Ciência para todos - Nº. 05

56
Revista de divulgação científica do INPA Ciência para todos Agosto de 2010 · nº 05, ano 2 (Distribuição Gratuita) ISSN 19847653 Mudanças climáticas e malária: o que muda na Amazônia Inpa faz 56 anos gerando conhecimento na Amazônia Estudo realiza levantamento sobre áreas de risco em Manaus Conheça um pouco mais sobre as Ariranhas

description

Mudanças climáticas e malária: o que muda na Amazônia

Transcript of Ciência para todos - Nº. 05

Revista de divulgação científica do

INPACiência para todos Agosto de 2010 · nº 05, ano 2 (Distribuição Gratuita) ISSN 19847653

Mudanças climáticas e malária:

o que muda na Amazônia

Inpa faz 56 anos gerando conhecimentona Amazônia

Estudo realiza levantamento sobre áreas de risco em Manaus

Conheça um pouco maissobre as Ariranhas

Adalberto Luis Val Diretor do Inpa

Wanderli Pedro TadeiVice-diretor do Inpa

Sérgio Fonseca GuimarãesChefe de Gabinete

Estevão Monteiro de PaulaCoordenador de Ações Estra-tégicas - COAE

Beatriz Ronchi TelesCoordenadora de Capacitação - COCP

Lúcia YuyamaCoordenadora de Pesquisas e Projetos - COPE

Carlos Roberto BuenoCoordenador de Extensão - COXT

Tatiana LimaChefe da Divisão deComunicação Social e Jornalista responsável MTB (4214/MG)

RedaçãoDaniel JordanoEduardo GomesJosiane SantosClarissa BacellarWallace Abreu

FotografiasAnselmo D’AffonsecaEduardo GomesTabajara Moreno

Revisão Deise Mesquita

ColaboradoresTabajara MorenoEliena Monteiro

Projeto GráficoLeila RonizeRildo Carneiro

Editoração EletrônicaRildo Fernandes Carneiro

Artes e Ilustrações:Daniel Santi e Flávio Ribeiro

3

Inpa 56 anos: dos laboratórios à população

O Instituto Nacional de Pesquisas da Ama-zônia (Inpa/MCT) comemora mais um ano de existência, cumprindo seu papel social de contribuir para transformar o conhe-

cimento científico, como ponte para um mundo melhor.

Realiza um trabalho diário e muitas vezes si-lencioso nas bancadas de seus laboratórios, po-rém não silenciado. Toda e qualquer pesquisa tem seus resultados apresentados à sociedade, gerando novos recursos e oportunidades. São pesquisas nas mais diferentes áreas da ciência e tecnologia para gerar novos produtos e proces-sos. Uma constante busca por inovação.

Um trabalho não somente focado na fauna e flora, mas também na população amazônida, através de suas crenças, costumes e tradições, como o trabalho de documentação das línguas e culturas de uma região que guarda imensa di-versidade.

Acreditar no que faz e fazer com seriedade ga-rante ao Instituto reconhecimento nacional e in-ternacional, como pôde mostrar na 62ª Reunião Anual da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC) em Natal (RN) ou como pu-demos ver através da premiação de seus alunos de pós-graduação e pesquisadores, a exemplo de Niro Higuchi, premiado com o Fundação Bunge, um dos maiores prêmios do Brasil na área de Ci-ência e Tecnologia.

Obter reconhecimento não significa estar pron-

to, mas mostra que estamos no caminho certo, um caminho cheio de desafios a enfrentar. Esta-mos num terreno fértil por onde passam as águas do Projeto Igarapés, que visa o estudo de nossas águas e meios para preservar este bem maior da humanidade. Pelos recursos que são reutilizados e transformados, como o Biodiesel. Pelo estudo de insetos como o mosquito transmissor da Ma-lária, cujos resultados já podem ser vistos nas comunidades ribeirinhas. Pelo mapeamento das áreas de risco da cidade de Manaus para evitar que às pessoas de baixa renda, só reste a alterna-tiva de fixar suas moradias nestas áreas.

Além de contribuir para o crescimento susten-tável do Brasil, o Inpa ainda é uma das maiores opções de lazer à população e turistas. Temos o Bosque da Ciência, um local onde ciência, lazer e cultura são usados para levar o conhecimento à comunidade. A ciência é para todos, e levar o conhecimento até você é o nosso trabalho. Co-nheça também nesta edição um pouco mais so-bre a Ariranha, um simpático mamífero aquático que também vive nos rios da Amazônia.

Esta é a primeira reportagem de uma série pro-duzida por Ciência para Todos, que vai mostrar de maneira simples a importância de se proteger os animais com o grande objetivo de conscienti-zar as pessoas, principalmente as crianças, cola-borando assim para um futuro de conservação e equilíbrio ecológico na região com a maior bio-diversidade do planeta.

Boa leitura!

EDITORIAL

EXPEDIENTE

Revista de divulgação científica do

INPACiência para todos

Agosto de 2010 · nº 05, ano 2 (Distribuição Gratuita) ISSN 19847653

Mudanças climáticas

e malária:

O que muda

na Amazônia

Inpa faz 56 anos

gerando conhecimento

na Amazônia

Estudo realiza

levantamento sobre

áreas de risco em Manaus

Conheça um pouco mais

sobre as Ariranhas

Nossa Capa:Mudanças

climaticas e malá-ria: O que Muda

na Amazônia

4

Sum

ári

o

14

46zxczxcz

Inpa 56 anos gerando conhecimento na Amazônia

28Mudanças climáticasinterferem nos casos de malária

Ciência para todosrevela o universodas ariranhas

52

Inpa insere a Amazônianos debates da SBPC8

14

5

34

Inovação cientifica garantedesenvolvimento

Pesquisa gera energiaatravés de combustível verde

Estudos avaliam as condições dos igarapés de Manaus

18

24

46 Pesquisadora realiza trabalho sobre a lingua indígena

40Ciência para todosrevela o universodas ariranhas

Inpa apresenta pesquisa sobre áreas de risco em Manaus

Ciência como política de desenvolvimento sustentável para o país

Entr

EviS

ta

6

No fim do mês de julho, ocorreu em Natal (RN) a 62ª Reunião Anual da Sociedade Brasileira para o

Progresso da Ciência (SBPC), que teve como o foco as pesquisas sobre o mar e como elas são estratégicas para o país. Apesar do tema central da reu-nião deste ano ter sido mar, a região Amazônica foi destaque nos debates, que incluíram os fatores que envolvem as mudanças climáticas e a adapta-ção dos seres vivos a essas mudanças.

Entre os debates estavam os rumos da política em Ciência, Tecnologia e Inovação para os próximos anos e a intenção da comunidade científica em tornar os resultados das discussões em políticas de estados e não de gover-nos. Os três candidatados que lide-ram as últimas pesquisas de intenção de voto à Presidência da Repúbli-ca foram convidados a participar.

Ciência para Todos ouviu, em Na-

tal, o presidente da SBPC, Marco An-tonio Raupp, que destacou o papel da ciência para o desenvolvimento sustentável. Ele afirmou ainda que o Brasil precisa dar um passo seguinte

no quesito educação com qualidade e destacou o papel da Amazônia e a sua conservação para as pesquisas.

Raupp é matemático, possui dou-torado pela University of Chicago. Além de presidente da SBPC, é di-retor geral do Parque Tecnológico de São José dos Campos, foi diretor geral do Instituto Nacional de Pes-quisas Espaciais (INPE) e diretor do Laboratório Nacional de Computação Científica (LNCC/MCT). Na pesquisa, Raupp trabalha em Análise Numérica.

DANI

EL j

ORDA

NO

Ciência como política de desenvolvimento sustentável para o país

7

Ciência para todos: Falou-se muito nesta reunião da SBPC sobre a educação. Como ela pode ajudar no desenvolvimen-to da ciência?

Marco Antonio Raupp: A educação é um elemento de cidadania. Um país, para ser moderno, precisa consolidar a educação com qualidade para que o desenvolvimento gerado por ele atinja a todos. Nós demos um passo importante no Brasil em relação à questão da educação quando colocamos as crianças na escola, agora precisamos dar o passo seguinte: quem entra na escola tem que sair dela qualificado. A educação é um pressuposto para o desenvolvimento da Ciência e Tecnologia, para a moderniza-ção da sociedade e para que todos venham ser incluídos nos benefícios desse desen-volvimento.

CT: A ciência hoje é cada vez mais política de esta-do?

Raupp: Sem dúvida ne-nhuma, essa é a posição que defendemos e foi a principal proposta na 4ª Conferência Nacional de Ciência, Tecno-logia e Inovação (CNCTI), que ocorreu em Brasília no mês de maio, a qual nós par-ticipamos e aderimos. O Mi-nistro Nelson Jobim [da de-fesa] esteve aqui e fez uma exposição sobre a estratégia nacional de defesa e todo o lado indus-trial que é necessário para embasar essas iniciativas, a inovação tecnológica. São empresas de base tecnológica, que serão criadas a partir das demandas geradas pelas forças armadas. Além disso, ciên-cia também está ligada às questões es-tratégicas, como as pesquisas sobre o mar e a Amazônia; então C&T está na ordem do dia e é transversal a todas as atividades. O nosso trabalho na SBPC é desenvolver atividades para mostrar à sociedade a importância

disso.

CT: O senhor falou de Amazônia e nessa reunião falou-se muito sobre a região e a Amazônia azul [mar]. Qual é o papel da Amazônia para as pesquisas e qual o balanço final dessa reunião da SBPC?

Raupp: A Amazônia tem água, lá existe o “rio mar” e o esforço é que a gente consiga contemplar esses biomas que contém recur-sos naturais importantes para o futuro do país; é um verdadeiro patrimônio da nação. Por ser patrimônio, não podemos destruí-lo, e ao usar os recursos temos que fazê-lo com toda a segurança, evitando assim acidentes ecológicos irreversíveis. Temos

que ter um grande controle da situação, e fazer o mane-jo desses recursos e a ciên-cia é fundamental; por isso, pedimos aos governos para que aumentassem os investi-mentos em C&T na Amazônia e tivemos resultado. Agora estamos pedindo um aumen-to dos investimos para pes-quisas sobre o mar e já ti-vemos resultado. O ministro Sérgio Rezende [da Ciência e Tecnologia] esteve aqui e já anunciou R$ 800 milhões em editais.

CT: A próxima reunião da SBPC ocorre em Goiânia (GO). Qual é a expectati-

va?Raupp: Ali temos biomas muito importan-

tes; o Cerrado, onde o manejo é bem mais antigo que da Amazônia e lá a atuação da Embrapa e de uma rede de universidades associadas é um grande exemplo de como a Ciência pode contribuir para a utilização de um bioma. Essa rede colocou a agrope-cuária brasileira em um lugar de destaque no mundo. Outro bioma no centro oeste é o Pantanal, onde defendo mais ciência para essa região, ou seja, é a caravana da ciên-cia percorrendo o Brasil.

A educação é um pressuposto para o desenvolvimento da Ciência e Tec-nologia, para a modernização da sociedade e para que todos venham ser incluídos nos benefícios desse desenvolvimento

Debates e palestras sobre o crescimento da ciência, tecnologia e inovação para o desen-volvimento do país; apresentação e exposi-ção de pesquisas fizeram parte do cenário

da 62ª Reunião Anual da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC), realizada na Universida-de Federal do Rio Grande do Norte (UFRN), em Natal.

Durante o evento, o público teve a oportunidade de participar de palestras, oficinas, exposições, deba-tes, minicursos ministrados entre os dias 25 e 31 de julho. Neste ano, o tema foi o mar, sua biodiversida-de, complexidade e desafios para os próximos anos.

O Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia (Inpa/MCT) apresentou na Reunião Anual da SBPC as pesquisas na área de Produtos Florestais, como aproveitamento de galhos e troncos da pupunheira na confecção de móveis, lançamento de livros, de-gustação de alimentos feitos de espécies da região, pequenos objetos de madeira, tijolo vegetal, siste-ma de desinfecção de água, produtos feitos com o couro do peixe, pequena amostra da diversidade de insetos, frutos e madeiras da região Amazônica.

Aproximação da ciência e sociedadeA SBPC é uma reunião destinada ao público em

geral; por isso, o evento levou atividades voltadas ao público infantil, estudantes, pesquisadores e cientistas. Para quem queria conhecer as institui-ções de pesquisas, novas tecnologias e os produtos por elas desenvolvidos era só visitar a ExpoT&C.

O Inpa levou iguarias Amazônicas que eram oferecidas aos visitantes. Esses produtos são de-senvolvidos pela Coordenação de Pesquisas em Tecnologia do Alimento (CPTA) do Instituto e fazem parte de um processo de pesquisa onde a matéria-prima é estudada em diferentes fases, como a captura, no caso dos peixes, e a coleta, no caso de frutos, levando em consideração que a etapa final deve ser a elaboração de produtos. O stand ofereceu também ao público licor de frutos Amazônicos como o Camu-Camu, muito conheci-do na região Amazônica por ser rico em vitaminas.

Outro trabalho que despertou a curiosidade dos visitantes no stand do Inpa foi a pesquisa que pu-rifica água. Um cilindro contendo água e uma forte

Reunião Anual da SBPC: Aproximação e divulgação da ciência para a sociedade

SBPC

8

luz ultravioleta (UVB) chamou a atenção de quem passava pelo local, além, é claro, da frase que acom-panha o produto: “Água Solar: Nós lavamos água”. Trata-se de um sistema solar capaz de tornar potá-vel e livre de germes as águas sujas de rios e lagos.

O sistema foi testado na comunidade Morada Nova, localizada no município de Itamarati, distan-

> Por Daniel JorDano, Josiane santos e eDuarDo Gomes

Reunião Anual da SBPC:

9

EDUA

RDO

GOM

ES

Aproximação e divulgação da ciência para a sociedade

te 1500 quilômetros de Manaus. A inovação pode ser considerada como um método contra bactérias e outros microorganismos perigosos, que em alguns casos podem produzir efeitos negativos não somente para o ser humano, mas também ao meio ambiente.

A pesquisa se dedicou a estudar um método que há milhões de anos tem sido demonstrado pela própria

natureza, ou seja, a desinfecção por meio de radiação ultravioleta tipo C. Para a estudante de engenharia ambiental, Izabeli Camurça, do Ceará, apresentar a biodiversidade da Amazônia é importante para que todo o país possa conhecer os produtos e processos das pesquisas desenvolvidas na região norte, levan-do em consideração o desenvolvimento sustentável.

Adalberto Val, apresenta resultados das pesquisas à Sérgio Rezende

10

Uma cadeira produzida com galhos de árvores da Amazônia, ou seja, com o reaproveitamento de resí-duos naturais – sobras em áreas florestais da região norte do país – também foi exposta no stand do Inpa na ExpoT&C, e atraiu vários olhares do visitan-tes da SBPC. O objeto, assim como outros artigos de decoração produzidos com sobras de madeira, faz parte de estudos e projetos desenvolvidos pela Coor-denação de Pesquisas em Produtos Florestais (CPPF) do Inpa. O objetivo é dar um destino adequado a estes materiais, criando uma alternativa de susten-tabilidade para a região.

Ainda no setor madeireiro, o Inpa apresentou no evento uma pequena amostra de sua coleção de ma-deiras (xiloteca), que visa identificar, catalogar, re-gistrar, conservar e divulgar, com dados científicos e tecnológicos, as madeiras da Amazônia, utilizando como suporte estudos botânicos e florestais.

