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CHASQUI O CORREIO DO PERU Boletim Cultural do Ministerio de Relaçoes Exteriores Ano 2, número 4 Agosto 2004 QHAPAQ ÑAN, O GRANDE CAMINHO INCA / LINGUAS DO PERU TRES POETAS DOS ANOS CINQÜENTA / MAR NOSSO DO CADA DIA HISTORIETA DA HISTÓRIA / O CAIXÃO AFRO-PERUANO C u P . F o : H P . a mi n h oa Ma ch icc hu o t ei n z len g e

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CHASQUIO CORREIO DO PERU

Boletim Cultural do Ministerio de Relaçoes ExterioresAno 2, número 4 Agosto 2004

QHAPAQ ÑAN, O GRANDE CAMINHO INCA / LINGUAS DO PERU TRES POETAS DOS ANOS CINQÜENTA / MAR NOSSO DO CADA DIA

HISTORIETA DA HISTÓRIA / O CAIXÃO AFRO-PERUANO

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LÍNGUAS DO PERU:

PARA UMA RELEITURA DEBABEL

Roberto Zariquiey*O Gênese nos conta que, antigamente, «os homens falavam uma língua só e as mesmas palavras»

(Gênese, 11, 1). Este fato fazia que fossem mais fortes e unidos; tanto que decidiram edificar uma cidadee nela uma alta torre que alcançasse o céu. Ao comprovar o que os homens vinham tramando, Jeová os

castigou e os fez falar línguas diferentes. Essa é a origem da diversidade lingüística para a tradiçãojudeucristã: um castigo divino. Hoje em dia, muitos setores da sociedade continuam pensando que a

diversidade lingüística e cultural é um problema; olham o próximo como selvagem e persistem na crençade que a solução seria a homogenização dos indivíduos. Poderá o Peru crescer, dando as costas à

diversidade lingüística e cultural que a caracteriza? A continuação somente alguns dados e reflexões queprocuram ajudar o leitor a compreender quanto somos diferentes e o tanto que é preciso para aprender a

nos conhecermos e valorizarnos.

QUANTAS LÍNGUAS FALAMOSOS PERUANOS?

ão é fácil responder essapergunta, porque determinar

quando uma variedade da fala constituiem verdade uma língua e não umdialeto de outra, não é tarefa simples.Apesar destas dificuldades, no que tocaa nossa Amazônia, os especialistas falamda existência de 39 ou 40 línguas agru-padas em 16 famílias lingüísticas.1 Alémdas que mais ou menos conhecemos,como o shipibo, o aguaruna, omachiguenga e o asháninka (estas duasúltimas estão emparentadas e pertencemà família arahuaca), existe umadiversidade sobre as que pouco sabemoso resto dos peruanos. Além do que, sa-bemos muito pouco sobre quem as usa.Cada uma dessas numerosas línguas for-ma parte de uma rede cultural diferen-te e única. A selva não é um territóriohomogêneo e nem os povos que habitamnela são todos iguais. Cada povo tempráticas e crenças próprias, cada um temuma história particular e cada etnia temprópria maneira de se relacionar com acultura nacional. Também não é muitoo que sabemos de tudo isso e,provavelmente, esse desconhecimentoseja o motivo de nossa indiferença.

Vejamos agora o que acontece noâmbito andino. Se bem que ao pensarmosnos Andes, só nos lembramos das únicaslínguas que são o quíchua e o aimara, arealidade lingüística é quase tãocomplexa como a da Amazônia. Paracomeçar, devemos dizer que considerar«línguas» ao quíchua e ao aimara é emsi problemático, já que ambas realidadesidiomáticas possuem variedades de

expressão entre si, como as que podemter o francês e o espanhol. Além do quetanto o quíchua como o aimara sãofalados por grupos que não compartemuma mesma história e que, pelocontrário tem idiossincrasia e costumesmuito diferenciados. Por exemplo, quemfale o quíchua de Cusco possui não sóuma variedade de vocabulário diferen-te a um natural de Ancash, mas tambémambos tem práticas culturais e festivaspróprias. Algo parecido ocorre com oaimara, língua que, a diferença do quepossamos acreditar, não só é falada noplanalto andino, mas em Tacna e naserra de Lima (sob a denominação dejaqaru, que na língua aimara significa«língua do homem»). Resaltando que,o de língua aimara de Puno e outro daserra de Lima (especificamente dopovoado de Tupe) possuem variedadese usos culturais surpreendentementediferentes.

Perante esta realidade, atualmenteos estudiosos tendem a compreender oquíchua e o aimara como famíliaslingüísticas que agrupam distintas for-mas de falar, e que além disso pertencema distintas nações. Isso é fácil decompreender, por exemplo, tomandoem conta que tendemos a relacionar oquíchua à zona andina mas não sabe-mos que também é falado por povos daselva baixa que vivem às margens derios como o Napo, o Pastaza e o Tigre.São pessoas que foram antigamenteomaguas, canelos ou cocamas (etniasamazônicas) e hoje se auto-denominamkichwas, sem saber que sua língua seorigina no quíchua. Também não sabemque não foram os incas que lhestrouxeram o kichwa, mas sim os jesuítasAthanasius Kircher, A Torre de Babel, Roma 1639.

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que chegaram no século XVII paraevangelizar os povos desses lugares eempregavam o quíchua como meio decomunicação.RELENDO A BABEL

Tudo o que foi dito até agora nosajuda a entender algo essencial: que oPeru é um país multi-cultural e plurilin-güe e isso não deve ser somentealegação retórica. A realidade de nossopaís é mais do que imaginamos e, deaceitarmos serem famílias lingüísticas oquíchua e o aimara e que são faladaspor povos muito diferentes, tudo ficaainda mais complexo. É preciso agregarque ao longo de todo o país, ocastelhano aparece em maior ou me-nor escala e faz contato com as demaislínguas, derivando a situações singula-res, uma vez que a língua espanhola émais valorizada e respeitada que as in-dígenas. Temos que reconhecer queem certos setores de nosso país existiu epersiste um grande desprezo pelaslínguas autóctonas, as que nem sequersão usadas pelo estado com fins jurídi-cos ou administrativos.

Esta diversidade é uma realidadeque não temos o direito de evitar. Eviver dando as costas à realidade quevivem esses povos é uma atitude quecaracterizou nosso país. Como se o fatode existirem nos fosse incômodo ou pro-blemático, sempre preferimos calar etornar invisíveis a realidade indígena,suas necessidades e seus problemas. Eisto é duplamente injusto porque muitosde seus problemas são causados pela

ambição de quem se dedicou a extrairseus recursos naturais, destruindo eco-sistemas, explorando pessoas,afugentando animais e destruindo hec-táreas inteiras de bosques.

É como se em muitos setores dasociedade existisse uma espécie depensamento de Babel que, além de sermuito cômodo, de certa maneira justifi-ca nossa indiferença: porque preocupar-nos por algo que é um claro signo de atra-so e um obstáculo para o desenvolvimento?

Continuamos a acreditar que adiversidade é o obstáculo para construiressa torre que nos faça crescer comopaís e achamos que hoje, a solução é a

OS QUE JÁ NÃO ESTÃO(DADOS SOBRE LÍNGUAS EXTINTAS NO PERU)

A realidade multilingüe que caracteriza nosso país foi constatada nos primeiros anos da Colônia pelos própriosespanhóis, que não deixavam de se surpreender pela enorme quantidade de línguas que iam encontrando. Porexemplo, o jesuíta Acosta, em 1588, assinalava a existência de «uma verdadeira selva de idiomas» e o próprio IncaGarcilaso, em 1609, nos explicava que «cada província, cada nação e, em muitas partes, cada povoado, tinha sualíngua por si diferente a de seus vizinhos».

Existem muitas línguas, hoje extintas, cuja existência foi referida pelos cronistas ou viajantes europeus que duranteo século XIX redescubriram nosso país. Por exemplo, a costa norte do Peru, quando chegaram os espanhóis, possuíauma riqueza lingüística que, na atualidade, permanece somente na toponimia e no registro que alguns cronistas,sacerdotes coloniais ou viajantes nos legaram. Todos ouvimos falar da língua mochica, sem pensarmos que haviaoutras, como a chamada pescadora (que era falada nas proximidades de Lima), a língua dos Olmos, a de sechurae a de Catacaos - Paita. O estatus lingüístico dessas últimas é difícil determinar, mas aparecem em documentoscomo os de Jaime Baltazar Martínez Compañon, que foi bispo de Trujillo e em 1785 recolheu uma lista léxica daslínguas faladas na sua jurisdição.

