CIDADE E MERCADO IMOBILIÁRIO (DISSERTAÇÃO USP).pdf
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UNIVERSIDADE DE SO PAULO
FACULDADE DE FILOSOFIA, LETRAS E CINCIAS HUMANAS
DEPARTAMENTO DE GEOGRAFIA
PROGRAMA DE PS-GRADUAO EM GEOGRAFIA HUMANA
Toms Cortez Wissenbach
A cidade e o mercado imobilirio: uma anlise da incorporao residencial paulistana entre 1992 e 2007
So Paulo 2008
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UNIVERSIDADE DE SO PAULO
FACULDADE DE FILOSOFIA, LETRAS E CINCIAS HUMANAS
DEPARTAMENTO DE GEOGRAFIA
PROGRAMA DE PS-GRADUAO EM GEOGRAFIA HUMANA
A cidade e o mercado imobilirio: uma anlise da incorporao residencial paulistana entre 1992 e 2007
Toms Cortez Wissenbach
Dissertao apresentada ao Programa de Ps-Graduao em Geografia Humana do Departamento de Geografia da Faculdade de Filosofia, Letras e Cincia Humanas da Universidade de So Paulo, para obteno do ttulo de Mestre em Geografia.
Orientador: Prof. Dr. Antonio Carlos Robert Moraes
So Paulo 2008
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Resumo
O presente trabalho prope uma anlise espacial da produo de apartamentos em
So Paulo no perodo entre 1992 e 2007, utilizando, de forma combinada, trs
bases de dados: o Cadastro Territorial e Predial, de Conservao e Limpeza TPCL
da Secretaria Municipal de Finanas; o Censo Demogrfico do IBGE; e o Cadastro
de Lanamentos Imobilirios da Empresa Brasileira de Estudos do Patrimnio
Embraesp. Partimos do dialgo com pesquisas que tratam das preferncias
locacionais da incorporao, e buscamos introduzir na discusso a dimenso
temporal nas determinaes que marcaram diferentes fases do setor imobilirio no
perodo. Com isso, observamos que o desempenho da incorporao foi marcado
por descontinuidades e no por configurar tendncias constantes.
Ao longo do estudo foi possvel identificar dois momentos de expanso
imobiliria na cidade: o primeiro, em meados da dcada de 1990; e o segundo, em
meados da dcada de 2000. Percebemos que as estratgias empresariais utilizadas
em cada perodo levaram a distintos tipos de produo e, por conseqncia,
projees diferenciadas sobre o espao urbano. Se nos anos 90 novas formas de
organizar a produo imobiliria propiciaram a construo de unidades de mdio
padro, em um movimento mais perifrico, no perodo atual a forte capitalizao
do setor expressou-se na produo de alto padro, numa tendncia espacialmente
mais concentrada. Neste ltimo, a importncia da localizao no pde ser medida
em funo dos seus atributos fsicos, mas no seu papel de ampliar a receita gerada
pelas empresas e, em funo disso, ser a base da valorao das empresas no
mercado de capitais.
Palavras chave: geografia urbana, economia, So Paulo, mercado imobilirio,
localizao urbana.
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Abstract
The present study carries a spatial analysis of housing production in the
municipality of So Paulo, Brazil, between the years of 1992 and 2007, utilizing a
combination of three different databases: the Territorial and Real Estate,
Conservation and Cleanliness Register (Cadastro Territorial e Predial, de
Conservao e Limpeza TPCL), from the So Paulo Municipal Secretary of
Finance; the National Demographic Census, from the Brazilian Institute of
Geography and Statistics (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatstica IBGE);
and the Real Estate Launch Register from the Brazilian Estate Studies Company
(Empresa Brasileira de Estudos do Patrimnio EMBRAESP). Departing from
previous research which approached the real estate developers locational
preferences either by means of qualitative research or geospatial analysis, this work
aims to introduce the time dimension in the study of the city of So Paulo real estate
market, not as a variable but in an effort to propose its periodization. We could infer
from this that the performance of the local real estate market during the studys time
span is marked by discontinuities rather than by regular tendencies.
It was possible to identify two moments of real estate expansion in the city:
the first around the 1990s and the second around the decade of 2000. Business
strategies performed during each of these periods have led to distinct types of
production, and, consequently, different projections over the urban space. If
during the 1990s new forms of real estate production favored the construction of
mid-standard, predominantly peripheral units, during the current stage the strong
capitalization of the sector has expressed itself in the form of high-standard
production with a predominantly central, concentrated distribution. In the latter,
the importance of localization cannot be measured from physical attributes, but
rather through its role in amplifying the companies revenue and, accordingly,
representing the basis for the companies stock market valuation.
Keywords: urban geography, economy, So Paulo, real estate market,
urban location.
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Sumrio
Agradecimentos 8
Introduo 9
1. Setor imobilirio e incorporao residencial: parmetros, condies e limites de sua ao 20
Economia do setor imobilirio 20
Uma mercadoria incomum 29
A incorporao residencial 35
Riscos, inovao e produtividade na incorporao residencial 43
2. Estrutura urbana e transformaes no parque residencial paulistano nas dcadas de 90 e 2000. 47
Informaes sobre a dinmica imobiliria residencial 48
As transformaes no parque residencial paulistano 1991-2006 64
3. O movimento recente da incorporao 1992-2007: lgicas produtivas e espaciais 85
O movimento recente da incorporao residencial paulistana 85
Estratgias empresariais e a expanso da produo 1994-1997 103
O recente crescimento da incorporao residencial: 2004-2007 108
A dinmica das localizaes e o crescimento imobilirio 120
Consideraes finais 132
Referncias bibliogrficas 138
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ndice de figuras
Figura 1 Variao entre domiclios particulares permanentes e lotes fiscais residenciais Municpio de So Paulo 2000 60
Figura 2 Distritos Criados pela Lei Municipal n 11.220/1992 Municpio de So Paulo 63
Figura 3 Nmero de lotes fiscais, segundo padro de uso Municpio de So Paulo 1991 67
Figura 4 Participao dos apartamentos no total de domiclios Municpio de So Paulo 1991 69
Figura 5 Terrenos no edificados Municpio de So Paulo 1991 70
Figura 6 Porcentagem de domiclios em apartamentos sobre o total de domiclios particulares permanentes Municpio de So Paulo 1991 e 200 74
Figura 7 Domiclios Vagos Municpio de So Paulo 2000 78
Figura 8 Evoluo da rea de terreno, segundo modalidades de uso Municpio de So Paulo 1991-2006 80
Figura 9 Coeficiente bruto de aproveitamento, segundo modalidades de uso Municpio de So Paulo 1991-2006 81
Figura 10 Evoluo do nmero de lotes fiscais residenciais segundo categorias de tipologia e padro Municpio de So Paulo 1991-2006 83
Figura 11 rea construda, rea de terreno e nmero de unidades dos lanamentos residenciais Municpio de So Paulo 1992-2007 88
Figura 12 Variao percentual de rea construda, rea de terreno e nmero de unidades dos lanamentos residenciais verticais Municpio de So Paulo 1993-2007 89
Figura 13 Evoluo de mdia de rea til, segundo o nmero de dormitrios Municpio de So Paulo 1992-2007 92
Figura 14 Nmero de unidades e mdia de rea til em lanamentos de 2 e 4 dormitrios Municpio de So Paulo 1992-2007 94
Figura 15 Unidades lanadas, segundo o nmero de dormitrios Municpio de So Paulo 1992-2007 98
Figura 16 Nmero de unidades lanadas de 2 e 4 dormitrios Municpio de So Paulo 1992-2007 100
Figura 17 Total de rea construda lanada Municpio de So Paulo 1997 e 2006 101
Figura 18 Terrenos consumidos segundo nmero de dormitrios Municpio de So Paulo 1997 e 2006 102
Figura 19 Evoluo do nmero de unidades lanadas em flats e cooperativas habitacionais Municpio de So Paulo 1992-2007 105
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Figura 20 Nmero de unidades lanadas em cooperativas Municpio de So Paulo 1992-2007 106
Figura 21 Nmero de unidade lanadas em flats Municpio de So Paulo 1992-2007 107
Figura 22 Financiamentos imobilirios: nmero de unidades financiadas e valores contratados Brasil 2001-2007 113
Figura 23 Prazo mdio de vendas (em meses) segundo nmero de dormitrios da unidade Municpio de So Paulo 2004-2007 117
Figura 24 Valor global de vendas Municpio de So Paulo 1995 - 2006 122
Figura 25 Variao do valor global de vendas segundo distritos Municpio de So Paulo 2001-2006 124
Figura 26 Evoluo da rea construda lanada Mooca, Ipiranga e Vila Leopoldina 1993-2006 128
Figura 27 Evoluo da rea construda Morumbi, Santana e Tatuap 1993-2006 129
Figura 28 Evoluo da rea construda Jaguar e Barra Funda 1993-2006 130
Figura 29 Unidades residenciais lanadas Municpio de So Paulo 1977-2007 134
ndice de tabelas
Tabela 1 Empregos e estabelecimentos, segundo segmentos e grupos selecionados Municpio de So Paulo 2006 25
Tabela 2 Participao do municpio no total de empregos e estabelecimentos da Regio Metropolitana, Estado de So Paulo e Brasil Municpio de So Paulo 2006 27
Tabela 3 Nmero de empresas, lanamentos, unidades lanadas e valor geral de vendas, segundo nmero de lanamentos da incorporadora Municpio de So Paulo 1992-2007 41
Tabela 4 Distritos, segundo o grau de verticalizao Municpio de So Paulo 1991 68
Tabela 5 Domiclios particulares permanentes em apartamentos, segundo grupos de distritos municiais Municpio de So Paulo 1991-2000 75
Tabela 6 Unidades, blocos lanados e valor geral de vendas, segundo grupo de distritos Municpio de So Paulo 1991-2000 76
Tabela 7 Unidades lanadas por nmero de dormitrios, segundo faixas de preos do apartamento e renda domiciliar em salrios mnimos Municpio de So Paulo 2006 97
Tabela 8 Captao de recursos no Mercado de Capitais, em milhes de reais 2006 e 2007 115
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8
Agradecimentos
Ao Tonico, Prof. Dr. Antonio Carlos Robert Moraes, pela orientao e pela fora
que sempre transmitiu;
Aos professores Herv Thery e Alfredo Pereira de Queiroz Filho pelas sugestes na
banca de qualificao;
Silvia Anette Kneip pelo apoio e confiana;
A todos os colegas da Sempla e do Dipro, pelo aprendizado intenso nos ltimos
dois anos, especialmente ao Andr, pela parceria e as aulas de corel, Maria
Raimunda, pelas informaes preciosas do Censo, ao Akinori pelas tabelas da Rais,
Maria Isabel e Liane pelas conversas sobre o TPCL, ao Bene pela ajuda com os
deflatores, ao Esdon pelas ajudas no Maptitude, Tet e Isaura por ouvir minhas
explicaes sobre o mercado imobilirio;
Ao Vagner Bessa e ao Andr Nagy, da Fundao SEADE, por tudo que aprendi com
eles;
Ao Z Pedro pela verso em ingls do resumo;
Aos meus tios Eugenia e Alfredo Paesani;
Aos meus pais, Alex e Cristina Wissenbach;
Adele e ao Vitor pelo carinho.