De acordo com o pesquisador Jorge Freitas, da CPPF, a exposição possibilitou mostrar a biodiversi-dade de madeiras da Amazônia, além de enfatizar os projetos desenvolvidos pela Instituição para que a população de outros estados possa conhecê-los. “É uma oportunidade de chamar atenção para os proje-tos desenvolvidos no Inpa, como o reaproveitamen-to de resíduos na utilização na marchetaria, luteria, artesanato, aglomerados de produtos florestais, en-fatizando sempre a sustentabilidade e a diminuição de impactos ambientais”, afirmou Freitas.

Livros: inclusão social Uma das formas de socialização do conhecimento

são os livros, principalmente para a área de ciên-cia e tecnologia, que necessita de divulgação das pesquisas que direta ou indiretamente influenciam na sociedade. De acordo com o diretor do Inpa, Adalberto Val, a informação científica e tecnológica precisa ser socializada e muito efetiva, para gerar processos de inclusão social e geração de renda. “Colocar na forma de livros as informações que são produzidas nos laboratórios é uma tarefa bastante importante e difícil. No entanto, nós temos tido su-cesso nesse processo. É muito importante que se faça isso porque a ciência precisa ser levada para a sociedade em larga escala, para que a gente possa gerar o processo de inclusão social e geração de ren-da”, enfatizou Val.

Seis livros publicados pela editora do Inpa foram lançados na SBPC, algumas dessas obras escritas por pesquisadores do Inpa. Entre eles estão os pesqui-sadores Jorge Daniel Indrusiak Fim, Sérgio Fonse-ca Guimarães, José Albertino Rafael, Peter Weigel, João Batista Moreira Gomes, Sidney Alberto do Nas-cimento Ferreira, Newton Paulo de Souza Falcão, Carlos Alberto Cid Ferreira, além do presidente da

Fundação Amazônica de Defesa da Biosfera (FDB), instituto parceiro do Inpa para desenvolvimento de projetos.

O livro “Manual de criação de matrinxã (Brycon Amazonicus) em canais de igarapés” apresenta in-formações básicas para implementação de sistemas de criação de peixes em canais de igarapés, princi-palmente para atividade de subsistência de famílias que moram em comunidades rurais da Amazônia; A obra “A Fauna de Artrópodes da Reserva Florestal Ducke: Estado atual do conhecimento taxonômico e biológico” é uma reunião de trabalhos de cientistas brasileiros e estrangeiros sobre a fauna de artrópo-des da Reserva Adolpho Ducke, localizada na zona norte de Manaus.

O livro “Educação para que ambiente: desafios te-óricos para educação ambiental na Amazônia” aler-ta sobre o risco da homogeneização conceitual para a biodiversidade e a sociodiversidade da região e apresenta discussões sobre o papel da ciência em todo esse processo. A obra “Nove espécies frutíferas da Várzea e Igapó para aqüicultura, manejo da pes-ca e recuperação das áreas ciliares” é resultado de uma pesquisa iniciada em 1997 que descobriu nove espécies arbóreas das áreas de várzea e igapó. O plantio dessas espécies pode ser utilizado na aqui-cultura (criação de animais na água), na recupera-ção da vegetação ciliar e na agricultura familiar.

A obra “A propósito de ciência e pesquisa” re-úne as opiniões do autor sobre a atividade cien-tífica no Brasil. O livro “Amazônia esse mundo à parte” é a reunião de artigos que abordam aspec-tos econômicos, políticos, sociais e culturais da Região Amazônica.

Ao todo, a editora do Inpa vendeu 145 obras durante o evento.

Reaproveitamento de madeira

Editora Inpa, apresentou livros sobre a Amazônia na SBPC

EDuA

RDO

GOM

ES

11

Durante a abertura do evento, foi assinado o documento que autoriza o lançamento dos edi-tais para a criação de novos Institutos Nacionais de Ciência e Tecnologia (INCT), instrumento que contempla as pesquisas com investimentos. O va-lor total dos recursos chega a R$ 865 milhões de reais e devem ser investidos nas ciências do mar e subvenção econômica para que as empresas tam-bém invistam no desenvolvimento tecnológico.

O documento foi assinado pelo Ministro da Ciência e Tecnologia (MCT), Sérgio Rezende, pelo Presidente do Conselho Nacional de De-senvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq), Carlos Aragão e pelo diretor da Financiadora de Estudos e Projetos (Finep), Fernando Ribeiro.

O ministro Sérgio Rezende destacou a impor-tância dos investimentos e ressaltou o papel da ciência para o desenvolvimento do país. “Pela primeira vez temos um plano de ação em ciência e tecnologia. O Brasil vive um novo momento, dispomos de recurso cinco vezes maior do que o orçamento de 2002. A ciência e a tecnologia estão ocupando gradualmente o processo produ-tivo das empresas brasileiras”, avaliou Rezende.

A Amazônia foi o parâmetro para os debates inicias sobre a importância das pesquisas no Brasil. O diretor do Inpa, que também é vice-presidente da Academia Brasileira de Ciências (ABC) na região Norte, Adalberto Val, afirmou

que o desenvolvimento da ciência serve para gerar renda e inclusão social. “Nada mais jus-to que ter contemplado nessa reunião uma discussão sobre o desenvolvimento da ciência no ambiente marinho, mas essa comparação com a Amazônia é extremamente importan-te, pois os desafios são grandes. A ciência tem que ajudar na inclusão social e geração de ren-da. Precisamos dar o passo seguinte, e é esse passo que estamos buscando nesse momento”.

No evento, os dirigentes dos INCTs se reuniram para discutir os financiamentos das pesquisas e os desafios para ciência nos próximos anos. Outro ponto destacado durante a reunião foi a sociali-zação dos resultados das pesquisas feitas nos la-boratórios. “A sociedade brasileira só vai apoiar as iniciativas em ciência e tecnologia quando re-ceber essas informações. Não é sempre que a ci-ência vai gerar um produto novo, mas sempre ela vai gerar uma informação nova”, ressaltou Val.

O Ministro da Educação, Fernando Haddad, fez um breve balanço sobre a qualidade da educa-ção no país e destacou o desenvolvimento tec-nológico através dos programas de Iniciação científica e pós-graduação. “O Brasil está em 13ª lugar no ranking de produção científica. A sociedade tem que continuar com esse vigor, não vamos cometer no século XXI os erros que cometemos no século XX’’, afirmou Haddad.

Investimento na área de ciência e tecnologia

EDUARDO GOMES

Membros da comunidade científica brasileira e gestores públicos debateram sobre volume de investimentos em C&T

12

Alguns alunos de Iniciação Científica do Inpa que participam do Programa Institucio-nal de Bolsas de Iniciação Científica (Pibic), financiado pelo Conselho Nacional de Desen-volvimento Científico e Tecnológico (CNPq) e pelo Programa de Apoio à Iniciação Científica (Paic) da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado do Amazonas (Fapeam), apresentaram seus trabalhos na Seção de Posteres na SBPC.

A pesquisa desenvolvida pela aluna do Pa-bic, Kethelin Batista Miranda Galeno, reapro-veita a amêndoa do tucumã para produção de biodisel. “O nosso projeto se diferencia de outros trabalhos na área, visto que nossa preocupação é geração de energia elétrica em comunidades isoladas no in-terior do Amazonas”, explica.

As amêndoas foram coleta-das nas feiras de Manaus e seu óleo foi extraído com alto índi-ce de rendimento, 60% maior que os demais óleos. O proje-to está em fase de testes em algumas comunidades isoladas do estado do Amazonas, onde substituem o diesel pelo óleo de amêndoas de tucumã nos geradores de energia elétrica.

O orientador e o coorientador do projeto são os pesquisado-res Sérgio Nunomura e Rober-to Figliuolo, respectivamente. O aluno de Iniciação Científica Michel Jader de Oliveira Miran-da apresentou uma pesquisa que avalia a qualidade da água dos poços artesianos do município de Novo Airão, distante 200 quilômetros de Manaus.

A pesquisa, intitulada “Hidroquímica das águas subterrâneas da cidade de Novo Airão AM-Brasil”, durou dois anos e analisou amos-tras das águas de 12 poços artesianos do mu-nicípio no período da cheia e da vazante do Rio Negro. O orientador do projeto é o pesqui-sador da Coordenação de Pesquisas em Clima e Recursos Hídricos (CPCR), Márcio Luiz da Silva.

As amostras foram analisadas na CPCR obser-vando-se as funções químicas: nível de acidez da água (Ph), quantidade alérgica e bacterio-lógica. A pesquisa constatou que 70% da água dos poços está apta para o consumo e 30% apresenta um nível de Ph (variável entre 4,7 a 7,04) acima da média, sendo imprópria para o consumo. A média para região é 3,1 a 5,3.

Oliveira explica que a possível razão para o alto Ph pode ser consequência da ação do ho-mem ou fatores externos. “O Ph alto pode ser referente à ação do homem, ao mau funcio-namento do poço (infiltração) ou pela própria formação que ele se encontra”, explica Oliveira.

Outra pesquisa apresentada na SBPC foi a do aluno Kauê Feitosa de Sousa, da Coordenação de Pesquisas em Silvicultura Tropical (CPST). A pesquisa buscou determinar a temperatura adequada para germinação da castanha-da-amazônia (Bertholletia excelsa), para fornecer subsídio na elaboração da Regras para Análise de Sementes (Rais) com a espécie castanha. A orientadora da pesquisa é Isolde Ferraz, da CPST.

A Análise de Sementes é um conjunto de nor-mas publicadas pelo Ministério da Agricultura para realização das análises de um lote de se-mentes em laboratórios. As regras variam de acordo com a espécie estudada. Segundo Sou-za, no Brasil, as Rais existentes são em maioria para espécies agronômicas. A última Rais de espécies florestais amazônicas foi publicada no ano passado. Ainda de acordo com Sousa, a pesquisa visa economia de tempo e dinheiro no processo de germinação da castanha. “A tem-peratura é importante determinar, para que o processo de análise da semente em laboratório seja mais rápido, porque na temperatura ótima a semente demonstra potencial de germinação em menor tempo, reduzindo o tempo de análi-se do técnico em laboratório”, concluiu Souza.

Trabalhos de iniciação científica

Alunos de PIBIC, apresentaram o resultado de suas pesquisas em Natal (RN)

EDUARDO GOMES

13

A SBPC promoveu o “Encontro com os candi-datos à Presidência da República” com maior número de intenção de votos. Os presidenciá-veis apresentaram os seus planos de governo para a área de ciência, tecnologia e inovação.

As candidatas Dilma Rousseff e Marina Silva compareceram ao encontro. Dilma destacou alguns pontos importantes para o desenvol-vimento da ciência, tecnologia e inovação, entre eles o reconhecimento do papel que tem a pesquisa básica para gerar inovação tecnológica; objetivos prioritários na pes-quisa; transformação dos centros de pes-quisas em centros de excelência e difusão do conhecimento lá produzido; transferên-cia de tecnologia entre as empresas estran-geiras, instituições de pesquisa e federais.

Já a candidata Marina Silva propôs amplia-ção da base de conhecimento e reforço nas universidades e dos centros de excelência do Brasil. Ela ressaltou ainda a importância que o país precisa dar às áreas de ciência e tecno-logia para formar jovens cientistas e doutores.

Na oportunidade, uma comissão formada pela SBPC e a ABC entregou uma carta às candidatas, na qual são propostas políticas de investimen-to para formação, ampliação e consolidação de mão de obra na área de ciência e tecnologia.

A carta propõe ainda a valorização e a qua-lificação dos professores de educação básica,

de modo que se tenha como consequência a educação ao alcance de todos; a participação do país na expansão quantitativa e qualitativa destacados como fatores fundamentais para os domínios das questões que envolvem mudanças climáticas, energias renováveis, satélites, bio-tecnologias, nanociências, redução da pobreza, entre outras; conservação e uso dos biomas bra-sileiros de forma sustentável, principalmente o mar e a Amazônia, como forma de o país al-cançar um “novo modelo de geração de rique-zas e desenvolvimento sustentável”; intensi-ficação tecnológica nas empresas e interação com instituições de ensino e pesquisa, a fim de gerar novos produtos, processos e empresas.

O diretor do Inpa, Adalberto Val, presidiu a co-missão formada por membros da SBPC e da ABC. Val afirmou que a carta é apenas uma diretriz para o desenvolvimento do país. “A carta possui quatro eixos principais e nós vamos agora deta-lhar esses eixos para poder contribuir para o es-tabelecimento de política de educação, ciência, tecnologia e inovação no Brasil”, explica Val.

Segundo a organização do evento, a SBPC re-cebeu um público aproximado de 15 mil pessoas por dia. A programação sênior recebeu mais de 11 mil inscrições de pessoas de todo o país, mais de 5 mil trabalhos científicos foram expostos. A SBPC Jovem, destinada a estudantes de ensino básico, educadores e visitantes, reuniu mais de 10 mil pessoas durante a semana. A ExpoT&C atingiu um público diário de 6 mil pessoas.

Conversa com presidenciáveis

Antonio Raupp na abertura da SBPC, falando sobre os investimentos na área de C&T

EDUARDO GOMES

Entre indicações e prêmios, pesquisas e no-vas descobertas, reconhecimento nacional e internacional, o trabalho continua no

Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia (Inpa/MCT). Fechando mais um ano de traba-lho, o Instituto cumpre o seu papel de realizar estudos científicos do meio físico e das condi-ções de vida da Região Amazônica, para promo-ver o bem-estar humano e o desenvolvimento socioeconômico.

De acordo com o diretor do Inpa, Adalberto Luis Val, uma estrutura administrativa que per-mita uma atuação de forma mais efetiva do que foi feito nestes últimos quatro anos está sendo montada. “O Instituto estudou, neste último ano, uma reforma administrativa a partir dos

focos institucionais. Pretendemos trabalhar isso logo no começo deste novo ciclo. Temos hoje uma posição de destaque no cenário nacional e internacional. O Inpa está entre as maiores instituições de pesquisa do mundo, em todas as áreas do conhecimento. Temos um potencial grande e precisamos agora transformar isso em inclusão social e geração de renda. Precisamos trabalhar fortemente na socialização da infor-mação”, avaliou.

O Coordenador de Extensão do Inpa, Carlos Bueno, destacou o desenvolvimento susten-tável e o papel das pesquisas nesse processo na Amazônia. Ele afirmou que o Instituto tem papel fundamental neste processo, e apontou os principais desafios para os próximos anos. “Existem gargalos, como a formação de mão-de-obra, mas isso não se resolve da noite para o dia, mas estamos avançando. O Inpa está em

14

EDuA

RDO

GOM

ESInpa completa 56 anos promovendo o conhecimento

> Por Wallace abreu

inPa

56

an

oS

15

Inpa completa 56 anos promovendo o conhecimento

14º no ranking das instituições brasileiras que fazem ciência e tecnologia. Na Amazônia, não se faz política pública sem saber o que o Inpa tem a dizer”, afirmou.

Para o vice-diretor do Instituto, Wanderli Pe-dro Tadei, 2009 pode ser considerado um ano de modernização e consolidação de projetos na história do Inpa. “Nossa base junto ao Ministério de Ciência e Tecnologia (MCT) e todos os outros apoiadores é continuar essa implementação de pesquisas, é ampliar nosso quadro de pessoal. Para a demanda da região, ainda temos um nú-mero muito pequeno de pesquisadores, porém o Inpa também está trabalhando nesta formação, para dar continuidade ao trabalho com o mesmo nível que vem realizando”, ressaltou Tadei.

