Chão da Escola 07

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Revista cientíifica coma rtigos sobre educação

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Em 27 de outubro de 2008 o Sindicato dos Servidores do Magistério Municipalcompletou 20 anos de atividades. A fundação da entidade ocorreu três semanas depoisda promulgação da Constituição Federal, onde os servidores públicos de todo o paísconquistaram o direito de se organizarem em sindicatos.

Mas a luta do magistério municipal de Curitiba na defesa dos seus direitos vemdesde muito antes. No ano de 1971, em plena ditadura militar, professores fundaram aAPMC (Associação dos Professores Municipais de Curitiba). Não resistiu à repressão e,cerca de dois anos depois, já não existia mais.

Com a redemocratização e a reorganização sindical protagonizada pelos trabalha-dores brasileiros, a categoria voltou a se mobilizar em torno de uma associação, aAMMC (Associação do Magistério Municipal de Curitiba), criada em 1979.

Esta entidade serviu de base para o que viria ser o Sismmac, nove anos depois, epossibilitou a rápida organização dos professores em torno do sindicato.

Hoje o Sismmac já tem duas décadas de lutas. É uma entidade sindical com fortelegitimidade junto à base da categoria porque encaminha suas ações em estreita interaçãocom os professores.

Se as lutas por melhores salários e por condições dignas de trabalho marcam aatuação sindical, outro viés que respalda o sindicato e o integra ao cotidiano da escolaé a preocupação em fomentar o debate pedagógico.

Um dos meios para se realizar este trabalho é a revista Chão da Escola, publicaçãoanual que chega à sua sétima edição. Resulta de um trabalho coletivo que busca, naarticulação entre estudos de profissionais de redes públicas de ensino e de academias,contribuir para a reflexão científica da prática pedagógica.

A revista Chão da Escola é indexada e tem registro ISSN – International StandartSerial Number (Número Internacional Normalizado para Publicações Seriadas) na bibli-oteca do INEP – Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira.

É com essa seriedade que direções e sindicalizados do Sismmac por décadas vêmrealizando seu trabalho.

Boa leitura.

Apresentação

A direção do Sismmac

3novembro 2008

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Direção sindicalGestão É tempo de resistir e conquistar

COORDENAÇÃO POLÍTICAAlda do Perpétuo M Sampaio (Sismmac)Lorici Kuhn Corsi (Sismmac)

COORDENAÇÃO DE FORMAÇÃODiana Cristina de Abreu (Sismmac)Rafael Alencar Furtado (Sismmac)Silmara Ayres de Carvalho (Sismmac e EM Álvaro Borges)

COORDENAÇÃO INSTITUCIONALAna Denise Ribas de Oliveira (Sismmac)Suely Chalegre Barbosa (Sismmac)

COLETIVO DAS COORDENAÇÕESAline Chalus Vernick Carissimi (EM Paulo Freire)Ana Lorena de Oliveira Bruel (CEI José Lamartine)Beatriz Schelbauer do Prado Gabardo (EM Maria Augusta Giove)Edicleia Regina Martins (EM Michel Khury)Glacelise Cordeiro Brites (????? )Juliana de Souza (EM Anita Merhy Gaertner)Lezi MR de Almeida (CEI José Cavallin / EM Cecília Westephalen)Luciana Szenczuk (EM Madre Antônia)Maíra Beloto de Camargo (CEI Bela Vista do Paraiso)Maria Emilia Martins (EM Colonia Augusta)Regina Klingenfus Scheibe (EE Ali Bark)Rogerio Andriano Lau (EM João Cabral de Melo Neto)Simeri de Fátima Ribas Calisto (EM Parigot de Souza)Vanessa Simas (EM Maria Marli Piovezan)

CONSELHO FISCALCláudia Maria Daufenbach (Aposentada)Douglas Danilo Dittrich (EM Sady Sousa)Fabíola Beatriz Franco de Sousa (CEI Ritta Anna de Cassia)Jorge Miguel Malheiros (EM Mirazinha Braga)Dalva F Zimmermann (CMAE Iva de Abreu / EM Herley Mehl)Doralice de Andrade (Aposentada)Joselis Graciano (EM Theodoro de Bona)Rita de Cassia G Waldrigues Viana (EM Profa. Marli Provezan)

Conselho EditorialAndréa Barbosa GouveiaLigia Regina KleinRafael de Alencar FurtadoRegina MichelottoRegina ScheibeRosicler Goedert

Edição:Luiz Herrmann (DRT-2331)

Editoração gráfica:Excelência Comunicação

Impressão:XXXXX

4 novembro 2008

Revista Chão da Escola - Publicação anualEdição nº 07 - Novembro de 2008

ISSN 1980-4679

Sindicato dos Servidores do Magistério Municipal de CuritibaAl. Dr. Muricy, 54, 10º and., Centro, 80.010-120 - Curitiba, ParanáFone/fax (41) 3225-6729,www.sismmac.org.br - [email protected]

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A “Cidade Educativa” e as novas lógicas espaciais escolaresMaria Rosa Chaves Künzle

A violência e suas complexidades: reflexões para educadoresAdriana Cristina Araújo

Soledad FernandezJoyce Kelly Pescarolo

Marcos Alan Viana

Amar se aprende amando! Ler e escrever se aprende lendo,escrevendo... e pensando!

Sandra Bozza

Para além da visão simplista de apenas um ano a maisno Ensino Fundamental

Cristina Rolim Chyczy Bruno

A escolarização básica brasileira em mudançaGiselle Corrêa Nienkötter

Dentre os vários Gramsci, um educador socialista!Armenes de J. Ramos Jr.

A gestão da educação pela erspectiva de GramsciSarita Aparecida de Oliveira Fortunato

Como identificar e trabalhar com crianças que apresentam TDA/HAna Grace Costa Bortolini

Claudia Mara Soares da SilvaLis Andréia Bassi

Índice

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O objetivo deste texto é lan-çar alguns elementos para deba-ter o conceito de “Cidade do Co-nhecimento” ou “Cidade Educa-tiva”, que vem sendo cada vezmais utilizado, principalmente,pelos poderes públicos. Como sa-bemos, a arquitetura e os espa-ços escolares são organizados deacordo com as funções que a es-cola assume em diferentes mo-mentos históricos. O conceito deCidade Educativa aparece comouma proposta de configuraçãoespacial para um novo projetoeducacional. Queremos discutirtal conceito, que carrega muitossignificados e, conseqüentemen-

te, está aberto a muitas apropri-ações. Por isso, é importante queestejamos atentos para o tipo deuso que dele pode ser feito.

Todos sabemos como algu-mas bandeiras caras à uma edu-cação progressista são apropria-das pelo poder econômico. Estasidéias são ressignificadas, desfi-guradas, e colocadas em práticapor políticas governamentais detal modo que garantam pelo me-nos os objetivos de economizaro máximo com a educação ecolocá-la a serviço dos interessesdas elites. Já foi assim com te-mas como ciclo básico1 e inclu-são. Pode ser assim com a idéia

A “Cidade Educativa” e as novaslógicas espaciais escolares

de Cidade Educativa.Cidade do Conhecimento é

o nome da página eletrônica daPrefeitura de Curitiba que tratada educação. A maior parte delase ocupa da educação escolar,mas aparecem outros programase atividades que as escolas ofe-recem para a comunidade. Escu-tamos esta expressão pela pri-meira vez pelo jornalista Gilber-to Dimenstein2 e, mais recente-mente, numa entrevista por umaassessora técnica da Secretaria daEducação de Belo Horizonte. Apartir de então começamos a ob-servar que a expressão vinha se“espalhando”. Governos de vá-

Maria Rosa Chaves Künzle

Nos últimos séculos a escola foireconhecida como um espaçodisciplinador com limites bemdelineados. Servia para a reproduçãodo conhecimento pela perspectivaburguesa. Até a arquitetura eraconcebida como forma de vigiar econtrolar a formação do indivíduo.O conceito de cidade educativa buscaextrapolar esses limites, usandoespaços alternativos. Há aspectosaltamente positivos, como a interaçãoda escola do século XXI com acomunidade. Mas há o risco de esvaziara função da escola e repassar verbaspúblicas para instituições privadas.Com o avanço tecnológico, o capitalnão necessita mais delimitar o espaçopara estabelecer seu controle.

RESU

MO

1. Para conhecer como a implantação do ciclo básico em Curitiba correspondeu aos interesses da administração, ver adissertação de mestrado de Maria Aparecida Silva, intitulada “A análise da implantação da Escola Organizada em Ciclos deAprendizagem na Rede Municipal de Curitiba”. Programa de Pós-Graduação em Educação, UFPR, 2006.2. Gilberto Dimenstein foi o fundador de uma ONG “Cidade Escola Aprendiz”, na cidade de São Paulo, que desde 1997“experimenta, aplica e dissemina o conceito de educação comunitária, se propondo a ser um amplo espaço educativo,estruturado por uma rede que une toda a comunidade, amplia as possibilidades de aprendizagem e melhora a qualidade devida urbana. Oferece cursos e publicações voltados para educadores e gestores de escolas públicas e outras instituições”. Paraconhecer mais, acessar www.cidadeescolaaprendiz.org.br. Entre seus parceiros figuram instituições públicas, universidadespúblicas e particulares, empresas privadas e outras ONGs.

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DA SOCIEDADE DISCIPLINARÀ ATUAL REESTRUTURAÇÃODO TRABALHO

Sabemos que um dos prin-cipais elementos da nossa cultu-ra escolar são os espaços escola-res. Longe de serem acidentais,são parte integrante da organi-zação e do projeto escolar. Sãobem conhecidas as elaboraçõesde Foucault sobre o papel quedesempenhou a organização es-pacial das instituições na insta-lação da sociedade moderna,cujo objetivo principal era tor-nar os corpos acessíveis e disci-plinados, obedecendo a uma ló-gica econômica, “na medida emque a disciplina funciona mini-mizando a força política e maxi-mizando a força útil ou de tra-balho”3.

rias tendências, intelectuais e téc-nicos em educação de diferentesorigens políticas e partidárias jáa estavam utilizando.

A idéia básica de CidadeEducativa é mais ou menos a daeducação como um fenômenosocial que acontece nos diferen-tes espaços e nas diferentes ins-tituições. A escola, mesmo sen-do o local privilegiado para aaprendizagem, não é o único.Crianças, jovens ou adultos, to-dos nós aprendemos o tempotodo, nos diferentes lugares. Afamília, o bairro, a igreja, a co-munidade, enfim, têm papel im-portante na educação, na trans-missão de informações e naaprendizagem. Em muitos espa-ços fora da escola são favoreci-das experiências e aprendizagenssignificativas, que poderiam in-clusive, ser melhor aproveitadaspela escola. Esta idéia não é novae também não é má. De fato,aprendemos muitas das experi-ências constitutivas de nossas per-sonalidades fora da escola, emespaços não formais. Mas o con-ceito de Cidade Educativa vaialém de simplesmente reconhe-cer que as pessoas aprendem nosmais diferentes locais. A idéiaque vem tomando corpo é a de“parcerias” entre o poder públi-co e uma rede de instituições ex-ternas à escola, que poderíamoschamar de “paraescolares”. Nes-tes espaços, as crianças e os jo-vens teriam acesso a atividadesartísticas, esportivas e culturaisque, no âmbito apenas da esco-la, não seriam possíveis pela fal-ta de equipamentos, infra-estru-tura, pessoal especializado, etc.

A novidade da Cidade Edu-cativa, tal como ela está se dese-nhando, reside na concepçãoampliada de comunidade comoespaço de aprendizagem e no

papel reservado ao Estado. Asperguntas que fazemos sãoquem serão os parceiros do Esta-do na execução destas ativida-des? O próprio poder público,através de ações entre secretari-as, ou empresas privadas e ONGsque ganharão recursos para tra-balhar com as crianças? Qual aparte de investimentos que ca-berá a cada parceiro? O quemuda nos currículos e na orga-nização cotidiana da escola coma descentralização das ativida-des? Quem vai trabalhar com ascrianças e jovens nestes espaçosfora da escola: funcionários pú-blicos, trabalhadores das institui-ções ou voluntários? São muitasquestões que deverão ser respon-didas, com esta ampliação dosespaços de aprendizagem, talcomo está se configurando.

3. Veiga-Neto, Alfredo - Espaços, tempos e disciplina: as crianças ainda devem ir à escola? pag.13. in: CANDAU, V.M. -Linguagem, espaços e tempos no ensinar e aprender. RJ, DpeA, 2000. Segundo o autor, a noção de econômico refere-se à“obtenção dos maiores resultados, em termos de lucros, bens, afetos, saberes, etc, a partir dos menores custos ou investimen-tos”.

No início do século XX, os edifíciosescolares expressavam os valores da

República recém-inaugurada.Eram os “palácios da instrução”

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As novas tecnologiascontrolam os

indivíduos nosdiversos lugares.O famoso “sorria,você está sendofilmado” é uma

maneira de controlarnossas ações

Como explicou Foucault, es-tas instituições serviram comouma rede de vigilância e de cor-reção:

“a polícia para a vigilância, asinstituições psicológicas, psiquiátri-cas, criminológicas, médicas, peda-gógicas, para a correção. É assimque, no século XIX, desenvolve-seem torno da instituição judiciária epara lhe permitir assumir a funçãode controle dos indivíduos ao nívelde sua periculosidade, uma gigan-tesca série de instituições quevão enquadrar os indivíduos aolongo de sua existência; institui-ções pedagógicas como a escola,psicológicas ou psiquiátricascomo o hospital, o asilo, a polí-cia...”4

Assim foi ocorrendo a lon-ga e paulatina instauração dasociedade disciplinar, onde ossujeitos foram pensados nasinstituições e por elas. Esta so-ciedade disciplinar promoveuuma “ortopedia social” eusou, entre outras estratégias,uma “arquitetonização” e umplanejamento do espaço,construindo paisagens e pré-dios com as intenções puniti-vas, produtivas e educativas.A forma arquitetônica privile-giada foi a do panóptico5. Emcada uma das celas havia umsujeito a ser vigiado, “umacriança aprendendo, um ope-rário trabalhando, um prisio-neiro se corrigindo, um loucoatualizando sua loucura...6.”Mesmo sendo impossível vigi-ar a todos, era importante queas pessoas pensassem que es-tavam sendo vigiadas ou quenão soubessem quando seriam

vigiadas.Deu-se, neste processo, o de-

senvolvimento de uma lógica ar-quitetônica especificamente es-colar, para cumprir os objetivosda educação. Escolano nos mos-tra como a arquitetura se tornouum programa escolar:

“A arquitetura escolar é tam-bém, por si, um programa, uma es-pécie de discurso que institui na suamaterialidade um sistema de valo-res, como os de ordem, disciplina e

vigilância, marcos para a aprendiza-gem sensorial e motora... é umconstructo cultural que expressa ereflete determinados discursos... éum elemento significativo do currí-culo, uma fonte de experiência eaprendizagem”.7

A escola assumiu sua funçãode disciplinar sem se confundircom as outras instituições. Apre-sentou-se como um centroirradiador de cultura para prepa-rar as novas gerações e o prédio

escolar tornou-se símbolo dacivilização – um Templo doSaber – incorporando os prin-cípios do higienismo no sécu-lo XIX e, mais tarde, os pre-ceitos contemporâneos doconforto e da tecnologia:

“Sua localização, volume,traço geométrico, sinais que o seudesenho mostra, os símbolos queincorpora tornam inconfundívelseu objetivo e permitem sua fá-cil identificação... o esforço leva-do a cabo pelos políticos e técni-cos por definir o modelo (ou mo-delos) de arquitetura escolar,cumpriu não só uma função pe-dagógica, mas também um ob-jetivo cultural de primeira mag-nitude ao criar um dos símbolosque melhor aglutinam a consci-ência coletiva das populações esua própria identidade... a cria-ção e difusão desses símbolostransmitem um certo ethos emfavor da modernização nacio-nal”8.

No Brasil, no início do sé-culo XX, os edifícios escolaresexpressavam os valores da Re-pública recém-inaugurada.Mostravam a vontade do go-verno em divulgar as suasações e propagar os ideais do

4. Foucault, Michel – A Verdade e as Formas Jurídicas, Rio de Janeiro, NAU Editora, 1999, pág. 86.5. Concebido pelo filósofo inglês Jeremy Bentham, em 1791, o panóptico é uma construção circular, com janelas para umcentro, onde se posicionaria um observador. Em cada uma das janelas, deveria ficar um indivíduo a ser observado. Graças aeste sistema de vigilância, o panóptico, serviu para os mais diversos propósitos, sendo a forma privilegiada de presídios,hospitais e escolas.6. Foucault, M. Op.Cit, pág. 877. Escolano, Agustin e Frago, Antonio Viñao – Currículo, espaço e subjetividade: a arquitetura como programa. Rio deJaneiro, DP&A, 1998. pág. 268. Idem. Página 34.

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novo regime. Eram os “paláciosda instrução”:

“... os novos espaços escolaresforam necessários para acolher o en-sino seriado, permitir os ditames hi-giênicos do fim do século XIX, facili-tar a inspeção escolar, favorecer aintrodução do método indutivo e dis-seminar a ideologia republicana...”9.

Bencostta também mostraesta questão:

“Um edifício próprio para aescola: eis uma importante ques-tão que os poderes públicos ti-veram de enfrentar diante docomprometimento discursivoque coroava a instrução escolarcomo uma das principais colunasde sustentação da civilização. Domesmo modo que para ser pro-fessor era necessário alguém qua-lificado, também se tornou in-dispensável um espaço e um edi-fício próprios... Neste sentido, oespaço escolar seria um lugar quedeveria ser demarcado como tale fragmentar-se internamenteem uma variedade de usos e fun-ções de natureza produtiva, sim-bólica e disciplinadora10.”

Outro aspecto importantedesta lógica disciplinadora e queestá relacionado com o espaçoescolar são os tempos escolares11.Organizado também de manei-ra utilitarista e econômica, otempo e os ritmos foram pensa-dos para a eficiência e produti-vidade. Trata-se do famoso “tem-po é dinheiro”. As normas disci-plinares em relação ao tempoimplementam a ordem, a regu-laridade e a pontualidade, paraa formação de hábitos que na fá-brica se traduzem como hábitosde produção e na escola em há-

bitos de estudo. Há uma comple-xidade no controle do tempo,com calendários e relógios cadavez mais precisos, coordenandocada segundo da vida cotidiana.A este controle do tempo e seucaráter utilitário, para fins deprodução, soma-se a idéia de“progresso” que é o fundamen-to ideológico da sociedade in-dustrial. O futuro passa a ter maisimportância que o presente e afunção da escola é a preparaçãodas crianças para um futuro, quedeve ser cada vez “melhor”, ouseja, a escola deve preparar cri-anças e jovens para alcançar umaboa posição no mercado de tra-balho. Como mostra Tuma:

“O disciplinamento temporalna escola tem sua projeção no futu-

ro, pois a escola tem expectativasem seu investimento na conforma-ção da criança. Espera-se que ‘ama-nhã a criança seja uma pessoa pre-parada para a vida... Se ela nãoaprender a se controlar desde pe-quena, o que ela vai fazer na horaem que crescer”?12

Controlar o tempo “produ-tivo” de crianças e jovens ecolocá-los num só espaço, volta-do para a disciplinarização, foium traço constitutivo da escolaem nossa sociedade moderna.Para alguns autores, porém, estaescola disciplinadora, que exigeum espaço específico para a for-mação do cidadão republicano,está acabando. Os Templos de Sa-ber, que surgiram no Brasil nastrês primeiras décadas do século

9. Silva, Elizabeth Poubel – O Florescer de uma cultura escolar no ensino público Mato-Grossense. in: VIDAL, Diana Gonçalves(org.) – Grupos Escolares – Cultura escolar primária e escolarização da infância no Brasil (1893-1971). Campinas, SP, Mercadode Letras, 2006. Pág. 22510. Bencosta, M.L.A. - Arquitetura e espaço escolar: reflexões acerca do processo de implantação dos primeiros gruposescolares em Curitiba (1903-1928). In: Educar em Revista, Curitiba, n.18, 2001, Editora da UFPR. Pág 111.11. As propostas de Cidade Educativa também devem alterar os tempos escolares, uma vez que as crianças deverão dividir otempo entre a escola e as atividades fora dela. As propostas mais veiculadas indicam o período integral, ou seja, as crianças freqüentam a escola num turno e participam das outras atividades no contraturno.12. Tuma, Magda Madalena – Tempo Disciplinar Escolar: Representações de Professoras. In: De Rossi, Vera Lúcia e Zamboni,Ernesta (orgs.) - Quanto Tempo o Tempo Tem! Campinas, Alínea Editora, 2003, pág 234.

A sociedade disciplinar construiu prédios comintenções punitivas, produtivas e educativas.

