Cidades do Piauí testemunhas da ocupação do interior do ... de Tombamento de... · ANÁLISE DA...

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Conjunto Histórico e Paisagístico de Piracuruca Dossiê de Tombamento Cidades do Piauí testemunhas da ocupação do interior do Brasil durante o século XVIII Setembro de 2008 IPHAN - Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional DEPAM/ 19ªSR-PI

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  • Conjunto Histrico e Paisagstico de Piracuruca

    Dossi de Tombamento

    Cidades do Piau testemunhas daocupao do interior do Brasil

    durante o sculo XVIII

    Setembro de 2008

    IPHAN - Instituto do Patrimnio Histrico e Artstico NacionalDEPAM/ 19SR-PI

  • Cidades do Piau testemunhas da ocupao do interior do Brasil durante

    o sculo XVIII

    Conjunto Histrico e Paisagstico de Piracuruca

    Braslia e Teresina, setembro de 2008

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    CRDITOS Presidente da Repblica

    Luiz Incio Lula da Silva

    Ministro da Cultura Joo Luiz Silva Ferreira (Juca Ferreira)

    Presidente do Instituto do Patrimnio

    Histrico e Artstico Nacional Luiz Fernando de Almeida

    Diretor do Departamento de Patrimnio

    Material e Fiscalizao - IPHAN Dalmo Vieira Filho

    Diretora do Departamento de Patrimnio

    Imaterial - IPHAN Mrcia Gensia SantAnna

    Diretor do Departamento de Museus - IPHAN

    Jos do Nascimento Jnior

    Diretora do Departamento de Planejamento e Administrao - IPHAN

    Maria Emlia Nascimento Santos

    Coordenao Geral de Promoo do Patrimnio Cultural IPHAN

    Luiz Fhilippe Peres Torelly

    Coordenao de Pesquisa, Documentao e Referncia IPHAN

    Lia Mota

    Superintendente da 19a SR/IPHAN PI Diva Maria Freire Figueiredo

    Chefe da Diviso Tcnica da 19a SR/IPHAN PI

    Claudiana Cruz dos Anjos

    Elaborao do Dossi de Tombamento Depam:

    Arq. Anna Eliza Finger Arq. Dalmo Vieira Filho

    Arq. Fernanda Heitmann Saraiva Arq. Jos Leme Galvo Jr.

    Arq. Mnica de Medeiros Mongelli Hist. Tamara Qurico

    Luiza Campos Magalhes (estagiria)

    19a SR/IPHAN PI Arq. Andrea Virginia Freire Costa

    Arq. Claudiana Cruz dos Anjos Arq. Diva Maria Freire Figueiredo

    Arq. Murilo Cunha Ferreira Elane Lopes Coutinho (estagiria)

    Marta Rachel Alves (estagiria)

    Equipe de colaboradores - UESPI: Hist. Ana Anglica Pereira Teixeira,

    Hist. Digenes Willame Boaventura Cunha (in memorian) Hist. Juliana Maria Vasconcelos Belo

  • SUMRIO

    INTRODUO ................................................................................................. 4 O MUNICPIO DE PIRACURUCA....................................................................... 6 Localizao e dados scio-econmicos ................................................................. 7 Principais Atrativos Regionais ........................................................................... 10 HISTRICO DA FORMAO URBANA DE PIRACURUCA.................................. 15 O incio do povoamento da regio de Piracuruca ................................................. 15 A formao do primeiro arraial ......................................................................... 18 A construo da Igreja de Nossa Senhora do Carmo............................................ 21 A Freguesia de Nossa Senhora do Carmo da Piracuruca ....................................... 24 A elevao Vila de Piracuruca ........................................................................ 27 A Batalha do Jenipapo e a Balaiada ................................................................... 29 A elevao cidade e os dias atuais.................................................................. 30 A Estrada de Ferro em Piracuruca ..................................................................... 31 O impacto da Segunda Guerra Mundial .............................................................. 33 EVOLUO URBANA E ANLISE MORFOLGICA............................................ 34 O incio do assentamento populacional .............................................................. 34 As primeiras expanses urbanas....................................................................... 37 O sculo XX................................................................................................... 42 ANLISE DA ARQUITETURA CORRENTE NO CONJUNTO................................. 51 Principais bens que compe o conjunto.............................................................. 65 A SITUAO ATUAL DO CENTRO HISTRICO................................................ 79 Principais ameaas ao conjunto ........................................................................ 81 ANLISE DA LEGISLAO DE PROTEO EXISTENTE ................................... 84 PROPOSTA DE PROTEO............................................................................. 86 Justificativa ................................................................................................... 86 Descrio das Poligonais de Tombamento e Entorno ............................................ 90 REFERNCIAS BIBLIOGRFICAS................................................................... 96

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  • INTRODUO

    A presente proposta d continuidade aos estudos desenvolvidos pelo Dep. de Patrimnio Material e Fiscalizao e pela Superintendncia Regional do Piau- IPHAN, que visam reconhecer os diversos processos histricos, sociais e culturais formadores do Patrimnio Cultural Brasileiro, com foco especial no Estado do Piau. Este Dossi prope o tombamento federal do Conjunto Histrico e Paisagstico de Piracuruca, como uma das Cidades Testemunhas da Ocupao do Brasil durante os sculos XVIII e XIX.

    O trabalho de identificao de bens que representam esse momento da histria do Brasil foi iniciado com o tombamento de Parnaba. Ele ter continuidade com as propostas de tombamento de vrios outros bens e conjunto urbanos do Piau, que juntos formaro um panorama da ocupao e histria deste Estado, at hoje pouco conhecido e valorizado pelo restante do pas. Constitui-se, desta forma, uma rede de bens ligados diretamente histria do Brasil, formao atual do seu territrio, definio de fronteiras e forma de vida no serto.

    Localizada entre as belezas naturais e arqueolgicas do Parque Nacional de Sete Cidades e o litoral, por no ter alcanado um desenvolvimento econmico e urbano significativo, Piracuruca encontra-se hoje relegada a um papel de passagem para esses dois atrativos tursticos. As potencialidades da cidade representadas pelo seu patrimnio cultural so pouco aproveitadas e, freqentemente, ignoradas nos roteiros tursticos da regio: as antigas fazendas, o casario, as praas e igrejas em especial a Igreja de Nossa Senhora do Carmo, j tombada pelo IPHAN1; o meio fsico natural ou agenciado pelo homem, entre eles o complexo turstico da Prainha e o Lago da barragem, ambos no Rio Piracuruca; o patrimnio imaterial - festas populares e religiosas como a da Carnaba e o novenrio da santa.

    Nesse contexto, a proteo do patrimnio edificado pelo Estado e a valorizao do patrimnio cultural e natural se inserem como elementos fortalecedores do lugar, contribuindo para o desenvolvimento sustentvel da cidade de Piracuruca.

    Seguindo uma tendncia mundial, a preservao do patrimnio cultural que individualiza os espaos com base em suas caractersticas histricas, artsticas- onde se insere a arquitetura e o urbanismo - e sociais que os tornam nicos, um dos pressupostos do urbanismo contemporneo. Em um nmero cada vez maior de pases j se percebeu que a preservao das caractersticas tradicionais das cidades contribui significativamente para a qualidade de vida das populaes e hoje se busca qualificar os espaos urbanos a partir da preservao das referncias culturais das pessoas que as habitam.

    1 Inscrita no livro do Tombo Histrico (Inscrio 142) e de Belas Artes(Inscrio 288) em 15 de agosto de 1940, processo 0224-T-40.Obs: o tombamento inclui todo o seu acervo de acordo com a Resoluo do Conselho Consultivo da SPHAN, de 13/08/85, referente ao Processo Administrativo n 13/85/SPHAN. Fonte: http://www.iphan.gov.br/ans/inicial.htm, acessado em 15/10/2008.

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    http://www.iphan.gov.br/ans/inicial.htm

  • Entretanto, no Brasil ainda predomina a cultura desenvolvimentista iniciada na dcada de 1960 quando se optou pelo progresso baseado no rodoviarismo, industrializao e crescimento a qualquer custo. Isto causou uma perda irreversvel da qualidade do espao urbano da maioria das cidades, que tiveram seus edifcios substitudos por outros com maiores ndices de ocupao e aproveitamento dos lotes, alm de seus largos e praas sacrificados para a passagem de estruturas, viadutos, pistas elevadas ou para a implantao de estacionamentos. A populao acostumou-se a achar normal o aspecto degradado dos centros, cada vez mais abandonados e violentos.

    O que se busca com o tombamento de Piracuruca no apenas preservar o acervo arquitetnico, mas um espao urbano privilegiado e pleno de significados. Assim, a populao local poder dele se apropriar e ali continuar a praticar seus ritos, conhecer sua histria e reconhecer seu papel na histria do Brasil. A preservao oferece para a cidade uma opo diferenciada em relao qualidade de vida: ela deixa de significar para seus habitantes somente um local de passagem ou de carter utilitrio e recupera o seu papel primordial de ser, alm de um aglomerado de moradias interligadas por ruas, avenidas e reas livres pblicas, um espao de vivncia e convivncia.

    Braslia e Teresina, setembro de 2008.

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  • O MUNICPIO DE PIRACURUCA

    Fig. 01 - O Piau com suas vilas, cidades e misses fundadas nos sculos XVIII e

    XIX. Extrado de: SILVA F., Olavo Pereira da. Carnaba, Pedra e Barro na Capitania de So Jos do Piauhy. Volume III Urbanismo. Belo Horizonte: Ed.

    do Autor, 2007. Em destaque, Piracuruca.

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  • Localizao e dados scio-econmicos

    Rio

    Rodovia pavimentada Ferrovia

    Aeroporto

    Porto

    Fig. 02 a 04 - Mapas de localizao. Extrado de: http://pt.wikipedia.org/wiki/Piracuruca. Acesso em 03/07/2008.

    Localizao: Situa-se na mesorregio do Norte Piauiense e na microrregio do Litoral Piauiense;

    Zona fisiogrfica: Ibiapaba. O municpio integra a rea de Preservao Ambiental APA da Serra da Ibiapaba.

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  • Fig. 05 e 06 Mapas de localizao. Extrado de:

    http://siscom.ibama.gov.br/mpt/PI/UC/APA_SERRA%20IBIAPABA_PI_CE_AO.pdf. Acesso em 05/04/2007

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  • A rea de Proteo Ambiental (APA) uma categoria de Unidade de Conservao, voltada para a proteo de riquezas naturais que estejam inseridas dentro de um contexto de ocupao humana. O principal objetivo a conservao de stios de beleza cnica e a utilizao racional dos recursos naturais, colocando em segundo plano, a manuteno da diversidade biolgica e a preservao dos ecossitemas em seu estado original. Esta categoria de rea protegida, estabelecida pela Lei no 6.902, de 27 de abril de 1981, foi inspirada originalmente nos Parque Naturais de Portugal, tendo concepes semelhantes s dos Parques Nacionais da Inglaterra e "Landschaftsschutzgebiet" da Alemanha.

    A caracterstica marcante das APAs a possibilidade de manuteno da propriedade privada e do estilo de vida tradicional da regio, onde programas de proteo vida silvestre podem ser implantados sem haver necessidade de desapropriao de terras. Esta estratgia compatvel com a realidade brasileira, uma vez que a falta de recursos financeiros para a desapropriao de terras limita a implantao e consolidao de outros programas de conservao.2

    Microregio homognea: Campo Maior

    Altitude e Coordenadas geogrficas: A sede municipal est a 60 metros de altitude. Tem sua posio geogrfica determinada pelo paralelo 035541 de latitude sul e na interseo com o meridiano 41 42 33, de longitude oeste.

    rea: 2380,51 km

    Populao e densidade demogrfica: 27.621 habitantes3, com mdia de 10,41 hab/km

    Distncia da capital: 177km em linha reta no rumo NE, ou 193 km por rodovia.