O mesmo Martínez Compañon também recolheu algumas palavras de uma língua importante chamada culle. Oculle foi um idioma do norte serrano, hoje extinta, que deixou na fala de Cajamarca várias palavras que são usadasaté os dias de hoje. O estudo profundo do culle é ainda uma tarefa que está pendente.No planalto andino, também há línguas que deixaram de ser faladas. São dois os casos mais evidentes: o dopuquina, que foi considerada pelos espanhóis como língua geral, e a do chimu, a antiga língua dos uros. Os urosperuanos perderam sua língua mas conservam ainda sua identidade e se diferenciam dos aimaras embora falem oidioma deles.

Finalmente, no que diz respeito a Amazônia, a questão da extinção de línguas é bem mais complexa. Atualmente,a grande maioria de grupos étnicos está entrando num claro processo de castelhanização, cujo resultado é,inevitavelmente, a perda das línguas indígenas. Já são muitas as que sucumbiram e, provavelmente, o caso maistriste seja o do cocama cocamilla, já que esta língua foi, antes da chegada dos espanhóis, um idioma pan-amazônico e teve grande importância social e política. Dia a dia, o retrocesso dessas tradições idiomáticas é maisclaro e iminente e por esse motivo, se não quisermos continuar a perde-las, é preciso assumir uma verdadeirapolítica de resgate, revitalização e manutenção de todas essas tradições dia a dia destinadas ao silêncio.

homogenização dos indivíduos. O certoé que a diversidade existente não foi oobstáculo mas, simplesmente, a formaquem que a tratamos. Não consegui-mos construir a torre, porque frente adiferenças culturais e lingüísticas, de-cidimos silenciar e violentar os demaise, mesmo depois de cinco séculos, nãoaprendemos ainda a conviverpacificamente, respeitando e valorizan-do as diferenças e deixando de querernos enriquecermos a suas custas.

Era disso o que nos dizia o mito deBabel: o problema não era a diversidademas tão somente a maneira em que oshomens a trataríamos.

James Orton, The Andes and the Amazon, N. York, 1876.

1 Os conceitos de língua, dialeto efamília lingüística podem ser pouco cla-ros. Tentemos esclarecê-los, recorrendoà nossa própria língua: o que se fala emBuenos Aires, em Lima e em Madri,seriam dialetos do espanhol, que peloseu lado constitui uma língua, e estáemparentada com o português, ofrancês e o italiano, por exemplo. Fi-nalmente todas essas línguaspertencem à mesma família, a famíliaromânica que agrupa a todas as demaislínguas provenientes do latim.

BIBLIOGRAFIA

Rodolfo Cerrón- Palomino. Lenguay sociedad en el valle del Mantaro. IEP,Lima 1986. La lengua del Naylamp.Recons­truccción y obsolescencia delmochi­ca. PUCP, Lima, 1995. Lingüís­tica aimara. Centro Bartolomé de lasCasas, Cusco, 2000. Castellano andino.Aspectos sociolingüísticos, pedagógicos ygramaticales. GTZ/PUCP, Lima, 1995.Lingüística quechua. C. B. de las Casas,Cusco, 2003.Alberto Escobar. Variacionessociolin­güísticas del castellano en el Perú.IEP. Lima, 1978.Anna María Escobar. Contacto socialy lingüístico: el español en contacto conel quechua en el Perú. PUCP, Lima 2000.Germán de Granda. Estudios de Lin­güística Andina. PUCP, Lima 2002.Inés Pozzi-Escot. El multilingüismo enel Perú. C.B.C., Cusco 1998.Gustavo Solís. Las lenguas en laAmazonía Peruana. FORTE-PE, Lima2000.Virginia Zavala. Desencuentro con laescritura. Escuela y comunidad en losAndes peruanos. Red para el Desarrollode las Ciencias Sociales. Lima, 2002.

Outras publicações sobre o tema:Andrés Chirinos Rivera. Atlas lingüís­tico del Perú. CBC-Ministerio de Edu-cación, Cusco, 2001. José Antonio Salas. Diccionariomochica­castellano, castellano­mochica.U. San Martín de Porres, Lima, 2002.Alfredo Torero. Idiomas de los Andes:lingüística e historia. IFEA, Lima, 2002.

* Professor da Pontificia UniversidadCatólica, dedicado às línguas indíge-nas.

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Oda à tarde

Gritas, ó tarde! As moçasdebruçadas na varanda, caladaste percebem, e os autômatos que ardeme gemem em azuis açotéias alagadas.Cantas solitária e te dessangras!

Eu te vi clamar sem braços,e te enredar nos arames farpadosdos desertos passeios públicos.Eu te vi forcejar nuacom um suor de orvalho nas axilas.

Eu te vi dançar pelos espelhos,e correr por praças de amaranto,e dar uma hora sem relógiospara os castos casais que tremiamacuados por um longo fulgor de telegramas.

Eu te vi fugir e destroçara testa contra o mármore aleivoso do sombrio,e abraçar-te ferida, aos postes,e encher, docemente,de fios e cinzas os esteiros.

Eu arranhei tua dramática facecom unhas de diamante ou agulhas de obsidianae mordi teus lábios finos como espadas;eu te beijei os seios e me banheiem teu halo de desfeitas borboletas.

À que antiga marina de cobreconduzes, como um aro, a iradae sem asas lua do terror? As mulhereste despedem com pernas entreabertas e descalças,e te escoltam andorinhas e gramofones.

Que impossível cintura alucinantepersegues na luz remota e louca?Em que fogueira , ídolo verde, te lanças?Cantas e soluças. Já não há ninguém.Ao longe move o vento balanços oxidados.

Eu adorei teu trêmulo perfil e teus violáceos olhosde leoa ferida e o turvo anjo de farraposque detrás de teus ombros taciturno velava.Eu odiei teu anel que deslumbrava mendigose datilógrafas aleijadas de pêndulo na nuca.

Eu te levei a cinemas e jardins e alamedascomo a uma namorada. Esperei por ti à beirade ondulantes planícies adornadas de estátuas,e ao longo de enlutadas avenidas inconclusase te arrastei pelos cabelos nos átrios da neve.

Tarde de fotografias sangrantes e sandálias,salve! Palmas a teu passo! Hosana! Hosana!Cravos a teu corpo jazente na liteira.Almenares de enxofre para teu horizonte esfolado.Vitor! Evohé! Eya velar! Aleluia!

TRÊS POETAS DOS ANOS CINQÜENTANos últimos meses faleceram três dos mais destacados poetas da chamada «geração dos cinqüenta», notável grupo de criadores e intelectuaiscuja marca se percebe em todos os campos da cultura contemporânea do Peru. A obra poética de Javier Sologuren, Washington Delgado e

Francisco Bendezú sobressai no panorama da cada vez mais valorizada poesia peruana do século XX.

cemitério de gentis

estes são os gentis presentesa humana carnepresa em tela(manchas opróbiosencarnações últimas)e o pó

que nos traz o póda comarca extinta

esteve quieto mortoe no entantoo ouvimos respirararrastar-seacesopelas puras luminárias

pó de estrelasterras de póflor de lumee de trevasnossoirrevogável alimentonos espera

que parte de nósquer se renderjáao labirinto escuroe deitar-seao longo do silêncioa dormirentre o enxamedos mortos

Poesia

Poesia, não me negues teus donspor mais tempo. Tenho o ouvido atento,os olhos acordados, aberto o coração.

Poesia, a que és igual,qual teu gêmeo, qual teu segredo?se é em solidão onde tuas vozes se ouvem,nela te tenho attendido só com o meo desejo.Se o sonho é, outra coisa não fizque vagar entre os signos da noite,chama na que me alieno.

Não. Não te pareces ao amorNão está para sempre em mim sua garra?diria ainda à pena e ao esquecimentose não fossem o pão de cada dia.mas que perto estás do meu sanguee só creio na dor de ter te visto.

J. Za

pata

, Car

etas

Víc

tor C

h. V

arga

s, C

aret

as

cementerio de gentiles

éstos son los presentesla humana carnepresa en tela(manchas oprobiosencarnaciones últimas)y el polvo

qué nos trae el polvode la comarca extinta

estuvo quieto muertoy sin embargolo oímos respirararrastrarseencendidopor las puras luminarias

polvo de estrellastierras de polvoflor de lumbrey de tinieblanuestroirrevocable alimentonos espera

qué parte de nosotrosquiere rendirseyaal laberinto oscuroy echarsea lo largo del silencioa dormirentre el enjambrede los muertos

Poesía

Poesía, no me niegues tus donespor más tiempo. Tengo el oído atento,los ojos despiertos, abierto el corazón.

