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Ciência e Pseudociência Aula 5 Prof. André Martins

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Ciência e Pseudociência

Aula 5

Prof. André Martins

Um exemplo (do prof. Camilo Neto)

Imagine que você é o responsável pela segurança de um aeroporto internacional. Um encarregado do embarque da American Airlines telefona para informá-lo que uma pessoa com reserva para o próximo vôo recusa-se a embarcar alegando que ela é uma vidente e sente que há uma bomba no avião.

Você se encontra com a vidente e a reconhece de programas de auditório (Tio Santos) e entrevistas (Josiel 11:30 h). Você se lembra vagamente de tê-la ouvido afirmar ter usado sua percepção extra-sensorial para resolver várias investigações criminais importantes. Apesar de estar um pouco agitada por causa da bomba, ela parecia em seu perfeito juízo. Você ordenou a retirada de todos do avião e chamou o esquadrão anti-bombas para uma busca. Nenhuma bomba foi achada, mas o vôo teve de ser cancelado.

Sua ação fez com que centenas de pessoas perdessem suas conexões. A companhia aérea teve de providenciar novos vôos para os passageiros, diárias de hotel e transporte terrestre, incluindo a vidente. Você acha que fez a coisa certa?

Mais exemplos

Cristais de água? A Terra é oca?

Distinguindo bobagens de coisas reais

Obviamente, se não existirem poderes como os que a vidente afirmava ter, dar ouvidos a ela seria uma tolice. Se eles existem, talvez você tenha feito a coisa certa.

Como determinar o que posso acreditar, de forma competente?

O que a Ciência diz sobre esta situação? E por que eu deveria confiar na Ciência mais do que na vidente?

O experimento é real. Mas o tal sr. Emoto procura os cristais que

ele acha que parecem com o conceito após o experimento e descarta os demais!

Veja mais sobre este filme e as enormes bobagens que ele tem passar como Mecânica Quântica (impressiona sair falando sobre Quântica) em Skeptico.

O que é Ciência

De acordo com Gauch (Gauch, H., Scientific Method in Practice), o conhecimento científico se baseia em quatro bases fundamentais:– Racionalidade– Verdade– Objetividade– Realismo

Duvidando

Por que devo acreditar nessa fonte?

O fato de que um texto cujo título soa respeitável foi citado significa as informações estão corretas?

E se forem vários textos, incluindo livros e artigos?

Existe uma quantidade assombrosa de bobagens escritas.

Muitas dessas bobagens foram escritas no formato de trabalhos científicos e são quase indistinguíveis para um leigo.

Mesmo o nome de uma universidade associado ao do pesquisador não garante nada!

Critérios

Precisamos de critérios para tentar determinar o que é bobagem e o que não é.

Isso é o que Gauch tenta fornecer e o que vamos discutir a seguir.

Racionalidade

Qualquer raciocínio em Ciência deveria obedecer aos mais estritos padrões de racionalidade.

Isto significa utilizar sempre que for o caso todas as ferramentas de raciocínio que temos. Além disso, qualquer crença deve ser justificada de forma racional.

Verdade

O objetivo da Ciência seria fazer afirmações verdadeiras sobre o mundo.

Ou seja, supõe-se que pode existir uma correspondência entre o mundo físico externo e o mundo interno das idéias.

Objetividade

Supõe que é possível testar nossas idéias de forma objetiva.

Esta verificação levaria ao consenso entre as pessoas que conhecem a área.

Realismo

O Realismo está profundamente conectado com o conceito de verdade.

Supõe-se que existe um mundo real externo a nossa mente, sobre o qual podemos aprender a verdade.

Alguns problemas não insolúveis

Racionalidade: nosso bom senso falha, uma justificativa pode parecer racional e ser um erro. Não confie nos seus instintos e também duvide de suas conclusões.

Verdade: o conceito de verdade é sutil e difícil de definir. Não haveria qualquer garantia que nossas idéias de fato sejam verdadeiras. Mas podemos sempre definir o termo verdade como significando que nossas idéias descrevem o muito de forma adequada, fazendo previsões corretas, por exemplo.