    Limites: ao norte, os municpios de Carabas do Piau e Cocal; ao sul, o municpio de Brasileira; ao leste, os municpios de Cocal dos Alves e So Joo da Fronteira; ao oeste, os municpios de Carabas do Piau, So Jos do Divino e Batalha.

    Acessos: rodovia federal BR-343, que liga o norte do Estado Capital e Regio Sul; rodovias estaduais PI-110, que liga os municpios de Miguel Alves e So Joo da Fronteira, e PI-111, que liga a cidade de Piracuruca ao Parque Nacional de Sete Cidades. Outras PIs fazem a comunicao intermunicipal. O municpio tambm possui um sistema ferrovirio, hoje desativado, que ligava Teresina ao municpio de Lus Correia, passando por Piracuruca.

    Clima: Tropical megatrmico, com temperatura variando mnimas de 26C e mximas de 38C. A precipitao pluviomtrica mdia anual definida no Regime Equatorial Martimo, com isoietas anuais entre 800 a 1.600 mm, cerca

    2 Extrado do site http://www.apadescalvado.cnpm.embrapa.br/apa.html. Acesso em 26/11/2008. 3 Segundo estimativa do IBGE para 2006.

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    http://www.apadescalvado.cnpm.embrapa.br/unidade.htmlhttp://www.apadescalvado.cnpm.embrapa.br/apa.html. Acesso em 26/11/2008http://www.apadescalvado.cnpm.embrapa.br/apa.html. Acesso em 26/11/2008

  • de 5 a 6 meses como os mais chuvosos e perodo restante do ano de estao seca. O trimestre mais mido o formado pelos meses de fevereiro, maro e abril.

    Hidrografia: composta pelos Rios Jacare, Catarina e Piracuruca, seu principal curso dgua, e por pequenos riachos que banham a regio. A zona urbana cortada pelo Rio Piracuruca e por pequenos crregos, como o das Damas. A regio conta ainda com lagoas, audes e olhos dgua

    Toponmia: Tomou o nome de Vila de Nossa Senhora do Monte do Carmo de Piracuruca, quando da sua criao. Passou a chamar-se apenas Piracuruca, quando da elevao cidade. J o termo Piracuruca foi tomado do rio que banha a cidade, o Piracuruca, que na lngua de seus primeiros habitantes significa peixe que ronca.

    Principais Atrativos Regionais

    Parque Nacional de Sete Cidades

    Prximo a Piracuruca, com uma rea de 6.331,00 (ha), o Parque Nacional de Sete Cidades uma reserva ambiental de transio entre o Cerrado e a Caatinga que abriga espcies nativas nicas e formaes rochosas que desafiam os cientistas:

    As pesquisas arqueolgicas na regio se desenvolveram em data posterior a criao do Parque Nacional de Sete Cidades. Mas em 1928, o austraco Ludwig Schwnnhagen, visita as Sete Cidades, descrevendo-as como runas de uma cidade fencia, que teria sido fundada h 3 mil anos.

    A primeira notcia oficial sobre Sete Cidades, data de 9.12.1886, denominada ento as "Sete Cidades de Pedra". As formaes espetaculares encontradas no Parque, foram interpretadas por visitantes e pesquisadores de diversas maneiras, mas nenhuma das interpretaes foi comprovada cientificamente. Historiadores brasileiros consideram que a rea teria sido habitada pelos ndios da nao Tabaranas, das tribos dos Quirirus e dos Jenipapos. O territrio destes ndios abrangia uma rea que se limitava ao norte pela regio costeira, a oeste pelo rio Parnaba, ao sul pelo rio Poty e a Leste pela Serra da Ibiapaba. O magnfico conjunto de monumentos geolgicos foi trabalhado pela natureza ao longo de milhares de anos atravs de eroso pluvial e elica. As pinturas encontradas nas paredes rochosas com tinta avermelhada atestam a passagem do homem pr-histrico pela regio. 4

    4 Extrado de: http://www.ibama.gov.br/siucweb/mostraUc.php?seqUc=20. Acesso em 06/07/2008.

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  • administrado pelo IBAMA, com sede em Piracuruca.

    Fig. 07 - Parque Nacional de Sete Cidades. Imagem extrada de:

    http://www.viafanzine.jor.br/ufotos3/sete2.jpg. Acesso em 17/06/2008.

    Inscries Rupestres

    Apesar de ocorrerem em maior quantidade dentro do Parque Nacional de Sete Cidades, em diversos pontos do municpio so encontradas inscries rupestres, em sua maioria em terrenos particulares, o que dificulta a proteo e controle sobre elas.

    Algumas das mais importantes localizam-se no Tabuleiro dos Gomes, precisamente na Fazenda Lagoa de Cima, onde existe uma pedra com feies bastante interessantes, conhecida como a Pedra do Arco, por lembrar um arco. Nesta formao existe um painel de pinturas rupestres de aproximadamente 3,6m, onde se observam pinturas que lembram carimbos de mos com preenchimento elaborado, espirais e quadrados concntricos. O local rodeado por outras formaes rochosas onde, segundo relatos dos moradores, existem ainda outros painis com pinturas.

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  • Fig. 08 - Inscrio rupestre no Tabuleiro dos Gomes.

    Fonte: http://www.piracuruca.com. Acessado em 06/07/2008.

    Antigas Fazendas

    Por toda a regio rural de Piracuruca existem ainda antigas fazendas, contemporneas do ciclo do gado no nordeste, que mantm preservadas partes significativas de suas aparncias e de suas estruturas originais dos sculos XVIII e XIX.

    A Fazenda Chapada, tambm conhecida como Chapada do Bidoca, uma das mais importantes da regio e recebeu esse nome em funo de um coronel que teria vivido nessa localidade, o senhor Raimundo Machado de Brito, mas conhecido como Seu Bidoca de Brito. Localizada em meio a um carnaubal ainda em explorao, sua fundao est relacionada diretamente aos fatores de colonizao da regio: o gado, pois a regio ainda possui rebanhos e destaca-se na produo de artigos em couro; e a carnaba, transformada em smbolo do estado.

    Existe ali uma capela, conhecida tambm como Capela da Chapada do Bidoca, que foi reformada recentemente (a data de 1937, gravada na fachada, no a data de sua construo). Segundo relatos orais, em 1815 teria sido ali celebrado o casamento de Pedro de Britto Passos e sua esposa, Ana Maria de Cerqueira.

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  • Fig. 09 - Casa Sede da Fazenda Chapada. Extrado de: SILVA F., Olavo Pereira da. Carnaba, Pedra e Barro na Capitania de So Jos do Piauhy. Volume I

    Estabelecimentos Rurais. Belo Horizonte: Ed. do Autor, 2007.

    Grande lago

    Inaugurada em 08 de maio de 1996, nos arredores da cidade, a barragem de Piracuruca propiciou um dos principais pontos de lazer da populao local. O lago formado pela barragem cercado por casas de veraneio, e ao seu redor tambm foram instalados estabelecimentos para atender os visitantes e moradores que freqentam o lugar.

    Fig. 10 - Lago da Barragem. Fonte:http://www.piracuruca.com. Acessado em

    06/07/2008.

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  • A Festa da Carnaba

    A 1 Festa da Carnaba foi realizada em 7 de setembro de 1961, no Grmio Recreativo Piracuruquense, com o objetivo de promover e divulgar a carnaba, visando a melhoria da situao dos proprietrios de carnaubais. Durante a 1 festa houve exposies de mquinas e produtos da carnaba, como a cera e o p.

    Em 1968, por decreto do governo do Presidente Artur da Costa e Silva, a Festa da Carnaba passou a fazer parte do calendrio turstico do Estado do Piau. At hoje realizada com glamour, elegendo a cada ano a Rainha da Carnaba, exibindo e comercializando produtos tradicionais elaborados a partir da planta.

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  • HISTRICO DA FORMAO URBANA DE PIRACURUCA

    Piracuruca, assim como inmeras outras cidades coloniais brasileiras deve o incio de sua ocupao ao catolicismo. Desde os primrdios da colonizao brasileira as igrejas funcionavam como elemento urbano agregador. A administrao portuguesa utilizava-se de seus instrumentos e unidades eclesisticas (freguesia, parquia, bispado) como forma de controle populacional, a ponto de a histria dos primeiros ncleos populacionais brasileiros se confundir com acontecimentos de cunho religioso.

    Posteriormente, a Coroa tornava oficiais estas povoaes j consolidadas, elevando-as vila e instalando rgos da administrao pblica, tais como intendncias, casas de cmara e cadeia, entre outros. Mas a populao ali residente continuava a manter fortes vnculos com a igreja, tanto que os registros eclesisticos so at hoje os mais confiveis para pesquisas acerca de nascimentos, casamentos e bitos. Os registros civis funcionavam, sobretudo para regularizao fundiria, compra e venda de bens e comunicao oficial com o Governo Central.

    Entretanto, a ocupao da regio da cidade de Piracuruca anterior, descende dos ciclos de expanso do gado para o interior do nordeste que originou a formao de fazendas, conforme se ver a seguir.

    O incio do povoamento da regio de Piracuruca

    Diferente dos outros territrios do Nordeste brasileiro, onde o povoamento foi iniciado pelo litoral e os adentrava medida que iam sendo desbravados, a ocupao do territrio do que viria a se tornar Capitania, Provncia e finalmente Estado do Piau, comeou pelo interior e s mais tarde atingiu o litoral. Por apresentar poucos pontos propcios atracao de barcos, esta rea permaneceu durante muito tempo como rota terrestre de comunicao entre as colnias do Brasil (com capital em Salvador) e do Maranho (com capital em So Lus).5

    Durante dcadas seus limites estiveram pouco definidos. O documento mais conhecido sobre seus limites uma espcie de recenseamento feito pelo Padre Miguel de Carvalho, delimitando como territrio piauiense parte da extensa Bacia do Parnaba, do Alto Gurguia, do Rio Piau e do Canind, alm de boa parte da Bacia do Poti at o Rio Long. Oficialmente suas terras pertenceram, at o incio do sculo XIX6, s jurisdies poltico-administrativas ou religiosas de Pernambuco, Bahia e Maranho.

    Mas, antes do incio da colonizao oficial, durante o sculo XVII, os aventureiros e viajantes que se deslocavam entre os atuais Estados do Pernambuco e Maranho7 comearam a se fixar nestas regies. Inicialmente em atividades voltadas para a minerao e aprisionamento de ndios, e mais tarde formando as primeiras fazendas de criao de gado. Domingos Jorge

    5 Ver volume A Ocupao do Piau durante os sculos XVIII e XIX. 6 A independncia total da Capitania do Piau ocorreu por fora de Decreto em 1811. Ver volume A Ocupao do Piau durante os sculos XVIII e XIX. 7 Ver volume A Ocupao do Piau durante os sculos XVIII e XIX.

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  • Velho8 foi um desses homens que, vindo com o objetivo de enriquecer com a explorao de metais preciosos, acabou se fixando na regio e estabelecendo as primeiras fazendas no interior do Piau.

    Entretanto, somente no final deste sculo que as terras entre a Serra da Ibiapaba9 e o porto de So Lus, no Maranho, comearam a ser efetivamente desbravadas e melhor conhecidas. Em 1682, o Padre Miguel de Carvalho faz a primeira descrio documentada da ocupao do espao que chama Serto do Peauhy:

    Riacho Piau: corre do sul para o norte e entra no Canind. Foi o primeiro povoado de todo este serto (...), em que se descobriu, e dele tomou o nome.10

    Um outro documento, datado do ano de 169911, comprovaria a doao de sesmarias localizadas na regio entre o Rio Igarau e a Serra de Ibiapaba a um certo Leonardo de S, indicando uma ocupao j mais sistemtica deste territrio.

