Charles, A.; Sa, L. (2011) Cartografia Histórica Da África. Mapa Cor

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Anais do I Simpósio Brasileiro de Cartografia Histórica 1 Cartografia Histórica da África - Mapa cor de Rosa Arlindo José Charles Centro de Tecnologia e Geociências Programa de Pós-Graduação em Ciências Geodésica e Tecnologias da Geoinformação - Universidade Federal de Pernambuco e Instituto Nacional de Estatística de Moçambique - [email protected] Lucilene Antunes Correia Marques de Sá Centro de Tecnologia e Geociências Programa de Pós-Graduação em Ciências Geodésica e Tecnologias da Geoinformação - Universidade Federal de Pernambuco e Instituto Nacional de Estatística de Moçambique - [email protected] RESUMO A expansão ultramarina, a navegação européia, a ocupação colonial e a partilha da África na conferência de Berlim marcaram profundamente o caráter cartográfico do continente africano. A entrada dos colonizadores europeus inicia com a passagem da armada do Vasco da Gama percorreu toda costa africana entre os anos 1439 e 1498 antes de alcançar Calcutá. Conhecendo o litoral e motivados por interesses comerciais, em 1505, os colonizadores europeus monopolizaram ás áreas estratégicas da costa africana. No Século XIX, as potências iniciaram a exploração e ocupação dos territórios do interior do continente através das expedições fluviais. As técnicas de mapeamento foram usadas para anexar e reivindicar os territórios conquistados. Nesta fase de avanço para conquista de território, sugiram conflitos e disputas de territórios entre as potências. Para conter a onda de tensão entre os conquistadores, foi convocada a Conferencia de Berlim entre 1984 e 1885 para a partilha dos territórios entre as colônias. Um dos incidentes histórico sobre a disputado das áreas de interesse é o emblemático mapa-cor-de-rosa, que colocava os dois aliados (Grã-Bretanha e Portugal.) em disputa. PALAVRAS CHAVE: Conferência de Berlim (1884-1885); Limites em África; Mapa cor-de-rosa. ABSTRACT The overseas expansion, the European sailing, the colonial occupation and partition of Africa at the Berlin conference have strongly marked the character mapping of the African continent. The arrival of European settlers began with the passage of the fleet of Vasco da Gama traveled across the African coast between the years 1439 and 1498 before reaching Kolkata. Knowing the coast and motivated by commercial interests in 1505, the European settlers monopolized the strategic areas of the African coast. In the nineteenth century, the power started to exploration and occupation of territories in the interior of the continent through the river expeditions. The mapping techniques were used to enclose and reclaim the conquered territories. At this stage of progress, towards the conquest of territory, suggesting conflicts and territorial disputes between the powers. To stem the tide of tension between the conquerors, the Conference was convened in Berlin between 1984 and 1885 for the sharing of territories between the colonies. A history of incidents on the disputed areas of interest is the iconic Pink Map, which put the two allies (Britain and Portugal.) in dispute. KEYWORDS: Berlin Conference (1884-1885); African Boundaries; Pink Map.

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Realiza un recorrido por la historia de la cartografía del continente africano y su relación con el sistema mundo moderno/colonial

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    Cartografia Histrica da frica - Mapa cor de Rosa

    Arlindo Jos Charles Centro de Tecnologia e Geocincias Programa de Ps-Graduao em Cincias Geodsica e Tecnologias da Geoinformao - Universidade Federal de Pernambuco e Instituto Nacional de Estatstica de Moambique -

    [email protected]

    Lucilene Antunes Correia Marques de S Centro de Tecnologia e Geocincias Programa de Ps-Graduao em Cincias Geodsica e Tecnologias da Geoinformao - Universidade Federal de Pernambuco e Instituto Nacional de Estatstica de Moambique -

    [email protected]