Alguns problemas não insolúveis

Objetividade: alguma componente subjetiva sempre existiria porque os cientistas são seres humanos falíveis. Mas o que se observa é que, em Ciências Naturais, os experimentos fornecem informações bastante próximas aos ideais de objetividade. Mas o problema é bem real em Ciências Humanas.

Alguns problemas não insolúveis

Realismo: não há qualquer garantia que nossas idéias correspondam a verdade. Um ponto de vista histórico mostra que todo o conhecimento que foi considerado verdadeiro, hoje é considerado errado. Mas podemos usar uma versão suavizada. O que esperamos de uma teoria não é que o mundo seja realmente daquela forma, mas que ele se comporte como se fosse. Pelo menos, o pedaço que conhecemos até agora.

Em resumo

A descrição de Ciência baseada naqueles quatro princípios é, de fato, um pouco ingênua e simplificada.

Alguns críticos até mesmo a consideram ultrapassada. No entanto, como uma primeira aproximação, ela

funciona muito bem e evita que você cometa uma infindável série de erros.

É interessante notar que, frequentemente, quando os princípios parecem não se aplicar a uma determinada área, é a prática na área que está errada.

Pseudociência

Mas como posso saber se uma determinada informação é confiável e científica ou não?

Alguma idéia pseudocientífica pode ser verdade?

Infelizmente, a pseudociência se disfarça de Ciência, usando um jargão que consegue enganar os leigos. Isso exige algum conhecimento para a sua identificação.

Impossibilidades

Existem coisas que são impossíveis (ou que achamos que são). Podemos dividir os impossíveis em categorias:– Impossibilidade Lógica– Impossibilidade Física– Impossibilidade Tecnológica.

Impossibilidade Lógica

Esta equivale a uma impossibilidade verdadeira. É algo que não pode ser verdade porque seria contra as leis da Lógica.

Por exemplo, 2+2=5 é uma impossibilidade lógica. Os números são definidos e construídos de forma a que isto seja falso.

Impossibilidade Física

É uma impossibilidade que depende do que sabemos, ou seja, algo que é dito impossível pelas atuais leis da Ciência (e, portanto, pode vir a se tornar uma possibilidade, se e quando estas leis forem trocadas por versões melhores).

Por exemplo, você conseguir viajar mais rápido do que a luz é uma impossibilidade física

Impossibilidade Tecnológica

A impossibilidade mais branda: apenas afirma que algo é impossível com a nossa atual tecnologia. Mas não sabemos de nenhum motivo que tornaria impossível que tal tecnologia fosse criada.

Por exemplo, viajar para outras galáxias.

Um problema

Que tipo de impossibilidade seria uma viagem no tempo?

Pseudociência e impossibilidades

Infelizmente, as pseudociências nunca (ou quase nunca) se apóiam em impossibilidades lógicas.

Frequentemente, elas propõe impossibilidades físicas e saber identificar tal fato ajuda. Mas uma impossibilidade física pode ser apenas fruto do nosso desconhecimento.

Incompetência ou má fé

A princípio, uma proposta pseudocientífica pode estar certa. Mas o que a torna pseudocientífica é o fato de que ela nunca foi testada de forma competente.

Ou então, sempre que testada de forma séria, por pesquisadores que não são os seus defensores, ela sempre se mostra falha. Há sempre outras explicações mais plausíveis.

Testemunhos

Outra característica que chama a atenção é que frequentemente os argumentos se baseiam em testemunhos de pessoas que afirmam ter presenciado o fenômeno. Mas o fenômeno nunca é reproduzido em condições controladas.

Testemunhos são altamente não confiáveis como única fonte de informação!

Decidindo o que é certo

Pessoas tomam decisões sobre o que acreditam naturalmente, todos os dias de suas vidas.

Para os problemas diários, elas o fazem, frequentemente, de forma razoavelmente competente.

Analisar informações para tentar descobrir o que é verdade e o que não é, é uma experiência comum.

O que é necessário para um trabalho científico?

