Cheadle, Proibição Da Dispensa Arbitrária

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    50 Rev. TST, Braslia, vol. 76, n o4, out/dez 2010

    * Texto traduzido sem reviso do autor.

    ** Membro da Comisso de Peritos da OIT; professor titular da Universidade da Cidade do Cabo.

    A PROIBIO DA DESPEDIDA ARBITRRIANAS LEGISLAES NACIONAIS: UMA

    PERSPECTIVA DE DIREITO COMPARADO*

    Halton Cheadle**

    Distintos convidados e demais pessoas nesta sala, uma grande honra

    para mim estar aqui. O que quero lhes dizer, inicialmente, que esperoque vocs sediem a Copa do Mundo de vocs, como fizemos l nafrica do Sul, e que nessa oportunidade, em 2014, vocs joguem um poucomelhor do que jogaram na frica do Sul.

    Falando agora da Conveno n 158, que trata da despedida arbitrria,trata-se de uma conveno bastante controvertida, tanto dentro da OIT quantonos demais mbitos mundiais. Vou comear lhes passando uma breve histriada Conveno. Em seguida, passarei ao contedo da Conveno, de formamais resumida possvel. Logo aps, farei uma anlise comparativa, analisandocomparativamente o que os outros pases vm fazendo em relao proteotrabalhista. Finalmente, falarei rapidamente das controvrsias.

    A histria se inicia em 1963, quando a Organizao Internacional doTrabalho adotou a Resoluo n 199, que era uma recomendao cujos eixosprincipais faziam parte da Conveno n 158. As questes principais so asjustificativas por trs de uma demisso, ou seja, quando acontece uma demisso necessria uma justificativa referente conduta, capacidade ou ao que aOIT chama de requisitos operacionais do trabalhador. Trata-se das razeseconmicas e tecnolgicas por trs das demisses. Na maior parte dos pases,isso chamado de redundncias, que foram causadas pelas mudanas estruturaisda economia.

    Em 1982, a OIT adotou a Conveno n 158, que justamente a quetrato aqui, conjuntamente Recomendao n 166. J houve trinta e quatroratificaes, uma denncia, que, no caso, foi do Brasil. Em 1995, o Comit deEspecialistas conduziu um estudo sobre a despedida arbitrria e, como j foi

    http://www.tst.jus.br/documents/1295387/1313808/A+proibi%C3%A7%C3%A3o+da+despedida+arbitr%C3%A1ria+nas+legisla%C3%A7%C3%B5es+nacionais+-+uma+perspectiva+de+Direito+Comparado

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    dito pelo meu colega, esses estudos gerais costumam conter a jurisprudnciado Comit e tambm uma anlise comparativa do que vem sendo feitoglobalmente em relao a diferentes temas. Em 1995, o Comit liberou essa

    pesquisa geral sobre a despedida arbitrria, que um documento bastanteimportante por duas razes. A primeira delas que esse documento demonstraque muitos pases ainda no ratificaram a conveno, e isso se deve s suasclusulas principais.

    O fato de ser baseado em relatrios oferecidos por mais de cento ecinquenta pases deixa claro nesse estudo, nessa pesquisa, que existe umaconformidade bastante abrangente com grande parte das clusulas contidas naConveno.

    Segunda razo por que estou falando disso que muitos Tribunais, empases que ainda no ratificaram a Conveno, veem este documento comouma das fontes jurdicas mais abrangentes referentes questo da demisso.

    E, agora, a ltima parte dessa viso histrica a controvrsia. Vemhavendo uma controvrsia sobre se a Conveno deve ser priorizada. Ostrabalhadores querem priorizar essa Conveno, porque para eles umaConveno muito importante. J os empregadores no compartilham dessaviso e acreditam que a Conveno deve passar por revises expressivas. Ento,eis a viso histrica dessa Conveno.

    Passarei agora ao contedo, efetivamente, da Conveno.

    Primeiramente, o mbito dessa Conveno. Aplica-se a todos os setoresda economia, tanto ao setor pblico quanto ao privado, e tambm determinauma lista de excluses muito importante. Eu gostaria de enfatizar que, emboraa Conveno seja vista como inflexvel, muitas vezes, quando as pessoas dizemisso, pergunto-me: ser que as pessoas, de fato, leram essa Conveno? Porque,

    ao analisar essa Conveno, vemos uma ampla gama de excluses l contidas,que contemplam uma aplicao bastante inflexvel da Conveno.