    RESUMO A expanso ultramarina, a navegao europia, a ocupao colonial e a partilha da frica na conferncia de Berlim marcaram profundamente o carter cartogrfico do continente africano. A entrada dos colonizadores europeus inicia com a passagem da armada do Vasco da Gama percorreu toda costa africana entre os anos 1439 e 1498 antes de alcanar Calcut. Conhecendo o litoral e motivados por interesses comerciais, em 1505, os colonizadores europeus monopolizaram s reas estratgicas da costa africana. No Sculo XIX, as potncias iniciaram a explorao e ocupao dos territrios do interior do continente atravs das expedies fluviais. As tcnicas de mapeamento foram usadas para anexar e reivindicar os territrios conquistados. Nesta fase de avano para conquista de territrio, sugiram conflitos e disputas de territrios entre as potncias. Para conter a onda de tenso entre os conquistadores, foi convocada a Conferencia de Berlim entre 1984 e 1885 para a partilha dos territrios entre as colnias. Um dos incidentes histrico sobre a disputado das reas de interesse o emblemtico mapa-cor-de-rosa, que colocava os dois aliados (Gr-Bretanha e Portugal.) em disputa.

    PALAVRAS CHAVE: Conferncia de Berlim (1884-1885); Limites em frica; Mapa cor-de-rosa. ABSTRACT The overseas expansion, the European sailing, the colonial occupation and partition of Africa at the Berlin conference have strongly marked the character mapping of the African continent. The arrival of European settlers began with the passage of the fleet of Vasco da Gama traveled across the African coast between the years 1439 and 1498 before reaching Kolkata. Knowing the coast and motivated by commercial interests in 1505, the European settlers monopolized the strategic areas of the African coast. In the nineteenth century, the power started to exploration and occupation of territories in the interior of the continent through the river expeditions. The mapping techniques were used to enclose and reclaim the conquered territories. At this stage of progress, towards the conquest of territory, suggesting conflicts and territorial disputes between the powers. To stem the tide of tension between the conquerors, the Conference was convened in Berlin between 1984 and 1885 for the sharing of territories between the colonies. A history of incidents on the disputed areas of interest is the iconic Pink Map, which put the two allies (Britain and Portugal.) in dispute.

    KEYWORDS: Berlin Conference (1884-1885); African Boundaries; Pink Map.

    mailto:[email protected]:[email protected]

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    I - INTRODUO

    No h dvida que o quadro geral de frica mudou completamente de aspecto, com o progresso que

    os colonos imprimiram e dinamizaram, utilizando os seus conhecimentos e mtodos de modernidade

    ocidentais, quer atravs colonizao, explorao, pilhagem, quer atravs de bens teis, como dos idiomas e

    religio unificadores e aglutinadores das tribos. Destas iniciativas surgiram aldeias recuperadas, novas vilas

    e cidades e at eventuais novos estados na verdadeira acepo do termo, e no, como hoje se apresentam.

    Com objetivo de reportar a situao conjuntural da frica na primeira viso eurocentrista e a fase de

    ocupao e domnio imperial que culminou com a delimitao dos territrios africanos em reas de

    interesse dos europeus, este trabalho analisa e apresenta a contribuio do conhecimento cartogrfico da

    poca das conquistas tomada como fundamentao para cada colnia reconhecer e declarar monoplio dos

    territrios conquistados ou simplesmente conhecidos.

    O trabalho foi elaborado na base de consultas de artigos que descrevem temticas como a primeira

    viso imaginria europia sobre as terras desconhecidas de frica, a ocupao parcial de efetiva, os grandes

    movimentos de expedio fluvial para o interior do continente e os conflitos na diviso de reas de

    interesse.

    II - VISO EUROCENTRISTA SOBRE FRICA E AS CARACTERSTICAS DO PRIMEIRO MAPA

    AFRICANO DETALHADO

    No imaginrio europeu (ANJOS, 1989), a frica era um territrio rodeado de mistrios, um espao

    escondido detrs de um trrido deserto e sobre o qual as informaes sempre foram fragmentrias e

    distorcidas.

    Durante muito tempo, o continente s foi conhecido atravs de relatos que especulavam sobre seu

    interior descrevendo a existncia de homens-macacos, ogros canibais e mulheres-pssaros. Tambm

    durante muito tempo figuraram nos mapas da frica nomes de povos como os opistodtilos (de dedos

    revirados), sem lngua e sem nariz (PAULME, 1977).

    A identidade tenebrosa da frica refletiu-se num repertrio de topnimos cuja impreciso

    emblemtica da falta de substncia do continente no pensamento europeu. Denominaes como Ethyopia,

    Lybia, Cafraria, Sudan e Barbaria, apresentadas repetidamente e em posies erradas no mapa, deixa claro

    que surgiram do gosto da imaginao. A estas fabulaes, soma-se pouco honorvel listagem de seres

    aberrantes, monstros antropides, antropfagos, ictifagos, dentre outros, que transitaram pela geografia do

    continente durante sculos (PAULME, 1977).