    A condio de rota de passagem levou a regio a adquirir uma configurao de ocupao bastante particular, baseada no estabelecimento de ncleos populacionais no entorno das sedes das fazendas de gado. Estas serviam de abrigo e pouso aos viajantes e de locais de instalao dos comerciantes que traziam mercadorias da capital para abastecer o interior e que levavam para l o charque produzido nestas fazendas. Brando assim descreve estes primeiros ncleos:

    No obedece a quaisquer diretrizes, nem controles. Faz-se, assim, por obra do tempo. Seu curso normal esse. O ambiente tumulturio da conquista e da ocupao da terra, agravado pela insdia e agressividade do gentio, tira o sossego e a segurana do branco. Nessas condies, o homem no leva consigo nem mulher nem filhos. Vai sozinho. Excepcionalmente, apenas excepcionalmente, isso no acontece. A famlia, ncleo das comunidades est ausente, fato negativo para o povoamento. Essas e outras circunstncias explicam que, ao trmino do sculo XVII, a populao piauiense seja de 605 habitantes. Contudo, deve-se ressaltar que a nica atividade da Freguesia de N.S. da Vitria [a futura capital, Oeiras] a pecuria, pouco exigente de pessoas para labutarem nela. Mais uma razo, e muito sria, a

    8 Domingos Jorge Velho chegou ao Piau, por volta de 1662, pelo seu extremo sul do estado, vindo de So Paulo, e estabeleceu fazendas de gado na confluncia do Rio Poty com o Parnaba. BARRETO, Paulo Thedim. O Piau e sua arquitetura, 1975, p.193. 9 Na regio norte do atual estado do Cear, fazendo a divisa com o estado piauiense. 10 In SANTANA, Raimundo Nonato Monteiro de (org.). Piau: Formao, desenvolvimento, perspectivas. Teresina: FUNDAPI, 1995, p. 16. 11 Estudo para Tombamento de Parnaba. Prefeitura Municipal de Parnaba / 19 Superintendncia Regional do IPHAN (Teresina/PI), 2006, p.7.

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  • demonstrar o pequeno aumento populacional no perodo ora estudado. 12

    No incio da ocupao da regio h relatos da existncia de tribos indgenas de varias lnguas,13 e na poca das entradas de gado os conflitos entre os brancos e estas populaes foram intensos, devido principalmente a duas correntes de interesses: de um lado desbravadores buscando a conquista de territrios e perseguindo os ndios para a utilizao como mo-de-obra nas fazendas, e de outro a Igreja, atravs das misses jesutas, tambm usando a mo de obra indgena em suas fazendas. Os jesutas oficialmente visavam a catequizao e civilizao destas populaes, mas acabavam por criar uma situao bastante semelhante dos fazendeiros, pois formavam assentamentos onde os ndios optavam por se abrigar, na tentativa de se defender dos brancos, mas onde terminavam trabalhando em atividades agrcolas e pecurias.

    Fig. 11 Esquema das rotas de penetrao no Piau no sculo XVIII. Extrado de: SILVA F., Olavo Pereira da. Carnaba, Pedra e Barro na Capitania de So Jos do Piauhy. Volume I Estabelecimentos Rurais. Belo Horizonte: Ed. do Autor,

    2007.

    12SANTANA, Raimundo Nonato Monteiro de (org). Op. Cit. p.18. 13 Segundo a diviso etnolgica e os estudos sobre os ndios, so classificados de acordo com a lngua. Os Tocarijus eram da famlia dos Tarairius e falavam a lngua J. Na Serra da Ibiapaba habitavam os ndios Tabajaras, de lngua Tupi. BITTENCOURT, Jureni Machado. Apontamentos Histricos da Piracuruca. Teresina: COMEPI, 1989. p.183 e 184.

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  • A ocupao das terras na regio de Piracuruca ocorreu desta forma. A explorao de gado e a instalao dos primeiros currais resultaram em uma lenta fixao populacional14. E assim como ocorreu em outras localidades do estado, a cidade deve sua origem instalao inicialmente de uma fazenda, cujas terras so resultado das inmeras doaes de sesmarias que formaram grandes latifndios, no entorno da qual se agrupou um primeiro ncleo populacional. Este ncleo foi, posteriormente, reconhecido e incentivado pela Coroa, numa poltica de garantir a posse e ocupao portuguesa no interior do Brasil.

    Segundo Reis Filho, a partir da interiorizao do territrio em funo da pecuria, minerao ou produo de subsistncia, fazia-se necessrio unir as vilas dispersas pelo territrio das capitanias como forma de criar ncleos organizados, a regulares distncias e com um plano urbano organizado:

    Foi s depois de 1720 e comumente nas vilas e cidades novas, que se tornou normal no Brasil uma efetiva regularidade do traado. At ento, a existncia de uma poltica urbanizadora, com maior ou menor contedo terico, somente em casos muito especiais significou regularidade perfeita nos traados.15

    Assim, com o aumento do nmero de fazendas16 a regio comea a ganhar importncia e a atrair a ateno da Coroa.

    Piracuruca se insere ento no contexto da pecuria e expanso do gado no nordeste e de uma posterior poltica de ocupao urbana intencional da Coroa portuguesa, que visava estabelecer ncleos urbanos no interior do territrio brasileiro. Desempenhava tambm papel importante neste contexto a presena religiosa, conforme se ver a seguir.

    A formao do primeiro arraial

    Existem poucos dados oficiais que comprovem com clareza os motivos da formao do antigo arraial que viria dar origem Piracuruca. Uma das hipteses remonta Fazenda Bitorocara, situada s margens do rio de mesmo nome, hoje denominado Rio Piracuruca. Pertencente ao Capito Bernardo Carvalho17, a Fazenda Bitorocara consta de uma relao de fazendas existentes no Piau levantada pelo Padre Miguel Carvalho em 1697.18

    14 Ver volume A Ocupao do Piau durante os sculos XVIII e XIX.

    15 REIS FILHO, Nestor Goulart. Quadro da arquitetura no Brasil. So Paulo: Perspectiva, 1978. p. 120.

    16 Segundo Mott, no final do sculo XVII o Piau j possua 129 fazendas, onde habitavam 438 indivduos. J em 1762 havia 536 fazendas, com uma populao total de 14.342 habitantes. MOTT, Luiz R.B. Piau colonial. Populao, economia e sociedade. Teresina: Projeto Petrnio Portella, 1985. 17 No ano de 1726 Bernardo de Carvalho celebra um pacto de paz com os ndios Guarars, Caicazes, Aros e Anapuras, possibilitando uma passagem menos traumtica aos viajantes vindos do Maranho em travessia pelo Norte do Piau. BITTENCOURT, Jureni Machado. Op. Cit. p. 58. 18 IPHAN, 19SR-PI. A Casa da Antiga Intendncia de Piracuruca Proposta de Tombamento. Teresina: sem data.

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  • Segundo Nunes19, desde o sculo XVII j existiria nesta fazenda uma primitiva capela dedicada a Nossa Senhora do Carmo, e nos seus arredores teria surgido um primeiro agrupamento de pessoas. Esta capela se situaria a cerca de uma lgua de onde foi construda a Igreja de Nossa Senhora do Monte do Carmo. Supe-se que a conhecida Capela do Bidoca poderia se tratar desta edificao, apesar de trazer data de inscrio no frontispcio posterior, de 1937.

    Fig. 12 - Capela do Bidoca. Acervo SR/IPHAN-PI, dcada de 80.

    Entretanto Silva F. atribui a origem da cidade igreja votiva dos Irmos Dantas que, pelas graas alcanadas, mandaram erigir no local onde teriam sido aprisionados pelos nativos, uma igreja em homenagem a Nossa Senhora do Carmo20, cuja construo foi iniciada nos primeiros anos do sculo XVIII.

    Ansio Brito apresenta ainda outra verso: o ncleo do povoamento de Piracuruca teria se originado na Fazenda Stio, que em meados do sculo XVIII j possua mais de mil habitantes:

    Abaixo cerca de 30 lguas da nascente do Rio Piracuruca, estende-se imensa plancie, direita do mesmo rio, onde, em comeo do sculo XVIII, pela sua situao mui prpria para estabelecimentos de criar, se fundou a fazenda denominada Stio, que o nome, tambm, da sesmaria onde se acha encravada a hoje cidade de Piracuruca.

    Sem base para uma afirmao positiva, parece-me, contudo, que Stio, era simplesmente a denominao da sesmaria e

    19 NUNES, Odilon. Pesquisas para a Histria do Piau, volume I. Rio de Janeiro: Artenova, 1975 20 SILVA F., Olavo Pereira da. Carnaba, Pedra e Barro na Capitania de So Jos do Piauhy. Volume III Urbanismo. Belo Horizonte: Ed. do Autor, 2007. p. 16

    19

  • no como quer Pereira da Costa (Cronologia Histrica) que diz ser o nome de uma fazenda de criar. 21

    Este mesmo autor ainda atribui a formao do ncleo populacional construo da Igreja de Nossa Senhora do Carmo.

    Fig. 13 Detalhe do Mappa Geogrhaphico da Capitania do Piauhy, e parte do

    Maranho e do Gram Para, onde aparece assinalada a povoao de Piracuruca com a representao de uma igreja. Extrado de: SILVA F., Olavo Pereira da. Carnaba, Pedra e Barro na Capitania de So Jos do Piauhy. Volume III Urbanismo.

    Belo Horizonte: Ed. do Autor, 2007.

    Enfim, sendo ou no responsvel pelo incio da povoao de Piracuruca, e apesar desta Igreja22 ter permanecido longos anos inacabada, desempenhou um importante papel para a consolidao da povoao. Funcionou como elemento agregador e foi durante um longo perodo o principal ponto de

    21 BRITO, Ansio. O Municpio de Piracuruca. In: O Piauhy no Centenrio de sua Independncia. Therezina: Papelaria Piauhyense,1922. Disponvel em: . Acesso em 28/10/2008 21 Monumento tombado pela Unio em 1940, inscrito nos livros do tombo Histrico e de Belas Artes, sob o nmero 0224-T-40.

    20

    http://www.piracuruca.com/capitulotexto.asp?codigo=186&codigo1=O%20Municpio%20de%20Piracuruca%http://www.piracuruca.com/capitulotexto.asp?codigo=186&codigo1=O%20Municpio%20de%20Piracuruca%

  • referncia e o nico rgo de controle sobre a populao ali residente, mantendo o registro de nascimentos, casamentos e bitos.

    A construo da Igreja de Nossa Senhora do Carmo

    O perodo real de sua construo to incerto quanto o da formao da Freguesia. Segundo Bittencourt23, sua construo teria sido iniciada nos primeiros anos do sculo XVIII, por volta de 1722, existindo poucos dados sobre o intervalo de tempo at o ano de 1743, data gravada em seu frontispcio que indicaria uma provvel finalizao da fachada ou de todo o exterior do templo.

    Erguida em escala, proporo e estilo surpreendentes, se comparada ao porte do ncleo urbano na poca de sua construo, de se supor que tenha exigido um nmero considervel de pessoas trabalhando nas obras, e que isso tenha influenciando diretamente a ocupao da regio.

