CIDADE SONORA: cidade de fusão, música de encontros

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CIDADE DE FUSÃO :: MÚSICA DE ENCONTROS 28 ARTISTAS DA NOVA MÚSICA BRASILEIRA Invisíveis Produções

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Com participações de ELLEN OLÉRIA, BNEGÃO, EMICIDA, RAEL DA RIMA, ROMULO FRÓES entre outros. 28 artistas da nova música brasileira habitam a Cidade Sonora. Uma outra cidade possível: colaborativa, independente, transformada.

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CIDADE DE FUSÃO :: MÚSICA DE ENCONTROS28 ARTISTAS DA NOVA MÚSICA BRASILEIRA

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Realização:Apoio:Este projeto foi selecionado pelaFundação Nacional de Artes – Funarteno Edital de Ocupação da Sala Funarte Guiomar Novaes 2012.

ALÁFIA :: ANELIS ASSUMPÇÃO :: ARÍCIA MESS :: BANDA HAMLET:: BANDA MIRIM :: BARBATUQUES :: BIXIGA70 :: BNEGÃO &SELETORES DE FREQUÊNCIA :: ELLEN OLÉRIA :: ELO DACORRENTE :: EMICIDA :: FLÁVIO RENEGADO :: FLORA MATOS ::GUILHERMOSO WILD CHICKEN :: KAROL CONKA :: KL JAY :: LINOKRIZZ :: M.TAKARA :: NERVOSO :: ORQUESTRA DE BERIMBAUSDO MORRO DO QUEROSENE :: PASSO TORTO :: PIPO PEGORARO:: RAEL DA RIMA :: ROMULO FRÓES :: ROBERTA ESTRELA DʼALVA:: SIBA :: WADO :: XIS

28 artistas da nova música brasileira habitam a CidadeSonora. A cidade fala. As esquinas convergem. O somcaminha transversal, assimétrico, urbano, sem gêne-ros. A cidade é uma síntese poética aditiva, nunca sereduz, sempre se amplia. Cada músico traz os sonsque o habitam. Cidade Sonora é uma outra cidadepossível: colaborativa, independente, transformada.

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www.cidadesonora.com.br

ClassificaçãoLivre

Ingressos:R$10,00

(inteira)eR$

5,00(m

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idosose

estudantes)Venda

nabilheteria

com1

horade

antecedência.Entradagratuita

parabate-papos.

SalaFunarte

GuiomarNovaes

–Alameda

Nothmann,1058

–Cam

posElíseos

Telefone:(11)3662-5177

FESTIVAL::2012

28SHOW

SDA

NOVAM

ÚSICABRASILEIRA

IngressosR$10, 00

R$5, 00meia

transmissão

aovivo

rádioon-line

doM

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Querosene

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CIDADE DE FUSÃO :: MÚSICA DE ENCONTROS

Funarte apresenta

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orquestraslúdica urbana

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pop ampliadoafrodiáspora

ALÁFIA :: ANELIS ASSUMPÇÃO :: ARÍCIA MESS :: BANDA HAMLET :: BANDA MIRIM :: BARBATUQUES :: BIXIGA70:: BNEGÃO & SELETORES DE FREQUÊNCIA :: ELLEN OLÉRIA :: ELO DA CORRENTE :: EMICIDA :: FLÁVIORENEGADO :: FLORA MATOS :: GUILHERMOSO WILD CHICKEN :: KAROL CONKA :: KL JAY :: LINO KRIZZ ::M.TAKARA :: NERVOSO :: ORQUESTRA DE BERIMBAUS DO MORRO DO QUEROSENE :: PASSO TORTO :: PIPOPEGORARO :: RAEL DA RIMA :: ROMULO FRÓES :: ROBERTA ESTRELA DʼALVA :: SIBA :: WADO :: XIS

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Livro CIDADE SONORARealização Invisíveis Produções Coordenação Daniel Lima Concepção DanielLima, Eugênio Lima, Belma Ikeda e Élida Lima Curadoria e Entrevistas EugênioLima Projeto Gráfico Daniel Lima Edição de Texto Élida Lima TranscriçãoFábio Abramo Revisão Duda Costa Ilustração Líbero Malavoglia Direção deProdução Belma Ikeda Produção Sol Macineli

CopyleftCopyleft é uma forma de proteção dos direitos autorais que tem como objetivoprevenir que não sejam colocadas barreiras à utilização, difusão e modificaçãode uma obra criativa. É livre a reprodução para fins não comerciais, desde queo autor e a fonte sejam citados e esta nota seja incluída.

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O que é na sua concepção uma Cidade Sonora?

Para mim, a Cidade Sonora é uma cidade cujo ruído, cujo som pulsa deuma maneira que a gente consiga perceber ritmicamente,musicalmente. Eu não penso em produção musical, penso numamúsica que é feita nessa cidade para além do próprio ruído da música.

Qual é a relação da música do Aláfia com a cidade ou com ascidades que você já conheceu, que você dá um rolê, o lugar quevocê mora, as cidades que habitam em você?

Essa pergunta é recorrente até, porque quando as pessoas procuramdefinir o nosso som, eu penso muito na questão da tradição. E essasinfluências, essas referências diversas que a gente tem, nãoconseguem chegar nem perto da tradição. Quando alguém fala degênero, eu sempre penso na tradição como algo que vem meio quenaturalmente de algum tipo de comunidade, algum tipo de agrupamentode gente. E eu sempre estive muito cercado de diversas influências e,nesse caldeirão, a cidade. O som do Aláfia se identifica muito com a

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Inventando uma cidade

Ao propor a ocupação da Sala Funarte Guiomar Novaes, em São Paulo, com alguns dos principais expoentes da nova músicabrasileira, criamos mais do que um festival com 28 shows, criamos uma cidade.

Para inventar essa cidade, foram necessárias 28 vozes mergulhadasnas intensidades de seu tempo e atentas às linguagens que encontramà sua volta. Imaginamos uma Cidade Sonora independente,colaborativa, criadora, transformada. Imaginamos uma música semgêneros, feita de encontros, vinda de muitos lugares. O que é uma Cidade Sonora senão o que essas 28 vozes estão fazendo e dizendo?

Ao propor uma cidade, o que estamos propondo é menos ummapeamento da cena musical brasileira e mais uma cartografia. A cartografia, diferente do mapa, é um desenho subjetivo,sentimental, sensível, que se move à medida que nosmovimentamos. Uma cartografia que acompanha a formação de mundos.

A nova música brasileira

Onde circula a nova música brasileira? Os artistas que estãoproduzindo hoje, como produzem, como divulgam, como distribuem?É possível constatar que a indústria cultural não conduz mais esseprocesso. Na cena musical em que vivemos, o artista empodera-sede sua produção, está mais livre para construir sua trajetória e,consequentemente, uma relação mais ética com seu público. Ética porque se estrutura organicamente, em relações vivas com um público cada vez mais singular. Resumindo: a nova músicabrasileira tem cada vez mais autonomia.

No caso da produção, os custos para gravação foram reduzidos de maneira drástica nas últimas décadas, por conta do desenvolvimentotecnológico que ampliou vertiginosamente o número de pequenasgravadoras, já que é possível captar, mixar e reproduzir usandocomputadores pessoais.

No âmbito da divulgação e distribuição, a internet permite hoje uma alta circulação para a música independente. O público não consomeem rede apenas por estar conectado, mas também porque encontra ali a identificação que não encontra na produção musical da indústriacultural. Atitude de quem vive e produz como cada um de nós. Os nósdesta rede. Forma-se um território cultural comum em detrimento datrajetória individual artística. Propaga-se uma noção de contaminação.

apresentação

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afro-brasileira como fonte de inspiração, bússola e prumo. O passado como fonte de uma história coletiva. Um passado que pede tributos. Novas estratégias para representar as relaçõessocioculturais deste país de herança escravocrata. Um gritopolifônico, que une as canções de trabalho, os lamentosiorubanos, os tambores do jongo, a poesia bruta e libertária dos depoimentos, o silêncio da construção plástica, o som dastorcidas de futebol e os ritmos afrobeat, hip-hop, spoken word,soul, reggae e samba.

Canção ampliadaManifestações que nascem da construção tradicional da canção e apresentam uma nova cara da MPB. Criação musical que traznovas sonoridades urbanas; um manifesto sonoro que expressa a multiplicidade e transversalidade do mundo contemporâneo.Uma voz que busca reverberação na herança musical brasileira.

Música lúdica urbanaPesquisa sonora que estabelece trânsito com elementos lúdicos,como o teatro e a performance. Uma música que transforma ouniverso das cantigas e histórias para criar uma “mitologia” urbana.

Orquestras sem maestroOrquestras e big bands sem maestro. Releituras complexas dorepertório mundial da música. Coletivos musicais que funcionamde maneira horizontal.

Todos os artistas da Cidade Sonora têm página na internet, ondedisponibilizam suas músicas para ouvir e, muitos deles, também parabaixar gratuitamente. Numa nova lógica comercial, a nova músicabrasileira investe no espalhamento para o encontro de redes onde é redistribuída em progressões geométricas não quantificáveis.Nova música brasileira não diz respeito à jovialidade dos artistas,mas, principalmente, a uma proposta musical inventiva para o futuroda música, arrojada desde a composição até a maneira de chegar ao público.

A nova música brasileira é digital, é em rede, é viral, não é mainstream, é cosmopolita, aponta para o futuro, é investigativa, é propositiva, é baseada em relações afetivas, tem memória musicale é naturalmente transnacional.

Novas expressões

A nova música brasileira é nova não apenas na maneira de produzir,divulgar e distribuir, mas também na sonoridade. Nascida em momentoposterior às grandes rupturas propostas pelo hip-hop e pela músicaeletrônica que abandonavam, entre outras coisas, o formato canção,a nova música brasileira busca uma negociação com influênciasabertas e múltiplas. Pequenas alterações, roupagens diversas e arranjos inesperados compõem a dinâmica dessas novas expressões.

O curador Eugênio Lima cartografou essas expressões da novamúsica brasileira e as apresenta menos como categorias e maiscomo forças que ajudaram a desenhar as ruas que compõem essa cidade.

AfrodiásporaFusão musical da tradição das influências afro-americanas,passando do samba ao hip-hop. O legado da música

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por Eugênio Lima

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O que é, na sua concepção, uma Cidade Sonora?

A Cidade Sonora é uma cidade cujo ruído, cujo som, pulsa de umamaneira que a gente consiga perceber ritmicamente, musicalmente.Não penso em produção musical, penso numa música que é feita nessacidade para além do próprio ruído.

Qual a relação da música do Aláfia com a cidade ou com as cidades que você já conheceu, em que você dá um rolê, o lugar que você mora, as cidades que habitam em você?

Essa pergunta é recorrente até, porque quando as pessoas procuramdefinir o nosso som eu penso muito na questão da tradição. E essas influências, essas referências diversas que a gente tem, não conseguem chegar nem perto da tradição. Quando alguém fala de gênero, sempre penso na tradição como algo que vem meio quenaturalmente de algum tipo de comunidade, algum tipo de agrupamentode gente. Eu sempre estive muito cercado de diversas influências e,nesse caldeirão, a cidade. O som do Aláfia se identifica muito com

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ouçatnb.art.br/rede/alafia

por Eduardo Brechó

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simplesmente como uma coisa natural. Porque, olhando de fora, ela é só um fantasma, um fetiche, e não é isso o que eu quero. Quero limpar a nossa relação. É mais ou menos isso.

E a música ainda serve para expressar tudo isso?

Eu acho que serve, sinceramente. O espetáculo, o show, comunica poroutras vias, mas a música é a mais completa. Porque está hoje inseridaem códigos, numa linguagem que foi temperada e é reconhecida pelosouvidos. É colocar o meu sentimento dentro de algumas fórmulas de sustentação que já estão pautadas no dia a dia, e as pessoasreconhecem. Tenho muito apreço pela palavra também, é umapossibilidade muito louca conseguir colocar o som da palavra e o sentido da palavra juntos, isso me encanta demais, em termos decanção, em fazer música usando palavras, isso é demais. Fazer músicausando palavras é um sonho, toda vez que eu faço uma canção é umsonho, porque a palavra é uma coisa tão banal, e tê-la servindo umacanção e se transformando musicalmente é um barato, é um grandebarato. Acho que o grande barato da música é poder fazer canção.

Maravilha. Você gostaria de acrescentar mais alguma coisa?

Eu vou dizer que nós vamos preparar um espetáculo especial para esse dia, direcionado para a Sala Guiomar Novaes, que é um lugar que eu sempre, desde criança, tenho na minha cabeça como um palcoiluminado, em todos os sentidos. A gente ficou muito feliz e vai prepararuma coisa muito especial. Essa sala, na minha cabeça, representamuito o tipo de som que a gente está fazendo, e é um passo importantepara nós. Não sei por que, mas tem uma mística para todos nós.Quando converso com os caras da banda, todo mundo pensa que vaifazer um show que vai ser muito significativo, para nós principalmente.

a cidade porque não consegue se reconhecer como um gênero.Percebo que o Aláfia tem uma ligação muito forte com alguns tipos detradições, de gêneros, mas não consigo me identificar exatamente comum tipo de som. Isso eu percebo muito na cidade de São Paulo, que é uma cidade que não tem como a gente conseguir definir a que elapertence, a quem ela pertence e quem pertence a ela. O Aláfia é umabanda de imigrantes, muita gente que não nasceu em São Paulo, e temos essas diversas influências. Pessoas voltadas para esseinteresse concêntrico, da periferia para o centro, com os olhos voltadospara esse centro, mas que musicalmente são excêntricos, que voltamos ouvidos para lugares muito distantes daquele em que a gente vive.

Diante desses olhos voltados para algo muito distante, como vocêentende no som do Aláfia a questão da diáspora negra?

Uma das músicas do Aláfia que é mais representativa chama “Mulherda Costa”. A tese dessa música é de que a África é teórica, porque o que a gente vê de África não condiz com a realidade, é uma fantasia,a áfrica é um fantasma, é fantasmagórica. A diáspora em mim soa comouma coisa latente, pulsante, mas que eu não consigo reconhecer de fato, porque todas as coisas que me foram apresentadas como“diaspóricas”, como frutos da diáspora, estão mais no campo da superfície do que no campo da profundidade. E tenho certeza de que a diáspora me influencia muito mais profundamente do quesuperficialmente. Eu sinto um outro pulso, uma outra coisa sanguínea,de ancestralidade, que não consigo colocar em palavras. Eu espero, eu rezo muito africanamente para que a minha influência da África sejaespiritual, ancestral, e não estética. A parte estética e política é como a gente vai dizer aquilo que está sentindo de fato, profundamente. Não quero levar a África para um lugar dentro de mim que seja a alegriaou a dor, quero que seja um pulso espiritual, que eu consiga sentir a ancestralidade, e não, simplesmente, o lado de fora do meu corpo.Quero entender o dançar em roda sem pensar no porquê,

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O que é uma Cidade Sonora pra você?

Acho que uma Cidade Sonora é uma cidade em que a gente consegueouvir com os ouvidos educados todos os sons que ela pode oferecer.São Paulo é uma cidade sonora, mas, na maioria das vezes, se oouvido não é educado, é uma cidade ruído. Acho que todas as cidadessão sonoras, seja com mais gente, menos gente, mais passarinho, maiscarros. A música está em tudo, o tempo inteiro. Mas acho fundamentaluma Cidade Sonora de silêncio, só não sei se isso é possível.

Como é a relação da sua música com as cidades?

Ah, a minha música... Acho que talvez a minha música reflita esse meulado paulistano. Aqui em São Paulo, a catarse acontece, tudo passa poraqui, vem para cá, se prolifera aqui, cresce aqui, musicalmente,teatralmente, literalmente. Tudo tem uma grande força quando passapor São Paulo. Não que em outras cidades não seja assim, mas São Paulo faz o mundo ver. Então a minha relação com as outras

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scubidu.bandcamp.com/album/sou-suspeita-estou-sujeita-n-o-sou-santaouça

baixeanelis.com.br

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cidades é de muito respeito, porque a gente aqui em São Paulo temesse facilitador. Mas também é difícil, é tanta coisa, é tanta gente, que as pessoas já não conseguem ter delicadeza para cultivar. Agora mesmo, há poucas semanas, fiz um show em Garanhuns, no agreste pernambucano, e foi inacreditável. As pessoas cantavam as minhas músicas, eu nunca ia imaginar isso. Na semana anterior, fiz um show aqui em São Paulo e foi incrível, mas faltou isso queaconteceu em Garanhuns, que é a sensação de entrar no palco: “Que beleza, tá tudo certo...”