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    Tais estigmas transparecem no regime de anexao simblica imposto frica pelos mapas ocidentais,

    legitimando uma integrao desigual do que foi julgado como um plo de antinomias nada condizentes

    com a civilizao. Com base neste pensamento, analisar a produo cartogrfica sobre o continente pode

    ganhar conotaes muito sugestivas (WALDMAN, 2007).

    Uma retrospectiva neste contexto pode-se fazer ao verificar o mapa da frica (Figura 01), o primeiro a

    representar com alguma preciso os contornos do continente, elaborado por Guilherme Blaeu (1571-1638),

    grande cartgrafo batavo. Filho de negociante, Blaeu cresceu em ambiente cercado de relatos sobre pases

    distantes. Estudou matemtica e foi aluno do astrnomo Tycho Brahe. Em 1633, tornou-se cartgrafo da

    Companhia das ndias Ocidentais, cargo de enorme prestgio. Sua percia na cartografia no era menor do

    que seu pendor artstico, revelado em mapas finamente bem trabalhados.

    Figura 01. Primeiro mapa elaborado com alguma preciso. Fonte: (MARQUES, 1969).

    O importante a ressaltar neste mapa (PAULME, 1977) a associao de conjunto de dados

    imaginrios e reais generalizados presentes na mesma obra (Figura 1). O mapa da frica do Blaeu indicava

    a Europa como referncia para a direo Norte, dado etnocntrico, pois esta orientao tambm

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    simbolicamente considerada superior. O contorno do continente, quase perfeito, revela dcadas de

    expedies martimas, nfase tpica do mercantilismo. Na franja superior do mapa figuram o que os

    europeus entendiam como principais centros urbanos: Tanger, Ceuta, Alger, Tunis, Alexandria, Alcacer,

    Canrias, Moambique e Forte de El Mina. O fato de estas cidades serem portos revela que na segunda

    metade do Sculo XVI a Europa mantinha soberania costeira, raramente ultrapassando os muros das

    feitorias.

    No conjunto de nove evidncias patentes no mapa da frica seis se referem frica do Norte, rea

    conhecida pelos europeus desde a Antiguidade Clssica. A frica Negra est representada apenas por dois

    centros, Moambique e El Mina, ambos feitorias de comrcio e de trfico negreiro. Apesar da frica Negra

    possuir vida urbana milenar, nenhuma das suas urbes foi representada. As cidades destacadas so aquelas

    que drenam as riquezas do interior atravs das principais vias fluviais (SERRENO, 2007).

    Na parte do mar, Blaeu representou um conjunto de criaturas exticas ou fantasiosas: peixes voadores,

    baleias e serpentes marinhas. No continente, aparecem exemplos da mega-fauna e animais tropicais:

    elefantes, camelos, avestruzes, lees, macacos e crocodilos, no plotados nos respectivos habitat. Os navios,

    que evidenciam o domnio do mar, so todos europeus. O espao continental interno revela ausncia de

    informaes precisas. Repete-se a noo ptolomaica indicando as nascentes do Nilo em dois lagos

    inexistentes, Zaire e Zaflan, no que hoje a frica Austral. O oceano Atlntico aparece como Oceano

    Etope, reunindo boa parte dos seres marinhos mticos desenhados no mapa (ANJOS, 1989).

    Estranhamente no h registro de vida humana no vasto interior africano segundo o mapa. como se

    a humanidade no existisse na frica. O nico homem representado um cameleiro, quase certamente um

    mercador rabe. Complementando a exterioridade da frica, os bordos dos mapas mostram povos

    africanos da Costa (Atlntico) e Contra-costa (ndico) (SERRENO, 2007).