CelebraçãoO Inpa realizou um evento em comemoração

a mais um ano de existência do Instituto. Os servidores do Inpa que morreram neste último ano foram homenageados com um minuto de silêncio.

As atividades prosseguiram com o hasteamen-to da bandeira nacional, feito pela funcioná-ria do Inpa, Ires Paula de Andrade Miranda, da Coordenação de Pesquisas em Botânica (CPBO), e contaram com a presença da Banda do Comando Militar da Amazônia (CMA).

A programação teve continuidade com a ho-menagem feita ao pesquisador Niro Higuchi, da Coordenação de Pesquisas em Silvicultura Tropical (CPST), pelo Prêmio Fundação Bun-ge 2010 na área “Ciências Florestais”, um dos mais importantes na área científica. O pesqui-sador do Inpa deverá recebê-lo em outubro deste ano.

Solenidade contou com a presença de cientistas e membros do

poder público

16

Para receber a homenagem, esteve presente o seu filho, Francisco Gasparetto Higuchi, en-genheiro florestal e pesquisador voluntário do Laboratório de Pesquisas em Manejo Florestal do CPST. “Meu pai está participando de uma banca em São Paulo e infelizmente não pôde comparecer, mas toda a nossa família está mui-to orgulhosa com o prêmio. É muito legal saber que o trabalho do meu pai está sendo reconhecido, e melhor ainda, o reconhecimento veio em vida”, ressalta Gasparetto.

Após a homenagem, um culto ecumênico foi rea-lizado na Ilha da Tanimbuca, no Bosque da Ciência, e contou com a participação do Pastor Jonathas Carolino, do Dr. Antônio dos Santos da Casa da Fra-ternidade Chico Xavier e do padre Charles Cunha da Silva.

No evento, estiveram presentes autoridades e membros da comunidade científica do Amazonas. O diretor-presidente da Fundação de Amparo à Pes-quisa do Estado do Amazonas (Fapeam), Odenildo Sena, presente à solenidade, destacou que o Inpa já faz parte do patrimônio nacional e tem sua im-portância reconhecida internacionalmente. “Nesses últimos quatro anos, o Inpa deu saltos importantís-simos em pesquisas científicas. Atualmente, o Ins-tituto é um dos maiores em captação de recursos do Estado do Amazonas”, disse Sena.

Também estiveram presentes José Seráfico, presidente da Fundação Amazônica de Defesa da Biosfera (FDB), além de servidores, funcionários e parceiros do Instituto. “O Inpa está numa fase ex-tremamente propícia, porque consegue marcar sua posição, além de mostrar a que veio, 56 anos após sua criação. É obvio que há todo um caminho que

foi percorrido anteriormente e esse caminho con-duziu o Instituto ao patamar em que se encontra hoje, certamente uma instituição que já deu muita contribuição para o desvendamento da realidade amazônica e que ainda tem muito mais a dar”, co-mentou Seráfico.

Publicações Os livros da Editora Inpa, lançados na SBPC em

Natal (RN), foram apresentados ao público presen-te. Entre as publicações estão o Manual de Criação de Matrinxã (Brycon amazonicus) em canais de Iga-rapés; A Fauna de Artrópodes da Reserva Florestal Ducke: Estado atual do conhecimento taxonômico e Biológico; Educação para que Ambiente: Desafios teóricos para educação ambiental na Amazônia; Nove espécies frutíferas da Várzea e Igapó para aquicultura, manejo da pesca e recuperação das áreas ciliares; Amazônia esse mundo à parte; e A Propósito de ciência e pesquisa.

As comemorações se encerraram com homena-gens aos servidores mais antigos do Inpa. Entre eles, Manoel Francisco Jesus de Souza da CPST. “É uma honra ter o trabalho reconhecido e poder re-presentar todos os servidores que lutam juntos para fazer do Inpa esta instituição respeitada”, relatou Souza.

O Inpa fecha mais um capítulo da sua história, já tendo em mente as páginas em branco a serem escritas, e os autores somos nós: pesquisadores, servidores, funcionários, bolsistas, estagiários, par-ceiros, imprensa e apoiadores, que todos os dias fazemos da história do Inpa, a nossa história.

FLÁV

IO R

IBEI

RO

Na ocasião servidores

do Instituto receberam

homenagens

17

Relembrando um pouco a história do Instituto, segue retrospectiva das notícias sobre o Inpa que foram

destaque neste último ano.

AGOSTO/ 2009Inpa apresenta resultado de pesquisa

em congresso na África;Inpa abre 126 vagas em oito editais de

Pós-Graduação.

SETEMBRO/ 2009Inpa participa de documentário de TV

pública da Holanda;Livro editado pelo Inpa entre vencedo-

res do Prêmio jabuti;Pesquisador do Inpa recebe prêmio internacional na próxima semana;

Obras do Inpa expostas pela primeira vez na Bienal do Livro.

OuTuBRO/ 2009Inpa é referência para documentário

alemão sobre a Amazônia;Inpa participa da Cúpula Amazônica de

Governos Locais.

NOVEMBRO/ 2009Centésima edição do Circuito da Ciência

atrai 350 estudantes;Projeto de iniciação científica do Inpa

é premiado em SP;Pesquisador do Inpa ganha prêmio

nacional de farmacologia;Atores globais ‘apadrinham’ árvore de

mais de 600 anos do Inpa.

DEzEMBRO/ 2009Inpa inaugura novos espaços destina-

dos à pesquisa científica;‘Pequeno Guia’ do Inpa selecionado

para visitar os EuA.

jANEIRO/ 2010Inpa arrecada 12 toneladas de alimen-

tos para o Haiti;

Inpa recebe, por mês, pelo menos dois animais feridos;

Inpa fecha 2009 com nove patentes depositadas.

FEVEREIRO/ 2010Inpa detém descoberta da planta com

maiores folhas do mundo.

MARçO/ 2010Inpa recebe filhote de peixe-boi captu-

rado em Coari;Inpa investe em pesquisa com esgoto

ecológico.

ABRIL/ 2010Inpa abre inscrições para programa de

iniciação científica;Inpa inaugura laboratórios de biodiver-

sidade e genética.

MAIO/ 2010Inpa inaugura memorial e lança selos

postais;Ampa lança projeto Mamíferos Aquáti-

cos da Amazônia;Pesquisa deve auxiliar na medição de

CO2.

juNHO/ 2010Adalberto Val é reconduzido ao cargo

de diretor do Inpa;No Inpa, casca do maracujá vira biscoi-

to;Cerca de duas mil pessoas visitam o

Bosque da Ciência.

juLHO/ 2010Inpa debate sobre Amazônia na 62ª

reunião da SBPC.

18

Inovação científica

para o desenvolvimento

do país

ino

vaçã

o

1719

Inovação científica

> Por Wallace abreu

De invenções como a lâmpada, a imprensa, o telefone e o telégrafo; passando pelos úteis aparelhos auditivos e a reciclagem de

lixo; chegando às inovações “malucas” ou no mí-nimo curiosas, como guarda-chuva para sapato, bandeja para não perder os brincos, molde para passar batom e um garfo com relógio; esses são apenas alguns exemplos das várias engenhocas que são criadas diariamente, seja por pesquisado-res em laboratórios ou por curiosos nas cozinhas e garagens de muitas casas mundo afora. Há até quem já tenha pensado em inventar a água em pó ou o sorvete quente para menino gripado.

Brincadeiras à parte, uma coisa é cer-ta: todas essas invenções são criadas na tentativa de melhorar a vida humana.

Segundo a Lei de Inovação nº 10.973, de 2 de dezembro de 2004, inovação significa in-trodução de novidade ou aperfeiçoamento no ambiente produtivo ou social que resul-te em novos produtos, processos ou serviços.

Inovação pode implicar em desenvolvimento humano e melhoria da qualidade de vida. Do latim Innovatio, se refere a uma nova idéia, método ou objeto criado, seja de forma inédita ou baseado em outro produto pré-existente. O termo Inovação também é conhecido popular-mente como “invenção” ou “descoberta”, embo-ra haja uma grande diferença entre os termos.

Inovação – Ato ou efeito de inovar. Novidade. Renovação.

Invenção – Coisa nova criada ou con-cebida no campo da ciência, da tec-nologia ou das artes. Descobrimento.

Descoberta – Aquilo que se des-cobriu ou se encontrou por acaso ou mediante busca, pesquisa, ob-servação, dedução ou invenção.

Ao pé da letra

Ciência Popular

O que mais falta ser inventado?

ENQuETE

Impossível?O teletransporte. Pode parecer loucu-ra, mas com isso você economizaria tempo, quebraria barreiras geográficas e várias out-ras melhorias que esse processo poderia trazer. Temos que pensar na facilidade. Muitas coisas pode-riam ser resolvidas, principalmente os problemas de trânsito

Quelner martel, 34, artesão.

Bombom dia.Eu inventaria uma bala que, ao ser consumida, tirasse a preguiça. Seria algo composto por uma substância ligada ao prazer. Acho que hoje é difícil inventar algo 100% novo. Funcionaria como uma fonte de estímulo.

ViViane silVa, 31, aDVoGaDa

EDUARDO GOMES

Uma inovação, normalmente é uma solução técnica para um problema, cujo resultado ainda não esteja dis-ponível para o conhecimento público.

Há pelo menos quatro tipos de inovação: de produto, de processo, organizacional e de marketing, sendo os dois primeiros de maior destaque no âmbito da ciência e tec-nologia, pois estão relacionados às invenções

20

Segundo o pesquisador Estevão Monteiro de Pau-la, da Coordenação de Ações Estratégicas (COAE) do Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia (Inpa/MCT), inovação é todo o processo que resul-ta no desenvolvimento, criação ou melhoramento de um produto novo ou já existente. “Todo tipo de inovação, principalmente a tecnológica, tem em seu contexto a geração de um bem ou serviço que traga grande contribuição para a sociedade.

Inovação Tecnológica

Humanidade!Se eu pudesse, inventaria algo que possibilitasse aos cegos voltar a enxergar. Eu acho realmente uma coisa muito triste. Inventaria um tipo de equipa-mento ou aparelho que fosse implantado na pessoa com essa deficiência.

Gerson souza, 20, uniVersitário.

O exterminador.Pensando na melhoria da vida humana, eu in-ventaria algo para acabar com o álcool e as drogas. Acho que este é o grande mal do século, que vem destruindo e desestabilizando muitas famílias.

maricélia maGalhães, 52, auxiliar De Dentista.

EDUARDO GOMESEDUARDO GOMES

Toda pesquisa deve resultar em um benefício para a população. Falar de inovação tecnológica é falar de mercado. Uma inovação tecnológica só pode ser considerada se o produto for introduzido no mer-cado. Nem sempre requer a criação de um novo produto, mas pode ser o melhoramento de um pro-duto que já existe, através de processos de adap-tação tecnológica significativa”, ressalta Monteiro.

É fácil distinguir “Inovação Tecnológica” dos outros tipos de inovação. Além da novidade, outro ponto importante neste processo é o ga-nho financeiro. Como está diretamente ligada ao mercado, qualquer tipo de inovação deve tra-zer ganhos para a empresa, como aumento de vendas, rentabilidade, redução de custos, diver-sificação de mercado e mais competitividade.

“Inovação tecnológica é um processo con-junto. O cientista ou pesquisador não realiza sozinho uma inovação tecnológica e sim a em-presa que adquire esta informação, seja paten-teada ou não; acontece quando uma empresa compra essa idéia e comercializa este novo ou melhorado produto ou serviço”, conclui Monteiro.

Estevão Monteiro de Paula, coordenador de ações estratégicas do Inpa

Algumas inovações estão diretamente ligadas ao contexto sustentabilidade, através da busca de novas idéias, com o objetivo de promover a exploração de áreas ou recursos naturais, de for-ma a prejudicar o menos possível o equilíbrio en-tre o meio ambiente e as comunidades humanas.

Hoje em dia, produtos industrializados que possuem em sua composição elementos amazôni-cos apresentam alto valor de venda no mercado.

De acordo com o pesquisador Basílio Vianez, da Coordenação de Pesquisa em Produtos Florestais (CPPF) do Inpa, a floresta proporciona grande riqueza de matéria-prima, o que possibilita desenvolvimento de novos produtos. “O cam-po é fértil, se você pensar que nós temos aqui na floresta várias matérias-primas que podem ser processadas e transformadas em novos produtos industrializados”, comenta Vianez.

A Floresta Amazônica é um campo de gran-de diversidade de matéria-prima para a produ-ção de novos produtos. “Temos os ingredientes para novos produtos, que devem ser pensados com a finalidade de melhorar ou facilitar a vida das pessoas. São produtos de higiene, limpeza, fitoterápicos e alimentícios”, ressalta Vianez.

Vivemos um momento onde a indústria lo-cal agrega pouquíssimo valor à matéria-prima regional, onde muitos produtos amazônicos ainda estão sendo exportados in natura. “A idéia não é essa, a idéia é transformar bens

amazônicos em bens industrializados. Não é só colocar a essência num vidrinho e expor-tar. Deve-se pensar em como usar estes ma-teriais para novos produtos”, conclui Vianez.

21

Patente é um título de propriedade tem-porária sobre uma invenção ou modelo de utilidade, outorgados pelo Estado aos in-ventores ou autores ou outras pessoas físi-cas ou jurídicas detentoras de direitos sobre a criação. Em contrapartida, o inventor se obriga a revelar detalhadamente todo o conte-údo técnico da matéria protegida pela patente.

Durante o prazo de vigência da patente, o ti-tular tem o direito de excluir terceiros, sem sua prévia autorização, de atos relativos à matéria protegida, tais como fabricação, comercializa-ção, importação, uso, venda etc. Fonte: Inpi

O Inpa, hoje, é detentor de vários depósitos de patente junto ao Instituto Nacional de Pro-priedade Industrial (INPI) entre os setores ali-mentício, cosmético e farmacológico, como sa-bonetes líquidos, produtos para higiene bucal, produção de móveis, bebidas fermentadas, sopa

desidratada de piranha, granola de pupunha e outros. Várias pesquisas, que muito em breve po-derão ser vistas como produtos nas prateleiras.

De acordo com Vianez, patente é um tema que vem gerando muita polêmica. “Há dois lados nessa discussão. O primeiro é o investimento do governo em ciência e tecnologia. Se o governo investiu no processo de elaboração do melho-ramento ou criação de um novo produto, ele pretende ter um retorno para que possa conti-nuar investindo em mais processos de pesquisa. Por outro lado, alguns acham que patente é o mesmo que ‘isso é meu e ninguém pode fazer sem a minha permissão’, o que pode ser uma visão equivocada, pois vai contra os princípios da pesquisa científica que deve resultar em pro-dutos acessíveis à sociedade. Deveria ser di-reito de todos o conhecimento e o acesso aos resultados destas pesquisas”, ressalta Vianez.

O que é patente?

Sustentabilidade ambiental

Como exemplo, temos a amêndoa do tucumã, utilizada para a produção de Biodiesel

A inovação de processo pode viabilizar a fa-bricação e a distribuição de produtos novos, a redução de custos de produção, a logísti-ca e a melhoria na qualidade de produtos já existentes. Trata-se da introdução de um novo método de produção ou de distribuição, ou significativas melhorias.

Hoje, um dos frutos amazônicos mais con-sumidos no mercado regional é o tucumã. A prática extrativista deste fruto vem apresen-tando, a cada dia que passa, maiores propor-ções.