Poesía, ¿a qué eres igual,cuál tu gemelo, cuál tu secreto?Si es en soledad donde tus voces se oyen,en ella te he guardado sólo con mi deseo.Si el sueño es, otra cosa no he hechoque vagar entre los signos de la noche,llama en que me enajeno.

No. No te pareces al amor¿No está para siempre en mí su garra?diría aún a la pena o al olvidosi no fueran el pan de cada día.Pero qué cerca estás de mi sangrey sólo creo en el dolor de haberte visto.

Javier Sologuren (Lima, 1921-2004) foi, além de poeta, ensaísta e tradutor. Reuniu suapoesia sob o título de Vida contínua, reeditada sucessivas vezes, e sua obra em prosa novolume Gravitaciones & tangencias (1988). Sologuren recebeu o Prêmio Nacional de Poesiaem 1960 e 1985 e dirigiu o selo artesanal La rama florida, onde apareceram valiosos poemários.

Francisco Bendezú (Lima, 1928-2004) recebeu o Prêmio Nacional de Poesia em 1957 e1966. Publicou Arte menor (1960), Los años (1951) e Cantos (1971), ao que pertence estaOde.

Oda a la tarde

Gritas, ¡oh tarde! Las muchachasacodadas al balcón, enmudecidas,te perciben, y los autómatas que ardeny gimen en azules azoteas anegadas.¡Cantas solitaria y te desangras!

Yo te he visto clamar sin brazos,y enredarte en los alambres de púasde los desiertos paseos públicos.Yo te he visto forcejear desnudacon un sudor de escarcha en las axilas.

Yo te he visto bailar en los espejos,y correr por plazas de amaranto,y dar una hora sin relojespara las castas parejas que temblabanacosadas por un largo fulgor de telegramas.

Yo te he visto huir y destrozartela frente contra el mármol aleve de la umbría,y abrazarte, herida, de los postes,y llenar, sentada dulcemente,de hilos y cenizas los estanques.

Yo he rayado tu dramática mejillacon uñas de diamante o agujas de obsidiana,y mordido tus labios delgados como espadas;yo he besado tu busto y me he bañadoen tu halo de deshechas mariposas.

¿Hacia qué antiguo malecón de cobreconduces, como un aro, la furentey desalada luna del terror? Las mujereste despiden con los muslos entreabiertos y descalzas,y te escoltan golondrinas y gramófonos.

¿Qué imposible cintura alucinantepersigues en la luz remota y loca?¿A qué hoguera, ídolo verde, te abalanzas?Cantas y sollozas. ¡Ya no hay nadie!A lo lejos mece el viento columpios oxidados.

Yo adoré tu trémulo perfil y tus violados ojosde leona malherida y el turbio ángel de yescaque detrás de tus hombros taciturno velaba.Yo execré tu sortija que encandilaba mendigosy mecanógrafas lisiadas de péndulo en la nuca.

Yo te llevé por cines y terrazas y alamedascomo a una enamorada. Te esperé a la orillade undantes planicies exornadas con estatuas,y a lo largo de enlutadas avenidas inconclusaste arrastré de los cabellos por los atrios de la nieve.

Tarde de fotografías sangrantes y sandalias,¡salve! ¡Palmas a tu paso! ¡Hosanna! ¡Hosanna!¡Claveles a tu cuerpo yacente en la litera!¡Alminares de azufre para tu horizonte desollado!¡Vítor! ¡Evohé! ¡Eya velar! ¡Aleluya!

JAVIER SOLOGUREN

FRANCISCO BENDEZÚ

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A experiência dos anos de violência permitiu-mecobrar consciência da grave responsabilidade do his-toriador. É, frente à urgência do presente que ficavamevidentes as graves conseqüências sociais e políticasde seu discurso. Era inadmissível se servir dele parainventar identidades ou nações (a utopia andinaqueria ser pelo menos a base de uma), para projetarsobre o passado os problemas do presente (em lugarde usá-los para compreendê-los); inadmissíveltambém defender essencialismos transcedentais quepodem servir para propugnar a exclusão oudiscriminação (inclusive se definem no sentido opostoao conjunto), como começa a estar hoje e novamentena moda. Também é perigoso julgar ao juiz supremoe procurar culpabilidades que não só seriam coletivasmas, hereditárias. Mas igualmente necessário é tercuidado ao defender a vítima, não reduzi-lo a essepapel nem negar-lhe seu direito de ser ou querer seroutra coisa [...].

A produção sobre a história da experiência reli-giosa colonial indígena não é abundante. Aliás dashistórias, instituições da evangelização e da Igreja,só são úteis quando estão baseadas numa sólida baseempírica; a outra corrente é constituída por abun-dante produção dedicada a movimentos religiososdo século XVI (diminuída depois da avaliação críti-ca de Ramos em 1993 às fontes do Taki onqoy) e àsidolatrias e sua erradicação ao longo do séculoseguinte. Nesse último campo o caminho foi abertopor Duviols (1971) que continua sendo a referência[...].

Tendo renunciado a publicar algumas conclusõesfinais que dariam a impressão de impor um ponto dechegada, para guiar o leitor ao interior de extensoscapítulos que podem fazê-los esquecer a arquitetura

LEITURAS

DO PAGANISMO À SANTIDADEO historiador Juan Carlos Estenssoro Fuchs (Lima, 1964) publicou um apaixonante livro

sobre a luta indígena para conseguir se integrar ao universo cultural católico nos temposcoloniais. O que segue são fragmentos da Introdução escrita por esse autor.

global, quisera dar-lhes algumas pistas. O tema globalé o da incorporação dos índios do Peru à religião e aIgreja Católica (espero que os teólogos me permitamfazer semelhante distinção). Uma história que tentoler como a luta da população indígena para poder serreconhecida como cristã (o que significaria o poderparticipar plenamente na produção simbólica einstitucional do catolicismo). É portanto, também tra-to dos freios que se puseram a essa integração e even-tual autonomia.

O livro continua cronologicamente caracterizan-do cada período graças a um aspecto diferente: amensagem da doutrina e suas palavras, os gestos, ritose cerimônias, a prédica, as imagens, a feitiçaria, omilagre e a santidade. Nesse trajeto vai se fechandopouco a pouco o enquadre até ficar focalizado sobrea cidade de Lima mas num contexto que se ampliacronologicamente para abranger panoramicamente,no último capítulo, todo o arco temporal. Alguns te-mas transversais reaparecem ao longo do livro todo econvido o leitor a que trate de os seguir: o diabo, oalém, os incas, as transformações da história, diversasformas de tradução ou transcrição (verbal, escrita,plástica, musical) e as dinâmicas de produção einvenção de tradições diferentes, sua fusão e suaseparação.

Juan Carlos Estenssoro Fuchs. Del paganismo a la santi­dad. PUCP/IEP, Lima 2003, 586 pp. [email protected] [email protected] o tema ver também Ramón Mujica Pinilla. Rosalimensis. Mística, política e iconografía en torno a la patronade América.IFEA/FCE/BCRP, Lima, 2001, 485 pp.www.fceperu.com.pe [email protected]

ARKINKA: NÚMERO CEM

Desde que apareceu em 1995, a revista mensal Arkinka conquistou um lugar importante entre os meiosnacionais de arquitetura e arte. Seu diretor, o arquiteto Frederick Cooper Llosa, continuou cominduvidável qualidade a saga de revistas como El Arquitecto Peruano, fundada pelo arquiteto e ex-presi-

dente Fernando Belaúnde Terry, Plaza Mayo, dirigida pelo urbanistaLuis Dorich, e Medio de Construcción, que dirigiu o arquiteto AdolfoCórdoba durante mais de 16 anos.

Arkinka sabe combinar a obra de arquitetos de fama mundial –dePiano a Siza, de Nouvel. Moneo ou Rogers, a Ciriani o Gehry– e asprincipais expressões locais, com o trabalho de artistas célebres ouinovadores. Passa revista ao urbanismo de diferentes cidades, moradiase interiores, além de se ocupar da conservação do patrimônio, paisagismo,planificação arquitetônicas e algumas propostas audazes.

Seu diretor é, também, seu principal repórter. Viagante incansável,Cooper Llosa continuou durante todos esses anos percorrendo o mun-do, aproximando-se e aproximando-nos aos principais expoentes daarquitetura contemporânea. Arkinka não é somente uma revista dequalidade mas uma autêntica promotora da cultura. Verwww.arkinka.com.pe (Luis Maldonado Valz).