    III - OCUPAO COLONIAL DA FRICA

    Os rabes foram os primeiros povos a chegarem na costa oriental do continente africano, movidos

    pelo comrcio de minerais, marfim, e madeiras raras. O material extrado chega ao ndico atravs dos

    principais rios que desguam no Oceano pelas principais baas como o caso de Mombaa, Malinde,

    Quiloa, Ilha de Moambique, Quelimane e Sofala. Os rabes com relata DIAS (1954) no penetraram no

    interior dos reinados africanos, limitaram-se a fazer trocas nos entrepostos. A verdadeira ocupao do

    continente africano (BOXER, 1981) iniciou com a descoberta e a ocupao das Ilhas Canrias pelos

    portugueses, no princpio de sculo XIV. O processo de ocupao territorial, explorao econmica e

    domnio poltico do continente por potncias europias teve inicio no sculo XV e estendeu-se at a metade

    do sculo XX. O conhecimento e a expanso martima europia (portugueses, ingleses e holandeses)

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    caracteriza a primeira fase do colonialismo africano que surge da necessidade de encontrar rotas alternativas

    para o Oriente e novos mercados produtores e consumidores.

    Os portugueses, segundo BOXER (1981), iniciam este processo na primeira metade do sculo XV,

    estabelecendo feitorias, portos e enclaves no litoral africano (Figura 02). No existia nenhuma organizao

    poltica nas colnias portuguesa, exceto em algumas reas porturias onde h tratados destinados a

    assegurar os direitos dos traficantes de escravos. A obteno de pedras, metais preciosos e especiarias era

    feita pelos sistemas de captura, de pilhagem e de escambo. O mtodo predador provoca o abandono da

    agricultura e o atraso no desenvolvimento manufatureiro dos pases africanos. A captura e o trfico de

    escravos dividem tribos e etnias e causam desorganizao na vida econmica e social dos africanos. Milhes

    de pessoas so mandadas fora para as Amricas, e grande parte morre durante as viagens. A partir de

    meados do sculo XVI, os ingleses, os franceses e os holandeses expulsam os portugueses das melhores

    zonas costeiras para o comrcio de escravos.

    Figura 02. Ocupao litornea do continente africano 1830. Fonte: (BOXER 1981).

    No final do sculo XVIII e meados do sculo XIX (WILSONS e THOMPSON, 1969), os ingleses,

    com enorme poder naval e econmico, assumem a liderana da colonizao africana. Combatem a

    Domnio espanhol

    Domnio portugus

    Domnio frances

    Domnio ingls

    Domnio rabe

    Domnio holandes

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    escravido, j menos lucrativa, direcionando o comrcio africano para a exportao de ouro, marfim e

    animais. Para isso estabelecem novas colnias na costa (Figura 02) e passam a implantar um sistema

    administrativo fortemente centralizado na mo de colonos brancos ou representantes da Coroa Inglesa.

    Os holandeses estabeleceram-se no litoral do Transval, a partir de 1652. Desenvolvem na regio uma

    nova cultura e criam uma comunidade conhecida como africner ou ber. Mais tarde, os beres perdem o

    domnio da regio para o Reino Unido, (WILSONS e THOMPSON, 1969).

    A ambio e o crescente esprito conquistador das metrpoles no se deram por satisfeito pela posse,

    domnio e monoplio do litoral africano na conquista parcial e controlo comercial. Em 1875,

    (ALEXANDRE, 1979), foi fundada a Sociedade de Geografia de Lisboa, reunindo em seu redor uma elite

    intelectual, civil e militar. Embora a sua atuao no fosse direcionada exclusivamente para o continente

    africano, logo nos primeiros anos da sua existncia foi criada a Comisso Nacional Portuguesa de

    Explorao e Civilizao da frica, mais conhecida por Comisso de frica. A funo da comisso era

    despertar a opinio pblica para as questes do Ultramar e preparou as primeiras grandes expedies de

    explorao cientfico-geogrfica (Figura 03), contribuindo assim para a definio de uma poltica colonial

    portuguesa em frica.

    As expedies destinavam-se a efetuar o reconhecimento do Cuango e as suas relaes com o Zaire, e

    ainda a comparar a bacia hidrogrfica deste rio com a do Zambeze, concluindo, assim, a carta da frica

    centro-austral, o famoso Mapa cor-de-rosa. Apesar do seu papel fundamental na defesa da posio

    portuguesa em frica, face ao movimento expansionista europeu, a Sociedade de Geografia de Lisboa

    surgiu tardiamente, no que se refere criao de sociedades homlogas nos restantes pases da Europa. As

    expedies surgiram num contexto poltico marcado por forte movimento expansionista europeu, no

    domnio de territrios do interior do continente.

    http://pt.wikipedia.org/wiki/1875http://pt.wikipedia.org/wiki/Sociedade_de_Geografia_de_Lisboahttp://pt.wikipedia.org/wiki/Cuangohttp://pt.wikipedia.org/wiki/Zaire_(rio)http://pt.wikipedia.org/wiki/Zambezehttp://pt.wikipedia.org/wiki/Mapa_cor-de-rosa

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    Figura 03. Itinerrios das expedies europias sculo XIX. Fonte: (MARQUES,1969).