E, dentro dessa magnitude que é o Brasil, você acha que ainda faz sentido falar de uma música brasileira? Isso faz sentido para a sua música?

Essa classificação MPB é superdatada. Um exemplo é quando falamassim: “O que você canta, como é a sua música? É MPB. Ah, é tipoIvan Lins?” Ficou uma coisa super anos 80/90. E parece que popular é só o que toca na novela. O artista independente hoje pode serinteiramente popular. Eu acho que a coisa da MPB estava muito dentroda história de gravadora, elas tinham que ter essa classificação. Lembrode uma amiga que tinha um irmão mais velho, e ela falava: “O meuirmão vai num barzinho que toca MPB”. E completava: “Por que o seupai [Itamar Assumpção] não faz um show lá?” E eu pensava, realmente:por que o meu pai não é MPB? Fiquei meio traumatizada com essahistória de MPB, porque, de fato, o meu pai acabou ficando realmentedo lado de fora disso. Mas era um artista extremamente popular.

A geração de vocês tem trânsito com uma musicalidade fronteiriça,ela é mais fácil de explicar. Hoje é mais fácil explicar para alguémque o Sepultura é música brasileira. Nos anos 80, era um poucomais complicada essa ideia de trânsito.

Eu acho uma pena muito grande, que hoje, em 2012, exista uma rádio

FM, praticamente a única que toca música brasileira, que tenha o slogan que diz que é “a nova música brasileira”, mas com umrepertório tão amarrado e datado. Parece que a gente não existe. É muito louco, ainda mais isso vindo do rádio. É perigoso, porque agente só chega a quem está muito a fim de ir atrás do artista. A gentetem sorte porque hoje tem a internet, mas o cerco continua fechado.

Acho que temos muito a caminhar, mas me surpreendepositivamente quando você vai para o agreste de Pernambuco,onde nasceu o Luiz Inácio, e encontra um público que conhece o seu trabalho, mesmo o disco tendo sido gravado fora de umamajor, sem um trabalho massivo dentro da popularização da rádio.

Pois é, isso não tem preço, é algo incrível...

Sim, é simplesmente incrível, porque mostra que a sua músicacomunica com um grupo de pessoas como se fosse um encontro.Eu gosto de pensar na ideia dos 50 mil manos, gosto dessa ideiade que a música vai ao encontro. Ela encontra tribos, ou clãs ou pessoas ou grupos dos quais ela faz parte. Acho que essasexperiências eram mais esparsas há dez, quinze anos atrás.

Hoje está, realmente, muito melhor, e eu consigo reconhecer isso e verque faço parte da geração que teve esse facilitador que é a internet, queleva a minha música para onde quer que eu vá. Eu não dependo maisda distribuição, não preciso nem fazer disco se eu quiser. E fiquei bobade ver, porque, quando você faz um show lá em Garanhuns e vê aspessoas cantando, você sai da virtualidade. Uma coisa são as pessoascomentando no seu Facebook: “Eu sou aqui de Natal e a gente adora o seu som, quando é que você vem?” ou “Eu sou de Belém, ouço umamúsica sua aqui numa rádio.” Você está ali dentro da virtualidade. Mas quando você vai para um espaço físico e encontra essas pessoas,e vê que elas existem e que aquilo é real, aí é muito gostoso.

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O que é uma Cidade Sonora pra você?

Uma Cidade Sonora é uma cidade de que a gente possa ouvir umbom som. E que também possa ser silenciosa. Pronto, vou ser bemcontraditória.

Diante dessa cidade, que é musical, qual a relação da suamúsica com as cidades em que você viveu, que você habita, que você conhece?

A vontade da música é ser de todo lugar. Minha música não estáfixada como carioca. Eu me sinto superpaulista hoje em dia. E sintotambém que posso sair daqui e ir para outro lugar. Por enquanto,estou por aqui, mas sinto vontade de falar a língua de mais lugares.Pela música, a gente fala inclusive sem saber a língua. Não pretendofazer muito a carioca nem muito a paulista, acho chato isso também.Se a música transcende o lugar, eu também pretendo transcender.Que a música pelo menos me ajude a transcender os lugares.

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Page 19: CIDADE SONORA: cidade de fusão, música de encontros

A música, a musicalidade, a sonoridade acabam tomando umespaço muito grande da atividade de um artista, mas como lidarcom a relação entre os produtores e as pessoas que queremouvir música, num sistema muito diferente, por exemplo, dosanos 1980, com a transformação de toda a indústria fonográfica?

Sinto que a gente está diante de uma grande mudança de sistema.Vou procurando me achar dentro dessa mudança e mudar junto comas coisas. Eu vivi os anos 1980, vivi os 1990 e estou vivendo os 2010. O mercado da música está querendo a mudança, a gentenão sabe bem para onde vai, vamos descobrindo juntos. Acho que a gente deve ser mais generoso nessa mudança para não ficarrepetindo o padrão velho que não está mais funcionando.

Você acha que a música ainda dá conta, ainda serve paraexpressar todas essas inquietudes?

Ela existe para isso. A gente tem que ver como usar esse meio, masa música vai ser sempre um meio. Acho que é o momento de não termedo de ser diferente. A indústria geralmente está procurando coisasque se repetem, fórmulas de sucesso. Acho que a função do artistahoje é se diferenciar, é não copiar, é procurar ser quem é. Sem medode ser rejeitado, assumir a diferença. Singularidade, são momentosde procurar ser singular. Acho esse um caminho interessante, pelomenos é o caminho que eu vou buscar na minha vida. É difícil, temum preço, mas é confortável estar dentro de si mesmo. É um caminho, cada um tem o seu.

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Page 20: CIDADE SONORA: cidade de fusão, música de encontros

O que seria uma Cidade Sonora?

Se fosse pensar numa Cidade Sonora, eu pensaria até que pontotoda a minha experiência, toda a minha história musical, toda a minha história sonora pode cruzar com a do outro e encontrar, na diferença do outro, um lugar de produtividade, de trabalho, de criação. Cidade Sonora é um caos que se organiza para geraroutra coisa.

A Banda Hamlet é formada por pessoas oriundas de coletivosde teatro. Eu penso na Banda Hamlet como um teatro pós-punk,com uma proposição do fazer você mesmo muito clara, uma proposição de que a história contada de maneira coletivanão se situa diante do virtuosismo. A proposição coletiva é a essência de fazer. Nisso ela tem trânsito com outraslinguagens.

Acho demais a visão do indivíduo dentro do seu coletivoemprestando-se para outro coletivo a fim de sacar qual

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BBaannddaa HHaammlleett

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por Danilo Grangeia

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Page 21: CIDADE SONORA: cidade de fusão, música de encontros

só confrontar essa realidade construída, ou mal sugerida na minhahistória, com o outro, mas a partir do Hamlet, encontrar um eixo decomunicação. A música, apesar da loucura dela, da subjetividadedela, é concisa e, quando a gente dialoga com o Hamlet, comoponto de partida ou como uma referência, ela vai na essência. Um simples gesto que é musical já resolveu toda a cena. Se a gentevai encenar a morte da Ofélia, por exemplo, a própria circunstânciade se ver tentando, numa situação muito simples, cantar umamúsica e não conseguindo já é o extrato daquilo que a peça diz.Então a música entra como uma revelação total, ela revelatotalmente o que as palavras do próprio Shakespeare não revelam.

a possibilidade sonora, musical, disso. Esse trânsito de um coletivoa outro não é exatamente uma condição, mas uma forma de ver, de criar, de trabalhar, de organizar.

A música é um meio por excelência desse coletivo?

A música é um lugar que vai direto. Se pensar no hall de todas as artes, a música é um lugar que movimenta espontaneamente o esqueleto. É onde está o desejo, aquele desejo, às vezesescondido, de expressar a sua infância, a sua juventude, a suahistória. A música presentifica esse lugar. A opção da banda é não

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BBaannddaa MMiirriimm

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Page 22: CIDADE SONORA: cidade de fusão, música de encontros

O que é a Cidade Sonora pra você?

Se levarmos em consideração que uma cidade é organizada emmovimentos e vontades, regidos por uma lei de convivência, talvezpossamos fazer um paralelo com um movimento sonoro, nãonecessariamente uma música, mas um som também regido poralgumas leis e uma certa organização ética. Uma organização de váriossons, de vários timbres, de várias sonoridades, para criar uma música.Uma música não só no sentido melódico, mas também no sentido deuma junção desses sons, um encadeamento de sons.

A banda é um trânsito entre a construção teatral e a ideia de umabanda. Mas não é um coletivo de teatro, é uma banda, tanto é que“banda” está no nome, no DNA do grupo. Como é a relação dessetrânsito entre a Banda Mirim, o teatro, a música, os diversosagentes?

A banda fica na fronteira entre essas manifestações. Nesse momento, a gente está tendo a oportunidade de vivenciar isso. Está sendo

CCoolleettiivvoo ddee ttaalleennttoossooss aarrttiissttaass,, eennttrree aattoorreess,,mmúússiiccooss,, ccaannttoorreess ee aarrttiissttaass cciirrcceennsseess,,

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por Marcelo Romagnoli

ouçamyspace.com/bandamirimbandamirim.com.br visite

Page 23: CIDADE SONORA: cidade de fusão, música de encontros

sensacional, por exemplo, fazer oficina de teatro, oficina de música,trocar essas figurinhas, porque a banda se fundamentou na música, ela aconteceu da vontade de fazer um show. Logo no primeiroespetáculo, o show já virou um musical, não era mais “vamos cantaressas músicas”, já virou um espetáculo, misturando teatro. Isso foi acontecendo cada vez mais forte nos outros espetáculos.

Tanto em Felizardo quanto em Radioshow existe a ideia de umaproposição narrativa, uma história que está sendo contada. Já as musicalidades passeiam entre as manifestações tradicionaise um escopo mais pop, no sentido de que existem diversaslinguagens. São várias relações que a banda estabelece com esseuniverso musical. Como você vê isso?

Em Felizardo e Radioshow, a dramaturgia está como apoio para a apresentação dessas músicas. Nas outras apresentações, existe umahistória, e a música está contando essa história também. Mas nessesdois espetáculos a história acontece em função da música. Radioshowé uma pesquisa do rádio, da audição, da radionovela. Enquanto estátodo mundo com 3D, 4D, 5D, a gente vai apresentar um espetáculo 1D,que é só audição, que é representar com audição. O som extrapola a música, a pesquisa vai ser sonora, não vai ser só musical. O queestamos tentando é fazer do próprio show uma música, quebrar a coisada melodia. Como esses efeitos e defeitos sonoros podem contar umaimagem? É como se a gente pusesse óculos vedadores nas pessoasque, ao contrário dos óculos 3D, não permitem enxergar nada, só escutar. Esse trânsito entre a música e o teatro acontece de um jeitodiferente em cada peça. Agora a gente está sofisticando essa pesquisa,saindo do campo somente melódico para ir, digamos, ao campo sonoro.

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Page 24: CIDADE SONORA: cidade de fusão, música de encontros

O que é Cidade Sonora pra você?

Cidade Sonora é uma cidade repleta de sons. O ouvinte, muitasvezes, divide-se entre contemplar os sons ou se proteger deles. São Paulo, por exemplo, tem muito ruído, muita brincadeira. Às vezes, a gente quer um pouco de silêncio, mas não consegue. A gente consegue curtir um pouco os sons urbanos.

Qual a relação da música do Barbatuques com as cidades, ou com a cidade?

Cada cidade tem os seus sons e as suas tradições. As pessoas são fundamentais na construção da identidade sonora das cidades.Quando a gente viaja, tem contato com as manifestações do lugar,com a dança, com a fonética, com o tipo de música específica feitanaquele lugar. Estivemos recentemente em Natal, fazendo oficinas de improvisação, e lá, um elemento que aparece muito é a natureza,o elemento indígena, a identificação com os animais. Quandoestivemos na África do Sul, aparecia a dança tradicional de

EE ssee oo rruuííddoo ddoo vveennttoo ssaaííssssee ppeellaa ssuuaabbooccaa?? SSee oo bbaarruullhhoo ddaa cchhuuvvaa vviibbrraassssee nnaassssuuaass mmããooss?? EE ssee ttooddooss ooss ssoonnss ddoo mmuunnddoo,,

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iinnvveennttiivvaa ee úúnniiccaa qquuee bbrriinnccaa ccoomm oo ccoorrppooddaa ccaabbeeççaa aaooss ppééss.. OO ttrraabbaallhhoo ddeessppeerrttaa aa

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bbrraassiilleeiirraa,, ccoomm ccaannççõõeess iinnééddiittaass ee oouuttrraassqquuee ffaazzeemm ppaarrttee ddoo uunniivveerrssoo ddaa ccuullttuurraa

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BBaarrbbaattuuqquueess

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por Fernando Barba

ouçasoundcloud.com/bbtqsbarbatuques.com.br visite

Page 25: CIDADE SONORA: cidade de fusão, música de encontros

mineradores de carvão, com percussão nas botas. Aparecem esseselementos de identidade, que são a construção sonora da cidade.

Mas a cidade como matéria sonora é uma estrutura recorrente?

Talvez o Barbatuques esteja mais ligado na musicalidade do ser humano, nas

manifestações do indivíduo e docoletivo. Acabamos de fazer um CDinfantil, que se chama Tum Pá. A faixa “Escutando o som” estimula a criança a começar a escutar ossons do mundo, que estão ao redordela. Imitamos, com o corpo humano,

o som da ambulância, do trânsito, do carro, da máquina, dos animais,

do vento. Nesse trabalho, têm aparecidomuitos sons urbanos como paisagem

sonora, como elemento de fundo.

Você acha que a música serve pra expressar essas interaçõesentre indivíduo, mundo, ecossistema, musicalidades diversas,essa ecologia sonora?

Música é fundamental, porque pode carregar um significado, fazer umsentido no meio desse caos. Às vezes, a gente consegue estar abertoao som para encontrar um sentido na melodia. Uma vez, eu e unsamigos estávamos tentando sair de um engarrafamento noestacionamento de um shopping. As pessoas começaram a buzinar e, no meio daquele barulho infernal, nós começamos a buzinar comritmo, tentando propor uma brincadeira. Algumas pessoascomeçaram a responder dentro do ritmo, outras ficaram mais bravase buzinaram mais alto, mas, naquele momento, a gente conseguiu

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suportar aquela situação porque atransformou em música, transformouem show, porque só o ruído estavainsuportável. Qualquer sonoridadepode ser absorvida e transformadaem música.

O espetáculo que vocês vãoapresentar no Cidade Sonora é oTum Pá?

Sim, e acho muito feliz o Tum Pá estar noCidade Sonora, porque é o espetáculo emque a gente mais trabalhou com a sonoridade, porter se colocado no lugar da criança. Seja para menores ou paramaiores, o espetáculo já começa por valorizar os corpos não sófisicamente, mas no imaginário e na criatividade. Vamos pegar namão do público e criar o nosso mundo sonoro.

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Page 26: CIDADE SONORA: cidade de fusão, música de encontros

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O que é uma Cidade Sonora pra vocês?

Cidade Sonora é o que a gente quer construir. A Virada Cultural foimarcante pra gente, foi uma realização ver a galera na rua às 5h damanhã, dançando, juntando-se, sintonizada, foi bem forte. Faz doisanos que a gente está fazendo o dia do grafite, 27 de março, emhomenagem ao Alex Vallauri. A gente comemora no bairro do Bixigacom um evento a céu aberto, fazendo grafite, junto com um show, nocaso, do Bixiga70. Convidamos os grafiteiros a criar um grafite para afachada do estúdio, para ficar até o próximo ano. No primeiro ano, a gente fez dentro do estúdio com as portas abertas, mas neste ano a gente teve a felicidade de fechar a rua e fazer na rua mesmo.Reunimos 2.500 pessoas na nossa quadra do Bixiga. Isso é o que eu acredito que seja uma Cidade Sonora. Cidade Sonora como a cidade dos nossos sonhos, a cidade que a gente quer construir,onde a música rola livre.

Qual a relação da música de vocês com a cidade, a cidade de São Paulo, onde o Bixiga foi criado, mas também as cidades

BBiigg bbaanndd ppaauulliissttaannaa,, rreeúúnnee ddeezziinntteeggrraanntteess ee aapprreesseennttaa ccoommppoossiiççõõeess

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BBiixxiiggaa7700por Maurício Fleury

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que vocês conhecem, que vocês habitam?