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9
Introduo
ntre 1992 e 2007 foram lanados no Municpio de So Paulo cerca de 400
mil apartamentos. Esta produo, no seu conjunto, significou uma
importante ao privada sobre a cidade: terrenos foram comprados, casas
demolidas, reas industriais ocupadas para a construo de edifcios de
apartamentos, refletindo mltiplas decises de transformar o espao, tomadas por
empreendedores bastante heterogneos. Neste movimento, articularam-se a oferta
e a demanda a partir de requisitos diferentes que convergiram e se concretizaram
na compra dos imveis. Para o produtor, a viabilidade econmica do
empreendimento imobilirio dependeu da combinao de aspectos particulares da
localizao, do tipo de lanamento, do segmento do mercado, como de aspectos
macroeconmicos ligados disponibilidade de crdito, crescimento da demanda,
etc. Para o comprador, a aquisio de uma residncia surgiu de uma deciso
complexa; dependeu, de um lado, do seu nvel de renda e ciclo de vida familiar e,
de outro, dos atributos do imvel e a sua localizao e, de alguma forma, uma
avaliao sobre a perspectiva futura de ambos.
Quando optamos pelo destaque da produo residencial vertical para
compreender as implicaes espaciais da incorporao imobiliria, privilegiamos a
convergncia de um processo econmico e a sua dimenso espacial. O recorte a
partir do produto, a unidade habitacional vertical, justifica-se pela sua importncia
tanto na estrutura do setor da construo e da economia da cidade, quanto pelo
impacto provocado na estrutura e nas dinmicas urbanas. A produo de
apartamentos imprime uma transformao no territrio, intensificando o
aproveitamento econmico do lote urbano e induzindo um rearranjo da
distribuio espacial da populao e das classes sociais na cidade.1 Nesse sentido, o
conjunto da produo reconfigura a morfologia urbana, a densidade demogrfica e
1 Cardoso, Adauto Lcio. Mercado imobilirio e segregao: a cidade do Rio de Janeiro. In:
Ribeiro, L. A. Q. (org.) O futuro das metrpoles: desigualdades e governabilidade. Rio de Janeiro: Revan, 2000.
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10
de rea construda, ao mesmo tempo em que altera a intensidade, o tipo dos fluxos
intra-urbanos e o custo do acesso terra na cidade.2
Uma anlise das relaes entre a incorporao e o espao insere-se numa
discusso mais ampla entre a economia e o territrio j que combina as
caractersticas de um setor econmico, um segmento do mercado e tambm um
agente direto na reconfigurao do espao. A transformao da cidade
impulsionou um segmento expressivo da economia paulistana que, entre outros
aspectos, teve forte capacidade de absoro de mo-de-obra. Certamente, no foi
apenas a produo habitacional que constituiu este setor, mas esta atividade que
alavancou as suas principais empresas.3 A particularidade de So Paulo, nesse
aspecto, o fato de que, alm de concentrar as principais empresas do ramo
imobilirio no Brasil, coloca-se como o principal objeto da interveno privada da
incorporao.
A presente pesquisa traz um objetivo mais amplo que o de compreender a
relao entre incorporao imobiliria e o espao urbano. Para tanto, esta parte
inicial do trabalho prope um dialogo com a produo acadmica sobre o tema em
duas direes. A primeira envolve a discusso sobre o posicionamento da pesquisa
em relao ao seu objeto uma vez que se trata de um segmento econmico
polmico e controvertido, que produz efeitos negativos sobre a cidade, alm de
constituir num importante ator poltico, especialmente no plano municipal. A
segunda discusso, procura equacionar as diferentes formas de compreender o
2 A produo bibliogrfica neste tema relativamente vasta. No mbito da produo nacional,
podemos destacar aqueles que deram mais nfase produo privada e sua dimenso urbana: Maricato, Erminia. (org.) A produo capitalista da casa (e da cidade) no Brasil industrial. So Paulo: Alfa-mega: 1982; Silva, H. M. B. Terra e moradia: que papel para o municpio. Tese de doutorado. So Paulo: FAU-USP, 1997; Villaa, Flvio Jos Magalhes. Espao intra-urbano no Brasil. So Paulo: Studio Nobel/Fapesp/Lincoln Institute, 2001; Morais, M. P. The Housing Conditions in Brazilian Urban Areas during the 1990s. Texto para discusso n 1.085. Braslia, Ipea, 2005; Abramo, Pedro. Mercado e ordem urbana: do caos teoria da localizao residencial. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2001.
3 A histria da incorporao imobiliria na cidade j foi objeto de vrios estudos e destacam a importncia da produo de apartamentos na histria das principais empresas no setor. As pesquisas, verdade, no deixam de destacar o papel da execuo de obras pblicas, mostrando uma origem comum entre incorporadoras e empreiteiras. Pereira-Leite, L. R. Estudo das estratgias das empresas incorporadoras do municpio de So Paulo no segmento residencial no perodo 1960-1980. Dissertao de mestrado. So Paulo: FAU-USP, 2006. Botelho, Adriano. Uma trajetria do mercado imobilirio em So Paulo (1554-2004). In: Carlos, A. F. A.; Oliveira, A. U. (orgs.) Geografia das metrpoles. So Paulo: Contexto, 2006.
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11
espao e, particularmente as caractersticas de localizao e as suas influncias
sobre a atividade incorporadora.
No simples tratar de uma produo acadmica to extensa como a que
contempla o mercado imobilirio. Nossa opo, diante da impossibilidade de
realizarmos uma reviso bibliogrfica minimamente abrangente, a de traar um
breve panorama com o intuito de estabelecer um posicionamento diante do
controvertido objeto da nossa pesquisa: o mercado imobilirio e, especificamente,
a incorporao residencial. Este objeto caracteriza-se, de incio, por sua vinculao
direta ao conjunto de negcios que envolve a construo e o desenvolvimento das
cidades. Representa a fora dos interesses privados na apropriao das riquezas
produzidas. Possui, ao mesmo tempo, um carter eminentemente especulativo,
favorecido pela ausncia de uma poltica urbana mais efetiva e propiciado pela
intensidade e rapidez das transformaes urbanas.
Num contexto em que o mercado imobilirio e a incorporao aparecem
como os grandes atores dos interesses privados, em contraposio aos direitos
coletivos e ao bem comum, destacamos um conjunto de trabalhos que estabelecem
uma postura crtica em relao este agente. Com isso, ressaltamos o estudo sobre
a apropriao privada de bens comuns da cidade e do que se convencionou em
chamar de mais-valia urbana, ou seja, a valorizao provocada pelas intervenes
pblicas. Este foi o caso do Parque Burle Marx e os empreendimentos ao redor
conhecidos como Panamby.4 Da mesma forma, a relao entre o desenvolvimento
imobilirio e a seqncia de intervenes do Estado (obras e despejos),
principalmente no chamado quadrante sudoeste da cidade.5
Uma abordagem igualmente crtica, porm com maior nfase nas
dinmicas econmicas, trata da crescente importncia do capital financeiro no
processo imobilirio e, com isso, o seu domnio sobre o territrio. Alm de mostrar
a importncia do setor imobilirio para a dinmica do capitalismo aponta para as 4 Sobre o Panamby ver: Barroso, Daniella Almeida. Projeto urbanstico Panamby: uma "nova
cidade" dentro de So Paulo. Dissertao de mestrado. So Paulo: FFLCH-USP, 2006.; Botelho, A. O financiamento e a financeirizao do setor imobilirio: uma anlise da produo do espao e da segregao scio-espacial atravs do estudo do mercado da moradia na cidade de So Paulo. Tese de doutorado. So Paulo: FFLCH-USP, 2005.
5 Sobre a histrica recente do quadrante sudoeste da cidade ver: Fix, Mariana. Parceiros da excluso; Ferreira, Joo Sette Whitaker. So Paulo: o mito da cidade Global. Tese de Doutorado. Fau-Usp. So Paulo, 2003; Van Wilderode, Daniel Julien. Cidade venda : interpretaes do processo imobilirio. Tese de Doutorado. Fau-Usp. So Paulo, 2000.
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suas contradies. Destacam-se elementos de irracionalidade na produo de bens
imveis, associados a uma forte instabilidade, intimamente vinculados ao fato de
ser este setor uma espcie de vlvula de escape de situaes de excesso de liquidez
na economia.6
Um segundo conjunto de trabalhos realizados no interior da academia
caracteriza-se pela busca da interao com o setor produtivo, fornecendo subsdios
e apoio tomada de deciso, anlise estratgica, com foco na chamada qualidade
de investimento. Essa linha se concentra em um departamento da Escola
Politcnica da Universidade de So Paulo e j produziu uma srie de estudos sobre
as mais variadas dimenses do mercado imobilirio, tais como fatores locacionais
para o mercado residencial e de escritrios, mecanismos de captao de
investimento, geoprocessamento aplicado ao mercado, entre outros. Alm disso,
procura formar profissionais para atender aos requisitos de mercado. Segundo
Monetti, uma das coordenadoras do grupo, o objetivo o de
(...) promover a capacitao de tomadores de deciso no setor de Real
Estate e dos geradores de informao para suporte deciso, sob a tica
econmica, financeira e mercadolgica. Vem se ajustando continuamente
em termos de contedo, com a velocidade que as pesquisas acadmicas e
as demandas do setor avanam.7
Alguns dos trabalhos produzidos no mbito do referido grupo so
fundamentais para o presente trabalho, embora o nosso objetivo seja claramente
distinto.
