CHIARELLI, Tadeu. Prefacio. In_Pintura Não é Só Beleza.

4
É o anim, al ............... ........ . .... ............ ............ . ...... .. . . .. . ............................................ 88 O artesão e o artista ......................................... . ............ ................................. ....................................... 89 Artista criador como Deus criador .............. 94 Capítulo oito - UM MODERNISMO QUE VEM ... DEPOIS .... . ...... . .. .. 187 Milionárias velhas e estetas refinados ...... ................................ ............. . .............. 187 Portinari citacionista ......... . ......................................................................................................... 189 Capítulo quatro -OS AR TISTAS QUE CONTAM: UMÉ PRETO Duas personalidades Obra personalíssima mas fecunda ...... . ........ . ..... ... .......... . .......... . .................... . ... . Da exasperação romântica ao novo equilíbrio ................ . ........................................................ 101 O grande pintor russo ................ . ............. .. ............................. . ......................... .. .......... . .......... . A perdição de Segall ........... ............................ ........... . ........ ........................ . ............. . . ... . . .. 108 O decorativismo de Segall . ...... .... ... ...... . ....... . ........... . .............. .... . . ....................... 110 Em busca de uma enfeitação mulata e ingênua .................... ................................. ... .......... 112 O eterno caminhante .. ............... . ..... . ........... . ........ .................... . ............................................. 113 Nossa pátria ....... . ..................... . ................... . ...................... . ............................................... 116 A origem judia ............. .. ........... . . ..... . ..... ... . .......... .. ..... ..... . ........ . ... .. . ... .. .... .. . . 119 .... 97 ······················ .................... . ... ····································· 97 Nece ss idade de expressão .............. ............ .................... ........ ...... . .................... . ............ . ...... 192 Portinari e Picasso .. . .. . .... . ................... ... ................ ............. . ............ ... ....... .. ................ . ............... . ....... 193 Picasso e Portinari: raízes no século XIX ................ .. .. ......... . ............... . ...... . ... . ...... ..... ......... 196 Realismo/ Neoclassicismo ............ . ................. .. ...... .......... .. .......... ... ....... . .. .. ............. .......... 196 A tradição neoclássica/ realista em Picasso e Portinari ........ . ... ...................... .. .. 198 Portinari neoclássico: a moralidade ............. ....................... . ... . ......... . .................................... 198 Portinari neoclássico: a integridade da obra de arte .. .. ................................... ............... 201 Portinari neoclássico: a imit ação dos antigos ........ ............ . .................... ...................... ... 204 Portinari neoclássico: a nobre simplicidade, a grandeza serena ................................... 205 Portinari neoclássico/ realista .... ................ . ......... ...... ............... . ....... ...................... 205 Portinarirealista .... . ........ .. ..... ................ ........................ 206 Capítulocinco-OSARTISTASQUECONTAM OUIB.OÉBRANCO . 123 Para o Brasil ser Brasil ..... ............ ............. . . ............. .... . ....... .. .................. . ....................................... 123 Assunto obrigado das convers as ........... . .. . ....... .......... . O plástico e o nacional ... . .. ... .. . .. . .. ..... ........ ................. ... .......... . . .. ... .... . . 128 Portinari se fe z realista ........ .. . ........... . ........ ........ ..... . ................ .......... ............ .. ....... ............ . .. .... .. 131 O pintor brasileiro Candido Portinari ........ . ... ...... . .. .. . .. . . ............................. 133 Uma lição admir ável ............ .......................... . ........ . ... . 138 CapÍtulo nove - TODA UMA TEMÁTICA ...... . . . . ...... ..... . .................. 209 O retrato e o gênero proletário ............................................. ....... ........ .. .. ................. . ..................... 209 A cena de gênero e o retorno à ordem ................... ........ ..................................... ....................... 211 O interesse pelo assunto brasileiro .......................... . ............................................. ... .................. 213 Gêneros maiores e menores: origens ..................... .. .. ............................................................... 214 Uma outra pintura de história ... . .... . ........................ ........................ ... ... ............................... . ...... 