A gente realmente é a favor das ocupações da cidade. O nome do bairro é o nome que inspira a gente, é o nome da banda mesmo. A gente sempre sentiu vontade de representar o bairro, pra valer, nãosó no discurso, e nem só para roubar o nome de um espaço.A gente chama Bixiga70 por acreditar que o Bixiga é umbairro diferente, que tem sentido de comunidade. Agente se sente abrigado lá, é um ponto de encontro.A questão urbana permeia todo o trabalho dabanda. Musicalmente, é uma interseção intuitivade música tradicional e urbana. A gente trabalhacom outros grupos, do hip-hop, do rock, do jazz,do funk, do soul. Trabalhamos a relação com oijexá, com os ritmos de oxóssi, com a músicamalinkê, com diversas influências ancestrais,que a gente tenta recombinar para uma coisainteressante e urbana.

Como você vê a relação do Bixiga70 com a ancestralidade do Bixiga, das diversasmusicalidades que lá habitaram?

No Bixiga, há um sentido de convívio diferente de outros bairros, pelomenos pra gente, que vem de áreas mais centrais de São Paulo e doABC. As pessoas fluem num outro ritmo no Bixiga, de mais aceitação.A cultura nordestina é muito forte lá, tem uma casa do norte em cadaquadra, às vezes até mais. A gente também é muito influenciadopelas músicas nordestinas. Dá para perceber que o grande povo deSão Paulo são os nordestinos. A maneira como a coisa se constróiaqui, principalmente no Bixiga, tem a ver com a maneira como aspessoas se viram dentro de uma marginalidade, mesmo estando no centro.

A criançada joga bola na rua, o pessoal toca o som alto, é umaquebrada no centro. O Bixiga reflete pra caramba a gente.

Você acha que a música, mesmo com todas as transformações,consegue expressar e dialogar com toda essa complexidade

que é uma cidade?

A música, com certeza, é a arma. É a maneira demanifestar a cultura, talvez a mais direta. Não que

eu acredite que a música vá mudar o mundo,acredito que ela muda o mundo em cadasegundo em que se faz. Olhar para a pessoa aolado e sair dançando tem muito significado nasociedade em que a gente vive. Como artista, o que buscamos é isso, uma integração entreas pessoas, uma despersonalização da história.Mais do que fazer discurso sobre as questões da

cidade, a gente tenta já superar algumas dessasquestões fazendo com que as pessoas se integrem

um pouco durante a apresentação.

Você gostaria de acrescentar alguma coisa a respeito da banda?

A gente não é uma banda. Como nossa música é instrumental, nossaretórica não é o forte. Nosso forte é um discurso político de ação, de ação urbana, de dança, de improvisação. São os nossos pilares. É pela síntese instrumental que a gente acredita que vai transformaralguma coisa entre as pessoas. O convívio é muito importante pra gente.

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Page 29: CIDADE SONORA: cidade de fusão, música de encontros

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Page 30: CIDADE SONORA: cidade de fusão, música de encontros

O que é uma Cidade Sonora pra você?

Uma Cidade Sonora pode ser tanto uma cidade que tem bastantemúsica como uma cidade barulhenta, porque é um som também.

Você já tem uma trajetória de quase vinte anos, e o seu som vaimudando, vai tomando novas camadas. Eu reconheço que temsempre esse trânsito entre o funk, o rock e o hip-hop, tem sempreesse norte.

Exatamente, o hip-hop está sempre presente.

Está sempre presente, mas a poética vai mudando. Como é a relação da sua música com as cidades, com as cidadesque você conheceu, com a cidade que você vive, o Rio de Janeiro,São Paulo?

Pô, cara, essa eu acho que é a pergunta mais fácil que já vi na vida.Acho que é exatamente isso, tudo o que a gente vai vivendo vai

OOiittoo aannooss aappóóss oo llaannççaammeennttoo ddoo eellooggiiaaddoo áállbbuummEEnnxxuuggaannddoo oo ggeelloo,, ee ddee ppaassssaarr ppoorr vváárriiaass cciiddaaddeess

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Page 31: CIDADE SONORA: cidade de fusão, música de encontros

influenciando, literalmente. A minha música não é hermética, deixo elaaberta para receber tanto as energias dos lugares quanto as própriasinfluências, naturalmente. Exatamente isso que você falou, a própriapoética vai evoluindo ao longo do tempo, porque eu fui evoluindo comoser humano e crescendo também. Quando eu era moleque, nãogostava muito de viajar. Engraçado isso, mas sempre gostei muito demúsica de tudo quanto é canto do mundo, sempre agi pela música. E agora eu tenho essa sorte de poder viajar o mundo inteiro por causada música e através da música. E então isso tudo influencia totalmenteo trabalho, com certeza.

Você sempre esteve num lugar de trânsito, nunca conseguiclassificar. Passados esses dezoito anos, como é para você estarsempre meio na fronteira, na encruzilhada?

Essa parada é clássica. Lembro quando ouvi, há muito tempo, uma música do Arnaldo com o Chico Science, “inclassificável”: aquilo alié a minha essência. Ao longo de todos os meus anos dentro da música,eu estou pela música, entendeu? Eu gosto, pô. Basicamente, navegopela música negra, pelas vertentes da música negra, esse é o meubásico. Vou fazendo o que gosto, sem ficar preocupado, sabendo queisso às vezes é um problema, por muitos anos foi. Mas, muitas vezes,foi solução. A gente chegou ali com uma coisa que funcionou naquelemomento, às vezes funcionando, às vezes não, em termos comerciais.Em termos de música, sempre tem funcionado. Eu me considero entreos caras que buscam a alquimia da música, as alquimias musicais. A gente vai buscando as coisas sem se preocupar se o disco vai venderpra caramba ou não, porque eu poderia ficar limitado no modo como eupenso a música. Eu sou um privilegiado por poder viver disso. Porquevocê conseguir viver de música, ainda mais uma música que não estádentro do padrão, é uma loucura, mas, graças a Deus, está rolando.Aqui no Brasil, o Tom Zé, o Itamar, enfim, são caras que são dessepadrão aí, os inclassificáveis, e fora do Brasil tinha o Mano Negra, que

tinha no grupo o Manu Chao. Enfim, são os inclassificáveis, eu estou sempre por aí.

Quais são as influências que permanecem? Você já deu uma ondanessa ideia de inclassificável, mas existem inspirações quepermanecem na trajetória toda?

Existe o Public Enemy, James Brown, Beach Boys, Thaíde e o próprioDJ Hum. Deixa eu ver o que mais: Dead Kennedys, com certeza,sempre, é fundamental, o DeFalla original, os dois primeiros discos quetambém são completamente inclassificáveis, até o Kings of Bushes. O King of Bushes é fundamental, até hoje é referência brutal. Os gruposdo underground dos anos 1990 são as paradas clássicas e importantes.O Itamar eu conheci ouvindo na Rádio Fluminense, uma rádio que tinhano Rio de Janeiro que salvava a vida de geral. Eu ouvia tudo na rádio,não tinha dinheiro para comprar disco, tinha que esperar o disco sairpara comprar no sebo. Ou o disco tinha aquele selinho de “proibida a venda”. Jorge Ben também é um que eu ouço desde moleque. Ele começou a me influenciar na música depois de um tempo, éengraçado, começou a influenciar na música no final dos anos 1980, masé um cara que eu ouço desde sempre. Tim Maia, também, são grandesmestres. Eu fico me lembrando, minha memória é jamaicana, já vemcom delay. Um cara que sempre considerei influência, de quem sempregostei de ir nos shows, é o Arnaldo Antunes, também, influência direta.

Como é para você tocar em São Paulo, essa metrópole gigante?

Quero dizer que estou superfeliz de tocar em São Paulo, sempre, é uma parada que é real, não é demagógica. Porque gosto muito daquide São Paulo. Principalmente os primeiros lugares que acolheram agente. O punk também é uma parada clássica aqui, o punk rock dasantigas. É uma relação clássica, fico feliz sempre que venho tocar aqui, é sempre bom.

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O que é pra você uma Cidade Sonora?

Qualquer ponto do nosso planeta tem a sua peculiaridade sonora paraum ouvido pensante disponível a escutar a sinfonia local. Quando vocêfala em cidade, penso no encontro das nossas tradições, da nossa tribo.A cidade tem cara de conglomerado, o nosso ajuntamento, o ajuntamento da nossa tribo. Quando você fala em Cidade Sonora,penso nas possibilidades narrativas dos nossos encontros, como umouvido pensante, desde o ruído mais próximo ao mais distante, e emcomo esse ruído pode virar música dependendo da poesia que o nossoouvido conseguir colocar.

Qual a relação da sua música com as cidades em que você viveu,Brasília, uma cidade planejada, e essa impossibilidade daarquitetura resolver a convivência humana. Mas a pergunta em si –isso aí são só provocações – é: qual a relação da sua música coma cidade em que você vive, com as cidades em que você já viveu e com as cidades que você conhece?

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Meu primeiro alimento poético vem da minha comunidade. Nada que euescrevo brotou magicamente. A minha poesia já nasce desse primeiroencontro e obviamente é filtrada pelo meu lugar de fala, essa pessoaaqui, que filtra, que transforma esses encontros com as pessoas, e desencontros também, transforma em palavra, sejam elas ditas,cantadas ou escritas. Quando devolvo o que recebi nos meus encontrose desencontros, eu interfiro na cena e gero novos encontros e desencontros. A cidade onde eu vivi traz essa carga política, todolugar aonde eu vou tem uma elite local, a classe operária local, os comerciantes locais, os artistas locais. Acho que essa setorizaçãodos saberes é importante pra gente se articular, dentro do que a genteconsidera ideal para os nossos encontros. São nesses encontros e desencontros que a gente começa a formar paridades, a falar deequidades a partir das diferenças. A minha sensação primeira comoartista, além do prazer de ser atravessada pela música que faço, é ver as possibilidades de desdobramentos das músicas quando elaschegam até as pessoas. Eu estava conversando com a Paula, a contrabaixista que toca comigo, sobre quando a gente tem certeza deque a música está pronta, o que é essa sensação de “pronto, acabei”. E o que a gente tem é só uma tranquilidade do que se pode passar parafrente, porque a música nunca está pronta, ela sempre se mistura comas pessoas e acho que é para isso que ela vem. O que a gente faz é maior do que a gente, é maior do que a minha cidade de origem,caminha mais rápido que as minhas pernas, cria uma rede muito maissábia e poderosa, uma rede de relações.

Eu gosto de uma parte da letra de “Testando” que fala: “a minhavoz transcende a minha envergadura”. Você realmente é a ponteentre as tradições da música negra brasileira, que precisavam deum elo. Acho isso ímpar, é basicamente o que eu chamaria de soul,na acepção da palavra. Como é fazer esse trânsito de umamusicalidade que tem um braço determinado na tradição dessachamada soul music, com vocação brasileira, mas que também

tem um trânsito muito forte com o hip-hop, a ponto de o Ed Hopchamar você de “o futuro do hip-hop”. Como você vê isso? Você sente esse elo, ouve essas tradições, percebe esse trânsito?

Sempre pensei que a minha música tinha alma, uma força narrativa das tradições sertanejas, modas de viola. Sinto-me pega pela mão e conduzida para um lugar. Penso no meu repertório como um mapa, e o mapa tem várias possibilidades de leitura, várias mesmo, mas nãoinfinitas. Como a prática de cozinhar, de juntar vários ingredientes e sóoferecer depois de experimentar e saber que está bom. É bem isso,acho que passa primeiro pelo meu paladar quando eu ofereço paraalguém diferente. A música vem assim para mim, o meu repertório vemassim. Gosto de cantar coisas que me sacodem, que me tocam dealguma maneira, que me arrepiam, que me fazem chorar, que me dãoágua na boca. Não sei se faço essa ponte ou não, mas achomaravilhoso que você veja a ponte e passe por ela, e espero que outraspessoas passem por ela também. A ponte para mim já estavaestabelecida quando eu cheguei, foi por isso que colei uma música na outra. Acho que elas vieram para caminhar juntas, em mim elascaminham juntas, sou um ponto de encontro para elas, o meu corpo é um ponto de encontro dessas duas vertentes discursivas e estéticas.Acredito que a ponte poética e a ponte estética estão no ouvido dequem escuta, nos olhos de quem vê. A gente sabe que o projeto era um extermínio completo das nossas tradições e da nossa presençanegra aqui no Brasil. É uma história compartilhada dentro da diásporaafricana nas Américas e no Caribe – e, por que não dizer, na Europatambém. Acho que a diáspora foi muito poderosa e, de alguma forma, a gente se uniu poderosamente com base nesses saberes, antes do idioma, antes da palavra. Acho que a ponte já está feita, quandocheguei o trem já estava pronto. Fico muito feliz de poder ser um canalpotencializador disso.

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Na sua concepção, o que é uma Cidade Sonora?

São Paulo é uma Cidade Sonora. Eu acho que as grandes cidades são cidades sonoras. Toda cidade que tenha um movimento musical,cultural, é sonora. Mesmo cheia de ruídos, acho que a nossa cidade é a mais sonora de todas. São Paulo se mostra sonoricamente de várias formas. No momento em que você acorda, tem o barulho do ônibus; no momento em que você vai dormir, também tem o barulho do ônibus.

Como o Elo surge no meio dos anos 2000?

O Elo é de 2000. A gente se formou em 2000 e o primeiro disco do Elo saiu em 2007. Mas em todo esse tempo até lançar o primeirodisco a gente participou de umas doze coletâneas.

No início dos anos 2000, teve uma virada dentro do hip-hop. O hip-hop estava sendo muito questionado, e foi uma viradacomplexa. Como você vê a música do Elo da Corrente,

EElloo ddaa CCoorrrreennttee

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ouçasoundcloud.com/elodacorrenteelodacorrente.tumblr.com visite

por Pitzan Oliveira

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seguir. O que a gente quer daqui pra frente é isso: fazer deuma maneira diferente do jeito anterior.

Você acha que o caminho do Elo para expressaressas diferenças é através do contato com outrassonoridades, outros artistas, oriundos de outrastradições, nem sempre ligados ao hip-hop ou à cultura de rua?

É bem isso, dialogar com outras formas de música que, até então, a gente só tinha acesso ao vivo, vendo uma pessoa

tocar, ou tocando junto com ela. O que a gente quer fazer é tornar a nossa música mais orgânica, deixar ela cada vez mais fácil de sermanipulada. De uma forma dinâmica, que não fique repetitiva, que nãofique um ritmo do começo ao fim da música, e você cantando qualquercoisa. A ideia não é essa, a ideia é que, em cada segundo, a músicavalha a pena, não só para quem está ouvindo, mas pra gente,especialmente. E essa contribuição de pessoas com outra visão, outra bagagem musical, leva a coisa para outro plano.

ao longo desses doze anos?

De 2000 para cá, acho que muita coisa mudou. O rapnacional existe há bastante tempo, só que essa cena sódespontou no início dos anos 2000, 2001, com os nomesde agora. A gente se formou na escola, começamos afrequentar estúdio juntos e resolvemos fazer o grupo. Era bem diferente, as baladas, o tipo de convivência, eratudo mais íntimo. Hoje a coisa tomou uma proporçãomaior. Mas eu vejo que a cena ainda está começando aquerer crescer. E a cidade de São Paulo é o espelho do que agente gosta de retratar nas músicas, do que a gente fala nas letras,do que a gente vive, do que a gente já viu.

Olhando para o futuro, o que você espera para o Elo, para o hip-hop?

Falando pelo Elo, o que a gente quer fazer e continuar fazendo émúsica junto. Só que cada trabalho, cada disco, é um disco novo, pois a gente não quer ficar se repetindo. Não é porque um trabalho deu certoque o outro vai vir na mesma pegada. A ideia é que cada disco tem quevir com um olhar novo, com uma abordagem nova. Até hoje, a gente feztudo com o computador, com bateria eletrônica, a gente produzindotudo. Hoje em dia, a gente tem estudado música e está chamando um

monte de gente pra tocar. Nosso próximo discovai ter um arranjador, vai ter sopro, vai ter

cordas. A maioria dos produtores de rapdevem estar nessa pegada que é pensarnovas possibilidades de composição, sejavocê mesmo fazendo ou alguémcontribuindo. Essa liberdade de fazer o que

a gente quer torna a coisa mais livre para a música e para o caminho que ela tiver que

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aa mmiixxttaappee mmaaiiss ccoommeennttaaddaa ee vveennddiiddaa ddoorraapp bbrraassiilleeiirroo.. EEmm 22001100,, EEmmiicciiddaa llaannççoouuaa mmiixxttaappee EEmmiicciiddiioo.. AApprreesseennttoouu--ssee nnooRRoocckk iinn RRiioo 22001111 ee nnoo SSWWUU.. RReecceebbeeuu

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O que é, na sua concepção, uma Cidade Sonora?

