) para a soberania nacional, um dos fundamentos da
República Federativa do Brasil, como consta da Constituição Federal (PELUSO,
2011). O problema que surge é entender como o Brasil, um país continental e rico
em recursos naturais, em reservas energéticas e em biodiversidade, contudo com
defasagem científico e tecnológica em algumas áreas críticas do conhecimento,
poderá preservar sua soberania e manter sua integridade territorial.
É importante entender o papel desempenhado pela ciência e tecnologia
(C&T) no processo de desenvolvimento dos países, estimando seu peso na
composição do poder nacional. Sendo assim, será examinada a evolução da ciência
e da tecnologia no Brasil ao longo do processo de formação nacional até a
atualidade. Como poder nacional é um conceito relativo, é relevante verificar como a
CT&I brasileira está situada no contexto mundial.
Cada vez mais, observa-se o papel relevante desempenhado pela ciência,
tecnologia e inovação no estágio de desenvolvimento dos países. Aquelas nações
que, ao longo de seus processos evolutivos, têm investido na formação de cientistas
e pesquisadores hoje gozam de um maior destaque no cenário internacional, onde
mercadorias e serviços com alta tecnologia têm vantagens comerciais por possuírem
alto valor agregado. Longo (2010) ressaltou que, desde o término da Segunda
Guerra Mundial, os países com sólida infraestrutura tecnológica produzem bens e
serviços globalmente competitivos, os quais lhes propiciam grandes vantagens
comerciais sobre outros economicamente baseados em recursos tradicionais, tais
como: extensão territorial, disponibilidade de matéria-prima, terras agricultáveis e
mão de obra abundante, barata e de baixa qualificação. Concluindo, o autor citou o
exemplo do Japão que é uma potência econômica, apesar de ser um país insular
com um território de apenas 378 mil quilômetros quadrados, com elevada densidade
demográfica e que necessita importar energia, recursos naturais e alimentos. Este
antagonismo é possível, sem dúvida, devido a sua capacidade tecnológica
inovadora, lastreada numa sólida infraestrutura educacional e científica.
11
Nas últimas quatro décadas, a C&T no Brasil avançou muito. Há um forte
contraste entre a incipiente pós-graduação no início dos anos 1970 com a atual
posição brasileira em quantidade de publicações científicas, ocupando a 13º posição
no mundo (REZENDE, 2010). Apesar dessa evolução, o Brasil ainda está atrasado
em outros indicadores do desenvolvimento científico e tecnológico, como por
exemplo em inovação tecnológica, a fim de produzir bens e prestar serviços com alto
valor agregado. É fundamental que níveis elevados de desenvolvimento sejam
alcançados para que seja assegurada a intangibilidade da Nação Brasileira, em
termos de igualdade de direitos, principalmente frente às atuais nações mais
desenvolvidas, conforme verificado em indicadores de desempenho de CT&I
disponíveis (MINISTÉRIO DA CIÊNCIA E TECNOLOGIA, 2011).
Por sua vez, a Estratégia Nacional de Defesa (END), que visa à
reorganização do setor de defesa com viés dissuasivo para manutenção da
integridade territorial e da soberania, afirma que o projeto de desenvolvimento deve
se orientar pela busca da independência nacional, no que tange à capacitação
tecnológica autônoma, principalmente nos estratégicos setores espacial, cibernético
e nuclear (BRASIL, 2008).
Considerando a defasagem no desenvolvimento científico e tecnológico em
relação aos países integrantes do centro mundial do poder, o Brasil deve
estabelecer prioridades, de forma estratégica, para acelerar seu desenvolvimento
científico e tecnológico, incentivando a inovação em áreas críticas.
Pretende-se que este estudo venha a contribuir para uma melhor
compreensão da importância de se acelerar o desenvolvimento científico e
tecnológico no Brasil, para que ainda na primeira metade deste século tenha plenas
condições de fortalecer seus sistemas de defesa, desestimulando qualquer
pretensão estrangeira contra a integridade territorial, ou ingerências contra sua
soberania.
Quanto à temporalidade, este estudo considera a evolução da CT&I no
Brasil, desde o período colonial, bem como as ações estatais e privadas que
atuaram favorecendo o desenvolvimento. Quanto à abrangência, será realizada a
análise do desenvolvimento científico e tecnológico no Brasil de forma global, não se
dedicando a qualquer área específica do conhecimento.
Este trabalho está organizado em cinco capítulos. O primeiro Capítulo, esta
Introdução, apresenta o problema central, os objetivos, a delimitação da pesquisa e
12
outros elementos necessários para situar o tema do trabalho. No Capítulo 2,
conceitos sobre conhecimento, poder, soberania, ciência, tecnologia e inovação são
apresentados a fim de melhor evidenciar a importância estratégica da CT&I. O
Capítulo 3 apresenta um breve resumo histórico sobre CT&I no Brasil. No Capítulo
4, o atual estágio de desenvolvimento científico e tecnológico no Brasil é analisado,
situando seu desempenho relativo frente a outros países com base em indicadores
de CT&I. Identificando a estrutura de CT&I existente, oportunidades e óbices do
cenário nacional e mundial para o desenvolvimento da infraestrutura científica e
tecnológica, prioridades são apontadas para que o Brasil se afirme como um pólo
avançado em CT&I. A partir do conhecimento reunido nos quatro primeiros
capítulos, o Capítulo 5 apresenta a conclusão sobre a importância estratégica da
CT&I para a soberania nacional. Por fim, pretende-se ainda inferir sobre as
prioridades que o Brasil deve estrategicamente estabelecer para acelerar o processo
de desenvolvimento sustentável, incentivando a inovação tecnológica em áreas
críticas.
13
2 CONHECIMENTO E PODER
Ainda no Século XVI, muito antes da primeira Revolução Industrial, Francis
Bacon, considerado como um dos fundadores da ciência moderna, já afirmava que
conhecimento é poder (LONGO, 200-). Essa constatação de Bacon torna-se cada
vez mais evidente na atualidade, quando sucessivas ondas de inovação vêm
introduzindo novas máquinas, novas formas de organização da produção, novos
materiais, novas formas de geração de energia, e produtos revolucionários (TIGRE,
2006). Longo (200-) afirma que a capacidade das nações em gerar bens, serviços e
energia com base em conhecimentos científicos e tecnológicos é fator
preponderante na comparação do poder relativo entre as nações. Assim, ele ressalta
que, após a Segunda Guerra Mundial, a infraestrutura científica nacional e a
capacidade tecnológica do setor produtivo em gerar produtos e serviços inovadores
têm oferecido aos países que as possuem vantagens decisivas sobre os demais. A
expressão científica e tecnológica, ao lado das expressões política, econômica,
militar e psicossocial são manifestações do moderno conceito de poder nacional
(ESG, 2009).
Como ressaltado por Longo (2004), não é trivial a compreensão correta dos
termos mais empregados quando se pretende tratar de assuntos relacionados à
CT&I. Sendo assim, conceitos sobre soberania, poder, ciência, tecnologia e
inovação são apresentados neste Capítulo a fim de evidenciar a importância
estratégica da CT&I, concluindo sobre seus efeitos sobre soberania.
2.1 CIÊNCIA
Longo (2004) define ciência como sendo o conjunto organizado de
conhecimentos universais, abrangendo diversos tipos de fenômenos, sejam eles
naturais, ambientais ou comportamentais. O conhecimento científico avança sempre
na direção do possível, o que nem sempre corresponde ao desejável. O
compromisso do cientista é com a verdade, desejando explicar os fenômenos
observados.
O processo de aquisição do conhecimento científico é realizado por meio de
pesquisa, ou investigação científica (LONGO, 2004). As conclusões do trabalho de
pesquisa devem ser publicadas de forma ostensiva para que sejam avaliadas por
14
outros cientistas. Se validadas, então, os novos conhecimentos são incorporados ao
acervo científico universal, sendo este um bem público. Esta exposição à
confirmação força que o conhecimento científico tenha livre divulgação e circulação,
pertencendo ao acervo da humanidade.
A ciência pode ser pura, quando desvinculada de objetivos práticos, ou
aplicada, quando dirigida para atender alguns fatores (LONGO, 2004). Na primeira,
o cientista busca a descoberta e compreensão dos fenômenos, não se importando
com as possíveis consequências. Na ciência aplicada, o cientista considera certa
seletividade no rumo da pesquisa com base em fatores práticos, ou subjetivos,
sejam de ordem econômica, social, cultural ou política. Contudo, a obrigação de
transformar suas descobertas em bens comercializáveis está além dos objetivos de
um cientista.
2.2 TECNOLOGIA
Define-se tecnologia como o conjunto organizado de todos os
conhecimentos científicos, empíricos, ou intuitivos empregados na produção e
comercialização de bens e serviços (LONGO, 2004). Ao dominar tal conjunto, o
detentor é capaz de elaborar instruções necessárias para o processo produtivo. Para
tal, não basta saber como fazer (know how), mas sim saber porque fazer (know
why). A posse de instruções (plantas, desenhos, especificações, normas ou
manuais), bem como a capacidade de usá-las, não torna o usuário detentor dos
conhecimentos que permitiram a geração da tecnologia. LONGO (2004) enfatiza
que, frequentemente, a palavra tecnologia é erroneamente empregada para definir
tais instruções. Na verdade, tecnologia é o conjunto de conhecimentos empregados
na elaboração das instruções e que normalmente estão armazenados nos cérebros
das pessoas. A compreensão deste conceito por um dirigente é essencial para a
correta avaliação do potencial ou independência tecnológica de sua instituição.
Apesar de ser conhecimento, tecnologia comporta-se também como uma
mercadoria, ao lado dos outros fatores de produção, tais como, capital, insumos e
mão de obra (LONGO, 2004). Apesar de estar essencialmente no cérebro das
pessoas e ser um bem intangível, é objeto de operações comerciais, tendo
proprietário e preço. A propriedade sobre a tecnologia, ou melhor dizendo, a
propriedade industrial, é protegida por convenções, normas e instituições específicas
15
que, juntamente com o direito autoral, compõem a propriedade intelectual. A
propriedade industrial compreende a proteção das invenções e de modelos de
utilidade, denominando-se patente o título sobre tal propriedade. A patente é
concedida aos detentores dos direitos sobre a criação, com a finalidade de proteger
os produtos, ou processos, nos quais foram investidos recursos para seu
desenvolvimento, contra cópia ou comercialização sem a devida autorização do
titular.
Os contratos de transferência de tecnologia devem ser analisados com muito
cuidado por aquele que pretende adquirir a tecnologia. Apesar do termo
transferência de tecnologia dar a ideia de que o cedente transmitirá ao receptor
todos os conhecimentos que geraram a tecnologia, na verdade, o que ocorre é uma
venda, na qual o vendedor esconde os conhecimentos e entrega as instruções
(LONGO, 2004). Assim, os contratos não são soluções milagrosas que garantem a
transferência dos conhecimentos, como um leigo até poderia imaginar. Tal processo
é bastante complexo e difícil. Além da vontade do cedente em realmente ceder,
transferência de tecnologia exige competência e determinação do receptor. Segundo
Longo (2004), a transferência é completa quando o receptor é capaz de adaptar a
tecnologia às condições locais, aperfeiçoando-a e até criando uma nova tecnologia
de forma autônoma. O pleno domínio da tecnologia permite que o receptor seja
capaz de interferir ativamente nas diversas fases do ciclo produtivo, ou seja: projetar
o produto e o processo; implantar o processo; definir instruções de operação da
planta; modificar o processo e o produto; e até inovar.
Além do valor mercantil da tecnologia, Longo (2004) ressalta o valor
estratégico da tecnologia. Cada vez mais, expressões como dependência
tecnológica, neocolonialismo tecnológico e autonomia tecnológica são encontradas
nas avaliações de cunho político, econômico ou militar das nações. Tais expressões
indicam que existem nações com capacidade para desenvolver tecnologias e outras
dependentes. Contudo, é óbvio que esta situação leva a um regime sensível de
dependência das detentoras, o que pode resultar em sérias ameaças para os
objetivos fundamentais dos dependentes, tais como, soberania e integridade
territorial.
É importante ainda considerar o conteúdo tecnológico dos modernos
sistemas de defesa. Esses sistemas utilizam tecnologias intensivas em ciência, que
estão na fronteira do conhecimento, as chamadas tecnologias de ponta (LONGO,
16
2004). Isto ressalta o caráter estratégico da tecnologia, pois para que um sistema de
defesa seja autônomo, uma nação precisa de infraestrutura de pesquisa e
desenvolvimento (P&D); de engenharia; e de um parque industrial que possa realizar
os projetos. Além disso, como todos os sistemas modernos de defesa utilizam de
forma intensiva tecnologia da informação, constata-se sua fragilidade se não for
nativo, pois o país fornecedor poderá manter algum acesso remoto ao sistema, a fim
de manipular, ou obter, informações de acordo com seus interesses.