WÁSHINGTONDELGADO

Um cavalo em casa

Guardo um cavalo em minha casa.de dia escoceia o chãojunto à cozinha.De noite dorme aos pés de minha cama.Com sua bosta e seus relinchostorna incômoda a vidanuma casa pequena.Mas que outra coisa posso fazerenquanto caminho à mortenum mundo à beira do abismo?Que outra coisa senão guardar este cavalocomo pálida sombra dos prados abertosbaixo o ar livre?Na cidade morta e anônima,entre os mortos sem nome, eu caminhocomo um morto a mais.as pessoas me olham ou não me olham,ou maldizem e não sabemque guardo um cavalo em minha casa.À noite, acaricio suas crinase lhe dou um torrão de açúcar,como nos filmes.Ele me olha mansamente, umas lágrimasparecem a ponto de cair de seus olhos redondos.É a fumaça do fogão ou talvezlhe desespere viver num pátiode vinte metros quadradosou dormir num quartocom chão de madeiraÀs vezes pensoque deveria deixá-lo ir livrementeem busca de sua própria morte.E os prados distantessem os quais eu não poderia viver?Guardo um cavalo em minha casadesesperadamente acorrentadoa meu sonho de liberdade.

Wáshington Delgado (Cusco, 1927 - Lima, 2003) foipoeta e catedrático da Universidad Mayor de SanMarcos. Em 1952 recebeu o Prêmio Nacional de Poesia.Reuniu sua obra na antologia Reunión elegida (1987).Este poema faz parte de seu último livro Historia deArtidoro (1994).

Arc

hivo

Car

etas

Un caballo en la casa

Guardo un caballo en mi casa.De día patea el suelojunto a la cocina.De noche duerme al pie de mi cama.Con su boñiga y sus relinchoshace incómoda la vidaen una casa pequeña.¿Pero qué otra cosa puedo hacermientras camino hacia la muerteen un mundo al borde del abismo?¿Qué otra cosa sino guardar este caballocomo pálida sombra de los prados abiertosbajo el aire libre?En la ciudad muerta y anónima,entre los muertos sin nombre, yo caminocomo un muerto más.Las gentes me miran o no me miran,o maldicen y no sabenque guardo un caballo en mi casa.En la noche, acaricio sus crinesy le doy un trozo de azúcar,como en las películas.Él me mira blandamente, unas lágrimasparecen a punto de caer de sus ojos redondos.Es el humo de la cocina o tal vezle desespera vivir en un patiode veinte metros cuadradoso dormir en una alcobacon piso de madera.A veces piensoque debería dejarlo irse librementeen busca de su propia muerte.¿Y los prados lejanossin los cuales yo no podría vivir?Guardo un caballo en mi casadesesperadamente encadenadoa mi sueño de libertad.

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O GRANDE CAExposição intinerante mostra ao mundo o valor excepcio

O Qhapaq Ñan foi o Caminho Principal Andino no tempo dos Incas, que souberam integrar e desenvolverO caminho cobria cinco dos mais de sete mil quilômetros de largura da Cordilheira dos A

A ação conjunta de Peru, Bolívia ,Equador, Chile, Argentina e Colômbia aspEstes países, com o apoio do Banco Interamericano de Desenvolvimento, iniciaram o desenho do projeto integral Qhapa

o fizeram possível e permitir que possa continuar a ser usaA exposição itinerante –organizada pelo ministério de Relações Exteriores, com o apóio do Ins

já esteve no Museu da Nação, em Lima, na Feira do Livro em Bogotá, em Quito e s

Carnaval da llha de Taquile no Titicaca. Foto: A. Balaguer.Peregrinação ao Senhor de Qoyllor R´iti. Foto: J.Silva

Caminho a Machu Picchu Foto: M d’Auriol

Porto Inca frente ao Pacífico.Foto: M d’Auriol

Guaman Poma (1615)

Caminho ao reino dos Chachapoyas. Foto: J. Esquiroz

Localização e direções dos caminhos

O traçado dos caminhos incas que cobriam longas distânciasestava determinado por uma mistura de fatores geográficos eculturais. Os fatores naturais determinantes foram os desertos,os terrenos abruptos, superfícies pantanosas ou úmidas e zonasexcepcionalmente altas. As influências culturais mais impor-tantes foram, em geral, as zonas de alta densidade populacionale/ou onde se desenvolveram atividades de interesse específicopara os Incas, que definimos aqui simplesmente como religio-sas, militares, administrativas e econômicas. Os caminhos ecentros pré-incas também influenciaram na direção da redevial inca, e foram do mesmo modo o resultado de fatores culturaise ambientais como no caso dos caminhos exclusivamente incas.

A construção de caminhos incas não se ajustam cegamentea nenhum princípio de retidão já que tiveram que se adequarfrequentemente a determinados obstáculos ambientais. Pare-ce que só fizeram mudanças substanciais na direção de umcaminho quase perfeitamente reto como consequência de umasensata adaptação a um terreno plano.

John Hyslop, Qhapaq Ñan. El sistema Vial Incaico. Tradução deEduardo Arias. Inst. Andino de Estudios Arqueológicos e Petroperu.Lima, 1992.

Ver também: Víctor W. Von Haguen. Los caminos del Sol. BuenosAires, 1958; The Royal road of the Inca. Londres, 1976. León StrubeErdmann. Vialidad imperial de los Incas. Córdoba, Argentina, 1963. Ricar-do Espinosa. Cápac Ñan ­ La Gran Ruta Inca. Lima, Petroperu, 2001.

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CHASQUI 7

AMINHO INCAonal de Qhapaq Ñan, obra máxima da engenharia andina.

r junto a ele o sistema vial dos Andes, aproveitando as redes construidas por culturas anteriores ou paralelas.Andes, somando uns 40.000 Km. no total, 23.000 dos quais foram registrados por arqueólogos.pira a que o caminho seja inscrito na lista do Patrimônio Mundial da UNESCO.aq Ñan, com a finalidade de preservar seus excepcionais valores culturais e naturais, favorecer a populações cujos ancestraisado e valorizado por caminhantes de outras partes do mundo.stituto Nacional de Cultura e da Universidade Ricardo palma e com auspício de outras empresas–se prepara para percorrer, nos próximos meses, numerosas cidades dos cinco continentes.

Curadores: Cecilia Raffo, Alonso Ruiz Rosas, Marcelo Saco.Apresentação: Luis G. Lumbreras. Fotógrafos: Alejandro Balaguer,

Jim Bartle, André Bartschi, Mylene d’Auriol, Jorge Esquiroz,Roberto Fantozzi, Daniel Giannoni, Max Milligan, Heinz Plenge,

James Posso, Javier Silva, Alejandro Tello, Renzo Uccelli,Manolo Urquizo, Felipe Varela, Walter H. Wust.

Agradecimentos: Jorge Flores Ochoa, Bienvenida ­Turismo Cultural del Perú.

C.R

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acE.G. Squier (1877)

Ponte inca de Qeshwachaka. Foto: Max MilliganVale do Colca. Foto: A. Balaguer

Muchu Picchu, maravilha do mundo. Foto: J. Esquiroz

«Uma das coisas que mais admireicontemplando e notando as coisas dessereino foi pensar como e de que maneirapuderam ser feitos caminhos tão gran-des, com que ferramentas e instrumen-tos puderam aplanar montes e quebrarrochedos para fazê-los tão largos e bonscomo estão; porque penso que se oImperador quisesse mandar fazer outrocaminho real como o que vai de Quitoao Cuzco e daí ao Chile, creiocertamente que nem todo o seu poderfosse suficiente, nem todas as forçashumanas o pudessem fazer, de não serpela grande ordem que impunham osIngas ...»

Pedro de Cieza de LeónCrónica del Peru, Segunda Parte,

1553.

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CHASQUI 8

«É de saver que geralmente os indios daquela costa... adoravam em comun o mar (...) e o adoravam pelo

beneficio que o pescado lhes dava para comer eadubar suas terras, que algumas partes daquela costa

as adubavam com cabeças de sardinha, e ochamavan de Mamacocha que quer dizer Mãe Mar,como que fazia ofício de mãe em dar-lhes de comer».

Inca Garcilaso de la Vega, Comentarios Reales (1609)

ELOGIO DAAGRICULTURAPedro Trillo

crescimento do setorpesqueiro no Peru nos próxi-

mos anos só será possível seestabelecermos uma firme políticade Estado que favoreça aaqüicultura. Nosso principal ban-co pesqueiro de espécies pelágicascomo a anchova, a sardinha e acavala, está plenamente explorado,e o volumes de pesca alcançadosforam de dez milhões de toneladas(9’750.000 TM), cifra que chega aolimite da fronteira de possibili-dades, muito acima da média histó-rica dos últimos vinte e cinco anos[...].