Cidade Sonora é uma cidade que respeita e valoriza os seus barulhos.Não anula nem condena, faz com que todos montem uma sinfonia. A cidade se torna mais musical por causa deles, para se podercompreender com seus barulhos.

Como você vê a relação da sua música com as cidades que vocêestá encontrando?

Trato minha música como um desenho. Quando a escuto, visualizocada um dos lugares por onde passei ao criá-la. Visitar outros lugaresnão diminui minha propriedade ao falar da minha quebrada. Viajarenriquece, porque mostra que nem todo rap é de protesto, que nemtodo rock tem guitarra. Sou a rua em que nasci entregando o coração à música para todos ouvirem por onde passei.

Emicida não é o MC e o homicida? O MC é da batalha, do freestyle,rima na hora sobre o que está acontecendo. Como conciliar essa

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capacidade com a mensagem a passar, como trocar essa ideia e formalizá-la?

As duas coisas se complementam. O freestyle é um estágio eterno, na verdade, um eterno aprendizado. Nunca vou deixar de ver o freestylecomo estudo. É ele que me faz revisitar as palavras e as célulasrítmicas. Uma sessão de improviso é sempre uma aula. Antes demostrar meu freestyle, me preocupei em escrevê-lo, porque queriapassar uma mensagem e o tempo do freestyle é curto. No meu trabalhogravado, consigo trabalhar temas que tenho vontade. Busco com queos dois se pareçam muito, não unicamente na estética, mas noconteúdo, porque o lance é ter freestyles que pareçam letras e ter letrasque pareçam freestyles.

Para mim, a batida da música “Triunfo” une ética e estética, faz parte do conteúdo, é orgânica.

“Triunfo” é uma declamação do momento que a gente está vivendo, do sonho de mostrar e ser visto. Se você atrai os olhos para você, não pode deixar acontecer em vão. “Triunfo” foi isso. O Felipe, produtormusical da base, foi quem conseguiu captar e desenharharmonicamente o discurso. As pessoas se contentam com as coisascomo elas são. Mas as coisas não devem ser como elas são, as coisasdevem ser como a gente quer que sejam. Se batalhar por isso, a genteconsegue. O trabalho, desde sempre, aqui no Laboratório Fantasma foi criar uma estrutura que possa ser compartilhada com artistas queadmiramos. A gente está começando a viver isso agora. O jurídico, o atendimento, o merchandising têm que funcionar pela música. É isso que dá a impressão de que é uma pessoa fazendo tudo, mas, na verdade, é um grupo funcionando como um organismo vivo.Vou fazer o meu álbum agora, o meu primeiro álbum oficial.Graças a Deus a gente criou essa estrutura, e eu vou usá-la para criar o meu primeiro álbum.

É um passo do hip-hop nacional,consequência do seu modo de pensar, ou os dois?

O modo de pensar me inspirou muito,mas é um passo diferente. Não consigover outra empresa oriunda do rapnacional tão estruturada como a empresaque tenho com meu irmão, com umamovimentação desse tamanho. Artistasgrandes se vinculam a gravadoras, não é umacrítica, acho totalmente natural. Talvez a gente seja pioneiro nesse tipode iniciativa, de ter um negócio que funcione de maneira totalmenteindependente e que proporcione tantas coisas legais.

A música serve para expressar todas essas coisas?

A música fala tudo. Não precisa nem ser entendida. Às vezes, eu falo de um conflito interno e o ouvinte assimila de outra maneira, tambémpositiva para ele. É a qualidade maior da música, dialogar com a almadas pessoas, não exclusivamente com o cérebro.

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O que é para você uma Cidade Sonora?

As cidades, no meu ponto de vista, são sonoras sempre. Cada lugar a que você vai tem informação. São Paulo tem os seus ruídos, os seuspassos, o seu trânsito, o seu ritmo, o seu metrô. A Cidade Sonora é uma cidade que tem informação no que ela tem de som. É hereditário, é o RG dela.

Qual é a relação da sua música com a cidade em que você mora,ou com as cidades em que você já morou, com as cidades quevocê habita?

Acho que a minha música é a trilha sonora de qualquer lugar que euesteja. Procuro fazer isso dela, a música tem que compor. Quando a música não pode sofrer interferência externa do lugar em que estásendo feita, ou do lugar em que está sendo executada, ela não é umamúsica atual, não é contemporânea. Procuro fazer uma música que sejacontemporânea à cidade em que estou, ao lugar que estou vivendo, que sejaurbana a ponto de recompor com aquele cenário, com aquele local.

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O que é uma Cidade Sonora para você?

Uma Cidade Sonora pode acontecer em qualquer lugar. Basta caminhar de ouvidos abertos.

Qual a relação da sua música com a cidade, ou com as cidades que você habita?

A relação da minha música com as cidades que habito é curiosa e interessante. Me inspiro ao caminhar por elas, depois refletimos e dançamos juntos as cidades e suas características em forma de som.

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O que é, na sua concepção, uma Cidade Sonora?

Na Cidade Sonora, apesar dos barulhos urbanos, buzina, trânsito, a gente consegue escutar os passarinhos, os cachorros latindo, os gatos de madrugada. Cidade Sonora é uma cidade que tem umacena musical muito forte. A imagem que me vem quando você falaCidade Sonora é uma noite com mil opções de shows, dança, teatro,cinema, mas basicamente com muita música numa cidade.

Você tem várias formações, teatro, história da mitologia, e tem um DNA muito forte no seu som que é o rock ʼnʼ roll.Como é a relação dessa musicalidade, nos shows muitoquentes, com a cidade, com as cidades que lhe vêm à cabeçaquando você evoca o som delas?

A gente pode ler a cidade como sendo um grande palco e, quando a gente diz palco, não se separa o show e a parte teatral do show. Algumas bandas, ao longo da história, tiveram umapreocupação mais teatral do que outras. Gosto muito da mitologia,

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ttaammbbéémm vveerrssõõeess ddee cclláássssiiccoossccoommoo ““BBaacckk iinn bbllaacckk”” ddoo

AACC//DDCC;; ““FFiirree””,, ddee JJiimmii HHeennddrriixx,,qquuee vviirroouu ““TTeeuu ffooggoo””;;

ee ““SScchhooooll ddaayyss””,, ddee CChhuucckkBBeerrrryy,, qquuee éé ““DDiiaa ddee pprroovvaa””..

GGuuiillhheerrmmoossoo WWiilldd CChhiicckkeenn

45

ouçasoundcloud.com/guilhermoso

Page 47: CIDADE SONORA: cidade de fusão, música de encontros

agrupamentos sociais. É mágicoescutar uma música numa língua quea gente não conhece e entender,sacar a sensação. O mundo deveriaescutar mais música, faz bem paraa saúde espiritual.

Você gostaria de colocar algumacoisa em relação ao show?

Estou superfeliz de participar desse projeto,fazendo entrevista, livreto. Gostaria que projetos como esseacontecessem mais na cidade. Fica o meu incentivo para que váriaspessoas façam várias coisas bonitas. Rock ʼnʼ roll, energia e vamosviver.

estava dando aula de mitologia antes de a gente conversar. A mitologia resgata,leva a gente para as raízes da percepção.Desde quando o homem vivia inserido na

natureza até o homem urbano, são asmitologias que vêm se sucedendo através

das eras. Com relação ao rock, sempre gosteida sonoridade, principalmente na primeira fase,

nos anos 1950. Chuck Berry, Little Richard, Elvis, Jerry Lee Lewis, a gênese sonora do rock ʼnʼ roll. Existe uma coisa atemporal nessesom. Depois tem a fase psicodélica, o rock pesado e mil variantes.Quanto à cidade, mais do que agitação, há muitas regras para seviver numa como São Paulo. Às vezes, a gente fica tolhido na nossa expressão, na nossa vontade de dar um grito, de dançar. O rock resgata isso, esse impulso de “vamos dançar, vamos gritar,vamos viver”.

O Guilhermoso Wild Chicken existe há quanto tempo?

Existem duas cronologias, uma concreta e outra abstrata. A concreta é o primeiro show, que aconteceu em 1990, há 22 anos. A abstrata é o tempo místico da banda, que está sempre em 1958nos Estados Unidos. O calendário vai virando e dia 31 de dezembroa gente fala: “Amanhã é dia 1º de janeiro de 1959.” Na cronologiaabstrata, a banda está com quatro anos de idade, começou ali por1954, fazendo umas experiências de rhythm ʼnʼ blues, junto com o country.

A música é um veículo de excelência para trazer todas essasdiversas fontes de convivência ao redor do mundo?

É um veículo de excelência e de transcendência. A música tem uma coisa mágica, é uma ponte invisível que liga pessoas, cidades,

46

““RRoocckk ’’nn’’ rroollll,,eenneerrggiiaa ee vvaammooss

vviivveerr..””

““AA mmúússiiccaa tteemmuummaa ccooiissaa mmáággiiccaa,, éé

uummaa ppoonnttee iinnvviissíívveell qquueelliiggaa aass ppeessssooaass,, aass

cciiddaaddeess,, oossaaggrruuppaammeennttooss

ssoocciiaaiiss..””

““QQuuaannttoo àà cciiddaaddee,, mmaaiiss ddoo qquuee aaggiittaaççããoo,, hháámmuuiittaass rreeggrraass ppaarraa ssee vviivveerr nnuummaa ccoommoo SSããoo

PPaauulloo.. ÀÀss vveezzeess,, aa ggeennttee ffiiccaa ttoollhhiiddoo nnaa nnoossssaaeexxpprreessssããoo,, nnaa nnoossssaa vvoonnttaaddee ddee ddaarr uumm ggrriittoo,,ddee ddaannççaarr.. OO rroocckk rreessggaattaa iissssoo,, eessssee iimmppuullssoo

ddee ‘‘vvaammooss ddaannççaarr,, vvaammooss ggrriittaarr,, vvaammooss vviivveerr’’..””

Page 48: CIDADE SONORA: cidade de fusão, música de encontros

KKaarrooll CCoonnkkaa vviivvee nnoo PPaarraannáá ee ééccoonnssiiddeerraaddaa uummaa ddaass pprriinncciippaaiiss

rreepprreesseennttaanntteess ddoo rraapp ffeemmiinniinnoo ddoossúúllttiimmooss tteemmppooss nnoo ppaaííss,, sseennddoo

iinnddiiccaaddaa ccoommoo ““aa aappoossttaa”” nnoo VVMMBB22001111.. AAppóóss ddiissppoonniibbiilliizzaarr nnoo

MMyySSppaaccee aallgguummaass mmúússiiccaass,, llaannççoouusseeuu pprriimmeeiirroo ssiinnggllee ooffiicciiaall,, BBooaa nnooiittee,,qquuee ggaannhhoouu vviiddeeoocclliippee ee eessttaarráá eemm

sseeuu pprriimmeeiirroo eexxtteennddeedd ppllaayy,, llaannççaaddooeemm 22001122.. EEssttaabbeelleecceennddoo ppaarrcceerriiaassccoomm ggrraannddeess nnoommeess ddoo rraapp,, ccoommooMMaarrcceelloo DD22 ee EEmmiicciiddaa,, KKaarrooll CCoonnkkaa

tteemm mmuuiittaa ppeerrssoonnaalliiddaaddee ee nnããoo tteemm mmeeddoo ddee mmoossttrraarr..

O que é, na sua concepção, uma Cidade Sonora?

Cidade Sonora seria uma cidade bem movimentada musicalmente, com uma música muito forte.

Como é a relação da sua música, do som que você faz, com a cidade em que você vive?

Procuro colocar nas minhas músicas o que vivo no cotidiano, e o queoutras pessoas veem também. Antes de fazer show pelo Brasil, eu nãotinha saído de Curitiba. O que me levou para fora de Curitiba foi a minhamúsica. Eu colocava tudo o que eu via nas ruas de Curitiba, mas o quefalo na minha música se encaixa na vida de muita gente.

Curitiba tem uma relação dentro do hip-hop, DJs muito bons, é umcenário do qual você faz parte. Como é fazer hip-hop em Curitiba?

Foi meio por acaso. Quando eu era mais nova, escrevia poemas e sempre quis estar no palco. Queria ser cantora de MPB, admirava

KKaarrooll CCoonnkkaa

47

ouçasoundcloud.com/karolconka

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Milton Nascimento, Elis Regina, mas eu tenho uma coisa maisavacalhada, mais despojada, que não se encaixa bem na MPB.Permaneci perdida por uns tempos, até um amigo me falar: “Olha, issoestá parecendo um rap.” Eu era muito nova, tinha 14, 15 anos. Compreium CD do Fugees e me apaixonei. Falei: “Eu posso!” E comecei a ir nasfestas de rap, porque vi que tinham umas meninas que faziam rap. Só que o jeito que elas faziam não me agradava; elas se vestiam comohomens e a rima delas era muito pobre. Como eu já manjava muito de poemas e versos, me colocaram para abrir um show. Eu tinha 16 pra17 anos. Desde então, não parei mais, me apaixonei. Me apaixonei pelopúblico, pois adoro pessoas, adoro estar em cima do palco com ummicrofone na mão mandando uma mensagem, com a sensação devoltar para casa e saber que eu disse alguma mensagem para alguém.Aqui em Curitiba tem uma cena forte, a galera é fiel ao rap, tem umacena de respeito. Curitiba provou que tem público, sim, a galeraconsome. O público daqui ama ou odeia, é verdadeiro.

Como é ser mulher MC em um cenário que é hipermasculino, como o do hip-hop nacional?

Nós, mulheres, estamos chegando, já tem um bom tempo que a genteestá chegando. Desde quando eu nem imaginava que ia cantar rap, já tinham as meninas, Negra Lee, Tina Dee. Era sempre esse discurso“estamos chegando”, e eu continuo mantendo esse discurso, masacrescento que hoje a gente já provou que pode. Quando eu comecei,era aquela coisa de “estamos provando”. Hoje, a gente já provou.Agora, é cada coisa no seu tempo, é passo a passo. Se tem festival de rap, sempre estamos lá, eu ou Camila ou Negra Lee, porque o público gosta. O público gosta de ver como é importante a atuação da mulher no rap nacional. Tem pessoas que não gostam, dizem que o rap não foi feito pra mulher. Mas a gente está chegando, a gentesempre vai estar chegando. Eu me recuso a dizer que estou tentandoprovar, porque eu já provei e o negócio é só chegar cada vez mais.

48 Foto

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KKaarrooll CCoonnkkaa ““DDiizzeemm qquuee oorraapp nnããoo ffooii

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Page 50: CIDADE SONORA: cidade de fusão, música de encontros

KKlleebbeerr GGeerraallddoo LLeelliiss SSiimmõõeess ccoommeeççoouussuuaa ccaarrrreeiirraa eemm 11998844.. JJuunnttaammeennttee ccoomm

EEddii RRoocckk,, MMaannoo BBrroowwnn ee IIccee BBlluuee,,ffuunnddoouu oo RRaacciioonnaaiiss MMCC’’ss nnoo ffiimm ddoossaannooss 11998800.. CCoomm oo rraappppeerr XXiiss,, ccrriioouu aaggrraavvaaddoorraa 44PP,, oonnddee llaannççoouu sseeuu áállbbuummssoolloo NNaa bbaattiiddaa vvoolluummee 33 –– EEqquuiillííbbrriioo,, aa bbuussccaa,, eemm 22000022,, qquuee ccoonnttaa ccoomm aappaarrttiicciippaaççããoo ddee vváárriiooss aarrttiissttaass ddoo

hhiipp--hhoopp.. DDiivviiddee oo tteemmppoo eennttrree sshhoowwssccoomm ooss RRaacciioonnaaiiss,, ddiissccootteeccaaggeemm eemm

ccaassaass nnoottuurrnnaass,, ooffiicciinnaass ddee DDJJ ee oo sseeuu aattuuaall pprroojjeettoo ssoolloo,, aa ffiittaa mmiixxaaddaa RRoottaaççããoo 3333,,

llaannççaaddaa eemm jjuunnhhoo ddee 22000088..

O que é, para você, uma Cidade Sonora?

Cidade Sonora é uma cidade que emana música, com música em todos os cantos, palcos, camelôs na rua, lojas, restaurantes. Rola música nas casas, nas rádios, nos carros. A música como trilha sonora da cidade.

Como é a relação da sua música com a cidade? A cidade em que você vive, o bairro onde você viveu, as cidades que você conhece.

São Paulo é uma cidade cosmopolita, é uma selva de pedra. A música que eu toco tem a ver com a realidade da selva. Vários prédios, vários carros, bandido, ladrão, trabalhador, polícia,gente boa, pessoas românticas, pessoas apaixonadas, pessoas quetêm ódio, pessoas que querem trabalhar, que tem um foco, pessoasque pensam pra frente. Tudo isso está na música que eu toco e nomeu jeito de tocar.