A forma privilegiada foi a do panóptico.Em cada cela havia um sujeito a ser vigiado

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XX, com toda a sua simbologiae monumentalidade, não forammais construídos. A grande esco-larização dos anos de 1970 e 80foi um período de muitas cons-truções escolares, mas que obe-deceram os ditames da economiade gastos e da rapidez. E hoje,estamos falando em descentrali-zação, em tirar as crianças do es-paço restrito da escola e utilizaros espaços da “comunidade”.Por que esta mudança de orien-tação em relação aos espaços es-colares?

Para muitos autores de ori-entação deleuziana, a sociedadeda disciplina está sendo substi-tuída gradativamente pela cha-mada “sociedade do controle”.Veiga-Neto usa a expressão“empalidecimento da escolacomo a grande instituição disci-plinar”13. Graças ao desenvolvi-mento tecnológico, a escola(como outras instituições) vemperdendo suas antigas funçõesporque não há mais necessidadede reunir os sujeitos e discipliná-los num só espaço e a um só tem-po. As novas tecnologias contro-lam os indivíduos nos mais di-versos lugares. O famoso “sorria,você está sendo filmado” é umadas maneiras de controlar nos-sas ações, que serão seguidas porcircuitos fechados de televisão,

satélites, monitoramento de e-mails e implantações de “chips”de localização (potencializadospela nanotecnologia), entre ou-tras. Hoje, o controle tecnológi-co excessivo permite ao sistemadeixar o aluno fora da escola eele continua sendo um sujeitodócil para a produção. Comoafirma Veiga-Neto:

“Talvez não seja mais necessá-rio que a escola panóptica seja o lu-gar pelo qual devam passar todasas crianças a fim de aprenderem aviver nos espaços e nos tempos queo mundo quer colocá-las. Isto nãoquer dizer que estamos livres dopoder disciplinar... talvez não preci-semos mais da escola como máqui-na panóptica porque o próprio mun-do se tornou uma imensa máquinapanóptica...14”

Existe um correspondentedeste processo no mundo do tra-balho. O “toyotismo”, com suaautomação, não necessita tantodo espaço da fábrica para toda aprodução. Trabalha-se onde umcomputador esteja acessível. Ou-tras “qualidades” são exigidas dotrabalhador: criatividade, espíri-to de equipe, iniciativa, partici-pação, capacidade de tomar de-cisões, flexibilidade. Aquele tra-balhador disciplinado do séculoXIX foi substituído pelo “colabo-rador” que (pensa que) partici-

pa de algum processo de gestãoda empresa, de decisões que an-tes eram restritas à “chefia”. Asprincipais decisões, entretanto,vêm dadas pelo centro do capi-tal, pelas grandes corporações).O trabalhador tem seu espaço etempo privados controlados pelaprodução.

Este processo produtivo teveimportantes repercussões na es-cola. Basta lembrar das discussõessobre a Pedagogia das Competên-cias, que passou a prescrever parao currículo escolar o ensino denovas habilidades úteis para omercado reestruturado.

Além da formação do novotrabalhador flexível, será precisoredobrar a atenção para uma ou-tra função que a escola pode serchamada a assumir: a formaçãodo sujeito-consumidor, figuracentral para a sociedade atual.Gincanas patrocinadas por empre-sas, salas de aula ornadas com pla-cas de refrigerantes e outdoorscom publicidades fixados nosmuros escolares15, nos fazem refle-tir sobre as funções do espaço es-colar hoje. Corremos o risco dever empresas financiarem as es-colas com suas marcas (comoacontece com o futebol), para ob-terem retornos financeiros.

Diante da atual ofensiva docapital, o espaço e os tempos es-colares continuam sendo pensa-dos em sua função formadora.Se antes eram exaltados os ide-ais republicanos e nacionais vi-sando um sujeito disciplinado eprodutivo, agora o interesse é olucro das grandes corporações,através do trabalhador ultrapro-dutivo e do sujeito-consumidor.Do aluno milimetricamente vigi-

13. Veiga-Neto, Alfredo: Espaços, Tempos e Disciplinas: as crianças ainda devem ir à escola? in: Candau, V.M. - Linguagem,espaços e tempos no ensinar e aprender. RJ, DpeA, 2000. Pág. 1814. Veiga-Neto. Op.Cit, página 1815. Isto já acontece. No Estado de São Paulo, uma lei de 1991 facultou às escolas o direito de alugar suas fachadas paraempresas colocarem cartazes. O dinheiro é destinado à Associação de Pais e Mestres. Numa pesquisa que fizemos na internetcom imagens sobre os espaços escolares, encontramos uma gincana patrocinada pela coca-cola numa escola nos EUA, ondehavia cartazes espalhados pela sala e uma garrafinha do refrigerante na mesa de cada aluno. Ver o endereço eletrônico http://blogadouro.blog.uol.com.br/arch2005-09-01_2005-09-03.html

O que aprendemos fora das instituiçõesformais pode reverter em fator de autonomiae libertação das amarras estreitas ereprodutoras que persistem nas escolas

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ado ao “colaborador-consumi-dor” atual, houve importantesmudanças no espaço escolar, quese abre agora em novas frontei-ras na Cidade Educativa.

A Conferência de Jontiem ea presença do empresariado

No final do século XX ocor-reram grandes conferências in-ternacionais que discutiram aeducação do mundo a partir deum ponto de vista neoliberal.Uma das mais importantes foi aConferência de Jontiem, naTailândia, em 1990, onde foi ela-borado o Plano Educação ParaTodos, contendo algumas indica-ções de como os países “em de-senvolvimento” deveriam cum-prir metas educacionais taiscomo: o fim do analfabetismo,a universalização da educaçãobásica, a formação continuada,entre outras. Além dos governos,participaram desta conferência150 Organizações Não-Governa-mentais. Já aparece delineada,neste momento, a idéia de queera necessário um esforço detoda a sociedade para o cumpri-mento das metas e uma parteimportante do documento é de-dicado à forma como os gover-nos deveriam “Estruturar Alian-ças e Mobilizar Recursos”. Noartigo 7 dos Objetivos aparece aseguinte prescrição:

“As autoridades responsáveispela educação têm a obrigaçãoprioritária de proporcionar educa-ção básica para todos. Não se pode,todavia, esperar que elas supram atotalidade dos requisitos humanos,financeiros e organizacionais neces-sários a esta tarefa. Novas e cres-centes articulações e alianças serãonecessárias em todos os níveis, en-tre todos os subsetores e formas deeducação, reconhecendo o papel es-pecial dos professores, dos adminis-tradores e do pessoal que trabalhaem educação, entre as organizaçõesgovernamentais e não-governa-

mentais, com o setor privado, comas comunidades locais, com os gru-pos religiosos, com as famílias... Ali-anças efetivas contribuem para oplanejamento, implementação, ad-ministração e avaliação dos progra-mas de educação básica. (Grifosmeus)

No item 1.6 do capítulo 1,intitulado “Ação Prioritária emNível Nacional” aparece maisuma vez:

“Na definição do plano de açãoe na criação de um contexto de po-líticas de apoio à promoção da edu-cação básica, seria necessário pen-sar em aproveitar ao máximo asoportunidades de ampliar a colabo-ração existente e incorporar novosparceiros como, por exemplo, a fa-mília, as organizações não-governa-mentais, associações de voluntári-os, sindicatos de professores, outrosgrupos profissionais, empregado-res, meios de comunicação, partidospolíticos, cooperativas, universida-des, instituições de pesquisa e orga-nismos religiosos, bem como auto-ridades educacionais e demais ser-viços e órgãos governamentais (tra-balho, agricultura, saúde, informa-ção, comércio, indústria, defesa,etc.). Os recursos humanos eorganizativos representados porestes colaboradores nacionais deve-rão ser eficazmente mobilizadospara desempenhar seu papel naexecução do plano de ação. A par-

ceria deve ser estimulada aos níveiscomunitário, local, estadual, regio-nal e nacional, já que pode contri-buir para harmonizar atividades,utilizar os recursos com maior efi-cácia e mobilizar recursos financei-ros e humanos adicionais, quandonecessário”. (Grifos meus)

Vimos como há um apelo àparticipação dos vários setoressociais para colaborarem com oEstado na tarefa educativa deampliação da educação básica. Oobjetivo é proporcionar maiordesenvolvimento para tirar ospaíses pobres de seus péssimosíndices econômicos e sociais, umproblema para o capitalismo.

Assim, vários setores come-çaram a se mobilizar para “dis-ponibilizar” serviços educacio-nais, inclusive bancos privados,empresas nacionais e estrangei-ras, fundações, etc. Banco Itaú,Fundação Ayrton Senna, Voto-rantim, Cia Vale do Rio Doce,Petrobrás, Rede Globo e muitasoutras, abriram linhas de crédi-to, fizeram campanhas, mobili-zaram voluntários para apoiarprojetos na área da educação eda cultura, dentro do espírito daEducação Para Todos de Jontiem.

Na página eletrônica da Se-cretaria de Estado da Educaçãodo Paraná, no mês de agosto de2008, aparecia com destaqueuma reunião entre o Núcleo Re-

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gional de Educação de Maringáe a Federação das Indústrias doParaná, para a organização demais uma “Cidade Pela Educa-ção”16. Havia um link para o sí-tio eletrônico “Cidades pelaeducacao” que remetia para aUNINDUS, uma organização res-ponsável pelos programas edu-cacionais da FIEP.

A partir destes “indícios” pas-samos a nos questionar por queempresas, que buscam o lucro,passam a se preocupar com a edu-cação nacional? Isto acontece deforma benevolente e desinteres-sada, sem nenhum retorno? Emnome de um projeto de desen-volvimento nacional? Diante des-te quadro devemos ficar atentos.Mais do que simplesmente des-centralizar as atividades escolares,o conceito de Cidade Educativaestá trazendo uma onda de par-cerias que pode beneficiar muitomais o setor privado – através decaptação de verbas públicas–, doque aqueles que precisam da edu-cação pública. Se não for organi-zada para atender os interessesdos trabalhadores, será novamenteo capitalismo que sai fortalecido.

É possível uma CidadeEducativa emancipadora?

Descentralizar as atividadesescolares utilizando outros espa-ços pode ser o movimento damoda neste momento, mas tam-bém pode ser um bom movimen-to. Talvez, a longo prazo, hajamesmo menor necessidade em seconstruir escolas (com a diminui-ção da população infantil); tal-vez a arquitetura escolar devamudar oferecendo mais labora-tórios, auditórios e quadras es-portivas do que salas de aula. Tal-vez devamos tirar as crianças eos jovens da escola imobiliza-

dora, esquadrinhada em salas efilas de carteiras para levá-los abibliotecas, teatros, estádios,fazer trabalhos de campo e par-ticipar de maneira intencionale organizada da vida comuni-tária..

Quando foi secretário daEducação de São Paulo, em1989, Paulo Freire abria a possi-bilidade da aprendizagem acon-tecer em diferentes espaços:

“A marca que queremos im-primir coletivamente às escolasprivilegiará a associação da educa-ção formal com a educação não-formal. A escola não é o único es-paço de veiculação do conhecimen-to. Procuraremos identificar ou-tros espaços que possam propiciara interação de práticas pedagógi-cas diferenciadas de modo a possi-bilitar a interação de experiências.Consideramos também práticaseducativas as diversas formas dearticulação que visem contribuirpara a formação do sujeito popu-

lar enquanto indivíduos críticos econscientes de suas possibilidades deatuação no contexto social”.17

Se quisermos mudar o espa-ço escolar, precisamos fazer istode maneira organizada e rebelde,como nos ensina István Meszáros.Em seu livro “A Educação paraalém do Capital”, o autor apre-senta um item denominado “Aaprendizagem é a nossa própriavida, desde a juventude até a ve-lhice”, onde mostra que tambémé importante o que aprendemosfora das instituições formais, poisisto pode reverter em fator de au-tonomia e libertação das amarrasestreitas e reprodutoras que ain-da persistem nas instituições es-colares. Devemos desatar a esco-la formal da lógica do capital aque ela está submetida e nos abrirpara novas alternativas:

“... os princípios orientadores daeducação formal devem ser desatadosdo seu tegumento da lógica do capi-tal, de imposição de conformidade, e

16. www.cidadespelaeducacao.org.br17. Freire, Paulo – A Educação na Cidade São Paulo, Cortez, 2005, 7ª edição, página 16.

12 novembro 2008

Esperamos que aCidade Educativa

não seja umsimples repassarde verbas para o

setor privado emuito menos

uma forma doEstado se

desvencilhar desuas obrigações

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REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

BENCOSTTA, M.L.A. - Arquitetura e espaço escolar: reflexões acerca do processo de implantação dos primeirosgrupos escolares em Curitiba (1903-1928). In: Educar em Revista, Curitiba, n.18, 2001, Editora da UFPR.ESCOLANO, Agustin e FRAGO, Antonio Viñao – Currículo, espaço e subjetividade: a arquitetura como programa. Riode Janeiro, DP&A, 1998.FOUCAULT, Michel – A Verdade e as Formas Jurídicas, Rio de Janeiro, NAU Editora, 1999.FREIRE, Paulo – A Educação na Cidade. São Paulo, Cortez, 2005, 7ª edição.MÉSZÁROS, István – A Educação para além do Capital. São Paulo, Boitempo, 2005.SILVA, Elizabeth Poubel – O Florescer de uma cultura escolar no ensino público Mato-Grossense. in: VIDAL, DianaGonçalves (org.) – Grupos Escolares – Cultura escolar primária e escolarização da infância no Brasil (1893-1971).Campinas, SP, Mercado de Letras, 2006.TUMA, Magda Madalena – Tempo Disciplinar Escolar: Representações de Professoras. In: DE ROSSI, Vera Lúcia eZAMBONI, Ernesta (orgs.) - Quanto Tempo o Tempo Tem! Campinas, Alínea Editora, 2003VEIGA-NETO, Alfredo – Espaços, tempos e disciplina: as crianças ainda devem ir à escola? in: CANDAU, V.M. -Linguagem, espaços e tempos no ensinar e aprender. Rio de Janeiro, DpeA, 2000.

em vez disso mover-se em direção aum intercâmbio ativo e efetivo compráticas educacionais mais abran-gentes. Sem um progressivo e consci-ente intercâmbio com processos de

educação abrangentes como a nossaprópria vida, a educação formal nãopode realizar as suas aspiraçõesemancipadoras. Se, entretanto, oselementos progressistas da educação

Maria Rosa Chaves Künzleé doutoranda em Educação na linha de

História e Historiografia da Educação (UFPR)

18. Meszaros, István – A Educação para além do Capital. São Paulo, Boitempo, 2005, página 58.

13novembro 2008

formal forem bem sucedidos em re-definir a sua tarefa num espírito ori-entado em direção à perspectiva deuma alternativa hegemônica à or-dem existente, eles poderão dar umacontribuição vital para romper a lógi-ca do capital, não só no seu próprio elimitado domínio como também nasociedade como um todo”.18

Esperamos que a CidadeEducativa não seja um simplesrepassar de verbas para o setorprivado, nem educar para a so-ciedade de consumo, nem umamoda em se criar ONGs (um“onguismo”) e muito menosuma forma do Estado se desven-cilhar de suas obrigações com aclasse trabalhadora. Não quere-mos que o capitalismo continueflorescendo graças à educação.Queremos todos os espaços,para todos, todo o tempo: o es-paço da escola, da rua, do bair-ro, da cidade e do mundo, paraque crianças, jovens e adultospossam aprender com alegria,com liberdade de movimento ede pensamento, para construirum mundo melhor.

Page 14: Chão da Escola 07

O presente artigo nasceu apartir do trabalho1 cotidiano re-alizado com profissionais da áreade Educação. Tal trabalho tem-nos mostrado que, antes de pro-por estratégias para o desenvol-vimento de uma cultura de paznas escolas, é necessário propici-ar, principalmente aos profissio-nais, uma ampla reflexão sobre a

A violência e suas complexidades:reflexões para educadores

questão da violência, pois fre-qüentemente verificamos que aforma como pensam o fenôme-no e suas causas impede queações eficazes sejam implemen-tadas e bem sucedidas. O desco-nhecimento do tema inevitavel-mente conduz a pensar medidasque, além de ineficazes, muitasvezes acabam por agravar e/ou

aumentar episódios de violênciana escola. Desta forma, ao pen-sar o conceito de violência deforma mais ampla, possibilitamosà comunidade escolar a busca porestratégias menos midiáticas emais realistas.

O fenômeno da violênciatem ocupado não só nos meiosacadêmicos, mas também no

Adriana Cristina Araújo, Soledad Fernandez,Joyce Kelly Pescarolo e Marcos Alan Viana

A exploração do tema da violência pela mídia reproduz em demasia o senso comum.Não há uma causa absoluta para um ato de violência, mas múltiplas causas, que nãodevem ser observadas isoladamente. Eis a importância dos profissionais daeducação buscarem uma compreensão mais profunda sobre as expressõescomplexas da violência na história e na nossa sociedade. Em primeiro lugar deve-seconsiderar que conflito não se opõe à idéia de paz. Ao educador cabe saber lidarcom o conflito e atuar pela socialização dos indivíduos, pois firmar laços sociais eafetivos é um meio de se reduzir a violência.

1. A Associação Projeto Não-Violência Brasil (APNVB) é uma ONG que atua na área de violência escolar há 10 anos. Nossotrabalho tem como objetivo propiciar às escolas e à comunidade escolar estratégias para fomentar e desenvolver uma culturade paz. Para tanto, realizamos desde capacitação de profissionais da escola, passando por programas com alunos de váriasfaixas etárias, até a promoção de uma maior participação e parceria dos pais nas questões escolares.

RESU

MO

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senso comum, lugar de destaquee preocupação. Tendo em vistaessa ampla abordagem do temanos mais diferentes meios, tor-na-se cada vez mais essencialcompreendê-lo de forma criterio-sa, principalmente na escola, poisali é o lugar privilegiado para odesenvolvimento da sociabilida-de e da cidadania dos jovens. Tallugar deve sempre primar porum ambiente no qual as relaçõesde conflito, comuns a todo con-vívio humano, sejam compreen-didas e resolvidas de forma pa-cífica e construtiva.

Quando falamos em violên-cia e de sua relação com a edu-cação, rapidamente compomosum quadro mental no qual situ-amos os produtores da violênciade um lado e, conseqüentemen-te, suas vítimas, de outro. Nocaso das violências ocorridas noambiente escolar especificamen-te, cada grupo tende a ver o ou-tro grupo como causador de vi-olências e o grupo ao qual per-tence, como sofrendo dessas vi-olências. Os educadores2, porexemplo, queixam-se freqüente-mente das violências que sofrem,quase sempre localizadas nocomportamento dos alunos e deseus pais. Sentem-se cada vezmais vítimas de variadas formasde violência e isso tem causadoà classe cansaço, desvalorização,estresse, impotência e desânimo.Todos esses sentimentos acabampor minar as condições subjeti-vas necessárias para resolver osinúmeros problemas que ocor-rem em qualquer escola normal.

No entanto, aderir a este ci-clo vicioso, no qual o educadorsente que sua condição o coloca,tem sido ineficiente na reduçãoda violência nas relações. Alémdisso, localizar o problema da vio-lência em um ou em outro gru-

po faz perder de vista a comple-xidade de tal fenômeno, que éantes de tudo, multideterminadoe multifacetado3. Por isso, antesde propormos soluções, é neces-sário refletir sobre tal conceito eperceber que todos, pais, alunose educadores sofrem e causam vi-olências dentro e fora da escola.

Como definir a violência?

Na ânsia de buscar uma de-finição para o termo violênciafreqüentemente incorremos emalguns equívocos que podemcomprometer uma análise maiscriteriosa. Desta forma, ao nospropormos compreender e deli-mitar o fenômeno da violência,temos que “reunir o que o vul-go separa ou distinguir o que ovulgo confunde.”4 Ou seja, asprenoções tão presentes no sen-so comum devem ser evitadas eseparadas das científicas.

Conceituar violência é bas-tante difícil pois, de forma iso-lada, pouquíssimos comporta-mentos podem ser classificadoscomo violentos. Para circundar-mos este conceito adequadamen-te precisamos considerar o mo-mento histórico, a cultura, a re-lação e o contexto no qual talcomportamento se deu.

Um dos equívocos que se co-mete é tentar definir a violênciade forma a-histórica, atemporale independente de qualquer pro-cesso cultural no qual ela está

inserida. Freqüentemente caímosna tentação de defini-la como umconceito fechado em si mesmo,e assim ignoramos a obviedadedas mudanças de comportamen-to ocorridas ao longo da histó-ria, das transformações sociais dasnoções de certo e errado.