    Construda como smbolo de f e devoo e envolta por lendas e herosmo, sua histria se confunde com a dos irmos Dantas - Jos e Manuel Dantas Correia, apontados como os responsveis e provveis patrocinadores da obra. Ainda h divergncias sobre suas origens, mas as hipteses apontadas a seguir, apesar de baseadas em relatos e tradio oral, lanam algumas luzes sobre as possveis motivaes para a povoao deste territrio.

    Fig. 14 e 15 Fachada da Igreja de Nossa Senhora do Monte do Carmo e detalhe do frontispcio onde se l a inscrio MDCCXLIII (1743). Acervo SR/IPHAN-PI, 2007.

    Uma delas indica serem, os irmos, portugueses de famlia abastada, possivelmente nobres desembarcados em terras brasileiras, que assim como muitos outros, vieram procura de pedras preciosas - desde o incio do sculo XVII j circulava na Europa notcias de que as novas terras de Portugal seriam uma imensa mina de ouro. Desbravando as terras do serto piauiense teriam se deparado com ndios, que os fizeram prisioneiros, e para escapar da morte

    23 BITTENCOURT, Jureni Machado. Op. Cit.

    21

  • prometeram a Nossa Senhora do Carmo que ergueriam uma igreja em sua homenagem.

    Britto (2003) refuta essa hiptese, alegando que seria ilgico pensar que pessoas abastadas deixariam o conforto da Corte para se aventurar nos sertes sem lei. A autora acredita e defende a teoria de Ansio Brito, de que os Dantas teriam ficado ricos depois que chegaram Colnia. Ela tambm questiona a origem dos irmos: se portugueses ou brasileiros e descendentes de Caetano Dantas, um rico portugus que teria vivido no Rio Grande do Norte.24

    Outra hiptese sugere no terem sido os irmos Dantas irmos de sangue, mas padres, possivelmente jesutas, vindos com o objetivo de administrar fazendas de gado em terras do Norte do Piau25. E nesta regio teriam cado nas mos de indgenas e amarrados ao tronco de uma carnaba26, prontos para algum tipo de ritual de sacrifcio. Teriam ento suplicado a Nossa Senhora do Carmo a graa de continuarem vivos, com a promessa de mais tarde construrem o maior templo em sua glria.

    Entretanto, na j mencionada descrio do Padre Miguel de Carvalho, assim como em todas as outras descries e relatos sobre a regio, no h qualquer referncia a tribos indgenas que praticassem atos de canibalismo ou sacrifcio humano.27 Outros autores tambm desconstroem esse mito sobre o ndio piauiense e, de acordo com Vicente Miranda28, as tribos indgenas que habitavam a regio da Ibiapaba e arredores j haviam sido exterminadas entre 1689 e 1701. Esse extermnio teria sido feito inclusive com a participao de Domingos Jorge Velho, que teria dado cabo de grandes populaes indgenas quando de sua passagem por estas terras.

    Mais uma outra hiptese aponta que teriam sido os irmos Dantas enviados pela Coroa para unir-se aos sesmeiros ali instalados e acelerar o povoamento das terras do Norte do Piau na fundao de novas vilas, garantindo a posse do territrio e melhorando a ligao terrestre entre as colnias do Brasil e do Maranho, visto que o perigo de invaso por conquistadores de outros pases

    24 BRITTO, Maria do Carmo Fortes de. Remexendo o Ba, Piripiri: Grfica e Editora Ideal, 2003. p.29/30. 25 No territrio do atual Piau, a pecuria se expandiu a partir das fazendas fundadas por Domingos Afonso Serto, conhecido como Mafrense (por ser originrio da cidade de Mafra) na rea dos atuais municpios de Oeiras e Floriano. Aps a sua morte, trinta dessas fazendas foram deixadas em testamento para os jesutas, que seriam por sua vez incorporadas ao Estado em 1760, transformando-se em Fazendas Nacionais. Ver tambm A Ocupao do Piau durante os sculos XVIII e XIX, p.25. 26 Conta-se, por tradio oral, que por longos anos Nossa Senhora do Carmo apareceria ao p da dita carnaba. A veracidade da histria, assim como sua localizao, evidentemente duvidosa, mas uma das hipteses ser o lugar onde atualmente se localiza a Praa Irmos Dantas. Outra hiptese defende que a dita carnaba se situava bem longe da sede do municpio, porm prximo ao Rio Piracuruca. 27 Apesar de existirem no norte do Piau as tribos Tocarijus que cultivavam o endocanibalismo, ou seja, a antropofagia ritual com relao aos prprios parentes e membros da tribo que eram comidos aps a morte. 28 In BRITTO, Maria do Carmo Fortes de. Op.Cit. p.13.

    22

  • representava uma ameaa constante. 29 A desordem em que se encontravam os agrupamentos, dispersos por toda a regio, impunha a idia de terra sem lei, sendo preciso regulament-la e implantar a jurisdio aos seus habitantes, sendo comum a doao de terras a nobres portugueses para que estes viessem iniciar uma colonizao oficial, conforme afirma Brito:

    Tal a quantidade de portugueses egressos de Portugal que o prprio rei temendo o despovoamento do reino, proibiu a retirada dali, de seus sbditos. Antes, incentivava o interesse dos portugueses, dando-lhes ttulos, elogios e promessas por descobrirem terras aurferas (...)30

    Porm, a inexistncia de documentos que comprovem fundos vindos da Coroa Portuguesa ou relatos de doaes e tributos oficiais recolhidos dos habitantes da Freguesia para custear as despesas da construo da Igreja31 leva a crer que no havia vinculao entre a Coroa com a sua construo32.

    Sobre os Irmos Dantas sabe-se, atravs de aforamentos, que eram possuidores de muitas lguas de terras e gado por toda regio. Sua devoo tambm evidenciada pelo fato de, por no possurem herdeiros, haverem deixado em testamentos todos os seus bens para Nossa Senhora do Carmo.33

    Certifico que revendo o livro de Registro de Testamento dos que fallecem nesta Freguezia e Termo, nelle achei Registrados o Solene Testamento com que falleceo na Matriz da Piracuruca, Manuel Dantas Correia e no mesmo as folhas dezesseis verso a verbo de que o requerimento retro faz menso a qual he da maneira theor seguinte:

    Declaro que pagas as minhas dvidas e satisfeitos os meus legados, declaro nomeio e instituo por minha universal herdeira de todo o restante dos meus bens assim moventes como semoventes, a Virgem Nossa Senhora do Monte do Carmo desta freguezia de Piracuruca, Capitania do Piauhy deste Bispado do Maranho com obrigao de se dizerem todos os

    29 Em 1624 os holandeses haviam invadido Salvador, ento capital da Colnia do Brasil, mantendo a cidade sob seus domnios por mais de um ano. Mas em 1630 investiram novamente contra a colnia portuguesa, desta vez em Pernambuco, tomando Recife e Olinda, que permaneceram sob seu domnio at 1654. Em 1641 haviam invadido tambm So Luis, ento capital da Colnia do Maranho, onde permaneceram por trs anos. 30 BRITO, Ansio. Op. Cit.

    31 Entretanto entre 1710 e 1711 tem-se notcia da presena no local de Frei Pantaleo da Trindade, beneditino de Olinda, pedindo esmolas para a construo de sua igreja. IPHAN, 19SR-PI. A CASA DA ANTIGA INTENDNCIA DE PIRACURUCA - PROPOSTA DE TOMBAMENTO. Teresina: sem data. 32 As trs hipteses so aqui relatadas pela ausncia na bibliografia e dados fidedignos sobre a origem e a permanncia dos irmos em Piracuruca, assim como sobre a construo da Igreja. 33 Em 1784, instituda a Irmandade de Nossa Senhora do Carmo de Piracuruca, destinada a manter o patrimnio da santa e zelar pela igreja. BITTENCOURT, Jureni Machado. Op. Cit. p.64.

    23

  • annos na sua matriz duas Capelas de Missas por minha alma (...).34

    Brito relaciona as propriedades rurais doadas Nossa Senhora do Monte do Carmo:

    So as seguintes as fazendas com as respectivas propriedades em uma extenso de 12 lguas, doadas pelos irmos Dantas a N.S. do Carmo Monte, Macambira, Curral dos Cavalos, Veados, Perus, Boqueiro, Pitombeira e Batalha.35

    Segundo Bitencourt36 a data de 1743 no frontispcio da Igreja marcaria a morte de Manuel Dantas, que teria sido sepultado no interior da Igreja, em frente ao altar-mor. O autor afirma ainda que Jos Dantas teria deixado Piracuruca por volta de 1758, pouco antes da expulso dos jesutas do Brasil.37

    Contudo, na poca da expulso dos jesutas do Brasil, em 1759, a Igreja de Nossa Senhora do Monte do Carmo constava como parte de seu esplio. Ento, devia sofrer averiguaes de suas instalaes, realizadas pelo ento governador Joo Pereira Caldas, pelo conselheiro da Casa de Suplicao, de Portugal, Francisco Marcellino de Gouveia e pelo ouvidor Luiz Jos Duarte Freire.

    Lenda ou histria, a presena dos irmos Dantas na regio propiciou a manuteno de uma populao nessas terras, seja por motivaes religiosas ou econmicas, que ajudou a consolidar a Freguesia.

    A Freguesia de Nossa Senhora do Carmo da Piracuruca

    Segundo Silva F., Piracuruca teria sido elevada a Freguesia em 1712, ento ligada ao bispado de Pernambuco38, e Pereira da Costa afirma que em 1723 era uma das nicas trs j criadas no Piau:

    (...) em carta de 1723 do bispo diocesano de Olinda, D. Manuel Alves da Costa, ao Governador de Pernambuco, D. Manuel Rolim de Moura, para fazer presente Academia Real da Histria portuguesa, em Lisboa, consta ainda que, ento, as trs nicas freguesias do Piau, Oeiras, Piracuruca e Long,

    34 Trecho do testamento de Manuel Dantas. Com este documento, localizado no ano de 1800 em cartrio da Vila de So Joo da Parnaba e publicado de forma fracionada em 1909 no jornal O Apstolo, tornou-se oficial a histria da herana dos irmos Dantas para a Santa. In: MENESES, Francisco Gerson Amorim de Meneses (org). Revista Ateneu - N 1, 2002. Entretanto a veracidade do documento questionada por alguns historiadores em razo da disputa provocada pelo usufruto dos bens da Santa entre a Igreja e a populao de Piracuruca. Essa disputa ficou conhecida como a questo da Santa. Disponvel em: http://www.piracuruca.com/capitulotexto.asp?codigo=49&codigo1=Revista%20Ateneu%20-%20N%201 35 BRITO, Ansio. Op. Cit. 36 BITTENCOURT, Jureni Machado. Op. Cit. p.59. 37 H livros de anotaes da Igreja desde o ano de 1788, contendo registros dos batizados, casamentos, bitos e outros acontecimentos. Entretanto, por este evento ser anterior, nada consta a respeito do bito de Manuel Dantas. 38 SILVA F., Olavo Pereira da. Op. Cit., 2007. p. 126

    24

  • hoje Campo Maior, so designadas como pertencendo ao Bispado de Pernambuco. 39

    O povoado de Piracuruca, todavia, parecia gozar de certa importncia j alguns anos antes, pois a data de 1723 aproximadamente a mesma tida como do incio da construo da igreja, e verifica-se assim a significativa presena religiosa na regio. tambm um indcio da importncia da povoao durante a primeira metade do sculo XVIII, pois o estabelecimento das fazendas de gado e dos currais dava regio uma caracterstica de ocupao esparsa e pouco densa. O reconhecimento como Freguesia designava um ncleo populacional consolidado que servia como ponto de referncia regional.