Como somos propensos a erros, seria útil ter algum conjunto de regras que permitisse que, ao fazer perguntas realmente importantes, tivéssemos alguma garantia de chegar o mais próximo possível do resultado correto.

Se desejamos que as respostas da Ciência sejam as mais precisas possíveis, precisamos tomar cuidado em evitar quaisquer erros.

Método Científico

Alguns livros falam de um método científico como sendo uma receita fechada. NÃO É!

Se um livro diz que Ciência é sempre feita de acordo com uma série de passos exatos, feche o livro. Meu melhor palpite é que o seu livro provavelmente serve apenas como exemplo de que gente incompetente também publica.

O método de verdade (sem método)

O que pode ser chamado de método científico é apenas um conjunto de regras gerais, no espírito das propostas no começo da aula:

– Faça o melhor trabalho possível.– Sempre procure todas as explicações possíveis para o

fenômeno em estudo.– Nunca se apegue a uma idéia anterior a ponto de não

poder ser convencido que ela esteja errada.– Não importa o quanto você gosta de uma idéia. O que

determina certo e errado são os experimentos e observações.

– Você quer descobrir a verdade, não provar que uma idéia está certa!

O “Método”, de acordo com aqueles textos

O que muitos livros chamam de método científico corresponde a uma forma possível de se preparar um trabalho científico, mas não a única.

– Pegue uma teoria existente e faça uma previsão a partir dela.– Prepare um experimento para testar esta previsão.– Se a previsão falhar, comece a desconfiar da teoria. Mas

lembre que o problema pode ser sua previsão, a montagem do experimento, algum fator que você não previu, etc.

Problemas

O “Método” é uma forma correta de fazer pesquisa. Mas não inclui todas as formas, dentre elas:

– Observações feitas sem uma teoria propriamente dita por trás, fazendo previsões.

– Trabalhos puramente teóricos, sem nenhuma motivação experimental, que buscam apenas uma descrição mais elegante.

– Existem áreas onde um experimento não pode ser preparado. Tente empurrar algumas estrelas para a posição certa...

Experimentos

Ao preparar um experimento, procure planejar algo que seja útil.

Isto quer dizer que deve ser possível aprender com o experimento e que ele tenha uma chance de surpreender você. Largar um lápis no ar, simplesmente para ver se ele cai, não vai fornecer um resultado surpreendente. Medir o tempo que ele leva, a forma como ele bate e pula após bater no chão, se você não souber o que vai acontecer, pode ser muito instrutivo.

Teoria da Informação

A Teoria da Informação lida com quanta informação podemos transmitir ou receber.

Um resultado interessante é que a forma mais eficiente de se obter respostas em um problema consiste em se fazer perguntas cujas respostas tenham chances iguais de ocorrer.

Assim, um experimento tem maior expectativa de nos ensinar algo quando o resultado é inesperado (não há uma chance inicial muito maior associada a um dos possíveis resultados).

Falseabilidade

Existe uma corrente que afirma que o propósito de todo experimento é falsear a teoria que o propôs, ou seja, provar que esta é falsa. Cada teoria é útil até que seja provada falsa por novos dados.

A descrição sobre a utilidade das teorias pode ser verdadeira, mas experimentos que procuram checar previsões surpreendentes, ao invés de procurar falhas, também fornecem bastante informação.

Obviamente, só sabemos após o experimento ser efetuado se ele confirma ou é contra uma teoria.

Notemos que uma falha não quer dizer que a teoria original está errada, apenas que algo está. Ainda resta experimentar mais para verificar o que é. Mas a falha da teoria é uma das possibilidades.

Um experimento sem falseabilidade

Suponha que você acredite que OVNis existem e são naves espaciais que trazem seres alienígenas altamente inteligentes.

Você decide testar a sua idéia e vai a um lugar onde OVNIs são comumente avistados, de forma a tentar avistá-los.

Experimento

Se você conseguir avistar, considera prova de que os OVNIs existem (será realmente?).

Mas se você não avistar nada, simplesmente decidiu que vai concluir que eles só não apareceram naquela noite.