    As expedies e os movimentos ocupasionista geraram um verdadeiro clima de tenso e rivalidade

    entre as grandes potncias europias na prospeco pelos territrios, obrigando Portugal a rever

    urgentemente a sua poltica colonial e a efetivar a sua presena em diversas reas do interior africano,

    pretendendo juntar costa do Atlntico ao do ndico, isto , de Angola a Moambique. Este projeto colidiu

    com reas de interesses dos ingleses. As tenses pela disputa dos territrios africanos entre os exploradores

    foram crescendo e viveu-se um momento de grande instabilidade poltica quando quase ocorreu uma

    guerra.

    Para evitar a guerra, as potncias imperialistas decidem convocar uma conferncia colonial em Berlim,

    no fim do ano de 1884.

    Angola

    Moambique

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    IV - CONFERNCIA DE BERLIM (1884 A 1885) E A PARTILHA DA FRICA: A GNESE DO

    MAPA COR-DE-ROSA

    A viso portuguesa sobre a frica assentava ainda nos direitos histricos por ser o primeiro pas

    europeu a pisar as terras africanas e ter feito muitas expedies. O governo Portugus comeou por reclamar

    reas cada vez maiores do continente africano, entrando em coliso com as restantes potncias europias, o

    que levou a originar tenses, enquanto eram desenvolvidos esforos para uma ocupao efetiva dos

    territrios (FEIO, 1957).

    Nesse contexto, (CAMACHO, 1936), a Sociedade de Geografia de Lisboa, defendendo a necessidade

    de formar uma barreira s intenes expansionistas britnicas que pretendiam a soberania sobre um

    territrio. Portugal desejava assumir que se prolongava de Sudo at ao Cabo pelo interior da frica,

    portanto, organizou uma subscrio permanente para manter estaes civilizadoras na zona de influncia

    portuguesa do interior do continente, definida num mapa como uma ampla faixa da costa contra-costa,

    ligando Angola a Moambique. Nascia assim, ainda sem sano oficial, o chamado mapa cor-de-rosa

    (Figura 04).

    Figura 04. Mapa cor de rosa. rea pretendida pelos portugueses. Fonte (TORRES, 1991).

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    Em 1884 a aceitao unilateral pela Gr-Bretanha reivindicaes portuguesas ao controlo da foz do rio

    Congo levou ao aumento dos conflitos com as potncias europias rivais. Uma conferncia internacional

    foi convocada, a Conferncia de Berlim (18841885), para dirimir os mltiplos conflitos existentes e fixar

    as zonas de influncia de cada potncia em frica, assistiu-se a um entendimento entre a Frana e

    Alemanha, face a uma atitude conciliatria da Gr-Bretanha, que abandonou totalmente o seu anterior

    entendimento com Portugal. O resultado foi partilha do continente entre as potncias europias e o

    estabelecimento de novas regras para a corrida frica (CAPELA, 1996).

    Portugal, CAPELA (1996), de acordo com a mesma fonte foi o grande derrotado da Conferncia de

    Berlim, pois, para alm de assistir recusa do direito histrico como critrio de ocupao de territrio, foi

    ainda obrigado a aceitar o princpio da livre navegao dos rios internacionais (aplicando-se ao Congo, ao

    Zambeze e ao Rovuma em territrio tradicionalmente portugus), e perdeu o controlo da foz do Congo,

    ficando s com o pequeno enclave de Cabinda. Aps o choque da Conferncia de Berlim, em Portugal

    percebeu-se a urgncia de delimitar as possesses em frica. Logo em 1885, comearam negociaes com a

    Frana e a Alemanha para delimitar as fronteiras dos territrios portugueses (CAMACHO, 1936).