No mundo contemporâneo, indubitavelmente saber está associado a poder
(LONGO; MOREIRA, 2010). Na medida em que se tornava evidente que o poder
relativo das nações também era dependente do nível educacional e da capacidade
científica e tecnológica inovadora de seus habitantes, ações protecionistas foram
sendo introduzidas no cenário internacional. Após o terror gerado pelo uso de duas
bombas atômicas pelos Estados Unidos da América (EUA) contra o Japão, ao final
da Segunda Guerra Mundial, houve um consenso que certos conhecimentos
deveriam ser protegidos para evitar a generalização do desastre atômico, bem como
o desenvolvimento de outras armas de destruição em massa por pessoas, ou grupos
inescrupulosos. Inicialmente, isso deu certo embasamento moral aos países
detentores de tecnologias sensíveis para restringir o acesso de terceiros ao
conhecimento e a bens de uso dual. É absolutamente aceitável que os detentores de
tecnologias busquem protegê-las, evitando que opositores reais, ou potenciais, delas
se apropriem, principalmente se forem de alto valor comercial, ou que permitam
qualquer aproveitamento bélico. No entanto, a negação do conhecimento é
questionável por questões meramente comerciais, por exemplo, quando envolve a
fabricação de medicamentos em países carentes. Surge, então, o conceito de
cerceamento tecnológico, significando a prática de Estados, organismos, empresas,
ou qualquer outro ator internacional, no sentido de bloquear, negar, restringir, ou
dificultar acesso, posse de conhecimentos, tecnologias ou bens sensíveis, por parte
de instituições, centros de pesquisa, ou empresas de outros países. As ações para
cercear são várias, entre elas: negar simplesmente o acesso, não vendendo, ou não
transferindo; elaborar e divulgar listas de tecnologias e materiais de exportação, ou
reexportação proibida; introduzir barreiras fiscais, alfandegárias, sanitárias,
ambientais, ou de direitos humanos; e até executar operações militares, ou de
inteligência, para neutralizar centros de pesquisa, ou até mesmo pessoas.
17
Para contornar o cerceamento tecnológico, os cerceados precisam encontrar
uma forma de obter as tecnologias e os bens protegidos. Longo e Moreira (2010)
menciona alguns mecanismos empregados para ultrapassar as barreiras impostas
pelos detentores das tecnologias, a saber: a transferência de tecnologia, os
programas mobilizadores, a engenharia reversa, a cópia, a espionagem e a
aquisição de cérebros. Dentre os mencionados, os programas mobilizadores são
geralmente empregados para vencer o cerceamento tecnológico em áreas
estratégicas. Como normalmente são de interesse estatal, os programas
mobilizadores têm a capacidade de arregimentar, aglutinar, organizar e movimentar
o potencial nacional disponível numa ação política, visando o desenvolvimento
social, econômico e militar.
Segundo Longo e Moreira (2010), um programa mobilizador deve ser criado
de cima para baixo, envolvendo e comprometendo todos os altos escalões do
governo. Refletindo uma vontade nacional, deve ser inserida nas políticas e
estratégias do país. Além disso, o programa não deve se restringir apenas aos
recursos humanos e materiais das instituições públicas e privadas diretamente
envolvidas, devendo empregar todo potencial nacional e facilidades julgadas
necessárias, tais como: serviços públicos à disposição; recursos financeiros
adicionais específicos; legislação apropriada, se for necessário; incentivos fiscais e
não fiscais; e regime alfandegário simplificado. E o mais importante é que tenha
garantia de continuidade, caracterizando-se como um programa de Estado, e não de
governo.
Um exemplo marcante de sucesso de um programa mobilizador é o Projeto
Manhattan que resultou no desenvolvimento pelos EUA da primeira bomba atômica
(LONGO; MOREIRA, 2010). A determinação de obter uma arma estratégica que
poderia ser fundamental para o desfecho da Segunda Guerra Mundial, fez com que
os EUA reunissem recursos humanos e meios, acelerando o uso de conhecimentos
científicos para a geração de tecnologias e a passagem dessas para a produção de
um artefato revolucionário. Aliás, durante a Segunda Guerra Mundial, os países
envolvidos realizaram vários programas mobilizadores com resultados
extraordinários, em prol do desenvolvimento da C&T.
No Brasil, pode-se citar como exemplo de programa mobilizador o Programa
Nacional do Álcool (PROALCOOL), estabelecido para ultrapassar a dificuldade de
abastecimento de gasolina, que se tornou evidente após a primeira crise do petróleo
18
de 1973. O programa levou ao desenvolvimento de tecnologia própria, desde o
cultivo da cana-de-açúcar até a adaptação dos motores dos automóveis para o uso
do etanol. Este programa teve repercussão internacional, colocando o Brasil em
destaque no uso de combustíveis de fontes renováveis.
2.3 INOVAÇÃO
Longo (2004) ressalta que é muito importante distinguir invenção de
inovação. Invenção significa a solução para um problema tecnológico, considerada
nova e possível de utilização. A invenção melhora um produto, processo, ou
sistema, podendo ser patenteável. No entanto, os efeitos da invenção podem ficar
restritos ao laboratório onde foi originada. Por sua vez, a inovação significa que a
solução do problema tecnológico foi utilizada pela primeira vez, compreendendo a
introdução de um novo produto, ou processo no mercado em escala comercial,
tendo, em geral, repercussões socioeconômicas positivas. Logo, pode-se dizer que
uma invenção tornou-se uma inovação, quando a solução para um problema
tecnológico foi introduzida no mercado.
As inovações que melhoram produtos, ou processos, sem modificá-los na
essência são chamadas de inovações incrementais. Por outro lado, aquelas que
representam um salto tecnológico, mudando inclusive as características dos setores
produtivos onde são aplicadas, são chamadas de inovações de ruptura.
2.4 CT&I, PODER E SOBERANIA
Os cientistas sociais definem poder como sendo a capacidade de um ser
influenciar o comportamento dos outros (WEBER apud DIAS, 2010). De acordo com
o Manual Básico da ESG (ESG, 2009), poder é a conjugação da vontade de um
indivíduo, ou grupo social, e dos meios à disposição, voltada para o alcance de uma
finalidade. A vontade, por ser um elemento essencial na manifestação do poder,
revela que o poder é um fenômeno humano, característico de um indivíduo, ou de
um grupo social. O poder nacional é a capacidade de uma nação em alcançar seus
objetivos fundamentais.
De acordo com o Manual Básico da ESG (ESG, 2009), soberania é a
manutenção da intangibilidade de uma nação, assegurada a capacidade de
19
autodeterminação e de convivência com as demais nações em termos de igualdade
de direitos, não aceitando qualquer forma de intervenção em seus assuntos internos,
nem a participação em atos dessa natureza em relação a outras nações.
No entanto, os países podem ter objetivos nacionais conflitantes, o que
normalmente ocorre nas relações internacionais, gerando conflitos, os quais podem
ser resolvidos de forma pacífica, ou não (DIAS, 2010). Somente as potências têm
capacidade para influenciar o comportamento de outros países e modificar o sistema
internacional, pois dispõem de poder militar, potencial econômico, controle do fluxo
financeiro, tecnologia, entre outros fatores do poder (DIAS, 2010). Portanto, tão mais
simples será a manutenção da intangibilidade de uma nação, quanto mais meios
houver a sua disposição, ou de uma forma bem realista e pragmática, que busque
ser uma potência também. Logo, soberania e poder estão fortemente relacionados.
Como a evolução científica e tecnológica é dinâmica, conclui-se que os
profissionais e as empresas que não conseguem acompanhar essa expansão
perdem competitividade. Quanto às nações que não incentivam seus recursos
humanos e suas empresas a acompanharem tal evolução enfrentam o
subdesenvolvimento, dependendo externamente do conhecimento, que é
considerado o insumo mais estratégico (LONGO, 200-). Segundo a Organização
para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), em 1999, pela
primeira vez na história, o conhecimento gerou 55% da riqueza mundial, sendo que
o restante estava relacionado aos fatores tradicionais da produção, quais sejam:
terra, capital, matéria-prima, trabalho e energia (apud CAVALCANTI, 2002). Cada
vez mais, a crescente redução dos custos e a facilidade de obtenção da informação
aumentam a participação do conhecimento no processo de criação de riqueza.
É o conhecimento incutido nas pessoas, nas empresas, nas organizações e
nas instituições que dá a real capacidade de uma nação obter vantagens sobre as
demais nos diferentes aspectos de suas relações. As pessoas, as empresas, as
organizações e as instituições não se capacitam de uma hora para outra. Não
existem atalhos seguros, mas sim um longo processo de acumulação de
conhecimento e difusão simultânea para as próximas gerações, evidenciando assim
o caráter estratégico do conhecimento. Apenas como uma referência temporal,
basta lembrar que o sistema educacional fundamental e médio necessita de pelo
menos 12 anos para formar um jovem economicamente produtivo.
20
Rezende (2010) afirma que existe na sociedade brasileira a percepção de
que o País pode crescer economicamente e, depois, comprar a tecnologia que for
necessária. Como conhecimento resulta de um longo processo de aprendizado,
dependente do sistema de educação, é fraca tal argumentação, sendo, então, muito
difícil encurtar um processo sério de desenvolvimento nacional, enfatizando assim o
caráter estratégico do sistema educacional e da infraestrutura tecnológica.
Rezende (2010) faz uma análise crítica bastante interessante do processo
civilizatório brasileiro frente ao norte-americano, já que ambas as nações foram
colonizadas na mesma época por europeus, possuindo dimensões territoriais e
recursos naturais comparáveis. Nos EUA, a primeira universidade, Harvard, foi
criada em 1636. Por volta de 1750, Benjamin Franklin já fazia experiências de
eletricidade e contribuía para a descoberta das leis de conservação das cargas
elétricas fora do continente europeu. Em 1776, Benjamin Franklin participou do
processo de independência americana, tendo sido um dos redatores da declaração.
Cerca de cem anos depois, os EUA já eram uma república federativa independente
com sua soberania consolidada e em rápido processo de industrialização. Os
cientistas americanos realizavam pesquisas pioneiras, disputando com os europeus
o pioneirismo em algumas áreas. Assim foram surgindo grandes empreendedores
da tecnologia: Alexander Bell, o inventor do telefone; e Thomas Edison, o inventor
da lâmpada elétrica. As empresas por eles criadas, a AT&T e a Edison Electric
(origem da General Electric) criaram centros de pesquisa e contrataram os PhD
formados em Harvard, Massachusetts Institute of Technology (MIT), Yale, entre
outras universidades americanas. Continuando com sua estratégia de valorizar a
C&T, no século seguinte, os EUA tornaram-se centro mundial do poder econômico,
político, psicossocial, militar e científico e tecnológico.
Em seguida, Rezende (2010) compara que no caso brasileiro, em 1750, a
Colônia era dirigida por governadores gerais, ou vice-reis, que administravam
interesses pessoais, mantendo-a submissa a Portugal. Não era permitido que a
Colônia tivesse tipografia, nem que desenvolvesse qualquer atividade manufatureira.
Cem anos mais tarde, já politicamente independente, o Brasil era essencialmente
agrícola, cuja força de trabalho era baseada na escravidão. Os empresários eram
usineiros de cana-de-açúcar, barões do café e os fazendeiros de cacau, que
dominavam a política, protegendo os interesses da elite, atuando em sintonia com
os donos do capital internacional. Não havia universidades, nem um amplo sistema
21
de ensino básico, nem indústrias nacionais. A primeira universidade, a Universidade
de São Paulo (USP), só foi criada em 1934. O ensino de pós-graduação só foi
institucionalizado na década de sessenta do século passado. Os sistemas de
formação de pesquisadores e de financiamento de pesquisa foram criados na
década seguinte. Na entrada do terceiro milênio, o país já contava com complexo
sistema de C&T, mas ainda carente de verbas e políticas públicas que articulassem
o setor produtivo, incentivando a inovação nas empresas. O país só despertou para
a C&T, há pouco mais de cinquenta anos.
Na entrada do terceiro milênio, a economia dos EUA era a maior do mundo.
Liderando o mundo há pelo menos 70 anos, dominam várias tecnologias, inclusive
as de ponta. Quanto ao Brasil, hoje é a sétima economia do mundo, no entanto,
ainda com um forte caráter exportador de insumos básicos, sendo o Produto Interno
Bruto (PIB) cerca de sete vezes menor que o americano. É dependente tecnológico
em diversas áreas. Assim, conforme observado por Rezende (2010), a diferença
entre os países deve-se às abordagens diferentes empregadas na educação e no
setor de C&T ao longo de seus processos civilizatórios. Sem dúvida, a grande
diferença entre os EUA e o Brasil é que eles reconheceram a importância do
conhecimento há mais de dois séculos e o Brasil, há pouco mais de meio século.
Hoje, a civilização americana tem amplo domínio sobre diversas tecnologias,
incluindo as de ponta. Embora tenha avançado bastante nas últimas décadas, a
civilização brasileira ainda depende de tecnologia estrangeira, principalmente as que
estão na fronteira do conhecimento.