Note que você montou o experimento de forma que nunca possa ser convencido de que os OVNIs não existem.

Por outro lado

O experimento anterior pode fornecer informações interessantes, de qualquer forma, se você aplicar a indução corretamente.

Não observar uma noite pode não provar nada. Mas não observar nada noite após noite deveria ser considerado evidência.

Mas o problema não para aí. Mesmo que você observe uma luz no céu, por que tem de concluir necessariamente que é uma nave espacial?

Na minha garagem, há um dragão invisível, que atravessa todos os materiais sem interagir com nenhum, e solta um fogo que não tem calor nem luz.

Tente criar um experimento para provar que estou mentindo (ou errado).

Analisando o dragão

Se o experimento que você bolou tem as mesmas chances de observação se o dragão existir ou não, nunca a sua opinião inicial será alterada.

Suponhamos que inicialmente sua chance de o dragão existir seja 10% e o experimento (qualquer que seja ele) fornece como resposta para o que você testou (se a cor do seu carro mudou ontem) “Não”.

Árvore do DragãoDragão

Sim

Não

0,1

0,9

Observação

Não

Sim

Não

Sim

a

a

b

b

Chance

0,1*a

0,1*0=0

0,9*a

0,9*0,95=0,855

Chance Final: 0,1a /(0,1 a+ 0,9 a) = 0,1

Reprodutibilidade

Qualquer experimento importante deve ser reproduzido por outros grupos, que trabalhem independentemente do grupo que realizou a observação inicial.

Para que os resultados sejam confiáveis, eles precisam ser confirmados por outras fontes, de forma a diminuir a chance de erros e de má fé.

Teoria

Um outro tipo de trabalho científico muito importante é o preparo de novas teorias.

Enquanto o experimento fornece o meio de trabalho e mostra quais teorias devem ser aceitas, o objetivo final é desenvolver teorias que descrevam a realidade da melhor forma possível.

O objetivo é não apenas saber o que aconteceu, mas fazer boas previsões e sugerir novas idéias, fenômenos ou tecnologias que não eram possíveis antes.

Matemática

Muitas áreas não tem ainda uma descrição matemática completamente apropriada.

Isto acontece porque elas são, na verdade, mais complexas. Aos poucos, todas as áreas da Ciência vem aproveitando as vantagens de um formalismo matemático.

A Matemática força o pesquisador a definir claramente as quantidades de interesse. Também fornece demonstrações e raciocínios que estão de acordo com a Lógica.

É possível não usar a Matemática e ser logicamente consistente, mas é bem mais difícil.

Enquanto a criação de teorias pode ser inspirada por qualquer coisa (metáforas, analogias, etc.), o raciocínio interno deve ser sempre feito de forma rigorosa, independente de se se usa Matemática ou não.

Por outro lado, uma formalização matemática baseada em hipóteses erradas é completamente inútil.

Autoridade

Vamos explorar melhor a questão dos textos na aula que vem.

Por enquanto, cabe ressaltar que uma lçonga lista de referências, mesmo que sérias, não garante nada!

Referências não tornam sua posição correta em nada. Servem apenas para o leitor encontrar informações adicionais e dar crédito a quem o merece!

Ciência não é religião

Muitos filósofos apontam problemas na forma como a Ciência é conduzida. Frequentemente, suas análises tem algum valor e, de fato, a Ciência não oferece certezas. Há sempre a possibilidade de que um cientista esteja errado e ele deve sempre considerar este fato.

Incertezas

Mas também não faz sentido adotar a atitude infantil de decidir que, como não posso ter certezas, não quero jogar.

Indução é uma componente fundamental e apenas nos permite quantificar e minimizar as chances de errar, não elimiá-las.

Perguntas

Pensando na aula de hoje, o trabalho que você e seu grupo de RP estão planejando poderia ser descrito como o quê? Experimento, observação, teoria, resumo de literatura, etc? Ciência ou pseudociência?

Existe uma chance real de que, no final, você mude de opinião sobre o tema estudado? Como isso poderia acontecer?