Nosso banco pesqueiro deespécies demersais como a merluza,a que sustenta grande parte daindústria de congelados em nossopaís, depois de afetado pelo El Niñoe, em opinião de outros por umaexcessiva e contínua pesca, está empermanente proibição. Arecuperação dessa biomassa podedemorar vários anos, e por essemotivo não poderá cumprir o papelde locomotiva do setor pesqueiro.

Ainda hoje, é notório que aaqüicultura não conseguiu oprogresso e expansão que asociedade peruana espera que con-siga, acorde com o seu enorme po-tencial de desenvolvimento. Aaqüicultura é a única atividade dosetor pesqueiro com capacidade degerar altos índices de crescimento,riqueza e emprego, pois conta coma demanda do mercado mundial eao mesmo tempo requer processostecnológicos intensivos de mão deobra, fato que constitui o ideal deinvestimento num país pobre e deescasso capital.

A aqüicultura é uma atividadeeconômica cuja sustentação só épossível se praticada com uma fé-rrea e consistente defesa doequilíbrio dinâmico dos eco-siste-mas que a alimentam. Osaqüicultores sabemos que temos denos adaptar às mudançasclimáticas, alimentícias e de outrasordens que estejam fundamentadasnum eco-sistema sadio.

Polvo e lula

RIQUEZA DO MAR

Christian Berque mencionaque entre as espécies nas que o Perupode competir estão a concha deabanico (argopecten purpuratos), olagostim (litope­naeus vannamei) e atilápia (oreochromis niloticus), con-siderada o peixe da década dos 90nos Estados Unidos, queatualmente deu lugar a um impor-tante projeto na zona de PoechosPiura. A corvina (micropogonias sp.),o robalo (centropomus nigrescens) ea chita (anisotremus scapularis) deáguas temperadas podem ser culti-vados de Tacna a Paita, enquanto agaroupa (epinephelus sp.), o pargovermelho (lutjanus guttatus) e ocongro (genypterus maculatos) deáguas tropicais podem se desenvol-ver entre Máncora e Porto Pizarro.Todos eles com mercado exterior masainda sem a ciência básica no paíspara a reprodução em cativeiro. Há,não obstante empresas estrangeirascom hatchery interessadas em reali-zar join ventures com empresáriosnacionais.

O linguado (paralichthysadpersus) requer maior atenção jáque o Fundo de DesenvolvimentoPesqueiro, na estação de MorroSama (Tacna) está a ponto de con-cretizar um projeto de viabilidadeeconômica para seu cultivo. Oatum aleta amarela (thunnusalbacares) e o atum olho grande(thunnus obesus) são espécies que sedesenvolvem em águas com tempe-raturas superiores aos 20°C , queencontramos no litoral de Tumbes.

A artêmia (paralichthysadpersus) salina pode ser cultivadaem grandes extensões de lagoascosteiras e salinas da costa perua-na. Utilizada nos hatcheries comoalimento nos primeiros estágios dedesenvolvimento dos peixes e crus-táceos pela sua alta conversão ener-gética, tem a vantagem de poder serarmazenada em etapa de ovo porperíodos muito longos.

Extraído das «Palabras del Editor» doLibro de Oro de la Pesquería Peruana.Sociedade Nacional de Pesqueria,Lima 2003, 402 pp. [email protected]

P. M

arco

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MAR NOSSO DECADA DIA

Pesca bibliográfica: aparecem um apetitoso volume sobreCebiches del Perú e o Libro de Oro da Sociedade Nacional de Pesca.

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CHASQUI 9

O filósofo francês Henri Levi-Strauss,no seu livro Lo crudo y lo cocido, sustentaque o passo da barbárie à civilizaçãoaconteceu quando o homem primitivocomeçou a usar o fogo para cozinhar seusalimentos. Crasso erro. Mais do que tudovindo de um francês, que tem em sua altaculinária, o maigret de canard (pedaços depato quase crus) que é um dos pratosnacionais. Em geral, boa parte dagastronomia mais refinada do planetaoferece maravilhas que não foram casti-gadas pelo fogo. Não são, então, termosexcludentes, o cru e o cozido. E o Peru, aseu jeito, é também o reinos dos crus.

Vários milênios antes do esplendordo Senhorio de Sipán, os habitantes denossas costas viviam, quase exclusivamen-te, dos frutos que lhes brindava emabundância o generoso Oceano Pacífico.Os esplêndidos peixes, como a garoupaou uma corvina, não necessitavam de tra-to com o fogo para se oferecer com todoseu frescor ao comensal. Frequentementeos peixes e os mariscos eram temperadoscom aji e outras espécies de pimentas daterra. Embora muitas vezes, uma vez se-parados de escamas e espinhas, eram co-locados a repousar nos sucos de um tum-bo ácido que, além de dar-lhes um toqueespecial, cumpriam as funções demaceração.

No século XVI, com a chegada dosespanhóis, aparecem os limões, trazidos daÁfrica do Norte e as cebolas e alhos,patrimônio dos povos do marMediterrâneo. Com essa contribuição, osingredientes se complementaram eterminaram dando origem à sua majestadeo cebiche, o rei da grande dinastia dospratos crus do Peru. Embora o popularcebiche, ou as distintas variedades decebiche para ser mais veraz, andasse pelasmesas do extenso litoral há séculos, aprimeira menção escrita que chega a nossasmãos é a de dom Manuel Atanásio Fuen-tes, chamado «o morcego», aparecida noseu Guía del viajero en Lima, publicada em1866. Manuel Atanásio Fuentes era umafrancesado erudito e em seu intento selança contra o saboroso cebiche. «As co-midas eminentemente nacionais, são as pi-cantes que com tanto prazer saboreia a ple-be [...], mais a picante, mais ardida, o quemais lágrimas arranca (depois dos ciúmes)é o cebiche». Mesmo assim, apesar de suaraiva e desânimo, nos deixa uma receita doprato mencionado: «Consiste em pedaçosmiúdos de pescado ou camarões que sedeitam em suco de laranjas ácidas, commuito aji; se conservam assim por algumashoras até que o pescado se impregna de ajie quase cozinha pela ação cáustica desse eda acidez da laranja».

É certo que, com algumas variantes,o peixe e outros frutos do mar, maceradoscom vinagre, mostarda ou limão, são, des-

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RECEITAS

CEBICHE COM LARANJASÁCIDAS

800 gramas de filé de peixe espada outoio de leite (cação)½ Kg. de laranjas ácidas½ colher de alhos amassados1 aji amarelo sem sementes ecortado grosseiramente1 cebola roxa grande cortada em plu-mas e lavadaSal2 batatas ou raizes de aipim2 batatas doces roxas cozidas1 espiga de milho cozidaFolhas de alface comum

Cortar o peixe e lavá-lo. Colocarnum recipiente e temperar com o sal, oalho e o suco de laranja. Adicionar o ajie misturar. Deixar descansar por 10 mi-nutos e juntar a cebola. Serviracompanhado da batata ou aipim, ba-tata doce e milho. Enfeitar com folhasde alface.

TIRADITO AO FRESCO

600 gr. de filé de corvina12 colheres de aceite de oliva6 colheres de vinagre branco1 colherzinha de alho moídoamassado2 colheres de suco de limãoSalMilho em grão

Cortar o peixe em lâminas finas eenviesadas e colocá-las num recipiente.Preparar o molho com vinagre, sal, limão,alho e azeite de oliva. Servir as lâminasde peixe cobertas com o molho eacompanhadas de grãos de milho cozido.

TIRADITO DE AJI AMARELO

800 gr. de filé de linguadoSuco de 12 limões1 Kg. de aji amareloSalsa picadinhaLeiteSal, pimienta e saborizadorGrãos de milho cozido

Ferver durante 5 minutos o ajiamarelo sem sementes, trocando a águatrês vezes. Liqüidificar com pouco deóleo até formar um creme. Cortar o filéde peixe em tiras de meio centímetrode largura. Juntar sal e o saborizador agosto. Adicionar o suco de limão, logodepois o creme de aji a salsinha e o leiteaté que fique cremoso. Servir com osgrãos de milho e enfeitar com rodelasde pimenta (rocoto) untada comsalsinha picada.