A fim de alavancar o desenvolvimento científico, tecnológico e de inovação,
é essencial o envolvimento do governo, das empresas e do sistema educacional
(LONGO, 2004). Mesmo em países com governos neoliberais, que pregam a
diminuição da ação governamental no Estado, verifica-se uma tendência mundial na
intervenção estatal em C&T, devido ao reconhecimento de seu caráter estratégico.
O governo pode articular e coordenar atividades em âmbito nacional, atendendo
demandas presentes e futuras, que sejam relevantes para o país. Além disso, o alto
custo da pesquisa e a complexidade da infraestrutura de C&T justificam a
participação ativa do governo. Para cumprir seu papel, o governo deve liderar a
formulação de políticas e estratégicas; dispor de órgãos de regulamentação
(propriedade industrial, normas, padrões, certificação e meio ambiente), de incentivo
22
(bancos de desenvolvimento e agências de fomento), de prestação de serviços e
execução de pesquisas (universidades, centros, institutos, bibliotecas e museus).
Já o setor empresarial é o motor do desenvolvimento tecnológico (LONGO,
2004). Em busca de lucros, o empresário entende que uma inovação ao ser lançada
no mercado poderá ser traduzida em vantagem sobre seus concorrentes. É comum
que grandes empresas mantenham centros de P&D, atuando na geração de novas
tecnologias. Em alguns casos podem até promover o desenvolvimento científico,
quando a tecnologia desejada está na fronteira do conhecimento.
Ao apresentar o Relatório UNESCO sobre Ciência 2010, a Diretora-Geral da
Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura
(UNESCO), Irina Bokova, afirma que o financiamento em P&D continuou
expandindo-se globalmente, em relação ao relatório de 2005, como resultado do
reconhecimento dos governos dos países quanto à importância fundamental da
CT&I para o desenvolvimento socioeconômico (UNESCO, 2010). Ela afirma ainda
que os países em desenvolvimento que progrediram mais rapidamente no período
foram aqueles que adotaram políticas para a promoção da CT&I. É interessante
notar uma relação direta entre o deslocamento de poder que se verifica na
geopolítica mundial e a distribuição de esforços em P&D entre o Norte e o Sul. O
mundo hegemônico, no qual o avanço científico e tecnológico era praticamente
dominado pela Tríade (União Europeia, Japão e EUA), está se transformando
gradualmente num mundo multipolar, no qual se verifica o aumento de centros de
pesquisa públicos e privados ao redor do globo. A Coréia do Sul, a China, a Índia e o
Brasil estão criando um ambiente global mais competitivo, desenvolvendo suas
potencialidades nas esferas da indústria, da ciência e da tecnologia. Em
consequência, observa-se também um movimento de atração ou retorno de
cientistas e pesquisadores dos países mais desenvolvidos para as novas potenciais
emergentes.
Concluindo, está evidente que CT&I fazem parte dos meios à disposição da
nação para manutenção de sua soberania. Uma nação forte em CT&I significa que
tem recursos humanos altamente especializados. Certamente, tal sociedade estará
bem capacitada para ultrapassar desafios, inclusive aqueles que possam interferir
diretamente em sua soberania. Por necessitar de investimentos nacionais por longos
prazos, pode-se afirmar que CT&I são pilares estratégicos para a soberania,
23
fundados sobre um sistema educacional universal e eficaz, responsável pela
formação e aperfeiçoamento dos recursos humanos.
24
3 EVOLUÇÃO HISTÓRICA DA CT&I NO BRASIL
Visando deixar um legado sobre a evolução do conhecimento científico e
tecnológico realizada pelo povo brasileiro, o Professor Milton Vargas (VARGAS,
2001) escreveu uma súmula para mostrar que, apesar de defasagem em relação
aos países centrais, o Brasil já alcançou um patamar de desenvolvimento científico e
tecnológico importante para sua própria existência, bem como está sendo
empregado na solução autônoma para diversos desafios, de todas as ordens,
inclusive para que o país alcance a tão sonhada justiça social.
Neste Capítulo, com base no trabalho do Vargas (2001), a evolução da
ciência e da tecnologia brasileira é apresentada desde os primórdios da nação, para
que se possa realmente entender e compreender sua situação atual. Para tal, o
Capítulo está subdivido em seções que retratam as fases mais importantes desta
evolução: Colônia; Império; República Velha; e a criação das universidades; a
criação dos centros de pesquisa tecnológica; e a expansão industrial.
3.1 NO PERÍODO COLONIAL
Embora, não havendo ambiente para o desenvolvimento científico durante o
período colonial, pois o regime imposto por Portugal era mercantilista, ou seja,
meramente exploratório para enriquecimento da metrópole, Vargas (2001) relata
diversas atividades de cunho científico e tecnológico ocorridas em território
brasileiro. Apesar de não haver preocupação com o povoamento do novo território e
com medidas que garantisse o bem estar de seu povo, a educação foi conduzida
pelos jesuítas, inicialmente em nível primário, depois em nível secundário, com o
intuito de difundir a religião católica. Considerando os limites impostos pelo ensino
religioso, os jesuítas organizaram colégios e seminários, onde eram ensinados
elementos de matemática, de física e de astronomia e, em alguns, havia até cursos
de artes.
Vargas (2001) destaca ainda diversas atividades desenvolvidas pelos
jesuítas nos mosteiros até 1759, quando foram expulsos do Brasil Colônia: curso de
artes na Bahia, onde Bartolomeu de Gusmão foi aluno, o qual é considerado o
primeiro cientista das Américas pela invenção do aeróstato; relato das técnicas da
cultura do açúcar e do ouro de 1711; elaboração de mapas com determinação exata
25
das coordenadas, realizada pela Missão dos Padres Matemáticos em 1729;
demarcação de fronteiras em decorrência dos Tratados de Madrid, de 1750, e Santo
Ildefonso, de 1777; e investigações botânicas.
Como a educação superior era privilégio da metrópole, na segunda metade
do século XVIII, os latifundiários mandavam seus filhos fazerem cursos universitários
em Portugal (VARGAS, 2001). Dessa forma, cerca de mil estudantes brasileiros
frequentaram a Universidade de Coimbra, surgindo os primeiros cientistas nascidos
no Brasil com trabalhos conhecidos em filosofia, química, metalurgia, mineração,
matemática e traduções para o português de tratados franceses de matemática.
Outra evidência relevante de educação, ciência e tecnologia no Brasil
Colônia é verificada nas atividades do ensino militar para construção de fortificações
e fabricação de armamentos, por necessidade de defesa do território colonial. Em
1699, o Rei de Portugal manifestou, por intermédio da Carta Régia de 15 de janeiro,
a intenção de criar no Brasil um curso de formação de soldados técnicos na arte de
construção de fortificações, o qual funcionaria mais tarde no Rio de Janeiro, em
Salvador e no Recife. Assim, em 1792, por ordem da Rainha de Portugal, Dona
Maria I, foi instalada no Rio de Janeiro, na Casa do Trem, a Real Academia de
Artilharia, Fortificação e Desenho, considerada a raiz histórica do atual Instituto
Militar de Engenharia (IME). Tinha por objetivo formar oficiais de infantaria, cavalaria
e artilharia, bem como engenheiros, sendo considerada a primeira escola de
engenharia das Américas e a terceira do mundo (LUCENA, 2005).
Com a transferência da Corte portuguesa para o Rio de Janeiro, em 1808, a
Colônia foi elevada à condição de Reino Unido a Portugal e Algarve. Uma de suas
consequências, foi a abertura dos portos às nações amigas, com a qual se
intensificaram as viagens de cientistas europeus. Vargas (2001) cita várias
expedições científicas que tiveram certa relevância para o estabelecimento da
ciência brasileira, produzindo livros sobre o rio Amazonas e seus afluentes, botânica,
geologia, mineralogia e paleontologia.
Porém, Vargas (2001) ressalta que o maior benefício desse período para o
futuro do Brasil foi a criação das escolas de ensino superior. As Escolas de Medicina
e Cirurgia da Bahia e do Rio de Janeiro foram fundadas em 1808. Nesse mesmo
ano, também foi fundada a Academia de Marinha. Aconselhado pelo Conde de
Linhares, Dom João VI decidiu criar cursos regulares de ciências exatas e de
observação, não só para formação de oficiais do Exército, como também para
26
formação de civis. Sendo assim, a Real Academia de Artilharia, Fortificação e
Desenho foi transformada em Academia Real Militar em 1811, sendo transferida no
ano seguinte para novas instalações no Largo de São Francisco. Essa escola
superior é considerada com o primeiro núcleo de formação científica leiga no Brasil,
pois, não só visava à formação de militares, mas oferecia cursos de Engenharia, de
Matemática, e de Ciências Físicas e Naturais, tendo alguns de seus egressos se
tornando cientistas, dirigentes e administradores na época do Império.
Podem-se citar ainda outros benefícios desse período para o
desenvolvimento da C&T no Brasil: o Real Horto, a Fábrica de Pólvora, a Biblioteca
Nacional, a Imprensa Régia, o Museu Real, siderurgias em Minas Gerais e em São
Paulo (VARGAS, 2001).
3.2 NO IMPÉRIO
Após a Independência, durante o Império, o Museu Nacional foi um polo de
desenvolvimento científico, reunindo material coletado nas expedições de
naturalistas estrangeiros, bem como resultados das pesquisas brasileiras, nas áreas
de Botânica, Zoologia, Geologia e Mineralogia. Também foi pioneiro na formalização
do estudo de Química (VARGAS, 2001).
Após a Guerra do Paraguai, o Exército ainda era o único responsável pela
formação de engenheiros para as atividades civis. A Escola Central, antiga
Academia Real Militar de 1811, formava os oficiais do Exército e engenheiros, civis e
militares, pois era a única escola de engenharia do Brasil. O ensino da engenharia
dava ênfase ao estudo das máquinas a vapor e à construção de estradas de ferro.
Assim, as primeiras estradas de ferro no Brasil tiveram seus processos de
construção dirigidos por engenheiros brasileiros, apesar de terem sido projetadas e
construídas por engenheiros e empreiteiros ingleses. Na reforma de 1874, o
Visconde do Rio Branco, formado pela Academia e também antigo docente,
reorganizou a Escola Central, separando o ensino de engenharia militar do civil. Este
ficou no Largo de São Francisco, passando a Escola Central a ser designada como
Escola Politécnica, desvinculando-se em definitivo de sua origem militar. A Escola
Militar da Praia Vermelha passou, então, a abrigar a formação de oficiais das Armas
e dos Corpos de Estado-Maior e de Engenheiros (LUCENA, 2005; VARGAS, 2001).
27
Vargas (2001) observa que a educação primária, durante o Império, era feito
em escolas de ler e escrever, as quais eram espaçadamente distribuídas pelo
território nacional. Seus professores eram mal preparados, sendo pagos pela Coroa.
O ensino primário e o secundário melhoraram com a volta dos jesuítas em 1842,
fundando seminários e colégios em várias cidades das províncias. Além dos
colégios jesuítas, havia liceus e ateneus, quase todos sob gestão da Igreja Católica.
O Colégio Pedro II, fundado em 1837, foi a única instituição pública e leiga de ensino
secundário durante o Império.
3.3 NA REPÚBLICA VELHA
O primeiro evento importante para o desenvolvimento científico e tecnológico
do país no início do período republicano foi a criação da Escola Politécnica de São
Paulo (VARGAS, 2001). Foi um marco importante para a história da tecnologia no
País, pois dava ênfase a aulas práticas de técnicas elementares e de ensaios. Em
1905, no Gabinete de Resistência dos Materiais, como resultado da pesquisa de um
de seus alunos, foi publicado o Manual de Resistência dos Materiais, o qual resumia
as propriedades mecânicas de vários materiais de construção. Voltando-se para o
estudo experimental de obras de concreto armado, o Gabinete foi pioneiro no ensino
e pesquisa dessa técnica no Brasil.
Com a proclamação da República, Benjamin Constant foi nomeado ministro
da Educação, Correios e Telégrafos (VARGAS, 2001). Ele considerava que a
educação do povo era condição básica para o sucesso do governo republicano.
Para tal, promulgou uma reforma nos moldes positivistas, que retirava da educação
seu caráter eminentemente humanista. Entretanto, essa reforma não vingou,
subsistindo a defesa de matérias científicas e a norma de que os estados deveriam
organizar seus sistemas educacionais primário por escolas públicas e o secundário
por liceus estaduais e escolas normais. Na reforma, o ensino superior seria
competência da União. Na verdade, o ensino primário e o secundário por meio de
estabelecimentos religiosos ou leigos desenvolveram-se mais do que na esfera
pública, estimando-se que dois terços dos alunos eram de colégios particulares em
1920.