    Vou falar, rapidamente, sobre algumas dessas excluses. Por exemplo,no se aplica a contrato de longo prazo e tambm a contratos probatrios. Notem que aplicar. No deve aplicar. Mas, lgico, cabe ao pas decidir se vai ouno aplicar esse arcabouo a esses tipos de contrato. Cabe ao pas decidir se iraplicar essa Conveno em caso de contratos probatrios. Por exemplo, noReino Unido, antes de uma pessoa poder receber proteo social, ela precisa

    estar empregada por, pelo menos, um ano. Antigamente, esse perodo costumavaser de dois anos. Ento, existem perodos de qualificao. Existe um perodomnimo para que a pessoa possa ter esse tipo de proteo. No se aplica, por

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    exemplo, a contrataes casuais e tambm a alguns tipos de contratantes, como,por exemplo, as pessoas que viajam, que trabalham com viagens martimas, eoutras questes referentes a outras partes, outras legislaes.

    Se se tomar, por exemplo, o caso dos magistrados, dos juzes, existemalgumas regras especficas quanto vigncia e s categorias que no precisamse submeter a essa Conveno. So excluses. Mais importante ainda o quechamamos de problemas substanciais ou expressivos.

    Em determinados cenrios, h alguns problemas na prpria aplicaoda Conveno, inclusive isso se aplica a uma srie de categorias, como, porexemplo, empreendimentos familiares, pessoas em posies supervisionais,aquelas pessoas que j se aposentaram e empregados domsticos. O comit

    ainda no decidiu sobre essas questes, mas, de acordo com a pesquisa, pareceque so posies ou situaes trabalhistas em que h problemas naimplementao da Conveno.

    Vamos, ento, ao que a Conveno faz: ela requerjustificativas.Provavelmente, o que mais preocupa os empregadores o fato de terem dejustificar uma demisso. A Conveno diz que permissvel demitir por motivovlido relacionado conduta, capacidade ou ao trabalho do empregado. Essesso os motivos vlidos para a demisso.

    Eu gostaria que os senhores parassem e se perguntassem se isso est emdesacordo com prticas de gesto aceitveis em qualquer lugar do mundo.Ser que o empregador estaria demitindo algum arbitrariamente? Ser queisso faria sentido, do ponto de vista comercial, financeiro, demitir algum queteve uma conduta adequada, que teve um desempenho adequado? No fazsentido demitir algum que capaz.

    Naturalmente, em termos de requisitos operacionais, os empregadoresrelutantemente demitem pessoas capacitadas, mas fazem isso porque soforados a fazer por motivos econmicos: por uma crise econmica ou pormudanas tecnolgicas estruturais no local de trabalho.

    Ento, eu gostaria que os senhores considerassem, por um momento,que o que a conveno diz no mais do que aquilo que comercialmente,racionalmente uma boa deciso.

    O segundo elemento, naturalmente, so os requisitos de procedimento.Diria que h dois requisitos principais de procedimentos: o primeiro o

    empregador dar oportunidade ao empregado de responder s alegaes de mconduta antes da demisso. Isso no quer dizer que os senhores devam darrazo a ele, mas, sim, dar ao empregado a oportunidade de se defender, de

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    responder s alegaes de m conduta. O segundo diz respeito a consultas nossindicatos: consultas efetivas, no acordos, apenas consultas antes da demissodos empregados. O terceiro elemento, que eu diria que um elemento-chave,

    fazer um recurso a um tribunal independente para determinar se coubejustificativa adequada. Ou seja, fazer-se um recurso a um tribunal.

    Na frica do Sul, um tribunal, em alguns casos, uma corte. H tambmum requisito para o aviso prvio. preciso que o empregado receba avisoprvio no caso de demisso. H excees, casos de desvio de conduta grave ouquebra de contrato. Do contrrio, preciso que se d oportunidade ao empregadode ter um perodo para conseguir outro emprego.

    Venho de um pas em que basicamente se considera um emprego como

    um caso de arrendamento. E, em um caso de terminar um arrendamento, d-seum aviso prvio de que a pessoa vai vagar o imvel. No caso de emprego, assim que a coisa vista no meu pas: o contrato estruturado dessa maneira.Novamente, acho que surpreendente que isso traga tona tanta controvrsia.

    Finalmente, a proteo da renda. Vemos que, nessa questo de proteoda renda, deve haver uma compensao pela demisso. Mas, por outro lado,pode-se tambm ter o seguro desemprego, criado por fundos de empregadosou pelo Estado ou por ambos. Novamente, criamos diferentes mecanismos de

    proteo da renda que fariam uma distribuio da carga de uma maneira maisequitativa entre os empregadores e os empregados.

    Isso basicamente o que eu queria identificar. Acho que essas so asreas mais controversas.