Preocupada com essa prática, a engenheira agrônoma Elizabeth Rodrigues Rebouças, aluna do Programa de Pós Graduação em Agricultura no Trópico úmi-do (PPG-ATU) do Inpa, sob o r i en t a ç ão do pesqui-sador Sid-ney Alberto do Nascimen-to Ferreira, da Coordenação de Ciências A g r ô -n o m a s (CPCA), re-solveu estu-dar o tucumã e formas que p u d e s s e m ajudar na conservação das sementes e na redução do seu tempo de germi-nação.

Quem vê um caroço forte como o do tucumã, não imagina a fragilidade que a reprodução da planta adquire quando as sementes são deixa-das sob as condições ambientais normais. Mas o estudo desenvolvido por Rebouças conseguiu resultados positivos em relação à conservação das sementes.

No estudo, a engenheira agrônoma melhorou a conservação das sementes, associando uma pequena redução no seu grau de umidade com a embalagem em recipiente semipermeável. “Apesar da importância econômica do tucumã, há poucas informações agronômicas sobre seu cultivo, destacando os poucos conhecimentos existentes sobre a conservação da semente, a

germinação e a produção de mudas”, comenta Rebouças.

Conforme o seu orientador, o trabalho verifi-cou a tolerância das sementes ao dessecamen-to e analisou o período em que suportam ficar armazenadas antes do plantio. “Uma parte do estudo visou classificar as sementes quanto à tolerância ao dessecamento. Boa parte das sementes de espécies da região, por se loca-lizarem em uma área tropical úmida, são sen-síveis à desidratação, ao contrário de outras sementes, como a soja, o feijão e o milho, que quanto mais desidratadas e associadas a baixas temperaturas, mais se prolonga a vida dessas sementes”, ressalta Ferreira.

Já o processo natural de

germinação da semen-te do tu-cumã, sob condições natu ra i s ,

leva de um a três anos para

ser concluído, mas os estu-dos realizados r e s u l t a r a m num processo

final de quatro meses, em média.

O Inpa desen-volve há pelo menos oito anos

pesquisas com o fruto, envolvendo

aspectos nutricionais, como a sua utilização na gastronomia regional (sorvetes, sanduíches), além de aspectos agrônomos e o uso da amêndoa para a produção de biodiesel.

O tucumã é um “cansado velho de guerra” em nossas mesas e, apesar da pesquisa não resultar em um novo produto, resultou no me-lhoramento do processo de algo já existente, portanto uma inovação de processo. É manazi-nha, pode ficar tranquila que seu x-caboquinho não corre o risco de entrar em “extinção”.

Evite o Plagiation “A matéria-prima em si é da floresta, mas

o que é patenteado é o uso destas matérias-primas e sua aplicação no mercado industrial”, comenta Vianez.

22

Inovação de processo

23

Ao inventor independente que comprove depó-sito de pedido de patente é facultado solicitar a adoção de sua criação por uma Instituição Cien-tífica e Tecnológica (ICT) – órgão ou entidade da administração pública que tenha por missão institucional, dentre outras, executar atividades

de pesquisa básica ou aplicada de caráter cien-tífico ou tecnológico – que decidirá livremente quanto a conveniência e oportunidade da solici-tação, visando a elaboração de projeto voltado a sua avaliação para futuro desenvolvimento, uti-lização e industrialização pelo setor produtivo.

Toda invenção contrária à moral, bons cos-tumes, segurança, ordem e saúde pública, matérias relativas à transformação do nú-cleo atômico e o todo ou parte dos seres vi-vos, exceto os microorganismos transgênicos.

Planos comerciais, planos de assistência

médica, de seguros, esquemas de descon-tos em lojas, e também os métodos de en-sino, plantas de arquitetura, obras de arte, músicas, livros e filmes, assim como apre-sentação de informações, tais como car-tazes ou etiquetas com o retrato do dono.

Estímulo ao Inventor Independente

O que não é patenteável?

“Essa cultura custa um pouco a ser enten-dida. Hoje em dia, os pesquisadores já têm a consciência de que toda pesquisa deve ter seu resultado divulgado. A informação não deve ser guardada para si. Deve ser repassa-da à sociedade através de informações ou da geração de produtos e serviços, produzindo benefícios para a sociedade”, comenta Vianez.

Com a criação da Lei de Inovação, um grande passo foi dado. Esta lei estabelece medidas de incentivo à inovação e à pesquisa científica e tecnológica no ambiente produtivo, com vistas à capacitação e ao alcance da autonomia tecno-lógica e ao desenvolvimento industrial do país.

“A inovação não traz só a geração de pro-dutos e serviços, mas também a geração de emprego e renda. Com a criação da lei em 2004, esse cenário vem se modificando gra-dativamente e o Brasil passa a ter realmente uma cultura de inovação, de competitividade tecnológica. Há 25 anos, quando o Governo Federal resolveu criar o Ministério de Ciên-cia e Tecnologia (MCT), era um sinal de que o governo estava dando incentivo, um maior destaque a este setor no país”, conclui Vianez.

Segundo Monteiro, a cultura de inovação é um processo que está sendo construído paulatina-mente no Brasil. “Nos grandes países que já pos-suem uma cultura inovadora, este processo vem se desenvolvendo desde os níveis mais primários da educação, seja através de competições esco-lares, desafios, feiras científicas, até a simula-ção de pequenas empresas dentro das escolas”.

De acordo com a Lei de Inovação, serão priorizadas neste processo regiões menos de-senvolvidas no país, inclusive a Amazônia, através de ações que visem dotar a pesquisa e o sistema produtivo regional de maiores re-cursos humanos e capacitação tecnológica. Inclui, também, atender programas e projetos de estímulo à inovação na indústria de defe-sa nacional e que ampliem a exploração e o desenvolvimento da Zona Econômica Exclu-siva, e dar tratamento preferencial na aqui-sição de bens e serviços pelo poder público àquelas empresas que invistam em pesqui-sa e desenvolvimento de tecnologia no país.

Cultura de Inovação

O Inpa contribui para o fortalecimento da cultura de inovação também através de seus projetos, como o Circuito da Ciência

EDUARDO GOMES

24

combustível verdeEnergia a partir de

Produzir biodiesel a partir do manejo sustentá-vel de espécies oleaginosas, nativas da floresta Amazônica, pode ser uma alternativa à geração

de energia elétrica nas comunidades do interior do Amazonas. Isoladas entre si e distantes de Manaus, o principal centro urbano do Estado, essas localida-des, entrecortadas por rios e matas, permanecem desligadas do resto do Brasil, sem acesso a eletrici-dade e meios de comunicação.

De acordo com informações do programa Luz Para Todos, do Governo Federal, pelo menos 32 mil domi-cílios de localidades do interior do Amazonas ainda não possuem energia elétrica regularmente. Desde 2008, o governo investiu cerca de R$ 400 milhões, mas não conseguiu atender a demanda energética de todos os municípios.

O déficit elétrico foi uma das motivações para

que o Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia (Inpa/MCT) e a Universidade Federal do Amazonas (Ufam) dessem início, em 2006, às pesquisas so-

bre a utilização do biodiesel como fonte de geração de energia elétrica nas comunidades do interior do Amazonas.

“Em algumas comunidades dispersas do interior, é mais fácil produzir energia no local que levar por meio de cabos. Mas ter uma fonte de energia elé-trica capaz de abastecer por 24 horas uma comuni-dade não é tão fácil quanto parece”, conta Sérgio Nunomura, doutor em química orgânica e um dos pesquisadores do Inpa que liderou os estudos sobre a temática.

O grupo de pesquisa sobre biodiesel também foi encabeçado pelo farmacêutico Roberto Figliuolo, pesquisador do Inpa, e pelo doutor em planejamen-to de sistemas energéticos José de Castro, professor da Ufam.

Os estudos avaliaram a extração de óleos vege-tais da biodiversidade amazônica, identificando dez espécies de plantas oleaginosas da região que po-dem ser exploradas para a produção de biodiesel. O grupo de pesquisa tem recebido apoio financeiro do

> Por tabaJara moreno

EDUA

RDO

GOM

ES

DES

Envo

lvim

Ento

Su

StEn

távE

l

25

combustível verde

Filtro prensa e unidade de tratamento, equipamento

usado na produção do

biodisel

Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq), da Financiadora de Estudos e Projetos (Finep) e da Fundação de Amparo à Pesqui-sa do Estado do Amazonas (Fapeam). Recentemen-te, aprovou um projeto no edital de Biocombustíveis da Fapeam/CNPq.

Entre as espécies estudadas estão algumas já bas-tante conhecidas pela população amazônica, como o tucumã, a andiroba, e outras, menos populares, como babaçu, ucuúba, murumuru e uri-curi.

Algumas das plantas estudadas têm suas amên-doas ou caroços explorados co-mercialmente por empresas das indústrias alimentícia, cos-mética e farmacêu-tica. Com a pesquisa, constatou-se o potencial de utilização dessas espécies para ge-rar biodiesel, o que criou uma nova possibilidade de exploração econômica para as comunidades, pois além de colherem os frutos para produção de óleos vegetais para comercializá-los junto às empresas, também é possível fazê-lo para o biodiesel.

Desenvolvida inicialmente com verba do Ministé-rio de Minas e Energia (MME), a pesquisa resultou na implantação de uma usina de extração e proces-samento de óleo vegetal na comunidade do Roque, localizada no município de Caraua-ri, interior do Amazonas. Através do projeto, uma cooperativa formada por moradores ven-dia óleos vegetais para a indústria de cosméticos, geran-do renda.

Com parte dos recursos, segundo Nu-nomura, a cooperativa adquiriu um gerador de energia, montou a rede elé-trica nas residências e comprou freezers para melhorar a qualidade de vida da comunidade com a atividade pesqueira e a armazenagem de pro-dutos alimentícios, além de possibilitar o acesso à informação.

A extração do óleo das plantas, nesse caso, só ocorreu nos locais de plantio nativo espalhados pela floresta, e o trabalho de coleta foi resultado da or-ganização dos moradores em cooperativas.

Com o manejo florestal sustentável das espécies oleaginosas da região amazônica, os pesquisadores acreditam ser possível auxiliar na resolução do pro-blema de abastecimento de energia, dando alterna-tiva econômica para as pequenas comunidades e, ainda por cima, evitando a pressão pelo desmata-mento.

O grande problema do biodiesel no Amazonas é o seu custo de produção, estimado em R$ 4 por li-

tro. “O biodiesel tem futuro, não tem presente no Amazo-

nas. Nossas oleaginosas nunca foram cultiva-

das racionalmente e precisamos ter áreas destinadas para isso. Só va-mos ter biodiesel a um custo baixo quando isso ocor-

rer”, opina José de Castro.

A baixa produção regional aliada à carência de equipamentos

para processar as oleaginosas e à falta de produção local de álcool são questões apontadas como outras responsáveis pelo encarecimento do produto na re-gião.

Outra dificuldade para a expansão do biodiesel é o preço elevado dos equipamentos que processam o óleo. O valor é mais caro porque as máquinas são produzidas em pequena escala pelas indústrias.

As despesas com o óleo tam-bém comprometem o

melhor desempenho do segmento no Amazonas. Dos gastos com a produção, 60% se destinam somente à pro-

dução do óleo. “Por isso, um dos

focos do trabalho é encontrar plantas

nativas que não te-nham valor de mercado e

nem preço estimado. Isso barateia os custos e torna o combustível economicamente mais viável”, explica Nunomura.

Em todo o Brasil, os óleos gerados a partir da soja e do dendê respondem por 90% do mercado de pro-dução do combustível derivado de fontes renová-veis.

As oleaginosas amazônicas estudadas no trabalho

26

URICURI

27

de pesquisa têm características comuns: geram óleos saturados de cadeia curta, chamados láuricos. Para ser efetivo na produção de biodiesel, o óleo extraído das plantas precisa conter baixo teor de acidez, uma vez que o alto teor impede a aplicação da catálise básica homogênea, processo economicamente mais viável, onde ocorre a reação do óleo com o álcool, para gerar biodiesel nos dias de hoje.

“O processo mais barato e rápido emprega cata-lisadores básicos homogêneos que não podem ser usados com óleos de acidez elevada, porque ocorre outra reação que não dá biodiesel, mas gera sabão”, explica Nunomura.

O biodiesel pode ser produzido a partir de óleos extraídos de diferentes plantas e processado junto com álcool. Essas duas matérias-primas são postas em usinas, onde o material vegetal é prensado, fil-trado e, posteriormente, colocado em um reator.

Uma microusina, orçada em R$ 200 mil, produz cerca de 300 litros de biodiesel por dia. Essa quan-tidade de biodiesel é capaz de gerar, por 24 horas, energia elétrica capaz de alimentar uma comunida-de de 300 famílias.

A captação da energia solar para geração de ele-tricidade pode ser feita através de um painel de captura solar, um controlador de carga, bateria e um inversor, o que resulta em um custo médio de R$ 50 mil. Segundo Nunomura, o processo é barato, comparando-se aos gastos médios para se produzir eletricidade com biodiesel, mas a potência da ener-gia solar é bem inferior.

“A quantidade de energia com as placas solares não é capaz nem de ligar um freezer. Com o biodie-sel, é possível gerar energia elétrica suficiente para desenvolver outras atividades econômicas e é uma energia limpa como a solar”, afirma.

Outro uso do biodiesel é como combustível au-tomotivo. José de Castro estima que a adição de apenas 2% de biodiesel, feito com plantas ole-aginosas do Amazonas, no combustível comer-cializado nas bombas de gasolina em Manaus, poderia gerar 20 mil empregos no interior, so-mente com a extração das espécies da floresta.

O sistema produtivo para o abastecimento é baseado no manejo florestal sustentável, e a coleta ocorreria nos locais onde as espécies oleaginosas são encontradas naturalmente.

No Amazonas, o combustível vendido nas bombas em Manaus possui 5% de biodiesel e 95% de diesel. O projeto da capital ama-zonense para subsediar a Copa do Mundo de Futebol de 2014 prevê a utilização do com-bustível verde nas linhas de ônibus exclusi-

vas, o que pode ser inviabilizado em virtude da pequena oferta de biodiesel no mercado.

Para atender completamente à demanda por combustível para mover os veículos em Ma-naus, seja utilizando as espécies oleaginosas amazônicas ou as plantas usadas no resto do Brasil, seria necessário investir no cultivo agrí-cola das espécies e no fomento à produção do óleo. Os pesquisadores alertam que a medida deve ser bem avaliada para que não incentive um desflorestamento desordenado da região.

O cultivo agrícola de espécies oleagino-sas poderia ser também uma forma de ba-ratear o preço do biodiesel no Amazonas. “Nossas oleaginosas nunca foram cultiva-das racionalmente e precisamos ter áre-as destinadas para isso”, argumenta Castro.

Biodiesel nos carros

Usina de extração e processamento de óleo vegetal em Carauari (AM), e o reator utilizado para produção de biodisel

FOTOS: ACERVO LAPAAM

28

Saú

DE

Quem o olha assim, tão pequeno e apa-rentemente frágil, até pensa que pode ser inofensivo. De fato, o mosquito que

transmite a malária ao homem (Anopheles dar-lingi) é inofensivo até picar alguém infectado.

Segundo cientistas, só o mosquito fêmea

é responsável pela transmissão da doença, pois o metabolismo do inseto precisa de sangue para desenvolver os ovos que vão originar novos mosquitos, e é aí que ocorre a contaminação das pessoas. Há ainda ou-tras espécies de Anopheles que se alimentam de sangue predominantemente em animais silvestres. Como o mosquito mostra prefe-rência em picar seres humanos (e se este estiver contaminado), o homem torna-se um mero hospedeiro do protozoário presente nas glândulas salivares do mosquito fêmea.