KKLL JJaayy

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djkljay.com visite

Page 51: CIDADE SONORA: cidade de fusão, música de encontros

Você participa, na minha concepção, da maior bandade hip-hop que já existiu no Brasil, e uma das maisimportantes na América, que é o Racionais. Como é olhar para trás e ver esse percurso, desde o Holocausto Urbano, até agora?

Quando comecei, eu não tinha um plano, fui peloinstinto, pelo amor. Sabe quando você sente o cheiro dacomida e vai? No começo foi isso, não coloquei no papel, eu fui e fui. Como disse o Garrincha: “Você vai indo, indo e indo.” Eu “fui indo” e ficou nítido para mim. Foi um caminho que euescolhi, ser DJ e ser versátil. Não ser só um DJ de grupo de rap, masser um DJ que toca em festa, que produz, que faz performance, quefaz esquete. A conclusão é que eu estava certo.

O que é, para você, ser DJ depois de 22 anos?

Ser DJ é ser eu. Entendeu? É ser eu. Mesmo. Ser DJ faz parte da missão que eu vim cumprir aqui. A missão de estar envolvido namúsica, revelar talentos, ser verdadeiro, tocar a música, a música de que eu gosto, mostrar a música para as pessoas, fazer as pessoasfelizes e fazê-las voltar no tempo, ir para outra galáxia. Amenizar umpouco a dor das pessoas e, ao mesmo tempo, trazer a felicidade. É uma missão.

50

Quero ver o show, e vai ser ótimo o bate-papo, ter esse depoimento ao vivo.

No dia do evento, quero realizar mais umtrabalho bem-feito. Quero fazer bem-feito. Cada lugar é um lugar, e cada lugar é uma

energia, um público diferente, um som diferente.É como se fosse um jogo de futebol: é exclusivo,

você treina, treina, estuda, mas no campo é tudoimprovisado. Salvo algumas jogadas ensaiadas, o resto

é tudo improviso. É como tocar jazz, eu espero improvisar bem nesse dia.

““CCiiddaaddee SSoonnoorraaéé uummaa cciiddaaddee qquueeeemmaannaa mmúússiiccaa..

AA mmúússiiccaa ccoommoo ttrriillhhaassoonnoorraa ddaa cciiddaaddee..””

““SSeerr DDJJ éé sseerr eeuu..EEnntteennddeeuu?? SSeerr DDJJ ffaazz

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AAmmeenniizzaarr uumm ppoouuccoo aaddoorr ddaass ppeessssooaass ee,, aaoommeessmmoo tteemmppoo,, ttrraazzeerr

aa ffeelliicciiddaaddee.. ÉÉ uummaa mmiissssããoo..””

Page 52: CIDADE SONORA: cidade de fusão, música de encontros

Foto

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KKLL JJaayy

Page 53: CIDADE SONORA: cidade de fusão, música de encontros

Foto

: Gab

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LLiinnoo KKrriizzzz

Page 54: CIDADE SONORA: cidade de fusão, música de encontros

O que é uma Cidade Sonora para você?

Cidade Sonora é onde você acaba captando todos os tipos de sons,todos os tipos de vibrações, independentes do ruído, afinadas ou não.Qualquer tipo de ruído pode se tornar musical. Você pode captar o ambiente e transformar em música. É conseguir captar a essência da cidade e transformá-la em música de qualidade.

O entorno, o bairro, a cidade, o som da lata, tudo está muitopresente do seu som. Qual a relação da sua música com ascidades onde você viveu, a cidade onde você vive e os lugares que você conheceu?

Vamos começar pela parte mais fácil. Com outras cidades, a relação é de estudo. Sou um pesquisador muito curioso, gosto de saber damusicalidade das cidades, do Sul até o Norte. Conheço um pouquinhoda musicalidade do Nordeste, da Bahia, Rio de Janeiro, Rio Grande doSul, da música mato-grossense e pantaneira. A parte mais difícil é justamente a minha cidade. São Paulo é uma cidade fria, a cidade

CCaannttoorr,, ccoommppoossiittoorr ee pprroodduuttoorr,, ccoommeeççoouu aaccaarrrreeiirraa aarrttííssttiiccaa pprrooffiissssiioonnaall ccoomm aappeennaass 1133

aannooss,, qquuaannddoo ggrraavvoouu uumm ggrraannddee ssuucceessssoollaannççaaddoo ppeellaa SSoonnyy MMuussiicc ee ffooii pprreemmiiaaddoo ccoomm

ddiissccoo ddee oouurroo.. ÉÉ iinntteeggrraannttee ddaass bbaannddaass MMoottiirrôô,,UUrrbbaann TTootteenn ee JJaamm SSuubbuurrbbaannaa.. CCaannttoouu eeggrraavvoouu ccoomm ggrraannddeess nnoommeess ddaa mmúússiiccaa

nnaacciioonnaall ee iinntteerrnnaacciioonnaall,, ccoommoo EEdd MMoottttaa,,SSaannddrraa ddee SSáá,, SSeeuu JJoorrggee,, FFeerrnnaannddaa PPoorrttoo eeRRooggéérriioo FFllaauussiinnoo.. FFaazz mmúússiiccaass ccoomm uummaa

ssiimmpplleess lleevvaaddaa ssoouull,, aaoo mmeessmmoo tteemmppoo eemm qquueeaapprreesseennttaa ccaannççõõeess ccoomm mmeellooddiiaass ssooffiissttiiccaaddaass..

FFaazz hhiipp--hhoopp ee rraapp aaoo mmeessmmoo tteemmppoo eemm qquuee ccaannttaa ddoocceess bbaallaaddaass..

LLiinnoo KKrriizzzz

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ouçamyspace.com/linokrizz/radiolinokrizz.com.br visite

Page 55: CIDADE SONORA: cidade de fusão, música de encontros

pessoas, que eu consiga produzir música e que essa música vá e arrebente no Brasil inteiro, como já aconteceu, com “País de nenhum”.

Você falou de uma urbanização musical, de um cantor que éautodidata, paulistano. A música serve para falar sobre todas

essas questões?

Música é uma linguagem universal, principalmente cominternet, Facebook, com as redes sociais. Você pode chegarno Japão em um minuto. Temos que fazer as coisasacontecerem, aproveitar esse momento, esse ensejo social.A qualquer pessoa, da mais comum até a de maior poderaquisitivo, a música chega. A música está muito mais

igualitária. Esperamos por mais músicos, por mais música,uma andorinha só não faz verão. Como o pagode dos anos

1990, como o pop-rock dos anos 1980, a música de São Pauloestá precisando de um movimento que faça crescer todo mundo, como uma avalanche. Um movimento que não dê ao público tempo de respirar quando as coisas começarem a acontecer. É isso o que eu espero para os próximos dois anos.

da garoa, é muito urbana, cosmopolita, nunca para, nunca dorme, 24 horas do dia você vê, ouve, capta sensações. Sempre tem algumacoisa acontecendo em São Paulo. No Lino Krizz, a urbanização musicalestá muito presente. Esse trabalho é muito profundo e, ao mesmotempo, pop. É conceitual ao mesmo tempo em que é fácil. O foco é São Paulo, é o som urbano, o som eletrônico, frio,mecânico e, ao mesmo tempo, triste e humano.

Você é uma das fusões do rhythm and blues com DNAbrasileiro. Isso se deve aos discos que você escutou,ao jeito que está olhando para o passado e o futuro?

Exatamente isso. Eu escuto bem o passado, gosto deficar pesquisando, desde Chiquinha Gonzaga, desde osnegros escravos, até a atualidade. Lino Krizz é umFrankenstein, nunca estudou música. Sou autodidata em tudo oque faço. Não sei ler partitura, toco male male violão e sei cantar malemale também. O que faço é esse estudo de todas as músicas possíveise imagináveis. Daqui a dez dias, daqui a um ano, alguma coisa vai estarsempre guardada e, na hora da composição, vou utilizar. Ouço todo tipode música, que procuro captar e transformar em alguma coisa com acara do Lino Krizz.

Você acompanha determinados momentos do pop nacional que são divisores de água. Como você vê isso?

Sinto-me, em primeiro lugar, privilegiado por estar trabalhando comcaras como Thaíde, Racionais, por fazer participação em outros gruposde rap, que não são populares, mas têm o mesmo potencial, ficosimplesmente lisonjeado. É uma oportunidade de crescer e serreconhecido, porque nada é por acaso. Não acredito em sorte, emacaso, em destino, o negócio pra mim é a permissão de Deus. Ele permite que as pessoas venham até mim, que eu vá até as

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““AA mmúússiiccaa eessttáá mmuuiittoo mmaaiissiigguuaalliittáárriiaa..””

““OO ffooccoo éé oo ssoomm uurrbbaannoo,, oossoomm eelleettrrôônniiccoo,, ffrriioo,,

mmeeccâânniiccoo ee,, aaoo mmeessmmootteemmppoo,, ttrriissttee ee hhuummaannoo..””

Page 56: CIDADE SONORA: cidade de fusão, música de encontros

55

Na sua concepção, o que é uma Cidade Sonora?

É o som da cidade em um sentido estético. É a música que representauma cidade, mas que acaba achando singularidades e referências emcada cidade do mundo e do Brasil. Certos elementos estéticos ficammuito presentes na música, na arte em geral, nas manifestaçõesculturais em cada ponto da cidade.

Como é a relação da sua música, como artista e instrumentista,com a cidade?

Ter trabalhos variados, tanto em termos de estilo, quanto em relação às pessoas envolvidas, tem a ver com a força de São Paulo. Poucascidades do terceiro mundo têm a importância cultural que São Paulotem no circuito mundial. Toco com gente de Recife, do Ceará, do paísinteiro. Por viver em São Paulo, entrei em contato com muita gente defora que estava de passagem pelo Brasil, que dificilmente eu teria seestivesse em outro lugar do mundo. Música tem muito a ver com a circunstância e com a localização.

MMaauurriicciioo TTaakkaarraa cchheeggaa aaoo sseeuu qquuiinnttoo ddiissccoo eemmccaarrrreeiirraa ssoolloo,, aappóóss oo ssuucceessssoo ddoo úúllttiimmoo ddiissccoo,,

OOccuuppaaddoo ccoommoo ggaaddoo ccoomm nnaaddaa pprraa ffaazzeerr,, llaannççaaddoo eemmvviinniill eemm 22000088.. SSoobbrree ttooddaass ee qquuaallqquueerr ccooiissaa éé uumm

ddiissccoo cchheeiioo ddee aacciiddeenntteess,, rreessuullttaannddoo eemm rriittmmooss qquueemmiissttuurraamm mmúússiiccaa eelleettrrôônniiccaa,, hhiipp--hhoopp,, aaffrroojjaazzzz ee

rriittmmooss rreeggiioonnaaiiss.. ÉÉ aassssiinnaaddoo ccoommoo ““MM..TTaakkaarraa--33”” ppoorrccoonnttaa ddaa ppaarrcceerriiaa ccoomm ooss mmúússiiccooss RRooggéérriioo MMaarrttiinnss ee

GGuuiillhheerrmmee VVaalleerriioo.. OO vviinniill 1122””,, ccoomm llaannççaammeennttoossiimmuullttâânneeoo nnooss EEUUAA,, ccoollooccaa MMaauurriicciioo TTaakkaarraa ccoommooppaarrttee ddee uummaa ggeerraaççããoo qquuee ccaarrrreeggaa aa pprreeooccuuppaaççããoo

ccoomm aa oobbrraa ddoo ppoonnttoo ddee ppaarrttiiddaa aattéé ssuuaa ffiinnaalliizzaaççããoo..AAoo vviivvoo,, ccoonnhheecciiddoo ccoommoo MM..TTaakkaarraa,, MMaauurriicciioo aassssuummee

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ppaarraa ddeessccoonnssttrruuççããoo ee iimmpprroovviissoo..

MM..TTaakkaarraa

ouçamyspace.com/mtakaradesmonta.com visite

Page 57: CIDADE SONORA: cidade de fusão, música de encontros

A música dá conta de expressar tudo isso: essa atençãodiferenciada, os encontros na cidade, a possibilidade de umaprodução colaborativa?

Ela pode dar, ela tem que dar. Música tem que ser uma coisa viva, depergunta e de diálogo. Aliás, todas as artes têm que ser vivas. Por maisque isso tenha mudado positivamente, acho que pode e deve mudarmais. É fácil estar numa situação privilegiada, cultural e artisticamente, e cair num certo conforto.

Você tocou com o Pharoah Sanders, jazzista que simboliza umageração. O Curumim tocou com o Herbie Hancock. Há dez ou vinteanos, seria difícil para essas gerações dialogarem. Você acha queisso está colocado diante da expansão cultural da cidade?

Acho que tem a ver com uma série de motivos geográficos, políticos,econômicos e culturais que colocaram em São Paulo uma atençãodiferente. Jamais me passou pela cabeça tocar com um cara cujosdiscos eu ia ouvindo no caminho para a escola. Era um mundo à parteque foi se transformando em realidade. Apesar das gerações passadasterem uma disposição tão grande quanto a nossa, a arte responde,mesmo que indiretamente, à realidade que se vive, fruto de diversosfatores. Estou conseguindo desenvolver os trabalhos que eu semprequis, com muitos dos meus ídolos. Ainda assim, me pergunto: será queestou respondendo a isso da forma que eu poderia? É fácil pensar: “Tá tranquilo aqui, shows estão lotados, as pessoas estão gostando dodisco novo, então valeu, é isso aí, vou fazer mais dois, três discos namesma linha que está tranquilo.” Vejo um pouco disso, claro, na música.A música pode e deve dar conta de todas essas perguntas, afirmações,aprofundamentos, mas não é fácil, falo por experiência própria, porqueestou sempre nessa busca. Acho, inclusive, que uma das coisas queme motivam é estar buscando, é não chegar nunca.

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Page 58: CIDADE SONORA: cidade de fusão, música de encontros

O que é uma Cidade Sonora pra você?

Tento transformar tudo o que vejo em música. Tudo o que vivo tem a ver com música, tudo o que faço tem a ver com som, acho que vivonuma Cidade Sonora. Meus dias de lazer, meus dias de trabalho sãotodos ilustrados por som. Falando com você, situo minha voz numaregião, numa frequência. Cidade Sonora seria uma cidade em que as pessoas compartilham ideias.

Qual a relação da sua música com as cidades, a cidade em quevocê está, Rio de Janeiro, São Paulo, as outras cidades por ondevocê circulou?

Para mim, não tem cidade, a música é universal. Meu desafio hoje é ter uma identidade sem ter identidade, porque as pessoas procuramuma prateleira para colocar você. Acho que você tem que ter a suaintegridade, como compositor, como artista, como músico, que é ter a liberdade de fazer. O grande barato da música é não ficar enraizadonuma cidade, numa sonoridade, numa estética sonora.

OO mmúússiiccoo ccoommppoossiittoorr ccaarriiooccaa sseemmpprree tteevvee oossoonnhhoo ddee mmoonnttaarr uumm eessppeettááccuulloo iinnffaannttiill..

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baixesoundcloud.com/nervoso

nervoso.art.br/discos visite

Page 59: CIDADE SONORA: cidade de fusão, música de encontros

O grande barato da música é absorver o máximo possível de informações para transformá-las na sua cidade.

Como é ser filtro desse mundo de informações e, ao mesmo tempo, não se apegar a uma identidade formal, a uma estrutura estética?

Não importa o que você faça, contanto que sejade coração. Saí de bandas que não têm

a ver com o que faço, porque a gente tem que manter a direção, saber o que

nos deixa feliz. Você só vai conseguirsobreviver de música fazendo o quegosta de fazer. O que vocêconsegue transmitir de sentimento,pescou nas suas referênciasmusicais. A sua identidade vem

da sua longevidade, da suaintegridade artística.

O que fica muito forte no seu som é o rock não como um fim, mas como um elemento aglutinador. Você concorda com isso?

O rock é a minha raiz. Comecei a ouvir música ouvindo rock. O queme deixou maluco da cabeça foi o rock. Comecei a comprar discosaos 10 anos de idade, que é o momento que o meu filho vive agora.Me vejo no espelho, um moleque cabeludo ouvindo rock sem parar,com guitarra em casa. Quando você vai amadurecendo, vai ficandomais curioso ainda em relação à música, começa a escutar músicacom outros ouvidos. Isso acontece com a arte de modo geral, com avida, e com a música não é diferente.

A música serve para expressar todas essas dimensões da vida?

Eu sou um privilegiado. Já passei por momentos pelos quais nãogostaria de ter passado, mas gostaria menos de ter passado por eles sem música. A música tem poderes e quem a consome também. Meu modo de consumir música é fazer música. Hoje em dia, faço mais música do que ouço.