    Examinando agora uma anlise comparativa entre os pases, seexaminarmos a pesquisa feita nos anos 80, a Secretaria-Geral faz a pesquisapara preparar uma nova conveno e, nessa documentao, v-se que existeampla proteo social na legislao do mundo inteiro.

    Na pesquisa bsica, como eu disse, cento e dois pases relataram aexistncia de ampla legislao de segurana ao trabalhador. Nem todos os pasesaplicam todas as provises, mas, com certeza, a maior parte das principaisprovises aplicada. Neste momento, existe um processo de reviso internana OIT, em que os sindicatos querem priorizar a conveno e os empregadoresno querem improvisar em absoluto.

    Acho que, nos anos 90, o secretariado identificou que h sessenta e oito

    pases que requerem mudanas mnimas para conseguir cumprir a conveno.Ento, comeamos com trinta e trs agora. Um pas denunciou a conveno,acrescentamos sessenta e oito, agora temos quase cem. Isso inclui basicamente

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    quase todas as maiores economias do mundo. Nesse processo, vinte e oitopases trouxeram problemas tcnicos, e uma parte rejeitou a Conveno.

    A OIT fez uma pesquisa em sessenta e cinco pases e novamente a maioriacumpre os requisitos bsicos da Conveno. Todos os pases cumprem, pelomenos, alguns desses requisitos bsicos. Pensando particularmente sobre aquesto da justificativa, a pesquisa mostra que estamos lidando com sessenta ecincopases, dos quais somente cinco no requereram um motivo vlido. Ento,dos sessenta e cinco pases pesquisados a amostra de pases pelo mundotodo cinquenta tm algum tipo de requisito de justificativa na sua legislao.

    Novamente, como mencionei, a pesquisa geral foi usada por tribunaisnacionais que no ratificaram a Conveno. Os nossos tribunais usam a pesquisageral, do mesmo modo que usam vrias outras pesquisas da OIT paradesenvolver a nossa jurisprudncia. Ento, qual a controvrsia final, se amaior parte dos pases, de uma maneira ou outra, cumpre os requisitos bsicosda conveno? Como a sua prtica? Quer-me parecer que h um argumentoeconmico no sentido de que a legislao de proteo laboral tem um impactonegativo sobre os custos do trabalho, sobre o emprego e sobre a produtividade.Esse o principal argumento econmico contra a legislao de emprego.

    Esses argumentos econmicos, alm de vrias pesquisas feitas, levaram

    ao desenvolvimento, por parte do Banco Mundial, de uma instncia, em 1995,que argumentou que a desregulao dessa legislao, com a desregulao deoutras legislaes, levaria os pases a melhorar a sua situao de emprego e deprodutividade. Alm disso, existe um relatrio de emprego que quantifica ocumprimento dos pases desses vrios indicadores da Conveno. E qual aresposta at agora? Com relao aos argumentos econmicos, os estudoscostumam levar em considerao somente os custos, mas no os benefciospositivos da legislao de proteo e de emprego.

    Resumindo, se examinarmos os benefcios, estes so a reduo dadesigualdade, da insegurana e do conflito social. Se examinarmos a legislaotrabalhista em geral, caso o empregador no puder simplesmente substituir osempregados, ir escolh-los melhor. E ir basicamente investir em trein-los,caso o desempenho deles no esteja adequado. Isso significa que h benefciosque advm desse tipo de legislao. Em segundo lugar, os economistas da reado trabalho concordam em que no existem evidncias claras quanto a impactosnegativos. H estudos que dizem que h impactos negativos e outros dizem

    que no, em absoluto. Nesse sentido, ainda est para se verificar se, de fato,existem evidncias slidas de que a legislao de proteo laboral tem os efeitosalegados.

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    possvel que uma economia receba a melhor nota possvel pelafacilidade de emprego dos trabalhadores e na complementao das quatroConvenes, e nenhum pas receber uma nota melhor se deixar de cumprir

    com as quatro Convenes. Ento, finalmente, a que isso leva? Quer-me parecerque, se examinarmos o fato pela perspectiva de hoje, a maior parte dos pasesdesenvolvidos e em desenvolvimento, de fato, implementam a maior parte dasprofisses bsicas da OIT. O argumento, ento, no conclusivo. Considerandoas causas da crise global, que teve um impacto devastador nos empregos pelomundo afora, no se justifica.

    Finalmente, preciso dizer que os argumentos contra os direitos sociaise a dignidade humana nunca foram completamente justificados. Permitam-me

    dizer que frequentemente me pergunto de onde vem a controvrsia, quandotemos uma conveno que, de fato, procura equilibrar os requisitos de eficinciade emprego e os requisitos mnimos do empregador. Obrigado.