    O tratado com a Frana (FEIO, 1957), foi assinado em 1886. Neste foi anexada a primeira verso

    oficial do mapa cor-de-rosa, apesar de a Frana no ter interesses naquele territrio. No tratado com a

    Alemanha, concludo em 1887, o mapa cor-de-rosa foi novamente apenso, sendo apresentado s Cortes

    como a verso oficial das pretenses territoriais portuguesas. Contudo, no tratado assinado, a Alemanha

    apenas garantiu que no tinha pretenses diretas na zona.

    Segundo FEIO (1957), a Gr-Bretanha reagiu de imediato informando a Portugal ser nulo o pretenso

    reconhecimento francs e alemo do "mapa cor-de-rosa", pois aquelas potncias nunca tiveram interesses na

    zona.

    As pretenses portuguesas entravam em conflito com o mega projeto ingls de criar uma ferrovia que

    atravessaria todo continente africano de norte a sul, ligando o Cairo Cidade do Cabo. Este obra nunca se

    realizou, pois alm de dificuldades, obstculos impostos pelo clima, condies fsico-naturais, oposio

    portuguesa com o mapa cor-de-rosa e o incidente de Fachoda1 entre 1898 e 1899, que colocou a Frana e

    Inglaterra beira de uma guerra (TORRES, 1991).

    O Governo Portugus, que necessitava do acordo britnico (a Gr-Bretanha era a superpotncia do

    tempo) para a delimitao de fronteiras, resolveu atrasar a negociao, fazendo saber que as suas pretenses

    eram efetivamente as do mapa cor-de-rosa. Um documento teve ampla divulgao pblica e foi objeto de

    1 Tambm conhecido por crise de Fachoda, foi um episdio ocorrido entre 1898 e 1899, quando a Frana e Reino Unido decidiram construir ferrovias para conectar suas colnias. O confronto se deu na cidade de Fachoda, no Sudo onde os trajetos das ferrovias se interceptavam.

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    arraigadas paixes patriticas. A designao de mapa cor-de-rosa nasceu nesta altura dado o mapa enviado

    ao parlamento apresentar os territrios em disputa aguados com esta cor (MOAMBIQUE, 1993).

    O responsvel pela poltica colonial na poca (Barros Gomes) apostou no atraso ingls no controlo

    efetivo das reas disputadas e organizou expedies portuguesas que percorreram as zonas em disputa e

    assinaram dezenas de tratados de vassalagem com os povos autctones. O plano era secreto, mas a

    espionagem britnica estava a par desde o primeiro momento, graas a um informador que tinha no

    prprio gabinete de Barros Gomes (MACHADO, 1951).

    Aps o desfecho do ultimato britnico de 1890 foi afirmado que o Governo Portugus, em 1888, no

    assumiria por completo as pretenses do mapa cor-de-rosa, tendo-o utilizado apenas como base para

    negociaes com Londres.

    Gr-Bretanha estaria ento disposta a ceder o norte do Transvaal (o pas dos Matabeles), retendo

    apenas o sul do lago Niassa e o planalto de Manica, por temer que a ceder daqueles territrios, para alm

    de impedir a ligao costa a costa, conduzisse livre navegao no rio Zambeze, podendo retalhar

    Moambique (HENRIQUES, 2004).

    Portugal, procurando o apoio do Transvaal e da Alemanha, tentando convencer o chanceler Bismarck

    que era do interesse ber e alemo entregar a zona central de frica a um terceiro poder de modo criar uma

    comunidade de interesses que obrigasse a Inglaterra a ceder.

    Uma poltica de aproximao aos interesses ber prosseguiu, o Governo Portugus retirou Inglaterra

    o controlo da ferrovia de Loureno Marques expropriando em meados de 1889 a companhia inglesa que o

    controlava. O Transvaal, em contrapartida, assinou pouco depois um acordo de tarifas aduaneiras e acedeu

    na fixao do traado definitivo da fronteira com Moambique (MOAMBIQUE, 1993).

    A Gr-Bretanha considerou injusta e injustificvel (CAPELA, 1996) a expropriao da ferrovia e

    reclamou de imediato. Com o apoio dos Estados Unidos da Amrica os Ingleses, pediram a arbitragem

    internacional, Portugal recusou. Iniciou-se uma grande campanha de imprensa contra Portugal, que criou

    as condies polticas para a ruptura.