Com o intuito de colaborar com ações de combate à doença, o Instituto Nacio-nal de Pesquisas da Amazônia (Inpa/MCT) já desenvolve várias pesquisas em parceria com os órgãos de controle, como a Fun-dação Vigilância em Saúde (FVS/AM), que analisam desde a dinâmica de transmis-são da doença (que mostra características próprias em cada localidade), até a gené-tica do mosquito, em que são focados os mecanismos de resistência aos insetici-das usados nas campanhas de controle.

Além disso, o genoma do mosquito também é estudado onde são descritas característi-cas genéticas que podem ser utilizadas para reduzir o contato homem e mosquito. Nestes estudos, por exemplo, são analisadas as an-tenas dos mosquitos fêmeas, com objetivo de encontrar genes que estão relacionados com a capacidade do mosquito localizar o homem. Todas estas atividades estão sendo desen-volvidas por meio do projeto Rede Malária.

aumentam casos de malária na Amazônia Efeitos das mudanças climáticas> Por Daniel JorDano

O objetivo da Rede Malária é avaliar de que forma o mos-quito afeta a população e de que maneira os estudos científicos podem ser aplicados para evitar o contato homem e mosquito. Além disso, os pesquisadores buscam formar recursos humanos qualificados na Amazônia para combater a doença.

ACER

VO R

EDE

MALÁ

RIA

29

aumentam casos de malária na Amazônia Efeitos das mudanças climáticas

O mosquito da malária se desenvolve em águas limpas e, no caso da Amazônia,

estas águas correspondem às águas pretas, como as do rio Negro, dos lagos de Coari e de Tefé, entre ou-tros. É nestas águas pretas que os anofelinos se reproduzem quan-do o nível dos rios e lagos sobe.

Devido ao ciclo hidrológico na re-gião, que é a cheia e a vazante dos rios,

o aumento do número de mosquitos, inclu-sive o da malária, se dá de maneira gradati-va, começando em novembro e atingindo o seu pico em junho/julho do ano seguinte.

Esse aumento segue um ritmo natural, bem conhecido de quem mora na Amazônia. Mas a preocupação dos pesquisadores se dá em um fenômeno que vem atingindo várias regiões do planeta: as mudanças climáticas. De acordo com o pesquisador do Inpa e responsável pela Rede Malária, Wanderli Pedro Tadei, os efeitos das mu-danças climáticas na Amazônia estão alterando o ritmo das chuvas, o que interfere neste ciclo.

“Nós tivemos grandes secas e cheias ao longo da história na Amazônia, isso é natural. Porém, as alterações ambientais que estão ocorrendo devido ao uso da terra e quantidade de carbono lançada na atmosfera já estão causando mu-danças; além disso, quando falamos de Ama-zônia, temos que lembrar dos efeitos El Nino e La Nina, que alteram a temperatura no oceano pacífico e mudam o ritmo das chuvas aqui na Amazônia. Isso causa alterações no ciclo hidro-lógico e nós passamos a ter mais secas na Ama-zônia e chuvas na região do pacífico”, disse.

Tadei explica ainda que a mudança no ciclo da cheia e vazante dos rios interfere diretamente na quantidade de mosquitos, dentre eles o da malária.

A cidade de Coari, localizada a 363 quilômetros de Manaus, viveu em 2007 e 2009 (este último, o ano da cheia histórica que atingiu o Amazo-nas) uma verdadeira crise, que envolveu uma explosão no número de mosquitos de várias es-pécies. Segundo o pesquisador do Inpa, em 2009, por exemplo, a proporção era de 10 mil mosquitos para cada habitante, se este ficasse exposto aos insetos durante aproximadamente uma hora. Tadei fala dos motivos dessa super-população de mosquitos em Coari nesses anos.

“Dez anos depois da constatação das mudanças de 1997, houve outra grande mudança no ciclo hidrológico e o exemplo vem de Coari. Em janei-ro de 2007, o nível do rio já estava elevado na área do município, onde os valores normais eram obtidos somente em maio, e por isso, os criado-res de mosquito se formaram antes. Para comple-tar, nesse período não choveu por quase 30 dias, mesmo com o nível alto do rio. Além disso, o rio teve um repiquete, que é a estabilização do nível da água. O efeito do sol na água do lago de Co-ari formou uma grande quantidade de algas na água, elemento fundamental para a reprodução dos mosquitos. Isso se deu também em outras comunidades, mas em escala menor”, explicou.

Apesar da constatação de que as mudanças cli-máticas colaboram para o aumento dos casos de malária na Amazônia, Tadei afirmou que os traba-lhos desenvolvidos pela Rede Malária vão atuar para manter e diminuir o número de casos na região.

“Como hoje nós dominamos a tecnologia e fazemos as intervenções de imediato, não va-mos deixar o índice de malária subir. O efei-to climático produz, o mosquito se produz, vai

Caso Coari

30

Doss

iê d

o m

osqu

ito...

Nome científico: Anopheles darlingi.Alvo: O homem. Características: Os machos e fêmeas vivem na floresta e se alimentam do néctar de flores e frutos silvestres. As fêmeas, porém, além desta alimentação, necessitam tam-bém de sangue, o qual é rico em proteínas e constitui a base para o desenvolvimento dos ovos. Ovos: Cada fêmea deste pequeno inseto pode colocar, em média, 120 ovos em um determinado ambiente.

O trabalho da Rede Malária do Inpa envolve várias áreas do conhecimento, ou seja, da coleta e identi-ficação de mosquitos da malária até análises mole-culares com tecnologia de ponta. O trabalho come-ça quando uma equipe de pesquisadores, técnicos e alunos de Pós-Graduação (Mestrado ou Doutora-do) vai a campo para coletar esses anofelinos.

A partir daí, são identificados por espécie e mantidos no Laboratório de Vetores da Malária e Dengue, da Coordenação de Pesquisas em Ciên-cias da Saúde (CPCS) do Inpa. Várias pesquisas são feitas com o material genético de espécies de Anopheles, das quais três serão destacadas aqui. A primeira linha de pesquisa analisa a re-sistência de Anopheles darlingi, vetor da ma-lária, ao inseticida conhecido como Deltame-

trina, usado por órgãos de vigilância sanitária para o combate desse e de outros mosquitos.

Há, em mosquitos da malária, um gene respon-sivo ao inseticida, ou seja, de defesa do inseto. Segundo a pesquisadora do Inpa que também atua na Rede Malária, Míriam Rafael, o método foi aplicado de forma inédita em uma dissertação de Mellina Naice, do Programa de Pós-Graduação em Genética, Conservação e Biologia Evolutiva/Inpa.

O estudo mostrou que a resistência do mosquito é menor na primeira hora da aplicação da Delta-metrina, mas que, nesse mesmo intervalo de tem-po, o gene responsivo a esse inseticida teve maior expressão. Depois de oito horas, a eficiência do inse-ticida teve taxa de mortalidade maior do mosquito.

Tecnologia e pesquisa

gerar casos de malária, mas vamos reduzir. Os estudos do Inpa e as atividades em parceria com a Fundação de Vigilância em Saúde (FVS)já demonstraram que o manejo ambiental e ações de controle do mosquito são importan-tes para reduzir os casos de malária”, enfatizou.

31

Foi a primeira vez que a pesquisa foi rea-lizada com sucesso no Anopheles darlingi, principal vetor da malária na América do Sul, especialmente na Amazônia. O segundo foco das pesquisas sobre malária na CPCS é a análise da genética de populações do Anopheles darlingi, que tem como objetivo utilizar marca-dores moleculares (DNA e enzimas) para estimar a variabilidade genética e fluxo gênico das popu-lações desse mosquito.

O objetivo é identificar as divergências e semelhan-ças genéticas existentes entre essas populações, e os principais mecanismos evolutivos que atuam no processo de adaptação ao meio ambiente. Segundo a pesquisadora do Inpa, Jo-selita Santos, que também faz parte da Rede-Malária, um dos estudos nessa área mostrou diferenças ge-néticas em amostras dos mosquitos coletadas em Manaus e Coari.

Segundo a pesquisa, há em Coari maior va-riabilidade genética. A pesquisadora expli-ca os resultados obtidos. “Estes dados in-

dicam que esses mosquitos estão sofrendo pressão de seleção, devido aos efeitos dos inseticidas residuais presentes nas paredes dos domicílios. Dessa forma, para explorar e se adaptar nesse ambiente alterado, os mos-

quitos necessitam de certa plasticidade genética para obter êxito, a qual é confe-rida por uma alta variabili-dade genética”, destacou.

Outros marcadores mo-leculares (DNA microsaté-lites e DNA mitocondrial) estão sendo usados e, nes-te caso, as pesquisas são feitas em equipamentos de última geração. O Labora-tório Temático de Biologia Molecular (LTBM) conta com o sequenciador auto-mático de DNA, onde é fei-ta a leitura das sequências gênicas e, a partir daí, os cientistas obtêm diversas informações, que consti-tuem a base para estudos aplicados às ações de com-bate ao mosquito da malária.

Um terceiro ponto da pesquisa se dá quan-do o Anopheles ainda é larva. Os estudos realizados pela equipe da pesquisadora do Inpa, Iléia Brandão Rodrigues, têm o obje-

Estudar os mecanismos de resistência de mosquitos a inseticidas sintéticos é importante para entender a evolução dessa resistên-cia em nível bioquímico e minimizar o impacto do uso de inseticidas sintéticos no controle da malária e o acúmulo de seus resíduos químicos no meio ambiente

Processo utilizado para a extração de DNA do mosquito da malária

EDUARDO GOMES

32

tivo de evitar que as larvas se tornem mos-quitos através do controle biológico. Neste processo são usados fungos, bactérias e ex-tratos de plantas da Amazônia para fazer o controle do vetor, evitando assim o uso de inseticidas que poluem o meio ambiente.

“Nós trabalhamos para diminuir a den-sidade do vetor da malária no ambiente, com o controle biológico buscando alterna-tivas para não poluir as águas”, enfatizou.

Além disso, os pesquisadores do Inpa desenvolvem vários estudos para aumen-tar a eficácia do inseticida que combate o Anopheles. A técnica consiste em impreg-

nar esse inseticida nas paredes das casas de madeira, comuns no interior do Ama-zonas, utilizando a nanotecnologia, que é a base para uma nova forma de aplicação.

Outra técnica, que também usa a nano-tecnologia, libera pequenas frações de um repelente (obtido de produtos naturais da Amazônia, como a Andiroba) na forma que os especialistas chamam de nano-estrutu-rada. A substância é posicionada de for-ma estratégica na residência e é liberada de forma gradativa e contínua durante um determinado período de tempo, suficien-te para afastar o mosquito da malária, re-duzindo assim o contato homem e vetor.

Equipamento usado para identificar se há na amostra DNA do mosquito

EDUARDO GOMES

33

ConscientizaçãoA Rede Malária conta

com colaboradores nos estados brasileiros de Ro-raima, Amazonas, Pará, São Paulo, Maranhão, Tocantins e também nos Estados Unidos. Vários cientistas produzem nas bancadas dos laborató-rios pesquisas que be-neficiam as populações, principalmente nas áreas isoladas da região Ama-zônica. Mas além dos pesquisadores, um gru-po de técnicos que atua na Rede Malária também tem papel importante neste longo processo.

Os técnicos, que rea-lizam as coletas e a pri-meira identificação dos mosquitos, exercem um papel ainda mais impor-tante: eles são multipli-cadores do conhecimento gerado nos laboratórios, pois são eles que man-têm contato mais próxi-mo com as comunidades.

Acilino de Souza, que trabalha há 31 anos na área de coleta e identi-ficação, relata que, além do trabalho científico, há outro de conscienti-zação das pessoas: “Nos lugares onde vamos, nós ensinamos como a do-ença pode ser evitada”.

Esse procedimento de instruir a população é fei-to por toda a equipe téc-nica que atua no projeto. Os resultados das pesqui-sas feitas pela Rede Ma-lária já são usados em ações pelo poder público para o controle da malá-ria. O avanço do conheci-mento científico sobre o assunto representa mais que ciência, significa saúde para a população.

TABAjARA MORENO

O tempo de preservação das nascentes lím-pidas em que as águas do Amazonas foram contos de fadas real-

mente passou, deixando a imagem de um forte e ina-ceitável impacto ambiental resultante da degradação, ou seja, interferência como alte-rações da cobertura vegetal sobre o ambiente e a fauna de igarapés na Amazônia. A música Amazonas Moreno re-trata, com riqueza em deta-lhes, tudo o que um dia já vi-veu a biodiversidade dos rios e igarapés da região norte do país.

Águas cristalinas, peixes, garças, ou seja, a diversidade da fauna e flora nas proximi-dades dos numerosos igara-pés que atravessam a cidade de Manaus, no Amazonas, são aspectos de imagens que já não podem ser mais visualizadas. Os igarapés, de onde se podia tirar até mesmo a alimentação, transformaram-se em córregos que correm por tu-

bos apertados, que recebem dejetos dos esgotos espalhados pela cidade.

Na intenção de entender, estudar e produzir in-formações que possam ajudar no processo de diminuição do impacto ambiental nas áreas de igarapés na região Amazô-nica, é que o pesquisador da Coordenação de Pesquisas em Biologia Aquática (CPBA) do Instituto Nacional de Pesqui-sas da Amazônia (Inpa/MCT), Jansen Zuanon, desenvolve, desde 2001, o Projeto Igara-pés, estudando os efeitos da fragmentação florestal e de alterações da cobertura vege-tal sobre o ambiente e a fau-na de igarapés na Amazônia.

Desde o início, o alvo foi realizar estudos que permi-tissem integrar informações sobre os ambientes onde se situam os igarapés, as carac-terísticas do meio aquático e

sua fauna associada: peixes, invertebrados aquá-ticos, anfíbios, libélulas e aranhas. O projeto tem gerado informações importantes sobre a história

34

Terra dos barés e dos

Igarapés

EDu

Caçã

o a

mBi

Enta

l

> Por eDuarDo Gomes

Amazonas moreno, tuas águas sagradassão lindas estradassão contos de fadasó meu doce rioA canoa que passaO vôo da garçaas gaivotas cantandoem ti vão deixandoo gosto de amar.trecho Da música amazonas moreno, Do GruPo raízes cabo-clas.

FOTOS: PROJETO IGARAPÉS

35

Igarapé de Petrópolis na

zona Centro Sul de Manaus

FOTO: TABAJARA MORENO

36

natural e a ecologia de igarapés, tanto em am-bientes preservados, como em locais já alterados por ações humanas.

As informações produzidas pelo projeto, além da importância científica, geram bases para pro-gramas de educação ambiental, subsídios para políticas de fiscalização, conservação ambiental e monitoramento de impactos na Amazônia. Afinal, a degradação ambiental de igarapés pode com-prometer a comunidade de organismos aquáticos que ali vivem, ocasionando até mesmo a extinção de espécies ainda desconhecidas pela Ciência, o que reforça a necessidade e a urgência desses es-tudos.

A região Amazônica possui a maior bacia de dre-nagem do mundo, com cerca de 700 mil quilôme-tros quadrados. Ela é formada por uma diversidade de ambientes aquáticos, não somente de grandes rios e lagos, mas também inúmeros riachos, que constituem uma das redes hídricas mais densas do mundo. Esses igarapés, em sua maioria, apre-sentam águas bastante ácidas devido à presença de ácidos húmicos e fúlvicos, e são pobres em nu-trientes.