O espetáculo que você vai apresentar no projeto está,evidentemente, dentro do seu escopo, mas é uma formadiferente de lidar com essas questões, não é?

O show do Cidade Sonora vai ser a apresentação das músicas do espetáculo. O espetáculo ainda não está pronto, não temdramaturgia. As músicas falam da história do personagem, que tinhao dom de escrever com letra bonita e se tornou um médico. A genteainda não sabe como vai fazer a peça visualmente, mas acho que é uma ideia bacana para a criançada, que está crescendo sem se preocupar com a escrita.

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Page 62: CIDADE SONORA: cidade de fusão, música de encontros

O que é, para você, a Cidade Sonora?

Cidade Sonora é todo som que a cidade respira. É tudo o que a gentequer sentir, é onde a gente quer percutir, interferir. É o que pode serouvido e sentido numa cidade urbana como São Paulo, desde a horaem que a gente vai dormir até a hora em que acorda. São os artistasvivendo sua expressão artística. Isso, pra mim, é a Cidade Sonora.

Você já passou por várias cidades com a Orquestra de Berimbausdo Morro do Querosene. Qual a relação da sua música com as várias cidades em que você circulou e morou?

Quando nasci, ouvia muitos badalos de sinos e sons de instrumentos,pessoas, mercadores, tambores, porque Salvador tem essa sonoridade.Quando saí da Bahia, continuei ouvindo as sonoridades de outrascidades, e essas diferentes sonoridades foram se misturando na minhamemória. A Orquestra de Berimbaus representa esses sons da minhamemória. Ao ouvir várias cordas do berimbau tocando, ouço sinosbatendo com várias tonalidades. É importante dizer que o Morro do

AA OOrrqquueessttrraa ddee BBeerriimmbbaauuss ddoo MMoorrrroo ddoo QQuueerroosseennee,,ffoorrmmaaddaa ppoorr ccaappooeeiirriissttaass,, mmúússiiccooss ee ppeessssooaass ddaa

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por Dinho Nascimento

Page 63: CIDADE SONORA: cidade de fusão, música de encontros

Além dos berimbaus convencionais, a Orquestra usa outrosinstrumentos inusitados, como o berimbum, que é um berimbau comsom grave e corda de contrabaixo; o berimbau de rabeca, que é tocadocom arco; e o berimbau de boca. A Orquestra de Berimbaus é umaexperiência de clareza de afinação dentro da especialidade doberimbau, que é rústico, raiz, visceral.

Gostaria de pontuar algo sobre o show do Cidade Sonora?

Vamos tocar músicas do CD Sinfonia de arame, que tem esse nome em referência ao aço tirado do pneu do automóvel para a corda doberimbau, numa ação de sustentabilidade. O repertório terá músicas de domínio público com nova roupagem, como “Aquarela do Brasil” e “Na Baixa do Sapateiro”, de Ary Barroso; terá também algumas faixasde minha autoria e uma breve interpretação do Hino Nacional comberimbaus. A Orquestra está participando com componentes dediversos setores da sociedade, não só alunos de capoeira, masprofessores, mestres, arte-educadores, dançarinos, atores, pessoasque não têm como pretensão serem músicos de orquestra, mas que,aos poucos, estão conhecendo o que é um instrumento de orquestra

rústico e completo como o berimbau. São onze componentes,cada um respeitando o repertório da Orquestra, mas tendo

sua expressividade dentro do processo. A Orquestra tem a intenção de formar cidadãos para encarar esse mundo de sonoridade e de vida.

Querosene, em São Paulo, é nossa inspiração para a idealização daOrquestra de Berimbaus do Morro do Querosene.

A música serve para expressar tudo isso, os sinos da igreja, osmercadores em Salvador, a passagem para São Paulo, as váriascamadas que a vida tem?

A música é um dos meios de expressão que mais toca o ser humano;aliás, os seres vivos. A música é a nossa linguagem oral, verbal, de comportamento, de expressão, de visão, porque o músico tem o instrumento para transmitir e, quando ele não tem o instrumento, ele já é o instrumento. A música é uma ferramenta viva e prática dentroda realidade. A Orquestra de Berimbaus, com seu repertório de musicalidade de raiz, tenta transmitir tudo isso.

Gostaria que você falasse um pouco sobre o minimalismo do berimbau como instrumento e do trânsito com o blues atéchegar na paridade da música sinfônica executada pelo berimbau.

O berimbau, como um instrumento artesanal de raízes, atravessou os séculos, o Atlântico. É um instrumento de resistência. Tem uma composição praticamente orgânica, a madeira dasárvores, o caxixi, a pedra, a baqueta, a corda tirada dopneu. É um instrumento de transformação, dereciclagem, e a gente é uma reciclagem desse universoancestral. O blues tem a ver com a musicalidade doberimbau pela sua trajetória de cantar a saudade, a vidae o trabalho. Daí vem o Berimbau blues. Temos trêsberimbaus: o gunga, o médio e o viola, cada um com umasonoridade, o grave, o médio e o agudo. Esses graves,médios e agudos estão no nosso universo urbano, notelefone que toca, por exemplo. São vários timbres, váriasfrequências que a gente tenta organizar para que saia uma coisa só.

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Page 64: CIDADE SONORA: cidade de fusão, música de encontros

O que é, na sua concepção, uma Cidade Sonora?

A cidade é sonora no sentido de ter vida, de estar pulsando, de estar emmovimento o tempo todo. São Paulo é uma cidade supersonora, estásempre sendo construída, estão derrubando um prédio para construiroutro, motoboy passando, buzina, gente indo trabalhar. É uma cidademuito viva, cheia de ruídos. Quando você pensa em música, tem quetraduzir um pouco desses ruídos, mas não no sentido literal. Vocêprecisa impregnar a sua música com um tipo de elemento que remeta a esses ruídos, a essa vida, a essa pulsação da cidade.

Vocês são de regiões diferentes, foram criados em lugaresdiferentes da cidade. Como é essa relação da música com a cidade, com as várias cidades que existem, por exemplo, São Paulo e outras cidades que você habita, frequenta?

Acho que o Passo Torto tem quatro elementos que traduzem váriospontos diferentes da cidade que se convergem num elemento comum.É um tipo de olhar poético e, de alguma maneira, cronista que a gente

PPaassssoo TToorrttoo éé aa uunniiããoo ddooss ccoommppoossiittoorreessRRoommuulloo FFrróóeess,, RRooddrriiggoo CCaammppooss,, KKiikkoo

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por Rodrigo Campos

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Page 65: CIDADE SONORA: cidade de fusão, música de encontros

tem sobre a cidade, de tentar descrever ou tentar flertarcom esses personagens da cidade. O Passo Torto é um pouco a fusão de uma São Paulo mais antigacom uma São Paulo moderna. É tentar traduzir o samba para uma linguagem atual, reformular o samba, retrabalhar o samba. A gente flerta comaquele Largo da Banana, antigo, onde nasceu o samba de São Paulo, trazendo esse samba paraa Rua Augusta. O Passo Torto é uma espécie deconjunção de tempos, de épocas, sempre olhandopara trás, uma espécie de relógio de pêndulo, quevai e volta. Acho que o Passo Torto é a conexão devárias cidades e até de várias épocas, vai um pouco além da geografia.

Você acha que a música serve para traduzir o que você estáfalando, a relação das cidades, o pêndulo que não vai em ritmoconstante para os tempos?

Sim, a música serve para isso, mas não só. Ela acaba servindo paraisso como consequência dessa necessidade de se dizer algo. Mas aprimeira coisa para a qual eu acho que ela serve não é essa. A primeiracoisa é simplesmente fazer música e ter um olhar sobre a vida da gente,sobre a vida de cada um, sobre o que cada um sente no dia a dia.

O Passo Torto possui, na sua formação, artistas que têm umtrabalho muito consistente. O Romulo Fróes, por exemplo, achaque isso é uma característica desse momento da música brasileira:a reunião de artistas com musicalidades muito potentes, que seencontram em determinados momentos. Essa colaboração ocorrenão só porque junto é mais fácil sobreviver, mas também comoforça criativa. Como você entende isso?

Compartilho da opinião do Romulo, até porque a genteconversa muito sobre isso. Tem vários exemplos disso:

o Bahia Fantástica, além do Passo Torto, é umexemplo disso. Quatro músicos que são parceiros e ajudaram na produção do disco. Todo mundoentrou de um jeito mais artístico, colaborativo, do que seria na época da indústria fonográfica, no auge da indústria, na época em que vocêcontratava um produtor, contratava os músicos,

pagava todo mundo, não pedia a opinião deninguém. Acho que esse momento colaborativo

é reflexo também do momento do mercado da música,do jeito de se produzir música. Os artistas têm essa

proximidade e têm mais liberdade de escolha. Quando vocêtem liberdade de produzir, você chama as pessoas que você quer, vocênão está com o rabo preso com ninguém, você tem liberdade artísticatotal, e isso enriquece o trabalho de todo mundo. Você vê que mesmo o “Labirinto em cada pé”, do Romulo, que é um disco anterior ao PassoTorto, já tinha colaboração da gente. O Bahia Fantástica também temisso de colocar o nome dos músicos como produtores, nãosimplesmente como músicos. Não é “cada um foi lá e tocou”. Não, cadaum foi lá e produziu o disco, cada um vivenciou o disco à sua maneira e contribuiu efetivamente para a sonoridade do disco. É um reflexomuito atual esse processo de poder realmente dar vazão ao que vocêestá pensando, compor o que você está querendo, chamar quem vocêquiser, sem obrigação nenhuma. Isso faz com que o seu disco seja asua casa, a sua família, com coisas mais próximas, sem umcompromisso de mercado tão urgente.

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Page 66: CIDADE SONORA: cidade de fusão, música de encontros

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Page 68: CIDADE SONORA: cidade de fusão, música de encontros

O que é na sua concepção uma Cidade Sonora?

Para mim, a Cidade Sonora é uma cidade cujo ruído, cujo som pulsa deuma maneira que a gente consiga perceber ritmicamente,musicalmente. Eu não penso em produção musical, penso numamúsica que é feita nessa cidade para além do próprio ruído da música.

Qual é a relação da música do Aláfia com a cidade ou com ascidades que você já conheceu, que você dá um rolê, o lugar quevocê mora, as cidades que habitam em você?

Essa pergunta é recorrente até, porque quando as pessoas procuramdefinir o nosso som, eu penso muito na questão da tradição. E essasinfluências, essas referências diversas que a gente tem, nãoconseguem chegar nem perto da tradição. Quando alguém fala degênero, eu sempre penso na tradição como algo que vem meio quenaturalmente de algum tipo de comunidade, algum tipo de agrupamentode gente. E eu sempre estive muito cercado de diversas influências e,nesse caldeirão, a cidade. O som do Aláfia se identifica muito com a

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O que é uma Cidade Sonora para você?

Eu imagino que o som é a máquina do planeta. Está pulsando o tempotodo, fervendo o tempo todo. Às vezes a gente esquece que esseelemento está sempre presente. A Cidade Sonora é uma dissertação do presente. Nela, o som está presente o tempo todo na gente, com a gente.

Você tocou em coletivos que se reuniram aqui em São Paulo, mas também fora do Brasil. Como é a relação, tanto do músicocomo do artista, com as cidades?

É bem autofágico. É um contato da fome, da autofagia mesmo, porqueos lugares que habito, as cidades onde estou, as pessoas com quemencontro, me alimentam o tempo todo, de música, de informação, de cor, de ideias. As pessoas fazem os lugares, eu me alimento deconexões. Tem um lugar de deitar sobre a cidade, pensar sobre ascidades. No primeiro disco, eu estava vindo de uma turnê europeia, em que a gente ficou seis meses tocando. Cada música era referência

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de uma nova cidade em que eu passava. Às vezes, eu escrevia umtexto num trem e, quando chegava numa cidade, fazia a composição.Essa multi-identidade que cada cidade tem influencia a obra.

Há duas dimensões: uma é a do produtor dentro das diversaslinguagens, e eu sei que você já produziu outros trabalhos deoutros artistas, e a outra é a do engenheiro de som, na acepçãocriativa, não do técnico por trás da mesa, mas do engenheirocriador. Essas faces são distintas e aparecem em momentosdiversos. Como você as encarna num cara só, no Pipo?

Cada obra é um novo trabalho, cada novo encontro cria umaperspectiva criativa. Dentro da troca artística, e na minha obra autoral,tento imaginar sonoramente como chegar naquele lugar. Tento meapropriar de coisas. Melhor do que apropriar, porque essa palavra é forte, tento entender como as pessoas chegam em certos resultadossonoros. Antes de trabalhar com diferentes pessoas, em diferentescontextos, tento entender como aquele cara chegou naquele som, comoele compôs aquilo. Vai ver o cara compôs aquilo porque estava no meiode um festival com hippies dançando pelados durante três dias em voltada fogueira. O contexto das cenas artísticas influencia muito. Eu sou umgrande curioso. Tenho um olhar aguçado, um olhar para o que aspessoas já fizeram, e procuro fundir com ideias novas para não ser uma repetição do que já foi feito, trazendo as pessoas para o presente.

O show que você está elaborando faz uma investigação entre os timbres e as sonoridades, mas também lida com as condiçõesreais das salas. Não parece que tem essa ideia de “eu moldo osom”, você parece o tempo inteiro se deixar perpassar pelos sons.

Com certeza. Não buscamos chegar no som ideal, é o som que vaichegando ao que ele quer.

A sua construção melódica parece serelaborada de uma maneira mais feminina.Sempre fico ouvindo cantoras cantandoas suas músicas, mesmo quando vocêcanta.

Nunca parei para pensar nisso, mas ascantoras sempre me perguntam: “Você tem umamúsica?” Realmente são cantoras que vão atrás dasminhas canções, eu nunca tinha sacado.

Fica essa questão, porque no show vai ter a participação da Luisa Maita e da Blue Bell. Você quer falar alguma coisa a respeito do show?

A gente demorou um tempo para lançar esse disco, e agora que lançouparece que saiu a tampa do disco, sabe? A gente deu as caras e muitaspessoas têm tido um olhar muito interessante. Vai ser um puta showlegal, vai vir a Maita junto com a Bebel, somando com uma galerasuperlegal. Vai ser bem porreta. Espero que vocês apreciem.

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Page 70: CIDADE SONORA: cidade de fusão, música de encontros

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O que é, para você, uma Cidade Sonora?

Cidade Sonora é toda metrópole em que existe som. Metrópole não,porque no interior também tem som, e o silêncio também é um som.São Paulo acaba sendo uma Cidade Sonora com o seu lado industrial,seu trânsito e a diversidade musical que existem aqui. Todas as cidadespara mim são sonoras.

O hip-hop tem uma relação muito forte com a sonoridade de cadalugar, com as cidades. Qual a relação da sua música, da sua rima,com as cidades?

A música faz parte da possibilidade de me unir com outras pessoas.Tenho uma ligação muito forte com a música do Norte, do Nordeste,principalmente com Luiz Gonzaga e Jackson do Pandeiro, que meu paitoca e tocava quando eu era criança. Depois disso, me aproximei maisdo samba e do rap. Meu irmão toca reggae, estou bem próximo de tudo.Também ouço outras coisas, Black Rio, Djavan, Jorge Ben, conexõespara fazer música.

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Page 71: CIDADE SONORA: cidade de fusão, música de encontros

Você está trabalhando agora num projeto com o LaboratórioFantasma, com um sistema de produção específico. Como é esse novo momento?

Está sendo mágico, porque estou produzindo com pessoas de quemsou fã, com muita influência de música jamaicana e misturando essasinfluências com as músicas brasileiras. Unir o Brasil com o hip-hop e a música jamaicana vai dar uma sonoridade bem louca.

Você acha que essa interligação com outros grupos do mundo é uma tônica desse novo hip-hop brasileiro?

Acho que é um primeiro passo. É um grande passo, na real. Muita coisaainda está para acontecer, mas é um momento de portas se abrindo.Ser reconhecido como uma música popular brasileira é um grandepasso. Muitas coisas que se misturaram com o rock ou com a tropicália,por exemplo, foram reconhecidas como música popular brasileiradepois. O rap, com influência norte-americana, também tem o direito de ser reconhecido como música popular brasileira, porque tem a nossamistura. As pessoas estão começando a entender isso.

Você acha que a música serve para expressar todas essasquestões?