Um terceiro conjunto prope, independentemente de variaes mais ou
menos crticas, um dilogo entre mercado imobilirio e planejamento. Nesse
mbito a produo bastante vasta e alguns destes trabalho foram utilizados na
presente dissertao. A Secretaria Municipal de Planejamento comparou fatores
locacionais e entre eles destacou a importncia da definio do coeficiente de
aproveitamento de um lote. Apontou, dessa forma, para a necessidade de
6 Carlos, A. F. A. . So Paulo: do capital industrial ao capital financeiro. In: Carlos, Ana Fani A. ;
Oliveira, Ariovaldo U.. (Org.). As Geografias de So Paulo. A metrpole do sculo XXI. So Paulo: Editora Contexto, 2004, v. , p. 51-83.; Botelho, A. Financiamento e finaceirizao; VOLOCHKO, Danilo. A produo do espao e as estratgias reprodutivas do capital: negcios imobilirios e financeiros em So Paulo. Dissertao de mestrado. So Paulo: FFLCH-USP, 2007.
7 Monetti, E. Os profissionais de Real Estate para o gerenciamento dos 10 bilhes captados nos IPOs. Carta do NRE-Poli, julho-setembro de 2007, p.5.
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desvincular do direito propriedade o direito ao adensamento construtivo,
subsidiando no apenas o Plano Diretor Estratgico, mas tambm diversas aes
da poltica urbana nacional.8
Em seguida temos estudos que, combinando crtica ao mercado com
perspectivas de planejamento, apontam para o fato de a valorizao incontrolada
do solo urbano, associado especulao imobiliria prejudica o acesso aos bens da
cidade e, particularmente o desenvolvimento de polticas habitacionais.9 H
tambm os que, como Lefevre e Abramo, procuram compreender a dinmica do
mercado imobilirio sem partir de uma postura crtica a priori. O primeiro destaca
o papel da localizao e do preo do terreno dentro do oramento de um
empreendimento, e o segundo indaga sobre para qual ordem urbana o mercado
nos leva.10
O posicionamento diante do mercado imobilirio adotado para a presente
pesquisa se define em consonncia com este ltimo grupo de autores
mencionados. Assim, o prprio roteiro do estudo de construir questes que sejam
encaminhadas por meio de uma robusta base de informaes pressupe um
objetivo que o de ampliar a capacidade de compreender e mensurar os
movimentos da incorporao na cidade. Isso no significa dizer que se trata de
propor uma viso neutra, mas de uma postura metodolgica capaz de construir as
reflexes a partir de indagaes que nos remetam ao plano emprico. Da mesma
forma que no situamos o presente trabalho no campo do planejamento urbano,
mas que os seus resultado tenham como perspectiva servir de apoio interveno
pblica e ao ordenamento do territrio.
Feitas essas consideraes, retomamos a discusso a respeito da dinmica
estabelecida nas relaes entre o mercado imobilirio e a cidade e, mais
especificamente, sobre as caractersticas de uma localizao que favorecem a
incorporao imobiliria. Diversos estudos j procuraram avanar nesta questo e
8 So Paulo (Cidade), Secretaria de Planejamento Urbano. Zoneamento e mercado imobilirio:
subsdios para a transformao da legislao urbanstica do Municpio de So Paulo. Sempla, Cadernos de planejamento 1992, n 5.
9 Sobre esse assunto ver, entre outros, Silva, H. M. B. Terra e moradia: que papel para o municpio. Tese de doutorado. So Paulo: FAU-USP, 1997.
10 Abramo, Pedro. Mercado e ordem urbana; Lefvre, Rodrigo Bueno. Notas sobre o papel dos preos dos terrenos em negcios imobilirios de apartamentos e escritrios na cidade de So Paulo. In: Maricato, E. (org.) A produo capitalista da casa (e da cidade).
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14
seus resultados implicam em formas distintas de compreenso do espao urbano.
Expressando uma enorme diversidade na forma de tratamento dos dados, tais
pesquisas vo de leituras qualitativas, anlises exploratrias e descritivas at
procedimentos estatsticos mais complexos como modelos de regresso e anlises
fatoriais.
Uma primeira abordagem destaca os chamados atributos de localizao,
entendidos como um conjunto de caractersticas de vizinhana que qualificam um
determinado empreendimento. A compreenso da importncia destes atributos
envolve, grosso modo, duas estratgias de pesquisas. Na primeira, destaca-se o
estudo de Andra Pascale que utilizou entrevistas qualitativas com agentes de
mercado corretores, incorporadores e profissionais de marketing imobilirio
em sucessivas rodadas em que se busca consensos.11 Desta forma, a autora chegou
a cinco grupos de atributos relevantes para a incorporao imobiliria.
O primeiro deles traz aspectos relativos qualidade ambiental e vizinhana
em que so testadas as proximidades com praas e parques, aterros sanitrios,
rios, crregos etc. O segundo grupo refere-se acessibilidade e sistema virio, no
qual verificou-se a baixa importncia da proximidade de linhas de nibus e de
trem. Por outro lado, foi considerado relevante a proximidade com pontos de txi e
estaes de metr, o bom dimensionamento das vias, a facilidade de estacionar e o
fcil acesso a vias arteriais. O terceiro grupo trabalha com presena de comrcio e
servios. Os resultados indicaram que os servios com maior freqncia de
utilizao (lavanderias, bancos, academias e universidades) so mais importantes
do que servios com menor freqncia de utilizao (centros culturais e livrarias).
Um quarto grupo trata da presena da infra-estrutura urbana (gua, luz, esgoto),
que considerado imprescindvel, um requerimento e no um qualificador de uma
dada localidade. Por fim, o quinto grupo trata dos aspectos socioeconmicos da
localizao, ou seja, as caractersticas sociais da vizinhana. Este ltimo foi
considerado o mais importante para a composio do valor e liquidez de um
imvel. O interessante que a maioria dos critrios adotados no mbito dos
atributos socioeconmicos so de repulso: baixo ndice de violncia, afastado de
reas de prostituio, nvel socioeconmico da regio e local distante de favelas.
Apenas um de atrao, ou seja, definidos por uma qualidade positiva: local
11 Pascale, A. Atributos que configuram qualidade.
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15
prximo a bairros valorizados. importante mencionar a ressalva feita pela autora
de que a valorizao dos atributos diferente conforme o perfil de renda, estado
civil e ciclo de vida familiar. 12
Uma segunda estratgia importante para compreender os atributos de
localizao favorveis incorporao imobiliria a de utilizar tcnicas estatsticas
e geoespaciais. Destacamos, de incio o trabalho de Gonalves e Torres que
elegeram uma srie de atributos inseridos no mesmo modelo de regresso
espacial.13 Foi possvel perceber a importncia relativa de cada um deles. Assim, a
proximidade com as zonas exclusivamente residenciais ZERs, com praas e
parques e de distritos com empregos de alta escolaridade foram considerados os
elementos mais significativos para a valorizao imobiliria. Em relao ao metr,
diferentemente dos resultados sugeridos por Pascale, o trabalho no considerou, a
princpio, como um elemento que interfere positivamente no preo dos imveis.
Por outro lado, os autores confirmam a influncia negativa ocasionada pela
proximidade favelas.
Ainda no campo das anlises espaciais, um ponto importante em relao
localizao refere-se s centralidades. Essas podem ser definidas de diferentes
formas. O mencionado trabalho de Gonalves e Torres calculou o centro de massa
dos lanamentos imobilirios utilizando como medida o valor do m. a partir desse
clculo cujo ponto se localiza nas proximidades do parque do Ibirapuera,
constatou que o gradiente de variao dos preos tm aumentado nos ltimos 15
anos. Ou seja a diferena entre o preo do m de reas prximas e distantes do
centro de massa cada vez maior Biderman procura aplicar os modelos de Von
Thunen utilizando, entre outras variveis, os lanamentos residenciais no mercado
imobilirio. Para o autor, os custos de transporte so, ao mesmo tempo, fator de
atrao e de repulso das atividades econmicas e habitacionais. 14
Ainda na aplicao de mtodos estatsticos para mensurar a importncia dos
atributos de localizao sobre a dinmica imobiliria temos o trabalho de Herman e
12 Pascale, A. Atributos que configuram qualidade, p. 85-90. 13 Gonalves, Renata da Rocha; Torres, Haroldo da Gama. O mercado de terras em So Paulo e a
continuada expanso da periferia. Anais do XII Encontro da Associao Nacional de Ps-graduao em Pesquisa e Planejamento Urbano e Regional. Belm, 2007.
14 Gonalves, R. R.; Torres, H. da G. O mercado de terras em So Paulo; Biderman, C. Foras de atrao e repulso.
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16
Haddad sobre a relao entre os preos dos aluguis e a proximidade de reas
verdes. Os autores, que se ativeram dinmica dos preos imobilirios, utilizaram
na sua metodologia um modelo empregado com freqncia na avaliao de bens
imveis que o de preos hednicos. A proposta consiste em decompor o preo dos
imveis, considerados como a juno de uma cesta de bens. Ou seja, pressupe que,
ao comprar uma residncia o consumidor est adquirindo uma srie combinada de
produtos entre as quais a localizao. Os autores constataram que esta proximidade
no significa sempre um aumento no preo do aluguel. Evidentemente que as
periferias Norte e Sul da cidade no so reas nobres de So Paulo. Afora isso,
perceberam um forte gradiente de aumento no valor dos alugueis no s em funo
da proximidade de reas verdes, mas, mais uma vez, das ZERs.
Este conjunto de anlises apresentadas so extremamente teis pois
confirmam ou desmentem noes bastante comuns sobre os aspectos que
valorizam uma determinada localizao. No h dessa forma muitas novidades em
termos do que uma pessoa comum, no especialista, atribui ao valor de um imvel.
Em uma anlise mais atenta por outro lado, podemos considerar esse tipo de
anlise como parcial, ou seja, que capta somente um ponto de vista de relao
entre espao urbano e mercado imobilirio. Trata-se de uma perspectiva que
carrega um peso da chamada economia urbana neoclssica no apenas pela
tendncia de fazer uma representao geomtrica e bidimensional do espao, mas
tambm por considerar unicamente a viso do consumidor dos imveis,
reforando assim uma viso que reflete a chamada soberania da demanda.
Indagamos, nessa linha, se, do ponto de vista da incorporao a percepo
do espao a mesma. Dialogando com a dimenso relacional do espao urbano
consideramos que uma outra possibilidade de v-lo, diz respeito no apenas s
suas caractersticas intrnsecas mas tambm como possibilidade de propiciar
ganhos extraordinrios aos incorporadores. Estes extrapolam os lucros oriundos
do processo produtivo em si. Os lucros de incorporao esto associados a
oportunidades fundirias relacionadas a trs possibilidades: a) uma negociao
vantajosa para os proprietrios; b) um estoque de terras que j era propriedade da
empresa (da a importncia do chamado banco de terras que ser aprofundado a
seguir); c) a substituio do padro de uso do solo de uma determinada localidade,
ou seja, onde havia indstrias ou residncias de um determinado padro surgem
apartamentos de um padro socioeconmico maior.