Porém, mantêm uma fauna rica e diversa, que é amparada energeticamente, principalmente pela contribuição de material orgânico (folhas, galhos, flores, frutos) originários da floresta que margeia os igarapés. Esta dependência gera uma associa-

ção entre as características da floresta que cerca o igarapé, a riqueza de espécies e a forma como esses organismos se relacionam entre si e com o meio ambiente.

A relação de dependência estabelecida entre os igarapés e a floresta faz com que alterações no ambiente terrestre afetem direta e indireta-mente o sistema aquático, tanto em sua estrutu-ra (habitats), como em suas funções ecológicas. Assim, alterações ambientais como as produzidas pelo desmatamento e poluição podem condenar os pequenos igarapés ao desaparecimento, espe-cialmente em ambientes urbanos. Isso resulta em perda de biodiversidade e alteração de serviços ambientais importantes, como o balanço hídrico e a regulação do microclima local.

Zuanon explica que o projeto surgiu da consta-tação de que os igarapés eram pouco conhecidos em relação à sua fauna e sua dinâmica ecológica, apesar de serem os ambientes aquáticos mais pró-ximos das pessoas que vivem na Amazônia. Além disso, o ritmo alarmante de degradação desses ambientes aquáticos, especialmente em ambien-tes urbanos, torna urgente que se conheça a bio-diversidade contida nesses ecossistemas.

“O projeto surgiu da constatação de que se co-nhece razoavelmente bem os grandes rios da re-gião amazônica. Conhece-se mais ou menos sobre

Realidade comum nos igarapés de Manaus,

o lixo doméstico compõem o cenário

de degradação ambiental das águas que cortam a cidade.

TABAJARA MORENO

37

as espécies de peixes de grande porte, que são usa-das na alimentação humana, no comércio, porém, se sabe muito pouco sobre os igarapés que cortam as florestas, que cortam a cidade de Manaus, e menos ainda sobre os peixes e outros organismos que habitam esses igarapés”, explicou.

O pesquisador enfatiza que os igarapés são os ambientes aquáticos que primeiramente sofrem os efeitos nocivos das perturbações ambientais geradas por diversos tipos de interferência hu-mana. “Esses pequenos igarapés são os primeiros ambientes aquáticos que são perturbados quando se faz qualquer tipo de intervenção humana em um terreno, seja cortando a floresta para criar um pasto, para agricultura ou abrindo um terreno para a construção de um novo loteamento urbano. Nor-malmente, o que se faz é retirar toda a floresta, e isso expõe o igarapé a uma série de perturbações”, ressalta.

O foco principal do projeto é colaborar para o aumento do conhecimento ecológico sobre os sistemas de igarapés da região, avaliando a ocor-rência e distribuição das espécies de organismos aquáticos, sua história natural e os aspectos que influenciam a estrutura das comunidades biológi-cas. Para realizar isso, os participantes do projeto estudam igarapés que se encontram em ambientes de florestas primárias (não alteradas), em áreas de mata secundárias (capoeiras) e em fragmentos florestais de diversos tamanhos, incluindo áreas rurais e urbanas.

Para que se possam obter informações ecológicas comparáveis entre diversos locais, a padronização dos métodos de coleta de dados recolhidos nos igarapés torna-se imprescindível. Por isso, desde o início do projeto, a prioridade foi a criação e a adequação de diferentes procedimentos de coleta, considerando os organismos estudados, as parti-cularidades da região amazônica e a eficiência dos mesmos.

O processo para coletar amostras de diferentes igarapés pode variar de acordo com a situação em que o ambiente se encontra, ou seja, o grau de fragmentação florestal, o tipo de perturbação am-biental predominante e as características ecológi-cas que se deseja avaliar. Zuanon explica quais são as modificações ocorrentes nestes cenários e tam-bém as consequências resultantes deste processo.

“Em igarapés onde a cobertura florestal foi re-tirada ou muito modificada, há maior entrada de luz solar, a água fica mais quente e os sedimentos (lama) resultantes da movimentação da terra no entorno são arrastados para dentro do igarapé. Com isso, começa a se acumular lama no fundo do igarapé, fazendo com que o mesmo fique mais raso; bancos de folhas submersas e galhos vão FOTO

S: P

ROJE

TO I

GARA

PÉS

38

sendo soterrados, e isso tem efeitos negativos diretos sobre a fauna. Via de regra, o número de espécies de peixes e de insetos aquáticos diminui drasticamente nessas condições, e a maior parte da diversidade de espécies é simplesmente perdi-da nesses locais”, explica.

O pesquisador complementa, ressaltando que é preciso conseguir conservar a qualidade da água nestes cenários. “Se conseguirmos manter a quali-dade da água, mesmo com algum grau de pertur-bação feita à floresta, talvez se consiga conser-var uma quantidade boa de espécies e o igarapé funcionando normalmente. Porém, quando existe uma fonte de poluição na água, o impacto torna-se muito sério e a perda de biodiversidade local é enorme”.

Durante o processo de coleta de dados ecológi-cos sobre os igarapés, diver-sas informações são obtidas. O posicionamento de cada igarapé é determinado em relação ao sistema hidrográ-fico ao qual pertence, assim como sua relação com iga-rapés de outras drenagens. Em cada igarapé selecionado para o estudo são realizadas medidas de características ambientais, como abertura média do dossel (a copa da floresta que sombreia o ca-nal dos igarapés), largura do canal, profundidade da água, velocidade da correnteza, vazão, tipos de substratos, temperatura da água, oxigê-nio dissolvido, condutividade elétrica, pH, partículas em suspensão e concentração de ácidos húmicos.

Efeito urbano De acordo com Zuanon, atualmente em Manaus

é possível encontrar dois diferentes tipos de si-tuações dos igarapés presentes nos fragmentos florestais da cidade: uma que pode resultar na conservação de fauna aquática, e outra que pode levar ao desaparecimento total da mesma. “Aque-les fragmentos de floresta onde ainda se tem uma mata saudável e a nascente do igarapé está preservada, ainda conseguem manter uma fauna aquática razoavelmente íntegra, em boas condi-ções; porém, quando o igarapé sai do fragmento florestal e passa a correr pela área urbanizada, ele recebe esgotos, muitos poluentes, o que resulta no desaparecimento da fauna aquática original-mente presente ou na sua substituição por espé-cies tolerantes à poluição”, relatou.

Os peixes são coletados de forma ativa, padro-

nizada, utilizando redes de cerco, puçás e pe-neiras. Os exemplares coletados são sacrificados com uma dose letal de anestésico e preservados em formalina. Após a triagem e a identificação dos peixes, os exemplares são acondicionados em frascos adequados e depositados na Coleção de Peixes do Inpa.

Segundo Zuanon, os peixes encontrados em iga-rapés poluídos invadem esses ambientes, vindos de outros rios, e conseguem suportar o nível de poluição. “Os poucos peixes que existem são de outros ambientes (por exemplo, da várzea) ou originários de outras regiões (e introduzidos por pessoas que soltam exemplares de peixes exóticos nos igarapés). Temos estudado essas várias possi-bilidades, desde igarapés em ambientes naturais, completamente preservados, até em áreas urbanas onde a perturbação foi completa e normalmente a

perda é total”, enfatizou.

Já na coleta de insetos, o material entomológico é se-parado em campo e fixado em álcool etílico a 80%. Em labo-ratório, as amostras coletadas passam por um longo e traba-lhoso processo de triagem e identificação até o menor ní-vel taxonômico possível, para que a partir dos resultados encontrados, possa ser anali-sada a diversidade de insetos encontrados no igarapé.

As relações entre a fauna aquática e o ambiente são estudadas em cada igarapé, incluindo características do ambiente aquático e do am-biente de entorno. Estes estu-dos em escala local são com-

plementados por uma análise em escala regional, inicialmente concentrada na região da Amazônia Central, onde as amostragens têm sido efetuadas em igarapés e riachos de diferentes sistemas hi-drográficos, entre eles os dos rios Cuieiras, Preto da Eva, Urubu, Uatumã e igarapés Tarumã e Pura-quequara.

Em uma escala mais ampla, os estudos estão sendo conduzidos nas principais drenagens da ba-cia amazônica. Neste caso, o objetivo é analisar as relações entre as características ambientais e a fauna dos igarapés, assim como também suas características geomorfológicas, paisagísticas e históricas, além da conectividade entre essas ba-cias de drenagem.

O pesquisador explicou que no perímetro urbano de Manaus a situação de poluição dos igarapés

Sempre digo que Manaus podia ser como Veneza, onde a água está incorpo-rada à paisagem e é um dos principais atrativos, mas infelizmente parece que preferimos simples-mente canalizar e aterrar nossos igarapés, lembrou Zuanon.

39

Mesmo sendo a água uma das maiores ri-quezas da região amazônica, diversos riachos e igarapés da cidade de Manaus encontram-se completamente poluídos. Falta de cons-cientização, respeito, ou preocupação com as gerações futuras? Quais ações poderiam ser realizadas para reverter este quadro?

“Os igarapés passaram de cenários que poderiam acrescentar beleza, qualidade de vida e melhorar a temperatura da cidade, para um estado em que passam a ser veto-res de doenças, de problemas para a saúde, origem de inundações e incômodo à popu-lação, ou seja, é uma situação crítica. Ma-naus podia ter os igarapés como um atrativo para a cidade. Eu sempre digo que Manaus podia ser como Veneza, onde a água está incorporada à paisagem e é um dos prin-cipais atrativos, mas infelizmente parece que preferimos simplesmente canalizar e aterrar nossos igarapés”, lembrou Zuanon.

É válido lembrar que o projeto atua em convênio com programas de pós-graduação, gerando estudos que vão dar origem a mes-trados, doutorados, e preparando mão de obra qualificada para trabalhar na região. Assim, pessoas capacitadas para estudar e propor medidas de preservação dos igara-

pés são formadas, e podem atuar em esco-las, faculdades e órgãos públicos ligados ao meio ambiente, gerando benefícios diretos para a sociedade manauara e amazônida.

Segundo Zuanon, existem algumas ma-neiras de reverter pelo menos parte dos impactos ambientais gerados nos igara-pés, porém elas dependem de tempo e de dinheiro. Logo, o pesquisador recomenda medidas preventivas que podem diminuir o impacto ambiental, e explica também os procedimentos necessários para recupe-rar ambientes com igarapés degradados.

“Parar de poluir é o primeiro passo. O se-gundo seria a recuperação ambiental, ou seja, vamos ter que remediar esse problema. Isso envolve tratamento de água, replantio de árvores na floresta marginal e, muitas ve-zes, até a reintrodução de espécies nativas de peixes de um ambiente próximo, onde haja uma fauna parecida. Tudo isso é muito mais trabalhoso e custa muito mais caro, e é por isso que insistimos tanto nas atividades de prevenção, de conscientização ambiental, para evitar que a degradação se instale. Afinal de contas, depois do igarapé ter sido poluído, sempre é muito mais difícil e demora muito mais para corrigir os problemas”, explanou.

Prevenir é melhor que remediar!

Decomposição de materiais jogados em igarapés

Fique ligado!

MateriaisPapelPanoFiltro de cigarroChicleteMadeira pintadaNylonPlásticoMetalBorrachaVidro

TempoDe 3 a 6 mesesDe 6 meses a 1 ano5 anos5 anos13 anosMais de 30 anosMais de 100 anosMais de 100 anosTempo indeterminado1 milhão de anos

é bastante elevada, porém em algumas reservas ainda é possível encontrar igarapés em boas con-dições. “Temos uma situação bastante contraditó-rio; por exemplo, dentro da reserva Adolpho Du-cke, possuímos mais de 40 igarapés de bom porte que estão bem preservados, com pouquíssimo impacto humano, porque a floresta no entorno é

muito boa. Agora, dentro da área urbana da cida-de de Manaus a situação é crítica, a maior parte dos igarapés já estão completamente poluídos, sem a maior parte da vegetação marginal original, recebendo esgoto e poluentes de vários tipos, e onde o mau cheiro é muito forte. São esgotos a céu aberto!”, afirmou.

40

riscoMapa da mina de

A cidade de Manaus passou por várias trans-formações. Viveu dias de glória correlatos ao processo econômico, político e social da bor-

racha, tornando-se, na época (fim do século XIX e começo do século XX), uma das capitais mais ricas do país. Manaus recebeu influência na cultura, polí-tica e no desenvolvimento estrutural e arquitetônico de brasileiros de outras regiões e de estrangeiros que vieram para a capital, como portugueses, fran-ceses e espanhóis.

Este ano, Manaus com-pleta 341 anos, mas ain-da tem muitos desafios para vencer, a fim de proporcionar o desen-

volvimento (social e econômico) aos moradores,

como por exemplo, o direito à moradia com infraestrutu-ra. Com uma po-

pulação de mais 1,7 milhões de pessoas, a

falta de planejamento urba-no obrigou muitos mo-

> Por Josiane santos

imPa

Cto

am

BiEn

tal

41

radores a se instalarem em locais que não apresentam in-fraestrutura ade-quada. Não houve atenção do poder público acompa-nhando o crescimen- to da cidade, isto é, não houve pla- nejamento urbano adequado, resultando em moradias às mar-gens alagáveis de vários igarapés que cortam a cidade e em encostas sujeitas à erosão.

Isso fica evidente em diversos lugares dos bairros, comunidades, conjuntos e condomínios que caracterizam as pai-sagens da cidade.

Problemas como alagamentos, enchentes e deslizamentos são fre-quentes nos Estados brasileiros. Mais recentemente, a imprensa brasileira relatou as tragédias acontecidas em Alagoas, Pernambuco, Rio de Janeiro e Santa Catarina. São problemas que afetam principalmente as pessoas de baixa renda, mas também, com im-pactos diferenciados, pessoas de dife-rentes classes sociais.

No Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia (Inpa/MCT), um grupo de pesquisadores – Denise Rodrigues Cruz (Expansão Urbana e Áreas de Alagação em Manaus), Karla Regina Mendes Cassiano (Análise Geográfica de Áreas de Risco em Bacias Hidrográ-ficas Urbanizadas), Alberto Augusto

Amazonas Ri-beiro (Fisiologia da

Paisagem das Áreas de Risco), Lila Sigrid

Souza de Macena (Pai-sagem, Dinâmica Urbana

e Risco) e Diego Lopes Mo-rais (Deslizamento e Dinâmica

Espacial do Risco Reincidente em Manaus) – coordenado pelo pesquisador Reinaldo Corrêa

Costa, do Laboratório de Estudos Sociais (LAES), de-senvolve um trabalho pioneiro que mapeou as áreas de risco da cida-de de Manaus. O primeiro resulta-do foi o Relatório Preliminar, que identificou os bairros e zonas da cidade que apresentam os maiores problemas.

As zonas Norte e Leste da capital do Amazonas foram as que regis-traram os maiores índices de ala-gamentos e deslizamentos. Segun-do o relatório, bairros como Terra Nova, Novo Israel, Cidade Nova, Jorge Teixeira e São José Operário detém os maiores registros desses eventos na cidade. Ainda de acor-do com o relatório, os bairros que apresentaram os maiores registros são oriundos de ocupações, que depois de um tempo foram efe-tivadas como bairros pelo poder público, mas sem a infraestrutura urbana adequada.

Trabalho inédi-to em Manaus, a pesquisa do Inpa mapeou as áreas de risco da cidade. O objetivo final da pesquisa, prevista para 2011, é criar elementos para políticas públicas de planejamento urbano, mapas de zoneamento e grau de risco para con-tribuir com a Defe-sa Civil

riscoMapa da mina de DIVULGAçãO/IMPLURB/PMM

42

De acordo com o Plano Nacional da Defesa Ci-vil (PNDC) do Ministério da Integração Nacional, o risco se caracteriza por uma “relação existen-te entre a probabilidade de que uma ameaça de evento adverso ou acidentes determinados se concretize, com o grau de vulnerabilidade do sis-tema receptor a seus efeitos.”