    Seu vicariato, entretanto, s foi institudo em 1742 e para ele foi designado o Padre Jos Lopes Pereira, com a assistncia de quatro coadjutores carmelitas e um irmo menor.40

    Nessa poca, Piracuruca tinha a pecuria como base econmica, caracterizando-se tambm por ser ponto de passagem de comerciantes de todo o Norte piauiense. Entretanto, em conseqncia do rpido desenvolvimento da cidade de Parnaba41 na segunda metade do sculo XVIII, Piracuruca entrou em um processo de estagnao econmica.

    A Capitania do Piauhy foi criada em 175842 e com o intuito de organiz-la administrativamente, em 1761 foi publicada uma Carta Rgia. Segundo Delson, haveria uma Carta Rgia anterior, de 1716, que teria ordenado a criao de duas vilas: Mocha, e a que viria a dar origem atual Piracuruca.

    Porm, esta afirmao questionada por Figueiredo43, observando que a carta datada de 1716 foi confundida com a de 1761, baseada num erro de impresso na obra de Paulo Thedim Barreto O Piau e sua arquitetura.

    39 PEREIRA DA COSTA, Francisco A. Cronologia Histrica do Estado do Piau. Desde os seus primeiros tempos primitivos at a proclamao da repblica. Volume I. Ed. So Cristvo: Artenova, 1974. p.55. 40 IPHAN, 19SR-PI. A Casa da Antiga Intendncia de Piracuruca Proposta de Tombamento. Op. Cit. 41 Na localidade denominada Porto das Barcas, s margens do Rio Igarau, em 1758 comearam a funcionar uma srie de charqueadas, que produziam e comercializavam carne e couro com outras cidades, alm de exportar diretamente para a Europa. A prosperidade de Parnaba, ligada atividade industrial e localizao privilegiada s margens de um dos principais braos do Rio Parnaba e componentes de seu Delta, configurando um porto natural que oferecia vantagens em relao navegao e comrcio, acabou por atrair um maior contingente populacional. Desloca assim o eixo econmico do interior para o litoral, alcanando um desenvolvimento maior do que qualquer outra freguesia da ento Capitania, e cogitando-se inclusive a transferncia da capital, de Oeiras para l. Processo de Tombamento Cidades do Piau testemunhas da ocupao do Brasil durante o sculo XVIII Conjunto Histrico e Paisagstico de Parnaba. IPHAN, DEPAM/19SR-PI. Braslia/Teresina: Abril de 2008. 42 Sobre a criao da Capitania do Piauhy ver volume A Ocupao do Piau durante os sculos XVIII e XIX. 43 FIGUEIREDO, Diva Maria Freire. O monumento habitado: a preservao de stios histricos na viso dos habitantes e dos arquitetos especialistas em patrimnio. O caso de Parnaba (dissertao de mestrado). Recife: UFPE, 2001. Delson afirma ter sido o modelo implantado inicialmente no Piau, mais precisamente em Oeiras. Porm Figueiredo a contrape,

    25

  • A carta de 1761 determinava, entre outras medidas, a elevao de Oeiras condio de cidade e capital, e a de todas as outras freguesias existentes44 - Valena, Marvo, Campo Maior, Parnaba, Piracuruca, Jerumenha e Parnagu - condio de Vila. Dava inclusive orientaes quanto sua construo, seguindo um modelo anteriormente aplicado em Aracati (CE)45 e no iniciado no Piau, como prope esta pesquisadora.

    Em Piracuruca, entretanto, esta determinao no foi seguida de imediato. Em 1762, quando o ento Governador da Provncia, Joo Pereira Caldas, visitou a vrias freguesias piauienses, com o intuito de instituir poderes polticos e uma administrao prpria, como era a imposio da Coroa, considerou que a Freguesia de Nossa Senhora do Carmo da Piracuruca no possua nvel populacional suficiente, alm de uma inexpressiva atividade econmica, se comparada ao Porto das Barcas, regio porturia de Parnaba46.

    Assim, revelia do determinado pela Carta Rgia de 1761, neste momento foi fundada apenas a Villa de So Joo da Parnahyba47, e Piracuruca permaneceu ento por mais algumas dcadas como povoao de Parnaba, espera de uma nova oportunidade de promoo poltico-administrativa.

    Piracuruca, segundo os dados disponveis da poca, contava com 330 habitaes, populao de 1.747 homens livres e 602 escravos, num total de 2.349 habitantes, entre os quais no se incluam crianas e mulheres, e 80 fazendas 48. Parnaba apresentava melhores perspectivas, j que se localizava no litoral, em ponto privilegiado para o controle sobre o acesso ao Rio Parnaba. E controlando seu acesso e incentivando a criao de um porto no

    baseada nas datas das Cartas Rgias, afirmando ter sido Aracati (CE), fundada em 1747, o primeiro exemplo deste tipo de planejamento para as cidades do serto que agregou todos os valores de retido, salubridade, harmonia e uniformidade. Mesmo Delson, em outra passagem, coloca que a frmula de Aracaty logrou tanto xito que as autoridades recomendavam-na como modelo para a construo de outras cidades. DELSON, Roberta Marx. Novas Vilas para o Brasil-Colnia: Planejamento Espacial e Social no Sculo XVIII. Braslia, Ed. Alva-Ciord, 1997, p.24. 44 Segundo Porto, a Carta Rgia de 19 de junho de 1761 daria indicao de como implantar as cidades: dizia o rei que os habitantes deviam ser convocados em determinado dia para assistirem a escolha de local onde devia ser levantada uma praa, devendo-se erguer nela um pelourinho, segundo-se as demarcaes para construo de igreja, fazendo delinear as casas dos moradores por linha reta, de sorte que fiquem largas e direitas as ruas. Cf. PORTO, Carlos Eugnio. Roteiro do Piau. Ed. Artenova, 1974. p.69. 45 Segundo Delson, as prescries da Coroa na Carta, que equivocadamente foi tida como de 1716, quanto escolha do local, das edificaes pblicas, da demarcao dos lotes em linha reta, alinhamento das moradias e similaridade das fachadas davam uniformidade e harmonia ao conjunto, atraindo colonos permanentes e dando a impresso de uma autoridade estabelecida, o que intimidaria possveis ataques. Este modelo teria sido aperfeioado a cada nova cidade fundada, at atingir seu ideal em Aracati, fundada em 1747, e que foi considerada como exemplo para a fundao de outras cidades ao longo de todo o sculo XVIII. Op. Cit., p.24. 45 IPHAN, 19SR-PI. A Casa da Antiga Intendncia de Piracuruca Proposta de Tombamento. Op. Cit 47 interessante observar que Parnaba teve o ato solene de instalao da Vila realizado na igreja de Nossa Senhora do Carmo, em Piracuruca, e sua Igreja Matriz, dedicada a Nossa Senhora das Graas, continuou ainda sob a dependncia da freguesia de N. S. do Carmo de Piracuruca por alguns anos. Idem. 48 PORTO, Carlos Eugnio. Roteiro do Piau. Rio de Janeiro: Artenova, 1974, p. 70.

    26

  • local, garantia-se a posse efetiva de todo o territrio do interior da Capitania, pois este rio era um dos poucos navegveis na regio e dele dependia a articulao de toda a regio.

    Em 1775, Piracuruca ainda no havia sido elevada condio de Vila, como pode ser observado no documento redigido, por volta dessa poca, pela Junta Trina, que comandou o estado por vinte e dois anos. Nesse documento mencionado que, das seis vilas j criadas em obedincia Carta Rgia de 1761, apenas So Joo da Parnaba havia tido aumento populacional. Esta se mostrava promissora economicamente49, devido no s sua localizao como porto de mar, mas tambm s fbricas e manufaturas ali instaladas. Piracuruca era a nica das sete que ainda no havia sido criada.

    A elevao Vila de Piracuruca

    O rpido crescimento da Vila de Parnaba graas ao charque, produzido e comercializado pelo Porto das Barcas50, apesar de num primeiro momento ter ofuscado a Freguesia de Piracuruca, fazendo-a passar por um perodo de estagnao econmica, posteriormente acabou por incentivar novamente sua economia. Estimulou as fazendas de gado a produzirem matria-prima em quantidade suficiente para abastecer essa indstria e no mais apenas para sua subsistncia.

    Essas fazendas propiciaram, naquele momento, a acumulao de grandes fortunas nas mos de alguns latifundirios, o que contribuiu para o desenvolvimento da regio e promoveu o deslocamento do eixo econmico do sul, onde se localizava a capital Oeiras, para o norte da Provncia. Santana, atravs da anlise da arrecadao do tributo sobre o gado em 1791, afirma que na virada do sculo XVIII:

    Oeiras, Jerumenha, Parnagu e Valena respondiam por 58% do total, enquanto Campo Maior e Marvo [atual Castelo do Piau] representavam 42%. No perodo de 1809/1814, os quatro municpios do sul caram para 54% enquanto Campo Maior, Marvo e Piracuruca cresciam a participao para 46%.51

    Tambm segundo Brito, em Piracuruca

    49 Igualmente devemos noticiar a V. Exa. que das seis vilas desta Capitania, criadas no ano de 1762 s a de S. Joo da Parnaba, fundada na margem oriental do brao do Igarau, tem tido aumento e promete cada vez mais no s pelo negcio do porto de mar que se lhe introduziu, seno tambm pelas fbricas e manufaturas com que se acha; as mais esto no mesmo estado em que se lhes deu aquele nome, conhecendo-se unicamente por vilas em razo de terem Pelourinho, ou um pau cravado na terra a que se deu aquele apelido. Apud FIGUEIREDO, Diva Maria Freire. O monumento habitado: a preservao de stios histricos na viso dos habitantes e dos arquitetos especialistas em patrimnio. O caso de Parnaba. Dissertao de mestrado. Recife: UFPE, 2001. Em 1762 teria sido realizado o primeiro censo populacional da regio. 50 Processo de Tombamento Cidades do Piau testemunhas da ocupao do Brasil durante o sculo XVIII Conjunto Histrico e Paisagstico de Parnaba. IPHAN, DEPAM/19SR-PI. Braslia/Teresina: Abril de 2008. 51 SANTANA, Raimundo Nonato Monteiro. Op. Cit. p. 64.

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  • (...) a renda pblica do dzimo do gado vacum e cavalar, se elevou a 22:000$000, soma absolutamente igual de Parnahyba, em igual perodo (...)52

    Observam-se, assim, os bons resultados obtidos por Piracuruca em relao pecuria entre os anos de 1809 e 1814. Esses resultados se refletiram na cidade, que passou por um novo momento de expanso urbana graas a um aumento populacional considervel, que segundo Pereira da Costa, chegou a 8 mil pessoas53 e chamou a ateno do ento governador da Provncia, Csar Burlamaqui, que notando a prosperidade da regio, em 1807 props Coroa sua elevao a Vila, o que lhe foi negado.