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17
Este ponto de vista foi tratado com profundidade por Silva e defendido
efusivamente por Maricato. Para elas, os ganhos relacionados s estratgias
fundirias so to importantes para o setor que explicariam a sua baixa
produtividade. Isso porque (...) os ganhos provm mais das atividades correlatas
do que das produtivas15. importante notar que, com essa, possibilidade, a terra
deixa de ser um insumo dedutvel do lucro operacional dos empreendimentos,
para se converter em um fator de lucratividade. Na combinao entre as
caractersticas da construo e o processo de incorporao, a produtividade coloca-
se tambm como uma questo espacial.16
Diante disso, a primazia do incorporador na produo imobiliria
fortemente associada sua capacidade de, diante de inmeras incertezas, buscar
novas oportunidades para aumentar sua lucratividade. Estas buscam so,
constantemente, atribudas s oportunidades fundirias e s estratgias espaciais
de suas aes. Abramo define este movimento como uma articulao de uma
economia das antecipaes, uma economia monetria e uma economia
produtiva.17
Em suma, uma segunda possibilidade de compreendermos o espao e a
localizao no se d diretamente por seus atributos mas pela busca de
oportunidades fundirias ou de produzir uma lucratividade acima da mdia do
mercado. Nessa perspectiva, o espao deixa de ser representado por um conjunto de
atributos (tangveis ou intangveis) e se torna um elemento de lucratividade. Emerge
da a capacidade do incorporador de identificar oportunidades, assumir um risco e
por meio de sua ao produzir qualidades de localizao onde antes no havia.
Tal persperctiva d destaque ao estudo das dinmicas fundirias. Isso
porque a terra, como dissemos, mais do que um substrato para a produo
imobiliria, uma base que permite ampliar os lucros da incorporao. As
estratgias para que se potencialize a capacidade de gerar lucros de um
determinado lote urbano se manifesta por diferentes meios. Uma forte expresso
desse princpio tem apresentado hoje de forma cada vez mais freqente nas
anlises relativa capacidade de gerar lucros de uma determinada empresa. Trata-
15 Maricato, Ermnia. Questo fundiria no Brasil e o Ministrio das Cidades. So Paulo, 2005.
Disponvel em: www.fauusp.usp.br/labhab. 16 Santos, Milton. A Natureza do espao. So Paulo: Hucitec, 1996. 17 Abramo, P. A cidade caleidoscpica, p. 210.
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18
se do banco de terra ou land bank, ou seja, o estoque de terrenos em propriedade
das empresas sem estes tenham sido utilizados. Apesar de nem todas as principais
empresas lanarem mo deste expediente, a sua formao resulta num elemento
extremamente valorizado na conjuntura atual.
Isso porque quando, em funo de diferentes fatores, vive-se um momento de
expectativa de valorizao da propriedade imobiliria, ou seja uma tendncia de
valorizao no s dos imveis mas tambm dos terrenos, a propriedade prvia de
um estoque de terra potencializa excepcionalmente a possibilidade de uma empresa
de extrair lucros. Essa possibilidade contabilizada no momento da valorar uma
empresa e evita tambm que a demasiada valorizao fundiria paralise as
operaes de uma incorporadora ou diminua a suas possibilidades de lucro.
Uma estratgia importante para os incorporadores a permuta com o
proprietrio de terras. Nesse caso, que tem sido predominante no mercado, h
uma troca entre ambos em que o pagamento lanado para o momento de venda
das unidades. Sendo assim, tornam-se parceiros no empreendimento numa
relao que tende a ser vantajosa para os dois. Para o incorporador, resulta em
menor imobilizao da capacidade de investimento permitindo um um maior
portflio para o mesmo capital de giro, alavancando o volume de produo e os
resultados da empresa.18 J o proprietrio, por no ter recebido o montante no
ato, obtm um valor maior pelo terreno. Em geral, a sua anlise tem como
referncia a taxa de retorno de aplicaes financeiras.
Se esta prtica possui inmeras vantagens ela no , do ponto de vista do
capital, destituda de riscos. Para compreend-los importante notar que h uma
desvinculao entre o preo do terreno e seu custo. Por se tratar de uma permuta e
uma parceria, ambos apresentam possibilidades de variao ao longo do
empreendimento. O primeiro, correspondente ao valor recebido pelo proprietrio,
est vinculado velocidade de vendas (a demora da unidade em ser vendida
representa um prejuzo ao proprietrio) e validao da oferta pelo mercado.
Dessa forma, o proprietrio pelo prmio de mais receita de venda de terreno,
compra os riscos de velocidade de vendas e de comportamento dos preos no
18 Rocha-Lima Jr., J. Precificao de permutas. Carta do NRE-Poli, abril-julho de 2008, p. 1.
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19
mercado.19 Do ponto de vista do incorporador e, considerando que pela troca
estabelecida oferecido ao proprietrio unidades habitacionais prontas, o custo do
terreno tambm passa a ser varivel e estar vinculado ao custo da construo.
Nesse sentido as oscilaes no custo da obra e especialmente no preo do material
de construo passam a refletir no custo do terreno.
A complexidade das interaes entre a incorporao residencial, as finanas
e o mercado de terras anuncia a questo que propomos deslindar neste trabalho.
Partindo de um dialgo com pesquisas recentes que abordaram as preferncias
locacionais do incorporador imobilirio, tanto por meio de mtodos qualitativos,
quanto por anlises geoespaciais, buscamos introduzir a dimenso temporal no
estudo do mercado imobilirio paulistano, no como uma mera varivel, mas num
esforo de periodizao. Com isso, sugerimos tratar os atributos de localizao
numa perspectiva mais ampla, ou seja, vinculados ao processo de valorizao do
espao.20
Nesse movimento sublinham-se as descontinuidades da produo de
residncias ao longo dos ltimos 15 anos, remetendo uma particularidade na
relao entre o capital financeiro e o setor produtivo. Enquanto os recursos oriundos
do mercado de capitais so extremamente volveis, as formas produzidas a partir
desse fluxos alteram a morfologia urbana de maneira duradoura. Assim, o captulo
inicial traz consideraes gerais a respeito do setor imobilirio, procurando
dimension-lo na economia urbana. Em seguida, o captulo 2 trata das
transformaes no parque residencial paulistano, a partir da produo de
apartamentos. O captulo 3, por fim, prope uma reflexo sobre relaes entre a
cidade e o mercado imobilirio no estudo das dinmicas da incorporao ao longo
das dcadas de 1990 e 2000. na convergncia entre dinmicas econmicas e
espaciais que propomos estruturar a anlise espacial da incorporao residencial
que ser apresentada.
19 Rocha-Lima Jr., J. Precificao de permutas, p. 2. Tal relao juridicamente complexa, j que o
registro da incorporao exige que o terreno j tenha sido adquirido pelo incorporador. A sada utilizada a emisso de notas promissrias que indicam o compromisso de pagamento do terreno.
20 Moraes, A. C. R.; Costa, W. M. A valorizao do espao. So Paulo: Hucitec, 1999. 1 Ed., 1984.
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20
1. Setor imobilirio e incorporao residencial: parmetros, condies e limites de sua ao
s mtuas implicaes entre a incorporao residencial e o espao urbano
resultam da combinao e interao de mltiplas variveis relacionadas s
dinmicas de um segmento popular, o imobilirio, s particularidades da
mercadoria produzida a unidade habitacional, e s transformaes nas
localizaes da cidade. Circunscrever este segmento no conjunto da atividade
econmica, apresentando algumas particularidades suas e breves comentrios sobre
o seu modo de funcionamento so os objetivos da parte inicial do presente trabalho.
O ponto de sada apresentarmos a nossa definio a respeito do setor
imobilirio. Ao mesmo tempo, procuramos medidas que possam indicar o seu peso na
economia paulistana. Nesse contexto, buscamos caracterizar o segmento especfico da
nossa anlise que a incorporao residencial. Para tanto, necessrio, por um lado,
apresentar as diferentes formas de compreender este agente e, por outro, entender as
especificidades da habitao como mercadoria. Estes marcos so a base para
apresentarmos algumas caractersticas do funcionamento da incorporao, j
trazendo para o contexto paulistano com um breve apontamento sobre a sua trajetria
antes do incio da dcada de 90. Por fim, apresentamos um panorama do setor em
relao aos seus mtodos gerenciais, s possibilidade de inovao e s suas estratgias
diante dos riscos inerentes essa atividade.
Economia do setor imobilirio
Uma definio nica e incontroversa a respeito do setor imobilirio no uma
realidade observada na bibliografia sobre o tema. Os conceitos utilizados, cujos
significados no costumam aparecer de forma explcita, frequentemente variam
com os objetivos do estudo. Em geral, limites entre setor imobilirio e indstria da
A
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21
construo so difusos e pouco claros. No foi necessria, portanto, uma extensa
reviso da literatura para perceber variaes nas formas de abord-lo. No entanto,
afora algumas proposies mais exticas como construbusiness21, as definies
oscilam entre o enfoque mais analtico, que procura se aproximar mais das
especificidades do setor e do seu conjunto de atividades, e a abordagem de carter
mais operacional que d um tratamento mais genrico ao setor em funo da
necessidade de comparao com outros segmentos da economia, tornando as
definies mais atreladas s classificaes oficiais da atividade econmica.
No primeiro caso h uma nfase maior ao conjunto de atividades
propriamente imobilirias, enquanto no segundo o enfoque privilegia a indstria
da construo e, dentro desta, o subsetor de edificaes. Uma vez que no so
vises excludentes entendemos que possvel trabalharmos com uma combinao
de ambas. Assim, importante utilizarmos uma definio que permita
dimensionar o setor de maneira genrica: no nmero de empresas, de empregos,
da participao na economia do municpio. J a definio mais analtica ser
importante para avanarmos nas especificidades do modo de funcionamento da
incorporao residencial.
O significado mais amplo considera que o setor imobilirio se forma a
partir do conjunto de atividades relacionadas s diversas etapas de trabalho, antes,
durante e depois da construo dos imveis.22 De forma resumida, compreendem
desde o segmento de materiais de construo (fabricao e comercializao), passa
pela aquisio de terrenos, e pelo processo de construo em si, ligado dinmica
da construo civil. So necessrias ainda outras atividades relacionadas
comercializao de um bem de alto custo: a promoo dos lanamentos
imobilirios, e a venda das unidades e os servios de corretagem. A importante
participao do setor bancrio e financeiro se d em todas as fases do
21 Abiko, A. K.; Gonalves, O. M. O futuro da construo civil no Brasil: resultados de um estudo
de prospeco tcnolgica da cadeia produtiva da construo habitacional. Escola Politcnica da Universidade de So Paulo: So Paulo, 2003.