A música é nossa porta-voz. Acredito que o rap e a música brasileirasão frutos de uma diáspora africana. Em todo lugar do mundo tem umpouco de negro. O hip-hop foi criado por pessoas negras, o samba foicriado por negros, assim como o rock. Se você for ao Canadá, vai vercomunidade haitiana, jamaicana, de Trinidad e Tobago. Se for à França,vai encontrar gente da Tunísia, da África árabe. A gente se espalhou por todo o mundo e acaba se reencontrando através da música.

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Page 72: CIDADE SONORA: cidade de fusão, música de encontros

O que é para você uma Cidade Sonora?

São Paulo é uma Cidade Sonora. Tem vozes diversas, máquinas,pessoas. Essas canções que são máquinas, pessoas e seussentimentos, suas alegrias, suas angústias. A cidade como polifonia,com evidentes cruzamentos de culturas. A cidade proporciona a diversidade cultural, que traz consigo jeitos de falar, musicalidades,tradições musicais, sonoridades da sexualidade de cada pessoa e o encontro dessas sonoridades, dos homens, das máquinas. Fora a visualidade, é o som que faz uma cidade ser o que ela é.

Qual a relação da sua musicalidade com as cidades, com a cidade em que você nasceu, que você conhece, da sua voz, do seu trabalho no teatro, da sua poesia?

A referência maior do meu trabalho, tanto no Bartolomeu, teatro hip-hopa que me dedico há doze anos, quanto em trabalhos individuais, é a cidade, ela é a inspiração. Estou sempre a partir dela, para ela. Ela está no centro. Ela possibilita. É a partir do sentimento,

AA aattrriizz--MMCC ee ssllaammmmeerr RRoobbeerrttaa EEssttrreellaa DD’’AAllvvaaaapprreesseennttaa uumm rreeppeerrttóórriioo qquuee tteemm ccoommoo ppoonnttoo ddeeppaarrttiiddaa aa mmiissttuurraa ddee rriittmmooss ccoommoo oo jjaazzzz ee oo bblluueessccoomm oo uunniivveerrssoo ddoo ssppookkeenn wwoorrdd ((ppooeessiiaa ffaallaaddaa))

ee ddooss ppooeettrryy ssllaammss ((ccaammppeeoonnaattooss ddee ppooeessiiaaffaallaaddaa)).. RRoobbeerrttaa ddeesseennvvoollvvee pprroojjeettooss

ppeerrffoorrmmááttiiccooss--mmuussiiccaaiiss nnoo NNúúcclleeoo BBaarrttoolloommeeuu ddee DDeeppooiimmeennttooss ee nnaa FFrreennttee 33 ddee FFeevveerreeiirroo..

ÉÉ iiddeeaalliizzaaddoorraa ddoo ZZAAPP!! ZZoonnaa AAuuttôônnoommaa ddaa PPaallaavvrraa,,pprriimmeeiirroo ppooeettrryy ssllaamm bbrraassiilleeiirroo.. FFooii ffiinnaalliissttaa ddaaCCooppaa ddoo MMuunnddoo ddee PPooeettrryy SSllaamm 22001111,, eemm PPaarriiss.. ÉÉ vveenncceeddoorraa ddoo PPrrêêmmiioo SShheellll ddee MMeellhhoorr AAttrriizz ddooaannoo ddee 22001111 ppoorr ssuuaa aattuuaaççããoo nnoo mmuussiiccaall OOrrffeeuu

mmeessttiiççoo –– UUmmaa hhiipp--hhóóppeerraa bbrraassiilleeiirraa..

RRoobbeerrttaa EEssttrreellaa DD’’AAllvvaa

71

zapslam.blogspot.com.br visite

Page 73: CIDADE SONORA: cidade de fusão, música de encontros

das experiências, das trocas, das dificuldades, das angústias de viverna cidade, da alegria que é ser uma cidade grande, uma metrópole, que vem a inspiração para a forma e o conteúdo, para o verso e a prosa, para a poética. A cidade move, é a parceira, a antagonista, a que provoca e a que acolhe. É de onde parte o som, de onde partem todos os estilos. Uma obra teatral, umpoema, um blues, essas discussões, o próprio hip-hop, o teatro, a Ágora, o slam, o spoken word são expressõesda cidade. São formas que os homens encontram de praticar a livre expressão e o pensamento dentro da cidade.

Você é uma slammer, uma poetisa, atriz, cidadã,cantora, ativista. Quais são os trânsitos que issopermite?

O que vem antes de tudo é o teatro. O teatro traz a representação,permite colocar muitas coisas em cada personagem. Eu tive contatocom esse trânsito muito cedo, com essa vontade de estar em váriosambientes, em contato com várias culturas, com várias formas de se

fazer. A música e o ativismo são, na verdade,uma coisa só. Esse trânsito é um desejo e

uma necessidade também. Esse teatro daautorrepresentação, de contar a históriaque você vive, do seu país, do seu povo,está em primeiro plano. É o que possibilitaesse trânsito. No teatro, cabe a poesiafalada; na música, tem a poesia falada;

no spoken word, no slam, no rap, tem acontação de histórias. Em várias

manifestações, a poesia falada serve de

interface para a expressão. Esse trânsito, mais do que natural, é necessário, é o encontro. Não ficar circunscrito num ambiente ou nooutro, mas também não ser um saco de gatos, que faz tudo, mas nãofaz nada direito. É ter sempre esse norte, a autorrepresentação, falar

do meu tempo. Essa vontade de trabalhar com a palavra comoalgo material, que você pode aumentar, trabalhar com o ritmo.

A música dá conta, ou a música serve?

A música tem essa característica de mover a frequência. A vibração sonora é muito poderosa, traz e leva conteúdos.Cabe muita coisa numa música, cabe muita sensualidade,

muito amor, muita poesia, paixão. Tudo, enfim, cabe numamúsica. É o tambor que tem no nosso coração. Pode mudar

tudo, mas a música é música e vai ser para sempre umanecessidade, um desejo, uma fonte de expressão para o ser humano.

Você gostaria de falar alguma coisa relacionada ao show?

Os espaços que promovem a livre expressão, o livre pensamento, o encontro entre artistas, a troca são muito bem-vindos. A gente precisa que esses espaços cresçam. Precisamos ser agentes dessaproliferação: das coisas se abrindo e não fechando, começando e não acabando. Está surgindo uma nova era para a música, e para as artes, para o que se faz, o que se fala, o que se toca, e para a maneira como se recebe isso.

72

““EEssttáássuurrggiinnddoo uummaannoovvaa eerraa ppaarraa

aa mmúússiiccaa,, ee ppaarraa aass aarrtteess..””

““AA cciiddaaddeemmoovvee,, éé aa ppaarrcceeiirraa,,aa aannttaaggoonniissttaa,, aa qquueepprroovvooccaa ee aa qquuee

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Page 74: CIDADE SONORA: cidade de fusão, música de encontros

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Page 75: CIDADE SONORA: cidade de fusão, música de encontros

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““AA mmúússiiccaa bbrraassiilleeiirraaeessttáá mmuuiittoo vviivvaa,, ccoommooppoouuccaass vveezzeess eesstteevveennaa ssuuaa hhiissttóórriiaa..””

Page 76: CIDADE SONORA: cidade de fusão, música de encontros

O que é a Cidade Sonora para você?

Acho que a Cidade Sonora tem muito a ver com essa convergência deartistas do Brasil inteiro. Esses artistas de toda parte do país que, paradesenvolverem suas carreiras, acabam chegando em São Paulo. Esse encontro de gente de muitos lugares gerou uma música poderosa.Essa nova música brasileira de que a gente fala, essa músicaindependente que está fora das grandes gravadoras, é feita porcolaboração, é feita de trocas e ajudas. Acho que esse encontro gerouuma nova música brasileira que ainda está sendo descoberta e que,tenho certeza, é muito rica e diversa.

Como é a relação da sua música com as cidades pelas quais você passa?

Eu sou paulistano, filho de um baiano e de uma mineira. Quer dizer, na minha genética, eu já sou fruto de uma mistura do nosso país, de lugares muito específicos, como a Bahia e Minas. Depois, o trabalhotambém tem a ver com a potência econômica de São Paulo.

LLaannççaammeennttoo ddoo CCDD UUmm llaabbiirriinnttoo eemm ccaaddaa ppéé..MMuuiittoo iinnfflluueenncciiaaddoo ppoorr NNeellssoonn CCaavvaaqquuiinnhhoo,,

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pprróópprriioo.. RRoommuulloo ffaazz ppaarrttee ddee uummaa nnoovvaaggeerraaççããoo ddee ccoommppoossiittoorreess qquuee vvêêmm pprrooppoonnddoonnoovvooss ccaammiinnhhooss àà mmúússiiccaa ppooppuullaarr bbrraassiilleeiirraa..

AAggoorraa,, ccoomm oo llaannççaammeennttoo ddee sseeuu qquuaarrttooddiissccoo,, rreeaaffiirrmmaa oo ddeesseejjoo ddee uumm ddiiáállooggoo ccoomm

eessttaa hhiissttóórriiaa ee ccoonnffiirrmmaa sseeuu ccoonnssiisstteenntteettrraabbaallhhoo ddee rreennoovvaaççããoo.. NNeessttee sshhooww,, RRoommuulloo

éé aaccoommppaannhhaaddoo ppoorr GGuuiillhheerrmmee HHeelldd,,MMaarrcceelloo CCaabbrraall,, PPeeddrroo IIttoo,,

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RRoommuulloo FFrróóeess

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Page 77: CIDADE SONORA: cidade de fusão, música de encontros

Eu acho. Recentemente, eu e o Walter Garcia tivemos uma longadiscussão sobre a canção, o fim da canção, o que é canção, o que nãoé mais canção. Para produzir o meu trabalho, não posso deixar deacreditar na canção. Entendo todos os questionamentos, compreendoque a canção realmente vive uma crise, mas isso não pode sercastrador nem imobilizador. Desde meu primeiro disco, quando eulidava com esse samba triste pelo qual sou totalmente influenciado, já estava tentando fazer algo que fosse realmente meu, reconfiguraresse limite, como você mesmo disse. Mas é claro que existe um modelosuperior e inabalável que é a canção brasileira. Nenhuma arte no Brasiltem um modelo tão poderoso quanto a canção. Todo mundo no Brasilfaz canção, consome canção, conhece canção. Você não pode fugirdesse modelo, mas o meu papel como artista é esticar esses limites.Quero provocar uma reação nas pessoas, quero que elas gostem ou não da minha canção. Ela sendo nova ou não, isso não importa, mas que ela tem um pensamento forte, um propósito claro, isso eu achoque ela tem. E isso vem da canção. Se ela morreu, se não morreu,pouco me importa. O meu modelo é a canção brasileira, é com ele queeu dou conta, é com ele que eu vou dar conta sempre.

Maravilha, Romulo. Você gostaria de dizer mais alguma coisa?

Cidade Sonora é sinal de que essa nova música, essa músicaindependente, está ganhando força, tem público, tem interesse por ela.Projetos com uma escalação brilhante como essa só fortalecem essemomento. Acho que essa cena, essa turma, vai acontecer comoconjunto. Não como um conjunto de pensamento, pois ninguém vaiescrever um manifesto ou dizer como chama esse momento, mas essacolaboração, essa ideia de que existe uma cena, de que existe umaturma, é reforçada em projetos como Cidade Sonora. E têm queacontecer mais e mais mesmo, porque, há muito tempo, as viúvas daMPB estão chorando por algo que não existe. A música brasileira estámuito viva, como poucas vezes esteve na sua história.

Porque a coisa criativa acontece em qualquer canto, na menor cidadedo mundo está sendo produzida música, mas a coisa econômica aindafaz você se movimentar, faz você sair do seu lugar para querer levar a sua música ou a sua arte para outros lugares. Cada horizonteconquistado, cada lugar que você conhece, cada pessoa que vocêencontra influencia muito. Essa coisa colaborativa tem um fundoeconômico, que é: “Vamos nos ajudar, porque ficamos sozinhos, sem o apoio da grande indústria.” Fazer o meu som com o Rodrigo Campos,o Kiko Dinucci, o Thiago França, leva a minha música para lugares queeu nem podia supor.

Qual você acha que é o papel da música? A música serve para expressar tudo isso?

A arte serve para tudo isso, a arte é uma resposta à vida. E é até maior que a vida, em certo sentido. Às vezes, é ela quepossibilita a você responder aos questionamentos da vida, lutar contraas misérias da vida. Acho que a arte, não só para quem faz, mastambém para quem a consome, responde à vida. Até acredito natranscendência em relação à vida, sim. Acho que a arte, quando viramera denúncia, deixa de ser arte para ser jornalismo ou algo que o valha. Por isso a arte tem que transcender a vida, tem que ser maiorque ela, tem que tornar a vida suportável, bela e grandiosa. Nesse critério de arte, a música talvez seja a que mais facilmente, mais diretamente, atinge esse objetivo. Uma canção é capaz detransformar profundamente a vida de uma pessoa.

A forma canção está muito presente na sua música, porém os limites dela são, digamos, reconfigurados. Essa sua frase sobrea canção é muito potente: uma canção pode mudar a vida de umapessoa. Você acredita ainda nessa construção da forma cançãocomo o resultado máximo da música popular?

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Page 78: CIDADE SONORA: cidade de fusão, música de encontros

O que é uma Cidade Sonora pra você?

A cidade é um ambiente, um ambiente físico, um ambiente humano e, consequentemente, um ambiente sonoro. Quem é músico percebe as cidades, os lugares, pelos sons que eles produzem. Até inconscientemente. O som passa por você na forma como vocêsente o lugar que vive ou o lugar que visita. Para mim é indissociável a existência de uma cidade, a minha presença numa cidade com o somque ela produz e o som que ela envolve.

Como você sente o seu som em relação às cidades, à cidade ondevocê mora, ou onde você morou, às cidades que você conhece?

Recife, São Paulo e a Zona da Mata são três lugares que têm umapresença muito forte no meu trabalho, porque são regiões onde eu vivi.Não consigo imaginar a minha música sem a relação com esses trêslugares. Os lugares por onde você passa também deixam uma marcaforte. Essa marca é menos fácil de detectar, mas está sempre presente.O artista é uma criatura interativa, sempre tentando tirar do mundo

IInniicciioouu aa ccaarrrreeiirraa eemm 11999922,, ttooccaannddoogguuiittaarrrraa ee rraabbeeccaa nnaa bbaannddaa MMeessttrree

AAmmbbrróóssiioo,, uummaa ddaass ppiioonneeiirraass ddoommoovviimmeennttoo MMaanngguueebbeeaatt..

EEmm 11999977,, ccoommppôôss ““BBaaiillee ccaattiinnggoossoo””,,iinncclluuííddaa nnaa ttrriillhhaa ssoonnoorraa ddoo ffiillmmee BBaaiillee

ppeerrffuummaaddoo.. EEmm 22000022,, ccoomm oo ffiimm ddaaMMeessttrree AAmmbbrróóssiioo,, ffooii mmoorraarr eemm NNaazzaarrééddaa MMaattaa ee ffoorrmmoouu aa bbaannddaa FFuulloorreessttaaddoo SSaammbbaa,, ccoomm mmúússiiccooss ddaa ZZoonnaa ddaa

MMaattaa ppeerrnnaammbbuuccaannaa.. LLaannççoouu eemm 22001122oo ddiissccoo ssoolloo AAvvaannttee,, eemm qquuee bbuussccoouu

uummaa ssoonnoorriiddaaddee mmaaiiss eellééttrriiccaa,, ccoomm pprroodduuççããoo ddoo gguuiittaarrrriissttaa FFeerrnnaannddooCCaattaattaauu,, ddaa bbaannddaa CCiiddaaddããoo IInnssttiiggaaddoo..

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Page 79: CIDADE SONORA: cidade de fusão, música de encontros

O ponto de conexão entre tudo o que já fiz até hoje como artista é a poesia. A música como veículo para o texto é o principal. Eu estou,na verdade, fazendo a mesma coisa o tempo inteiro. No caso deAvante, foi um disco em que eu pensei em colocar de maneira maisplural elementos musicais que fizeram parte da minha formação comoartista. Coisas que ouvi com mais atenção e intensidade, que meinfluenciaram sempre, embora não estivessem tão obviamentepresentes no som.

O processo de feitura desse disco teve um desdobramento, que foi um documentário. São diversas camadas de uma mesmaobra, a camada poética do texto, essas sonoridades mais plurais e a ideia de um documentário, um outro olhar sobre esse mesmo processo. Como você vê essas diversas camadas nessaobra específica?