215 Individualismo e os "gêneros menores" : a natureza-morta ......................................... 218 Individualismo e os "gêneros menores": o retrato .............................................................. 220 Capítulo seis-OS ARTISTAS QUE CONTAM: OUIB.O É BRANCO II ... 141 Individualismo e os "gêneros menores": paisagem ...... ............. ......... . .............. 220 Porque amo os homens ...... .............................. ............... .......................... . ........ ... . .... 141 Mário de Andrade e Machado de Assis ... ... ....... . ..... . ............ . ..... .............. .............................. 146 Portinari à semelhança de Almeida Jr. ... ..... .... ..... .. ...... .. . . . . .......... 149 Capítulo dez - A NATUREZA/O HOMEM ........................... . .... ... ...................................... 225 O paisagista: auxiliar poderoso ................. . ..... . ........ ...... . ....... . ..................................................... 225 Estude cavalos ........... .... ........... .. ... .. .... ... . ....................................... . ........................................ .. ............... 227 Candido Portinari de Almeida Jr. ....... . .......... .......................... .. . ......... . .............. 153 Uma escola crítica, humanitária .................. ........................ . ....... ... . ... . .. . .. . .... . .......... 228 A mestiçagem estética de Portinari ............................. ........ ..................... . . .......................... 156 A verdadeira academia de belas artes ...... .................. . ...... ... .. . ... ... ....................... . .... . ............. 229 Istou morto por mi pilhar no Brasil! . .. . .......... .................... . ............................................. . .... 157 A estética moderna ........ . ......................... ................ ...... . .................... ..... ..... .. ............. .. 23 3 Itu, Brodósqui ..... .... ... .... . .... ....................... . ...... ... .. ...... . ......... . ..................... ......... . .. 159 A mais admirável das instituições .................................................................................................. 234 Capítulo sete -DEUS SE CONSTRANGE NO NAOONALlSMO ................. 163 "Aquela tradição que Almeida Jr. quis abrir"? ............................................................... 236 Sem cair no abstrato . .. ......... .................. . ............ ........ ...... ...... .......... . ......... ...................... . ............... 164 Capítulo onze-O CÍRCULO SE CONSTRINGE: O MÉTODO ...................... 241 Pintura não é apen as beleza ........................................................ . ............... . .............. . Sobre opções ... .. ...................... ... .... . .. . ...................... .. ..... . ................................................................... 241 Contra o esoterismo da arte burguesa ..................................... . ....................... . ........... . .. . ....... A plástica histórica ........ ........... ....... . ... ....................... .. . ....... . . ...... .... .. ... . ......... . ... .. .............. . ..... . ....... 242 Academismo e impressionismo anafa dos ...... ......... ...... . .................... . ............... . ............ 170 Botânica aplicada ................ . .. .... ................. . ............. . ..... . ................................................. . ...... .. ................. 243 E o nosso barroco? ................ . .................................................. ................................................................ 173 Num país liberto de qualquer dominação, o homem . .... . ........ . ........... 246 Mário de Andrade no banquete ................................... . ........................................................... . ..... 175 A raça, o meio: o Aleijadinho . .......... . ........................... . .... .. . .... . ... . .. . ..... . .... ........ ................... . ....... 247 Fala, Janjão ................... . ........ ........ . ....... ........... . ........................................................... . ....................... 176 Primitivos, de novo ................. . ........................................................................................................... 181 Ora a raça, ora o meio: Segall e Portinari ............. .... ...... . ... ..... . ............... ... ......................... . ..... 248 Taine em Mário de Andrade ............ ................ ...................... . .... . ......... . .................... ............. . . 250 Pintura não é apen as ass unto ...... .... ............................ .............. . ........................................ 183 Sobre a imitação e as leis do quadro ....................... ..................................................................... 251 O caráter essencial da arte .................................. . ..... 253 6 7