    O resultado foi o ultimato britnico de 11 de Janeiro de 1890 exigindo retirada de Portugal da zona

    disputada sob pena de serem cortadas as relaes diplomticas. Isolado, Portugal protestou, mas terminou

    por recuar e o projeto mapa cor-de-rosa foi abandonado e continente africano ficou divido como ilustra o

    mapa da Figura 05.

    http://www.enciclopedia.com.pt/articles.php?article_id=1269

  • Anais do I Simpsio Brasileiro de Cartografia Histrica 11

    Figura 05. Diviso da frica conferncia de Berlim. Fonte: (MARQUES, 1969).

    V- OS LIMITES DE MOAMBIQUE E ANGOLA

    Na Conferncia de Berlim, Portugal tinha ficado com colnias na Guin, Cabo Verde, So Tom e

    Prncipe, Angola e Moambique. Em Moambique os portugueses apenas possuam algumas feitorias

    (Tete, Sofala, Quelimane, entre outras) ao longo do rio Zambeze e na costa, entre o Maputo e o Rovuma

    (Figuras 06 e 07).

  • Anais do I Simpsio Brasileiro de Cartografia Histrica 12

    As fronteiras Sul e Norte da frica portuguesa ficaram definidas por estas duas regies. As fronteiras

    com as colnias inglesas. No planalto do Zimbbue e na regio do Lago Niassa, que no foram claramente

    delineadas. Esse fato levou a uma rivalidade entre Portugal e Inglaterra (CAPELA, 1996).

    Portugal (NEWITT; 1997) defendia que as regies do planalto da Rhodsia, entre Angola e

    Moambique, eram da sua pertena, bem como a bacia do rio Chire at ao lago Niassa. Os ingleses,

    interessados em unir a cidade do Cabo ao Cairo, diziam que as regies pretendidas pelos portugueses eram

    suas, porque tinham fora para dominar os povos daquelas zonas. A Inglaterra era uma potncia

    imperialista mais forte e poderosa que Portugal. Enviou tropas para estas regies. Os portugueses tentaram

    tambm enviar algumas tropas, mas foram vrias vezes derrotados na rea de Manica (territrio de

    Moambique).

    Em janeiro de 1890, os ingleses enviaram aos portugueses um mapa mostrando os limites entre os

    dois (Figura 07) e uma nota dando-lhes 48 horas para abandonarem as regies que estavam em disputa.

    Caso no o fizessem, os ingleses cortariam imediatamente relaes com Portugal e ocup-las-iam pela fora.

    Perante este ultimatum, os portugueses abandonaram definitivamente as suas pretenses sobre aquelas

    regies.

    Figura 06. Ocupao portuguesa centro norte de Moambique. Fonte (MARQUES, 1969).

    Figura 07. Ocupao portuguesa centro Sul de Moambique. Fonte (FEIO, 1957).

  • Anais do I Simpsio Brasileiro de Cartografia Histrica 13

    Figura 07. Os limites territorias impostos pela inglaterra a preto e a vermelho ocupao portuguesa. Fonte (MARQUES, 1969).

    O traado de fronteiras entre as colnias portuguesas e as colnias inglesas, veio a ser regulado pelo

    tratado de 11 de junho de 1891. A partir dessa altura, Moambique, Angola passaram a ter as fronteiras

    que atualmente ostentam (Figura 08).

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    Figura 08. Mapa da diviso poltica atual de frica. Fonte (IBGE, 2004).

    Para evitar que os ingleses pudessem cobiar as regies do territrio das colnias de Moambique e

    Angola, os portugueses enviaram tropas para dominarem os povos e estabelecer a ocupao efetiva.

    Comea ento uma nova fase de penetrao para o interior. A explorao deixa de ser feita pelos

    secundrios, tendo sido enviadas expedies militares que, partem de bases instaladas junto costa como

    objetivo de garantir a ocupao, controlo e explorao sistemtica e organizada de todo Moambique, em

    regime capitalista (NEWITT, 1997).

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    VI - CONCLUSO

    O continente africano antes de ser explorado e dominado pelas potncias europias era quase

    primitivo, habitado por povos de diferentes etnias (berberes, bantos, khoisan, dentro outros). As etnias

    organizavam-se em pequenos reinados dedicando-se a agricultura, a pesca, a minerao, a caa e outro

    grupo (berberes) do deserto de Sahara eram nmades.