“O risco mexe com o cotidiano (história em movimento) da cidade, com o poder público, a economia, a vida das pessoas, em todos os senti-dos. Afeta a circulação, mesmo em outras classes sociais que não moram em área de risco, mas recebem o impacto, porque é na dinâmica da ci-dade que o risco acontece, o risco se espacializa concomitantemente à formação urbana, faz par-te do metabolismo urbano”, alerta Costa.

O processo de identifica-ção, classificação e análise das áreas de risco envolve duas abordagens teórico-me-todológicas importantes: for-mação econômica e social e os geossistemas. A formação econômica e social consiste em estudos que envolvem a economia, a sociedade e as políticas públicas; os geos-sistemas são os estudos da natureza e de todos os pro-cessos que a envolvem, como clima, relevo e bacia hidro-gráfica. Ambas as abordagens com o uso de várias unidades espaciais de análise.

Em Manaus, os tipos de riscos predominantes são os alagamentos e os desliza-mentos. Isso porque grande parte dos terrenos é cortada por igarapés de di-ferentes tamanhos e por encostas de diferentes ângulos e formas, que atuam na espacialização e distribuição dos riscos.

“A base do entendimento da área de risco é que são lugares sem infraestrutura, onde residem pessoas que precisam de obras públicas de boa qualidade para garantir saúde e segurança. Te-mos que fazer a seguinte conjugação: valor do solo urbano e relevo. Onde tiver o maior valor do solo urbano (real ou projetado) e um relevo que receba pouca modificação é onde as classes privilegiadas constroem suas casas e, o oposto disso, é o menor valor do solo urbano, onde as pessoas com o menor poder aquisitivo moram e constroem suas casas de diferentes maneiras,

principalmente a autoconstrução. Aí que ocorre, evidentemente, o problema do risco, que muitas vezes é provocado pela falta de planejamento e fiscalização”, explica Costa.

ResultadosO tempo do trabalho de elaboração dos mapas

de alagamentos e deslizamentos ocorridos na ci-dade foi, aproximadamente, de um ano. Segun-do dados da Secretaria Municipal de Defesa Civil (Semdec), 70% dos eventos de risco registrados na cidade estão relacionados a enchentes e ala-gamentos, e 30% a deslizamentos.

O relatório foi desenvolvido com base nos re-gistros de deslizamentos e alagamentos ocorridos na cidade entre 2005 a 2008, feitos pela Semdec

e pelo Corpo de Bombeiros.

A Semdec informou, por meio da sua base de dados, mês, dia, endereço, tipo de ocorrência e quantidade de ocorrências de cada evento registrado na cidade, resul-tando em 34 mapas (16 de deslizamentos e 16 de alaga-ções). De 2005 a 2008 foram registradas 3.192 alagações e 1.576 deslizamentos pela Semdec.

Na elaboração do Relatório Preliminar, Costa destaca o difícil trabalho desenvolvi-do por sua equipe, como ele mesmo denominou “um tra-balho de paciência chinesa”, por conta da dificuldade de localização de alguns logra-douros, por existirem várias

ruas com o mesmo nome em diferentes bairros, além do trabalho de campo que também tem suas dificuldades, como alguns setores dominados por gangues, o que impossibilita o estudo.

Os bairros foram agrupados em duas partes, denominadas arcos: o arco norte/leste e o arco centro-oeste/sul. O arco norte/leste é compos-to, quase sempre, de bairros recém criados e/ou originados por ocupação de áreas públicas. Fa-zem parte do arco norte/leste Cidade Nova, Ter-ra Nova, Novo Israel, Santa Etelvina, Monte das Oliveiras, Colônia Santo Antônio, Jorge Teixeira, São José Operário, Tancredo Neves, Zumbi dos Palmares e Armando Mendes. Os bairros do arco centro-oeste/sul apresentam os menores índices de ocorrências: Redenção, Bairro da Paz, Alvo-

É uma pesquisa de utili-dade pública. O resultado tem aplicabilidade prática que beneficia a sociedade, não depende de virar uma mercadoria ou não, não de-pende de público alvo, pode ter aplicabilidade e servir de subsídio para futuras políticas públicas de orde-namento do território com cidadania. Avalia Costa

Área de Risco: conceito

43

rada, Dom Pedro, Lírio do Vale, Nova Esperan-ça, Santo Agostinho, Compensa, Vila da Prata, São Jorge, Santo Antônio, Glória, São Raimundo, Presidente Vargas, Centro, Praça 14 de Janeiro, Cachoeirinha, Educandos, Raiz, Colônia Oliveira Macha-do, Morro da Liberdade, São Lázaro, Betânia, Crespo, São Francisco, Petrópolis e Maua-zinho.

Em 2005, os registros de alagamento e deslizamen-to foram, respectivamente, 748 e 441. Nesse período, os bairros mais afetados foram Cidade Nova e Jorge Teixei-ra.

No ano de 2006, os regis-tros de deslizamentos caíram quase pela metade do núme-ro registrado no ano ante-rior, 276 no total. O mesmo aconteceu com os alagamen-tos, que tiveram uma redu-ção para 482 registros.

O ano 2007 foi atípico; por esse motivo, hou-ve grande número de registros de alagamentos e deslizamentos. Foram registrados 1.444 alaga-mentos e 639 deslizamentos. Em 2008, os índi-

ces de alagamentos registrados foram de 518 e de deslizamentos 220.

Ao observarmos esses quatro anos de trabalho que resultaram no Relatório Preliminar, é possível veri-ficar que as zonas Norte e Leste apresentam os maiores números de alagamentos e deslizamentos, concentra-dos, principalmente, nos bairros Cidade Nova, Cidade de Deus, Grande Vitória, Co-lônia Terra Nova e Jorge Tei-xeira. Do mesmo modo, es-ses problemas se repetem em um mesmo logradouro, como é caso da Rua 26, localizada no bairro Alfredo Nascimen-to, com oito ocorrências no ano de 2007; e das cinco ocorrências no ano de 2005, registradas nas ruas Xingu, na Cidade Nova, e Londres, no São José.

Problemas como alagamentos e deslizamentos são comuns em qualquer cidade do Brasil, con-forme destaca Costa. Esses problemas acabam fazendo parte do cotidiano da sociedade e, com isso, se tornam banalizados pelo poder público.

Aquilo que nos é estranho conseguimos ver nitida-mente, mas aquilo que nos é cotidiano, como os problemas da cidade, a gente acaba banalizando, e aí a gente só consegue observar quando tem tragédia ou nos afeta observa Costa.

O primeiro relatório foi desenvolvido basea-do nos dados da Semdec e do Corpo de Bombei-ros. Agora o grupo de trabalho está percorren-do bairro a bairro, com o objetivo de conhecer os problemas e, com base na análise dessas informações, irá elaborar um zoneamento com graus de risco para fins de políticas públicas.

Segundo Costa, antes de os alunos irem para o trabalho de campo, precisam conhe-cer a bibliografia básica dos processos de

formação do solo, do clima e da economici-dade das classes sociais. “É preciso conhecer a formação urbana, como as classes sociais se territorializam, como se constitui o va-lor do solo urbano, usando diversas fontes, como a tabela do IPTU, assim como cruzar informações da natureza (geomorfologia, clima e bacias hidrográficas). Nos estudos de risco não se pode culpar nem a natureza e muito menos as pessoas pobres”, explica.

A Lei 10.257 da Constituição Federal dis-põe, nos artigos 182 e 183, as diretrizes para aplicação da política urbana. Os artigos de-terminam, para cidades com mais de vinte mil habitantes, a criação do Plano Diretor Urbano e Ambiental (PDUA), que serve como ins-trumento para direcionar o planejamento e a política de desenvolvimento do municí-pio. De acordo com o Manual de Desastres elaborado pela Secretária Nacional de De-fesa Civil (SNDC), o PDUA deve incorporar os conceitos de sustentabilidade e zonea-

mento do espaço geográfico, do qual de-pendem a urbanização e o uso racional do solo urbano e rural, através do mapeamen-to de riscos de desastres. Conforme Costa, “há uma cultura construtivista, oriunda da especulação imobiliária, que ao fazer cons-truções, públicas ou privadas, impermea-biliza grandes áreas para pátios, estacio-namentos, calçadas, praças entre outros, que contribuem para sobrecarregar os sis-temas de drenagem naturais (rios e igara-pés) e construídos (bueiros e galerias).”

Teoria e prática

Políticas públicas: legislação

44

Os problemas de alagações e deslizamento ocasionam transtornos para economia, turis-mo, saúde, enfim, para a população em geral. Manaus, como uma das cidades mais importan-tes da região norte, uma das cidades-sede da Copa de 2014, precisa planejar e executar po-líticas de saneamento e infraestrutura. “Para uma cidade que será sede da Copa, ela tem que estar com esse problema de circulação de água (fluvial, pluvial e servida) resolvido, por-que chuvas em locais sem infraestrutura geram

problemas, o poder público irá passar cons-trangimentos e ter manifestações em pleno período de realização da Copa”, alertou Costa.

O relatório sugeriu, além da criação de po-líticas habitacionais, a execução de políticas de conscientização e preservação das margens dos rios e igarapés, a estruturação da rede de esgoto da cidade e a melhoria da coleta de lixo e de outros equipamentos urbanos. A previsão de término da pesquisa é dezembro de 2011.

Classificação dos graus DescriçãoGrau de Probabilidade

R1 – BAIXO Ou SEM RISCO

R2 – MéDIO

R3 – ALTO

R4 – MuITO ALTO

Os condicionantes são de baixa ou nenhuma potencialidade de escorrega-mentos ou solapamentos. Não apresen-tam sinal de instabilidade em encostas e de margens de drenagens. No perío-do de estação chuvosa, não se espera a ocorrência de eventos destrutivos,

mantidas as condições existentes.

Observa-se a presença de alguns si-nais de instabilidade (estágio inicial) em encostas e margens de drenagens. No período de chuvas intensas e pro-longadas, a possibilidade de ocorrên-cias de eventos destrutivos (alagações

e deslizamentos) é reduzida.

O nível de intervenção é de alta po-tencialidade. É visível no local a insta-bilidade, em pleno desenvolvimento. A ocorrência de deslizamentos e alaga-ções é perfeitamente possível durante

as chuvas intensas e prolongadas.

O grau mais crítico. Nesse caso, a instabilidade está em estágio avança-

do e de desenvolvimento.

Tabela padrão de classificação dos graus de risco do Instituto de Pesqui-

sas Tecnológicas (IPT)

FOTOS: ACERVO LAES

43

46

Cult

ura

inD

ígEn

a Café acompanhado de pão recheado com txipari e ãkauari é uma delícia que os amazonenses apreciam e recomendam. Você deve estar se perguntando que pala-

vras são essas e o que elas estão denominando. São palavras da língua Apurinã, que nós chama-mos, respectivamente, de banana e tucumã, que com junto com o pão formam o “X caboquinho”.

Mas txipari, ãkauari e outras palavras es-tão desaparecendo do cotidiano dos povos in-dígenas do Amazonas. Quem afirma isso é a pesquisadora Ana Carla dos Santos Bruno, do Núcleo de Pesquisas de Ciências Humanas e Sociais (NPCHS) do Instituto Nacional de Pes-quisas da Amazônia (Inpa/MCT). Ela possui graduação em História, mestrado em Linguís-tica e doutorado em Antropologia, e desde 2006 estuda as línguas indígenas do Estado.

Com o título “Documentação das Histórias, Lín-

guas e Culturas Indígenas do Estado do Amazo-nas”, o estudo faz parte de um Projeto de Pesqui-sa Interno (PPI) do Inpa, cujo principal objetivo é entender a relação entre línguas e práticas so-ciais. Em conjunto com as etnias, a Linguista está pesquisando as estruturas das línguas dos grupos indígenas da região. Parte do conhecimento que Ana Bruno tem sobre os indígenas foi adquirido antes mesmo da graduação, quando conviveu três anos com uma comunidade Waimiri Atroari.

Língua, dialeto e sotaqueAntes de mergulhar no conhecimento das di-

versidades que formam o índio do Amazonas, en-tenda o que é língua e também a diferença entre língua, dialeto e sotaque. Pois bem, tudo é uma questão de inteligibilidade. Atente para a expli-cação: a diferença entre língua e dialeto depende do entendimento, ou seja, se for possível com-preender o que o outro está falando, dizemos que é a mesma língua. Quando não há entendimento, são línguas diferentes. Por exemplo, Espanhol e

> Por eliena monteiro

AMAzONAS: um laboratório linguístico

Comunidades indígenas da

Amazônia estudadas pela

pesquisa do Inpa

FOTO: ACERVO NPCHS

47

Português; Português e Italiano. O dialeto é a mesma língua com algumas variações. Por exem-plo, o Português falado em Portugal e o Portu-guês falado no Brasil são diferentes. Já o sotaque possui diferenças na pronúncia. Por exemplo, o sotaque pernambucano e o sotaque carioca.

Classificar o Português de Portugal e o do Bra-

sil como Língua ou dialeto é uma questão que divide opiniões entre os pesquisadores. Há um grupo de estudiosos da Linguística do Português que consideram o Português de Portugal e o Português do Brasil como dialetos de uma mes-ma língua. E outro grupo de estudiosos (como por exemplo, Mary Kato e Eduardo Raposo) que os consideram como duas línguas distintas.

48

A documentação realizada pela doutora Bru-no associa o estudo da língua com a educação escolar das etnias. Geralmente, os próprios gru-pos procuram a linguista para trabalhar a revi-talização das suas Línguas e culturas. Tanto os indígenas das aldeias quanto os da cidade, junto com suas asso-ciações, buscam documentar em áudio e vídeo suas cerimônias, rituais e atividades, como tam-bém apoio em projetos educa-cionais diferenciados na cidade, orientação e auxílio na elabora-ção de projetos para sustentabi-lidade econômica desses povos.

A pesquisadora está montando léxicos especializados (grupo de palavras) com nomes de plantas, animais e partes do corpo huma-no. Em cada etnia que encontra, ela aplica um questionário que possui mais de 300 palavras. Todo trabalho é realizado com os membros das aldeias que escolhem os professores (formados pelos projetos de educação do Estado) para ajudar na elaboração dos materiais didáticos. Dependendo do grupo, são escolhidas três ou quatro pessoas na faixa etária de 30 a 50

anos. Um microfone e notebooks são instala-dos nas aldeias para documentar as gravações.

A doutora Bruno fala uma palavra em português e pede aos indígenas que repitam duas vezes na

língua deles; em seguida, ela gra-va tudo em CD e deixa o material para o grupo. Em parceria com alguns professores das etnias Pa-rintintin e Tenharim, a pesquisa-dora montou um livreto sobre a “arte plumária Waimiri Atroari”.

O trabalho, resultado de ofi-cinas e da convivência com os grupos, é ilustrado por desenhos feitos pelos indígenas e por fo-tos feitas pela equipe do projeto. O livro explica o passo a passo da confecção de cocares, brincos e braceletes a partir de penas de aves da floresta amazônica.