description

Prefácio Tadeu Chiarelli. Pintar não é só beleza

Transcript of CHIARELLI, Tadeu. Prefacio. In_Pintura Não é Só Beleza.

Page 1: CHIARELLI, Tadeu. Prefacio. In_Pintura Não é Só Beleza.

É o anim,al ............... ............. ............ ............ . ...... .. . . .. . ............................................ 88 O artesão e o artista .......................................... ............ ................................. ....................................... 89 Artista criador como Deus criador .............. 94

Capítulo oito - UM MODERNISMO QUE VEM ... DEPOIS ..... ....... .. .. 187 Milionárias velhas e estetas refinados ...... ................................ .............. .............. 187 Portinari citacionista ................................................................................................................... 189

Capítulo quatro -OS AR TISTAS QUE CONTAM: UMÉ PRETO Duas personalidades

Obra personalíssima mas fecunda ..................... ... .......... . .......... . .................... .... . Da exasperação romântica ao novo equilíbrio ................. ........................................................ 101 O grande pintor russo .............................................................. ........................... ..................... . A perdição de Segall ........... ............................ .................... ......................... .............. . ... . . .. 108 O decorativismo de Segall . ...... .... ... ....... ........ ............ .............. ..... . ....................... 110 Em busca de uma enfeitação mulata e ingênua .................... .................................... .......... 112 O eterno caminhante .. ..................... . ............ ............................. ............................................. 113 Nossa pátria ....... . .......................................... ....................... ............................................... 116 A origem judia ............. .. ............ . ...... ..... ... ........... .. ..... .................. .. . ... .. .... ... . 119

.... 97 ······················ ..................... ... ····································· 97

Necessidade de expressão .............. ............ .................... ........ ....... .................... . ............. ...... 192 Portinari e Picasso ................................................. .............. ............ ... ....... ................................... ....... 193 Picasso e Portinari: raízes no século XIX .............................................. ....... .......... ..... ......... 196 Realismo/ Neoclassicismo ............. ................. .. ...... .......... .. ............. ....... . .. .. ............. .......... 196 A tradição neoclássica/ realista em Picasso e Portinari ........ . ... ........................ .. 198 Portinari neoclássico: a moralidade ............. ....................... . .................................................. 198 Portinari neoclássico: a integridade da obra de arte ....................................... ............... 201 Portinari neoclássico: a imitação dos antigos ..................... .................... ......................... 204 Portinari neoclássico: a nobre simplicidade, a grandeza serena ................................... 205 Portinari neoclássico/ realista .... ................. ......... ...... ....................... • • ...................... 205 Portinarirealista ..... ............... ................ ........................ 206

Capítulocinco-OSARTISTASQUECONTAM OUIB.OÉBRANCO .. 123 Para o Brasil ser Brasil ..... .......................... . ............. ..... ....... .. .......................................................... 123 Assunto obrigado das conversas ............... ....... .......... . O plástico e o nacional ... . .. ... ... .. . .. ..... ........ .................... ........... . .. ... .... . . 128 Portinari se fez realista ....................... ........ ........ ...... ................ .......... ............ .. ....... ............ . .. .... .. 131 O pintor brasileiro Candido Portinari ............ ...... . .. .. . .. . . ............................. 133 Uma lição admirável ............ ....................................... . 138

CapÍtulo nove - TODA UMA TEMÁTICA ...... . . . . ...... ..... . .................. 209 O retrato e o gênero proletário .................................................... ............ ....................................... 209 A cena de gênero e o retorno à ordem ........................... ..................................... ....................... 211 O interesse pelo assunto brasileiro ........................... ................................................ .................. 213 Gêneros maiores e menores: origens ..................... ................................................................... 214 Uma outra pintura de história ......... ........................ .............................. ................................ ...... 215 Individualismo e os "gêneros menores": a natureza-morta ......................................... 218 Individualismo e os "gêneros menores": o retrato .............................................................. 220

Capítulo seis-OS ARTISTAS QUE CONTAM: OUIB.O É BRANCO II ... 141 Individualismo e os "gêneros menores": paisagem ...... ............. ......... . .............. 220

Porque amo os homens ...... .............................. ............... ................................... ........ 141 Mário de Andrade e Machado de Assis ... ... ........ ........................ .............. .............................. 146 Portinari à semelhança de Almeida Jr. ... ..... .... ..... .. ...... .. . . . . .......... 149

Capítulo dez - A NATUREZA/O HOMEM ................................... ...................................... 225 O paisagista: auxiliar poderoso .................. ...... ........ .................................................................... 225 Estude cavalos ........... ............... .. ... .. .......................................................................................... ............... 227