    Desde a passagem da fragata de Vasco de Gama a caminho das ndias, tendo repousado nas guas

    calmas do canal de Moambique e deixado o slogan de terra de boa gente em 1498, portugueses, ingleses,

    holandeses, alemes, entre outros a partir de 1500 dominaram toda regio costeira, considerada ponto

    estratgico. J nos meados do sculo XIX as potncias lanaram-se para o interior do continente atravs de

    grandes expedies fluviais que resultavam em reconhecimento e mapeamento das reas de influncias.

    A ganncia pela riqueza da frica gerou, muitos conflitos entre os colonizadores e para amenizar as

    tenses foi realizada a conferncia de Berlim 1884-1885 (diviso dos territrios da frica). Deste encontro

    surgiram os limites das fronteiras da maior parte dos atuais pases.

    A delimitao das fronteiras entre Moambique e Angola s veio a acontecer quatro anos depois da

    conferencia devido ao litgio entre Portugal e Inglaterra na famosa disputa da regio do mapa-cor-de-rosa

    O conflito com a Inglaterra terminou e a dominao efetiva portuguesa iniciada em 1888 veios a

    terminar com declarao das independncias em 1974 (Guine Bissau e Cabo verde) e em 1975 (So Tom

    e Prncipe, Angola e Moambique), resultado de uma guerra sangrenta entre a coroa e movimentos

    nacionalistas das colnias.

    De modo geral, pode-se dizer que os atuais limites que circunscrevem os contornos dos territrios

    africanos foram da autoria das potncias colonizadoras atrados pelo comrcio e conhecimento de

    navegao e tcnicas de mapeamentos.

    VII - AGRADECIMENTOS

    Os autores agradecem ao Programa de Ps-Graduao em Cincias Geodsicas e Tecnologias da

    Geoinformao, da Universidade Federal de Pernambuco UFPE; ao Laboratrio de Tecnologias da

    Geoinformao, Departamento de Engenharia Cartogrfica da UFPE; e ao CNPq Conselho Nacional de

    Pesquisa pela concesso da bolsa ao mestrando Arlindo Jos Charles.

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    VIII - REFERNCIAS BIBLIOGRFICAS

    ALEXANDRE, V. (1979). Origem do colonialismo portugus 1891-1922. Editora S de Costa. Lisboa 1979.

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    Humanidades, n 22. 1989.

    BOXER; C. R. (1981). O imprio colonial portugus: 1415-1825. Lisboa Edies70. 1981.

    CAMACHO; B. (1936). Poltica colonial. In Cadernos colnias. Lisboa Editorial. 1936.

    CAPELA, J. (1996). O Ultimatum na perspectiva de Moambique: as questes comerciais subjacentes. In: actas do

    seminrio Moambique: Navegaes,comercio e tcnicas. Maputo. 1996.

    DIAS, Maria Helena; BOTELHO, Henrique Ferreira Quatro sculos de imagens da Cartografia portuguesa = Four

    centuries of images from Portuguese Cartography.2 ed. Lisboa: Comisso Nacional de Geografia, 1999.

    FEIO, M. M. (1957). A colonizao de Moambique. Lisboa 1957

    HENRIQUES, I. C. (2004). Os pilares da diferena. Relaes Portugal - frica. Sculos XV-XX. Casal de Cambra:

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    IBGE. (2004). Atlas Demogrfico Escolar. Rio de Janeiro 2004.

    MACHADO, Diogo Barbosa - Memrias para a Histria de frica. DEel-Rey D. Sebastio. Lisboa, 1751.

    MARQUES, A. H. (1969). Introduo. In Nova Histria da Expanso do Colonialismo europeu O Imperialismo em

    frica (1890-1930). Lisboa. Editora Estampa. 1969

    MOAMBIQUE. (1993). Moambique no auge do colonialismo 1930-1961. Historia de Moambique Vol.III.

    Departamento de histria. Universidade Eduardo Mondlane. Maputo. 1993

    NEWITT, M. 1997. Historia de Moambique. Nem Martins Publicaes Europa-Amrica. 1997.

    PAULME, D. As Civilizaes Africanas. Lisboa: Publicaes Europa-Amrica. 1977.

    TORRES, A. (1991). O imprio portugus entre o real e o imaginrio. Lisboa: Escher.