Tendemos também a fazercomparações não muito válidasdo ponto de vista científico, poiscomparar o nível de violênciaexistente em épocas diferentesimplicaria em compreender, nãoa freqüência e intensidade dasviolências cometidas ao longo dahistória e nas diferentes culturas,mas o que esses comportamen-tos, entendidos atualmente pornós como violentos, significavamno contexto x ou y. Na escola,quando os profissionais come-çam a discutir o tema, aparecemmuito amiúde frases como “hojeem dia a violência está bem piordo que antigamente, o mundoestá perdido”. Com isso podemosnos perguntar se a violência estásimplesmente aumentando ou,de um modo subjacente, a nossapercepção acerca do que é consi-derado violento tem sido pro-gressivamente ampliada? Respon-der esta questão pode ajudar osprofissionais que compõem oquadro escolar a perceberem sig-nificativas diferenças entre per-cepções e realidade e, assim, cri-arem mecanismos mais adequa-dos para lidar com a questão.

A tese elisiana acerca dotema pode nos propiciar algumas

2. Entendemos por educadores o grupo de profissionais que atuam na escola.3. Marilena Chauí, 19974. Pierre Bourdieu et al, 2004, p.25

De forma isolada, poucos comportamentospodem ser classificados como violentos.

Precisamos considerar o contexto no qual talcomportamento se deu

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reflexões interessantes. ParaNorbert Elias5 é essencial compre-ender conceitos ou situações con-siderando-se o processo histórico,o que nos permite inclusive com-preender as mudanças sofridasnos nossos parâmetros. Isso estáclaro, por exemplo, na sua obra“O Processo Civilizador”.

Aquilo que Elias denominoude processo civilizador constitui-se de um brutal abrandamentodas pulsões e das maneiras dos in-divíduos. Os costumes tornaram-se mais polidos, a cultura foi-setornando mais “sábia” e refina-da e o homem, menos brutal.Esse processo teria como resulta-do primordial a progressiva paci-ficação do espaço social e, destaforma, um também progressivoaumento na percepção daquiloque é sentido como violento. Essacrescente e gradativa pacificaçãosó foi possível porque houve umaumento muitíssimo expressivodo autocontrole e uma mudançana expressão da agressividadehumana. Segundo Elias6, “aagressividade foi transformada,´refinada`, ́ civilizada` como todasas outras formas de prazer, e suaviolência imediata e descontrola-da aparece apenas em sonhos ouem explosões isoladas, que expli-camos como patológicas”.

Poderíamos questionar essaafirmação se pensarmos no nos-so cotidiano nas escolas e nos cen-tros urbanos, pois somos o tem-po todo bombardeados com in-formações sobre o expressivo au-mento da violência. Desta forma,conclui-se, não tem sido inco-mum a expressão da violência nasnossas relações cotidianas e o

mundo moderno também temdado mostras seqüenciais de vio-lência descontrolada. Mas, seprestarmos um pouco mais deatenção, veremos que não é maislegal nem legítimo usar de vio-lência física para resolver nossosconflitos. A sociedade não maisaprova ou acha “normal” condu-tas pautadas na agressão. Ao me-nos não somos mais violentos im-punemente, se não do ponto devista jurídico, pelo menos do pon-to de vista moral. Um agressorpode sair ileso ao passar pelo sis-tema penal, mas será alvo de jul-gamento e desaprovação social.

Francis Wolff 7 faz uma apre-ensão bastante útil do que con-siste a tese elisiana sobre o querepresenta a civilização em opo-sição à violência. Segundo ele,o processo civilizador ocidentalé um amplo movimento históri-co que tem como motor o surgi-

mento do Estado, a monopoli-zação do poder por uma autori-dade que se torna a única comdireito a utilizar a violência. Essaautoridade institui um exército,uma polícia e, conseqüentemen-te, o desarmamento de grupos eindivíduos – portanto, a pacifi-cação geral dos costumes. Istoteria conseqüências, sobretudopsicológicas, que estariam naorigem dos aspectos que defi-nem a civilização: a repressão dosimpulsos espontâneos, o domí-nio das emoções, a ampliação doespaço mental e o hábito de re-fletir sobre as causas passadas eas conseqüências futuras dos pró-prios atos. A vida torna-se me-nos perigosa, mas também me-nos apaixonada e menos agradá-vel no que diz respeito à possi-bilidade de satisfazer os “apeti-tes” com menos postergação. Aspulsões8 passam a ser satisfeitas

5. Norbert Elias, 19946. Idem, 1994, p.190-1917. Francis Wolf, 20048. O conceito de pulsão está no cerne da Psicanálise e define-se entre o psíquico e o somático, no sentido em que diz respeitoa um “representante”, uma delegação do somático ao psiquismo. A pulsão tem sua fonte em fenômenos somáticos, mas temum destino basicamente psíquico. Ela é um estímulo para o psíquico. A pulsão é algo de fora que impulsiona o trabalho noaparelho psíquico, sem ser regida pelos mesmos princípios destes, senão através de seus representantes. Freud aponta, assim,o fato da pulsão, antes de ser um limítrofe, ser um articulador destes dois conceitos.O conceito de pulsão tem por referenciais, a fonte, um processo somático que ocorre num órgão ou parte do corpo, a pressão,a quantidade de força que ele representa; a finalidade, que é sempre a satisfação; e o objeto, a coisa através da qual a pulsãoatinge sua finalidade. (Souza, 2007)

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de modo sublimado9.No século XIII, por exemplo,

e nos que se seguiram, as “ex-plosões de crueldade não exclu-íam ninguém da vida social. (...)O prazer de matar e torturar eragrande e socialmente permitido.Até certo ponto, a própria estru-tura social impelia seus membrosnessa direção, fazendo com queparecesse necessário e pratica-mente vantajoso comportar-sedessa maneira.”10.

Podemos então perceber,que as coisas mudaram. Esse tipode comportamento medieval,difuso e generalizado no que dizrespeito à violência, é pouco acei-to nos dias atuais. A forma comoas sociedades medievais lidavamcom os conflitos são entendidascomo criminosas e intoleráveispara os nossos padrões. Com issonão queremos cair no erro de afir-mar que, considerando tais mu-danças, as nossas sociedades seri-am menos violentas que as de ou-trora, pois isso seria simplista esuperficial. Não dá para conside-rar, por exemplo, que um assassi-nato teria o mesmo peso e inter-pretação nas sociedades medie-vais e contemporâneas, pois nassociedades medievais, o padrãode comportamento era dado pelaexaltação dos sentimentos, fos-sem eles de ódio ou de paixão.

Já nas sociedades contempo-râneas e civilizadas, a expressãodos afetos é perpassada por au-tocontrole e racionalização.Qualquer manifestação mais im-pulsiva de raiva é tomada comofator de desqualificação do in-

divíduo. Existem situações bemdefinidas para o exercício menoscontrolado da agressividade,como os esportes e as guerras. Éinegável que nas sociedades con-temporâneas os riscos são meno-res, a renúncia da satisfação ime-diata dos apetites em prol dasegurança dos indivíduos e docoletivo é maior.

No entanto, não se pode su-por que, porque houve um pro-cesso civilizador, a violência estábanida das nossas sociedades erestrita apenas às situações espe-cíficas. A violência permeia to-das as nossas relações cotidiana-mente, mas, como disse Elias11,com mais controle e menosexaltação. As nossas crianças, porexemplo, embora nasçam numasociedade mais civilizada, preci-

sam internalizar esses processosde socialização necessários paraque os indivíduos saibam comose comportar em sociedade. Issonão significa que nossas criançassejam violentas, mas apresen-tam, sem dúvida, uma série decomportamentos incivilizadosque podem ser vistos e sentidospelos adultos como violentos. Ena escola isso se evidencia nadificuldade dos profissionais deentenderem as motivações ecomportamentos infantis. Háuma inconformidade de aceitarque o autocontrole, presente demodo muito mais intenso nosadultos, não faça parte do com-portamento infantil da mesmaforma. Embora haja um entendi-mento racional sobre o fato daaquisição de autocontrole serparte de um processo, na práticacotidiana e no discurso informal,há uma forte expectativa de queo aluno se comporte como umminiadulto. E isso obviamenteacaba gerando uma ruptura en-tre as expectativas alimentadas ea realidade encontrada.

Mesmo os adultos, uma vezcivilizados, não estão imunes arompantes de agressão. Comolembra Elias12, “a vida dos sereshumanos é repleta de contradi-ções, tensões e explosões [...], avida dos seres humanos em co-munidade certamente não é har-moniosa”. Fato este que colocao processo civilizador sob cons-tante ameaça13.

Outro fator essencial paraclassificar um comportamento deviolento é a questão cultural,

9. Recordemos que por sublimação entende-se a capacidade do sujeito de investir em atividades artísticas, intelectuais,ideológicas, científicas, atividades denominadas por Freud de “atividades superiores”, uma vez que desta forma laços sociaissão estabelecidos e fortalecidos, empregando energias que, do contrário, inviabilizariam a vida em sociedade. Compreendi-do como um processo que consiste em a pulsão se lançar a uma meta outra, distante da satisfação sexual propriamente dita,a ênfase recai sobre o desvio em relação ao sexual; ou seja, pressupõe-se a manutenção do objeto da pulsão, havendo, noentanto, a transformação do alvo. A sublimação seria o que permitiria a constituição de uma dialética da alteridade por meioda inscrição da pulsão no campo da cultura. A arte seria, assim, uma modalidade de sublimação às pulsões, na qual o sujeitomanteria o objeto de investimento, transformando seu alvo. (Bartucci, 2000)10. Norbert Elias, 1994, p.192-19311. Idem, 199412. Ibidem, p.2013. Ibidem, 1997

Ser um ser socialimplica em ser

moldado, educado,violentado

simbolicamente porum conjunto de

idéias que transformao arbítrio cultural de

uma classe emcultura legítima

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pois há ainda situações ou com-portamentos que para determi-nadas culturas são a expressãomáxima da violência e barbáriee ferem brutalmente a moralcoletiva daquele povo e, paraoutras, a interpretação de violên-cia diante da mesma situação nãose aplica. O canibalismo e oantropofagismo, quase extintosna modernidade, são exemplos,bem como a ingestão de algu-mas carnes. Na Índia não se comea carne da vaca, pois na culturaindiana tal animal detém carac-terísticas sagradas. Já naChina, come-se carne decachorro, animal que nanossa cultura está associ-ado a características hu-manas e, em muitas ca-sas, os cachorros têmsido substitutos de filhosque não vieram ou quejá cresceram. Desta for-ma, comê-los, seria paranós ocidentais, impen-sável, desum ano. Certosrituais de passagem dealgumas culturas são ou-tros exemplos. Na inicia-ção das meninas púberes tupi-nambás, que se realiza a partirdo primeiro fluxo menstrual,designado como “nhemõdi-gara”, as jovens revelam grandetemor antes de se submeteremaos rituais sagrados, mas depoissuportam com relativa firmezaas provações estipuladas pela tra-dição tribal. “Além de lhes cor-tarem os cabelos com pentes depeixe, colocam-nas sobre umapedra lisa e lhes retalham a pelecom a metade de um dente deanimal, das espáduas as nádegas,fazendo uma cruz oblíqua aolongo das costas, com certos ta-lhos, a uma mais, a outra menos,de acordo com a robustez, a sen-sibilidade ou insensibilidade de-

las; de modo que o sangue correde todas as partes”14. Esses pro-cedimentos são dolorosos e in-cutem medo previsível nas jo-vens a serem iniciadas. Em segui-da, seus corpos são cobertos comuma substância cinzenta. Então,ligam o braço e o corpo com fiosde algodão e colocam em seucolo dentes de capivara. Tal ritu-al tem finalidades mágicas, vi-sando tornar os dentes da jovemíndia suficientemente fortes paraque ela possa mastigar com efi-ciência as raízes do caium. Acre-

ditam também que, se não obe-decem estes ritos, o ventre damoça se contrai, dificultando aconcepção. Depois disso se faz anecessária reclusão.

Durkheim15 em “Regras Rela-tivas à Distinção entre o Normale o Patológico”, manifestou pre-ocupação com conceitos e situa-ções que não são universalmenteinterpretados da mesma forma,como a noção de crime, de nor-mal e de patológico. O mesmose dá com a noção de violência,a interpretação unívoca parece serimpraticável.

A relação e o contexto noqual os comportamentos se dãosão essenciais para classificá-losde violentos ou não. Por exem-

plo, um soco dado durante umabriga é uma violência, mas naluta de boxe é inclusive desejá-vel, é um esporte, com controlee regras bem estipuladas.

A difícil operacionalizaçãodo conceito de violência

Como vimos, há uma certadificuldade de operacionalizar oconceito de violência e tal difi-culdade aumenta quanto maissimbólica ou abstrata é a sua ma-

nifestação. Há inúmerassituações que são senti-das, mas de difícil clas-sificação. São situaçõesfluidas e fugidias. Háainda outras violênciasque podem nem ser sen-tidas como tal, como éo caso da violência sim-bólica. Por mais contra-ditório que pareça, a vi-olência simbólica é tãomais eficiente quantomenos sentida como vi-olenta e quanto mais le-gitimada ela é. O concei-

to de violência simbólica temsido extremamente importantepara as ciências humanas por suaprofundidade e sofisticação. Talconceito foi elaborado por PierreBourdieu, embora possamos en-contrar nuances do seu signifi-cado em outros autores, comoMarx, com a noção de domina-ção, Weber com sua expressão “adomesticação dos dominados” eainda em Durkheim, quando elefala de fato social e coerção.

Bourdieu preocupou-se comessa violência que é sofrida atra-vés de sistemas simbólicos comoa educação, a arte, a religião, alíngua, a ciência, etc. Para Bour-dieu16, esses sistemas exercemum poder estruturante sobre os

14. Citado por Florestan Fernandes, 1948, André Thévet (Angoulême, 1502 — Paris, 1590), foi um frade franciscano francês,explorador e escritor que descreveu costumes indígenas brasileiros do século XVI15. Émile Durkheim, [1895] 2004.16. Pierre Bordieu, 2004

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indivíduos, ou seja, constitutivo.Mas só o podem exercer porqueestão socialmente estruturados,fazem parte das práticas e cren-ças sociais. Esse poder que cer-tos sistemas simbólicos têm so-bre os indivíduos é denominadopoder simbólico. São estruturascapazes de impor realidades, deformar consenso acerca do sen-tido do mundo social, de excluire incluir indivíduos, de determi-nar as noções de certo e errado.Essa noção de mundo é reprodu-zida indeterminadamente atra-vés de um processo de inculcarnos indivíduos ideologias, valo-res, moral. Esse processo é o queBourdieu chama de violênciasimbólica. “É enquanto instru-mentos estruturados eestruturantes de comunicação ede conhecimento que os sistemassimbólicos cumprem sua funçãopolítica de instrumentos de im-posição ou de legitimação da do-minação sobre outra (violênciasimbólica)”17.

E de que forma somos atra-vessados pela violência simbóli-ca? Sendo inseridos no mundosocial. Ser um ser social implicaem ser moldado, educado, vio-lentado simbolicamente por umconjunto de idéias hegemônicas,por prenoções de adequação einadequação, por uma culturadominante que garante sua re-produção porque entendidacomo legítima. No entanto, em-bora pareça algo simples e auto-mático, é longo e complexo omecanismo que transforma o ar-bítrio cultural de uma classe emcultura legítima. SegundoBonnewitz18, “a tese de Bourdieurevela que a cultura dominanteé a cultura da classe dominanteque, por um longo trabalho delegitimação, fez esquecer toda

parte de arbítrio que está na suabase.” Para o autor, esse traba-lho de legitimação acaba por na-turalizar situações que são, an-tes de tudo, arbitrárias e não na-turais. Revelamos essa naturali-zação quando evocamos frasescomo “as coisas sempre foramassim” e também quando iden-tificamos os hábitos e compor-tamentos de uma elite como pa-drões a serem seguidos.

O mais importante é enten-dermos que a violência simbóli-ca se distingue de muitas outraspor não ser sentida como violên-cia, embora possa ser considera-da como tal por ser causada peloexercício de um poder, tambémsimbólico, capaz de impor reali-dades, idéias, gostos, consensos,de subjugar sem dar, na grandemaioria das vezes, a possibilida-de de rebelar-nos contra. ParaBourdieu19, essa seria a maior detodas as violências, pois priva osindivíduos da liberdade de pen-sar. “Certos atores sociais estãoem situação privilegiada paraimpor e seu sistema de represen-tação, porque controlam, oupelo menos exercem uma influ-ência especial em instâncias desocialização como a escola, as

organizações religiosas ou polí-ticas, a mídia”20. Desta forma,cabe-nos perguntar se não seriaa escola um local privilegiadopara o exercício da violência sim-bólica? Ao padronizar sistemasde adequação, não estaria coi-bindo formas culturais distintasdaquela considerada “a corre-ta”? E mais, quem determina oque é bom aprender e ensinar?

A questão que fica é se a vio-lência está em todo lugar, mes-mo naqueles que julgamos livresdela, os quais respeitamos porserem vistos como opositores àviolência, como é o caso da cul-tura, da educação, da erudição,da religião, como saber se a vio-lência é boa ou ruim? Como sa-ber qual tipo de violência deve-ríamos combater?

Para que haja sociedade pre-cisa haver um alto grau de coer-ção (uma forma de violência),fato que restringiria o exercícioda liberdade individual. ParaDurkheim21, as sociedades semantêm integradas a partir deum grau de coerção necessáriopara que práticas coletivas se so-breponham às práticas individu-ais. Isso não quer dizer que nãoexista na sociedade espaço para

17. Idem, p.1118. Patrice Bonnewitz, 2003, p. 97- 9819. Pierre Bordieu, 200420. Patrice Bonnewitz, 2003, p. 10121. Émile Durkheim, [1895] 2004

Ao padronizar sistemas de adequação, aescola não estaria coibindo formas culturais

distintas daquela considerada correta? Quemdetermina o que é bom aprender e ensinar?

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a manifestação da personalida-de individual, mas também nãose pode esquecer, como vimosem Bourdieu22 que a nossa per-sonalidade é totalmente molda-da pelas regras jurídicas, morais,dogmas religiosos e sistemas fi-nanceiros da sociedade na qualestamos inseridos.

No entanto, aceitar e convi-ver com a coerção não é um cál-culo racional que fazemos, umaescolha consciente considerandoprós e contras. Também não sepode pensar que esta coerção ésempre sentida como algo vio-lento ou castrador. Ao contrário,ela é tão mais eficiente quandonão a sentimos; e, no entanto aseguimos, como é o caso da vio-lência simbólica. Só sabemos desua existência quando por algu-ma razão não nos conformamosa ela, quando tentamos agir semseguir as regras coletivas de con-vívio social. Segundo Durk-heim23, a consciência pública re-prime todos os atos que ofendamas máximas morais através da

constante vigilância que exercesobre os cidadãos e das penasespeciais de que dispõe.

Mas de modo geral nos con-formamos a ela porque de algu-ma forma compactuamos, mes-mo que inconscientemente, coma necessidade de sua existência.

É uma espécie de coerção que semanifesta nas “crenças e práti-cas que nos são transmitidas jáfeitas pelas gerações anteriores;recebemo-las e adotamo-las por-que, sendo ao mesmo tempouma obra coletiva e uma obrasecular, estão investidas de umaparticular autoridade que a edu-cação nos ensinou a reconhecere a respeitar.”24. Com o tempo,essa coerção deixa de ser senti-da e dá lugar a hábitos tãointernalizados que já não neces-sitam de uma pressão externa tãointensa para existirem. No entan-to, cabe um lembrete à Educa-ção: há que se equilibrar a ne-cessidade de coerção, que repri-me comportamentos violentos,com a necessidade de emancipa-ção, que arranca o indivíduo damansidão e passividade e o co-loca como protagonista consci-ente de sua vida.

Se for possível classificar al-guma violência de “boa”, entãoclassificaremos esta que existepara criar e manter a coesão soci-al. Escolhemos a coletividade emdetrimento da plena liberdade do

22. Idem, 200423. ÉmileDurkheim, [1895] 200424. Idem, [1895] 2004, p.37

Se pensarmos quepara combater a

violência precisamosacabar com os

conflitos,encontraremos

somente a violência.Para os conflitos não

emergirem énecessário repressão,dominação e violência

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indivíduo porque julgamos im-possível o indivíduo sem a socie-dade, e porque julgamos impos-sível uma sociedade com indiví-duos que façam uso irrestrito dasua vontade e liberdade.

Se a “boa” violência é aque-la necessária e imprescindívelpara a criação e manutenção dacoesão social, as outras formasde violência serviriam somentepara desagregar e enfraquecer atrama social. Mas como sabere-mos os limites da violência res-ponsável por garantir o bem es-tar, o convívio social, daquela res-ponsável pelo enfraquecimentodo exercício da cidadania e doslaços de solidariedade? As bar-reiras são muito tênues, comovimos. Um grande problema équando polarizamos violência epacificação, e outro problemamaior ainda é polarizarmos pa-cificação e conflito.