22 So variadas as definies e denominaes relacionadas ao mercado imobilirio. Em linhas gerais, o presente trabalho segue a definio adotada por Botelho, Adriano. O financiamento e a financeirizao do setor imobilirio: uma anlise da produo do espao e da segregao scio-espacial atravs do estudo do mercado da moradia na cidade de So Paulo. Tese de doutorado. So Paulo: FFLCH-USP, 2005. Existem algumas variaes como a apresentada por Pereira-Leite que define cinco segmentos: corretagem e seguros; administrao de propriedades e construes; financiamento imobilirio; desenvolvimento de terras e construo de casa; e avaliao de imveis. Pereira-Leite, L. R. Estudo das estratgias das empresas incorporadoras.
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22
empreendimento, inclusive extendendo-se por muito tempo aps a sua concluso.
Esta integrao fundamental para o financiamento tanto da produo como da
aquisio das habitaes.23 Uma vez concludo, o empreendimento produz um
fluxo contnuo de servios: a administrao de edifcios, segurana e limpeza,
manuteno (fachadas, elevadores, sistemas hidrulicos e eltricos etc.), aluguis,
revendas e reformas.
Trata-se, portanto, de uma ampla gama de aes, algumas delas
envolvendo segmentos da economia que no so exclusivos ao setor imobilirio,
tornando sua definio, mensurao e anlise tarefas complexas. Estas questes
vo sendo percebidas quando, a partir do conjunto de atividades mencionadas,
procuramos dimensionar o setor imobilirio na estrutura econmica do Municpio
de So Paulo, indagando tambm sobre a participao de cada um dos subsetores.
Sua importncia em relao regio metropolitana, ao Estado de So Paulo e ao
Brasil tambm foi objeto de uma breve anlise, bem como a participao no
mbito dos investimentos privados.
Na busca por uma caracterizao do setor, chama a ateno que, apesar de
existir um conjunto expressivo de indicadores sobre o mercado imobilirio,
produzidos principalmente no mbito privado, a grande dificuldade surge quando
procuramos medidas que apresentem comparabilidade com o restante da economia.
Assim, no difcil encontrarmos dados sobre a produo, tais como nmero de
lanamentos imobilirios, Valor Global de Vendas - VGV24, rea lanada etc.25 Estas
medidas, extremamente teis para analisarmos o comportamento do setor, no
permitem compar-lo com os demais segmentos da economia.
Cabe destacar, particularmente, a dificuldade de colher informaes
relacionadas contribuio do setor na riqueza produzida pelo conjunto da
atividade econmica, tanto no municpio como no pas. O sistema de contas
23 Botelho, A. O financiamento e a financeirizao, p. 12. 24 Valor global de vendas o nome que o mercado imobilirio d para a receita bruta potencial dos
empreendimentos, ou seja, a soma do valor unitrio de todos os imveis que so colocados venda em um empreendimento.
25 As principais informaes no setor so produzidas pelo Sindicato das Empresas de Compra, Venda, Locao e Administrao de Imveis Residenciais e Comerciais de So Paulo - Secovi e pela Empresa Brasileira de Estudos do Patrimnio - Embraesp, alm da Associao Brasileira das Entidades de Crdito Imobilirio e Poupana - Abecip que fornece informaes sobre o financiamento habitacional. A Jones Lang La Salle fornece boletins trimestrais relacionados oferta e a ocupao dos edifcios de escritrios.
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23
nacionais que faz o clculo do Produto Interno Bruto brasileiro e a contribuio de
estados e municpios, no permite uma diviso setorial que alcance o setor
imobilirio. O mais prximo que chega a participao da indstria da construo
civil que, ao computar obras virias e de infra-estrutura, camuflam a verdadeira
dimenso das atividades especificamente imobilirias.
As pesquisas econmicas do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatstica -
IBGE, por sua vez, estruturam-se segundo os tradicionais setores de atividade:
indstria, comrcio, servios e construo civil.26 No permitem, portanto, a
agregao intersetorial proposta, neste trabalho, para o setor imobilirio. Por
serem amostrais, tambm impossibilitam a desagregao das informaes para o
Municpio de So Paulo. O melhor conjunto de informaes econmicas oriundo
da Pesquisa da Atividade Econmica Paulista - PAEP no ano de 2001.27 A
defasagem temporal, porm, se agrava se considerarmos que este foi um ano de
baixa atividade econmica, significativamente distinto dos dias atuais,
principalmente no setor imobilirio. Isso no lhe tira o grande mrito de apontar
caractersticas estruturais relativas atividade econmica.
No plano dos registros administrativos, contamos com a riqueza das
informaes oriundas da Relao Anual de Informaes Sociais - Rais, do
Ministrio do Trabalho e do Emprego, para o ano de 2006. Optamos por no fazer
uma leitura temporal por dois aspectos. Primeiro, porque a evoluo recente do
setor ser tratada, em uma outra abordagem, na seqncia deste trabalho.
Segundo, porque ao utilizarmos a Classificao Nacional de Atividades
Econmicas - CNAE, na sua verso 2.0., que s comeou a ser aplicada em 2006,
tornamos a tarefa de construir uma srie histrica muito mais trabalhosa.28
26 Desde 1985, o IBGE no realiza censos econmicos. Nos anos 90, este censo foi substitudo pelo
Cadastro Geral de Empresas - Cempre e por pesquisas anuais amostrais: a Pesquisa Anual de Servios - PAS; a Pesquisa Anual da Indstria - PIA; a Pesquisa Anual do Comrcio - PAC; e a Pesquisa Anual da Indstria da Construo - PAIC.
27 Trata-se de uma pesquisa bastante detalhada e extensa realizada pela Fundao Seade nos anos de 1996 e 2001.
28 A nova classificao nacional (CNAE 2.0), deu mais destaque aos segmentos do setor imobilirio, tratando separadamente a atividade da incorporao e a construo de edifcios. Nos relatos tcnicos do processo de reviso da CNAE, no h nenhuma a justificativa para esta incluso. O segmento da incorporao no consta na classificao desenvolvida pela diviso de estatsticas da ONU, a Internacional Standard Industry Classification - ISIC. No mais, as atividades imobilirias so a traduo direta das real estate activities. A classificao internacional pode ser encontrada em: http://unstats.un.org/unsd/cr/registry/regct.asp. Acesso em 30/04/2008. J a classificao brasileira encontrada em www.cnae.ibge.gov.br. Acesso em 30/04/2008.
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24
A utilizao da Rais possui algumas vantagens importantes. A primeira
que ela alcanou uma excelente cobertura no mbito das empresas com Cadastro
Nacional de Pessoa Jurdica - CNPJ.29 O cadastro permite tambm o
georeferenciamento das empresas e, portanto, o clculo da importncia de cada
instncia espacial no territrio. Neste caso, nossa preocupao foi a delimitao do
setor no mbito municipal e no intra-urbano. Finalmente, esta base de
informaes se mostra extremamente flexvel no sentido de construirmos uma
agregao prpria e intersetorial, da qual entendemos ser a mais prxima de
captar o conjunto de atividades relacionadas ao setor imobilirio.
Procuramos represent-lo, tal como definido no incio desta seo, por
meio dos grupos da atividade econmica definidos pela CNAE verso 2.0.30 Os
grupos selecionados constituram trs segmentos: fabricao e comercializao de
materiais de construo; construo de edifcios e incorporao; e atividades
imobilirias que incluem compra, venda, locao de imveis, servios de
corretagem, entre outros. As atividades bancrias e os fundos de investimento
imobilirio no foram computados. Isso porque, apesar de serem fundamentais
para o desenvolvimento do setor, no so atividades exclusivas do setor fato que
iria dificultar muito a pesquisa.
Estes segmentos, juntamente com o respectivo nmero de
estabelecimentos e de empregos esto apresentados na tabela 1. importante
observar que para as empresas multilocalizadas (que possuem filiais) so contadas
em cada um dos seus estabelecimentos. J o nmero de empregos expressa, na
realidade, vnculos empregatcios formais. Assim, no caso do trabalhador possuir
mais de um vnculo, ele computado mais de uma vez. Em termos de empregos,
destaca-se o subsetor da construo de edifcios (residenciais e no-residenciais),
com mais da metade do total do setor, e o subsetor de comercializao de materiais
de construo. Em relao ao nmero de estabelecimentos, destaca-se o
crescimento na participao relativa das incorporadoras e das atividades
imobilirias. Chama a ateno tambm a queda proporcional no nmero de
estabelecimentos da construo de edifcios. O agregado do setor imobilirio,
segundo os dados da Rais, indicam uma participao na economia paulistana que
29 Segundo o Ministrio do Trabalho e do Emprego - MTE, desde 2001 a cobertura chega a 99% das
empresas formalizadas. Ver: www.mte.gov.br. 30 Como qualquer classificao, a CNAE possui limitaes, relacionadas dificuldade em
estabelecer limites rgidos para uma dinmica econmica complexa. Entretanto, permite uma boa referncia sobre a participao do setor imobilirio na atividade econmica.
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25
pode ser considerada modesta: 6,8% sobre o total de empregos do municpio e 6%
no total de estabelecimentos.31 Este percentual no se altera muito medida que
mudamos de mbito espacial, ficando sempre por volta de 6 e 7% na regio
metropolitana e Estado de So Paulo. No Brasil esta participao cresce e, em
relao aos empregos, chega a cerca de 10%.
Tabela 1 Empregos e estabelecimentos, segundo segmentos e grupos selecionados Municpio de So Paulo 2006
Estabelecimentos Empregos Segmento Grupo CNAE Nmero % Nmero %
231. Fabricao de vidro e de produtos do vidro
84 0,62 6.672 3,20
232. Fabricao de cimento 14 0,10 464 0,22
233. Fabricao de artefatos de concreto, cimento, fibrocimento, gesso e materiais semelhantes
169 1,25 3.758 1,80
234. Fabricao de produtos cermicos
30 0,22 407 0,19
239. Aparelhamento de pedras e fabricao de outros produtos de minerais no-metlicos
220 1,62 3.223 1,54
I. Produo e comercializao de materiais de construo
474. Comrcio varejista de material de construo
6.575 48,55 55.427 26,55
411. Incorporao de empreendimentos imobilirios
1.002 7,40 10.453 5,01II. Incorporao e construo
412. Construo de edifcios 3.065 22,63 110.399 52,88
681. Atividades imobilirias de imveis prprios
839 6,20 6.368 3,05III. Atividades imobilirias
682. Atividades imobilirias por contrato ou comisso
1.545 11,41 11.620 5,57
Total 13.543 100,00 208.791 100,00Fonte: Relao Anual de Informaes Sociais - Rais, 2006.
