Chomsky Ou Everett
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5/16/2018 Chomsky Ou Everett - slidepdf.com
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Não é de hoje que discussões calorosas a respeito da linguagem – sua função, sua
origem e sua manifestação na dinâmica humana – tomam espaço relevante frente a nossa
atenção. Desde que se entendeu linguagem como fenômeno de observação em Genebra,
1602, troncos teóricos surgiram e exploram basicamente dois aspectos dessa temática: seria a
linguagem algo inato ao homem ou seria manifestação proveniente do contato com a cultura?
Posicionamentos, aparentemente tão díspares, só poderiam suscitar no cenário intelectual
uma disputa pela valorização da teoria a ser estudada. No entanto, compreender a discussão
como aspecto relevante na construção do conhecimento seria, provavelmente, postura de
maior dignidade em campo científico.
Na última semana, a revista Veja veiculou entrevista com o mais novo renomado
estudioso da linguagem Daniel Everett. Ele se posicionou radicalmente contra o pensamento
de Noam Chomsky que afirma que a linguagem é elemento inato ao homem. Everett afirma
que a linguagem é produto direto da cultura produzida pela humanidade e que só em meio a
outros seres humanos ela poderia ser manifestada.
Por muitos anos, levou-se em consideração que a linguagem, com manifestação mais
aparente na existência das variadas línguas ao redor do mundo, deveria ser estudada em seu
aspecto mais exato. Saussure levou em consideração os aspectos que não variavam tanto de
língua para língua e valorizou, assim, a linguagem em sua dimensão mental. Estudou as
dicotomias langue/parole e sincronia/diacronia. Para Saussure, seria impossível ao estudioso
das línguas fazer levantamento científico das manifestações da linguagem através da fala (visto
que todos falam de forma diferente) e através do tempo (visto que línguas se perderam ou
sofreram modificações radicais). Dessa forma, Saussure valorizou a língua, e não a fala; a
sincronia, e não a diacronia.
Após Saussure, outros se debruçaram sobre os estudos da linguagem e enveredaram
por outras teorias que geraram posicionamentos radicais em relação ao objeto de estudo. Não
percebiam, porém, os cientistas que antes de construírem um cenário turbulento, construíam
uma visão bem mais ampla do que seria a linguagem. Saussure posicionou-se em relação ao
seu objeto de estudo de acordo com a ciência clássica – que valoriza os eventos recorrentes, a
criação de um modelo que descreva o fenômeno, a criação de uma teoria e a desvalorização
das exceções – e isso deve ser levado em consideração para que se entenda que quando se
estuda algo, se constroem e se reproduzem discursos que se interligam durante toda a história
da existência humana: isso não daria espaço para uma mais verdade ou menos verdade.
Na entrevista a Veja, Daniel Everett afirmou serem mentiras os princípios que Chomsky
defendeu durante toda sua vida. Afirmar isso é reproduzir a ideia de que existe apenas uma
direção para o conhecimento. Seria, no mínimo, postura imatura ou calorosa de quem
recentemente encerrou pós-doutorado. É importante lembrar que Chomsky tem formação em
Ciências Naturais e que a Matemática foi seu objeto de estudo por muito tempo. Apenas em
contato com ativistas e pacificadores foi que Chomsky interessou-se pela Linguística. Entendeu
que a partir do domínio da linguagem poder-se-ia encontrar a paz. Estudou Linguística e
compreendeu duas coisas importantes: a primeira é que a língua é produto da mente e
elemento inato ao ser humano e a segunda é que a partir de um número finito de sons é
possível construir um número infinito de sentenças. Para Chomsky, se dominássemos ao
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máximo a capacidade de construir sentenças e organizar o pensamento, poderíamos melhor
organizar a sociedade. Nasceu a Línguística da Paz.
O fato de Chomsky defender a investigação do pensamento para se justificar a
existência da linguagem não nega que a linguagem também seja um aspecto transcultural.
Após os estudos iniciais de Chomsky, houve um distanciamento da linguística cognitiva e asupervalorização da linguística enunciativa. Isso ocorreu devido ao desenvolvimento dos
estudos sociais. Jacobson, Bakhtin e Morin muito contribuíram para isso. Jacobson valorizou as
funções interlocutivas da linguagem, Bakhtin debruçou-se sobre os aspectos interacionistas e
Morin valorizou a dinâmica complexa da existência social. Os estudos do discurso,
principalmente com a escola francesa que deu enfoque à psicanálise e à sociologia – discurso
como elemento de ideologia -, também contribuíram nesse sentido. E foi muito recentemente,
com a escola linguística canadense (representada no senhor Steve Pinker), que a linguística
cognitiva assumiu posição de relevância novamente. Em O instinto pela linguagem, Steve
Pinker discute argumentos em relação à existência de um gene da linguagem. Vê evidencias
disso na capacidade humana de construir idiomas (a partir da manipulação linguística das
crianças em relação a pidgins e crioulos), em um estudo de caso de uma paciente com
comprometimento de áreas nobres do cérebro que manipulam a linguagem e na capacidade
de significação que povos (sem educação formal ocidental) têm em relação ao mundo. A
discussão de Pinker, presente em outra obra sua intitulada Tábula rasa (nome bem sugestivo,
por sinal) fortalece novamente os estudos cognitivos da linguagem.
Se observarmos o andar da ciência ao longo das eras, perceberemos que valorizações
específicas de pesquisas ocorrem por interesses específicos de determinadas épocas. A
necessidade que o homem tem de descobrir algo é diretamente referente à necessidade de
dar respostas a sua época. Saber se Noam Chomsky está correto ou se Daniel Evertt está
errado, ou vice-versa, não é e nem será o objetivo da ciência – que tem como função maior
estimular a condição investigativa humana para benefício do próprio homem. Intensificar o
calor dessa discussão é assumir postura leviana e estimulante em relação ao que melhor uma
revista sabe fazer: vender exemplares.
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