Quando a busca pela pazse veste de violência

Um fator interessante é que

pensamos que para combater aviolência precisamos acabar comos conflitos. Se pensarmos assimno intuito de buscar a paz, en-contraremos tão somente a vio-lência, pois sabemos que para osconflitos não emergirem é neces-sário autoritarismo, repressão,dominação e violência, sejam elasfísicas ou simbólicas. Sim, semdúvida a questão é paradoxal!

Infelizmente temos um ide-al de paz que é muito diferenteda paz possível. Um mundo pa-cificado apresenta-se no imagi-nário ausente de inquietações in-ternas e externas, todos queren-do e desejando a mesma coisa,sem conflitos. Mas como isso se-ria possível? Simmel adverte paraa impossibilidade da concretudedesse ideal:

“É claro que provavelmentenão existe unidade social ondecorrentes convergentes e diver-gentes não estão inseparavel-mente entrelaçadas. Um grupoabsolutamente centrípeto e har-monioso, uma “união” pura(Vereinigung) não só é empiri-camente irreal, como não pode-ria mostrar um processo de vidareal. [...]. Assim como o universoprecisa de “amor e ódio”, isto é,de forças de atração e repulsão,para que tenha uma forma qual-quer, assim também a sociedade,para alcançar determinada con-figuração, precisa de quantidadesproporcionais de harmonia e de-sarmonia, de associação e de com-petição, de tendências favoráveise desfavoráveis”.25

Essa questão é muito impor-tante porque tem relação diretacom a forma como vamos prati-car a paz nas escolas. Se enten-demos que um ambiente pacífi-co é aquele livre de conflitos, cer-tamente estaremos disseminandoa violência, pois veremos a rela-ção professor-aluno permeada de

forças de atração e repulsão, deassociação e competição, de har-monia e desarmonia – processosintrínsecos à relação de ensino eaprendizagem – como anomaliaa ser regulada pela arbitrarieda-de dos profissionais que, por con-ta da posição que ocupam, são aparte dominante de tal relação.Aí, os educadores estarão exer-cendo seu poder de forma arbi-trária, desvinculada de uma au-toridade estabelecida por proces-sos legítimos. Conquistar tal au-toridade implica que o educador,diante da repulsão, da desarmo-nia e da competição, permaneçafirme e consistente, porém justo,coerente e respeitoso, pois a ver-dadeira autoridade só se consti-tui quando suporta os testes in-seridos na relação professor-alu-no. Nesse sentido não há comofugir do fato de que são os edu-cadores, e não os alunos, os re-presentantes dessa autoridade.

Considerações finais

Embora o tema violência ve-nha sendo um dos mais debati-dos nos meios midiáticos e aca-dêmicos, a sua operacionalizaçãoé sempre algo complexo. Primei-ro, porque nem toda violênciapode ser considerada ruim e,como já vimos, certas formas deviolência são intrínsecas à forma-ção da sociedade. Segundo, por-que o fenômeno da violência ésempre atravessado pela percep-ção, que é moldada pela cultu-ra, história, posição social, expe-riências individuais, etc. Então,como bem atentou Alba MariaZaluar26, não é possível falar emviolência, mas das violências.

Se consideramos os fatoresacima relacionado veremos quenão há como ter uma linha de açãoque atenda ou combata a violên-

25. Georg Simmel, 1993, p.12426. Alba Maria Zaluar, 2005

21novembro 2008

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REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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Adriana Cristina Araújoé psicóloga, especialista em Psicologia

Clínica e Sociologia Política. CoordenadoraOperacional da Associação Projeto Não Violência Brasil

Soledad Fernandezé psicóloga, especialista em Sociologia Política.

Psicóloga Educacional da Associação Projeto Não Violência BrasilJoyce Kelly Pescarolo

é psicóloga, especialista em Sociologia Política. Mestre em Sociologia. Membro doCentro de Estudos em Segurança Pública e Direitos Humanos/UFPR. Psicóloga

Educacional da Associação Projeto Não Violência BrasilMarcos Alan Viana

é psicólogo, especialista em Psicanálise das Toxicomanias. Psicólogo Educacional daAssociação Projeto Não Violência Brasil

cia nas suas mais variadas formasde manifestação se nem ao me-nos há uma definição una, um con-senso do que deve ser combati-do, mesmo dentro de uma esco-la. O que dizer das grandes me-trópoles, que estão abarrotadas deindivíduos cosmopolitas?

Talvez soluções eficazes paraa violência só existam se a to-marmos na direção oposta dosprocessos de massificação. Comisso queremos dizer que apon-tar soluções para a questão daviolência só é possível se aplica-

das em micro contextos, pois pos-sivelmente não haverá soluçõese medidas que sirvam para umcontexto global.

De qualquer forma, certa-mente há uma receita mais am-pla para as sociedades contempo-râneas e conseqüentemente suasescolas: os processos de identifi-cação e alteridade de uma socie-dade devem caminhar juntos. Umnão deve perder o outro de vis-ta. Do contrário, sufocaremos oindivíduo ou implodiremos a so-ciedade.

22 novembro 2008

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A referência a Drummondno título deste artigo é intenci-onal e absolutamente necessária,tanto do ponto de vista literáriocomo do ponto de vista episte-mológico, pois para o sujeito quese apropria da linguagem escri-ta é facultada a possibilidade denavegar pelo mundo dos senti-mentos, dos sonhos e da fanta-sia, bem como lhe é dada possi-bilidade de transitar pelas dife-rentes fontes de produção deconhecimentos e a inesgotáveisformas de informações.

Eis as necessidades intelecti-vas básicas do ser humano: o sa-ber e o sonhar!

Essa seria a concepção de es-

Amar se aprende amando!Ler e escrever se aprende lendo,escrevendo... e pensando!

crita necessária aos educadoresbrasileiros. Essa é visão que de-veriam possuir para desempe-nhar de forma satisfatória seupapel de mediador entre o mun-do letrado e aqueles que se sen-tam, aos milhares, nos bancos es-colares.

Este deveria ser o objetivo daescola com relação à leiturização:tomar o letramento como vetorprincipal do currículo de todaeducação, capacitando sujeitospara que possam transitar comautonomia no contexto de umasociedade letrada, caracterizadapelo uso intenso e diversificadoda linguagem escrita.

Talvez resida aí o nó górdio1

que impede o sucesso do letra-mento no Brasil.

Como mediar competente-mente conhecimento de tal im-portância se essa importâncianão for compreendida em suaplenitude por quem ensina?

A resposta à questão coloca-da está representada pelos resul-tados divulgados sistematica-mente dos exames nacionais einternacionais.

Porém, quem atua direta-mente com os alunos, no interi-or das escolas, sabe que não énecessário o conhecimento depercentuais oficiais para provarque muitos alunos, depois de al-guns anos de escolarização, não

Sandra Bozza

1. A expressão nó górdio refere-se a um problema complexo, mas de fácil solução. Segundo a lenda, Górdio foi umcamponês que herdou o reino da Frígia no século VIII aC. Para não esquecer de seu passado humilde ele colocoua carroça no templo de Zeus e a amarrou a uma coluna com um nó impossível de desatar. Depois de sua morte oOráculo declarou que quem desatasse o nó de Górdio dominaria toda a Ásia Menor. Quinhentos anos se passaramaté que Alexandre, o Grande, após muito analisar o nó, desembainhou sua espada e o cortou.

A professora Sandra Bozzadefende uma metodologia dealfabetização em que aaquisição da linguagem escritadeve corresponder ao sentidoque a criança tem do mundo,pois a linguagem tem umafunção social. O letramento nãopode se restringir à aquisição docódigo escrito: letras, sílabas epalavras. Sua metodologiadesmistifica a mentira lingüísticade que cada letra representa umsom. Esse é um caminho trilhadopor muitas escolas e instituiçõescom sucesso comprovado. “Nãose entendo porque não seuniversalizou”, diz a professora.

RESU

MO

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COERÊNCIA METODOLÓGICAA comparação dos itens a seguir visa explicitar sete aspectos que ainda confundemeducadores no trabalho com a aquisição da linguagem escrita. O mais importante aser considerado é o fato de ser impossível iniciar tal trabalho pelas unidades menoresda escrita (letras e sílabas) quando se objetiva construir com a criança o conceito deque tudo o que se fala pode ser escrito e tudo o que está escrito pode setransformar em fala.

Aquisição do código escritoParte do treino da unidade menor(letra, sílaba, palavra) para a maior(texto)

Prioriza a apreensão de letras, sílabas epalavras

Desconsidera o caráter interacionistada linguagem escrita

Concebe o processo de alfabetizaçãocomo o desenvolvimento de habilidadesperceptivo-motoras

Valoriza o traçado perfeito da letracursiva

Tem como principal conteúdo odomínio da ortografia e aclassificação gramatical

Apresenta como base da organizaçãodo sistema gráfico o princípioalfabético, isto é, cada letrarepresenta um único som e vice-versa

Aquisição da língua escritaParte da apreensão da unidade desentido da língua (texto) para chegar àanálise das partes (parágrafos,palavras, sílabas e letras)

Prioriza a relação de dependênciaexistente entre o código e o significado,no texto

Tem como princípio maior o atointerativo presente na leitura e naescrita

Concebe o processo de alfabetizaçãocomo um aprendizado que colocadiversas questões conceituais

Trabalha com a legibilidade da letramaiúscula de imprensa (caixa alta) atéo aluno compreender o funcionamentodo sistema de escrita

Trabalha com todos os conteúdos queconferem ao texto objetividade,coesão e coerência, para que seefetive a interação entre autor einterlocutor

Pelo fato de trabalhar com a lingua-gem como interação verbal, apresenta,desde o início do processo, todas asrelações entre letra e som do sistemagráfico, desvelando a necessidade damemória etimológica na grafia daspalavras (um som pode ser representa-do por mais de uma letra e vice-versa)

depreendem o sentido de umaoração simples escrita no quadropelo professor de Matemática oude Geografia. Ou que não conse-guem sintetizar a idéia básica deum parágrafo em textos de disci-plinas como Ciências e História.

O que faltou a esses educan-dos com relação à leiturização?Afinal, foram “ensinados”, “ava-liados” e “aprovados”!

Certamente o que ocorreu,seja de que natureza for, está es-tritamente ligado à metodologiade ensino no momento da aqui-sição da língua escrita. Muitossão os caminhos percorridos noBrasil para esse intento, e diver-

sas práticas alfabetizatórias co-habitam a mesma instituição es-colar ou a mesma sala de aula.

Afinal, quando não se sabeaonde se quer chegar, qualquercaminho serve!

Todavia, em um país com di-ferenças sociais tão gritantes, nin-guém pode se dar ao luxo de op-tar por qualquer caminho, qual-quer aprendizagem ou qualquerencaminhamento metodológico.

Urge buscar caminhos já per-corridos com êxito, respaldadospela Filosofia, Sociologia, Psico-logia e Lingüística. Caminhos jáexistentes, onde a interação hu-mana através do discurso sobre-

põe-se às frases sem sentido, aconcepção de palavra sobrepõe-se à reunião de sílabas e o ma-nuseio dos símbolos próprios daescrita (alfabeto) sobrepõe-se aotraçado da letra. Caminhos emque o trabalho com o texto sejao ponto de partida e de chega-da e onde, principalmente, sejadada a devida importância parao estudo das relações de depen-dência existentes entre o códigoe o significado. Afinal, a ciênciae a sociedade já provaram quealfabetizar e letrar a partir dotexto é um caminho sem volta.

Conceber a alfabetizaçãocomo aquisição da linguagemescrita pressupõe um trabalhocom a língua viva, utilizada pe-los seres humanos nas mais vari-adas situações, objetivando aconstrução de conceitos muitoalém do domínio do código grá-fico ou do desenvolvimento dehabilidades motoras.

Para se palmilhar com êxitoo caminho da alfabetização e doletramento é imprescindível quedois macroconceitos sejam traba-lhados profundamente comquem inicia esse processo:

a) a função social da escrita(para que serve e qual sua rele-vância social);

Em um país comdiferenças sociais tão

gritantes, ninguémpode se dar ao luxo

de optar porqualquer

aprendizagem ouqualquer

encaminhamentometodológico

24 novembro 2008

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Educação Infantil, ocorrerá a sis-tematização de vários conteúdosde Língua Portuguesa:

1. Função social da escrita(escreve-se para alguém ler, comdeterminada intenção).

2. Relação oralidade/escrita(a linguagem falada pode ser re-presentada pela escrita).

3. Idéia de representação (hávárias formas de se representar asidéias e os objetos, mas a escritanão representa o mundo físico.Ela representa os sons da fala.

4. Escrita como sistema de re-presentação (a linguagem escritanão se caracteriza apenas comoa transcrição gráfica da fala, é ar-ticulada através de convenções es-

LEITURAtextos lidos ou ouvidos

Terça-feiraLiteratura

Quarta-feiraJornais, revistas, livros, receitas e bulas.

Quinta-feiraQuadrinhas, adivinhas, parlendas e

letras de músicas

Sexta-feiraPublicidade

ORALIDADE(falar e ouvir)

Argumentação sobre o texto lido erelato de fatos e histórias afins

Inferência

Reprodução e inferência

Estabelecimento de relações

ESCRITA(coletiva e individual)

Texto coletivo: pode ser uma resenhapara ser encaminhada para outra turma

ou para contar para a família sobre ahistória ouvida/lida

Nomes e rótulose Análise lingüística

Ditado das crianças para a professoraescrever.

Produção individual na forma de escritae desenho.

b) o que é a linguagem es-crita (sistema de representação).

Essa deveria ser a baselastreada desde a Educação In-fantil, quando alunos e alunasdeveriam ser mergulhados emum caldo cultural relacionado àescrita, para construírem o con-ceito adequado sobre essa pro-dução humana.

Atividades de leitura e pseu-doleitura de todo tipo de texto eo acesso aos mais variados supor-tes (ou portadores) garantiriam aprimeira necessidade colocadasobre a aquisição da linguagemescrita, que reza que para apren-der a ler e a escrever o aluno háque pensar sobre a escrita, pen-sar o que a escrita representa epensar sobre como a escrita re-presenta a linguagem oral.

Para tanto, atividades siste-máticas e bem planejadas deprodução coletiva e análise lin-güística em texto impresso sub-sidiariam a segunda premissaque complementa a já coloca-da: que a criança em processoinicial de aquisição da línguaescrita precisa ler, embora nãosaiba ler, e escrever, ainda quenão saiba escrever.

Toda vez que um encami-nhamento dessa natureza for re-alizado em sala de aula, seja noEnsino Fundamental, seja na

pecíficas, símbolos que formamum complexo sistema).

5. Alfabeto como conjuntode símbolos próprios da escrita(com apenas 23 letras – além doK,Y,W - combinadas apropriada-mente é possível escrever qual-quer palavra).

6. Outros sinais da escrita: osdiacríticos – acentuação, sinaisgráficos e de pontuação (além dasletras, o sistema de escrita utili-za outros símbolos para veicularidéias adequadamente).

7. Relação de dependênciaentre grafema/fonema (como secombinam letras e sons).

8. Direção da escrita (escre-ve-se, geralmente, da esquerda

Conceber aalfabetização como

aquisição da linguagemescrita pressupõe um

trabalho com a línguaviva, objetivando a

construção de conceitosmuito além do domínio

do código gráfico

novembro 2008

DO TEXTO AO TEXTOPossibilidade de planejamento semanal, garantindo (além da diversidade textual) o trabalho com as práticas de leitura,produção e análise lingüística.

25

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para a direita e de cima parabaixo).

9. Espaçamento entre as pa-lavras (as palavras escritas, con-trariamente à oralidade, neces-sitam de um espaço entre si) .

10. Unidade temática (todasas partes do texto estão relacio-nadas entre si e com uma unida-de de sentido maior: a intenção,o tema, o assunto).

11. Unidade estrutural (cadatipologia textual é regida por ca-racterísticas específicas, depen-dendo do interlocutor e da in-tenção do autor).

12. Seqüência lógica (as idéi-as devem ser colocadas de for-ma a garantir uma progressãotextual).

Quando se reafirma, comoneste momento, a necessidadede trabalho intenso com o textocoletivo, com a leitura aponta-da e com a análise lingüística, épossível que se tenha a sensaçãode redundância de um só discur-so desde 1988; ou ainda de nãohaver novidades nesse apelo,pois muitas professoras e profes-sores desenvolvem esse trabalhohá tempos.

O que é imprescindível nes-sa altura de nossas reflexões é aclarividência do que se intentaquando se propõe, em sala deaula, tais práticas. Trocando emmiúdos: quantas professoras eprofessores têm consciência danecessidade de explicitação parao aluno de todos esses conteú-dos desde o início do processode alfabetização e letramento?Que recursos são utilizados nocotidiano escolar para que osalunos e alunas pensem sobre aorganização da língua escritasem que saibam escrever? Comomediar tais conceitos, para cri-anças tão pequenas, sem que elasnecessitem traçar letras ou deco-rar as famílias silábicas.

Sistematizar conteúdos deLíngua Portuguesa nos anos ini-ciais da escolaridade pressupõepensar o funcionamento da es-

crita em voz alta com osaprendentes. Implica ouvir o queessas crianças sabem e pensamsobre a escrita para que se pla-nejem atividades que favoreçamo avanço de seus conhecimentos.Significa organizar a prática pe-dagógica a partir da lógica doaluno, atuando entre o que elejá sabe e o que ele precisa saber.

Talvez aqui seja o momentoideal para a reflexão sobre o queseja, nessa concepção de apren-dizagem, o ato de sistematizar.Durante muitos anos a resistên-cia de se comprometer com essaproposta pedagógica de alfabe-tização teve como desculpa quesua perspectiva de trabalho nãopossibilitava a sistematização.Que ficava tudo muito solto. In-felizmente, esse discurso perdu-ra, ainda, que escamoteado,travestido de concessão.

Diferentemente do ensinotradicional, onde sistematizar ésinônimo de treino, da repetiçãomecânica de ações sem sentido,a sistematização dos conteúdosnecessários para a aquisição dalíngua escrita se dá através da re-tomada dos mesmos conteúdosem diferentes textos e diversoscontextos.

É lendo, escrevendo e pen-sando com o aluno os fatos

lingüísticos em funcionamentoque se está sistematizando con-teúdos para a construção de con-ceitos necessários para formarautores e leitores autônomos eindependentes.

Até agora foi discorrido so-bre a necessidade de um traba-lho eficiente e profundo com osconceitos mais amplos a respei-to da escrita. Tarefa essa que de-veria ter seu início na EducaçãoInfantil (para não dizer nos ber-çários).

Entretanto, se o maior esfor-ço com esse trabalho tem comoobjetivo a construção do concei-to de que é possível materiali-zar a fala através da escrita, nãoé possível que se trabalhe, comose tem feito, com a mecanizaçãode fonemas restritos e se ensinepara os alunos e alunas o con-ceito ultrapassado que cada somé representado por uma únicaletra e vice-versa.

O resultado dessa restriçãode uso do material lingüísticosó poderia ser a produção deuma “não-linguagem”, como asfamigeradas frases: A baba doboi é boa. Mula mói limão. Oleão Liote papa papoula. Papaipassa pomada na panela. A malamia.

É verdade que o sistema grá-

O que é imprescindível que se clarifiquepara as crianças o conceito de que é

possível se representar um som de váriasformas, mas há uma só maneira de se

escrever uma palavra

26 novembro 2008

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REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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fico da língua portuguesa temum princípio alfabético (cadasom é representado por uma le-tra e vice-versa). Mas isso só ocor-re com os pares B, D, F, P, T, V,NH. A maioria das relações entresom e letra é arbitrária, isto é,depende da memória etimoló-gica da palavra (origem).

Assim sendo, o que é impres-cindível para que se ensine a lere a escrever com bases científi-cas é que se clarifique esse fatopara as crianças desde muitocedo, para que elas construam,a partir de suas hipóteses de es-crita, o conceito de que é possí-vel se representar um som devárias formas, mas há uma só ma-neira de se escrever uma palavra.

Certamente, quando issonão é explicitado no início doano letivo, o resultado dessametodologia pode ser fato dealgumas crianças (aquelas quenão se evadem física ou mental-mente da escola) só conceberemo que é a língua escrita em se-tembro ou outubro, quando a

escola coloca à disposição delastodas as possibilidades de repre-sentar os sons emitidos no mo-mento da fala. É o conhecido“clic”, tão presente nos métodostradicionais de alfabetização,que têm como base o trabalhocom a família silábica. Aliás, ou-tra meia-verdade lingüística, poisna língua portuguesa a combi-nação CV (consoante/vogal) éapenas uma das possibilidadesda formação silábica. Como a cri-ança poderia compreender a par-tição silábica de seu próprionome se este fosse, por exemplo,E-VAN-DRO, CLA-RI-CE ou SAN-DRA?