TIRADITO DE LINGUADO EPOLVO

300 gr. de linguado fresco em tiras300 gr. de polvo cozido em rodelas100 gr. de aipo picado8 ramos de coentro picadoSuco de 10 ou 12 limões verdesMeio aji limo roxo, sem sementes, cor-

O CEBICHE: MONARCA DOS CRUSAntonio Cisneros

de sempre, parte da gastronomia comuma muitos povos que vivem à beira doimenso Pacífico. Mas, pela quantidade,qualidade e o delírio com que foram in-corporados à nossa gastronomia,dificilmente encontram competidores. Daíque muitos de meus compatriotas viviamconvencidos de que Deus é peruano e queo cebiche é sem nenhuma dúvida , umaobra de Deus.

E a verdade é que, falando de cebiche,ser cortês não impede ser valente. Adiferença do que se prepara no Peru, emoutros países acostumam, ferventar o peixe,deixá-lo de molho no caldo de limão, atéquase cozinhá-lo. Longas horas de temero-so repouso no limão, deixam os alimentosinsípidos e fofos. A outra grande diferençaestá nos agregados. Há lugares onde asmagníficas conchas negras são inundadasde molho de tomate. Em outros, juntamao peixe, pedaços de abacate, tortilha demilho e tomatinhos. Mas o que acho ser apior blasfêmia é inundar um lânguidocebiche com grandes quantidades demaionese densa e gordurosa. O pivô de talcrime e de outras versões igualmenteinfelizes é o medo às coisas cruas. Um fa-moso pescado embrutecido pelo limão eentomatado é apenas um vergonhoso gui-sado. O vil ocultamento da radiantenatureza do animal.

É por isso que o peixe precisa estarfresco como uma fruta. E nesse caso, querepouse poucos minutos no suco do cítricoé mais do que o suficiente. Não se devedemorar em cortar um bom linguado, porexemplo, e comê-lo imediatamente. E, sebem o cebiche é patrimônio geral destanação, o que é preparado com todas as leisé, a meu ver e entender, o que se acostumafazer na costa norte. Um pescado muitofresco (quase um peixe) branco e firme.Uma cama bem rasa de suco de limão, umapitadinha de alho, sal, aji limo sem as veias(suas peles amarelas, púrpuras e vermelhas)e poucas, somente poucas lascas de cebola.A batata doce (ou aipim) e o milho sócomo guarnição e não são obrigatórios.

Entre nós existe também, umavariedade do cebiche chamada tiradito.O nome proveniente da palavra«estiradito», que é como se estira o pes-cado para o corte diagonal, no estilo doJapão –por isso também é consideradocomo um prato nikkei, isto é, de influênciajaponesa. No caso do famoso tiradito, opescado apenas passa pela cama de limão,cobre-se com um creme de aji amarelo enão leva cebola nem outros enfeites. Alémnão só do clássico de peixe, mas dos mil eum peixes diferentes, os cebiches podemser feitos de camarões, lagostins, ouriçosdo mar, ostras, amêijoa e mexilhões. Agrandeza dos pratos crus do Peru se deve,em grande parte, às bondades do Pacífico,antigamente chamado do Mar do Sul.

A importância que os nativos sempre davam à comida se manifesta na saga dolegendário Naylamp, que chegou às praias do atual Lambayeque com uma pequenafrota de balsas e um importante séquito onde se destacava o cozinheiro e o que preparavaas bebidas do Senhor. O apreço pelas habilidades de um cozinheiro causou, na primeirametade do século XVI, que os habitantes da cidade de Reque, ao norte do país,elegessem como cacique a Edeco, o chefe de seus cozinheiros.

No Peru cada região possui um mosaico de pratos locais, cada um melhor do queoutro. A preparação correta dos alimentos foi uma constante preocupação do povoindígena que por esse motivo adquiriu a habilidade de desidratar alguns de seus produtos–carne de camélidos, veados, lebre dos andes, pombos e perdizes– por meio de compli-cados métodos para obter um produto conhecido como charque, de conservação fácil,armazenados nas collcas ou depósitos. Da mesma maneira, os pescadores salgavam seuspeixes ao sol junto a diversas espécies de mariscos e algas marinhas. Devido à riqueza domar, a pesca abastecia o consumo local, permitindo aos habitantes da costa permutaremcom os das terras altas.»

María Rostworoski. El cebiche en la comida prehispánica.

tado em finas rodelas1 xícara de caldo de peixe¼ de colherzinha de alhos moídos3 colherzinhas de saborizadorSal e pimienta do reino

Colocar num recipiente fundo oaipo, coentro, aji e o suco de limão, sal,pimenta, alho e o saborizador. Misturarbem e deixar macerar por 10 minutos, omolho deve ficar branco. Juntar o cal-do de peixe e misturar. Depois colocarnum prato o peixe e o polvo. Misturar ecoar o molho por cima.

LEITE DE TIGRE

100 gr. de pontas de filé de linguadoSuco de 10 limões1 ramo de aipo1 aji limo arnaucho1 dente de alhoSal, pimienta e saborizadorCoentroCaldo de peixe

Liqüidificar os ingredientes e jun-tar o caldo de peixe para diminuir aacidez dos limões. Coar e servir empequenos copos. Pode adicionar, antesde servir, pedacinhos de peixe ou lulafritos e grãos de milho cozido.

LEITE DE PANTERA

30 conchas negras grandes4 limões verdes grandes1 colherzinha de sal1 colherzinha de alhos moídos¼ colherzinha de pimienta do reinomoída1 colherzinha de aji arnaucho moído1 colherzinha de saborizador

Abrir as conchas negras e separar omolusco com todos os seus sucos. Picá-los em pedaços pequenos, agregar osuco de limão, sal, alho, aji e saborizador.Juntar o suco das conchas e corrigir otempero. Servir em pequenos copos.

Cebiches del Perú. Editor: Walter H. Wust. Tex-tos de Antonio Cisneros, Alejandro Ferreyros,Luis Jochamovitz, María Rosto-rowski, RaúlVargas e Walter H. Wust. Backus. Lima, 2004,186 pp. www.backus.com.peVer também a coleção multimídia Gastrono­mía/Sabores del Perú y del Mundo Marking Perú/Diario Correo. Lima, 2004.

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CHASQUI 10

HISTORIETA DA HISTÓRIAPróxima publicação na Espanha do quarto tomo da Historia de Iberoamérica desde los Niños,

do notável escritor peruano Juan Acevedo.

Há quem afirme que a historie-ta peruana se remonta a Nue­

va Crónica y Buen Gobierno (1615)de Guamán Poma de Ayala, mas,rigorosamente, data do fim do séculoXIX. Prolongação da caricatura,associada à sátira política e social, ahistorieta foi acolhida em publicaçõesdesse signo como o célebre Monos yMonadas, a princípio do século XIX.Em 1940 apareceu a primeira revistaespecializada: Palomilla, seguida deClímax (1943). Autor destacadodestas primeiras décadas é PedroChalle, criador de Gordete yCalambrito.

A historieta peruana deu vida nadécada seguinte a Juan Santos, andinoprotagonista de inúmeras aventuras,assim como a Super Cholo, versão na-tiva de Superman. Com eles,apareceram o crioulo Manyute e o as-

PALAVRAS SOBRE O AUTORGustavo Gutiérrez

uan Acevedo já havia incursionadona historieta de tema histórico.Agora nos apresenta uma ambicio-

sa tentativa: contar a história da Ibero-América através das aventuras de umgrupo de crianças. História relatada nãosomente para meninos, mas, e isso étalvez o mais relevante e difícil– a par-tir deles, convertidos em descobridoresde um mundo novo. Suas experiênciasvão se tornando nossas, suas ignorânciassão as que não nos atrevemos a confessar,vivemos suas surpresas como se nósmesmos fôssemos as personagens dessahistória, suas alegrias nos acalmam, seusentido de humor nos mantem alertas erisonhos. Entretidos, e sorrindo,caminhamos para trás no tempo eavançamos em conhecimentos.

Mas não nos enganemos: afacilidade com que vamos e voltamosde mãos dadas com o autor, presumeuma árdua e cuidadosa preparação dasmatérias que trata. Uma claraexposição só se obtém quando se domi-na o argumento. A oportunareprodução de expressões artísticas e do-cumentos de diversa índole são provaadicional do que afirmamos.

Juan é, não cabe dúvida, um há-bil comunicador. Comunicasimplesmente e com eficácia, mastambém comunica algo, nos faz en-trar em comunhão – termo que tem amesma raiz que comunicar – com umamaneira humana e sensível de ver ede entender a vida.