Durante a República Velha, a economia era praticamente agrária, voltada
para a exportação do café, havendo pouco estímulo para a industrialização. A
28
tecnologia era desenvolvida quase que exclusivamente nas ações para urbanização
e saneamento das cidades, que tiveram início com o projeto e a construção de Belo
Horizonte, no final do século XIX, seguindo-se na remodelação das cidades do Rio
de Janeiro, de São Paulo e de várias outras capitais (VARGAS, 2001).
Havia um desejo de civilizar o Brasil, cujo modelo era o europeu. Para tal, a
mentalidade reinante dizia que isso deveria ser feito pela ciência, por intermédio da
medicina e da engenharia (VARGAS, 2001). Aos engenheiros caberiam os
melhoramentos urbanos, o saneamento das cidades e a construção de portos e
estradas. Aos médicos, a erradicação das doenças epidêmicas que assolavam o
Brasil: cólera, febre amarela, febre tifóide, malária e lepra.
Assim, o Instituto Bacteriológico, criado em 1892, foi pioneiro na América do
Sul, exercendo ativamente o controle de doenças infecciosas no Estado de São
Paulo (VARGAS, 2001). Inicialmente, buscou-se orientação do Instituto Pasteur, de
Paris, para organizar o Instituto, mas foi o médico brasileiro Adolfo Lutz, diplomado
em Berna e com experiência no controle de lepra no Havaí, que o fez. Hoje o
Instituto Bacteriológico tem seu nome. Também em São Paulo, foi criado em 1899, o
Instituto Soroterápico do Butantã, que se especializou na produção de soro
antiofídico.
No Rio de Janeiro, o médico Oswaldo Cruz, que estagiara no Instituto
Pasteur, foi encarregado da direção do Instituto Soroterápico de Manguinhos, para
preparação de vacinas contra varíola e cólera (VARGAS, 2001). Durante o surto de
febre amarela, que ocorreu no Rio de Janeiro, de 1902 a 1906, Oswaldo Cruz foi
nomeado diretor geral de Saúde Pública. Por meio de uma campanha espetacular,
essa febre foi erradica no Rio. O combate ao mosquito transmissor foi realizado por
equipes de mata-mosquitos, que tinham autorização para invadir propriedades
particulares durante a procura de focos de germinação, o que provocou uma onda
de protestos. Sob a coordenação do médico Carlos Chagas, o Instituto Manguinhos
efetuou, em 1905, a erradicação da malária em Santos, pelo combate ao mosquito
transmissor. Entretanto, Oswaldo Cruz desejava que Manguinhos fosse o núcleo de
modernização de todo o país, pela pesquisa biomédica. Para tal, foram organizadas
expedições a várias regiões, visando resolver problemas locais, contando com a
liderança de jovens médicos, hoje grandes nomes da história de medicina brasileira,
tais como: Rocha Lima, Alcides Godoy, Artur Neiva, Henrique Aragão e Carlos
Chagas.
29
Devido à repercussão internacional positiva da erradicação da febre amarela
no Rio de Janeiro, o Governo Federal transformou o Instituto Soroterápico de
Manguinhos no Instituto de Patologia Experimental de Manguinhos, logo depois
denominado Instituto Oswaldo Cruz, cujas finalidades principais eram estudar
doenças infecciosas e preparar soros e vacinas. O Instituto passava a ter autonomia
plena em pesquisas, incluindo um periódico para divulgação científica, Memórias do
Instituto Oswaldo Cruz (VARGAS, 2001).
Numa das expedições que o Instituto Oswaldo Cruz fez pelas diversas
regiões do país, Carlos Chagas, em 1908, ao percorrer o norte de Minas Gerais,
região sujeita à malária, associou um inseto, o barbeiro, com uma doença do sono
ainda desconhecida, mas que assolava também o interior das Américas do Sul e
Central (VARGAS, 2001). Estudou, então, sua etiologia, patologia e prevenção,
descobrindo ser a doença transmitida por um protozoário, batizado por Chagas de
trypanosoma cruzi (em homenagem a Oswaldo Cruz), cujo vetor era o barbeiro. Em
1909, a Academia Nacional de Medicina divulgou mundialmente essa doença,
tornando o nome Doença de Chagas universal e, em 1912, Carlos Chagas recebeu
o Prêmio Schaudin de Protozoologia, conferido pelo Instituto Naval de Hamburgo.
Por convite de Oswaldo Cruz, Adolfo Lutz veio de São Paulo, em 1908, para
pesquisar Zoologia e Botânica em Manguinhos (VARGAS, 2001). Ao pesquisar o
ciclo vital do Schistosoma mansoni, o verme responsável pela Esquistosomose,
tornou-se mundialmente conhecido. É importante ressaltar que esse verme foi
descoberto pelo médico Pirajá da Silva, num modesto laboratório do Hospital Santa
Isabel, na Bahia.
Além da pesquisa aplicada para soluções de problemas de saúde pública
brasileira, o Instituto Oswaldo Cruz buscou se firmar também como uma instituição
científica com pesquisas em Anatomia Patológica, Protozoológica e Fisiológica
conduzidas por Carlos Chagas, Henrique Aragão, Miguel Osório de Almeida, entre
outros, a fim de preparar soros e vacinas (VARGAS, 2001). Conjugando
investigação química e fabricação de medicamentos, o Instituto desenvolveu novos
produtos quimioterápicos para cura de várias moléstias, como o Sorosol para o
tratamento da sífilis. Carlos Chagas, como sucessor de Oswaldo Cruz na direção do
Instituto, buscou aproximação com a Faculdade de Medicina do Rio de Janeiro,
criando a disciplina de Medicina Tropical, enquanto no Instituto havia cursos de
extensão de higiene e saúde públicas válidos na Faculdade. Dessa interação,
30
resultou num período de brilhante atividade científica em Biologia e Fisiologia no Rio
de Janeiro. Assim, o Instituto Oswaldo Cruz tornou-se centro internacional de
pesquisas em medicina tropical, recebendo pesquisadores estrangeiros que
buscavam aperfeiçoamento nesta área. Vargas (2001) menciona ainda que a
historiadora de ciência Nancy Stepan considera a criação do Instituto de
Manguinhos a origem da ciência no Brasil.
Vargas (2001), ao finalizar a descrição da história da criação do Instituto
Oswaldo Cruz, aproveita para traçar a trajetória do desenvolvimento da ciência
autônoma num país jovem e periférico, tomando essa história como um verdadeiro
estudo de caso de sucesso. Diante de um problema grave, foi criada uma instituição
para atuar na sua solução, que necessitava de conhecimentos tecnológicos e
científicos. Estes foram inicialmente obtidos em livros e estágios no exterior, mas
surgiram as circunstâncias locais, que obrigaram a adaptação do conhecimento
estrangeiro. Da capacidade de pesquisa, novos fenômenos foram observados,
gerando conhecimento autônomo e com reconhecimento internacional. Esta
descrição é fundamental para a compreensão da importância estratégica da
aquisição e domínio do conhecimento para um país.
No entanto, aconteceu também durante a República Velha a pesquisa
científica pela transferência de conhecimento de estrangeiros radicados no Brasil
para cientistas formados em escolas brasileiras, nas áreas de geologia, geografia,
meteorologia, cartografia e mineralogia (VARGAS, 2001).
Avanços tecnológicos importantes também ocorreram para solução de
problemas na agricultura e pecuária. Por exemplo, em 1924, uma comissão foi
nomeada em São Paulo para debelar a broca do café, utilizando conhecimentos
científicos (VARGAS, 2001). O sucesso dessa comissão levou o governo de São
Paulo a criar o Instituto Biológico de Defesa Agrícola e Animal, cuja finalidade era a
defesa da agricultura e pecuária paulistas.
Em 1916, foi criada a Sociedade Brasileira de Ciências, transformada seis
anos depois na Academia Brasileira de Ciências, onde predominou a defesa da
Física Moderna, recebendo inclusive a visita de Albert Einstein em 1925.
Enfim, a década de 1920, foi fértil na pesquisa científica e tecnológica no Rio
e em São Paulo (VARGAS, 2001). A Semana de Arte Moderna de 1922, em São
Paulo veio propor o modernismo nas artes e nas letras. De uma forma geral, a
modernização da década de 20 abandonava a conceito de civilizar o Brasil,
31
conforme os padrões europeus, mas pregava que se deveria buscar uma identidade
nacional própria. Um dos movimentos de modernização mais importantes ocorreu na
educação, atingindo os níveis primário, secundário e o superior, com base em
teorias científicas, de caráter biológico, psicológico e social.
3.4 CRIAÇÃO DAS UNIVERSIDADES
Na década de 1930, ocorrem a reforma do ensino secundário e a criação
das universidades de São Paulo e do Rio de Janeiro (VARGAS, 2001). Em 1931, o
Ministério da Saúde e da Educação elaborou um regimento para as universidades,
cuja finalidade principal era reorganizar a Universidade do Rio de Janeiro, que havia
sido fundada em 1920, pela reunião da Escola de Medicina, da Escola Politécnica e
da Faculdade de Direito. No entanto, a primeira universidade brasileira realmente
efetiva, foi a de São Paulo, criado pelo governo estadual, em 1934. No modelo
paulista, as Faculdades existentes foram reunidas em torno da Faculdade de
Filosofia, Ciências e Letras, que contrataram professores na Europa para as áreas
de ciência exatas e ciências culturais. A presença dos professores estrangeiros foi
fundamental para a reestruturação radical do ensino superior no Brasil. Seus
discípulos são os mais eminentes cientistas e filósofos brasileiros, ainda atuantes
(USP apud VARGAS, 2001). Algo semelhante aconteceu com a criação em 1938 da
Faculdade de Filosofia no Rio de Janeiro, reorganizando a Universidade do Rio de
Janeiro na Universidade do Brasil.
Além do Rio de Janeiro, São Paulo e Paraná, a criação de universidades em
todo o território brasileiro somente ganhou força após a Segunda Guerra Mundial
(VARGAS, 2001), porém havia escolas superiores isoladas. Essas foram reunidas,
primeiramente em Porto Alegre, em Recife e na Bahia, e depois, em quase todas as
capitais, sendo todas integradas com faculdades nas quais se ministrava o ensino e
se praticava a pesquisa. Contando com as universidades espalhadas por quase
todas as suas capitais, o Brasil experimentou uma aceleração na aquisição e
desenvolvimento do conhecimento em diferentes áreas do conhecimento, tais como:
Matemática, Física, Química, Geociências, Geografia, Botânica, Zoologia, Biologia
Geral, Antropologia, Etnografia, Sociologia, Psicologia e Economia. Em cada uma
dessas áreas, Vargas (2001) conta resumidamente como ocorreu o progresso das
ciências pelo Brasil, iniciando pelo ensino e pelas investigações científicas.
32
3.5 CRIAÇÃO DOS CENTROS DE PESQUISA
O progresso das ciências, que começou a se consolidar a partir da década
de 30, não se restringiu ao campo científico, abrangendo também a área de
pesquisa tecnológica, com a criação do Instituto Nacional de Tecnologia (INT), no
Rio de Janeiro, e do Instituto de Pesquisas Tecnológicas (IPT), em São Paulo
(VARGAS, 2001).
O INT, criado em 1933, dedicando-se inicialmente a pesquisa de
combustíveis e minérios, obteve importantes trabalhos em petróleo e outros recursos
minerais do Brasil (VARGAS, 2001). O INT foi o pioneiro na utilização do álcool com
combustível dos motores a explosão e do desenvolvimento do gasogênio, na década
de 40, quando o país ficou sem gasolina e óleo, devido à Segunda Guerra Mundial.
Outra atividade foi na área de estruturas, de solos e fundações, levando a
Associação Brasileira de Normas Técnicas (ABNT) a redigir sua primeira norma, que
tratava dos procedimentos de projeto e da execução de estruturas de concreto
armado.
Em São Paulo, o Laboratório de Ensaios de Materiais (LEM) da Escola
Politécnica foi transformado no IPT, em 1934, como um anexo da USP. Herdando o
conhecimento tecnológico do LEM no uso do concreto armado em edifícios, pontes e
viadutos, o IPT realizou pesquisa tecnológica também nas seguintes áreas: metais e
metalurgia (considerada origem da atual indústria metalúrgica paulista); química com
pesquisas em combustíveis, cerâmica, borracha, têxteis e outros; seção de madeira
e aeronáutica, sendo o material trabalhado em madeira empregado em planadores,
aviões e hélices; e mecânica dos solos e fundações. O conhecimento obtido nesta
última área foi aplicado na construção das rodovias, edifícios e barragens das usinas
hidrelétricas.
Outros institutos de tecnologia também foram criados no Brasil, como o
Instituto Agronômico de Campinas e o Centro Nacional de Ensino e Pesquisas
Agronômicas, no Rio de Janeiro. Já no final da década de 40, o Ministério da
Aeronáutica criou o Instituto de Tecnologia Aeronáutica (ITA), em São José dos
Campos, sendo responsável pelo impulso à indústria aeronáutica e à pesquisa
espacial no país.