Em relao ao contingente da fora de trabalho, poderamos apresentar
duas ressalvas, que poderiam indicar uma participao maior. A primeira diz
respeito sazonalidade do emprego na construo que costuma oscilar durante o
ano.32 Como a Rais registra o nmero de trabalhadores em 31/12, este pode no
representar o auge da empresa naquele ano. O segundo aspecto a ser considerado
a ocorrncia freqente de subcontrataes neste setor, que, se considerada,
poderia indicar uma participao maior nos empregos formais. H tambm a
presena de trabalhadores sem carteira assinada, que no aparecem na Rais. Este
31 Neste levantamento no foram considerados os empregos do setor pblico. Isso porque sendo o
Municpio de So Paulo sede do governo estadual, servidores de outras cidades so declarados aqui gerando uma clara distoro.
32 Frana, C. R. A.; Matteo, M. Modernidade e arcasmo na construo paulista. In: Seade, Revista So Paulo em Perspectiva.
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26
contingente poderia ser expressivo j que comum atribuirmos alta taxa de
informalidade no setor da construo. Porm, observamos, no perodo recente,
indcios de um aumento da formalizao do trabalho neste segmento, apoiado em
dois fatores: primeiro, a temos relatos da intensificao da fiscalizao sobre as
empresas a partir de 2002; segundo, a abertura de capital das incorporadoras
aumentou a presso para a formalizao do emprego. Estes fatos, somados ao
crescimento recente do setor, explicariam os dados levantados pelo observatrio
do Trabalho do Municpio de So Paulo que mostram um expressivo crescimento
do emprego formal entre 2005 e 2007 na construo civil. 33
A concentrao do setor imobilirio paulistano no cenrio nacional foi
outro aspecto tratado neste trabalho. Os resultados so apresentados na tabela 2.
Nesse sentido importante destacar a expressiva participao das empresas do
municpio em relao regio metropolitana, sobretudo. Isso ocorre
principalmente no segmento construo e incorporao, sendo que as atividades
de carter industrial apresentam uma pequena participao no municpio. A
concentrao deste segmento no municpio em relao ao contexto metropolitano
confirma o papel do Municpio de So Paulo na trajetria de empresas que aps
consolidadas na capital extrapolaram os seus limites.
Essa afirmao aparentemente contraditria com o resultado observado
na participao do Municpio de So Paulo em relao ao Estado e ao Brasil. O
dado surpreendente at porque fato conhecido que as principais empresas do
setor imobilirio esto sediadas no Municpio de So Paulo. A relativamente baixa
participao do setor imobilirio do municpio, segundo estabelecimentos e
empregos, pode ser explicada por um conjunto de hipteses. Inicialmente porque,
em se tratando de nmero de estabelecimentos, podemos considerar que a sede da
empresa estaria no municpio e suas unidades locais em outras localidades. Desta
forma, muitos estabelecimentos fora do municpio podem ser filiais de empresas
cujas sedes esto na capital paulista. Isso no ocorreria no caso da regio
metropolitana em funo da proximidade entre os municpios. Por ltimo,
podemos imaginar que fora da Regio Metropolitana de So Paulo o uso de mo-
de-obra mais extenso, principalmente porque os salrios so mais baixos.
33 A evoluo dos empregos formais da construo civil mostra que na comparao do acumulado
de janeiro a novembro de 2007, em relao ao mesmo perodo do ano anterior, apresentou crescimento da ordem de 159,3%. Secretaria Municipal do Trabalho; Dieese. Anlise do mercado de trabalho do Municpio de So Paulo no ano de 2007, p. 5. Disponvel em: http://portal.prefeitura.sp.gov.br/secretarias/trabalho/atlasmunicipal/relatorios/0001. Acesso em abril de 2008.
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27
Uma interpretao mais especulativa, entretanto, apontaria para o fato de
que a incorporao ainda uma atividade eminentemente local dado que a sua
lgica de funcionamento pede um conjunto de informaes relacionadas a
conhecimentos intangveis, sobre o mercado local de terras, as caractersticas da
demanda etc. Sendo assim, a participao do segmento se aproxima bastante da
proporo populacional do municpio em relao ao Brasil. Por outro lado, o dado
parece indicar o tipo de estratgia utilizada pelas incorporadoras paulistanas para
expandir suas atividades pelo territrio brasileiro. A prtica mais comum, nesse
caso, a de estabelecer parcerias com empresas locais.
Tabela 2 Participao do municpio no total de empregos e estabelecimentos da Regio Metropolitana, Estado de So Paulo e Brasil Municpio de So Paulo 2006
Na RMSP No Esp No Brasil Segmento Grupo CNAE
Empr
egos
Esta
be-
leci
men
tos
Empr
egos
Esta
be-
leci
men
tos
Empr
egos
Esta
be-
leci
men
tos
231. Fabricao de vidros e de produtos do vidro
41,89 50,60 26,48 29,37 16,34 13,31
232. Fabricao de cimento 67,64 58,33 15,60 18,42 2,74 6,51233. Fabricao de artefatos
de concreto, cimento, fibrocimento, gesso e materiais semelhantes
41,05 35,28 14,50 9,68 3,27 2,20
234. Fabricao de produtos cermicos
9,17 33,71 0,74 1,86 0,20 0,46
239. Aparelhamento de pedras e fabricao de outros produtos de minerais no-metlicos
35,20 56,56 15,39 21,13 3,75 3,93
I. Produo e comercializao de materiais de construo
474. Comrcio varejista de material de construo
61,29 58,64 24,20 22,21 7,47 6,38
411. Incorporao de empreendimentos imobilirios
85,30 80,61 53,40 44,34 14,12 15,56II. Incorporao e construo
412. Construo de edifcios 79,42 73,75 41,21 26,68 8,96 5,39681. Atividades imobilirias
de imveis prprios 84,30 82,42 62,32 54,02 20,09 17,74III. Atividades imobilirias
682. Atividades imobilirias por contrato ou comisso
85,95 78,23 60,09 46,92 24,35 17,12
Total 69,55 65,35 31,36 25,64 8,20 6,76Fonte: Relao Anual de Informaes Sociais - Rais, 2006.
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28
As informaes levantadas sobre o setor imobilirio numa perspectiva de
comparao intersetorial suscitam alguns pontos importantes, que ultrapassam os
limites do presente trabalho. De incio, chama a ateno a ausncia de informaes
que possibilitem tais comparaes em contraste com o destaque que o mercado
imobilirio tem recebido e com a intensidade das transformaes pela qual passa
atualmente. Outra questo relevante perceber a inadequao de formas
tradicionais de se produzir informao e conhecimento a partir da tradicional
diviso entre grandes setores: indstria, comrcio e servio. Alm de se mostrar
inoperante para captar a dinmica imobiliria, a diviso no reflete a rpida
transformao organizacional das empresas. Como exemplo, temos a integrao
produtiva horizontal e vertical dificulta uma clara separao entre os
convencionados setores da economia.
As tabulaes realizadas, alm de ajudarem nas definies possveis
relativas ao setor imobilirio, nos ajuda a trilhar um caminho intermedirio entre
dois extremos. De um lado, temos um discurso de apologia ao mercado imobilirio
que, no raro, superdimensiona o peso econmico do segmento, valendo-se muitas
vezes de indicadores que no permitem comparao com outros setores. Um
exemplo dessa situao a utilizao do VGV para apresentar e dimensionar o
setor. Apesar dos bilhes de reais envolvidos trata-se apenas da receita bruta
potencial e no do desempenho econmico do setor, seu valor adicionado ou
receita lquida. Se necessria cautela para analisar os nmeros apresentados, em
geral, pelos sindicatos patronais, tambm no realista ignorar o peso econmico
do mercado imobilirio. Assim, por mais que a atividade se contraponha, muitas
vezes, a uma racionalidade urbanstica que preza pela qualidade de vida de seus
cidados, no se pode ignorar que o setor tem uma participao significativa na
gerao de emprego e renda na cidade.
Nesse sentido, se mostramos que o setor no pode ser superestimado, as
informaes coletadas sobre os investimentos anunciados mostram uma faceta
importante da atividade imobiliria. Segundo pesquisa da Fundao Seade, as
atividades imobilirias tm uma participao de 14,5% dos investimentos
anunciados entre 2002 e 2006 na capital.34 Considerando os diferentes ramos de
34 Trata-se de cerca de 1,8 bilhes de reais de investimentos em atividades imobilirias diante de 12
bilhes de reais aproximadamente. As informaes foram extradas da Pesquisa de Investimentos Anunciados do Estado de So Paulo - PIESP. Uma tabulao especial foi solicitada desagregando as informaes para o Municpio de So Paulo, por ramos de atividade econmica.
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atividade, essa participao perde apenas para transportes areos e transportes
terrestres. Assim, no se pode ignorar a importncia econmica do segmento,
principalmente quando procuramos estabelecer um dilogo com o planejamento
urbano. exatamente esta dupla dimenso econmica e espacial que procuramos
convergir ao longo do trabalho e explorar na discusso a respeito de incorporao
residencial. E neste segmento especfico que buscamos construir marcos
qualitativos de anlise.
Uma mercadoria incomum
Para compreendermos a lgica de funcionamento da incorporao residencial
importante partir de consideraes sobre o significado econmico e urbano da
habitao. Diferentes estudos, independentemente da sua linha metodolgica,
chamam a ateno para o fato de ser esta uma mercadoria especial,
significativamente diferente das demais.35 Isso porque a moradia , para as famlias,
um bem de alto custo e longo consumo, at mesmo no mbito dos bens durveis.
Associado a isso, a sua fixidez no espao marca uma grande diferena em relao aos
outros produtos: ao invs de circularem para atingir o mercado consumidor, so os
consumidores que se deslocam quando adquirem uma habitao.
Diante dessa considerao, nosso ponto de sada para so as conseqncias
urbanas e econmicas da produo da habitao considerando a sua imobilidade,
alto custo e longa durao.36 Estes trs elementos impem um ciclo mais lento de
realizao de um investimento e, portanto, condies especiais de circulao do
capital.37 Significam tambm que a moradia e as caractersticas de sua localizao
so indissociveis, seja do ponto de vista do valor do imvel, seja na sua liquidez.