Candido Portinari de Almeida Jr. .................. .......................... .. . ......... . .............. 153 Uma escola crítica, humanitária .................. ......................... ........... .............. . .......... 228 A mestiçagem estética de Portinari ............................. ........ ...................... . .......................... 156 A verdadeira academia de belas artes ...... ............................ ......... ............................ . ............. 229 Istou morto por mi pilhar no Brasil! .... .......... .................... ................................................... 157 A estética moderna ......... ......................... ................ ........................... ..... ..... . . ............. .. 23 3 Itu, Brodósqui ..... .... ....... ..... ........................ ...... ... .. ....... .......... ..................... ......... . .. 159 A mais admirável das instituições .................................................................................................. 234

Capítulo sete -DEUS SE CONSTRANGE NO NAOONALlSMO .................. 163 "Aquela tradição que Almeida Jr. quis abrir"? ............................................................... 236

Sem cair no abstrato ... ......... ....................................... ...... ...... .................... ...................... . ............... 164 Capítulo onze-O CÍRCULO SE CONSTRINGE: O MÉTODO ...................... 241 Pintura não é apenas beleza ......................................................... .............................. . Sobre opções .............................................................. ......................................................................... 241 Contra o esoterismo da arte burguesa ...................................... ....................................... ....... ~ A plástica histórica ........ ........... ........... ....................... ........... . ...... .... .. .... ............. .. ..................... ....... 242 Academismo e impressionismo anafados ...... ......... ...... . ................................................. 170 Botânica aplicada ................... .... ...................................... ........................................................ .. ................. 243 E o nosso barroco? ................................................................................................................................... 173 Num país liberto de qualquer dominação, o homem ..... . ......... ........... 246 Mário de Andrade no banquete ............................................................................................... ...... 175 A raça, o meio: o Aleijadinho . ........................................... ............... .......... ................................... 247 Fala, Janjão ..................................... ....... ........... . ............................................................ ....................... 176 Primitivos, de novo .................. ........................................................................................................... 181

Ora a raça, ora o meio: Segall e Portinari ............. .............. ...... .................. ............................... 248 Taine em Mário de Andrade ............ ................ ....................... ..... .......... .................... ............. . . 250

Pintura não é apenas assunto .......... ............................ .............. . ........................................ 183 Sobre a imitação e as leis do quadro ....................... ..................................................................... 251 O caráter essencial da arte .................................. . ..... 253

6 7

Page 2: CHIARELLI, Tadeu. Prefacio. In_Pintura Não é Só Beleza.

Mário de Andrade é a última

grande figura de nossa

crítica de arte a defender a

criação de uma arte nacional. Desde

Araújo Porto-Alegre - na segunda

metade do século XIX-, essa questão irá

preocupar todos aqueles que se envol­

veram com a discussão das artes visuais

no país. Com Mário de Andrade essa

posição adquiriu um caráter sistemático e

amplo, capaz de repensar a produção

artística brasileira da Colônia até fins da

década de 1940.

No entanto, estaria enganado quem

visse nos seus textos a pura e simples

defesa de um na~ionalismo tacanho,

apegado àquilo que teríamos de singular e

irredutível. Como o livro de Tadeu

Chiarelli mostra de maneira notável, o

percurso crítico de Mário de Andrade não

tem nada de linear. Ao contrário, chega a

ser "trágica" a sua busca de uma arte ao

mesmo tempo moderna e nacional, vin­

culada organicamente à nossa cultura e

crítica, antiindividualista e criativa,

clássica e preocupada com os percalços da

história.

Para Mário de Andrade, Aleijadinho

teria sido o primeiro grande artista

brasileiro a alcançar uma produção

estreitamente ligada à população e ao

meio cultural em que surge. Almeida

TADEU CHIARELLI •

PINTURA NÃO É SÓ BELEZA A CRÍTICA DE ARTE DE MÁRIO DE ANDRADE

? (/\/\A_ _?,. J_,~ ~ 1

( C\J\r.A j_,, b: ..._,..__,._p.. 1

}vuL- C, ;__ L _ -

" I \

1f: LETRAS ' rcoNTEMPoRÂNEAS

2 '1- o

Page 3: CHIARELLI, Tadeu. Prefacio. In_Pintura Não é Só Beleza.