33
3.6 A EXPANSÃO INDUSTRIAL E O AVANÇO DA TECNOLOGIA
Como observa Vargas (2001), a expansão dos institutos de pesquisa
tecnológica coincidiu com a expansão industrial do país, provocada pela política
nacionalista do primeiro governo de Getúlio Vargas, destacando-se a implantação da
Usina Siderúrgica de Volta Redonda, na década de 1940. Também são desse
período as grandes obras de engenharia, entre elas: a construção de Goiânia; a do
Ramal Mairinque-Santos, da Estrada de Ferro Sorocabana; a do Porto de São
Sebastião; e da Estrada de Ferro Corumbá-Santa Cruz de la Sierra (Bolívia), sendo
esta a primeira realização da engenharia brasileira em território estrangeiro.
Em 1951, foi criado o Conselho Nacional de Pesquisas (CNPq1), cuja
finalidade era fomentar as pesquisas científicas e tecnológicas das universidades e
centros de pesquisa. Embora, a Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São
Paulo (FAPESP) tenha sido efetivamente criada em 1960, a Constituição de São
Paulo, de 1947, foi a pioneira na criação de órgão para fomento da pesquisa
científica e tecnológica. Em 1951, o Governo Federal criou a Coordenação de
Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES), destinado a prover bolsas
de estudo para os brasileiros.
Como observa Vargas (2001), naquele momento o Brasil dispunha de
mecanismos para desenvolver ciência de forma autônoma, faltando um para garantir
a execução continuada e organizada de pesquisas científicas e tecnológicas, o que
foi resolvido, em 1963, com a regulamentação dos cursos de pós-graduação.
Durante o segundo governo de Getúlio Vargas, a política de C&T esteve sob
orientação de primeiro presidente do CNPq, Almirante Álvaro Alberto. A política
adotada era de cunho nacionalista, que deveria ser conduzida por meio de
pesquisas feitas por cientistas e tecnólogos radicados no país, o que levaria o Brasil
a ter seu próprio sistema de C&T (VARGAS, 2001).
No governo de Juscelino Kubitschek, a orientação política foi de franca
abertura, levando a instalação no país das indústrias multinacionais de automóveis,
de construção naval, de mecânica pesada e de equipamento elétrico (VARGAS,
2001). No entanto, a construção de Brasília foi uma realização autônoma da
engenharia e da arquitetura brasileiras. Cabe ressaltar que a construção de Brasília
1 Atualmente, CNPq significa Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico.
34
e de estradas de rodagem entre as capitais demonstram o alto nível de capacitação
tecnológica que a construção civil já alcançara no final da década de 1950. No início
dos anos 1960, o Brasil contava com hidrelétricas nos estados de Minas Gerais e
São Paulo, tendo outras barragens em construção. Constata-se, assim, que
investimento em educação, ciência e tecnologia por médio e longo prazos garante a
disponibilidade de profissionais capacitados para realizar grandes projetos.
Em 1956, foi criada a Comissão Nacional de Energia Nuclear (CNEN), cuja
finalidade era estudar a política de energia nuclear adequada aos interesses
nacionais (VARGAS, 2001), e o Instituto de Energia Atômica (IEA), posteriormente
denominado Instituto de Pesquisas Energéticas e Nucleares (IPEN). Em 1958, o
Presidente Juscelino Kubitschek inaugurou no IEA um reator de piscina refrigerado e
moderado à água, o qual tinha a finalidade de produzir material radioativo.
Anteriormente, em 1953, foi organizado o Instituto de Pesquisas Radioativas (IPR1),
ligado a Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), concluindo, cinco anos mais
tarde, a instalação de um reator de água leve e urânio enriquecido, de origem
americana. Em 1954, IME organizou um curso de Introdução à Engenharia Nuclear
e, em 1969, um programa de pós-graduação em Engenharia Nuclear. No campus da
Ilha do Fundão, o Instituto de Engenharia Nuclear (IEN), criado em 1963 pela CNEN
em convênio com a Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), projetou e
construiu um reator de pesquisa tipo Argonauta, tendo sido inaugurado pelo
Presidente Castelo Branco em 1965. Vargas (2001) ressalta que apesar de
conhecimento adquirido pelos cientistas nesses órgãos de pesquisa, o Governo
Federal fez a opção de adquirir reatores nucleares prontos para a geração comercial
de energia elétrica: primeiro dos Estados Unidos (Angra 1) e depois da Alemanha
(Angra 2 e Angra 3).
Quanto ao projeto e à construção de aeroportos, a tecnologia foi absorvida
pela engenharia nacional durante o esforço de guerra, quando militares americanos
orientaram engenheiros brasileiros na construção de diversas pistas, principalmente
no Sul e no Sudeste (VARGAS, 2001). Assim, na década de 1960, engenheiros e
empresas brasileiras puderam projetar e construir aeroportos com pistas longas e
pavimentadas, requeridas pelos aviões a jato que surgiam.
1 Desde 1977, o IPR passou a chamar-se Centro de Desenvolvimento da Tecnologia Nuclear (CDTN),
estando, desde 1988, subordinado à CNEN (CENTRO DE DESENVOLVIMENTO DA TECNOLOGIA NUCLEAR, 2011).
35
Ainda na década de 1960, Vargas (2001) cita quatro eventos importantes
para o desenvolvimento da C&T no Brasil: em 1961, a fundação da Universidade de
Brasília (UnB); em 1962, o início das atividades da FAPESP; a organização no
Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico (BNDE1) do Fundo de
Desenvolvimento Técnico Científico (FUNTEC), cujo objetivo era fomentar a
participação de forma mais ativa da empresa brasileira no processo de
desenvolvimento tecnológico; e o quarto a instalação e expansão de vários cursos
de pós-graduação, baseados essencialmente em pesquisa.
Nas décadas de 1960 e 1970, a execução do desenvolvimento técnico-
econômico do país nos campos do transporte, siderurgias e energia foi conduzida
com pleno sucesso (VARGAS, 2001). O projeto e a construção de grandes obras
foram realizados por engenheiros e empresas nacionais, graças à política de Estado
perseguida e, em constante aperfeiçoamento, desde a década de 30, a qual
incentivava o desenvolvimento científico e tecnológico do Brasil, criando escolas de
engenharia, cursos de pós-graduação, bem como órgãos financiadores de estudos e
pesquisas. Um exemplo marcante desse período é a construção da Ponte Rio-
Niterói, com 8,83 quilômetros sobre as águas da Baía de Guanabara e 72 metros de
altura em seu ponto mais alto (WIKIPÉDIA, 2011a), cujos projetos e construção
empregaram tecnologias brasileiras de estruturas e fundações.
Um exemplo relevante de aproveitamento de conhecimento adquirido nas
universidades e centros de tecnologia em proveito de projeto e fabricação de
produtos de elevado conteúdo tecnológico é a fabricação de aviões adaptados às
necessidades brasileiras (VARGAS, 2001). Em 1969, foi criada a Empresa Brasileira
de Aeronáutica (EMBRAER), em São José dos Campos. Sua primeira realização foi
a fabricação do avião Bandeirantes, projetado pelo Centro Técnico Aeroespacial
(CTA). Em seguida, a EMBRAER desenvolveu o projeto e fabricou o avião Brasília e
vários aviões militares, tais como, o Xavante, o AMX e o Tucano (os dois primeiros
foram fabricados sob licença e em cooperação com empresas italianas). Hoje, a
EMBRAER é a terceira maior produtora de jatos civis, atrás apenas da Airbus e da
Boeing, e umas das maiores companhias exportadoras do Brasil, sendo líder
mundial no segmento de jatos regionais de passageiros no segmento de 70 a 122
assentos (WIKIPÉDIA, 2011b). Assim, ao buscar o conhecimento para fabricar
1 Em 1982, o BNDE passou a se chamar Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social
(BNDES).
36
aviões militares, a EMBRAER alcançou estágio de desenvolvimento tecnológico que
lhe permitiu fabricar aviões para o mercado civil com altíssimo valor de mercado,
demonstrando o benefício de se investir em tecnologia dual.
Expandindo o conhecimento técnico obtido na Casa do Trem e da Fábrica
de Pólvora da Lagoa Rodrigo de Freitas, o Exército Brasileiro estabeleceu várias
fábricas e arsenais para a fabricação de material bélico, principalmente na década
de 1930. Desde, então, o País tornou-se autossuficiente na produção de largo
espectro de produtos bélicos, desde armamento leve ao pesado, bem como a
munições, explosivos e rádios e telefones de campanha. Na década de 1970, o
Governo Federal decidiu criar uma empresa pública para administrar todo o acervo
técnico industrial sob o domínio do Exército, criando a Indústria de Material Bélico do
Brasil (IMBEL). Hoje, a IMBEL mantém o conhecimento tecnológico adquirido,
fabricando produtos de linha e realizando pesquisa alinhada com os interesses do
Exército, ao trabalhar em conjunto com o Centro Tecnológico do Exército (CTEx) e o
IME (DELLAGNEZZE, 2008).
No caso das siderurgias, houve uma bem sucedida transferência de
tecnologia por causa da existência no país de tradição estabelecida em metalurgia e
siderurgia. Assim não houve a compra em caixa preta da tecnologia, mas uma
apropriação de conhecimentos estrangeiros e a sua adaptação às condições
nacionais, feita por engenheiros e tecnólogos brasileiros, formados e especializados
no IPT e no IME (VARGAS, 2001).
Para projetar e construir grandes hidrelétricas, foram criadas no país, a partir
da década de 1960, empresas de construção pesada, de montagem eletromecânica
e escritórios de engenharia de projetos, que baseavam seus planos em pesquisas
tecnológicas realizadas por institutos brasileiros (VARGAS, 2001). Assim foi possível
construir a Usina de Ilha Solteira, a ampliação de Paulo Afonso, a Usina de Itaipu
(na época a maior do mundo) e o projeto para a construção da Usina de Tucuruí, em
plena selva amazônica. Quanto ao equipamento mecânico e elétrico empregado nas
usinas foi boa parte suprido por indústrias multinacionais aqui instaladas, a partir da
década de 1950.
Após a crise do petróleo de 1973, o Governo Geisel priorizou o
desenvolvimento de tecnologia nacional para diversificação da matriz energética.
Dessa forma, incentivou prospecção do petróleo na plataforma continental, produção
37
do álcool combustível como substituto da gasolina em veículos e energia nuclear
(VARGAS, 2001).
No caso da energia nuclear, o Governo Brasileiro decidiu construir a primeira
usina nuclear em 1968. A construção da Central de Angra dos Reis (Angra 1)
começou em 1970 e previa que Furnas recebesse a usina completamente montada
da empresa americana Westinghouse. A construção da usina levou mais tempo do
que o previsto, entrando em operação comercial somente em 1985
(ELETRONUCLEAR1, 2011).
Pretendendo acelerar o programa nuclear brasileiro, o Governo Geisel
assinou o Acordo Nuclear Brasil-Alemanha, em 1975, o qual previa a construção de
oito usinas de 1.300 MW cada uma, a serem instaladas até 1990 (VARGAS, 2001).
Além das usinas, o Acordo previa a transferência de tecnologia para domínio do
ciclo do combustível nuclear, desde o processamento do urânio até o
reprocessamento do combustível usado. No entanto, houve atrasos consideráveis
na execução do Acordo: apenas Angra 2 está em funcionamento e Angra 3 está em
construção, prevista para entrar em operação em 2014.
Em 1986, o IPT realizou estudo sobre a evolução dos institutos de pesquisas
nacionais (VARGAS, 2001). Este estudo mostra que em 1935 havia no Brasil
apenas três institutos públicos (federais ou estaduais) e um único vinculado à
universidade. Em 1950, o país já contava com sete institutos públicos (federais ou
estaduais), dois vinculados a universidades e um mantido por um grupo industrial. A
expansão continuou e, em 1986, o Brasil já contava com 65 institutos de pesquisa
tecnológica, sendo 25 federais ou estaduais, 28 vinculados a universidades, sete
mantidos por grupos industriais, principalmente de empresas estatais, e cinco
privados. Os centros vinculados a universidades, cujas pesquisas em sua maioria
estavam ligadas a cursos de pós-graduação, atuavam em setores de ponta. Já os
privados prestavam serviços tecnológicos referentes aos seus setores de interesse.
O estudo verificou também que a contribuição financeira proveniente do setor
privado para os institutos governamentais era pequena, o que revela fraca tendência
de absorção de tecnologia pelo setor privado. Por outro lado, é relevante a absorção
de tecnologia por parte das empresas estatais no período do milagre econômico.
1 Eletrobrás Termonuclear (ELETRONUCLEAR)
38
Quanto à evolução da atividade científica, a CAPES e o CNPq publicaram
uma memória sobre a situação dos cursos de pós-graduação em 1975 (VARGAS,
2001). Em 1966, o Brasil contava com 40 cursos de pós-graduação regulamentados,
passando para cerca de 670 em 1975, ministrados em 48 instituições de ensino
superior. Com os cursos de pós-graduação, a pesquisa científica passou a ser feita
de forma contínua e organizada por estudantes na elaboração de suas dissertações
de mestrado e teses de doutorado. Dessa forma, Vargas (2001) observa que a
atividade científica no Brasil cresceu e diversificou-se de forma muito significante
que se tornava praticamente impossível tentar resumi-la num sumário.
