Cidades Para Crianças

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Cidades para crianças http://outraspalavras.net/posts/cidades-para-crianca/ POR LAIS FONTENELLE PEREIRA ON 16/10/2013CATEGORIAS: CIDADES, POSTS, SOCIEDADE Outra urbanização possível valorizaria calçadas e brincadeiras. Permitiria admitir novos ritmos, contemplação e conversão do espaço público em espaço lúdico Por Lais Fontenelle Pereira | Imagem de Fernanda Camarim “As crianças precisam de um local perto de casa, ao ar livre, sem um fim específico, onde possam brincar, movimentar-se e adquirir noções de mundo.” Jane Jacobs Lançado há alguns meses no Brasil, Cidades para pessoas, do arquiteto e urbanista dinamarquês Jan Gehl, é interessante pela reflexão que propõe e merece leitura. Mas confesso que senti falta de um capítulo que incluísse a criança. As cidades cresceram vertiginosamente e, segundo estatísticas assustadoras, tão cedo não vão parar de crescer e se adensar. Sabe-se que, desde a virada do milênio, a maior parte da população global é urbana, não mais rural – e aí se inclui também a infância. Por isso a necessidade urgente de refletirmos sobre cidades mais sustentáveis, sem deixarmos de fora a relação das crianças com o espaço urbano. Ao contrário do que afirmam certas expressões, tais como “rua não é lugar de criança”, ou “lugar de criança é na escola”, a cidade deveria ser, sim, um espaço de encontro com a infância. Contudo, isso não é vivenciado pela maioria das crianças. Elas hoje experimentam uma invisibilidade citadina. Por quê? Muitos responderiam que por medo da violência, e claro que têm alguma razão. As ruas não são, na maioria das vezes, espaços seguros para crianças. Mas vale lembrar a ativista Jane Jacobs,

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por LAIS FONTENELLE PEREIRA

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Cidades para criançashttp://outraspalavras.net/posts/cidades-para-crianca/POR LAIS FONTENELLE PEREIRA– ON 16/10/2013CATEGORIAS: CIDADES, POSTS, SOCIEDADE

Outra urbanização possível valorizaria calçadas e brincadeiras. Permitiria admitir novos ritmos, contemplação e conversão do espaço público em espaço lúdicoPor Lais Fontenelle Pereira | Imagem de Fernanda Camarim

“As crianças precisam de um local perto de casa,ao ar livre, sem um fim específico,

onde possam brincar, movimentar-see adquirir noções de mundo.”

Jane Jacobs

Lançado há alguns meses no Brasil, Cidades para pessoas, do arquiteto e urbanista dinamarquês Jan Gehl, é interessante pela reflexão que propõe e merece leitura. Mas confesso que senti falta de um capítulo que incluísse a criança.As cidades cresceram vertiginosamente e, segundo estatísticas assustadoras, tão cedo não vão parar de crescer e se adensar. Sabe-se que, desde a virada do milênio, a maior parte da população global é urbana, não mais rural – e aí se inclui também a infância. Por isso a necessidade urgente de refletirmos sobre cidades mais sustentáveis, sem deixarmos de fora a relação das crianças com o espaço urbano.Ao contrário do que afirmam certas expressões, tais como “rua não é lugar de criança”, ou “lugar de criança é na escola”, a cidade deveria ser, sim, um espaço de encontro com a infância. Contudo, isso não é vivenciado pela maioria das crianças. Elas hoje experimentam uma invisibilidade citadina. Por quê?Muitos responderiam que por medo da violência, e claro que têm alguma razão. As ruas não são, na maioria das vezes, espaços seguros para crianças. Mas vale lembrar a ativista Jane Jacobs, autora de Morte e Vida nas Grandes Cidades, de 1961 – considerado um clássico do planejamento urbano –, quando diz que as cidades, baseadas em ideais modernistas, passaram a ser organizadas não mais como espaços públicos de encontro social e sim como conglomerados individuais, com a construção de edifícios ou condomínios fechados autossuficientes e indiferentes, e de avenidas criadas para permitir a invasão dos automóveis.Por isso, não é somente a falta de espaços públicos seguros e convidativos que impede as crianças de se expressar através do brincar. Elas estão confinadas em espaços privados – supostamente protegidos da violência urbana. Permanecem em casa sob o cuidado de terceiros ou na escola, por muito tempo, o que dificulta o acesso à experiência da vida na pólis. Sua relação com as cidades restringe-se aos