    Esta solicitao foi aprovada, apenas em 1832, quando ento, a freguesia recebeu o nome de Vila de Piracuruca, topnimo tirado do Rio que banha a regio. Mas, oficialmente sua emancipao s se deu no ano seguinte, quando foi desmembrada da Vila de Parnaba:

    (...) anno do nascimento de Nosso Senhor Jesus Christo de mil oitocentos e trinta e trs dondcimo da independncia do Imprio, aos vinte e trs dias do ms de dezembro do dito anno, nesta povoao de Piracuruca, Freguezia de Nossa Senhora do Monte do Carmo do antigo termo da Villa de So Joo da Parnahyba provncia do Phiauhy nas casas destinadas para as sesses da cmara municipal desta nova villa. (...) E tambm erecta a notvel Povoao de Piracuruca j freguezia h muitos annos em villa de Piracuruca comprehendendo o seu termo os limites da mesma freguezia.54

    Quanto aos limites aos quais se faz referncia neste documento de instalao da vila, no so conhecidos outros que os definam com preciso. Estima-se que tais limites comeariam nos sops da Serra da Ibiapaba, abrangendo todas as terras que hoje constituem os municpios da atual Parnaba, Buriti dos Lopes, Ilha Grande, Joaquim Pires, Bom Princpio do Piau, Cocal, Cocal dos Alves, Murici dos Portelas, Carabas do Piau, Caxing, Brasileira, Batalha, Domingos Mouro, Milton Brando, Lagoa de So Francisco, So Joo da Fronteira, So Jos do Divino, Pedro II, Piripiri e o prprio municpio de Piracuruca. Mas aos poucos, com a criao de novas vilas, e posteriormente com os vrios desmembramentos, Piracuruca teve seu territrio consideravelmente reduzido:

    52 BRITO, Ansio. Op. Cit. 53 PEREIRA DA COSTA, Francisco A. Op. Cit. p. 204.

    54 Cpia do Auto da Instalao e Elevao da povoao de Piracuruca, ento Freguesia de Nossa Senhora do Monte do Carmo, a Cathegoria de Villa. Piracuruca, 17 de outubro, 1871. Fonte: Arquivo Pblico do Piau, caixa do municpio de Piracuruca.

    28

  • Fig. 16 O territrio pertencente a Piracuruca do sculo XIX at os dias atuais.

    Fonte: Base de dados IBGE

    No momento da elevao Vila tambm tomaram posse os primeiros vereadores, entre eles Pedro de Britto Passos, que contribuiu consideravelmente para sua elevao vila e posteriormente cidade, sendo considerado tambm o primeiro grande urbanizador do local. 55

    A Batalha do Jenipapo e a Balaiada

    Na primeira metade do sculo XIX, paralelamente busca por autonomia econmica, poltica e administrativa, Piracuruca foi agitada por movimentos de cunho nacional que despontaram no Piau, Cear e Maranho e repercutiram na regio, exigindo um posicionamento dos piracuruquenses, seja em defesa de uma ideologia ou na proteo de seu patrimnio.

    Entre esses movimentos destaca-se a Batalha do Jenipapo, que ocorreu no atual municpio de Campo Maior e foi decisiva para o reconhecimento da independncia do Brasil nas regies Norte e Nordeste, assim como para a consolidao do territrio nacional.56 Nesse momento Piracuruca, a exemplo de Parnaba, se insurgiu contra a Coroa Portuguesa e tambm proclamou a independncia em 1823, antes, inclusive, do pronunciamento da capital Oeiras, e em suas terras se deu uma pequena disputa entre oitenta cavaleiros das tropas portuguesas e cinqenta brasileiros. 57

    Poucos anos depois, em 1839, Piracuruca voltou a ser palco de lutas. Desta vez, a iminente invaso dos balaios ameaou a tranqilidade da recm criada

    55 Ver captulo Evoluo Urbana 56 Ver volume A Ocupao do Piau durante os sculos XVIII e XIX. 57 Em . Acessado em 16/04/2007.

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  • Vila, fazendo com que os habitantes se mobilizassem contra os possveis ataques usando at mesmo a Igreja de Nossa Senhora do Carmo como refgio. No entanto, segundo Bittencourt, a Balaiada foi desarmada antes de chegar a Piracuruca e no causou maiores problemas populao local. 58

    A elevao cidade e os dias atuais

    J em 1844 Piracuruca havia sido desmembrada da jurisdio de Parnaba e elevada Comarca, com foro e juizado prprios.

    Essa autonomia poltico-administrativa se deu quando o ciclo do gado j estava em declnio no Piau e o extrativismo vegetal e seus derivados assumiam, aos poucos, um papel importante na atividade econmica da regio, sobretudo a partir da segunda dcada do sculo XIX, contribuindo para incrementar novamente a economia.

    Nesse contexto, a carnaba e o babau se destacam pela existncia de um mercado externo forte59 e pela localizao das plantaes e indstrias de processamento prximas a rios navegveis, facilitando o transporte. Isto permitiu a Piracuruca comercializar, com grande sucesso, a cera de carnaba atravs do Porto das Barcas, em Parnaba, para onde era transportado por via fluvial.60

    O incremento no extrativismo vegetal contribuiu para consolidar a mudana na geografia econmica piauiense, reforando o processo de deslocamento do eixo econmico do sul para o norte do estado, iniciado no final do sculo XVIII, e fez crescer o desejo de que para l fosse transferida a administrao do territrio. Os rumores da mudana, que vinham desde o sculo anterior, se concretizaram em 1852 com a mudana da capital, no para Parnaba, a principal candidata, mas para o centro do territrio, com a fundao de Teresina.

    Em 1889, quarenta e trs dias aps a Proclamao da Repblica, Piracuruca finalmente elevada cidade, tendo sido o decreto assinado pelo governador republicano do Piau, Gregrio Taumaturgo de Azevedo.

    58 Segundo Bitencourt, a Balaiada foi uma insurreio armada, de origem rural que comeou no Maranho, em 1838 e alastrou-se pelo Piau e Cear com derivaes para atos de banditismo, pilhagem, vinganas, confrontos partidrios e quase nenhuma ideologia. Foi uma revolta popular, um ato de desobedincia civil e militar que findou em 1841. BITTENCOURT, Jureni Machado. Op. Cit. p. 90-92. 59 Os produtos eram exportados para os Estados de Pernambuco, Bahia, Par e Rio de Janeiro, e de l para o mercado estrangeiro. Idem. p. 67. 60 Entretanto, apesar do incremento no extrativismo vegetal, at o incio do sculo XX Piracuruca ainda manteve a base de sua economia calcada na pecuria at por volta da dcada de 1970.

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  • Fig. 17 - Principais regies Produtoras de carnaba no Piau. Extrado de: http://

    www.fapepi.pi.gov.br/ novafapepi/sapiencia5/ imagens/ fotopesquisa3-2.jpg. Acesso em 17/06/2008.

    A Estrada de Ferro em Piracuruca

    Apesar do transporte de mercadorias ser realizado com relativo sucesso atravs do Parnaba, o tempo para a realizao do trajeto ainda era visto como uma dificuldade, que prejudicava tambm a comunicao e circulao de informaes. Para resolver o problema o transporte ferrovirio, discutido sistematicamente pelos polticos piauienses desde o incio do sculo, surgiu como soluo e modelo de modernidade.

    Tratado com exacerbado otimismo, o projeto da estrada de ferro piauiense visava, alm do comrcio internacional da cera de carnaba e demais produtos do extrativismo vegetal, como o leo de babau e borracha de manioba, incrementar a integrao do territrio do Piau. Reforava esse discurso, a seca que atingiu o Estado, entre 1905 e 1907, que foi usada como argumento decisivo a favor de sua construo, pois permitiria contornar as dificuldades de abastecimento das partes isoladas do territrio.

    Os esforos para sua viabilizao comearam a se concretizar com a aquisio dos materiais de construo pela South Railway Construction Ltd e com os servios de locao e movimento de terras, entre os anos de 1912 e 1915. No

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    http://www.fapepi.pi.gov.br/ novafapepi/http://www.fapepi.pi.gov.br/ novafapepi/

  • entanto, somente aps 1915, com a ajuda do governo federal, so autorizadas e efetivamente iniciadas as obras, utilizando mo-de-obra imigrante, sobretudo a dos cearenses, vindos ao Piau fugidos da seca. O trecho ficou subordinado direo geral da Rede de Viao Cearense, de cujo sistema faria parte com a denominao de Ramal de Amarrao a Campo Maior.

    Somente em 1918, com o desligamento do ramal da Viao Cearense, o sonho piracuruquense de um futuro progressista tornou-se mais prximo, e foi enfim concretizado em 1923, data da inaugurao da Estao Ferroviria de Piracuruca e do trecho que a ligava cidade a Parnaba, com aproximadamente 148 km de extenso. Posteriormente, com a construo de uma ponte metlica, ligou-se tambm a Piripiri e avanou em direo ao sul do Estado, chegando a Teresina em 1966.61

    Fig. 18 - Estao de Piracuruca. Acervo Anna Finger. Maio de 2007.

    Fig. 19 e 20 - Duas vistas da Ponte ferroviria de Piracuruca. Acervo SR/IPHAN - PI. Junho de 2008.

    61 Para maiores detalhes sobre a ferrovia no Piau ver volume A Ocupao do Piau durante os sculos XVIII e XIX.

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  • O impacto da Segunda Guerra Mundial

    Na dcada de 1930, Piracuruca j era um dos principais centros comerciais do estado, exportador de couro, farinha, rapadura, algodo e, principalmente, cera de carnaba. Mas a ecloso da Segunda Guerra Mundial abalou o ritmo de seu desenvolvimento, causando uma queda brusca dos preos da cera de carnaba e, conseqentemente, uma crise em sua produo.

    A cidade v-se, ento, obrigada a encontrar alternativas para sua sobrevivncia, como a explorao da madeira e a ardsia, pedra conhecida na regio como pedra de piqui ou pedra de Piracuruca, usada principalmente na construo civil, e voltando-se novamente para a pecuria.

    Mas a partir da segunda metade do sculo XX, reforada com a progressiva desativao do sistema ferrovirio, iniciado na dcada de 195062, Piracuruca deixou de ter uma participao significativa no quadro econmico, social e poltico do Estado. Sua localizao entre dois plos mais prsperos, Parnaba e Piripiri, tambm contribuiu para a estagnao econmica da cidade, situao que persiste at os dias atuais.

    62 Os trens de passageiros serviram estrada at pelo menos 1979. A estrada nunca foi oficialmente erradicada, mas atualmente na maior parte do percurso os trilhos foram arrancados, exceto no trecho entre Altos e Teresina, onde a ferrovia faz parte da ligao Cear-Maranho. Extrado de: . Acesso em 24.04.07.

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  • EVOLUO URBANA E ANLISE MORFOLGICA

    Devido ausncia de iconografia, a anlise da evoluo urbana do Centro Histrico partiu principalmente da observao in loco da situao atual, representada nos mapas em anexo. Apia-se tambm na bibliografia existente e no inventrio realizado em 1997 pela Fundao Estadual de Cultura e Desporto do Piau (FUNDEC), atual FUNDAC Fundao Cultural do Piau e o Ministrio da Cultura IPHAN/3CR.

    Durante este trabalho foram levantados imveis e logradouros localizados no entorno imediato das praas Irmos Dantas, Getlio Vargas e Santo Antnio e do mercado pblico. Estas reas englobam o trecho urbano consolidado at meados do sculo XX e considerado de importncia para a caracterizao do patrimnio cultural que se pretende proteger em Piracuruca.

    As transformaes da cidade ao longo de sua histria esto ligadas sobretudo a dois momentos econmicos principais, que influenciaram tambm toda a histria do Piau: a expanso da pecuria do litoral para o interior do pas durante os sculos XVII e XVIII, atividade propulsora de sua formao e consolidao como ncleo urbano; a industrializao e comrcio da cera de carnaba no incio do sculo XX, que favoreceu a instalao da ferrovia no Piau e tambm em Piracuruca, influenciou sua expanso urbana e facilitou a comunicao com os demais municpios do Estado.

    Fora desses dois momentos especficos, Piracuruca manteve um lento desenvolvimento urbano e scio-econmico, similar aos dos demais municpios de pequeno porte do estado. Esta situao foi influenciada ainda pela localizao geogrfica pouco privilegiada, entre Parnaba e Piripiri, dois plos mais prsperos, o segundo iniciado no sculo XX. Entretanto a cidade diferencia-se destes municpios pela preservao de seu acervo arquitetnico e urbanstico, de significativo valor histrico e cultural, atravs do qual possvel compreender melhor a histria no apenas do Piau, mas de toda a regio nordeste do Brasil.