Um mito explicando a importância dos pássa-ros para esses povos também faz parte do livro. Para os indígenas, foram os pássaros que ensina-ram aos Kagwahíva a plantar e a dar nomes aos objetos. Os grupos decidiram fazer o livro por-que os jovens não se interessam mais pela arte

O projeto

Os grupos decidi-ram fazer o livro porque os jovens não se interessam mais pela arte plumária e a legis-lação, hoje, proíbe a comercialização de artefatos com penas de animais

O ensino da língua indígena na própria comunidade

FOTO : ACERVO NPCHS

49

Não há dados oficiais que comprovem quantas são as línguas faladas no Amazonas, o Censo conta o número de indivíduos e não o núme-ro de falantes. Dados da antiga Fundação dos Povos Indígenas – FEPI (hoje Secretaria de Es-tado para os povos indígenas - SEIND) apontam que existem 66 etnias indígenas na região, das quais mais de 50 falam a língua. Porém, a maio-ria dessas línguas possui menos de mil falantes.

Além disso, as línguas não estão sendo trans-mitidas para as novas gerações. De acordo com a Organização para a Educação, a Ciência e a Cultura das Nações Unidas (Unesco), idiomas falados por menos de mil pessoas correm o risco de desaparecerem. Os Tikuna são a única etnia indígena que possui acima de 30 mil falantes na Região Amazônica. Essa seria, portanto, a única língua sem peri-go de extinção.

A pesquisa-dora Ana Bruno explica que o estudo dessas línguas con-tribui para o conhecimento de como as etnias classificam e categorizam o mundo. A partir do estudo, é possível também reformular as teorias lin-guísticas. “É tanta diversidade, que podem ser encontrados fenômenos que não existem em nenhuma outra língua do mundo”, ressalta.

Ela dá o exemplo da língua Hixikaryana, fa-lada em Nhamundá, município situado a 325 quilômetros de Manaus. Na década de 80, um linguista norte-americano chamado Desmond Derbyshire detectou que os Hixkaryana ti-nham, como ordem básica das suas sentenças, a ordem objeto-verbo-sujeito (OVS). De acordo com os estudos linguísticos, seria impossível encontrar esse fenômeno como ordem bási-ca de uma língua, mas uma língua amazônica mostrou o contrário. Na língua portuguesa, a

construção das sentenças, por exemplo, segue a ordem sujeito-verbo-objeto (SVO). Então, a sentença ‘A onça comeu as pessoas’, tradu-zida para a língua Hixkaryana, ficaria assim:

A variedade de gêneros de fala é outro elemen-to encontrado nas línguas indígenas locais. Em muitas aldeias, a fala cerimonial é diferente da fala do dia a dia. Em outras, existe diferença até mesmo entre a fala masculina e a fala feminina.

Segundo as tradições desses grupos, as pes-soas devem se casar com alguém que fale uma língua diferente da sua. Os estudiosos chamam esse fenômeno de exogamia linguística. Assim, o filho de um casal dessas etnias aprende a lín-gua do pai e a língua da mãe e, dependendo do caso, aprende também as línguas dos avós e a

língua portugue-sa ou espa-nhola. Nessa mesma região, o município de São Gabriel da Cachoeira (situ-ado a 858 km de Manaus) coofi-

cializou as línguas indígenas Nheengatú (lín-gua geral), Baniwa e Tukano. Cerca de 77% da população dessa cidade é formada por índios.

Com a cooficialização, os cidadãos do municí-pio passam a ter o direito de serem atendidos em uma dessas línguas. É claro que no cotidiano a realidade é outra, mas a atitude de São Gabriel da Cachoeira é o começo de um processo que pode culminar na valorização cada vez maior das lín-guas indígenas. “Reconhecer oficialmente uma língua implica, sobretudo, no reconhecimento do Estado de sua existência. Além disso, garantir o uso destas línguas num espaço urbano de forma institucionalizada pode constituir uma política linguística decisiva para os indígenas na cidade ou nos seus territórios que estão interessados em manter suas línguas”, enfatiza Ana Bruno.

plumária e a legislação, hoje, proíbe a comer-cialização de artefatos com penas de animais.

Eles usam esse material nas cerimônias e, an-tes da implementação da legislação, também confeccionavam os artefatos para venda como forma de subsistência econômica. Para Ana Bru-no, as leis devem levar em consideração algumas especificidades dessas populações. “Quando há uma preocupação muito grande com a biodiver-sidade, a sociodiversidade pode ser prejudicada.

Não estou dizendo que a biodiversidade não é importante, mas é preciso levar em consideração o contexto social, cultural e histórico de um gru-po. Os Tenharim não matam os pássaros. Você vê algumas araras depenadas dentro da aldeia que eles criam”, explica a pesquisadora. O livro está pronto e aguarda a avaliação da editora do Inpa para ser publicado. Em 2005, 2007 e 2010 a lin-guista ajudou a organizar encontros com estu-diosos de todo o mundo, para discutirem a estru-tura e o uso das línguas indígenas amazônicas.

Fenômenos de uma realidade multilíngue

“A onça comeu as pessoas”

Objeto Verbo SujeitoToto heno komo yonoye kamaragente morta coletivo comeu onça

Os indígenas possuem uma tradição ágrafa, ou seja, o conhecimento não é registrado por meio da escrita. Assim, os conhecimentos são passados de forma oral e isso significa que não existem li-vros, revistas ou qualquer outra literatura nesses idiomas. Ana Bruno diz que essa concorrência desigual com outras línguas majoritárias (como Por-tuguês, Espanhol, Inglês) contri-bui para a extinção das línguas indígenas. “É normal que o grupo queira mudar, a gente não pode ver a cultura como algo estático, a cultura é dinâmica. As línguas mudam, é um processo natural, elas vão adquirindo novas pala-vras, formando outras palavras. O problema é quando o grupo entra em contato com a sociedade não indígena e começa a priorizar a língua portuguesa, como é o caso do Brasil”, destaca.

Representar graficamente os sons das letras de maneira ade-quada é um desafio para quem estuda as línguas da região e alguns sons não têm símbolos para representá-los em português. É necessário ter um conhecimento amplo de lin-guística, porém o desafio maior é contornar as

questões de política interna entre os grupos. Como foi explicado no início da reportagem, existem diferenças entre língua e dialeto.

Mas alguns grupos que possuem a mesma lín-gua e apenas dialetos diferentes, brigam entre si para fazer preva-lecer o seu modo de falar. “Não basta só entender as questões formais da linguística, tem que ter um conhecimento antropo-lógico, político e vivência com o grupo”, afirma Ana Bruno.

Falantes PassivosCom a constituição de 1988,

a legislação garantiu algumas melhorias na educação escolar indígena. A partir daí, as etnias encontraram a oportunidade de revitalizar e lutar pela valoriza-ção das suas línguas. Mas os sé-culos de preconceito deixaram problemas de uma geração para outra.

Em alguns grupos, os velhinhos são os úni-cos que ainda dominam a língua da aldeia, os adultos sabem falar a língua e o português, mas preferem se comunicar com seus filhos em por-

A realidade multi-língue é outra ma-ravilha encontrada entre as populações indígenas do no-roeste amazônico (região do Alto Rio Negro). O multilin-guísmo acontece porque as 23 etnias dessa região falam uma variedade de idiomas.

Desafios linguísticos

50O trabalho consiste em manter a lingua indígenana comunidade

FOTOS: ACERVO NPCHS

tuguês. A geração desses filhos, por sua vez, responde também em português. Ana Bruno chama essas crianças e jovens de falantes pas-sivos. “Eles entendem, mas eles respondem em português. Consequentemen-te a próxima geração não vai aprender a falar a língua indí-gena”, explica. Além disso, os pais vêem no conhecimento e domínio do português uma possibilidade de ascensão so-cial e cultural.

Formação de indígenas é solução

Além das diversidades apre-sentadas até aqui, o Amazonas conta ainda com a presença de muitos grupos indígenas morando em Manaus. Um ver-dadeiro laboratório para os estudos linguístico. Apesar disso, o Estado enfrenta a escassez de mão de obra formada na região. A maioria dos pes-quisadores que estudam as línguas daqui vem de

outros estados ou de outros países. Atualmente, o Amazonas conta com apenas quatro linguistas profissionais vinculados a instituições de Ensino e Pesquisa: o linguista Frantomé Pachêco é vin-

culado à Universidade Federal do Amazonas (Ufam), o casal Walteir e Silvana Martins está na Universidade Estadual do Amazonas (UEA) e a doutora Ana Carla Bruno, vinculada ao Inpa.

O Amazonas só possui Lin-guística a partir do mestrado e geralmente as pessoas fa-zem mestrado ou doutorado em Linguística. Neste caso, a formação de um profissional leva, em média, oito anos. O trabalho de revitalização das

línguas requer tempo, principalmente se o pes-quisador tiver a idéia de montar materiais edu-cativos. Por esse motivo, Ana Carla Bruno aposta na formação da população local:.

A meu ver, claro, pode até ser surrealista ou ilusão, o ideal é formar os próprios indígenas para serem os linguistas das suas próprias línguas, idealiza.

51

ESPE

Cia

l

52 53

> Por clarissa bacellar

Olá! Sou a Dra. Pteronura Brasil-iensis, mas todos me conhecem como Ariranha.

Nós, as ariranhas, somos sociais, ale-gres e brincalhonas,

mas já fomos caçadas até quase desaparecemos. Hoje, as pessoas es-tão aprendendo a importância de preservar o ambiente e, é claro, os animais. Estou aqui justa-mente para isso: ensinar a vocês um pouco mais sobre mim! Quer dizer... Sobre as ariranhas!

Quem somos nós?Além de “ariranha”, também somos conhecidas

como onça d’água, lobo de rio, lontra gigante, entre outros nomes. É, somos o maior membro em comprimento dentre os representantes de nossa família: a Mustelidae. Pesamos entre 26 e 30 quilos e nosso comprimento total máximo é de 1 metro e 80 centímetros.

Nossa ‘impressão digital’ é a mancha pardo-amarelada na região da garganta e do pescoço. No entanto, alguns de nós não temos essa man-cha, ou apresentamos uma mancha muito peque-na, reduzida, apenas na região abaixo do queixo. Temos os dedos das patas ligados por uma mem-

brana que se estende às cinco unhas, nossas

Diário de uma ariranha

Bosqueda Ciência

ESPE

Cia

l

52 53

orelhas são pequenas e arredondadas e nosso focinho é coberto de pêlos. Cavamos tocas nos barrancos de rios e igarapés, onde descansamos à noite e cuidamos dos filhotinhos.

Por falar nos filhotes, aqui, na Amazônia, nor-malmente eles nascem no segundo semestre do ano (de julho a dezembro), quando o nível das águas está descendo. Nascem de dois a cinco fi-lhotes e o nosso período de gestação é de cerca de 70 dias. Quando eles nascem são cuidados por toda a família: o casal e os irmãos mais velhos, filhotes de anos anteriores.

Somos extremamente territoriais e brigamos pelo que é nosso. Marcamos o território através da urina e das fezes, que são bem espalhadas

Diário de uma ariranha

Classificação científica AnimaliaChordataMammaliaCarnivoraMustelidaeLutrinaePteronuraGray, 1837P. brasiliensis

Nome binomialPteronura brasiliensis(Zimmermann, 1780)

Reino:Filo:Classe:Ordem:Família:Subfamília:Género:Espécie:

com as patas, para mostrar que estamos patru-lhando nossa área.

Na natureza, a literatura fala que as ariranhas vivem cerca

de 10 anos. Em cativeiro, bem mais, porque todo ani-mal de cativeiro é cuidado por seus tratadores, reduzin-

do assim nosso esforço e com-petição. Ou seja, em cativeiro não

precisamos pescar, disputar território e isso facilita nossa sobrevivência.

Por sermos animais topo de cadeia, somos bons indicadores de ambientes não degradados, pois nossas exigências ecológicas não nos permitem viver em ambientes destruídos. Devo confessar que somos consumidoras oportunistas, pois pro-curamos nos alimentar com animais mais debili-tados, mas é assim que limpamos o ambiente.

ILUS

TRAç

ãO:

DANI

EL S

ANTI

54

AmeaçadoNossa espécie está classificada como ameaçada

de extinção.

Ela está listada no Apêndice I da CITES (SCHOU-TEN, 1992) e continua classificada como ameaça-da de extinção atualmente, assim como pela IUCN (2010).

Estamos ameaçadas de extinção porque o bicho homem nos caçava. Tudo por causa da nossa pele, que dizem ser valiosa como o couro de jacaré!

Existe, ainda hoje, o comércio de filhotes (Suri-name, Peru), que são capturados e tratados como mascotes. No Brasil esta prática é proibida, prin-cipalmente se estiverem ameaçados, porém há a interferência do ser humano. Os ribeirinhos dizem que nós atrapalhamos a pesca. Por isso, algumas pessoas acabam nos maltratando e até chegam a nos matar.

O bicho homem, agora, procura estudar nosso comportamento para saber por que somos impor-tantes para o equilíbrio ambiental e, para isso, nos monitoram em nossos habitats através da radiote-lemetria.

Radiotelemetria, o que é isso?É uma técnica utilizada para monitorar animais

em seu ambiente natural, sem muita interferência por parte do pesquisador, através de um radio-transmissor. Também serve para monitorar animais difíceis de serem visualizados na natureza ou que realizam grandes deslocamentos.

Nosso pescoço é esguio e o colar, onde fica preso o rádio (como é feito com as onças, por exemplo, para monitorá-las), pode cair. Além disso, somos animais sociais, praticamos o “grooming”: ficamos mordiscando um ao outro, como os cães, ou os ma-cacos, catando uns aos outros, sabem? Então, colo-car-nos o colar não funcionaria. Logo, a cirurgia é a realmente a melhor opção para os pesquisadores que estudam nosso comportamento.

Por exemplo, com as ariranhas do Araguaia (Mato Grosso), foi realizada a captu-ra de um animal (Oi, Robinho!) para implan-te do radio-transmissor, inserido na c a v i d a d e abdomina l (peritônio), por meio de uma cirurgia. Após a recuperação to-

tal do animal, ele foi reintroduzido ao ambiente natural, nas proximidades de onde foi capturado e, a partir daí sim, se inicia o monitoramento via telemetria.

Chip ou rádio?Não é um chip. É um rádio! Um radiotransmissor

na verdade, que emite ondas de rádio VHF e pesa cerca de 40 gramas. Em geral, não oferece riscos a nossa saúde. Para não confundir muito, tentam explicar o que é um radiotransmissor, mas acabam usando o termo chip mesmo, para facilitar o enten-dimento.

ExistênciaExistíamos desde o norte até o centro-sul do con-

tinente sul-americano. Nós tínhamos família até na Argentina! No sul do Brasil também tínhamos po-pulações de ariranhas, mas hoje não temos mais.

Onde ainda temos populações significativas é na Amazônia e no Pantanal, e também no corredor central (seria o ambiente do cerrado, na transição entre o Pantanal e a Amazônia), conhecido como Corredor Araguaia.

CuriosidadesNós roncamos. Na verdade não é bem um ronco.

É que produzimos sons enquanto dormimos, uma espécie de ronronar. Emitimos, pelo menos, nove tipos diferentes de sons durante o dia e, para quem nunca nos ouviu, é igual a quem nunca ouviu os sons dos guaribas: assusta!

Aproximamo-nos de embarcações, chamando atenção dos observadores, porque somos muito curiosas!

Se vocês quiserem aprender mais sobre nós é só procurar a Associação Amigos do Peixe-boi – Ampa e o Laboratório de Mamíferos Aquáticos – LMA do Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia – Inpa/MCT. Lá eles podem dar mais informações so-bre nós e outros animais amigos nossos. Nos vemos por lá!

Até a próxima!

ANSELMO D´AFFONSECA