O que se quis refletir nesseespaço é sobre a possibilidade deum percurso mais eficaz e efici-ente de leiturização. Um percur-so possível e demonstrado devárias maneiras no discurso e naprática de muitos autores, bemcomo na ação efetiva e exitosaque milhares de professores eprofessoras têm desenvolvidoseu trabalho.

Sandra Mara Bozza Martinsé professora, atua em turmas de 5ª a 8ª série

e em módulos de pós-graduação nas cadeirasde Lingüística, Metodologia de Ensino da Língua Portuguesa,

Literatura Infantil e Práticas Alfabetizadoras. Assessora instituiçõesde ensino, capacitando professores de Língua Portuguesa e orientando

a elaboração de Projetos Pedagógicos e Propostas Curriculares. É uma das autoras daproposta de Língua Portuguesa de 1988 (3ª a 8ª série) e de Alfabetização de 1991 (pré, 1ª e

2ª série) da Secretaria Municipal de Educação de Curitiba.

27novembro 2008

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“Crianças ou alunos?” Ques-tiona Sônia Kramer1 ao analisara concepção que as escolas e pro-fessores costumam adotar na re-lação com os estudantes. “Asduas denominações traduzem amesma idéia?”, indaga, para re-tratar, com propriedade, a idéiacomum de que na Educação In-fantil “há crianças” e no EnsinoFundamental “há alunos”. Aindaem tom de constatação assevera:

“O questionamento às dicoto-mias me levou a dizer que temoscrianças na educação infantil e noensino fundamental (...); o que nãoquero para a educação infantil, eunão quero também para o ensinofundamental”.2

Tais considerações são fun-damentais no momento históri-co em que vivemos, em especialna Educação Pública Municipal

de Curitiba, pois elas nos reve-lam as armadilhas que incorre-mos quando separamos as crian-ças por categoria ou nível de en-sino. Quem de nós já não escu-tou afirmações como: “O primei-ro ano do ensino de nove anos éo antigo pré-escolar”; ou: “Ago-ra é preciso alfabetizar no pri-meiro ano?”... Essas “falas” re-correntes nos conduzem a umavisão muito simplista quanto aoprimeiro ano, pois este novo pri-meiro ano não pode ser conce-bido como o antigo pré-escolare nem tampouco a visão prescri-tiva de alfabetização deve serimplantada neste nível de ensi-no. Mais importante do que afir-mar que devemos alfabetizar noprimeiro ano do Ensino Funda-mental, é imprescindível pensarna concepção que temos de al-

fabetização. É temerário que,com esta ânsia por alfabetizar,crianças de seis anos de idade queingressam na escola sejam sub-metidas a trabalhos de cópias,exercícios repetitivos, treinos deleitura, desconsiderando “a con-vivência , o trabalho com a lite-ratura, a dança, a música, o cor-po e os movimentos , a produ-ção plástica, a natureza”.3

A organização pedagógicado primeiro ano do Ensino Fun-damental prevê o trabalho coma alfabetização, pois, afinal, opapel da escola é ensinar a ler eescrever, para além da pura me-canização. Então, pensar nessenível de ensino é pensar toda aestrutura na qual esse processose assenta e, insistimos, rever,aprofundar e retomar conceitosde alfabetização.

Para além da visão simplista deapenas um ano a mais no EnsinoFundamental

Cristina Rolim Chyczy Bruno

1. Sônia Kramer, 20032. Idem, 2003.p. 633. Ibidem, 2003. p. 65

Como será o primeiro anocom o ingresso da criançamais cedo na escolar emdecorrência da ampliaçãodo Ensino Fundamentalpara 9 anos? A pedagogaCristina Rolim Brunopropõe que a metodologiade alfabetização respeite acriança que brinca eestimule odesenvolvimento daoralidade, escrita e leiturapor meio de atividadesenriquecedoras.

RESU

MO

28 novembro 2008

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Não são recentes as análisesde que a língua escrita deve serconstruída pelas crianças peloviés de seu uso, de sua funçãosocial. Ainda, não se pode olvi-dar que é preciso trabalhar asrelações fonema-grafema, poissem essa aprendizagem, a crian-ça não compreende a estruturada língua escrita.

A partir de tais considera-ções, é possível afirmar que noprimeiro ano, trabalhar com alíngua falada e escrita não é “adi-antar” o processo de formaçãodo leitor. Aliás, no que se refereà alfabetização, é muito difícilprecisar seu início a partir de umnível de escolarização, assimcomo seu fim. É certo, porém,que, quando a criança ingressana escola esse processo deve sertrabalhado. Não deve, no entan-to, ser encarado como uma tare-fa apenas, com lápis, papel, con-tornos de letras e números. Oprocesso da alfabetização, neste“novo” primeiro ano, pressupõeo necessário distanciamento detais práticas.

Com a intenção de contex-tualizar essa alfabetização, inse-rindo-a num processo social am-plo que comporta análises e es-tudos, Magda Soares4 contribuiafirmando a necessidade de am-pliar o significado da alfabetiza-ção, e justifica, assim, o surgi-mento da palavra letramento.Destaca a autora que o surgi-mento do termo se deu em con-seqüência da necessidade de des-tacar comportamentos e práticasdo sistema da escrita em situaçõessociais. Acrescenta-se, ainda, queos dois processos têm sido con-fundidos e, até mesmo, fundidos.

Então, por entender que a al-fabetização só faz realmente sen-tido no contexto da prática soci-al, é que acentuamos a sua rela-

ção com o letramento. Assim, ficaainda mais emergencial pensarem processos de alfabetização noprimeiro ano do Ensino Funda-mental de nove anos. Esta refle-xão se assenta, na crença de que“alfabetizar” é possível neste ní-vel de ensino, desde que os pro-fessores, como aborda Moyles5,sejam capazes de oferecer ativi-dades enriquecedoras para o de-senvolvimento da oralidade, lei-tura e escrita.

Ainda que pareça contradi-tório, “é preciso levar a sério asbrincadeiras” e, sobretudo, tra-

tar com respeito as crianças queestão brincando, pois ao conver-sar sobre suas brincadeiras comos adultos, a criança começa avalorizar o brincar, desenvolven-do assim o senso de propósito,audiência e registro. Dessa for-ma, há de se pensar também queas estratégias de ensino voltadasà repetição, com rotinas rígidassob a égide do silêncio, devemser desprezadas, pois não deve-mos nunca perder de vista queessas crianças têm apenas seisanos de idade.

Estas considerações baseiam-se também na preocupaçãoquanto ao novo modismo dasprovas, que têm-se constituídona “coqueluche” do momento.Como já poetizou Cazuza, “Euvejo o futuro repetir passado. Euvejo um museu de grandes no-vidades”...6 Sabemos, por certo,o quanto a avaliação é funda-mental tanto para direcionar otrabalho docente quanto à toma-da de decisões. Todavia, é possí-vel constatar em relação às for-mas de avaliar, que a utilizaçãodo mecanismo prova foireintroduzido nas escolas exata-mente de acordo com os moldesda Pedagogia tradicional. As co-branças quanto a notas e bomdesempenho em avaliaçõesinstitucionais podem conduziraos equívocos de “agilizar”, “adi-antar” e “preparar” para atingirbons resultados. E assim, apenastreinar, mecanizar e, ingenua-mente, ter-se a idéia de que seestá alfabetizando.

Sabemos que a construção dalíngua escrita exige do professorclareza quanto aos métodos deensino, assim como a análise doponto de partida e de onde sepretende chegar. É imprescindí-vel ter-se presente a constante efundamental avaliação da evolu-

4. Magda Soares (2004)5. Janet Moyles (2002)6. A música “O tempo não pára“, de Arnaldo Brandão e Cazuza, foi lançada em 1989, em disco do mesmo nome, pelo seloUniversal Music.

O papel da escola éensinar a ler e

escrever para alémda pura mecanização.É pensar a estrutura

na qual esseprocesso se assenta

e aprofundar eretomar conceitos de

alfabetização

29novembro 2008

Page 30: Chão da Escola 07

ção das crianças na aquisição dosistema da escrita. Para tanto,pesquisas, preparo e estudos sãofundamentais. Até para questio-nar que “devemos aprender quea sociedade na qual vivemos nosjulga e nos classifica. Assim, tra-balhemos na escola com a con-tradição, opondo-nos aos padrõesestabelecidos, se quisermos real-mente EDUCAR”7.

Não devemos perder de vis-ta que o processo é, sim, maisimportante que o “produto”.Com isto, a intenção não é ne-gar a importância da prova, uminstrumento relevante de avali-ação, mas que não pode ser cen-tral no processo ensino-aprendi-zagem. Precisamos estar cada vezmais preparados e subsidiadosteoricamente para as nossasações. Devemos ter clara em nósa concepção de alfabetização e,munidos de planejamentos rigo-rosos, acreditarmos que não hánenhuma dúvida sobre a natu-reza quase perfeita do sistema deaprendizagem infantil, pois acriança pode ser considerada umser nascido para a aprendizagem.

E, então, a partir dessa cren-ça na criança como um aprendiz,podemos construir nosso traba-lho na escola, pois, consoantedocumentos e estudos que pre-cedem as Diretrizes CurricularesMunicipais de 2006:

“A aquisição da linguagem es-crita depende da mediação de quemjá domina essa linguagem. Assim, sóse compreende a aprendizagem narelação com o outro que já faz usodesse conhecimento. Nesse proces-so o papel do professor é o de exer-cer uma ação intencional no sentidode levar o aluno a refletir sobre esseobjeto do conhecimento através dasações de explicitar, discutir, traduzir,conceituar, mostrar, exemplificar o

ato de ler e escrever.8

Todas essas considerações le-vam-nos a crer que o primeiroano do Ensino Fundamental denove anos “não é o antigo pré-escolar!”. Esta inserção é umamudança e, como toda mudan-ça, deve ser concebida com no-vos olhares, sem perder de vistaa dimensão histórica, de novossujeitos e de nova estrutura deensino. E ainda, para além deuma visão prescritiva de alfabe-tização, precisamos estar consci-entes de que devemos, sim, al-fabetizar no primeiro ano, e di-ríamos até, antes mesmo do pri-meiro ano. Como sabiamenteafirmava Paulo Freire9 “a leiturade mundo precede a leitura dapalavra”. E é para essa direçãoque devemos voltar nossos olha-res, sem nunca perder de vistaessa busca.

Na obra “Uma História daLeitura”, de Alberto Manguel10,o autor discorre como foi intro-duzido no universo da escrita,descrevendo a imensa magiaque, desde a mais tenra idade, o

envolveu na busca por decifraros códigos escritos. Com proprie-dade e poesia, o escritor retrataa paixão que tinha em folhearlivros, mesmo sem ser alfabeti-zado. Acredito que tais sentimen-tos já foram vivenciados por nós,docentes, que em sua maioria sesente tomado por essa atraçãoindescritível diante dos livros.Manguel assim apresenta comofoi o momento em que desco-briu que já sabia ler:

Então, um dia, da janela deum carro vi um cartaz na beirada estrada. A visão não pode terdurado muito; talvez o carro te-nha parado por um instante, tal-vez tenha apenas diminuído amarcha, o suficiente para que eulesse, grandes, gigantescas, cer-tas formas semelhantes às domeu livro, mas formas que eununca vira antes. E, contudo, derepente eu sabia o que eramelas; escutei-as em minha cabe-ça, elas se metamorfosearam,passando de linhas pretas e es-paços brancos a uma realidadesólida, sonora, significante. Eu

7. Lilian Wachowicz, 2006. p.1408. Secretaria Municipal da Educação de Curitiba, 1996 p. 339. Paulo Freire, citado por Sônia Kramer, 2003. p. 7910. Alberto Manguel (1997)11. Idem, 1997. p.18.

O professor que atua no primeiro ano doensino fundamental desfruta desse momento

mágico na vida de muitas crianças, dadescoberta: “Eu já sei ler!”

30 novembro 2008

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REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

CAGLIARI, Luiz Carlos. Alfabetizando sem o Ba, Be, Bi, Bo, Bu. São Paulo: Scipione, 1998.CURITIBA. Secretaria Municipal da Educação. Currículo Básico: “compromisso permanente para amelhoria da qualidade do ensino na escola pública”. 1996.KRAMER, Sonia e BAZÍLIO, Luiz Cavalieri. Infância, Educação e Direitos Humanos. São Paulo: Cortez ,2003.MANGUEL, Alberto. Uma História da Leitura. São Paulo: Companhia das Letras,1997.MOYLES, Janet R. Só Brincar? O papel do brincar na educação infantil. Porto Alegre: ArtMed, 2002.ROSA, João Guimarães. (1908-1967). Manuelzão e Miguelim. 9ª Ed. Rio de Janeiro: Nova Fronteira. 1984by Herdeiras de João Guimarães Rosa.SOARES, Magda. LETRAMENTO: Um tema em três gêneros. Belo Horizonte: Autêntica, 2002.SOARES, Magda. Alfabetização e Letramento: Caminhos e Descaminhos. In: Revista Pátio: ArtMedEditora, número 29 - ano 7. Fev. Abril 2004.WACHOWICZ, Lilian. Avaliação e Aprendizagem. In: VEIGA, Ilma Passos (org). Lições de Didática.Campinas: Papirus, 2006.

tinha feito tudo aquilo sozinho.Ninguém realizara a mágicapara mim. Eu e as formas está-vamos sozinhos juntos, revelan-do-nos em um diálogo silencio-samente respeitoso. Como con-seguia transformar meras linhasem realidade viva, eu era o todo-poderoso. Eu podia ler. 11

É encantador compartilharo momento da “metamorfose”de linhas pretas e brancas em re-alidades sonoras, significantes,como professa Manguel. E o pro-fessor que atua no primeiro anodo ensino fundamental desfru-ta desse momento mágico navida de muitas crianças. Poderí-amos até afirmar que esse pro-fessor é a “ponte” para essatransformação, pois, quando acriança inicia seu processo deleitura, em primeira instância,recorre ao professor! Ela tam-bém orgulhosa de sua habilida-

de, quase como que demons-trando que sabe fazer mágica.Em sua natureza afetiva, a cri-ança deposita no professor oscréditos por tamanha façanha.Então, até é possível asseverarque cabe ao professor que atuaneste nível de ensino ser sensí-vel a esse momento inesquecí-vel na vida de seus estudantes,compartilhando desta conquis-ta! Dar importância, sim, às es-tratégias e métodos necessáriosà aquisição do sistema da escri-ta, mas não esquecer nunca queessa conquista é envolta pelosentimento mágico da desco-berta: “EU JÁ SEI LER!”.

Para finalizar, recorremos aum personagem de GuimarãesRosa, Miguelim, menino de ape-nas oito anos de idade retrata suavisão de mundo de forma encan-tadora, poética, descrevendo suainfância sofrida, como de mui-

12. “Manuelzão e Miguelim”, de João Guimarães Rosa, p.37

Cristina Rolim Chyczy Bruno é mestre em Educação e pedagoga da

Escola Municipal Nympha Maria da Rocha Peplow, de Curitiba.

tas das crianças com as quais nosdeparamos em nossas escolas.Um certo dia, Miguelim foi aju-dar seu tio a recolher taquarasno mato e o menino, com pron-tidão, juntou um feixe muitomaior que seu tamanho poderiacarregar. Então, o tio perguntou:“Miguelim, este feixinho estámuito pesado para você?” EMiguelim, com sábia visão de in-fância responde:

“Tio Terêz, está não. Se a gen-te puder ir devagarinho com pre-cisa, e ninguém não gritar com agente para ir depressa demais, en-tão eu acho que nunca é pesa-do...”12

Quiçá possamos aprendercom Miguelim como a criançavivencia seus desejos e necessi-dades, e atentar que, para ela,nada é pesado, desde que suanatureza e seu ritmo sejam sem-pre respeitados!

31novembro 2008

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Há dois anos o ensino fun-damental foi expandido de oitopara nove anos. Pensar esta ex-pansão requer mais do que ape-nas compreender e pôr em prá-tica os fundamentos legais queintroduziram um ano a mais naescolarização básica brasileira.Em 2004, o Governo Federal, pormeio da Secretaria de Educação

Básica do Ministério da Educação(MEC/SEB), apresentou as Orien-tações Gerais para a implantaçãodo Ensino Fundamental de noveanos. Este documento apresentaas primeiras implicações desseacréscimo, considerando os limi-tes impostos pela organização eestrutura, instituídos pelas ideo-logias dominantes, arraigadas

em nosso sistema de ensino.Em princípio, o texto faz um

mea-culpa ao apontar que, ape-sar de 97% das crianças freqüen-tarem a escola, “o modelo edu-cacional vigente não provocoumudanças efetivas de comporta-mento para construir uma cida-dania solidária, responsável ecomprometida com o País e com

A escolarização básica brasileiraem mudança

Não serei o poeta de um mundo caduco.Também não cantarei o mundo futuro.

Estou preso à vida e olho meus companheirosEstão taciturnos, mas nutrem grandes esperanças.

[...]O tempo é a minha matéria, o tempo presente, os homens presentes, a vida presente.

Giselle Corrêa Nienkötter

O Ministério da Educação justifica a ampliação do Ensino Fundamental para 9 anoscomo importante para aumentar a escolarização das crianças e jovens. No entanto, odesafio consiste em oferecer as condições para que os profissionais e as escolaspossam assegurar a permanência do estudante na escola por todos os nove anos,mais os Ensinos Médio e Superior, com a qualidade necessária.

Carlos Drummond de Andrade

RESU

MO

32 novembro 2008

Page 33: Chão da Escola 07

seu futuro”1 Isto fica bem claroquando se observa que os indi-cadores nacionais

[...] apontam que, atualmente,das crianças em idade escolar, 3,6%ainda não estão matriculadas. En-tre aquelas que estão na escola,21,7% estão repetindo a mesmasérie e apenas 51% concluirão oEnsino Fundamental, fazendo-o em10,2 anos em média.2

Estes dados alarmantes de-sencadeiam inúmeras reflexões.A primeira está dada pelo pró-prio documento ao se referir aosobjetivos de implantar o EnsinoFundamental de nove anos:“...assegurar que, ingressandomais cedo no sistema de ensino,as crianças prossigam nos estu-dos, alcançando maior nível deescolaridade.”3 Qual é a relaçãoentre iniciar a escolarização maiscedo com a permanência na es-cola, se considerados os dadoscitados? Outros importantesquestionamentos se originamdesta primeira constatação e secolocam:

• Por que a escola não deuconta dos alunos e alunas matri-culados, no sentido de permitira conclusão do curso?

• Quais são as relações soci-ais, econômicas e culturais queafastam os meninos e meninasda escola?

• Se o modelo de escola queperpetuamos há décadas exclui,seleciona e discrimina milharesde crianças, por que permanece-mos reproduzindo-o?

• Quais caminhos tomare-mos para mudar este quadro?

• Que outra escola quere-mos?

• O que um ano adicional deescolarização pode fazer para re-verter este quadro?

As respostas são comple-xas e exigem estudo, determi-

nação para mudar e, principal-mente, intenção e ação gover-namental. Pode-se afirmar quenove anos de escolarizaçãofundamental não superarãoesta deficiência, pois o novodesafio que se impõe é man-ter as crianças na escola e nãosomente matriculá-las.

Neste sentido, considerar-se-ão para esta análise três eixos dediscussão, quais sejam:

1. A obrigatoriedade do en-sino a partir dos seis anos de ida-de, tendo em vista, contudo, odireito à educação infantil dezero a cinco anos;

2. As condições de manuten-ção e atendimento destas crian-ças no âmbito da escola pública(financiamento insuficiente, for-mação precária de professores eprofessoras, condições de traba-lho deficientes, salários aviltan-tes, patrimônio público abando-nado, etc.);

3. O currículo da infânciapara incluir a criança de seisanos no primeiro ano e a conse-qüente reformulação curricularpara os próximos anos, conside-rando não só a infância, mastambém a pré-adolescência e aadolescência.

O direito à escolarizaçãobásica desde a EducaçãoInfantil

O dever do Estado com aEducação Infantil (Art. 4.º - Leisde Diretrizes e Bases da Educa-ção – LDB Nº 9.394/96) é expres-so como gratuito em creches epré-escolas às crianças de zero aseis anos de idade. O Art. 30º,estabelece a subdivisão da Edu-cação Infantil em creches – queatendam crianças até três anosde idade – e pré-escolas, paracrianças de quatro a seis anos deidade. A LDB, ao incorporar osdispositivos da Constituição Fe-deral de 1988, entende a educa-ção infantil como etapa inicialda Educação Básica e, portanto,direito inalienável de cidadaniae dever do Estado.