O documentário não é exatamente parte da obra, porque não é um filme que eu me propus a fazer. É um filme de dois caras que se

debruçaram sobre o meu processo. Ele possibilita, de algumaforma, uma aproximação maior com a obra, mas não faz

parte da obra. Não tem a ver diretamente com as ideiasque estão no disco. Ele só abre uma janela, podeaproximar ou até afastar, dependendo da forma comovocê se relaciona com a questão do recebimento dainformação. Mas é um momento em que expus umaintimidade muito grande, em que abri completamente

o processo do disco. O filme dá um mergulho em ummomento intenso de realização de um artista e pode trazer

um olhar interessante sobre esse processo.

alguma coisa, alguma ideia, e processando isso no seu trabalho criativo.É claro que algumas cidades pelas quais passei causaram um impactomais forte, estão mais presentes no meu trabalho, pontualmente ou profundamente, como é o caso de Recife, de São Paulo e da Zona da Mata.

Conversando com outros artistas, surge essa questão de umavanço, de uma marcha, um levante, um direcionamentopropositivo rumo ao futuro. Como você sente o seu som narelação com o momento da música brasileira?

Eu tenho dificuldade em avaliar isso, porque estou muito ocupado comas questões que envolvem realizar o meu sonho. Então eu me sintodespreparado para fazer uma avaliação, uma conexão mais profundaentre o que estou fazendo e o momento da música brasileira. Essa palavra, avanço, teria mais a ver, nesse disco, com a forçapropulsora do movimento, e não com o direcionamento para o futuro. É um disco baseado em coisas que vivi, tentando buscar soluçõespara o meu presente. A palavra avanço tem mais a ver com abusca dessa força-movimento, do fazer, do realizar, docontinuar se movendo, do que com atingir algo que nãoestá no tempo presente.

Quem me trouxe a sonoridade do Avante foi a minhamãe, que, como eu, é pernambucana. Ela ficouinebriada com o disco e eu comecei a ouvir ascomposições. Tem um lugar de colcha de retalhos,uma colcha de mãe. O disco abre diversaspossibilidades, presentes na trajetória da sua música, masde uma maneira diferente do que eu identificava com o seutrabalho. Você acha que tem relação com essa busca da forçapropulsora, do movimento, ou é um desdobramento contínuo dotrabalho?

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““OO ppoonnttoo ddeeccoonneexxããoo eennttrree ttuuddoooo qquuee jjáá ffiizz aattéé hhoojjee

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Page 82: CIDADE SONORA: cidade de fusão, música de encontros

O que é uma Cidade Sonora pra você?

Cidade Sonora é um ambulante que reverbera. É uma cidade onde o que as pessoas estão compondo está chegando pra quem estáouvindo. A Cidade Sonora é um pouquinho mais justa do que ascidades que a gente habita, como um projeto como esse, que permiteque a voz chegue às pessoas. É a cidade onde a voz do compositor do seu tempo chega à população, ao ouvinte.

O Samba 808 é um disco de muita canção, a melancolia perpassaos temas, é um disco muito autoral. Como esse lirismo se une aoprocedimento da batida, que funda o dirty sound, e ao punk rock,ao beat?

O contexto do disco veio antes do disco. Eu queria borrar esses doisgêneros, o samba e o funk. São ritmos essencialmente brasileiros, o samba como a célula-mãe da música brasileira, e o funk como umgênero que já está maduro, na faixa dos 30 anos. Queria deixá-loscada vez mais próximos. Só que isso acabou ficando sutil no disco,

DDeeppooiiss ddee cciinnccoo ddiissccooss,, ddeezz aannooss ddee cchhããoo eeaaffiirrmmaaççããoo ddee ffaazzeerr iissssoo mmaaiiss ppoorr nneecceessssiiddaaddeeddee eexxpprreessssããoo ee rreeaalliizzaaççããoo ppeessssooaall ddoo qquuee ppoorrqquueessttõõeess ddee mmeerrccaaddoo,, cchheeggaammooss ddee AAllaaggooaass

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jjuussttoo oouu rreeccíípprrooccoo ee ooppttaammooss ppoorr eexxttrreemmaarr oo ddoo iitt yyoouurrsseellff ddeessttee áállbbuumm.. EEssttaarr eemm

sseelloo//ggrraavvaaddoorraa sseerrvviiaa ppaarraa ddiissttrriibbuuiiççããoo eeppaarraa ddaarr vviissiibbiilliiddaaddee.. VViissiibbiilliiddaaddee ggrraavvaaddoorraa

nnããoo tteemm ddaaddoo ee,, qquuaannttoo àà ddiissttrriibbuuiiççããoo,, ooss ccaammiinnhhooss ddaa iinntteerrnneett ttêêmm rreessoollvviiddoo

mmeellhhoorr.. BBaaiixxee,, ddeelleeiittee oouu ddeelleettee,, ffooffooqquuee ppaarraaooss aammiiggooss qquuee éé bboomm oouu rruuiimm ee ccoonnvviiddee oossoouuttrrooss aa cclliiccaarreemm nneessttee bboorrrroo ddee ggêênneerrooss..

WWaaddoo

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wado.com.brouça

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Page 83: CIDADE SONORA: cidade de fusão, música de encontros

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não ficou no primeiro plano. Como vocêfalou, é um disco de canção.

Qual é a relação da sua música com as cidades onde você viveu e a cidade onde você vive?

O meu trabalho é bem brasileiro, sem serregional. Eu vim do Sul, moro em Maceió,

já morei quase dois anos e meio no Rio, já moreiem São Paulo. O meu trabalho acaba sendo muito

brasileiro. Se a gente voltar a pensar no que é uma Cidade Sonora,tem praças no Brasil onde o meu trabalho é muito quente e bem-recebido pelas pessoas e tem lugares em que não. Tem lugaresem que o Brasil está muito interessado no Brasil e tem lugares emque o Brasil já se tornou uma periferia do mundo. Tem lugares onde a gente concorre com shows gringos, e o interesse das pessoas emver o show gringo acaba dando uma nublada nessa informaçãobrasileira. Mas está passando esse deslumbre de fazer parte docircuito internacional. As casas estão começando a encher commúsica brasileira, e acho que isso é muito legal para a CidadeSonora.

““AA tteexxttuurraa pprraaggeennttee éé ttããoo

iimmppoorrttaannttee qquuaannttoo oo ccoonntteeúúddoo..””

““EEuu qquueerriiaa bboorrrraarreesssseess ddooiiss ggêênneerrooss,, oo ssaammbbaa ee oo ffuunnkk..””

““TTeemm lluuggaarreess eemm qquuee oo BBrraassiill eessttáámmuuiittoo iinntteerreessssaaddoo nnoo BBrraassiill ee tteemm

lluuggaarreess eemm qquuee oo BBrraassiill jjáá sseettoorrnnoouu uummaa ppeerriiffeerriiaa ddoo mmuunnddoo..””

Eu vejo você apresentando as canções com violão, que é umaforma de canção clássica, mas a sonoridade das canções recebeo filtro da guitarra, que poderia se chamar de rock. A questão da eletrificação do som é um eixo central na sua música?

A textura pra gente é tão importante quanto o conteúdo. Eu sempretrago os gringos como referência para timbrar. O som do 808 temessas influências internacionais, por isso tem timbragens bemtravadas, muita frase de bateria, distorção. A gente se autossabotapara o rádio, por exemplo, com esse estilo mais sujo.

A textura, a forma de apresentação da canção, é fundamental.

É também uma batalha para se colocar no mundo de uma forma que você não chegaria. A informação do samba, do funk, do ijexá, do afoxé, a gente já tem como ganha. E também, se eu for fazer o som que fazia em 1984, vai ficar ruim. Muito melhor é fazer comoestou fazendo hoje.

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O que é, na sua concepção, uma Cidade Sonora?

Cidade Sonora na minha concepção é Nova York ou São Paulo. Na minha primeira visita a Nova York, senti a vibração da cidade, o barulho musical que faziam os carros, as avenidas, os trens, tudo issocom o clima do hip-hop. Quando você chega em Nova York ou quandochega em São Paulo, você sente o clima do hip-hop e a pressão, a compressão da cidade. Isso pra mim é a Cidade Sonora.

Qual a relação da sua música com as cidades, São Paulo, Nova York, outras cidades a que você foi?

A cultura hip-hop sempre esteve muito relacionada com a cidade, comos problemas e as virtudes da cidade. É uma relação de amor e ódio,de pedido de socorro e de recusa. “Us mano e as mina” é uma músicaque retrata isso. Quando ela chegou aos manos do meu bairro, queestavam começando a consumir a cultura hip-hop, eles logo se ligaramna batida. “Umas pá de mina cantando de esquina.” Eu era muito ligadoao samba, à música popular, e fui começando a descobrir coisas novas.

NNaasscciiddoo nnaa VViillaa FFoorrmmoossaa,, ccrriiaaddoo eemmIIttaaqquueerraa,, XXiiss eessttaa nnaa ccuullttuurraa hhiipp--hhoopp

ddeessddee oo ffiinnaall ddaa ddééccaaddaa ddee 11998800.. EExx--iinntteeggrraannttee ddoo ggrruuppoo DDMMNN,, ggrraavvoouueemm 11999977 oo ssiinnggllee ddee rraapp DDee eessqquuiinnaa,,pprroodduuzziiddoo ppoorr DDJJ HHuumm.. SSeeuu pprriimmeeiirroo

ddiissccoo ssoolloo rreennddeeuu oo pprrêêmmiioo ddee MMeellhhoorrVViiddeeoocclliippee ddee RRaapp nnoo VVMMBB ccoomm oossuucceessssoo ““UUss mmaannoo ee aass mmiinnaa””.. EEmm 22000011,, llaannççoouu FFoorrttiiffiiccaannddoo aa

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Page 85: CIDADE SONORA: cidade de fusão, música de encontros

vai completar vinte anos do álbum do DMN, Cada vez maispreto. Desde os 10 anos de idade, não consigo passar um

ou dois dias sem escutar um rap, sem escutar hip-hop,sem ver alguém dançando break, sem prestar atençãonum grafite na rua ou na internet. Outras coisasganharam dimensões maiores, a família, asresponsabilidades, mas a música ainda tem muitaimportância na minha vida. Há dez anos estoudiariamente na TV. Desses dez anos, cinco são

falando de hip-hop. No rádio, estou há sete anosfalando de hip-hop, de música black, tocando pra

molecada nova que está descobrindo o rádio. Atuei devárias maneiras na música, compondo, produzindo, criando

junto com uma galera do Sul, do Sudeste, do Norte. Eu amo a música, ela continua sendo o ar que eu respiro a cada segundo.

Quer falar alguma coisa sobre o show que preparou para o Cidade Sonora?

Estou felizão e muito agradecido de participar desse evento, num bairro como a Barra Funda. Vamos fazer uma parada de coraçãopara quem for lá assistir, cantar nossas rimas, falando um pouco da cidade, do nosso dia a dia, do nosso cotidiano.

A gente continua trabalhando essa intensidade num graumuito elevado.

O seu percurso dentro do hip-hop é histórico. Sevocê não foi o primeiro MC a cantar no Municipal,foi um dos primeiros.

Toda vez que eu passo lá na frente eu lembro disso.Já ouvi o Thaíde comentando que nós fomos osprimeiros MCs a tocar no Municipal. É um lugar emque poucas pessoas na cidade de São Paulo entram ou vão assistir a um espetáculo. Acho até quedeveríamos negociar e participar mais desses espaçosmunicipais e estaduais. Quando eu era moleque, ficavaassistindo à TV Bandeirantes para escutar uma chamada de 30segundos da Rádio Bandeirantes FM, que tinha o Malcolm McLaren.Quando chegou a MTV e eu escutei Black Juniors, com 11 anos deidade, aquilo acabou virando um sonho. Hoje eu sei que sou um MC,sei que sou um rapper conhecido, que represento o Brasil, a minhaárea, a zona leste. O sonho acabou se concretizando. Existe a vontadede passar o bastão e fazer com que esses moleques novos façamsucesso, de fazer com que as portas continuem abertas, com que acultura hip-hop possa elevar o nível mais e mais. Por mais que eu tenharealizado várias coisas, tocado em Cuba, em Barcelona, no aniversáriode São Paulo, por mais que eu tenha tocado para mais de 4 milpessoas, o sonho é sempre o mesmo, parece que nunca termina.

A música para você, hoje, e o fato de ser MC ainda servem paracontar a sua vida, a sua quebrada, o que você representa, o que sonha?

Em 2012, completa dez anos do meu último álbum, Fortificando a desobediência, que foi lançado pela Warner em 2002. Em 2014,

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““QQuuaannddoovvooccêê cchheeggaa eemmNNoovvaa YYoorrkk oouu SSããoo

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ficha técnicaCIDADE SONORA :: 2012Realização Invisíveis Produções Coordenação Daniel Lima Concepção Daniel Lima, Eugênio Lima,Belma Ikeda e Élida Lima Curadoria e Entrevistas Eugênio Lima Direção de Produção Belma IkedaProdução Sol Macineli Técnico de Som Evaldo Luna Desenho de Luz Guilherme Bonfanti e GrisselPiguillem Cenografia Mariana Cavalcante Projeto Gráfico Daniel Lima Edição de Texto Élida LimaTranscrição Fábio Abramo Revisão Duda Costa Site Ricardo Ruiz e Ricardo Brazileiro FotografiaPeetssa e Antônio Brasiliano Planejamento de Comunicação Daniel Lima e Élida Lima EstratégiasDigitais Anne Fonseca Ilustração Líbero Malavoglia Criação de Moda Mariana Lima Assessoria deImprensa Sylvio Novelli Assessoria Jurídica Caio Mariano - Senna & Mariano Advogados

Realização: Apoio:

Este projeto foi selecionado pela Fundação Nacional de Artes – Funarte no Edital de Ocupação da Sala Funarte Guiomar Novaes 2012.

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Apresentação 07

Aláfia 11Anelis Assumpção 13Arícia Mess 17Banda Hamlet 19Banda Mirim 21Barbatuques 23Bixiga70 25BNegão & Seletores de Frequência 29Ellen Oléria 31Elo da Corrente 35Emicida 37Flávio Renegado 41Flora Matos 43Guilhermoso Wild Chicken 45

Karol Conka 47KL Jay 49Lino Krizz 53M.Takara 55Nervoso 57Orquestra de Berimbaus do Morro do Querosene 61Passo Torto 63Pipo Pegoraro 67Rael da Rima 69Roberta Estrela DʼAlva 71Romulo Fróes 75Siba 77Wado 81Xis 83

Ficha Técnica 86

índice

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www.cidadesonora.com.br transmissão ao vivo rádio

on-line

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CIDADE DE FUSÃO :: MÚSICA DE ENCONTROS28 ARTISTAS DA NOVA MÚSICA BRASILEIRA

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Realização:Apoio:Este projeto foi selecionado pelaFundação Nacional de Artes – Funarteno Edital de Ocupação da Sala Funarte Guiomar Novaes 2012.

ALÁFIA :: ANELIS ASSUMPÇÃO :: ARÍCIA MESS :: BANDA HAMLET:: BANDA MIRIM :: BARBATUQUES :: BIXIGA70 :: BNEGÃO &SELETORES DE FREQUÊNCIA :: ELLEN OLÉRIA :: ELO DACORRENTE :: EMICIDA :: FLÁVIO RENEGADO :: FLORA MATOS ::GUILHERMOSO WILD CHICKEN :: KAROL CONKA :: KL JAY :: LINOKRIZZ :: M.TAKARA :: NERVOSO :: ORQUESTRA DE BERIMBAUSDO MORRO DO QUEROSENE :: PASSO TORTO :: PIPO PEGORARO:: RAEL DA RIMA :: ROMULO FRÓES :: ROBERTA ESTRELA DʼALVA:: SIBA :: WADO :: XIS

28 artistas da nova música brasileira habitam a CidadeSonora. A cidade fala. As esquinas convergem. O somcaminha transversal, assimétrico, urbano, sem gêne-ros. A cidade é uma síntese poética aditiva, nunca sereduz, sempre se amplia. Cada músico traz os sonsque o habitam. Cidade Sonora é uma outra cidadepossível: colaborativa, independente, transformada.

AGO31

::Sex::19h30

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EstrelaDʼAlva

::19h30::Arícia

Mess

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ClassificaçãoLivre

Ingressos:R$10,00

(inteira)eR$

5,00(m

eia-entradapara

idosose

estudantes)Venda

nabilheteria

com1

horade

antecedência.Entradagratuita

parabate-papos.

SalaFunarte

GuiomarNovaes

–Alameda

Nothmann,1058

–Cam

posElíseos

Telefone:(11)3662-5177

FESTIVAL::2012

28SHOW

SDA

NOVAM

ÚSICABRASILEIRA

IngressosR$10, 00

R$5, 00meia

transmissão

aovivo

rádioon-line

doM

orrodo

Querosene