Na década de 1980, o Brasil diminui fortemente o crescimento econômico,
enfrentando um longo período de estagnação, com reflexo direto no
desenvolvimento da C&T, a chamada década perdida (VARGAS, 2001). Entre os
motivos, pode-se citar o esgotamento do modelo de crescimento econômico
baseado nas grandes construções, principalmente nos setores de construção e
energia; a segunda crise do petróleo; a alta dos juros internacionais; e descontrole
econômico com a alta da inflação.
Embora as atividades de pesquisa científica e tecnológica dependentes de
recursos estatais tivessem sido reduzidas durante o governo do Presidente
Figueiredo, elas continuaram nos cursos de pós-graduação das diversas instituições
de ensino superior. Segundo Vargas (2001), nesse período, merece destaque o
crescimento tecnológico na área agrícola adaptada à realidade brasileira, graças à
competência dos pesquisadores das escolas superiores de agronomia e dos
diversos centros especializadas da Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária
(EMBRAPA).
Em 1985, no governo Sarney, foi criado o Ministério da Ciência e da
Tecnologia (MCT), concretizando o compromisso do presidente Tancredo Neves
com a comunidade científica. No governo Collor, o MCT foi rebaixado a Secretaria,
retornando ao status de Ministério no governo Itamar (VARGAS, 2001). Atualmente,
o MCT tem as seguintes atribuições: política nacional de pesquisa científica,
tecnológica e inovação; planejamento, coordenação, supervisão e controle das
atividades da C&T; política de desenvolvimento de informática e automação; política
nacional de biossegurança; política espacial; política nuclear e controle da
exportação de bens e serviços sensíveis (MINISTÉRIO DA CIÊNCIA E
TECNOLOGIA, 2008).
39
Vargas (2001) afirma que a atual preocupação do meio científico em
aumentar o impacto da ciência brasileira no contexto mundial não deve ser
considerada prioritária. Segundo ele, o mais importante seria o impacto econômico e
social da transferência do atual conhecimento científico acumulado em novas
tecnologias para o benefício do povo. Ele afirma que o papel mais nobre da C&T,
não deve ser a simples busca de melhores índices de impacto internacionais, mas
sim, servir ao desenvolvimento do Brasil pela adaptação e pela implantação de
conhecimentos e técnicas descobertos em outros lugares à realidade nacional.
Vargas (2001) observa ainda que, a partir do advento da Nova República,
em 1989, houve uma mudança no direcionamento da pesquisa tecnológica,
passando de uma ferramenta para a realização de obras por companhias estatais,
por intermédio dos institutos de pesquisas governamentais, para uma ferramenta de
aumento da competitividade brasileira em nível internacional. Assim, o governo
pretende orientar, programar e financiar pesquisas a serem realizadas por órgãos
oficiais de pesquisa científica e tecnológica, pelas universidades, pelas indústrias e
pela agropecuária. Pretende-se que ao lado da pesquisa básica científica e da
pesquisa tecnológica, haja também a iniciativa das pesquisas por parte da indústria
e da agropecuária, revelando o propósito de alcançar a satisfação dos mercados
consumidores com produtos nacionais competitivos.
Concluindo este Capítulo, verifica-se que o Brasil tem procurado seguir o
caminho correto para alcançar seu desenvolvimento social e econômico. No início,
como Colônia de Portugal, pouco foi feito em três séculos. A partir do século XIX,
com a consolidação de seu território e com a independência política, o Brasil buscou
acelerar seu processo civilizatório com iniciativas em vários setores da vida nacional
com foco no progresso econômico e social. Na década de 30, um importante passo
foi dado para o avanço científico e tecnológico com a criação das universidades,
inicialmente no Rio de Janeiro e em São Paulo. A partir daí, nos casos apresentados
pelo Prof. Milton Vargas verifica-se que um ciclo estratégico foi seguido. Partindo do
reconhecimento de um problema, objetivos são definidos por recursos humanos
capacitados na área do conhecimento envolvido, podendo levar a novas demandas
científicas e tecnológicas, geração e disseminação de conhecimento, e assim por
diante, até que se obtenha a solução desejada e pertinente para a realidade
nacional. As grandes obras de infraestrutura, PROALCOOL, exploração de petróleo
em águas profundas, saúde pública, urbanização, agropecuária de alto desempenho
40
e aviões comerciais são alguns exemplos de sucesso que demonstram a
capacidade do povo brasileiro em resolver seus próprios problemas.
41
4 ANÁLISE CRÍTICA DA SITUAÇÃO ATUAL DA CT&I NO BRASIL
Neste Capítulo será examinado o desempenho relativo do Brasil em ciência,
tecnologia e inovação com base no relatório da UNESCO sobre Ciência de 2010
(UNESCO, 2010). Editado a cada cinco anos, o relatório apresenta um conjunto de
informações e análises, útil para conhecer e analisar a situação da CT&I de várias
regiões do mundo, podendo inclusive ser empregado para a o aprimoramento de
políticas nacionais. Cabe ressaltar que, no Relatório, há capítulos específicos para
alguns países que, por terem apresentando características de evolução, políticas, ou
investimento, se destacaram no cenário global. Entre estes, constam Brasil, China e
Índia.
Considerando o cenário mundial, investimentos nacionais em CT&I,
formação de recursos humanos altamente qualificados, publicações científicas,
patentes e política para o setor são apresentadas, verificando as oportunidades e os
óbices que podem influenciar o desenvolvimento científico-tecnológico brasileiro.
4.1 CENÁRIO MUNDIAL EM CT&I
Cada vez mais, observa-se a importância do conhecimento na economia
mundial. O acesso barato e fácil a novas tecnologias de informação e
comunicações digitais aceleram a difusão das melhores práticas em tecnologia,
revolucionando as atividades de pesquisas nas empresas e nos países. Há uma
tendência nos países em se investir em conhecimento, o que pode ser
observado nos gastos em educação superior e em P&D. A Índia decidiu
inaugurar 30 novas universidades para aumentar a quantidade de alunos
matriculados, de menos de 15 milhões, em 2007, para mais de 21 milhões em
2012. Grandes economias emergentes, tais como, Brasil, China, Índia, México e
África do Sul também estão gastando mais em P&D. O gasto interno bruto em
P&D (na sigla inglesa GERD, proveniente de Gross Expenditure on Research
and Development) no Brasil e na Índia tem crescido, mas é reflexo do forte
crescimento econômico, pois a relação GERD/PIB1 tem se mantido praticamente
estável no período de 2002 a 2007 (Índia: de 0,7% para 0,8%; Brasil: de 1,0%
1 Taxa de crescimento do GERD em relação ao PIB.
42
para 1,1%). Já no caso chinês, além do forte crescimento econômico, a relação
GERD/PIB teve um aumento expressivo, passando de 1,1% em 2002 para 1,4%
em 2007, fazendo com que o GERD em termos absolutos praticamente
triplicasse no período. Como referência, é interessante notar que a relação
GERD/PIB dos EUA se manteve estável em 2,7% no mesmo período, sendo
quase o triplo da brasileira.
Com relação à crise das hipotecas de 2008 nos EUA, o Relatório da
UNESCO aponta um fenômeno que desafia os antigos modelos de comércio e
crescimento Norte-Sul, apesar de não ser ainda observável reflexos da recessão
nos dados de P&D. Enquanto Europa, Japão e EUA ainda lutam para vencer a
recessão, empresas de países emergentes como Brasil, China, Índia e África do
Sul estão apresentando um crescimento doméstico sustentável e aumentando o
nível na cadeia do valor agregado. Os antes meros fornecedores de matéria-
prima e compradores de manufaturados agora estão desenvolvendo de forma
autônoma tecnologias de processos e produtos, bem como realizando pesquisa
aplicada. A China, a Índia e outros países asiáticos têm combinado uma política
nacional direcionada para tecnologia com uma agressiva e bem-sucedida
pesquisa acadêmica em curto período de tempo. Para tal, esses países têm
usado incentivos monetários, não monetários e reformas institucionais, além de
estarem buscando a importação de cérebros.
Enfim, o Relatório da UNESCO verifica que a realização do crescimento
intensivo lastreado em conhecimento já não é mais uma prerrogativa dos países
centrais. Em 1990, mais de 95% das atividades de P&D eram conduzidas nos
países desenvolvidos; já em 2002, os países desenvolvidos eram responsáveis
por menos de 83%, e, em 2007, por 76%. O crescimento não está mais restrito a
simples formulação de políticas nacionais para garantir sua consecução. A
criação do valor depende cada vez mais do melhor emprego do conhecimento,
qualquer que seja seu nível de desenvolvimento, sua forma e sua origem. Para
tal, a busca pelo conhecimento deve ser incessante e ilimitada. Conhecimento
adquirido de outros lugares deve ser combinado de forma inovadora com
tecnologias de produtos e processos desenvolvidas domesticamente, aplicando-
se isto a todos os setores da economia, seja público, ou privado.
Quanto aos recursos humanos, quase três quartos dos pesquisadores do
mundo estão concentrados nos EUA, União Europeia, China, Rússia e Japão,
43
sendo que estes detêm apenas 35% da população mundial. Em contraste, a
Índia, o segundo país mais populoso com 17% da população mundial, dispõe
apenas de 2,2% do total de pesquisadores. Os continentes inteiros da América
Latina e da África representam 3,5% e 2,2%, respectivamente. Logo, há uma
forte desigualdade na distribuição de pesquisadores ao redor do mundo.
Já é observável um avanço na participação de pesquisadores dos países
em desenvolvimento no mundo, de 30% em 2002 para 38% em 2007, embora
dois terços desse crescimento devam ser creditados à China. Os países estão
formando e treinando muito mais cientistas e pesquisadores do que antes, mas
os recém-formados têm enfrentado dificuldades para encontrar colocações
qualificadas, ou condições de trabalho atraentes em seus países. Como
resultado, a migração de pesquisadores altamente qualificados do Sul para o
Norte foi uma característica da década passada. Essa perda de cérebros criou
sérios problemas para a P&D doméstica dos países em desenvolvimento. Na
Índia, verificou-se uma evasão de cérebros interna, onde empresas nacionais
não conseguiram competir com os atraentes pacotes de compensação
oferecidos pelas empresas estrangeiras presentes naquele país. Para combater
a evasão, os países estão elaborando políticas para atrair os expatriados com
alta qualificação de volta. Quando o pesquisador retorna ao seu país, o efeito é
altamente positivo, pois promove uma transferência de tecnologia mais efetiva,
internando habilidades adquiridas no exterior. Isto ocorreu na Coreia do Sul e,
hoje, pode ser observado com intensidade na China.
Em termos de publicações científicas, o Relatório da UNESCO mostra
que o EUA é o líder absoluto com 28% de participação mundial, embora seja
perceptível a redução deste índice ao longo dos últimos seis anos. A União
Europeia é a região líder com 37% de participação, embora também tenha
perdido 4% no mesmo período. Em contraste, a China mais do que dobrou sua
participação em apenas seis anos, representando mais de 10% do total mundial.
Contudo, a taxa de citações dos artigos chineses ainda é bem inferior do que as
taxas dos EUA, União Europeia e Japão. Em termos de continente, a América
Latina saltou de 3,8% para 4,9%, mas esse aumento se deve principalmente ao
Brasil.
Outro indicador importante trata-se da apropriação privada do
conhecimento em termos de patentes depositadas nos escritórios de patentes
44
dos EUA, da União Europeia e do Japão, os mais importantes do mundo. As
patentes depositadas nesses escritórios são geralmente consideradas de alta
qualidade. Como um indicador tecnológico, as patentes refletem o caráter
cumulativo e tácito do conhecimento contido na propriedade intelectual
reconhecida. O Relatório da UNESCO afirma que o indicador de patentes é
aquele que demonstra de forma incisiva a desigualdade na criação do
conhecimento em nível global. Os EUA são o principal mercado do mundo para
as licenças tecnológicas. O Japão, a Alemanha e a Coreia do Sul são os outros
grandes detentores de patentes. Em contraste, a participação da Índia é de
apenas 0,2% de todas as patentes depositadas nesses três escritórios, muito
semelhante às participações percentuais do Brasil, que é de apenas 0,1% e a da
Rússia, 0,2%.
O número de usuários da internet pode indicar se o acesso facilitado à
informação e ao conhecimento é capaz de proporcionar uma difusão mais rápida
de C&T. Os países do bloco formado por Brasil, Rússia, Índia e China (BRIC) e
outros países em desenvolvimento estão alcançando rapidamente os países da
Tríade nesse indicador.
