Chico e Poesias

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Chico põe nossa música na linha Depois de seis anos, ainda não me acostumei ao palco. Quando tenho um show à noite, já acordo agitado, passo o dia tossindo e entro em cena apavorado. Mas à medida que o show engrena, que o público responde, vou ficando à vontade. Na televisão, geralmente, não encontro condições para isso. É tudo muito artificial. O auditório, quando há, é condicionado, o calor é sufocante. E o cachê não costuma ser pago com menos de seis meses de atraso. Mas a televisão não se perturba: o artista é que precisa dela. Quando vai fazer show de apenas um dia, em qualquer cidade, a bagagem de Chico é uma sacola de plástico e lá dentro uma escova de dentes, a pasta e uma camisa. Seu empresário, Roberto Colossi, afirma que ele se fosse um pouquinho mais preocupado em ganhar dinheiro - seria "o produto artístico mais fácil de se vender no Brasil". Na hora do show, toda a preparação de Chico para entrar em cena é trocar de camisa. E tem hora que eu fico em dúvida. A camisa que está na sacola, ali jogada a olho, às vezes está mais feia do que a que ele está usando. Quando o show é de mais de um dia, a mulher de Chico, a pequenina e expressiva atriz Marieta Severo (que vai voltar a trabalhar), arruma a sua mala, com tantas camisas, calças, meias e cuecas quantos são os dias de show. Chico, então, é homem bastante para abrir a mala e apanhar a roupa limpa. O que ainda não consegue é recolher a roupa usada. Assim, no fim da excursão, Chico não se esquece da mala e chega em casa com ela direitinho - só que vazia. Tímido, desajeitado, encabulado, inquieto - isso tudo é verdade. Mas não interessa: Chico Buarque é hoje um dos maiores show-man do Brasil, em solicitações e na cotação (Flávio Cavalcanti oferece-lhe Cr$ 25.000,00 para participar do seu programa; ele tem sempre convites para ir à televisão e para fazer shows fora do Rio; precisou prorrogar sua temporada no Canecão; um diretor insiste para que ele apareça no cinema como ator). Fausto Canova, estudioso da música popular brasileira e também homem

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Sobre Chico Buarque

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Chico põe nossa música na linha Depois de seis anos, ainda não me acostumei ao palco. Quando tenho um show à noite, já acordo agitado, passo o dia tossindo e entro em cena apavorado. Mas à medida que o show engrena, que o público responde, vou ficando à vontade. Na televisão, geralmente, não encontro condições para isso. É tudo muito artificial. O auditório, quando há, é condicionado, o calor é sufocante. E o cachê não costuma ser pago com menos de seis meses de atraso. Mas a televisão não se perturba: o artista é que precisa dela.

Quando vai fazer show de apenas um dia, em qualquer cidade, a bagagem de Chico é uma sacola de plástico e lá dentro uma escova de dentes, a pasta e uma camisa. Seu empresário, Roberto Colossi, afirma que ele se fosse um pouquinho mais preocupado em ganhar dinheiro - seria "o produto artístico mais fácil de se vender no Brasil".

Na hora do show, toda a preparação de Chico para entrar em cena é trocar de camisa. E tem hora que eu fico em dúvida. A camisa que está na sacola, ali jogada a olho, às vezes está mais feia do que a que ele está usando.

Quando o show é de mais de um dia, a mulher de Chico, a pequenina e expressiva atriz Marieta Severo (que vai voltar a trabalhar), arruma a sua mala, com tantas camisas, calças, meias e cuecas quantos são os dias de show. Chico, então, é homem bastante para abrir a mala e apanhar a roupa limpa. O que ainda não consegue é recolher a roupa usada. Assim, no fim da excursão, Chico não se esquece da mala e chega em casa com ela direitinho - só que vazia.

Tímido, desajeitado, encabulado, inquieto - isso tudo é verdade. Mas não interessa: Chico Buarque é hoje um dos maiores show-man do Brasil, em solicitações e na cotação (Flávio Cavalcanti oferece-lhe Cr$ 25.000,00 para participar do seu programa; ele tem sempre convites para ir à televisão e para fazer shows fora do Rio; precisou prorrogar sua temporada no Canecão; um diretor insiste para que ele apareça no cinema como ator). Fausto Canova, estudioso da música popular brasileira e também homem experimentado em shows de teatro e televisão, acha que Chico é, hoje, talvez o mais importante show-man do Brasil:

Inteligente, agrada aos intelectuais e aos universitários; bonito, sem ser bonitinho, excita as mulheres e a meninada; brioso e atuante, sensibiliza a juventude; cantor de voz agradável e ajustada às músicas, compõe um espetáculo bom de ver de ouvir, e com uma vantagem adicional: seu público não é específico; gente de todas as idades e condições gosta dele. A voz de Chico, segundo o maestro Rogério Duprat, tem o registro de um violoncelo e o timbre de sax-barítono.

Tímido, desajeitado, encabulado, inquieto - isso não interessa. Como não interessa? - pergunta André Midani, diretor da maior gravadora de discos no Brasil (Philips).