Assim, o preo da unidade residencial no resulta apenas de aspectos intrnsecos
(rea, padro construtivo, padro de acabamento etc.), mas tambm de elementos
externos unidade habitacional, vinculado-o a oscilaes da dinmica urbana ao
35 A referncia para a forma como os distintos mtodos vem a produo habitacional Abramo, P.
Mercado e ordem urbana. Um bom resumo da habitao na teoria econmica est em Morais, M. P. The Housing Conditions.
36 Na realidade devemos considerar que h uma parcela muito diminuta das habitaes que no so fixas no espao, como trailers, barcos e alguns projetos futuristas ligados aos conceitos de cpsulas de morar e mquina de morar.
37 Silva, H. M. B. Terra e moradia, p. 6.
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longo do tempo. As mudanas podem ser positivas, resultando na valorizao de
uma localidade, mas tambm negativas com a degradao do ambiente em funo
do trnsito, nvel de rudo, criminalidade entre outros.
Assim, seja qual for a linha metodolgica, tanto nos modelos
economtricos fundados na escola neoclssica, como nas abordagens baseadas na
teoria marxista, h um consenso de que o consumo da habitao tambm
consumo de espao.38 Ao situarmos a produo de apartamentos no contexto
espacial apontamos para limites e possibilidades. Por um lado, a produo de
imveis novos tem limites fundirios, uma vez que cada empreendimento gasta
um terreno disponvel, e o uso residencial compete com outras atividades.39 Ela se
faz sobre uma superfcie finita, sobretudo quando implica em vantagens de
localizao, como terrenos de frente para o mar ou para parques urbanos.40 Por
outro, a concentrao fundiria e a reteno especulativa das terras podem
permitir incorporao imobiliria lucros oriundos da transformao em larga
escala de distintas localidades urbanas, gerando os chamados de sobrelucros de
incorporao.41
Mesmo admitindo que uma pequena parcela do parque habitacional
transacionada no mercado, o longo consumo da habitao faz com que a maior
parte da oferta seja constituda por produtos em estoque, cujas caractersticas,
tipologia e localizao refletem decises tomadas no passado.42 Assim, a cada ciclo
de incorporaes determinadas partes da cidade e segmentos de mercado ficam
saturados, obrigando os empreendedores a buscar outros mercados e localizaes,
e incluir nos seus empreendimentos elementos que os diferenciem dos demais.
Esta procura impulsiona um processo de inovao, tanto de produto, quanto de
38 Abramo, P. Mercado e ordem urbana. 39 Silva, H. M. B. Terra e moradia, p. 6. 40 Harvey argumenta que o valor de uso da terra no reproduzvel. Segundo o autor: A qualidade
da terra em um estado apropriado para certos tipos de atividade humana pode ser modificado por meio da criao de valores de uso no ambiente construdo, mas a quantidade total de terra sobre a superfcie do globo no pode aumentar ou diminuir de forma significativa pela ao dos seres humanos. Harvey, David. Los limites del capitalismo y la teoria marxista. Mxico: Fondo de Culturas Econmica, 1990, p. 337. Traduo nossa. Uma discusso sobre a questo no contexto brasileiro, especialmente sobre a localizao litornea est em: Moraes, A. C. R. Beira-mar, lugar comum? A valorizao e a valorao dos espaos litorneos. In: Contribuies para a gesto da zona costeira no Brasil. So Paulo: Edusp/Hucitec, 1999.
41 O termo aparece em muitos trabalhos, como referncia; podemos destacar o trabalho de Silva, H. M. B. Terra e moradia, que explica detalhadamente este processo.
42 Morais, M. P. The Housing Conditions, p. 7.
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localizao e, por sua vez, os lanamentos tendem a desvalorizar as unidades
existentes.43
A ocupao da cidade pelo uso habitacional vai se transformando medida
que so introduzidos novos produtos, como os condomnios horizontais fechados,
os empreendimentos mistos (usos residenciais e no-residenciais) e os
condomnios-clube. Com isso, tambm a proliferao das chamadas facilidades: a
piscina agora raia, o salo de festas e, mais recentemente, garage band, cinemas
etc. As inovaes podem provocar a desvalorizao nas residncias j construdas.
Como exemplo, podemos citar a difuso das manses suspensas, sobretudo a
partir da dcada de 90, um dos fatores que levou relativa desvalorizao de
algumas reas em Zona Estritamente Residencial - ZER.44 Hoje observamos em
algumas dessas reas, como o Pacaembu, com muitos imveis venda sem
encontrar comprador ou tendo que ser vendido a um preo inferior a um
apartamento do mesmo padro.
Retomando as caractersticas gerais do imvel residencial, devemos
sublinhar como o seu alto custo traz consigo importantes conseqncias na forma
como o setor produtivo imobilirio se organiza. O tema do financiamento
habitacional torna-se central para a discusso j que, na maior parte dos casos, a
compra s possvel quando existe crdito. O volume de financiamento disponvel
tem, portanto, forte influncia na dinmica do mercado, afetando no apenas o
consumidor, mas tambm o produtor, sobretudo pela possibilidade de alavancar
recursos. Apesar do vnculo entre financiamento e habitao ser estrutural h, no
Brasil, um processo de crescente financeirizao do setor imobilirio,
especialmente no segmento da incorporao, a partir de mecanismos como a
criao de fundos de investimento imobilirios, securitizao de recebveis, e mais
recentemente, a abertura de capital das empresas.45
43 Abramo, Pedro. A cidade caleidoscpica. Coordenao espacial e conveno urbana: uma
perspectiva heterodoxa para a economia urbana. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2007. 44 Definidas pelo Plano Diretor Estratgico do Municpio de So Paulo, Lei n 13.430/2002. 45 Neste segundo aspecto so importantes as contribuies de Botelho, A. O financiamento e a
financeirizao, e de Volochko, Danilo. A produo do espao e as estratgias reprodutivas do capital: negcios imobilirios e financeiros em So Paulo. Dissertao de mestrado. So Paulo: FFLCH-USP, 2007. Ambos os trabalhos destacam a crescente importncia dos recursos oriundo do mercado financeiro no poder de ao das empresas incorporadoras.
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No mbito dos compradores, alm do montante significativo de recursos
despendidos, os custos de transao so relevantes. De carter regressivo, atingem
com maior incidncia os imveis cujo valor de transao menor, reduzindo a
mobilidade residencial medida que cai o nvel de renda.46 Especialmente num
cenrio de predominncia de moradores proprietrios, existe um impacto
significativo nas dinmicas e ajustes na relao mercado de trabalho e local de
moradia.47 A questo da mobilidade residencial intra-urbana j foi objeto de
estudos especficos, particularmente para ao caso do Rio de Janeiro. A partir de
uma robusta base de dados, que vai dos registros do Imposto de Transmisso de
Bens Imveis - ITBI aos obtidos em pesquisa especfica, Faria destacou as
diferentes mobilidades entre classes sociais na cidade, avaliando os motivos de
mudana e verificando que esta maior nas camadas de alta renda. A entra um
tema que discutiremos mais adiante que o papel da incorporao na mobilidade
das famlias de alta renda.48
Um outro aspecto a ser considerado o fato do mercado habitacional ser
extramente diversificado e heterogneo. A moradia uma condio bsica da
reproduo humana, um abrigo que protege o homem de condies ambientais
adversas. Em uma sociedade desigual, a soluo individual na busca de uma
condio de abrigo passa por uma enorme variedade de agentes produtores que vai
da autoconstruo aos grandes incorporadores, bem como pela proviso estatal.49
As alteraes no estoque de domiclios pode se dar por meio de dinmicas muito
diferenciadas, como destacam Silva e Castro, a partir do caso paulistano: os
produzidos por agentes do mercado imobilirio legal, regular ou formal;
construo de um lote prprio regular com planta aprovada; os conjuntos
habitacionais produzidos pelo Estado; a subdiviso de construes existentes em
geral irregulares e para fins de aluguel; construo sem aprovao em lotes
46 Sobre a regressividade da incidncia do Imposto de Transmisso de Bens Imveis - ITBI ver
Battaglia, Luisa. Cadastros e registros fundirios: a institucionalizao do descontrole sobre o espao no Brasil. Tese de doutorado. So Paulo: FAU-USP, 1995.
47 Sobre as implicaes das mobilidades diferenciais entre capital e fora de trabalho ver Harvey, David. The Production of Spatial Configurations: the Geographical Mobilities of Capital and Labour. In: Limits to Capital. London, Verso, 2006. 1 ed., 1982.
48 Faria, T C. Mobilidade residencial na cidade do Rio de Janeiro: tendncias e estratgias de localizao dos indivduos no espao urbano. Dissertao de mestrado. Rio de Janeiro: IPPUR/UFRJ, 1997.
49 Maricato, E. (org.) A produo capitalista da casa (e da cidade).
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irregulares; construo em terreno ocupado irregularmente.50 O resultado
evidente a existncia, nas cidades, de um parque residencial bastante
heterogneo. Alm das diferentes caractersticas da localizao, a diversidade de
agentes resulta em variaes nas formas, na qualidade dos materiais, no tamanho e
nos atributos internos das residncias: rea til, rea dos cmodos, nmero de
quartos, nmero de banheiros etc.
Independentemente das condies em que uma residncia produzida, uma
vez construda passa a compor, potencialmente, o mercado habitacional. A
combinao entre uma multiplicidade de agentes produtores e a diferenciao de
renda e de ciclo familiar dos compradores, torna o mercado imobilirio
particularmente segmentado, social e espacialmente. Essa caracterstica j
observada para anos 80 por Dantas, que descreveu dinmicas bastante distintas e
especficas seja entre diferentes ciclos temporais, ou ainda na dinmica espacial.51
Na mesma linha, temos o trabalho de Eduardo Marques ressaltando movimentos
de disperso e concentrao da incorporao imobiliria ao longo da dcada de
90.52 Em um sentido geral, as pesquisas convergem ao afirmar que a produo
habitacional privada, em So Paulo e no Brasil, altamente elitizada, voltada para
as classes mdia-alta e alta, constituindo um mercado restrito, especulativo,
excludente e de baixa produtividade.53
No entanto, importante lembrar que a renda no a nica forma de
segmentao do mercado, apesar de ser o principal componente na sua estrutura.