Finalmente, o Relatório da UNESCO mostra que a disparidade nos níveis
de desenvolvimento entre os países e regiões continua marcante, atribuindo que
a origem dessa divergência pode ser relevada pelos níveis dispares de
investimento em conhecimento por longos períodos de tempo. A década passada
desafiou esse quadro, devido à proliferação das TIC (Tecnologia da Informação
e Comunicação) digitais que têm tornado o conhecimento acessível em todo o
mundo. Nesse contexto, países gigantes e emergentes, como Brasil, China e
Índia, tem se esforçado para alcançar o estado da arte simultaneamente nas
esferas industrial, científica e tecnológica. Como resultado, nos cinco anos do
Relatório, a liderança dos EUA começou a ser ameaçada por novos atores.
Durante a recessão global, os EUA foram mais atingidos do que Brasil, China e
Índia, o que permitiu que esses países estivessem mais preparados e
progrediram mais rapidamente do que teriam progredido sob outras
circunstâncias. Interessante notar que a melhor capacitação também se reflete
na chegada de grandes empresas multinacionais de países emergentes no
cenário mundial, que vão desde indústrias maduras, como siderurgias, fábricas
de automóveis e bens de consumo, até indústrias de alta tecnologia, como
45
fábricas de medicamentos e aeronaves. Hoje, há uma tendência de que a
política de C&T seja substituída por uma política de CT&I, fazendo com que os
países incentivem com financiamento competitivo de pesquisa a colaboração
entre universidades, indústrias e os centros de excelência.
4.2 SITUAÇÃO ATUAL DA CT&I NO BRASIL
O Brasil teve um forte crescimento econômico entre 2002 e 2009,
considerando que o PIB teve um incremento de 27% (MINISTÉRIO DA CIÊNCIA
E TECNOLOGIA, 2011). Contudo, a relação GERD/PIB ficou abaixo disto,
aumentando cerca de 20%, de 0,98% para 1,19% no mesmo período. Esse
resultado ainda está distante da meta de 1,5% prevista para 2010, conforme o
Plano de Ação em Ciência, Tecnologia e Inovação para o Desenvolvimento
Nacional (PATCI), lançado em 2007 pelo Governo Federal. Logo, a intensidade
de P&D avançou menos do que a economia como um todo. Embora, a
GERD/PIB brasileira seja bem maior que a de outros países latino-americanos
(por exemplo, em 2008: Argentina, 0,50%; e México, 0,38%), está ainda bem
atrás da média dos países da OCDE e da União Europeia, 2,28% e 1,77%,
respectivamente em 2008.
A participação do setor público no GERD ainda é muito importante,
mantendo, em 2009, a fatia de 51,6% (MINISTÉRIO DA CIÊNCIA E
TECNOLOGIA, 2011), sendo isto comum entre os países em desenvolvimento.
Aproximadamente três quartos dos cientistas brasileiros trabalham no setor
acadêmico. Em 2009, o Brasil publicou 31,2 mil artigos científicos indexados pelo
Thomson Reuter’s Science Citation Index, representando 2,69% do total mundial
e colocando o país na 13ª posição entre aqueles que mais publicam
(MINISTÉRIO DA CIÊNCIA E TECNOLOGIA, 2011; UNESCO, 2010). Segundo o
Relatório da UNESCO, 90% dos artigos foram gerados em universidades
públicas. Tal quadro revela que a contribuição do setor privado no
desenvolvimento científico nacional ainda é fraca.
Segundo o Relatório da UNESCO, o setor empresarial brasileiro é
dinâmico e tem alcançado projeção internacional em diversas áreas. O Brasil é
autossuficiente em petróleo, dominando a tecnologia de prospecção e
exploração em águas profundas. Desenvolveu tecnologia agrícola que fez o país
46
ser uma verdadeira potência neste setor, possuindo os sistemas mais eficientes
para cultivo de soja e produção de etanol de cana-de-açúcar. O país projeta e
fabrica aviões comerciais a jato competitivos a nível mundial. Também fabrica os
melhores automóveis bicombustíveis. Na área das TIC, desenvolveu sistema
bancário de alto nível; sistema de controle de imposto de renda que contabiliza
mais de 23 milhões de declarações anualmente; e o sistema eleitoral é um
exemplo para o mundo, pois permite a contabilização segura de mais de 100
milhões de votos em poucas horas. No entanto, segundo o Relatório da
UNESCO, o setor empresarial registrou apenas 103 patentes no Escritório de
Patentes e Marcas Registradas do EUA (USPTO) em 2009.
Embora haja consciência da importância do conhecimento para a
promoção da competitividade pela inovação, as políticas públicas estimulavam,
até 1999, quase exclusivamente a pesquisa acadêmica. A partir de então, foram
criados os primeiros fundos setoriais e outras iniciativas, visando incrementar a
participação da P&D empresarial. Em 2003, foi anunciada a Política Industrial,
Tecnológica e de Comércio Exterior (PITCE), que vinculou a política de inovação
aos objetivos de exportação, estabelecendo as seguintes áreas prioritárias:
semicondutores, microeletrônica, software, bens de capital, produtos
farmacêuticos, biotecnologia, biomassa e nanotecnologia. Em 2004, foi aprovada
pelo Congresso Nacional a Lei da Inovação. Em 2007, o Governo Federal
anunciou o PATCI.
O Relatório da UNESCO destaca a criação dos fundos setoriais, entre
2000 e 2002, como a mais significativa inovação no financiamento federal de
P&D no Brasil dos últimos 20 anos. Os fundos determinaram objetivos
específicos para projetos de P&D selecionados pelo governo em benefício de
setores selecionados para privatização no início da década passada. O conceito
dos fundos setoriais surgiu a partir do reconhecimento de que muitas empresas
estatais eram fortes em P&D, principalmente nas áreas de telecomunicações e
energia, e que essas atividades precisavam ser mais do que preservadas,
precisavam ser fortalecidas. Os recursos dos fundos proveem do
redirecionamento de impostos existentes e de parcela de faturamento das
empresas que atuam em setores com importância estratégica. Com os recursos
dos fundos setoriais, o orçamento do Fundo Nacional de Desenvolvimento
Científico e Tecnológico (FNDCT) passou de 220 milhões de reais, corrigidos
47
pelo IPCA1, para 3,1 bilhões de reais em 2010 (REZENDE, 2010). Para mitigar a
heterogeneidade entre as regiões brasileiras, cada fundo setorial tem que aplicar
pelo menos 30% dos recursos para desenvolver as áreas mais frágeis em P&D,
ou seja, as Regiões Norte, Nordeste e Centro-Oeste. Atualmente, existem
dezesseis fundos setoriais, a seguir enunciados (MINISTÉRIO DA CIÊNCIA E
TECNOLOGIA, 2010): CT-Aeronáutico para fomento à pesquisa no setor
aeronáutico; CT-Agronegócio,: fomento à pesquisa no setor do agronegócio; CT-
Amazônia, fomento à pesquisa na Região Amazônica; CT-Aquaviário, fomento à
pesquisa no setor de transporte aquaviário e de construção naval; CT-
Biotecnologia, fomento à pesquisa de biotecnologia; CT-Energia, fomento à
pesquisa no setor de energia elétrica; CT-Espacial, fomento à pesquisa no setor
espacial; CT-Hidro, fomento à pesquisa no setor de recursos hídricos; CT-
Informática, fomento à pesquisa no setor de tecnologia da informação; CT-Infra,
fomento a projetos de implantação e recuperação da infraestrutura de pesquisa
das instituições públicas; CT-Mineral, fomento à pesquisa no setor mineral; CT-
Petro, fomento à pesquisa no setor de petróleo e gás natural; CT-Saúde,
fomento à pesquisa no setor de saúde; CT-Transporte, fomento à pesquisa no
setor de transportes terrestres e hidroviários; CT-Verde-Amarelo (Universidade
Empresa), fomento à pesquisa e à inovação tecnológica; e Fundo para o
Desenvolvimento Tecnológico das Telecomunicações (FUNTTEL), fomento para
o desenvolvimento tecnológico das telecomunicações.
Embora o Brasil tenha conseguido aumentar o número de doutores
formados anualmente, o país carece de profissionais de P&D. Em 2008, foram
formados 10.711 novos doutores, que representa apenas 4,6 doutores para cada
100 mil habitantes. Tal relação é 15% menor do que a da Alemanha e
praticamente um terço da Coreia do Sul (CAPES apud UNESCO, 2010). Na
graduação, o país também enfrenta um forte desafio, pois apenas 16% dos
jovens entre 18 e 24 anos estavam matriculados no ensino superior em 2008.
Essa relação precisa triplicar para que o Brasil alcance o patamar inferior
praticado entre os países da OCDE. Para ultrapassar esse desafio, a estratégia
tem sido aumentar o número de instituições privadas, ao mesmo tempo em que
amplia as inscrições nas universidades públicas. Reconhecendo o papel
1 Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA).
48
estratégico das universidades federais para o desenvolvimento econômico e
social, o Governo Federal lançou em 2007 o Programa de Apoio a Planos de
Reestruturação e Expansão das Universidades Federais (REUNI). Na primeira
etapa do REUNI, a expansão da rede federal de ensino superior prevê a
interiorização dos campi das universidades federais, além de criar outras 14.
Com isso, o número de municípios atendidos passará de 114 em 2003 para 237
até o final de 2011 (MINISTÉRIO DA EDUCAÇÃO, 2010). Continuando o
programa de expansão, o Governo Federal anunciou em 2011 a criação de mais
4 universidades federais, 47 campi universitários e 208 unidades de educação
profissional, científica e tecnológica até 2014, totalizando novas 850 mil vagas
(MINISTÉRIO DA EDUCAÇÃO, 2011). Buscando aprimorar a qualidade da
formação dos profissionais de P&D, o Governo Federal também lançou em 2011
o Programa Ciência sem Fronteiras. O Programa visa consolidar, expandir e
internacionalizar a C&T, a inovação e a competitividade brasileira por meio do
intercâmbio de alunos de graduação e pós-graduação e da mobilidade
internacional, prevendo a concessão de até 75 mil bolsas em quatro anos
(CAPES, 2011).
A maior parte das atividades de P&D no Brasil é realizada em instituições
públicas, pois 57% dos pesquisadores são servidores de universidades e 6%, de
institutos de pesquisa. A parcela restante, 37%, está no setor empresarial. Esta
distribuição demográfica dos pesquisadores é consistente com o fato de que os
gastos em P&D no setor público sejam maiores do que no privado. Além disso,
também acaba por refletir no pequeno número de patentes geradas pela
indústria. Segundo o Relatório da UNESCO, a fraca presença de pesquisa de
pesquisadores no setor empresarial é um dos principais obstáculos ao
estabelecimento de laços mais fortes entre universidades e empresas, em prol
da inovação. Dentre os pesquisadores brasileiros nas empresas, apenas 15%
dos pesquisadores possuem mestrado ou doutorado. Na Coreia do Sul, essa
relação é de 39%, sendo 33% com mestrado e 6% com doutorado.
A participação das publicações científicas brasileiras chegou a 2,69% em
2009, com o total de 31,2 mil artigos (MINISTÉRIO DA CIÊNCIA E TECNOLOGIA,
2011; UNESCO, 2010). Este fato pode ser correlacionado ao aumento de
doutorados finalizados, pois é praxe que o trabalho realizado seja publicado em
revistas internacionais. Também pode ser verificado o crescimento da relevância
49
dos artigos, pois o impacto aumentou de 1,45 citações por artigo dois anos após
a publicação em 2000 para 2,05 citações em 2007 (UNESCO, 2010). Segundo o
Relatório da UNESCO, a presença brasileira aumentou nos principais campos da
ciência, destacando-se: agronomia e veterinária (3,07% do total mundial); física
(2,04%); astronomia e ciência espacial (1,89%); microbiologia (1,89%); e
botânica e zoologia (1,87%).
O Relatório da UNESCO afirma que o florescimento duma comunidade
científica consistente tem permitido o desenvolvimento de programas que
requerem grande número de pesquisadores, citando o caso do Projeto Genoma,
o qual obteve repercussão internacional. Implementado em São Paulo, foi o
primeiro a sequenciar o DNA1 de uma bactéria fitopatogênica, a Xylella
fastidiosa. O artigo foi capa da Revista Nature, edição de julho de 2000. Além de
promover ciência avançada, o Projeto Genoma, que foi realizado em parceria
com a Associação de Produtores de Cítricos (Fundecitrus), gerou conhecimentos
que permitiram que a Fundecitrus desenvolvesse técnicas para controlar uma
doença que atacava as laranjeiras. Pelo menos duas empresas foram criadas
como consequência do Projeto.