PALAVRAS DO AUTOR

A idéia de fazer esta historieta nasceuem Florencio Varela, lugar próximo deBuenos Aires. Era abril de 1990 e euassistia como observador ao II Encuen-tro Latinoamericano de Chicos delPueblo. A maioria era de criançastrabalhadoras, em casa ou na rua,crianças das classes pobres de quase vintepaíses. Conversavam, riam, indagavamsobre a vida do outro, contavam sobre assuas, brincavam nos descansos,expunham e comparavam suas posiçõesdurante as assembléias. Eu os olhavamaravilhado, vendo de que forma seintegravam ou guardavam distâncias.Prestava atenção às seus diversossotaques de castelhano e a como, mesmocom meninos de rua brasileiros,superavam-se as barreiras idiomáticas ese reconheciam numa identidade maior.

Isto é América Latina, pensei, e eutenho que fazer algo por esses meninos,ajudar sua relação. «Fazer algo», nomeu caso é quase sempre criar uma his-torieta. «As histórias –escutei dizer umcamponês mexicano– são presentes deDeus. Elas fazem com que nos vejamosa nós mesmos». Com estas revelações,fiz o propósito de narrar a história daAmérica Latina desde e para, princi-palmente, seus meninos e meninas.

Juan Acevedo. La historia de Iberoamérica desdelos niños. Organização dos Estados America-nos/Secretaria de Cooperação Ibero-ameri-cana, Tomo 1, Madrid, 2000. Tomo II, Ma-drid, 2001. Tomo III, Madrid, 2002. O TomoIV se ocupa do período do vice-reinado echega até o presente.

tronauta Chépar. Também surgiuCanillita (1950), a publicação espe-cializada de vida mais longa, se bemque sem o mesmo êxito de Avanzada(1953-1967).

Nos anos setenta, frente apublicações de cariz propagandístico,irrompem Juan Acevedo eemblemáticas publicações como Mo-nos y Monadas (segunda época),Collera, El Idiota llustrado y No!. Nofim dos oitenta, apareceram fugaz-mente etiqueta negra e Bumm!, ante-sala de um novo impulso cujo correlatosão as sete edições (1993-2000) doConcurso de historieta Juvenil, con-vocado pela Associação Calandria.Recentes publicações marginais comoResina, ¡Pánico!, Crash, Boom,Zap!TuMay Komiks, Carboncito y Pande­monio ainda estão em circulação.(S. Carrasco)

A HISTORIETA PERUANA

JNão imaginavaque os incasfossem tãomalvados!

Não é quefossem

malvados,Achori!

É a história dahumanidade. Algunspovos sedesenvolveram domi-nando outros...

Que belo «desenvolvimento»! E nãopodiam fazê-lo respeitando os

outros?

Bom ...

Aconteceu assim. As coisasnão foram tão fáceis.

Fáceis oudifíceis, eunão gostarianada que medominem ...

Os Incas cresceram aproveitando a contribuiçãodas culturas andinas anteriores a eles ...

... Organizaram um estado pan-andino com umarede de caminhos mais extensa que a que oimpério romano teve.

Os caminhos do Inca foram osmaiores do mundo?

Sim

Achori ...

Porque dizem que«foram»? São oscaminhos maioresdo mundo!

Deixa passar! É ocorreio do Inca!

Um chasqui!

Olá, amigo! Como vão ascoisas?Acontecealgo grave?

Achori!

Para!

Pare, maluco! Ele não vai responder àstuas perguntas!

Porque? É mudo?

Não sabes o que é umcorreio do Inca? Seinterrompes o seutrabalho, serás

castigado!

Ele dará a suamensagem aoInca?

Há centenas de Chasquis. Cada um cobre um trecho docaminho e dá sua mensagem a outro até que ela chegue a seudestino.

Quando um Chasqui chega, é es-perado com boa comida e bebidapara que se recupere do esforço?

Aonde chegam?Quem os recebe?

Os chasquis chegam ás pousadas que estão a um dia de distância umasdas outras. São recebidos pelos mitayok de algum povoado próximo.

Mitayok?

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CHASQUI 11

VOZ PROPIA – LOS DÍAS Y LASSOMBRAS (Reedição independente,Lima, 2003)

Voz Propia é um dos gruposemblemáticos da cena roqueira perua-na das últimas décadas. Abraçando omesmo imaginário repleto demelancolia e desesperança que carac-teriza a seus principais ascendentesanglo-saxões (desde The Cure até JoyDivision), o pós-punk do conjuntolimenho alcançou sua plenitude comesse álbum, editado originalmente em1997 e que agora volta à circulação.São poucos os discos fraguados por ban-das peruanas de rock que podem serrotulados como imprescindíveis: esse éum deles. Além da canção que da titu-lo ao álbum.

JAVIER ECHECOPAR – LA GUITA-RRA EN EL BARROCO DEL PERÚ(Acem & Aica, 2004)

Javier Echecopar dedicou boa parte desua carreira musical a desentranhar asorigens da chamada «música culta» feitano Peru. O resgate de alguns dosindicadores perdidos da guitarra barro-ca peruana exigiu-lhe não só um minu-cioso estudo de manuscritos que datamdo século XVIII (El libro de Zif e El cua­derno de música para guitarra de Matías

Maestro), mas também um cuidadosoexercício interpretativo. No tempo quevai desse ano, o guitarrista tambémeditou simultaneamente ComposicionesVol. 1 e Lo mejor de Javier Echecopar. Cabemencionar que estas composições sãointerpretadas com uma guitarra JosephBenedid que data de 1812.

ELSA PALAO – TE CANTO MIVIDA (Independente, 2004)

Depois de uma trajetória que já superaduas décadas, a intérprete Elsa Palaoaproveitou o lançamento do seu

primeiro disco como solista para fazerum intenso percorrido pelos fundamen-tos do que poderíamos chamar seu«temperamento artístico». E é aqui quea cantora, de voz versátil e límpida, nãosó apela a compositores essenciais den-tro do cancioneiro tradicional do Peru,como Chabuca Granda, Daniel «Kiri»Escobar e Alicia Maguiña, mas decideexplorar os sempre sinuosos e arriscadosterritórios da musicalização de textosconcebidos originalmente como poe-mas, não como canções. A música ficaa cargo do trio Kenyara e outrosinstrumentalistas peruanos de grandeprestígio, como Agustín Rojas eLeonardo Parodi.

CHINO CHÁVEZ – FISURAS (L25,2003)

Durante as três últimas décadas, AbertoChávez praticamente fez de tudo namúsica: integrante de bandas comoTiempo Nuevo e TV Color, cantautor delogo trajeto nos cenários locais,responsável da música incidental deespetáculos teatrais e de dançacontemporânea, fundador de um selodiscográfico que editou discos de ban-das de rock de grande convocatória(Leusemia e Masacre, entre elas), inte-grante do veterano grupo teatralCuatrotablas, diretor musical de Tania

Libertad e Suzana Baca, produtor, etc...Este disco recolhe alguns dos trabalhosmais importantes de Chávez no mundodas artes cênicas, como suascomposições para a montagem de«Prometeu» e «Sonho de uma noite deverão», além do espetáculo de dançacontemporânea «Enrelevo», que no anode 2002 foi protagonizado pela bailarinaKarin Aguirre. Eclético e atmosférico

TURBOPÓTAMOS (MundanoRecords, 2004)

Há muito tempo que o rock peruanoreclama novas vozes, frescas,independentes e inovadoras. Estequarteto limenho veio preencher umespaço dentro do chamado «novorock». Martelando um estilo próprio queeles mesmos batizaram de «skabilly»,uma combinação de ska e rockabilly(os sub-gêneros favoritos de seu líder, ocarismático Humberto Campodônico,um dos melhores guitarristas jovens dacena peruana), os Turbopótamos seprojetam como uma das bandas perua-nas atuais cuja música merece ser di-vulgada. Sem o «professionalismo» oconem o tedioso apego a fórmulassupostamente exitosas, a carreira dosTurbopótamos se inicia de maneiraauspiciosa. Vão dar o que falar. (RaúlCachay).