    O incio do assentamento populacional

    At o incio do sculo XVIII as povoaes existentes no territrio do atual Piau ainda no constituam ncleos urbanos definidos, mas pequenos agrupamentos populacionais surgidos a partir de fazendas de gado, que por sua vez encontravam-se dispersas por todo o territrio. O modo de vida rural, aliado s grandes distncias, aos constantes conflitos com os indgenas, rusticidade das casas de fazenda63, s dificuldades impostas pelo ambiente do serto e aos interesses dos primeiros desbravadores no havia possibilitado, at esse momento, o surgimento de ncleos com caractersticas urbanas propriamente ditas.

    O acervo arquitetnico originado neste contexto, urbano e rural, limita-se s circunstncias do meio fsico e da ocupao do

    63 Conforme se ver a seguir, as casas de fazenda piauienses eram construes bastante rsticas, caracterizadas pela simplicidade e pelas adaptaes ao clima, localizao, ao stio e aos materiais disponveis.

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  • territrio pelos criadores de gado, que retardaram o desenvolvimento das aglomeraes urbanas e o surgimento de stios e obras com caractersticas monumentais e de maior apuro tcnico como as dos stios de So Lus e Alcntara...

    A rusticidade da vida no serto dominado pela atividade pecuria originou um padro arquitetnico despojado nas cidades que viveram seu apogeu durante o ciclo do gado. Alguns imveis, em Oeiras, diferenciam-se apenas por haver sido a cidade capital da capitania e posteriormente da provncia at a mudana da capital para Teresina, no sculo XIX. 64

    A partir da segunda metade desse sculo que essas povoaes comearam a adotar um plano urbanstico melhor definido, imposto pela Coroa Portuguesa atravs da Carta Rgia de 1761. As medidas de elevao das freguesias condio de Vila e as determinaes quanto sua forma urbana tinham o objetivo principal de garantir a posse do territrio brasileiro, ameaado pelas freqentes invases estrangeiras. Buscou-se para tanto efetivar uma poltica de controle da Colnia atravs da ocupao do interior do territrio, evitando o crescimento independente e descontrolado dessas povoaes65.

    Os relatos desta poca so escassos e se referem, em sua maioria, Igreja de Nossa Senhora do Carmo e densidade populacional do local.66 Supe-se, no entanto, que o primeiro agrupamento populacional tenha sido implantado no entorno dessa Igreja, cuja construo teve incio por volta da dcada de 1720. provvel que sua construo, por demandar um grande nmero de operrios, tenha funcionado como elemento agregador, atraindo um certo nmero de pessoas que teriam vindo se instalar prximas obra, tanto para trabalhar diretamente na construo como para prestar servios complementares a estes operrios.

    Implantada com a fachada voltada para o Rio Piracuruca, apesar de um pouco afastada dele, segue a tradio lusa, mesmo sendo o stio plano e no dispondo de uma acrpole. Em frente a ela foi delimitado um grande largo quadrangular e simtrico, cujo casario, implantado no alinhamento dos lotes, pressupe um planejamento urbano desde o momento de sua construo.

    Conforme analisado anteriormente, a elevao da freguesia de Piracuruca condio de Vila foi tardia em relao s demais mencionadas na Carta Rgia de 1761, tendo ocorrido apenas em 1832, mais de meio sculo aps a determinao. Esta Carta dava diretrizes claras quanto ao estabelecimento dos lotes e arruamento em linha reta, ou rgua, visando garantir uma disposio ordenada e em alinhamento das moradias, assim como exigia que as edificaes tivessem o mesmo estilo de fachada, para dar uniformidade e harmonia ao conjunto. Como a ento freguesia aspirava sua elevao Vila, 64 FIGUEIREDO, Diva Maria Freire. Os stios histricos do Piau no panorama da preservao do Patrimnio Cultural no Brasil. In Apontamentos para a histrica cultural do Piau. Teresina: FUNDAPI, 2003. pg. 404 65 DELSON, Roberta Marx. Op. Cit. 66 Uma das principais fontes o relato, datado de 1762, do ento Governador da Provncia Joo Pereira Caldas, quando de sua visita s vrias povoaes do Piau, optando por no atender de imediato a determinao da Carta Rgia de elevar a freguesia de Piracuruca condio de Vila em funo da pequena populao e de seu baixo desenvolvimento econmico. IPHAN, 19SR-PI. A Casa da Antiga Intendncia de Piracuruca Proposta de Tombamento. Op. Cit.

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  • de se supor que mesmo no tendo sido oficialmente elevada, tenha seguido tais diretrizes.

    Segundo Porto67, em 1762 a freguesia de Nossa Senhora do Carmo da Piracuruca contava com cerca de 2.349 habitantes e 330 edificaes, um nmero bastante razovel para uma pequena freguesia, sobretudo se comparada a Testa Branca, que na poca no contava com mais de 4 habitaes e cerca de 20 pessoas e onde o Governo insistiu em instalar a vila de So Joo da Parnaba, visando atrair a populao maior que se concentrava em volta das charqueadas do Porto das Barcas.

    Existia, desta forma, nmero suficiente de habitaes para conformar um assentamento populacional organizado, e de fato observa-se que, no entorno da Praa Irmos Dantas, as ruas e o casario que a circundam seguem precisamente as disposies definidas pela Carta.68

    Segundo Silva F., as quadras situadas entre o largo da Igreja, atual Praa Irmos Dantas, e o Rio Piracuruca, de permetro considervel, configuram-se possivelmente como as mais antigas, pois diferem das quadras implantadas no entorno da Igreja:

    (...) as quadras laterais e aos fundos da Matriz parecem decorrentes desse parcelamento mais recente. So as menores e condicionadas dimenses da quadra da Igreja. O ponto de referncia desse parcelamento est nitidamente estampado na prpria quadra da Matriz, onde as quadras laterais seguem o comprimento do terreno da Igreja e as de fundo a sua largura, configurando uma cruz. No primeiro caso, ao que tudo indica, as edificaes determinaram o logradouro e no segundo, os logradouros determinaram os prdios.69

    Distinguem-se assim dois tipos distintos de parcelamento, decorrentes provavelmente de dois momentos de expanso urbana: o primeiro a partir do largo em frente Matriz e em direo ao Rio Piracucura70, e o segundo em direo aos fundos da igreja e condicionado por este edifcio:

    67 PORTO, Carlos Eugnio. Op. Cit. p. 70. 68 Segundo informaes do vigrio Antnio Jos Sampaio, pouco tempo depois a populao de Piracuruca teria aumentado para 7.315 pessoas, sem que, no entanto, sua estrutura urbanstica tenha sido consideravelmente alterada. Apud PEREIRA DA COSTA, Francisco A. Op. Cit. p.204. 69 SILVA F., Olavo Pereira da. Inventrio de proteo do acervo cultural do Piau IPAC/PI - Piracuruca. In Inventrio e Estudo de Proteo de Conjuntos Urbanos do Piau. Volume IV. Teresina: 1997 70 Em 1917 uma grande cheia no Rio Piracuruca destruiu parte das casas situadas prximas ao seu leito, representando uma grande perda para a cidade, pois por ser uma das mais antigas, esta rea abrigava vrias edificaes de importncia para a histria da cidade. Esta cheia assim descrita por Tote Machado: (...) durante os trinta anos que aqui resido, nunca tinha visto o rio com igual poro dgua; muitas casas caram (...).In: BITTENCOURT, Jureni Machado. Op. Cit. p. 144. Aps este episdio, Machado, ento Intendente Municipal, ordenou a construo da primeira barragem para represar as guas do Rio Piracuruca, concluda em 1924.

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  • N

    Fig. 21 - Ampliao de trecho da rea central de Piracuruca. Sem escala. Elaborado

    pela equipe tcnica da SR/IPHAN-PI.

    Legenda:

    Igreja de Nossa Senhora do Monte do Carmo

    Praa Irmos Dantas

    Primeiro parcelamento, a partir da praa em direo ao Rio Piracuruca.

    Segundo Parcelamento, condicionado pela implantao da Igreja.

    As primeiras expanses urbanas

    Aps a consolidao de seu arruamento inicial no entorno do largo da Igreja de Nossa Senhora do Carmo, Piracuruca manteve um crescimento lento, pautado principalmente na substituio das edificaes existentes. Somente a partir do fim sculo XVIII, empenhada em finalmente ser elevada vila, que a cidade d os primeiros passos no sentido de uma expanso urbana, cabendo a Pedro de Britto Passos o papel de urbanizador.71

    No intuito de atrair o maior nmero possvel de habitantes em Piracuruca, Passos decide, por conta prpria, comprar terras, construir casas, dividi-las em quintas e realizar a doao das mesmas aos novos habitantes. Ele foi

    71 Segundo Bittencourt, j morando na sede da Freguesia e sabendo de sua no elevao condio de vila, Pedro de Britto Passos deu o ponta-p inicial para seu crescimento populacional e urbanstico, tendo comprado terras e mandado erguer casas e dividi-las em quintas para atrair, dessa forma, novos habitantes para a futura vila. BITTENCOURT, Jureni Machado. Op. Cit. p.78.

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  • ainda o responsvel pela definio dos espaos destinados s demais praas da cidade, que configuram o atual Centro Histrico.

    Nesta rea predominavam lotes longos, com testadas para os lados opostos da quadra, e com as edificaes implantadas no alinhamento de uma das laterais do terreno e os fundos servindo como quintal. Este tipo de implantao gerava espaos de carter nobre, para os quais os edifcios eram voltados, praas ou ruas principais, e ruas dominadas por muros praticamente sem aberturas, secundrias, com carter local e de servio.72

    Em 1832, quando foi elevada condio de Vila, cerca de um sculo aps o incio da construo da Igreja de Nossa Senhora do Carmo e mais de setenta anos aps a edio da Carta Rgia de 1761, Piracuruca foi assim descrita pelo ento Presidente da Cmara Tenente-Coronel Gervsio de Britto Passos:

    Aspecto Geral

    Ao lado do leste o municpio composto de extensos carrascos prprios para creao do gado bovino.

    Ao oeste composto de vrzeas e bosques, e o mesmo se nota ao norte e sul.

    Topografia

    Esta vila situada a margem direita do rio Piracuruca, com extensa colina accidentada, que se estende de norte sul.

    Consta ella de trez largas ou praas e treze ruas com cento e tantas casas cobertas de telhas. A construo em geral slida e elegante, as ruas bem alinhadas, conservando-se sempre limpas ellas e as respectivas praas, as quais se acho arborisadas com a conveniente simetria. Todas as casas so trreas, notando-se, porm algumas mui elegantes, e contruidas pelo gosto moderno.

    Os edifcios pblicos so: A igreja matriz, slido e magestoso edifcio constituido no anno de 1743, por operarios europeus, vindos especialmente para esse fim. O edifcio construdo com pedra lavrada, tendo exterior e interiormente, no peristillo de entrada lindas collunatas de pedras com bonitos lavores. (...)73

    Estas trs praas, descritas por Britto Passos, so provavelmente as atuais praas Irmos Dantas, Santo Antnio e Getlio Vargas, todas situadas no entorno imediato da Igreja de Nossa Senhora do Carmo. A meno ao gosto moderno em relao s casas, provavelmente se refere s suas caractersticas arquitetnicas, que seguiam o disposto na Carta Rgia quanto

    72 Atualmente, com a valorizao das reas centrais, freqente o desmembramento destes lotes e a construo de uma segunda edificao aos fundos, voltada para a rua oposta, causando um adensamento populacional na regio do Centro Histrico. 73 Descrio que figurou na Exposio de Histria do Brasil de 2 de dezembro de 1881, enviada pelo Presidente da Cmara Tenente-Coronel Gervsio de Britto Passos. Cpia extrada do original, pertencente seo de manuscritos da Biblioteca Nacional do Rio de Janeiro pelo Dr. Hermnio de Moraes Britto Conde, e por este oferecida, em 13 de maio de 1931, ao Archivo Publico e Biblioteca do Piauhy.