Em relação às patentes, o Relatório da UNESCO aponta que o número
gerado pelo Brasil é muito pequeno para o tamanho de sua economia e
infraestrutura científica. Enquanto a Índia teve 679 patentes de utilidade
reconhecidas pelo USPTO para suas invenções em 2009 e a Coreia do Sul,
23.950, o Brasil apenas 464 (MINISTÉRIO DA CIÊNCIA E TECNOLOGIA, 2011;
UNESCO, 2010). Entre as possíveis explicações para esse fraco desempenho, o
Relatório aponta: pequeno número de cientistas que trabalha no setor
empresarial; poucos pesquisadores possuem mestrado ou doutorado; grande
número de empresas multinacionais que costumam realizar P&D na matriz
apenas; e falta de ousadia nos objetivos de P&D das indústrias, como
consequência de décadas de funcionamento num mercado fechado e numa
economia pouco confiável. Contudo, a partir dos anos 1990, o mercado tornou-
se mais aberto, num cenário de maior competição e economia mais estável, o
que pode levar o setor empresarial a tomar novas atitudes, em benefício da
inovação.
1 Deoxyribonucleotide acid (DNA)
50
Por outro lado, o patenteamento acadêmico tem tomado força no Brasil.
Segundo o Relatório da UNESCO, três dos dez maiores detentores de patentes
no Instituto Nacional de Propriedade Intelectual (INPI), entre 2000 e 2005, eram
instituições acadêmicas: a Universidade de Campinas (UNICAMP), a FAPESP e
a UFMG. Isto parece indicar que as instituições acadêmicas ao proteger sua
propriedade intelectual, estariam, então, buscando oportunidades de negócio. No
entanto, o Relatório afirma que poucas universidades têm conseguido gerar
receita maior do que os gastos com o processo de aquisição de patentes. Na
verdade, a motivação para que uma universidade registre uma propriedade
intelectual deveria ser a obrigação de difundir o conhecimento na sociedade,
criando oportunidades para as novas gerações. Enfim, ele afirma que há muito a
ser aprendido no Brasil sobre os benefícios para a sociedade na geração de
novos negócios por meio de uma educação superior de excelência. O Relatório
cita como exemplo notável o ITA, reconhecido como uma das melhores escolas
de engenharia, que viabilizou a EMBRAER pela capacitação de pessoal
altamente especializado e pela inovação com base no conhecimento.
Há outras duas histórias de sucesso em inovação: a aplicação de CT&I
do setor de agronegócios e o PROALCOOL. No primeiro caso, o setor tem
alcançado resultados impressionantes na quantidade produzida e na qualidade
dos produtos. Em pouco mais de cem anos, agricultura no Brasil evoluiu de
rudimentar para de alto desempenho e produtividade, destacando-se a cultura da
soja, da laranja e do café. O segredo do sucesso foi o investimento público em
P&D por meio da EMBRAPA e de outras organizações dentro do sistema
nacional de pesquisa agrícola, focado em inovação.
Já o PROALCOOL, lançado nos anos 1970, é a mais ambiciosa política
no mundo para uso de biocombustível em motores a combustão. O sucesso
alcançado pelo programa na década de 1980 e início dos anos 1990 foi
espetacular, pois quase a totalidade da frota de automóveis era movida a álcool.
No entanto, em meados dos anos 1990, o baixo preço da gasolina, problemas no
fornecimento do álcool e facilidade para importação de veículos (disponíveis
apenas a gasolina) fizeram com que o interesse pelos carros movidos a gasolina
voltasse a aumentar. Em consequência, a fabricação de carros movidos
exclusivamente a álcool representava uma pequena parcela da produção. Na
década seguinte, o programa ganhou novo impulso com o lançamento dos
51
motores inteligentes que utilizam tanto gasolina, como álcool, com qualquer teor
de mistura desses combustíveis. Trata-se da melhor tecnologia de motores
bicombustíveis desenvolvida por equipes brasileiras de P&D que trabalham no
país para fabricantes estrangeiros de peças e automóveis. Quanto ao etanol, o
Brasil em 2008 era o segundo maior produtor, atrás dos EUA. No entanto, o
custo de produção no Brasil, US$ 0,19 por galão, é menos da metade da média
mundial, US$ 0,40.
Em ambos os casos mencionados acima, o principal recurso tem sido o
estoque de profissionais com alto nível educacional treinados em instituições de
mais alto padrão acadêmico do mundo. A parceria público-privada tem sido
capaz de levar o conhecimento desenvolvido ao mercado, ou seja, inovação.
É importante ainda considerar o conteúdo tecnológico dos modernos
sistemas de defesa. Esses sistemas utilizam tecnologias intensivas em ciência, que
estão na fronteira do conhecimento, as chamadas tecnologias de ponta, ou alta
tecnologia (LONGO, 2004). Sendo assim, fica ainda mais evidente o caráter
estratégico da tecnologia, pois para uma nação obter um sistema autônomo de
defesa, com o necessário domínio sobre os conhecimentos empregados, tal nação
precisa de uma moderna infraestrutura de P&D; de engenharia; e de um parque
industrial que possa realizar os projetos.
Finalmente, o Relatório da UNESCO ressalta que a capacidade brasileira
de C&T já avançou bastante desde a criação das universidades na década de
1930, contando com órgão de fomento e financiamento da C&T, com cursos de
pós-graduação, entre outros fatos relevantes. Apesar da prática de C&T ter
menos de um século no Brasil, o país já goza de destaque internacional,
principalmente em ciência, o que ressalta a capacidade criativa de seu povo. No
entanto, ainda carece de aumentar a participação do meio produtivo no
desenvolvimento de P&D na busca da inovação, a fim de alavancar o
desenvolvimento econômico e social do Brasil. Para tal, precisa ainda
ultrapassar algumas barreiras ao investimento empresarial em P&D: dificuldade
de acesso ao capital, em função das altas taxas de juros; problemas de logística
que atrapalham as importações e as exportações; sistema educacional
inadequado que impossibilita a expansão de trabalhadores qualificados para
quase todas as colocações, principalmente aquelas ligadas à engenharia.
52
Nesse mesmo sentido, Longo (2004) reconhece que o Brasil tem se
esforçado para construir uma infraestrutura favorável à inovação. No entanto, ele
afirma que até agora o objetivo foi parcialmente atingido, tendo sucesso no
campo científico, mas ainda modesto no campo tecnológico. Ele aponta as
seguintes razões: fracasso no campo educacional; desnacionalização da
indústria em setores intensivos em tecnologia, tais como, produtos eletrônicos,
computadores, equipamentos de comunicações e microeletrônica, principalmente
em projeto e fabricação de circuitos integrados; falta de ousada e persistente
política industrial e de serviços; incentivos fiscais e não fiscais modestos para a
geração de inovações tecnológicas; e falta de políticas ambiciosas para
valorização da engenharia, desde a formação dos engenheiros até a exportação
de seus serviços. Quanto a esse último argumento, ele lembra que a engenharia
está presente em todo o setor produtivo, seja nas fábricas, nos canteiros de
obras, nas universidades, nos centros de pesquisa, no setor de transporte, na
geração de energia, na logística, na produção de alimentos, na fabricação de
medicamentos, ou na proteção ao meio ambiente, entre outros.
Nos últimos vinte anos, uma fraca reposição de pessoal dos institutos e
centros de pesquisa públicos tem sido observada. Alegando falta de recursos,
sucessivos governos não têm promovido a realização de concursos e
contratações em número suficiente para evitar que o conhecimento seja perdido
nessas instituições, pois o processo de transmissão do saber é muito
dependente da convivência entre o pesquisador maduro e o iniciante por certo
período. É necessário que os governos voltem a praticar política positiva de
contratação de cientistas e pesquisadores, para que não haja estagnação, ou
pior retração, do patamar científico e tecnológico já alcançado em nosso País.
53
5 CONCLUSÃO
Apesar do desenvolvimento científico e tecnológico do Brasil ter iniciado com
bastante atraso em relação aos países centrais, tomando impulso há menos de 70
anos, hoje o Brasil já goza de respeito internacional em ciência e possui diversas
inovações e soluções nacionais. É bastante surpreendente verificar o
reconhecimento internacional, demonstrado pelo destaque do Brasil, juntamente
com Coreia do Sul, China e Índia no Relatório UNESCO sobre Ciência.
Logo, a própria história da CT&I no Brasil é uma constatação de que o
desenvolvimento nacional é totalmente dependente de um povo que possa conduzir
seus próprios programas e projetos, podendo até partir de soluções existentes no
exterior, mas que possam ser adaptadas para a realidade local. Não há menor
dúvida que isso se trata de uma questão de soberania, pois cada país deve estar
preocupado em resolver seus próprios problemas. No entanto, não se deve
negligenciar o fato que algum país possa querer resolver seus problemas
interferindo em outros países, buscando recursos que não tem, ou que já tenha
esgotado. Apesar da postura pacífica do Brasil nas suas relações internacionais, não
admitindo intervenção nos problemas internos dos outros países, deve estar muito
bem preparado para bem defender a integridade de seu território, evitando
quaisquer aventuras alheias.
Cavalcanti (2002) ressalta que o conhecimento sempre foi importante para o
desenvolvimento econômico, mas que na entrada do terceiro milênio tornou-se peça
central, sendo considerado motor da economia. Sendo assim, a sociedade do
conhecimento traz a ameaça de que a distância entre os países pobres e ricos
aumente, caso os pobres aceitem passivamente que são consumidores de bens
intensivos em tecnologia. No entanto, já que se trata de um mundo novo, pode ser a
oportunidade para que se tornem desenvolvidos, adaptando-se as novas regras do
jogo do desenvolvimento com o uso do conhecimento.
Portanto, o Brasil precisa decidir qual o papel que deseja exercer nesse
novo contexto: produtor ou consumidor de produtos e serviços intensivos em
conhecimento (CAVALCANTI, 2002). Se o País deve continuar a ser exportador de
produtos com baixo valor agregado, estando satisfeito em ser potência agrícola, ter
potencial energético, possuir grande reserva de biodiversidade e recursos hídricos e
continuar a ser importador de produtos e serviços intensivos em conhecimento, ou
54
se vai investir no seu próprio povo para que se tenha domínio sobre o conhecimento
de como melhor explorar suas próprias riquezas, aumentando o valor agregado de
seus produtos e serviços, gerando riqueza e construindo uma sociedade mais justa.
Segundo Rezende (2010), está na hora da sociedade exigir que educação,
ciência e tecnologia sejam pilares da agenda nacional e de um projeto de Estado,
em que seja fundamental uma forte participação da população no sistema produtivo,
de forma que tal empreitada realmente leve o Brasil a ser um país plenamente
soberano. Para tal, o autor ressalta a necessidade de que a pesquisa e a inovação
sejam massificadas no sistema produtivo, tornando-se algo corriqueiro em na
sociedade.
Nas três últimas décadas, o comportamento da economia mundial, marcado
pela intensa dinâmica tecnológica e forte concorrência, mostra que os países sem
programas de investimento em CT&I dificilmente alcançarão o desenvolvimento
virtuoso, na qual a competitividade internacional não dependa da exploração
predatória de recursos naturais ou humanos (REZENDE, 2010).
Outro fato que marca a CT&I como pilares estratégicos da soberania é o
conjunto de metas para 2022 estabelecido, em 2010, pelo MCT e a Secretaria de
Assuntos Estratégicos da Presidência da República (SAE/PR) para que o país seja
plenamente independente no ano em que completará 200º aniversário de sua
independência política (REZENDE, 2010). O período de 12 anos mostra que CT&I
está sendo tratado como política de Estado e não de governo, pois corresponde a
pelo menos três administrações. Quanto às metas, cabe aqui ressaltar algumas:
ampliar a relação GERD/PIB para 2%; alcançar 5% da produção científica mundial;
triplicar o percentual de egressos dos cursos de engenharia em relação ao total de
graduados dos atuais 5% para 15%; dominar as tecnologias de microeletrônica, de
produção de fármacos, de nanotecnologia e de biotecnologia; assegurar
independência na produção de combustível nuclear e nas tecnologias de reatores; e
dominar as tecnologias de fabricação de satélites e de veículos lançadores.
Consta do PATCI 2007-2010 que CT&I está diretamente relacionada à
soberania. A ciência, a tecnologia e a inovação são, no cenário mundial
contemporâneo, elementos fundamentais para o desenvolvimento, o crescimento
econômico, a geração de emprego e renda, e a democratização de oportunidades. O
trabalho de técnicos, cientistas, pesquisadores e acadêmicos e o engajamento das
empresas são fatores determinantes para a consolidação de um modelo de
55
desenvolvimento sustentável, capaz de atender às justas demandas sociais e ao
permanente fortalecimento da soberania. Esta é uma questão de Estado, que vai
além da ação governamental (BRASIL, 2007).
Concluindo, então, CT&I fazem parte dos meios à disposição da nação para
manutenção de sua soberania. Uma nação forte em CT&I significa que tem recursos
humanos e materiais altamente especializados. Certamente, tal sociedade estará
bem capacitada para ultrapassar desafios, inclusive aqueles que possam interferir
na soberania nacional. Como CT&I são recursos estratégicos, necessitando de
investimentos elevados por longos prazos, conforme discutido neste trabalho, logo,
pode-se afirmar que ciência, tecnologia e inovação são pilares estratégicos para a
soberania nacional, fundados sobre um sistema educacional universal e eficaz.
56
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