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CANATURCâmara Nacional de Indústria e Turismo

Jr. Alcanfores No. 1245 – Lima 18Telefone: (511) 445-251

Fax: (511) 445-1052E-mail: [email protected]

GRANDES EXPOSIÇÕES

Este ano o Peru mostra também ao mundotrês grandes exposições. A primeira Peru:Tremila Anni de Capo Lavori permitiu apre-ciar em Florença, no Palazzo Strozzi e até omês de fevereiro passado, uma notávelcoleção de obras mestras de arte pré-colom-biano. A exposição teve como curador aAntonio Ainni e contou com a colaboraçãodo Instituto Nacional de Cultura.Por outra parte, em Barcelona, no Museu deArte de Catalunha e como parte do Foro Mun­dial de las Culturas, se apresenta Perú indígenay virreinal, testemunha de nosso sincretismo,que reune 253 peças de pintura, escultura,cerâmica, prataria, mobiliário e outros.Esta amostra foi organizada pela SociedadEstatal para la Acción Cultural Exterior deEspaña e o INC, teve como curadores aJuan Ossio, Jaime Mariaza, Juliana UgarteGaray y Rafael López Guzmán. Ficará abertaaté o dia 15 de agosto e em seguida irá àBiblioteca Nacional de Madri. Por último,a partir de setembro o Metropolitan Museumde Nova York acolherá uma notávelexposição de arte vice-reinal peruana, acargo de Helena Phipps e Joahnna Hecht.

III ENCONTRO CIENTÍFICO

Do dia 30 de julho ao dia 2 de agosto de2004 se realizará em Lima o III EncuentroCientífico Internacional de Invierno­ECIi.Este evento, como o ECIv que se realizano verão, tem como objeto difundir osavanços científicos dos investigadores dopaís e seus colegas do exterior. Este IIIEncontro é organizado pelo Instituto Na-cional de Investigación y Capacitación deTelecomunicaciones. As inscrições estãoabertas. Para maior informação, consultara página www.cienciaperu.org/eci2004i/

LISTA VERMELHA

A recente publicação da Lista VermelhaICOM, sobre Bens Culturais Latino­ame­ricanos em Perigo –apresentada em Limano Museu Nacional de Antropología, nodia 8 de maio passado– ajudará os agentespoliciais a identificar oportunamente ob-jetos culturais denunciados como desapa-recidos. A Lista Vermelha é também umchamado a museus, casas de leilão, comer-ciantes e colecionistas para que deixem deadquirir esses objetos e satisfaz a necessidade

de alertar sobre os efeitos irreparáveis quetem para a investigação de usos e costumesancestrais, a perda de bens arqueológicos.A propósito, merece ser destacada aaprovação pela Unesco do Código Interna­cional de Deontología para los Negociantesen Bienes Culturales disponível emwww.unesco.org/culture/legalprotection

IMPORTANTE DOAÇÃO PARA BI-BLIOTECAS DO PERU NO EXTERIOR

No âmbito do recente Convenio de Coope­ración para la Promoción de Valores Cultu­rales del Perú en el Exterior, assinado pelaChancelaria e a Universidade San Martinde Porres, esta casa de estudo doou sessentalotes de trinta títulos c/u, provenientes deseu Fundo Editorial, para que sejamdistribuídos em nossas embaixadas. Trata-se de uma valiosa contribuição que enri-quece as bibliotecas de cultura peruana quepromove a chancelaria em suas missões noexterior e que podem ser consultadas porcompatriotas e público interessado. Adoação traz, entre outros títulos uma im-portante série dedicada à gastronomia pe-ruana. Sobre o Fundo Editorial da U. SanMartín de Porres ver www.usmp.edu.pe

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LA CULTURA CAMBIA EL FUTURODISTRIBUIDOR EXCLUSIVO EN EL PERÚ

PETRÓLEOS DEL PERÚ AL SERVICIO DE LA CULTURA

Page 12: CHASQUI · CHASQUI O CORREIO DO PERU Ano 2, número 4 Boletim Cultural do Ministerio de Relaçoes Exteriores Agosto 2004 QHAPAQ ÑAN, O GRANDE CAMINHO INCA / LINGUAS DO PERU TRES

CHASQUI 12

ANTIGOS ESTILOS

Toca bem esse caixãoQue se acabe de quebrar

Que na casa do patrãoCaixões não há de faltar.

Folclore

os estudiosos Fernando Ortiz,Fernando Romero y NicomedesSanta Cruz coincidem em

assinalar que o caixão peruano não temmais de cem anos e seu período de maiorauge pode se situar no começo do sé-culo XX, ou no máximo no final do sé-culo XIX.

É provável que só a partir dessaépoca, começão-se a fazer caixões comexclusiva estrita finalidade musical. Atéentão o caixão não era mais que uma«caixa qualquer» utilizada paraacompanhar musicalmente alguns can-tos e danças negras e mestiças. Oscaixões não apresentavam acabamentosque exibem os atuais e mesmo o somdaqueles antigos instrumentos nospareceria hoje, um tanto «rachado»,como se o caixão estivesse quebrado.

No inicio de 1900, os tocadores decaixão não se sentavam sobre o instrumen-to. Muitos tocavam sentados numa cadeiraou tamborete, entreabriam as pernas ecolocavam o caixão de lado e para trás,apoiando-o sobre o próprio tamborete ounas coxas. E tocavam pela parte da frente.

O caixão que conhecemosatualmente todos, «em forma decoluna» (porque é mais alto que lar-go), é o que já começou a ser chamadode caixão peruano. Mesmo assim, du-rante muito tempo, usou-se o caixãodeitado, do lado mais comprido, menosprofundo e que pela forma que tem vema ser mais largo que alto. Para diferen-ciar um modelo do outro nesse trabalho,usaremos o termo de caixão de columna.

O caixão crioulo perdeu espaço namedida que a música afro-peruana foise popularizando, mas ainda continua aser usado. Alguns construtores de caixõesfizeram uma variante do caixão crioulocom cordas na tampa frontal, imitandoo som e o sistema utilizado pelo tamborou «tarola». Esta variante tambémpassou, mais tarde, ao caixão de coluna.Alguns caixões, inclusive, não tem for-ma de paralelepípedo pois já se experi-menta fazê-los de diferentes formasgeométricas e diversas medidas.

Para tocar o caixão crioulo, oinstrumentista, sempre sentado sobre o

O CAIXÃOAFRO-PERUANO

Rafael Santa Cruz, herdeiro de uma grande tradição na cultura afro-peruana, publica o mais completoestudo em homenagem a esse instrumento convertido em ícone musical de nosso país.

Eis aqui um capítulo de sua recente obra.

mento, geralmente separa as pernas edeixa livre a «tampa» ou «cara» docaixão.

Quando é tocado um trio ou con-junto de caixões, todos são geralmentede medidas similares e sons muito pare-cidos. Não obstante em Cuba asorquestras de caixões se formam cominstrumentos de tamanhos e sons dife-rentes mesmo do caixão maior, e de sonsmais graves que é chamado de tumbae de quinto o que dá sons mais agudos.No Peru, quando se forma um conjun-to ou orquestra de caixões, chamamosde caixão chamador ao que tem afunção de levar o ritmo base, de caixãorepicador ao que tem a função de repi-car, «florir» e tocar os solos. Estes nomessão dados em função do rol quedesempenha o tocador e não são dadosem função do rol que desempenha otocador e não em função do tamanhoou do som do instrumento, e provemdas funções exercidas pelos tamboresde membrana. Geralmente estasfunções se realizam por turnos, segun-do o que os executantes vão sentindo.Antigamente o «repique» estava desti-nado ao percussionista de maiorexperiência na execução do instrumen-to.

Nicomedes Santa Cruz Gamarrra,que desde a década de 60 escreveuuma série de artigos jornalísticos dedi-cados a esse instrumento intitulada«Sua majestade o caixão», nos diz:«Quanto à confecção artesanal docaixão, temos vários estilos e dimensões:achatados com asa, como uma pasta´James Bond´, grandes e toscos comoataúde popular, pequenos como cofrede santo, envernizados, lustrados, pin-tados de branco, verde, preto ouvermelho e branco como a bandeiraperuana, com o monograma daagrupação musical ou iniciais de seudono; cravados de tachinhas douradas;finalmente, não há dois caixões iguais,embora nas novas gerações também nãoexistam dois tocadores de caixão quetoquem diferente». Esta ultima frasetem um sabor de reclamação frente aoaparecimento de novos tocadores decaixão sem estilo próprio ou sempersonalidade na hora que se sentamno instrumento.

Rafael Santa Cruz. El cajón afroperuano. Co-codrilo Verde Ediciones, Lima 2004, 177pp.O livro inclui um CD multimídia comexplicações em audio e imagem.

instrumento, coloca um perna no cen-tro deste, dividindo a madeira frontalem duas, uma metade para cada ladoda perna. Eventualmente o lado direito

do instrumento era usado para produzirgolpes mais «secos». O mesmo efeito seconsegue no caixão de coluna, mas opercussionista, sentado sobre o instru-

L

Jarana limeña concajón, cajita y quijadade burro. Fotos: AníbalSolimano / PROMPERÚ