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  • implantao em linha reta e no alinhamento do lote, adotando assim caractersticas nitidamente urbanas.

    At por volta do final da dcada de 1830, antes de sua elevao Vila, a rea urbana de Piracuruca se mantinha praticamente restrita aos seguintes limites: ao sul, o Rio Piracuruca, visto inclusive como um divisor de classes sociais, pois durante muito tempo rejeitava-se a idia de urbanizar a outra margem, ocupada por uma populao de classe baixa74; ao norte e ao oeste, as terras mais altas, que durante dcadas pertenceram s terras da Santa75; e a leste, regies baixas por onde corriam dois riachos afluentes do Rio Piracuruca, regies alagadias que formavam barreiras naturais contra a expanso nesta direo.

    Em 1833, a paisagem da recm-criada vila j aponta os primeiros vetores de expanso urbana, em virtude do crescimento populacional e pela sua prpria condio poltico-administrativa, aps a elevao.

    Um destes vetores foi a antiga Rua da Goela, atual Rua Joo Martiniano, que ligava a Igreja de Nossa Senhora do Carmo ao Cemitrio Pblico Campo da Saudade76, construdo em 1856, na poca fora dos limites da cidade. Com a transferncia de restos mortais dos sepultados do interior da Igreja para o cemitrio, criou-se um novo espao de devoo junto populao que direcionou a expanso urbana neste sentido.

    74 At a dcada de 80 do sculo XX, o Bairro Guarani era referido apenas como o outro lado do rio. 75 Sobre a questo da Santa, ver captulo A Igreja de Nossa Senhora do Carmo 76 O cemitrio foi construdo por iniciativa da Confraria de Nossa Senhora do Carmo, existente desde 1784. Foi utilizado durante dcadas, at ser desativado em meados do sculo XX, por excedente de lotao. A construo do cemitrio Campo da Saudade representou uma mudana de costume para a poca, pois at aquele momento enterravam-se os mortos dentro da Igreja de Nossa Senhora do Carmo. A posio social definia o local que o morto seria sepultado: quanto mais perto do altar, maior era o preo a ser pago pelo enterro. Entretanto, em Piracuruca, os sepultamentos no interior da Igreja do Carmo continuaram ainda a ocorrer, ocasionalmente, at 1858. Outro local onde se fazia os sepultamentos era o Cemitrio Cruz das Almas, do outro lado do Rio Piracuruca atual Bairro Guarani onde foram feitos sepultamentos at 1870.

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  • Fig. 22- Rua Joo Martiniano, que parte da frente da Igreja de Nossa Senhora do

    Monte do Carmo, ao fundo da foto, e segue at a entrada do Cemitrio. Acervo Anna Finger, maio de 2008.

    Fig. 23 - Rua Joo Martiniano, com o fundo mostrando a entrada do Cemitrio, cujo portal situa-se no ponto focal do logradouro. Na foto observa-se ainda o edifcio do

    Sindicato Rural Patronal (Rua Coronel Joaquim Onofre de Cerqueira, n 365), includo na proposta de tombamento por sua importncia paisagstica, pois emoldura

    a perspectiva da rua a partir da Igreja. Acervo Anna Finger, maio de 2008.

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  • Fig 24 - Entrada do cemitrio Campo da Saudade. Acervo SR/IPHAN-PI, 2006.

    Apenas no final do sculo XIX, com o incio da explorao da Carnaba e quando a cidade entra em um segundo momento de prosperidade econmica, que esta expanso se intensifica. Ento, podem ser identificadas reas com caractersticas morfolgicas distintas das quadras mais antigas, situadas no entorno imediato da Igreja de Nossa Senhora do Carmo, em relao ao macro e micro parcelamento.

    Tambm neste momento se intensificaram as substituies das edificaes coloniais no entorno da Praa Irmos Dantas por edificaes eclticas, com implantao diferenciada, ou a ecletizao das fachadas com a insero de elementos como platibanda, pilastras, pinculos, entre outros, o que modificou consideravelmente o aspecto da rea.

    Em 1889, quando foi elevada categoria de cidade, a cidade assim descrita por Ansio Brito: Piracuruca h muito merecia esta honraria [...]. Pois nenhuma cidade a ela se iguala em beleza, em boa escolha do local, em limpeza de suas ruas rigorosamente alinhadas e lindas praas. 77

    As dificuldades advindas da seca que assolou a cidade nos anos de 1905 e 1907 no estagnaram seu desenvolvimento urbano. Por volta de 1909, j existiam em Piracuruca passeios pavimentados, numerao de imveis, a delimitao do grande largo defronte Igreja de Nossa Senhora do Carmo, alm de uma ponte sobre o Rio Piracuruca78, que facilitou o acesso sua margem esquerda e impulsionou a ocupao desta regio.

    77 BRITTO, Maria do Carmo Fortes de. Op. Cit. p. 164. 78 Construda em 1905 pelo Intendente de Piracuruca, Pedro Melquades de Morais Britto. Anos mais tarde, no governo de Adelino Fortes de Melo, foi descaracterizada, tendo sido suas pilastras elevadas para receber um reforo em concreto para elevao do vo.

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  • Fig 25 e 26 Duas imagens da Ponte Velha em sua configurao original. Fontes: Acervo Maria do Carmo Fortes de Britto. Sem data, e SILVA F., Olavo Pereira da. Carnaba, Pedra e Barro na Capitania de So Jos do Piauhy. Volume III Urbanismo. Belo Horizonte: Ed. do Autor, 2007.

    Fig. 27 - Ponte velha atualmente. Sobre os pilares em alvenaria de pedra foi

    acrescentada uma base em concreto, que elevou a altura da ponte. Acervo Anna Finger. Maio de 2008

    O sculo XX

    O ciclo da Carnaba substituiu o gado como atividade principal, mas no a suplantou de todo, continuando esta como atividade secundria. Mas, com a prosperidade oferecida pelo novo produto e o enriquecimento de parte da populao, a cidade entra em um novo perodo de crescimento.

    No incio do sculo XX, a cera de carnaba ganhou destaque no mercado nacional e internacional, e para facilitar o escoamento de sua produo foi construda uma estrada de ferro interligando as cidades do norte do Estado a Parnaba, de onde a produo era exportada79. A construo da Estao

    79 Ver volume A Ocupao do Piau durante os sculos XVIII e XIX, captulo A ferrovia no Piau.

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  • Ferroviria, em 1923, representou um novo marco referencial para Piracuruca, e de to ansiada sua inaugurao, em 19 de novembro, foi marcada com uma grande festa:

    Nas vsperas da inaugurao da estrada de ferro a cidade apresentava movimento nunca visto com o transito de milhares de pessoas, cada qual mais anciosa pelo alvorecer do dia 19 consagrado bandeira nacional e especialmente escolhido para o grandioso facto.

    Todos os municpios visinhos se apresentaram pela elite de sua gente. Parnahyba, Peripery, Campo Maior, Pedro Segundo, Batalha, Boa Esperana, Burity dos Lopes, Amarrao, Barras enviaram delegaes especiais, que confraternizaram com os piracuruquenses, na mais intensa vibrao de patriotismo.80

    O prdio da Estao foi implantado prximo ao Rio Piracuruca, relativamente afastado do centro da povoao. Seria de se esperar a formao de um novo vetor de expanso neste sentido, entretanto pelas caractersticas alagadias da rea entre a Praa Irmos Dantas e a Estao, cortada por dois crregos, a regio permanece at hoje com baixa densidade de ocupao.

    Fig. 28 Foto area com sobreposio da rea proposta para tombamento e

    entorno. Em destaque tambm a Estao Ferroviria e a Ponte Metlica. Acervo SR/IPHAN - PI

    80 Jornal O Piauhy, de 27 de novembro de 1923.

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  • O ciclo da carnaba no representou uma melhor distribuio do poder econmico entre as classes sociais, mas contribuiu consideravelmente para o desenvolvimento da infra-estrutura da cidade. Datam deste perodo diversas melhorias como a regularizao e o calamento das vias - a primeira regio calada da cidade foi a Praa Irmos Dantas, cuja obra data de 1942; a abertura de novas ruas para facilitar o trnsito dos primeiros automveis; a implantao de trs escolas pblicas e duas particulares81; a melhoria nas residncias e a instalao de mobilirio urbano.

    Fig. 29 Praa Irmos Dantas antes do calamento das vias, ocorrido em 1942.

    Fonte: Acervo Maria do Carmo Fontes Britto, sem data. Fig. 30 - Detalhe do Calamento em lajeado de pedra. Acervo SR/IPHAN-PI, junho

    de 2008.

    81 A principal delas era o Grupo Escolar Fernando Bacellar, atualmente chamada de Unidade Escolar Ansio Brito.

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  • Fig. 31 - Grupo Escolar Fernando Bacellar, atualmente chamada de Unidade Escolar Ansio Brito, construda em 1933. Acervo SR/IPHAN-PI, junho de 2008.

    Entre os anos de 1929 e 1932, por iniciativa do ento Intendente Municipal Lus de Britto Melo, neto de Pedro de Britto Passos, o antigo sistema de iluminao a gs, existente desde 1913, foi substitudo por um sistema de energia eltrica movido a gerador. O motor ingls era movido lenha e funcionou durante algum tempo no prdio da Antiga Intendncia, sendo depois transferido para um local prximo ao rio, onde funcionou por mais 30 anos. Atualmente, est em exposio na praa em frente a este edifcio, construdo na dcada de 40 e conhecido como Prdio da Antiga Usina, que abriga a Secretaria de Cultura do municpio.

    Fig. 32 e 33 - Prdio da Antiga Usina e o motor ingls, hoje exposto na Praa Jos

    Morais. Acervo SR/IPHAN-PI, junho de 2008.

    Os progressos alcanados nos anos de 20 e 30, contabilizados como auspiciosos, tambm se refletem na diversidade de produtos e artigos industriais que a cidade passou a consumir e nas novas idias e concepes que influenciaram a formao da elite governante composta, sobretudo, por proprietrios rurais e comerciantes. Estes passaram a construir suas casas segundo os costumes e moldes europeus copiados de revistas vindas do Rio de Janeiro, compondo assim uma paisagem urbana bastante diversificada:

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  • Nesse sentido, a valorizao atingida pela produo carnaubeira, ao permitir um fluxo novo e inesperado de capitais, possibilitou cidade, tanto pela ao do poder pblico, quanto os indivduos assim considerados, a instalao, no seu espao, de toda uma simbologia modernizadora, realizando-se, com isso, um certo desejo dos sujeitos, que assim agiam, de transformar o seu espao urbano em um ambiente familiar ao mundo, adequando-se a uma proposta de progresso e de urbanizao que se exprimia atravs de obras pblicas, como novas ruas, praas, avenidas, iluminao eltrica e outras, alm de tudo, aquilo que, adquirido por particulares, expressava tambm o sentido do progresso: automveis, bicicletas, vitrolas, motocicletas, e outros.82

    Segundo Bittencourt83, pelo livro de publicao da lei oramentria do Municpio, de 1927, tambm existiam na cidade diversos estabelecimentos que denotavam uma prosperidade comercial como em poucas cidades do Piau: escritrios de exportao; advogados; companhias de seguro; boticas; bancas de