Não às vanguardas no Brasil . .. ....... . ....... . . ......................... 257 Não ao retorno à ordem descompromissado .......................................................... 260

Capítulo Doze - O CÍRCULO SE FECHA .. . ........................ 263 O nacional espraiado ............. ........... ........... ........... . ........................................ ..................... 263 O estético e o ideológico ... ............... ................ ..... ......................................... . .. 265 A inquietação das abelhas? ........................................................................................ ........................... 266 A fixação do homem brasileiro: oportunidade histórica .................................................. 269 Realismo-classicismo para Andrade nos anos de 1940. ........ . ....................... 273 Contrabandeando significados .. . ................................................................................................ 276 Matando significados ...................................................................................................................... ........... 280 NOTAS........ .. ............................................................................ .. ................................................... . 283 BIBLIOGRAFIA ............................................................................................................................................ 317

8

PREFÁCIO

T.rminado o mestrado, cujo tema foi a crítica de arte de Monteiro Lobato,

idéia era forn;mlar um projeto de doutoramento sobre ô Novecento

italiano, nome que o retorno à ordem recebeu na Itália.

Por que essa opção?

Durante meus estudos sobre Lobato e o modernismo, entrei em conta­

to com uma bibliografia, então recém publicada, que problematizava as for­

mulações mais aceitas sobre a modernidade na arte. Por meio dela, percebi

que, com as novas questões levantadas pelo retorno à ordem (que ~ra a tônica

primeira dessa bibliografia), eu poderia começar a ver a produção dos artistas

brasileiros modernistas sob um ponto de vista menos preocupado com as

questões formais, e mais conectado aos problemas que, de fato, eles estavam

mais engajados.

Essa nova bibliografia, e os estudos que realizava sobre o modernismo,

faziam-me compreender que, se continuasse a refletir sobre as obras de T arsila

do Amaral, Di Cavalcanti, Candido Portinari e outros, acreditando que a

modernidade na arte somente poderia ser estudada a partir da busca das

especificidades de linguagem, eu teria muitos problemas para compreender

suas obras dentro da complexidade da arte e da cultura do Brasil no período

entre-guerras. Estudá-los apenas sob essa ótica era saber de antemão que eles

todos sempre seriam "sub-artistas", simplesmente porque não partilhavam

daquela prioridade para a produção de seus trabalhos.

A partir da leitura dessa nova bibliografia, tive a oportunidade de entrar

em contato com obras de artistas como Picasso, Sironi, Dufy e outros que me

possibilitavam observar as obras dos modernistas brasileiros de outra maneira.

Elas me ensinavam que eu não deveria observar a produção de Portinari, por

exemplo, tendo como parâmetro o Picasso cubista, porque, se assim procedes­se, Portinari sempre seria um sub-Picasso. No entanto, se eu a examinasse tendo

9

Page 4: CHIARELLI, Tadeu. Prefacio. In_Pintura Não é Só Beleza.

como base o Picasso "clássico", o Picasso que veio depois das vanguardas

históricas, Portinari ganhava uma dimensão até então inusitada e essa dimensão,

por sua vez., ampliava a compreensão do modernismo brasileiro.

O interesse de estudar o retorno à ordem internacional aos poucos foi

ganhando importância, fazendo com que eu constituísse um projeto de longo

prazo: primeiro faria o doutorado sobre esse assunto, com um estágio na

Itália Gá devidamente organizado), para a defesa no Brasil, na USP. Com o

título, proporia uma pesquisa de pós-doutorado que visaria estudar a presen­

ça das idéias e dos procedimentos técnicos do Novecento italiano na cena artís­

tica brasileira. Estava certo de que, se me debruçasse sobre obras de Tarsila,

Di, Portinari e outros artistas e também nos escritos de Mário de Andrade,

tendo como instrumental as questões relativas ao retorno à ordem internacio­

nal, conseguiria trazer novas interpretações para o modernismo brasileiro (cuja

bibliografia então tendia a cristalizar-se em dois grandes blocos estanques: um

que idealizava o movimento, transformando-o numa saga heróica, e outro

que retirava dele qualquer interesse maior).