No Paraná, a Deliberação Nº02/2005 do Conselho Estadual deEducação estabeleceu que o es-tado tem o dever de atender ascrianças de zero a seis anos emcomplementação à ação da fa-mília e da comunidade. Confor-me o texto Normas e Princípiospara a Educação Infantil no Sis-tema de Ensino do Paraná4, ane-xo à deliberação, “o ordena-

1. MEC/SEB, 2004, p. 92. MEC/SEB, 2004, p. 93. MEC/SEB, 2004, p.144. CEE, 2005, p. 19

Qual é a relação entre iniciar a escolarizaçãomais cedo com a permanência na escola, se

considerados os dados citados?

33novembro 2008

Page 34: Chão da Escola 07

mento constitucional brasileiroatribui às crianças direitos de ci-dadania, definindo que sua pro-teção integral deve ser assegu-rada pela família, pela socieda-de e pelo poder público, comabsoluta prioridade.”

São os conflitos entre Esta-do e cidadãos que, neste recor-te, permeiam a discussão dos di-reitos educacionais, postos numaperspectiva de políticas públicasliberais. O grande desafio é in-verter a lógica do capital aquiposta e realizar as cobranças paraque o Estado cumpra seu deverde realizar o que é determinadojurídica e legislativamente. Estascobranças nada mais são do queas políticas públicas, objeto dosdireitos sociais reconhecidosconstitucionalmente.5

Afinal, o direito à educaçãonão se reduz ao direito do indi-víduo de cursar a Educação In-fantil e, em seguida, o ensinofundamental para alcançar me-lhores oportunidades de empre-go e contribuir para o desenvol-vimento econômico da nação.Deve ter como finalidade o ofe-recimento de condições para odesenvolvimento pleno de inú-meras capacidades individuais,não se limitando às exigências domercado de trabalho, mas ten-do vistas ao crescimento nos pla-nos intelectual, físico, moral, cri-ativo e social. O sistema educa-cional deve também preocupar-se em fomentar valores como orespeito aos direitos humanos eà tolerância, além da participa-ção social na vida pública, sem-pre em condições de liberdade edignidade.6

O importante é perceberque a implantação de um siste-ma público adequado de educa-ção interessa não apenas aosbeneficiários diretos do serviço

(alunos e alunas), mas à coletivi-dade, já que a educação escolarconstitui um meio de inserir asnovas gerações no patrimôniocultural acumulado pela huma-nidade, dando-lhe continuidade.

A partir de 6 de fevereiro de2006, com a instituição da Lei Nº11.274, que alterou a redaçãodos artigos 29, 30, 32 e 87 daLDB, o ensino fundamental foiampliado para nove anos, commatrícula obrigatória a partir dos

seis anos. Entretanto, a LDB nãoobriga o Estado a garantir a edu-cação infantil de zero a cincoanos, apesar de ser seu dever deoferecê-la. Segundo SôniaKramer7, “se configura uma situ-ação desigual, em particular noque se refere às crianças de zeroa três anos e aos estratos maispobres da população: 57,1% decrianças são atendidas, mas ape-nas 10,6% das crianças de zero atrês anos8”.

5. Clarice Seixas Duarte, 20046. Idem, 20047. 2006, p. 8038. Maria Dolores Kappel, no livro Profissionais de educação infantil: gestão e formação, organizado por Sônia Kramer, 2005

Precisa-se atentar aos desafios que secolocam frente à consolidação do direito eda oferta da educação de qualidade para

os nove anos de ensino

34 novembro 2008

Page 35: Chão da Escola 07

Ainda que não haja garan-tia de vaga em creches e escolasde Educação Infantil para todasas crianças, espera-se que os re-cursos do Fundeb (Fundo deManutenção e Desenvolvimentoda Educação Básica) sirva àgradativa ampliação das vagasescolares para as crianças peque-nas, nos próximos anos de im-plantação. O Fundeb, instaladopor emenda constitucional em 6de dezembro de 2006 e sancio-nado em 20 de junho de 2007,financia a educação de alunos ealunas de 6 a 14 anos – que com-põem o Ensino Fundamental denove anos, a Educação Infantil(zero a cinco anos), o EnsinoMédio (15 a 17 anos) e a Educa-ção de Jovens e Adultos.

É no sentido de pôr em pau-ta o pleno atendimento dos me-

ninos e meninas da EducaçãoInfantil e da inserção coerente econsciente das crianças de seisanos no 1º ano, que se iniciouesta discussão pelas questões le-gais e financeiras. No entanto,mesmo que o almejado acolhi-mento de todas as crianças naEducação Infantil ocorra, preci-sa-se atentar aos desafios que secolocam frente à consolidaçãodo direito e da oferta da educa-ção de qualidade para os noveanos de ensino, pautados porKramer como os seguintes:

[...] a organização dos sistemasmunicipais; a necessidade de que aspolíticas de Educação Infantil [e doEnsino Fundamental] sejam articu-ladas com as políticas sociais; a for-mação dos profissionais da Educa-ção Infantil [e do Ensino Fundamen-tal] e os problemas relativos à car-reira; as ações e pressões de agên-cias internacionais, que têm exigidoum constante alerta da parte dosmovimentos sociais, em particulardos fóruns estaduais [...]; as precá-rias condições de creches comunitá-rias não transferidas para as redesmunicipais de educação.9

Enfim, desafios que só pode-rão ser sobrepujados na medidaem que se avance no enfren-tamento com os governos, naparticipação da gestão da escolae na superação dos nossos própri-os paradigmas modelados, namaioria das situações, numa pers-pectiva de escola positivista e re-produtivista.

Importa ressaltar que a Se-cretaria Municipal de Ensino deCuritiba ainda não apresentou di-retrizes específicas para o ensi-no de nove anos. Nas DiretrizesCurriculares para a Educação Mu-nicipal de Curitiba – Volume 3 –Ensino Fundamental, de 2006, háduas páginas sobre o tema comum breve histórico do ensinoobrigatório no Brasil e as suas leis

específicas.Sobre a necessidade de re-

estruturar o ensino fundamen-tal, indica somente que:

[...] o simples aumento dotempo da criança na escola nãoassegura melhores aprendiza-gens. É preciso uma nova orga-nização dos conteúdos, das prá-ticas de sala de aula e, especial-mente, o emprego eficaz do tem-po escolar.

Na Rede Municipal de Ensino deCuritiba, as metas quantitativas deatendimento ao Ensino Fundamen-tal estão sendo cumpridas. No en-tanto, ainda há o que avançar emtermos de melhoria da qualidade deensino.10

Em 22 de agosto de 2008 oConselho Municipal de Educaçãopublicou a Deliberação Nº 01/2008. Seu artigo 1º estabeleceque a criança deverá ter seis anoscompletos ou a completar noinício do ano letivo para iniciaro primeiro ano do Ensino Fun-damental de nove anos.

Contudo, a 14 de novembro,o Conselho Estadual de Educação,juntamente com o Ministério Pú-blico, decidiu permitir o acesso àscrianças que completem seis anos

9. Sônia Kramer, 2006, p. 802-80310. Diretrizes Curriculares para a Educação Municipal de Curitiba – Volume 3 – Ensino Fundamental, 2006, p. 4

“O simples aumentodo tempo da criança

na escola nãoassegura melhores

aprendizagens.É preciso uma nova

organização dosconteúdos, daspráticas de sala

de aula”

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no decorrer do ano. Isto porque aDeliberação Nº 02/08, de 17 de ou-tubro, do conselho, foi suspensapela 1ª Vara da Fazenda Públicano dia 10 de novembro.

No entanto, o CEE consensuacom o CME ao determinar a assi-natura de termo de responsabili-dade aos pais que desejarem queseu filho com menos de seis anosfreqüente o primeiro ano. O de-bate verificado no final de 2007se repete no final de 2008, agoracom ambos os conselhos delibe-rando sobre a mesma letra.

O CEE, aparentemente no fi-nal de 2007, posto que o docu-mento não é datado, publicaraas Orientações sobre o EnsinoFundamental de nove anos.Nele, há o histórico da implemen-tação do novo Ensino Fundamen-tal no Paraná, com toda a dis-cussão relativa ao corte etárioque permeou o início da dispu-ta entre os empresários da edu-cação e o Conselho. Desta dispu-ta resultou a alteração do artigo12 da Deliberação Nº 03/06, "quepassou a permitir a matrícula de

ingresso no Ensino Fundamentalde nove anos, de crianças quecompletassem seis anos no de-correr do ano letivo de 2007."11

Este embate permanece nofinal de 2008, mas agora comregras mais explícitas, pois deacordo com a Deliberação Nº 01/2008 (CME), as escolas que tive-rem vagas, proposta pedagógi-ca adequada para o atendimen-to da criança de cinco anos noensino fundamental, regras dematrículas explícitas no regimen-to da escola, além do termo as-sinado pelos pais e mães, pode-rão receber as crianças com seisanos incompletos. Resta sabercomo se dará este procedimen-to nas unidades escolares e comoserá a sua fiscalização.

As condições de manutençãoe atendimento das criançasno âmbito da escola pública

Há muito que educadores eeducadoras discutem as condi-ções de trabalho, ensino, apren-

dizagem e de infra-estrutura,todas as condicionantes que po-dem tornar reais as possibilida-des de uma educação emancipa-tória para a classe trabalhadora.

Agora, com nove anos de en-sino fundamental, torna-se maisurgente e necessário que se pres-sione os governos estadual e mu-nicipais para que sejam atendi-das as principais “bandeiras” quea categoria, junto ao Sismmac,carrega: recuperação das perdassalariais; ampliação dos direitosdos profissionais do magistérioa partir de modificações na LeiNº 10.190/01; alterações na polí-tica de capacitação da SME; pro-gramas de apoio à saúde do tra-balhador; discussão da gestãodemocrática nas escolas munici-pais; resolução das questões re-lativas ao ICS e ao IPMC; garan-tia e implantação de condiçõesdignas de trabalho.12

Não é objeto deste texto ex-primir a lista de dificuldades eproblemas que se enfrenta nodia-a-dia nas escolas, mas lem-brar que sem as condições aci-ma descritas ficará difícil ofere-cer qualidade na escolarizaçãoestendida que ora se apresenta.Da mesma forma, não se podecolocar as dificuldades acima docompromisso com a educação,de forma que a acomodação pre-valeça enquanto as mudanças decima para baixo não ocorrem.Pelo contrário, é a partir dasações, como educadores e edu-cadoras esclarecidos e conscien-tes de seu papel social, que sepodem exceder os limites e apre-sentar propostas criativas e con-tundentes na busca da transfor-mação social e na emancipaçãocultural das crianças brasileiras,filhas da classe trabalhadora.

Neste sentido, torna-se per-tinente repensar a escola que que-remos, o currículo necessário e oscaminhos que possibilitarão o de-

11. CEE, s/d, p. 212 Sismmac – Pauta de Reivindicações, 2008

36 novembro 2008

Page 37: Chão da Escola 07

bate com os órgãos governamen-tais para implantação do ensinofundamental de nove anos, demaneira que corresponda às ex-pectativas de não ser somentemais um ano esvaziado de con-teúdos, nem de aceleração da al-fabetização para as crianças deseis anos que ingressam no 1° ano.

A discussão curricular comofundamento da implantaçãodo ensino fundamental denove anos

É luta e objeto de discussãodo Sismmac a reformulaçãocurricular e a discussão com osdepartamentos da Secretaria Mu-nicipal da Educação de Curitibaque criam e implementam as di-retrizes curriculares para a edu-cação infantil e para o ensinofundamental. Afinal, nadamoscontra a corrente – na acepçãoda Prof.ª Maria Dativa de SallesGonçalves13, ao considerar que aspolíticas públicas brasileiras paraa educação, desde a década de1990, têm sido direcionadas paraos resultados da aprendizagem(por exemplo: SAEB, Prova Bra-sil, Provinha Brasil), a fim de pri-vilegiar a demanda do mercadocapitalista, e não a formação in-telectual de cidadãos e cidadãsbrasileiros.

Acreditando que a organiza-ção curricular e pedagógica daescola deva estar centrada noprocesso de ensino e de apren-dizagem,

[...] a implantação do EnsinoFundamental de nove anos leva-nosa repensá-lo em seu conjunto – sa-beres, tempos, métodos, sujeitos[ou seja, currículo como forma deencaminhamento e organizaçãoescolar, e não somente comolistagem dos conteúdos disciplina-res]. Para receber essas crianças, a

escola precisa reorganizar sua es-trutura, seus conteúdos, suas for-mas de avaliação, enfim, a organi-zação do trabalho pedagógico,...14

E é justamente a reorgani-zação da escola que incita o es-tabelecimento de novas relaçõeshumanas e pedagógicas dentrodo contexto escolar, consideran-do as concepções de mundo, dehomem e de mulher, de cultura,de educação, de sociedade, depoder, enfim, de vida que se de-seja. Porém, com a inclusão da

criança de seis anos no 1° ano doEnsino Fundamental, vislumbra-se também a necessidade de pen-sar a visão da infância que se teme seu lugar no mundo.

Em princípio, é preciso terclaro que a criança pequena tam-bém é sujeito histórico e cultu-ral. Nesta etapa de transição en-tre a Educação Infantil e o Ensi-no Fundamental, importa quenão se pule etapas e nem se tra-te as crianças pequenas como pe-quenos adultos. E o mais impor-tante, que não se tome o 1° anocomo um simples adiantamentoda antiga 1ª série, quando o pro-cesso de alfabetização era inte-

gralmente consumado.As orientações do CEE-PR in-

dicam as diferenças entre o cur-rículo da Educação Infantil e doEnsino Fundamental, mas nãoapontam para a forma de enca-minhamento, deixando abertaesta discussão:

Conforme o Parecer nº 39/06 –CNE/CEB a Educação Infantil é espa-ço privilegiado para interação,aprendizagens espontâneas e sig-nificativas, em que o espaço lúdicoé o eixo estruturante, reafirmandoo direito à infância. Já no que tangeao ensino fundamental, este se en-contra intimamente articulado como desenvolvimento das aprendiza-gens científicas, de acordo com oParecer nº 39/06 - CNE/CEB. Postoisso, evidencia-se a necessidade deconstrução de um novo projeto po-lítico-pedagógico diferenciado, queatenda às especificidades tanto daeducação infantil quanto do ensinofundamental de nove anos.15

Diante deste quadro, é pre-ciso iniciar o debate sobre a for-ma como professores e educado-res da rede municipal trabalha-rão os conteúdos específicos doprimeiro ano, sem transpor, ale-atoriamente, os pressupostos te-óricos, metodológicos e pedagó-gicos da última etapa da Educa-ção Infantil para o 1º ano do En-sino Fundamental de nove anos.

Embora a maioria das esco-las públicas municipais já estejaministrando o 2º ano do ensinode nove anos, o documento maisrecente que a Secretaria de Edu-cação Básica do MEC apresenta– Ensino Fundamental de 9 anos:3° Relatório – aponta especifica-mente para a problemática daalfabetização:

O primeiro ano do EnsinoFundamental de nove anos nãose destina exclusivamente à al-fabetização. Mesmo sendo o pri-meiro ano uma possibilidade

13. Professora Doutora em Educação, aposentada pela UFPR.14. APP-Sindicato, 2007, p. 6515. CEE-PR, Orientações sobre o Ensino Fundamental de 9 anos, s/d, p. 3

Com nove anos deensino fundamental,

torna-se maisnecessário que se

pressione osgovernos para quesejam atendidas as

principais“bandeiras” da

categoria

37novembro 2008

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para qualificar o ensino e aaprendizagem dos conteúdos daalfabetização e do letramento,não devem ser priorizadas essasaprendizagens como se fossema única forma de promover o de-senvolvimento das crianças des-sa faixa etária. É importante queo trabalho pedagógico imple-mentado possibilite ao aluno odesenvolvimento das diversasexpressões e o acesso ao conhe-cimento nas suas diversas áreas.

É importante lembrar que oconteúdo do 1° ano do Ensino Fun-damental de nove anos não deve sero conteúdo trabalhado no 1° ano/1ªsérie do Ensino Fundamental de oitoanos, pois não se trata de realizaruma adequação dos conteúdos da 1.ªsérie do Ensino Fundamental de oitoanos. Faz-se necessário elaboraruma nova proposta curricular coe-rente com as especificidades não sóda criança de 6 anos, mas tambémdas demais crianças de 7, 8, 9 e 10anos, que constituem os cinco anosiniciais do Ensino Fundamental. Essanova proposta curricular deve, tam-bém, estender-se aos anos finais des-sa etapa de ensino.16

Ainda que a discussão da al-fabetização seja pertinente, odocumento limita-se a esta visãoestreita do currículo, consideran-do somente os conteúdos, semquestionar as outras dimensõesque fazem parte da dinâmicaescolar: os ritos escolares, a in-fluência da mídia, a violência aque as crianças podem estar su-jeitas, condições de vida famili-ar, relação professor/educador-aluno e aluno-aluno, o individu-alismo crescente, a efemeridadedas relações, o consumismo exa-cerbado, o imediatismo da pós-modernidade, além de inúmerosoutros fatores que inserem a es-cola no mundo real, e não numaredoma onde coisas estranhas e

diversas da vida em sociedadeacontecem.

Como iniciação a esta refle-xão, lança-se um breve olhar so-bre os ritos escolares burocratiza-dos que se interpõem à práticaeducativa, como herança tambémda educação escolar que tivemos.A maioria dos ritos que se repro-duzem na escola são formas deopressão, segmentação, alienaçãoe de reforço das desigualdades.

Os ritos de chegada (cumpri-mentos da professora e despedi-da dos pais), e os ritos de ordem(horários e disciplinas comparti-mentados pela sineta; imposiçãode silêncio; comemoração dedeterminadas datas; espaços or-ganizados, inclusive por filas decrianças e classes; adestramentodas crianças, como a exigênciade locomover-se com as mãozi-nhas para trás), revelam práticasque só acontecem dentro da es-cola e, dificilmente se refletemna vida cotidiana. Como mudareste quadro? Um bom início po-deria ser a criação de um horá-rio menos segmentado, com au-las geminadas, por exemplo; aabolição da organização em fi-las; o uso de música para indicara hora do recreio, da mudançade aula e de ir embora, em lu-gar da estridente sineta; a deter-minação democrática de tornaras relações mais libertárias emenos autoritárias. E mais, a ati-tude conseqüente de analisaroutras experiências brasileirasonde a escola organiza seus tem-pos e espaços de formas alterna-tivas e exitosas, onde a escolatenha alcançado a democratiza-ção do conhecimento e das rela-ções, fim máximo da educação.

Contudo, além das dificulda-des inerentes ao trabalho educa-tivo diferenciado, a lógica eco-nômica do capital, hegemônica

nas políticas educacionais volta-das para a educação brasileira,remetem para um redimensio-namento do currículo, que bus-ca atender o

[...] oferecimento de suporteao funcionamento de um siste-ma de avaliação. O currículo na-cional facilita, em outras palavras,que se esclareça aos ‘consumido-res’ quais as escolas que merecemser consideradas como de quali-dade para que, a partir daí, as ‘for-ças do mercado livre’ passem aoperar com força total.17

No entanto, o resultado des-te sistema, que deveria buscar acoesão social e a melhoria dasescolas, acaba tendo efeito inver-so, pois as diferenças de classesocial, raça e sexo em uma soci-edade desigual, promovem oaprofundamento das diferenças.“A instituição do currículo na-cional unificado (...) [pode ser-vir à] instituição de vigorosomecanismo de controle políticodo conhecimento”18. No entan-to, o que se defende é a adoçãode um currículo nacional básicoque não se restrinja aos Parâme-tros Curriculares Nacionais.

16. MEC/SEB, 2007, p. 917. Antônio Flávio Moreira, 1995, p. 9918. Michael Apple, Official Knowledge: democratic education in a conservative age. Londres: Routledge, 1993, in MOREIRA,1995, p. 99

Reafirma-se anecessidade de se

construir um currículopúblico como formade propiciar à classe

trabalhadora ascondições de

intervenção para aconstrução de

um Estado público

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Reafirma-se então a necessi-dade de se construir um currícu-lo público como forma de pro-piciar à classe trabalhadora ascondições de intervenção para aconstrução de um Estado públi-co. Afinal, construir um Estadopúblico é fazer avançar o proces-so civilizatório. Especialmentenum Estado como o Brasil, cujaselites permanecem com menta-lidades feudais no que se refereà propriedade; e neoliberal, noque se refere às relações de tra-balho e aos direitos sociais dequem vive do trabalho – ou so-brevive sem ele.

A construção de um currí-culo público fica dificultadanum cenário como este. Afinal,o filho do trabalhador não tempossibilidade de acesso aos mes-mos conteúdos que tem o filhodo burguês; e mais, o meio so-cial do último opera politica-mente contra a unificação docurrículo.