Estatisticamente, inclusive, um estudo recente demonstra que o ciclo de vida
familiar mais relevante para explicar a probabilidade de ser proprietrio de um
imvel do que o nvel de renda.54 Isso certamente ocorre em funo da
importncia do chamado mercado informal de moradia, permitindo que boa parte
50 Esta distino ter impacto na possibilidade de captar a dinmica imobiliria atravs das bases
de dados. Silva, H. M. B.; Castro, M. C. P.; A legislao, o mercado e o acesso habitao em So Paulo. In: Lincoln Intitute of Land Policy; Labhab/ FAU-USP, workshop: Habitao: como ampliar o mercado? So Paulo, 1997, p. 3.
51 Dantas, J. R. Dinmica do mercado imobilirio habitacional: So Paulo 1980/1990. So Paulo: FAU-USP, 1991.
52 Marques, E.C. A dinmica de incorporao em perodo recente. In: Marques, E.C.; Torres, H. (orgs). So Paulo: segregao, pobreza e desigualdades sociais. So Paulo: Senac, c.2004.
53 Maricato, E. Metrpole na periferia do capitalismo. So Paulo: Hucitec, 1996. 54 Morais, M. P. Housing Demand, Tenure Choice and Housing Policy in Brazil. Disponvel em:
http://www.worldbank.org/urban/symposium2007/.
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da populao pobre seja proprietria.55 Mesmo no mbito da incorporao privada
existem, associadas aos distintos nveis de renda, especializaes geogrficas, de
faixas etrias, de ciclos de vida familiar, e at mesmo combinaes entre elas,
chamada de segmentaes por multiatributos.56
Por fim, no elenco das caractersticas especiais da mercadoria habitao e
suas implicaes produtivas e espaciais, relevante destacar a importncia da ao
do Estado para se compreender a dinmica do mercado habitacional. Esta ao se
d, basicamente, em trs planos: instituindo os marcos legais e institucionais
atravs dos quais se realiza a produo privada, as leis de zoneamento, a legislao
edlica e a normatizao relativa ao crdito imobilirio, e as formas de tributao
do setor; agindo diretamente como um incorporador urbano, por meio de grandes
obras pblicas ou ainda pela produo de moradias; e atuando, sobretudo atravs
dos bancos estatais, no financiamento habitacional.
A ao do Estado e suas relevantes implicaes na dinmica do mercado
habitacional e nas configuraes urbanas foi objeto de diversos estudos e
pesquisas. Em especial, a relao entre zoneamento e produo foi tratada num
estudo da Secretaria Municipal de Planejamento - Sempla que demonstrou como a
determinao do aproveitamento do solo urbano um fator locacional
preponderante.57 Ainda para o caso de So Paulo, outros trabalhos que
identificaram a forte ligao entre obras pblicas e valorizao imobiliria do seu
entorno.58 Finalmente, num mbito mais geral, discutiu-se a relao entre o
Estado e a proviso habitacional e o seu papel na dinmica da acumulao
capitalista. Isso porque ao reduzir os custos de reproduo da fora de trabalho,
55 Segundo o Censo 2000 do IBGE quase 70% dos domiclios no municpio eram ocupados por seus
proprietrios. 56 Pascale, Andrea. Atributos que configuram qualidade s localizaes residenciais: uma matriz
para clientes de mercado na cidade de So Paulo. Dissertao de mestrado. So Paulo: Poli-USP, 2005.
57 So Paulo (Cidade), Secretaria de Planejamento Urbano. Zoneamento e mercado imobilirio: subsdios para a transformao da legislao urbanstica do Municpio de So Paulo. Sempla, Cadernos de planejamento 1992, n 5.
58 Casos exemplares desta relao foram estudados, entre muitos outros, por Low-Beer, Jaqueline. Renovao urbana nas cercanias da linha leste do metr, So Paulo: FAU-USP, 1975; Fix, Mariana. Parceiros da excluso: duas histrias da construo de uma nova cidade em So Paulo - Faria Lima e gua Espraiada. So Paulo: Boitempo, 2001; Marques, E. C.; Bichir, R. M. A dinmica espacial dos investimentos e a produo do espao paulistano. In: Marques, E. C. (org.). Redes sociais, instituies e atores polticos no governo da cidade de So Paulo. So Paulo: Fapesp/AnnaBlume, 2003.
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libera o consumo das famlias para outras mercadorias incentivando os demais
setores da atividade econmica.59 O tema no simples e seu tratamento
adequado exigiria uma discusso aprofundada, que foge aos objetivos deste
trabalho. De qualquer forma importante considerar que, do ponto de vista do
incorporador, o Estado sempre um parceiro, como observaram Miles, Berens e
Weiss.60
A incorporao residencial
Uma vez apresentado um breve panorama do conjunto do setor, a partir de uma
classificao mais rgida que permitisse a extrao de informaes quantitativas, e
as caractersticas especiais da habitao, procuramos aprofundar a leitura sobre o
que consideramos o ncleo da dinmica imobiliria. Por desempenhar o papel de
articulao das diferentes etapas, de assumir boa parte dos riscos dos
empreendimentos e obter os maiores lucros, a incorporao entendida como o
segmento de comando desta cadeia produtiva. Seu protagonismo se coloca,
sobretudo, quando olhamos a atividade pela tica dos agentes promotores de
transformaes espaciais. Portanto, se boa parte da escassa literatura de cunho
econmico sobre o setor enfoca as caractersticas e a dinmica da construo civil,
propomos uma anlise a partir do segmento da incorporao.
A definio mais abrangente v a incorporao como o desenvolvimento de
um processo de reconfigurao do espao de acordo com finalidades pr-
estabelecidas.61 No mbito privado este objetivo o lucro.62 Esta atividade no se
confunde com a construo de edifcios mesmo quando executada pela mesma
empresa. Isso porque ela envolve tambm sua concepo e planejamento, dadas as
condies da demanda, do mercado de terras e os riscos envolvidos no negcio.
Em funo do lapso de tempo entre as decises, a aquisio do terreno, a produo
59 Silva, H. M. B. Terra e moradia, p. 7. 60 Miles, M.; Berens, G.; Weiss, M. Real Estate Development: principles and process. Washington,
D.C.: Urban Land Institute, 2005, p. 10. 61 Esta definio baseada em Miles, M.; Berens, G.; Weiss, M. Real Estate Development. 62 Ainda que outras motivaes possam ser evocadas. Pereira-Leite evoca exemplos internacionais,
inclusive de mega-empreendimentos que fracassaram, para ponderar que h, alm da perspectiva de grandes lucros, uma dimenso da realizao pessoal de grandes incorporadores colocando um dose de irracionalidade e personalismo na gesto das empresas. Pereira-Leite, L. R. Estudo das estratgias das empresas incorporadoras.
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e as vendas e por envolver mais do que a produo de uma mercadoria mas a
evoluo de uma localizao, a incorporao envolve a antecipao de uma
situao futura, tanto em relao ao mercado com s condies da localizao.
Nessa linha, Bontron prope uma anlise das permisses de construo nas cidade
francesas como um instrumento de prospectiva territorial. Segundo o autor:
O investimento imobilirio , com efeito, um investimento de longo termo
que, no esprito de seus promotores, tanto os pblicos quanto os privados,
no o fruto do acaso, mas uma aposta sobre o futuro, cujas escolhas de
localizao traduzem e antecipam as necessidades econmicas e sociais
mais amplas.63
O movimento de antecipar as mudanas na cidade, do ponto de vista do
perfil scio econmico de um bairro, foi objeto de indagao de Haddad, que
procurou evidncias sobre esse processo. Por meio do cruzamento entre os
lanamentos imobilirios e informaes da Pesquisa Origem/Destino de 1987 -
OD/87, realizada pela Companhia do metropolitano de So Paulo - Metr, o
estudo encontrou (...) evidncias que comprovam a nossa hiptese de que, atravs
da forma e da localizao dos lanamentos feitos, o mercado imobilirio tem
responsabilidade pelas transformaes scio-econmicas observadas na cidade.64
Mais do que um marco conceitual, a definio da incorporao passa, no
Brasil, pelo aspecto legal. A lei do incorporador (n 4.951 de 16 de dezembro de
1964) exige para qualquer empreendimento o registro de incorporao
acompanhado de uma extensa documentao. Nesta lista esto os documentos de
compra do terreno, certides negativas de dbito, e a aprovao do projeto. 65 De
acordo com Botelho, a formalizao do incorporador, define a sua primazia na
produo imobiliria, coordenando a produo e definindo as caractersticas de
localizao, padro socioeconmico e arquitetnico do empreendimento.66
63 Bontron, J-C. Les dynamiques territoriales de la construction 1990/ 2004. Paris: Diact, 2007, p.
63. Traduo nossa. 64 Haddad, E. (e outros). O mercado imobilrio antecipa as alteraes na estrutura urbana?
Evidncias do caso de So Paulo. In: Anais do V Encontro da Latin American Real Estate Society - Lares. So Paulo: 2005, p. 10.
65 Segundo Botelho, a possibilidade de repassar este custo ao consumidor e as condies de financiamento fazem com que a ilegalidade seja bastante pequena neste ramo. Botelho, A. O financiamento e a financeirizao, p. 55.
66 Botelho, A. O financiamento e a financeirizao, p. 54.
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Embora o protagonismo do incorporador no mercado imobilirio seja
reconhecido pelos autores que o estudam, existem diferentes formas de
compreender a lgica espacial da sua ao. As interpretaes esto vinculadas s
grandes correntes metodolgicas. O papel do mercado (e por extenso do
incorporador) na estruturao das cidades visto por distintas correntes
metodolgicas objeto de estudo de Pedro Abramo.67 O autor desenvolve seu
trabalho a partir dos pressupostos da economia urbana neoclssica, que
fundamenta grande parte das pesquisas e anlises espaciais do setor imobilirio,
sobretudo o residencial. Uma outra importante corrente apontada, mas no
aprofundada, a que Abramo chama de perspectiva marxista.
No mbito da corrente neoclssica, importante destacar, ainda que de
forma bastante resumida, a construo de uma leitura fundada na neutralidade do
incorporador. Isso porque, a sua deciso de localizao vista apenas como uma
reao racionalidade dos consumidores, de forma que a oferta e a distribuio
espacial das novas moradias se explicaria pelos requisitos da demanda. Da, numa
dinmica estabelecida pela soberania da demanda, o espao ser constitudo como
uma representao geomtrica na qual se combinam: a) a distncia em relao ao
centro de negcios (central business district); b) o tamanho da unidade; c) a faixa
de renda do consumidor. Neste modelo, a partir do perfil de sua renda, o
consumidor faria a deciso de localizao a partir da combinao (denominada
trade off) entre o tamanho (conforto) e a acessibilidade. Portanto,