Após muito pensar e discutir com Annateresa Fabris, minha orientadora

- a quem dedico o estudo a seguir -, cheguei à conclusão de que eu deveria

rever esse projeto profissional de longo prazo. Cumpri-lo era deixar de lado

uma trajetória que eu vinha constituindo, desviando, (mesmo que por um

breve período), meu interesse sobre a história da crítica de arte no Brasil para

estudar um fenômeno artístico internacional. Afinal, eu já havia escrito um

pequeno estudo sobre a crítica de arte de Gonzaga-Duque e uma dissertação

de mestrado sobre Monteiro Lobato. Sendo assim, para que deixar, a um

futuro não muito próximo, um estudo sobre a crítica de arte de Mário de

Andrade? Por que não trazê-lo para o campo de prioridade imediata e deixar

que o interesse pelo retorno à ordem internacional fosse sendo absorvido

pelo estudo mais específico sobre a crítica de arte de Mário de Andrade?

Após muita reflexão, decidi deixar em segundo plano meu interessé

pelo retorno à ordem, permitindo que minha curiosidade sobre a crítica de

arte de Mário de Andrade - despertada desde meus estudos sobre Monteiro

Lobato - voltasse e ocupasse minha atenção. Para realizar o estudo, parti de um pressuposto que acho importante

explicitar. Eu o concebi e o desenvolvi desconfiando do crítico e de todos aqueles que sobre ele escreveram. Se o próprio Mário de Andrade, em confe­rência proferida em 1942, dizia desconfiar de seu passado, por que eu não

10

deveria desconfiar também? Agindo dessa forma eu não poderia abrir ou­

tros caminhos para interpretar suas ações e suas reflexões sobre arte?

Tal postura me levou a assumir um método de desestruturação do dis­

curso do crítico, deixando claras suas posições, as origens das mesmas, mu­

danças ao longo da vida, os avanços e recuos frente à arte e à sociedade de

seu tempo. O Mário de Andrade que surgiu desse estudo é ambíguo, nem

sempre heróico, mas extremamente sedutor e interessante nas idas e vindas de

seu pensamento durante' a construção do seu conceito de "arte brasileira".

Meu estudo persegue, nem sempre de maneira linear, as idéias /sobre

arte de Mário de Andrade, desde seus primeiros textos sobre o assutito,1 até os

últimos artigos que escreveu. Nele, o leitor, sem dúvida, reencontrará Mário

de Andrade, um dos maiores e mais importantes intelectuais que o ':Brasil

possuiu. Mas não mais uma vez interpretado como herói e sim comb um

intelectual repleto de qualidades, mas também de limites, vários limites que,

devidamente estudados, lançam um grau de complexidade ainda mai9r aos

estudos sobre o modernismo no Brasil.

Também é preciso afirmar que este texto se estruturou como um diálo­

go a três. Em primeiro lugar, o leitor perceberá, logo de início, a minha voz,

construída a partir de uma relação enviesada com Mário de Andrade. As

questões que levanto, os comentários que faço visam desestabilizar meu obje­

to. Dentro dessa situação um tanto tensa, muitas vezes a fala de Andrade sairá

com acentos inusitados, às vezes gaguejante e inseguro, às vezes vociferando

suas verdades ou, pelo menos, aquilo que ele acreditava como tal.

O terceiro participante do diálogo, mais discreto, quase sempre interage

comigo nas formulações das perguntas e dos questionamentos em direção a

Mário de Andrade. Refiro-me a Monteiro Lobato. Muitas vezes, sinto sua

fala sobre meu ombro, e algumas interpelações a Mário de Andrade vêm

mais dele do que de mim. Isso porque, na base mesma deste meu estudo,

morava a certeza de que, aparentemente tão distantes, Lobato e Mário de

Andrade possuíam convicções muito próximas, sobretudo quanto à necessi­

dade de constituição de uma arte nacional para o Brasil. Entrar nesse diálogo é perceber o quanto certas questões nele tratadas

ainda estão para serem resolvidas, é notar que, se o debate sobre a arte no Brasil tornou-se mais complexo nas últimas décadas, ele ainda não superou

ou transcendeu problemas básicos que aqui são tratados.