No entanto, deve-se atentarpara a dificuldade de coesãocurricular num país continental.As diferentes culturas regionais,em alguns casos, impedem quetodos os alunos aprendam osconteúdos com os mesmosenfoques. Contudo, isto não sig-nifica que para as crianças daclasse trabalhadora será criadoum currículo e para as criançasda elite outro. Significa que osconhecimentos universais, cientí-ficos e culturais sistematizados,assim como, e principalmente, osnão-sistematizados (e aí está ogrande desafio), que contam a his-tória na perspectiva dos segmen-tos subjugados – história dos ne-gros, dos indígenas, das mulheres,etc. – devam ser adaptados à rea-lidade de cada situação de apren-dizagem, na perspectiva de supe-

rar os limites e criar possibilida-des de que todos tenham acessoaos mesmos conteúdos.

Há que se tomar cuidadopara que, na expressão deArelaro19, não nos submetamos àestratégia neoliberal: “Aos po-bres, uma educação pobre!”. Nes-ta visão submetida ao capital, “...a cultura culta [estaria] impreg-nada de valores burgueses e, por-tanto nociva às camadas popula-res”20. Esta proposição não podeser tomada como verdadeira,uma vez que limita ainda mais aformação dos alunos das cama-das populares, além de acirrar opreconceito. Sendo uma das fun-ções da escola a democratizaçãodo conhecimento, os alunos quetrazem as marcas culturais da clas-se trabalhadora têm o direito deincorporar todas as formas decultura sem que se perca

[...] o vínculo, o reconheci-mento e a valorização de suacultura de origem. [Além domais] é importante considerarque ‘os saberes (...), o raciocínio,o método científico, [os grandesclássicos literários, a cultura po-pular brasileira] carregam em simesmos uma capacidade reflexi-va crítica.’21

Não garantir a formação cul-tural é negar a possibilidade datransformação social. Assinalem-se aqui as palavras de MariaLacerda de Moura, feminista e

simpatizante das idéias comunis-tas e anarquistas, que em 1920encaminhou cinco trabalhospara a comissão organizadora doI Congresso Brasileiro de Prote-ção à Infância, realizado no Riode Janeiro em 1922, com o in-tuito de contestar as práticasassistencialistas, higienizantes ecientíficas para com as criançasda época:

Tudo ao alcance de todos:Educação clássica pelo teatro:

Corneille, Racine, Ibsen, Shakes-peare, Molière, Dickens, etc. Bibli-otecas públicas por toda parte.Museus. Exposições permanentes.Edições de todas as obras clássicas,distribuídas pelos lugares mais lon-gínquos. Escolas ao ar livre. Sana-tórios e colônias de férias. Postosde higiene. Fontes de água fervi-da. Centros de música. Excursões eviagens. Escolas de professores. Es-colas de belas artes. Postos orto-pédicos. Escolas para cegos e sur-dos-mudos. Escolas para mutilados.Aproveitamento do cinematógrafocomo meio de educação sob todosos aspectos. Aproveitamento dospalácios para escolas, hospitais oucentro de diversões. Sanatórios detrabalho. Campos de jogos. Escolasmaternais e jardins-de-infância. La-boratórios e postos dentários. As-sistência médica. Raio X. Conferên-cias. Universidades. Nem jogo nemálcool. Parques e jardins públicos,etc., etc. Enfim, o bem-estar paratodos, a satisfação das vocações edas necessidades. A saúde, a ale-gria de viver. Nada disso é possívelno atual regime, porque os deten-tores do poder e do capital ficari-am prejudicados nos seus interes-ses pessoais.22

Nesta ótica, pretende-se in-citar a reflexão e a análise do quese intenciona em nível governa-mental e o que se quer propor

19 2000, p. 11320 SANTOS e LOPES, 1997, p. 3721 GRIGNON, C. Cultura dominante, cultura escolar e multiculturalismo popular. In: SILVA, T. T. (org.). Alienígenas na sala deaula. Petrópolis: Vozes, 1995, p. 186.in SANTOS e LOPES, 1997, p.3722 LEITE, Míriam L. M. A outra face do feminismo: Maria Lacerda de Moura. São Paulo: Ática, 1984. in KUHLMANN JR., 2002, s/p

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como educadores progressistas.As discussões acerca do EnsinoFundamental de nove anos pre-cisam avançar no sentido de pen-sar todo o currículo.

No propósito de progredirneste debate para a continuida-de do Ensino Fundamental, do2° ao 9° ano, precisa-se aprovei-tar o momento para apresentarpropostas às Secretarias da Edu-

cação do estado e dos municípi-os, sobre a forma e o conteúdodesta implementação, para quese garanta a participação ativados trabalhadores em educaçãocomo intelectuais formadores, enão como tarefeiros – utilizan-do a expressão de Arroyo –, prá-tica esta que reduz a educaçãoao ensino, onde o professor pas-sa a ser um mero transmissor de

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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Giselle Corrêa Nienkötteré Mestranda em Educação pela UFPR

conteúdos, burocrata dos livrosde chamada. A dimensão histó-rica e social dos educadores estápara muito além do serviço sis-temático.

Espera-se que o Ensino Fun-damental de nove anos possa virpara ajudar a propiciar a mudan-ça do trágico quadro de exclu-são que se teve com o ensino deoito anos.

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A obra de Antonio Gramscitem grande destaque na produ-ção marxista do século XX. En-tretanto, por não ter sido siste-matizada pelo autor, ela tempermitido leituras diversas doseu conteúdo, ora mais à esquer-da, ora mais à direita. O próprioGramsci apontou esta “incom-pletude” da sua obra, uma vezque escreveu a maior parte delano cárcere, submetido a um cer-co de censura constante, além denão ter acesso a muitos textosque seriam fundamentais paradar mais consistência às suas aná-lises. Além disso, Gramsci ficourestrito à Itália pelo Stalinismoe pode ter sofrido as limitaçõesde elaborar sua teoria sobre umasociedade em particular.

Segundo Florestan Fernan-des, as obras dos marxistas de-vem ser analisadas num modointeiro, “principalmente o cruza-

mento concreto entre determi-nações gerais e particulares, peloqual o todo da análise materia-lista-dialética não comporta nemsimplificação conceitual, nem re-dução empírica, nem abstraçãopulverizadora”.1

Não se pode ser gramscianopela metade, escolhendo aqui ouacolá aspectos que sirvam paraexplicar determinada particula-ridade, conforme a conveniênciado escritor.

Gramsci travou um comba-te com o que definiu como“maximalismo”, grupo reformis-ta que era a extrema-esquerdado Partido Socialista Italiano,entendido como uma concepçãofatalista e mecanicista da doutri-na de Marx, que supõe ser inelu-tável que o proletariado vençae, portanto, seria inútil mover-se, já que as massas viriam aténós. Contra esta concepção,

Gramsci invoca Lênin, que diziaque para vencer o inimigo declasse, devemos aproveitar qual-quer rusga em seu seio e utilizartodo aliado possível, mesmo osincertos, vacilantes e provisóri-os. Primeiro é preciso desagregaro inimigo para depois enfrentá-lo em campo aberto.

A Sociedade Civil recebe deGramsci vários sinônimos, queajudam a compreender o seupapel. Portadora material da fi-gura social da Hegemonia, esfe-ra de mediação entre a infra-es-trutura econômica e o Estado,constitui a “trama privada” e éa soma dos “aparelhos privadosde hegemonia”.

Segundo Coutinho, Gramscinão nega o materialismo histó-rico, como base da produção/re-produção da vida material, rela-ções sociais e como fatorontologicamente primário na

Dentre os vários Gramsci, umeducador socialista!

Armenes de J. Ramos Jr.

O artigo realiza breve síntese das principaiscategorias gramscianas, à luz do método por eleutilizado, o materialismo-dialético, com vistas asubsidiar uma leitura atual do pensador emilitante italiano. Também destaca aspectos daeducação para a construção da hegemonia peloproletariado. O texto é parte da tese deDoutorado intitulada “A Formação de umIntelectual Coletivo: um estudo sobre opercurso dos Militantes na construção da Saúdedo Trabalhador no Paraná”, do mesmo autor.UFPR - 2007. Endereço eletrônico http://dspace.c3sl.ufpr.br:8080/dspace/handle/1884/13669

1. Florestan Feranandes, 1981

RESU

MO

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história. O Estado para Marx,Engels e Lênin é Aparelho deRepressão (detém o monopólioda violência). Em Gramsci, o Es-tado analisado é mais complexo,sendo que grandes sindicatos,partidos de massa, jornais prole-tários e sufrágio universal dão aforma a este Estado. ParaGramsci, “Marx não poderia terexperiência histórica maior quea de Hegel, portanto, organiza-ção política para Marx era orga-nização profissional, clubesjacobinos, conspirações, peque-nas organizações, organizaçõesjornalísticas”.2

Segundo Gramsci, a sociali-zação da política é possível nocapitalismo desenvolvido, com aformação de Sujeitos Coletivosde Massa, que atuam entre doisplanos superestruturais:

o que pode ser chamado de “so-ciedade civil”, isto é, o conjunto deorganismos chamados comumentede “privados” e o da “sociedade po-lítica ou Estado” e que correspon-dem à função de “hegemonia” queo grupo dominante exerce em todaa sociedade e àquela de “domíniodireto” ou de comando, que se ex-pressa no Estado e no governo “jurí-dico”. Estas funções são precisamen-te organizativas e coercitivas.3

Sociedade Civil é o conjun-to das organizações para elabo-ração e difusão da Ideologia: es-colas, partidos, igrejas, organiza-ções profissionais, organizaçãomaterial da cultura (revistas, jor-nais, meios de comunicação demassa). A luta pelo poder no Es-tado deve ser ganha na Socieda-de Civil antes, ou seja, durante aTransição, como Processo (Guer-ra de Posições).

O plano da Sociedade Civil éabrangente e vasto, pois constituio campo da ideologia, que podeser classificada em diversos graus:

a) Filosofia: individual, maiselaborada, chave-mestra da Ide-ologia, se prolonga no Senso Co-mum para dirigir a sociedade;

b) Senso Comum: traçosdifusos de uma época/meio, nãoé igual na sociedade, seu traçofundamental é constituir umaconcepção fragmentária e inco-erente; é o folclore da filosofia;

c) Religião: tem vínculo mai-or com o Senso Comum do quecom a filosofia;

d) Folclore: concepção demundo não elaborada eassistemática, conjunto indiges-to de fragmentos contaminados.

A verdadeira relação entrefilosofia e senso comum é feitapela política para assegurar ahegemonia. O dever de qualquernovo grupo social é definir suaprópria filosofia e combater osenso comum.

A estrutura e o material ideo-lógico são a articulação interna daSociedade Civil. Organizações Cul-turais materiais são construídaspara defender e desenvolver afrente teórica, e suas frações são,por exemplo, a magistratura e osoficiais do exército.

Estado burguês e Estadoproletário

A classe dominante não temno Estado sua única fonte depoder, este poder nasce da pos-se dos meios de produção, é ex-pressão concreta de relações so-

ciais que se produzem e repro-duzem na sociedade. Por isso, adisputa de hegemonia é um pro-cesso de “construção” de umaordem de instituições próprias daclasse trabalhadora para se con-trapor às instituições burguesas.Nestas instituições proletárias,organizar-se-iam as relações quese transformariam em uma nova“cultura”, que constituiriam abase para a construção de umnovo “Estado”, de um duplopoder, nos termos leninistas. As-sim, Gramsci afirma que:

o Estado socialista existe já po-tencialmente nas instituições davida social, características da classetrabalhadora explorada. Coligarentre os trabalhadores estas insti-tuições, coordená-las e subordiná-las a uma hierarquia de competên-cia e de poderes, centralizá-las for-temente, embora respeitando asnecessárias autonomias e articula-ções, significa criar desde já umaverdadeira e própria democraciaoperária em contraposição eficien-te e ativa com o Estado burguês,preparada desde já para substituiro Estado burguês em todas as suasfunções essenciais de gestão e dedomínio do patrimônio nacional.4

Nesta passagem, Gramscicontrapõe as “instituições ope-rárias” às burguesas, atribui tam-bém um caráter de Estado a es-tas instituições, uma vez que es-tas estejam organizadas, centra-lizadas e subordinadas a umadeterminada hierarquia. Em ou-tra passagem esta afirmação fica

2. Carlos Nelson Coutinho, 19813. Antonio Gramsci, 1989, pp42-494. Idem, 1976a, pp337

Não se pode ser gramsciano pela metade,escolhendo aqui ou acolá aspectos que sirvam

para explicar determinada particularidade,conforme a conveniência do escritor

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ainda mais clara:O problema concreto do Parti-

do Socialista é (...) o problema dopoder, é o problema dos modos edas formas pelos quais seja possívelorganizar toda a massa dos traba-lhadores italianos numa hierarquiaque organicamente culmine no par-tido, é o problema da construção deum aparelho estatal, que no seuâmbito interno funcione democra-ticamente, isto é, que garanta a to-das as tendências anticapitalistas aliberdade e a possibilidade de setornarem partidos de governo pro-letário e, em relação ao exterior, queseja como uma máquina implacávelque mine os organismos do poderindustrial e político do capitalismo.5

O Fim do Estado, paraGramsci, é o fim dos mecanismosde coerção do Estado, ou areabsorção da Sociedade Políti-ca na Sociedade Civil. É a supre-macia da hegemonia/consensosobre a coerção/dominação.

Por ter esta concepção,Gramsci foi crítico à URSS de

Stálin, apesar de, por escrito, elo-giar Stálin e se posicionar con-tra Trotski na questão da Revo-lução em um só país. Suas críti-cas se acentuaram com o fim daNEP (Nova Política Econômica)gradualista e com o processo decoletivização forçada e de indus-trialização acelerada.

Gramsci propunha comometa o fim das divisões gover-nantes/governados e dirigentes/dirigidos, no que se assemelha aLênin, em Estado e Revolução,que propõe a completa sociali-zação do poder. Mas, para Lênin(assim como para Engels) essacompleta socialização ocorrequase automaticamente, com aextinção das classes sociais. JáGramsci, supõe uma luta na po-lítica, nas instituições socialistas,faz uma crítica à “estatolatria”da URSS.6

Apesar de reconhecer a im-portância de fortalecer o Estadoem alguns países (onde a Socie-dade Civil é fraca), durante as

primeiras etapas da Construçãodo Socialismo, Gramsci propõeo Autogoverno dos produtoresem lugar do Governo dos Funci-onários. Diz que, o Estado Soci-alista deve fortalecer a Socieda-de Civil como condição para suaprópria extinção. O fim do Esta-do, o fim da coerção é o iniciodo Governo da Sociedade Civil.Gramsci é contra a identidadepartido/Estado, ideologia do par-tido/ideologia do Estado.

Esta construção do conceitode Estado em Gramsci, permeadapelas “incompletudes” da sua te-oria, associada às limitações daescrita no cárcere (onde ele nãopodia escrever, por exemplo, so-bre a importância da insurreiçãopara a tomada do poder) permi-tiram que setores socialistas re-formistas tomassem (até os nos-sos dias) sua teoria como basepara o reformismo. A utilizaçãoreformista de Gramsci supõeuma leitura parcial de sua obra,descontextualizada do conjun-

5. Ibidem, 1976b, pp 816. Carlos Nelson Coutinho, 1989

A verdadeira relação entre filosofia e senso comum é feita pela política.O dever de qualquer novo grupo social é definir sua própria filosofia ecombater o senso comum

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to e também da situação histó-rica em que vivia o pensador emilitante italiano. Gramsci nãodeixou dúvidas quanto ao papelque os setores reformistas dãoao Estado:

Os socialistas têm simplesmen-te aceito a realidade histórica pro-duzida pela iniciativa capitalista.Eles acreditam no caráter perpétuoe fundamental das instituições doEstado democrático. Na visão deles,a forma dessas instituições pode sercorrigida e retocada aqui e acolá,mas deve ser respeitada no funda-mental (...). Nós, por outro lado, per-manecemos convencidos de que oEstado socialista não pode ser incor-porado nas instituições do Estadocapitalista (...) O Estado socialistadeve ser uma criação fundamental-mente nova.7

Desta leitura de Gramsci sedepreende a formulação da ne-cessidade de um Partido Comu-nista que tenha como uma desuas tarefas fundamentais a de:

colocar ao proletariado e seusaliados o problema da insurreiçãocontra o Estado burguês e da lutapela ditadura do proletariado (...) aconquista violenta do poder neces-sita da criação de um partido daclasse operária com um tipo de or-ganização militar, amplamente di-fundido e enraizado em cada célulado aparato estatal burguês, e ca-paz de golpear e infligir-lhe sériasbaixas no momento decisivo daluta.8

Podemos afirmar que o con-ceito de Estado em Gramsci es-tabelece vínculo direto com atradição de Marx, Engels e Lênin,ao tratar deste como um orga-nismo próprio de um grupo queutiliza o monopólio da coerção,mas não apenas este monopólio,para manter a hegemonia sobrea sociedade. O Estado não pode,entretanto, se apresentar como

órgão de uma classe, precisamanter a aparência de uma re-presentação universal da socie-dade.

O mantenimento desta apa-rência implica na incorporação,como direitos, de reivindicaçõese interesses do proletariado. Estaincorporação retira das reivindi-cações seu potencial questio-nador da ordem vigente e asenquadra numa lista de tarefasburocráticas a serem cumpridas,em tese, pelo Estado. O cumpri-mento ou não destes direitos éo resultado contraditório de lu-tas permanentes e da formaçãode equilíbrios instáveis e de ar-ranjos de força entre as classes.Este processo é limitado pela ne-cessidade de reprodução do pró-prio capital e se limita, portan-to, ao nível das reivindicaçõeseconômicas parciais, sem atingirjamais os pilares do capitalismo:a propriedade privada dos mei-os de produção e a exploraçãoda força de trabalho.

Gramsci não deixa dúvida so-bre o que representa o Estado paraos socialistas: o Estado é a organi-zação econômico-política da clas-se burguesa; é a classe burguesana sua concreta força atual.9

O Estado burguês funcionacomo trincheira avançada, pro-tegida por casamatas e fortale-

zas que o enraizavam na carneda sociedade, dando unidade aodomínio burguês. Já o proletari-ado, segundo podemos interpre-tar dos textos precedentes deGramsci, deve ir constituindo seupróprio Estado (proletário) atra-vés do Partido.

A luta dos trabalhadores de-veria ir construindo suas institui-ções, assim como sua cultura,mas estas necessitariam, igual-mente, de uma unidade e centra-lidade, de um Estado que se con-traporia ao Estado burguês. As-sim, conclui Gramsci, “a fórmu-la ‘conquista do Estado’ deve serentendida nesse sentido: criaçãode um novo tipo de Estado, ge-rado pela experiência associativada classe proletária, em substi-tuição do Estado democrático-parlamentar”.10

A construção de um poderpopular e o acúmulo de forças, se-gundo o conceito de hegemoniade Gramsci, implicariam, portan-to, não a disputa do Estado bur-guês, ainda que em certas situa-ções a luta possa chegar ao interi-or de suas trincheiras, mas funda-mentalmente a criação de umaordem institucional e política con-trária à burguesa, em luta contraela e que se organiza para substi-tuí-la. Nas palavras de Gramsci, opartido proletário:

7. Chris Harman, 19788. Gramsci, citado por Harman, 19789. Antonio Gramsci, 1976, pp23110. Idem, 1976c, pp 35711. Ibidem, 1976d, pp174

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só pode reconhecer no Estado,conjunto da classe burguesa, o seudireto antagonista. Não pode entrarem concorrência para a conquista doEstado, nem direta nem indireta-mente, sem se suicidar, sem se desna-turar e transformar em puro setorpolítico, fora da atividade históricado proletariado, e se transformarnum enxame de moscas de cavalari-ça em busca dos doces a que se agar-rar, morrendo ingloriamente.11

Portanto, para Gramsci nãose trata de “disputar” o Estadoburguês, mas de substituí-lo poroutro. As organizações criadaspela ação do proletariado emsua luta contra o capital devemse preparar para serem “órgãosdo poder proletário que substi-tui o capitalismo em todas assuas funções”.

Gramsci estabelece uma im-portante diferença entre aquiloque chama de “grande política”e “pequena política”. A “peque-na política”, ou “política me-nor”, seria aquela que se identi-fica com a “política do dia-a-dia,parlamentar, de corredores, deintrigas”. A “grande política”seria aquela que compreende“as questões ligadas à fundaçãode novos Estados, com a luta peladestruição, a defesa, a conserva-ção de determinadas estruturasorgânicas econômico-sociais”.12

A política menor seria aque-la que se prende a questões “par-ciais e cotidianas” que se apre-sentariam no “interior de umaestrutura já estabelecida”. E épor isso, conclui Gramsci, que aclasse dominante quer mantertoda a luta dentro destes limi-tes, evitando que o choque ocor-ra entre a defesa daquilo queestá estabelecido contra a neces-sidade de instituir novas formasde vida.