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intervalos em que transitam entre casa e escola. Suas mochilas e vozes infantis são vistas e ouvidas apenas pela manhã, na hora do almoço e no fim do dia.A cidade é viva e só pode ser “explicada” ao ser explorada. Viver em metrópoles é presenciar acontecimentos inesperados e insubstituíveis, que falam sobre signos, códigos e descobertas. Ao experimentar uma vida citadina real, as crianças podem exercitar cidadania e aprender concretamente sobre a cultura e história local.E se a cidade é lugar de aprendizagem, por que a escola não se integra ao espaço público, promovendo maior participação infantil no urbano? Uma proposta pedagógica que usasse o meio social urbano como espaço de difusão de conhecimento seria a resposta. Levar crianças a museus, parques, monumentos, feiras. Mostrar que têm direito à cidade – e principalmente às calçadas.Aliás, essa é uma das ousadas propostas de Jane Jacobs: outra urbanização, na qual as calçadas sejam planejadas para receber as crianças e suas brincadeiras. Ao contrário de lugares pensados com o propósito específico de receber, porém limitar, como parques e praças, a calçada pode ser viva e diversificada, espaço onde vizinhos são responsáveis coletivos pela recreação informal das crianças, criando a noção de cuidado e comunidade.As cidades não podem prescindir das crianças, inclusive porque elas são capazes de transformar o espaço público em espaço lúdico. O trânsito infantil contribui para o resgate de relações humanas. As crianças convidam a outro ritmo, a parar, a contemplar o entorno.A criança precisa ser homenageada e protegida por toda a comunidade – ou o planejamento urbano será aborrecido e falso. Uma cidade é composta não só por carros e edifícios, mas por pessoas que sentem e se afetam. Já existem ações que apontam para isso. O Dia Mundial Sem Carro, que espalha pelas ruas múltiplas atividades de lazer convidativas ao encontro, é um exemplo de mobilização social. Cidades para pessoas e para crianças: o direito à cidade e à vida urbana é, antes de tudo, condição de humanismo e democracia._____________________________________________________________________

Como construir uma cidade mais justa?

http://base.d-p-h.info/es/fiches/dph/fiche-dph-8577.html

A figura da criança como referência para o planejamento urbano Quando se pensa em como fazer da cidade um lugar acolhedor para todos os seus habitantes, onde todos possam acessar livremente o espaço e satisfazer seus desejos de se locomover de maneira cômoda ou recreação sem impedimentos nem limitações, então se encontra um primeiro problema: a partir de que perspectiva pensar a cidade.Tomando como base as ideias e experiências do pedagogo italiano Francesco Tonucci, propõe-se pensar a cidade a partir da perspectiva infantil como uma estratégia de integração dos cidadãos na sua cidade, por meio da recuperação dos espaços públicos. Tonucci, preocupado com o problema da solidão das crianças em cidades ricas começa pesquisar e experimentar formas de planejar a cidade considerando a perspectiva das crianças. Porém, por que optar por esse grupo da população e não outro? Sem importar sua condição socioeconômica, étnica ou outra, a criança se vê excluída da cidade devido a sua idade. Não é parte da massa votante, vive sob a supervisão de adultos que decidem o que é bom ou não para ela, sendo que ninguém lhe pergunta como gostaria que fosse sua cidade. Isso fortalece a figura da criança como referência, já que sua exclusão é um problema que atravessa a totalidade de camadas da sociedade. Existem crianças em todas as classes sociais, religiões, etnias e crianças imigrantes de todas as nacionalidades.Por outro lado, a criança é uma figura forte, capaz de sensibilizar toda a sociedade, devido ao fato de que representa o passado, o presente e o futuro. “A criança é nosso passado, um passado amiúde rapidamente esquecido, mas que nos ajudará a viver

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melhor com nossos filhos e a cometer menos erros se conseguirmos mantê-lo vivo e presente. A criança é nosso presente porque a ela está dedicada a maior parte de nossos esforços e sacrifícios. A criança é nosso futuro, a sociedade do amanhã, quem poderá continuar ou frustrar nossas decisões e nossas expectativas”. (Tonucci, 1996).

Referências

Elgueta, Alejandra. Morales, Felipe. Ugarte, Akza. “Los Niños en la creación de la Ciudad”.Revista CECU Centro de Estudios Críticos Urbanos. Año 1. Nº 1. Santiago.Harvey, David. 1998. “La condición de la Posmodernidad”. Editorial Amorrortu.Lefebvre, Henry. 1972. “La Revolución Urbana. Alianza Editorial. Madrid.Santos, Milton. 1986. “Espacio y Método”. Revista Geocrítica Año XII. Número: 65. Universidad de Barcelona.Santos, Milton. 1995. “Metamorfosis del Espacio Habitado”. OIKOS – TAU. Barcelona.Tonucci, Francesco. 1996. “La Ciudad de los Niños”. Barcelona.Valdeverde, Jesús. 1995. “La Ciudad como Recurso Educativo. Los Recursos Educativos en la Ciudad”. Revista La Ciudad Didáctica del Medio Urbano. Barcelona.