Chico Terezinha

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  • 8/19/2019 Chico Terezinha

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     Num ritmo calmo, similar ao da cantiga original que a inspira, Terezinha, de

    Chico, nos apresenta nada menos do que uma possibilidade de pensar o amor como uma

    despossessão de si. Tudo aponta para uma experiência de amor que não é mais do que

    encontro, não  quer ser   mais do que encontro e portanto não fala mais do que do

    encontro. Nossa experiência cotidiana nos ensina que em todo bom encontro o presente,

    o passado e o futuro diluem-se na relação entre os polos, não sendo mais do que as

    desculpas teis para a manutenção do encontro o m!ximo de tempo poss"#el. No

    encontro amoroso, marcado que é pelo dese$o, isso não s% não poderia ser diferente,

    mas de#eria se potenciali&ar.

    Tudo aponta para uma forma de reconhecimento que prescinde de uma

    estabilidade fixa e precisa e que pode abdicar disso em prol do afeto intr"nseco ' relação

    (no caso, o amor). Como se não fossem suficientes os lugares dados pelo outro, como se

    fosse necess!rio um certo "ndice de indeterminação para que o amor se instaurasse. *

    sintom!tico que se$a apenas o terceiro pretendente, o que do nada #em, nada fala e nada

     pergunta, que tenha seu dese$o lido pela narradora com alguma precisão.

    +os outros dois primeiros, sabemos absolutamente tudo o que a msica quer nos

    fornecer um #em do bar e outro #em do florista um tra& presentes dignos de uma

     princesa em seu duplo sentido (tanto uma $o#em mulher bela, quanto uma descendente

    da reale&a) e outro tra& uma aguardente um fala de si ao passo que o outro pergunta

    sobre ela um a chama de rainha e o outro de perdida e, por fim, ambos a pegam

    desarmada e ela, assustada, di& não.

    ostaria de sugerir que seria o caso de ler o primeiro e o segundo amantes são

    um a #erdade do outro espelhada. +eri#aria da" que ao passo o primeiro a teria

    infantili&ado e a tratado como uma criança, o segundo a teria des#alori&ado e a tratado

    como uma meretri& (da" o perdida), mas ambos a teriam definido de forma tal que eles

    seriam capa&es de di&er o que ela é. Como se eles fossem aqueles capa&es de nomear aimagem que #eem e de dar a ela um sentido, bastando apenas que ela se reconhecesse

    na imagem por eles pintada.

    /eria caso então de pensar que a estrutura do reconhecimento proposta por 

    ambos tem exatamente o mesmo problema de excesso de identidade  e ausência de

    desejo. 0or um lado, um 1#ende seu peixe2 para mostrar-se digno de uma rainha por 

    outro lado, o segundo a desmerece para torna-la digna de um #agabundo nos dois casos

    o que se repete é que, sal#o o não, ela nada di&. Como se fosse o caso de negar toda a positi#idade de uma identidade imposta de fora, como se fosse o caso de excluir 

  • 8/19/2019 Chico Terezinha

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    qualquer possibilidade de um lugar fixo de reconhecimento no qual o dese$o não opera,

    mas emperra.

    3sso não #em sem um preço. 4 lição é que, mesmo com essa negação, ambos alcançam

    o coração de alguma forma, se$a arranhando, se$a tocando-o.

    +ito isso, o problema de ambos #ai ser, sempre, um excesso. 5 primeiro não

    negava nada e o segundo não entregava nada o que, lido em cha#e psicanaliticamente

    orientada pode muito bem querer di&er que o primeiro da#a demais e o segundo da#a de

    menos. 4lém disso, ambos dese$arão algo nela que não é exatamente ela, mas uma

     posição importante para eles o primeiro dela dese$ar! que se$a rainha, o segundo que

    se$a perdida. Não existem a" $u"&o anal"ticos sobre a situação atual da mulher, mas

    colocação dessa mulher em posiç6es importantes para o pr%prio homem. Como se ela

    não de#esse fa&er mais do que confirmar aquela posição que na fantasia deles ela $!

    ocupa, como se fosse o caso de admitir uma posição de reconhecimento margeada pelo

    dese$o do homem. Note-se que a falha a" est! em, exatamente, ela $! estar exclu"da do

     processo antes mesmo de ele começar. /ua identidade, para eles, ser! a que eles a

    atribu"ram rainha para um, perdida para outro, e ser! a partir desse reconhecimento que

    eles a tratarão. /eu 1não2, em ambos os casos, ser! exatamente contra a aceitação dessas

     posiç6es identit!rias como suas, a despeito do sofrimento sentido.

     7stamos acostumados a atribuir um significado ruim ao segundo caso (daquele

    que subtrai sem nada dar) de modo que apenas o primeiro, aquele que chama de rainha.

    tal#e& figurasse como um enigma. 4final, o que poderia ha#er de ruim em dar demais8

    ostaria de sugerir que, ao contr!rio do que se pensa, não h! nada de bom  em dar 

    demais e nada negar porque dar demais é, quase sempre, dar- se de menos. 4quele que

    muito d! pouco se doa, e essa tal#e& se$a a lição lacaniana (e de Chico) sobre o amor 

    mais importante e aqui a ideia de 9reud de que os poetas antecipam ' psican!lise retorna

    com Chico. /e amar é 1dar o que não se tem a alguém que não quer2 (:acan) amar nãoé apenas fornecer uma série de presentes e acertar a cada escolha, mas reconhecer a

    radical incomensurabilidade entre o desejo do outro e aquilo que suponho que ele quer 

    de mim. 5 excesso de presentes, nesse sentido, opera mais como um $ogo contra o amor 

    do que a fa#or dele. 17ncher2 alguém de presentes é pri#!-lo da  sua própria falta,

    daquilo mesmo que moti#a que o amor continue circulando em sua incompletude. 7sse

    amante é um pouco como aquele que presenteia para calar a boca e demonstrar amor,

    como se dar algo positi#o fosse a melhor forma de dar amor.

  • 8/19/2019 Chico Terezinha

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     Não ' toa ser! o terceiro aquele do qual ela poder! di&er 1mas entendo o que ele

    quer2. Chega como quem #em do nada, nada quer saber, nada quer dar. Tem apenas a si

    mesmo para dar, e mesmo seu si-mesmo, para ela, é prec!rio (1mal sei como ele se

    chama2). Toda a interação dos dois parece centrada na relação, como se tudo o que de

    externo ' relação existisse fosse pouco ou nada rele#ante. * essa insegurança de não ter 

    um passado pelo qual responder (perdida) ou um futuro do qual dar conta (rainha) que,

     paradoxalmente, a situa numa relação de segurança para com o terceiro. 0ois que, não

    #ai ser caso de alguém que a quer de maneira determinada (como rainha ou perdida, um

    apontando para uma posição moral alti#a outro para uma posição moral depreciati#a),

    mas de alguém que a quer por um moti#o completamente #a&io de contedo e que, por 

    isso, fa& com que ela suponha que o que ele quer é ela mesma 1;as entendo o que ele

    quer< se deitou na minha cama e me chama de mulher2. Não precisar! corresponder '

    ma$estade da rainha ou a #ile&a da perdida, podendo apenas situar-se no enigma que

    nem sequer ela é capa& de responder mulher.

    Tal#e& fosse o caso aqui de pensar $unto com um conselho