Desta maneira, a disputa dehegemonia é vista como o pro-

cesso pelo qual, simultanea-mente, se luta contra o Estadoburguês e se constrói um novoEstado proletário. Para que nãopairem dúvidas sobre se isso sig-nifica disputar as instituições doEstado burguês, Gramsci con-clui que: “é preciso que o pró-prio poder passe para os traba-lhadores, mas estes nunca o po-derão ter até que se iludam depodê-lo conquistar e exerceratravés dos órgãos do Estadoburguês.”13

As associações de culturae a luta pela hegemonia

Na construção do Estado pro-letário ganham relevo na obrade Gramsci as Associações deCultura, que devem tratar da pre-paração do proletariado, criarcondições para a disputa dahegemonia, desinteressadamen-

te, isto é, sem esperar o estímu-lo da atualidade.

O socialismo é uma visão in-tegral de vida, tem uma filoso-fia, uma mística, uma moral. AAssociação de Cultura deve dis-cutir estes problemas, clarificare propagar. Pode resolver tam-bém a função dos intelectuais,que ficam sem espaço/função es-pecífica. Um golpe nos dogmascom o espírito da solidariedadedesinteressada, o amor pela livrediscussão, a busca da verdadecom meios humanos (a inteligên-cia). Junto com o Partido e a Cen-tral Sindical, seria o terceiro ór-gão do movimento de reivindi-cação da classe trabalhadora.

São organizações culturais aigreja, a escola e a imprensa (aesta se vincula tudo que possarefletir a opinião pública, comobiblioteca, clubes, círculos, ...).

Utilizando as categorias mar-xistas, Gramsci faz a leituraaprofundada da sua realidadeconcreta, buscando descobrircomo construir a “grande políti-ca” no seu tempo e lugar. Cons-tata diferenças estruturais entreas formações econômicas do oci-dente e do oriente. O ocidentetem maior numero de proletári-os, uma aristocracia operária,uma burocracia sindical, grupossocial-democratas, no campo dassuperestruturas políticas. Temum capitalismo mais desenvolvi-do e, portanto, as ações das mas-sas devem ser mais lentas e pru-dentes. O partido deve ter estra-tégia e tática mais complexas ede longo alcance. Este quadrodo ocidente é muito diferente daRússia, com as massas na rua e oassalto revolucionário. O prole-tariado, no ocidente, deve con-trolar a produção econômica e,além disso, exercer direção polí-tica e cultural sobre o conjuntodos não capitalistas, os trabalha-

12. Ibidem, 1976e, pp 15913. Ibidem, 1977, pp297

Gramsci não deixadúvida sobre o que

representa oEstado para ossocialistas: é aorganização

econômico-políticada classe burguesa

na sua concretaforça atual

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dores devem, portanto, conhe-cer e dominar a reprodução glo-bal da formação econômico-so-cial que querem transformar.14

Hegemonia, em Gramsci, sig-nifica determinar os traços espe-cíficos de uma condição históri-ca, tornar-se protagonista das rei-vindicações/soluções dos outrose unir em torno de si estes ou-tros na aliança contra o capita-lismo, isolando-o.15

Só será classe dominantequem já for classe dirigente, como consenso da maioria dos tra-balhadores. Por substituir a co-erção pelo consenso, Gramsci foicontra a expulsão de Trotski, ape-sar de não concordar com as suasposições políticas.

A Hegemonia tende a cons-truir o Bloco Histórico. Nos Ca-dernos do Cárcere há somentealusões esquemáticas ao BlocoHistórico, tratando da afirmaçãosumária da unidade entre a es-trutura socioeconômica e a su-perestrutura-política ideológica.

Bobbio, Piotte e Portelli, su-blinham a especificidade do Blo-co Histórico e o põem como con-ceito chave em Gramsci. Consti-tuem o triplo aspecto do BlocoHistórico:

1. Estudo das relações entreestrutura e superestrutura, semconceber a primazia de uma so-bre a outra (consideradas desvioseconomicista e idealista), o pon-to essencial nesta relação é o vín-culo que realiza unidade, o vín-culo orgânico, que corresponde auma Organização Social Concre-ta. Este vínculo é operado por cer-tos grupos sociais, cuja função éoperar, não no econômico, masno superestrutural: os intelectuais,os funcionários da superestrutura.

2. O Bloco Histórico deve serponto de partida de uma análi-se da maneira como um sistema

de valores culturais – a ideolo-gia – impregna, penetra, sociali-za e integra um sistema social.Um sistema social só é integra-do quando se edifica um siste-ma hegemônico, dirigido poruma classe que confia a gestãoaos intelectuais.

3. Como se desagrega umBloco Histórico, na Revoluçãoburguesa na França e Itália e naRevolução operária na Rússia(1917) e na Itália (1920).

Educação

Em Gramsci, o papel da Edu-cação está associado à cultura:para os proletários é um devernão serem ignorantes. O proble-ma da educação dos proletáriosé problema de liberdade. No tex-to “Homens ou Máquinas”,Gramsci diz que a Cultura e aEscola são privilégios. À escoladevem ter acesso todos os inteli-gentes, qualquer que seja suacondição econômica. O sacrifíciodo coletivo deve ser em funçãodos que merecem. As escolasmédias e superiores não são paraproletários, que delas são exclu-ídos, e as escolas técnicas sãopobres.

Para Gramsci, a educaçãooferecida ao operário manual,que o torna operário qualifica-do, cria uma falsa mobilidadesocial e não é democrática, masestratifica as diferenças de clas-se; a educação democrática de-

veria elevar os cidadãos, mesmoque tendencialmente, para te-rem condições de governar. As-sim, a escola unitária significavaa democratização e o início denovas relações entre trabalhointelectual e trabalho industrial,não só na escola, mas tambémem toda a vida social.16

A exigência da cultura, a ne-cessidade de organização destamesma cultura e também a bus-ca de uma relação educativa quelivrasse o proletariado da depen-dência dos intelectuais burgue-ses são os temas que, segundoManacorda, começaram a apare-cer nos escritos de Gramsci emrelação à educação.17

A Escola Unitária é definidapor Gramsci como aquela capazde, mediante um ensino eficien-te, contribuir para retirar da ig-norância as camadas mais pobresda população. Gramsci elaborauma proposta concreta de orga-nização da cultura proletária,que envolve a educação e o in-telectual orgânico: a necessida-de da organização da culturaproletária mediante o trabalhodo intelectual orgânico.

A proposta de escola unitá-ria tem o trabalho como princí-pio pedagógico e a formaçãoescolar de Gramsci se inspirounos treinamentos dados aos ope-rários, pelas fábricas. Gramsci vêa educação colaborando na in-dústria e também a indústriacomo um elemento educativo: aprodução disciplina o trabalha-

14. Ibidem, 198915. Ibidem, 198916. Maria Miguel, 200217. Mario Manacorda, 1977, p. 23

A educação oferecida ao operário manual,que o torna qualificado, cria uma falsa

mobilidade social e não é democrática, masestratifica as diferenças de classe

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dor e é, portanto, educativa.O trabalho sendo o princí-

pio educativo já na escola ele-mentar ajuda a combater umaleitura mágica do mundo, forne-cendo os princípios para desen-volvimento de uma concepçãodialética, para a compreensão dasoma de esforços e de sacrifíciosque o presente custou ao passa-do e que o futuro custa ao pre-sente; para a concepção da atu-alidade como síntese do passa-do que se projeta no futuro. Esteprincípio educativo deverá sercapaz de permitir aos alunos per-ceberem o movimento real exis-tente no processo histórico.18

O trabalho como princípioeducativo em Gramsci é enten-dido além da educação escolar.Sua pedagogia propõe a forma-ção de intelectuais orgânicos,capazes de contribuir para darorganicidade de classe ao prole-tariado, de forma que este passea conquistar e consolidar a suahegemonia em direção à socie-dade socialista.

O Intelectual Orgânico des-te processo educativo deveria sercapaz de promover uma centra-lização e um impulso da culturanacional italiana, que fossem su-periores aos dos intelectuais tra-dicionais com os quais disputa-riam a hegemonia (da Igreja Ca-tólica). Este intelectual servirá deelo de ligação entre a infra e asuperestrutura, entre dirigentese dirigidos, deverá por um ladoelaborar e difundir a ideologiae, por outro, assegurar à classeuma certa homogeneidade euma consciência de seu lugar nasociedade.19

No texto “Escola Desinteres-sada”, Gramsci diz que a escoladeve tratar de princípios geraispara desenvolver o caráter. Deveser humanista. Não deve mover

a criança num sentido preesta-belecido. A escola deve ser de li-berdade e livre iniciativa, não deescravidão e mecânica. Os alunosnão devem ser instruídos numaprofissão sem Idéia Geral, Cultu-ra Geral, só com um golpe de vis-ta infalível e mão firme.

Na proposta da escola uni-tária estão presentes os princi-pais elementos da pedagogia deGramsci, ou seja, a escola estrei-tamente vinculada às necessida-des socioeconômicas, compreen-didas aí, as político-culturais. Es-tas necessidades não se situam

num plano genérico, porém sãodeterminadas pelo contexto his-tórico-econômico e estão vincu-ladas a uma classe específica, oproletariado.20

No texto “Universidade Po-pular”, Gramsci diz que esta nãoconseguiu impor-se em Turim eanalisa as causas:

• é possível reunir um pú-blico em volta de um fogo decultura, desde que este fogo sejavivo e aqueça de verdade;

• o que os faz operar é umbrando/pálido espírito de bene-ficência, não um desejo vivo efecundo de contribuir para a ele-vação espiritual das massas;

• não se buscou o modomais eficaz como estas categori-as de pessoas pode aproximar-sedo mundo do conhecimento;

• tratou com dogmas, ver-dades prontas;

• uma verdade só é fecundaquando se faz um esforço para aconquistar; fecunda é a conquis-ta do espírito e não a verdadeem si. Deve-se reproduzir emcada um aquele estado de ânsiaque atravessou o estudioso an-tes de alcançar a verdade. Deve-se, portanto, dar valor à históriada matéria a ensinar, mostrar osesforços, erros e acertos;

• o ensino, dessa maneira,torna-se ato de libertação; tem ofascínio de todas as coisas vitais.

O Intelectual Coletivo

Como um avanço e um me-canismo de coordenação/organi-zação dos intelectuais individu-ais, Gramsci constrói o conceitode Intelectual Coletivo, que equi-vale ao Partido do proletariado,mas não o partido entendidocomo “aparelho”, que seria umerro, e sim um Partido de Mas-

18. Antonio Gramsci, 198219. Idem, 1982, e Maria Antonieta Macciocchi, 198020. Maria Miguel, 2002

A pedagogia deGramsci propõe

formar intelectuaisorgânicos capazes

de dar organicidadede classe ao

proletariado paraconquistar e

consolidar a suahegemonia

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sas, orgânico aos MovimentosPopulares, diferindo e se afastan-do, desta forma, da definição departidos de quadros expressa emQue Fazer, de Lênin.

Baseado no Príncipe, deMaquiavel, considerado o Inte-lectual Individual, Gramsci defi-ne o Partido Revolucionário Mo-derno como o “moderno prínci-pe”, o Intelectual Coletivo. Vol-tando, assim, a se aproximar doconceito de partido definido porLênin, em “Que Fazer?”, onde atarefa básica, que equipara o Par-tido ao Intelectual Coletivo, ésuperar na classe operária a cons-ciência trade-unionista/sindicalis-ta ou fornecer elementos teóri-cos para a classe operária elevar-se em consciência de classe, emdireção à totalidade.

O moderno príncipe deveconstruir um “momento catár-tico”, para superar os resíduoscorporativos (momentos egoís-tico-passionais) e formar a von-tade coletiva, nacional popular,que ascenda do particular ao ge-ral e da necessidade à liberdade.

Segundo Gramsci, o partidopolítico para todos os grupos é“precisamente o mecanismo quecumpre, na sociedade civil, amesma função desempenhadapelo Estado na sociedade políti-ca, de um modo mais vasto emais sintético; ou seja, propor-ciona a fusão entre os intelectu-ais orgânicos de um dado gru-po, o dominante, e os intelectu-ais tradicionais.”21

Só no momento “ético-po-lítico”, que Lênin chama de cons-ciência que vem de fora da práxiseconômica, é que o proletaria-do pode tornar-se classe nacio-nal, dirigente e hegemônica. Ela-borar de modo homogêneo e sis-temático esta “vontade coletiva”é construir novo Bloco HistóricoRevolucionário. Para Gramsci

este é o papel do Partido.Segundo Coutinho, Gramsci

ainda não fala de vários partidos.Togliati o fará, distorcendo o sen-tido gramsciano do conceito.

Gramsci destaca a sua dife-rença com Sorel, para quem agreve geral, por exemplo, adqui-re força de mito, sem vínculo coma realidade objetiva. Contra a es-pontaneidade de Sorel, Luxem-burgo e Bordiga, propõe partir do“espontâneo” e educar, purificare orientar como política de mas-sas e não aventura de grupos, nemde cima para baixo.

O partido deve lutar política,econômica, social e culturalmen-te pela criação de uma Nova Cul-tura para a vontade coletiva Naci-onal-Popular. Deve proceder auma Reforma Intelectual e Moral.

Esta nova cultura de massadeve recolher e sintetizar os mo-mentos mais elevados da cultu-ra do passado, deve unir a pro-fundidade intelectual do Renas-cimento com o caráter popularda Reforma. É preciso dar caboda divisão proprietários/não-pro-prietários e intelectuais/pessoassimples; sendo esta ação decisi-va na luta pelo fim do Estado.

Em um Partido, todos osmembros devem ser considera-dos intelectuais. Não pelas qua-lidades individuais, mas, “pelafunção, que é diretiva eorganizativa, isto é, educativa,intelectual (...). No partido polí-

tico os elementos de um gruposocial econômico superam estemomento de seu desenvolvimen-to histórico e se tornam agentesde atividades gerais, de caráternacional e internacional”22

Os intelectuais são agentesde consolidação de uma vontadecoletiva, de um Bloco Histórico.São Orgânicos quando, em estrei-ta ligação com a emergência deuma classe social determinanteno modo de produção econômi-co, têm a função de dar homoge-neidade e consciência a esta clas-se. São Tradicionais quando, nopassado foram orgânicos de umaclasse, por exemplo, os padrescom relação à nobreza no feuda-lismo; com o desaparecimento danobreza se tornam mais ou me-nos independentes e autônomos.“Pode-se observar que os intelec-tuais “orgânicos” que cada novaclasse cria consigo e elabora emseu desenvolvimento progressivo,são, “especializações” de aspec-tos parciais da atividade primiti-va do tipo social novo que a novaclasse deu à luz”.23

Gramsci considera intelectu-ais isolados, ou em grupos (re-vistas, jornais,...) como partidosou frações. Os intelectuais isola-dos são os:

“comissários” do grupo domi-nante para o exercício das funçõessubalternas de hegemonia social edo governo político, isto é: 1) do con-senso “espontâneo” dado pelas

21. Antonio Gramsci, 1989, pp4822. Idem, 1989, pp49-5023. Ibidem, 1989, pp35

O partido cumpre, na sociedade civil, a funçãodesempenhada pelo Estado na sociedade

política, de modo mais vasto e sintético;funde os intelectuais orgânicos do grupo

dominante e os intelectuais tradicionais

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24. Ibidem, 1989, pp4225. Gramsci, citado por Harman, 1978

grandes massas da população à ori-entação impressa pelo grupo funda-mental dominante à vida social... 2)do aparato de coerção estatal queassegura “legalmente” a disciplinados grupos que não “consentem”.24

No partido, nem todos os in-telectuais são de mesmo nível,portanto a organização se dá emestratos:1. Estrato de “homens comuns,médios”, caracterizados maispela disciplina e fidelidade doque pelo espírito criativo.2. Estrato coesivo principal, queorganiza e centraliza, que diri-ge. São os capitães, é mais fácilformar um exército do que for-mar capitães.3. Estrato intermediário, queliga os estratos 1 e 2 e tem ele-mentos de 1 e de 2, não é fixo.O partido é democrático quando:a) há circulação permanente en-tre 1, 2 e 3;b) quando sua ação não é con-servadora, mas progressista, paraelevar ao nível da nova legali-dade as massas atrasadas;c) quando não é mero executan-te, mas deliberador.

Na luta deve-se sempre pre-ver a derrota e a preparação dospróprios sucessores (2 preparan-do 1 e 3).

Conclusão

Entender Gramsci e conse-guir aplicar nos nossos dias as ca-tegorias que ele desenvolveuconstituem obra de grande en-vergadura e, como grande em-preitada, pode produzir os fru-tos adequados ao necessáriorealinhamento das forças socia-listas com vistas a mobilizar for-ças na direção da superação docapitalismo. Obviamente esteartigo não pretende realizar talempreitada, mas tão somentecontribuir para que mais educa-

dores e militantes políticos iden-tifiquem em Gramsci um Educa-dor Socialista e possam se utili-zar das ferramentas por ele de-senvolvidas para construir umaatuação prática e teórica coeren-tes com a matriz teórica do ma-terialismo dialético e, portanto,o mais efetiva possível para cons-truir o anti-Estado, o Estado Pro-letário desde já.

A conquista do poder nas so-ciedades avançadas e complexasdeve ser precedida de longa ba-talha pela Hegemonia e peloConsenso no interior e através daSociedade Civil. É uma longa

marcha pelas instituições da So-ciedade Civil, a transição como“processo” em lugar da “grandenoite” da tomada do palácio.

Um grupo social precisa serdirigente antes de ser dominan-te. Para Gramsci, a crise no oci-dente não é pontual, é sinal deque o velho morre, mas o novonão consegue nascer: a classedominante perdeu o consenso,não é mais dominante, só dirigen-te, isto é, as grandes massas sesepararam da ideologia e a criseé de hegemonia política, isto é,uma crise orgânica do capital.

Neste caso, o critério não é

mais (ou apenas) a “grande noi-te” (da “tomada do palácio”),mas a iniciativa dos sujeitos co-letivos, a capacidade de fazerpolítica, envolver a massa pararesolver seus próprios problemas.Esta classe dirigente deve tornar-se classe nacional (assumir parasi os problemas efetivos da na-ção / não corporativos).

Nesta formulação da Guerrade Movimento, Gramsci se põea continuar Lênin e, apesar dosmuitos usos reformistas que fo-ram feitos da sua obra, este nuncanegou o papel determinante daeconomia na vida política, diziaque: [enquanto] “pode ser des-cartada a hipótese que as criseseconômicas imediatas produ-zem, por si mesmas, eventoshistóricos fundamentais (...) elaspodem simplesmente criar umterreno mais favorável para adisseminação de certos modosde pensar e certos modos de pôre resolver questões, envolvendotodo o desenvolvimento subse-qüente da vida nacional”.25

Para nós educadores e mili-tantes por uma nova sociedade,Socialista, se trata de “encon-trar” constantemente e em cadaconjuntura particular a metodo-logia para conciliar o tático, sem-pre relacionado a objetivos maisimediatos (como lutas por salá-rio, condições de trabalho) como estratégico (construção do In-telectual Coletivo, do Estado Pro-letário), construindo desta for-ma, em cada ação política querealizarmos a “Grande Política”,que se soma na derrubada doatual modo de produção. Há umaciência para isso e ela se encon-tra referida e utilizada em todaa obra de Gramsci. É o materia-lismo dialético, formulado e de-senvolvido pelo marxismo, cor-rente teórica onde se inscrevecompletamente o teórico e mili-tante Gramsci.

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REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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Segundo Gramsci, os com-ponentes ideológicos presentesna massa sempre se atrasam emrelação aos fenômenos econômi-cos de ação desta própria massa,avalia então que, “em certos mo-mentos o impulso automáticodevido ao fator econômico é fre-ado, obstruído, ou mesmo mo-mentaneamente quebrado peloselementos ideológicos tradicio-nais”. Exatamente por causa des-se atraso da ideologia em rela-ção à economia, a intervençãodo Partido Revolucionário naslutas econômicas dos trabalha-

dores é fundamental paraarrancá-los da influência refor-mista. Disto se depreende que:

deve haver uma luta consci-ente, planejada, para assegurarque as exigências da posição eco-nômica das massas, que podem serincompatíveis com as políticas dasdireções tradicionais, sejam com-preendidas. Uma iniciativa políti-ca apropriada é sempre necessá-ria para liberar o impulso econô-mico do peso morto das políticastradicionais.26

Restam vários desafios im-portantes como tarefas dos revo-

Armenes de Jesus Ramos Jré doutor em Educação pela UFPR

26. Idem

lucionários atuais e no campo daEducação se encontra um dosmais importantes: reencontrar oGramsci educador socialista, atra-vés do domínio teórico do mar-xismo, do desenvolvimento eaplicação desta ciência na práti-ca educativa e militante e daconstrução do Intelectual Cole-tivo, necessário e fundamentalpara “romper a crosta bruta quesoterra” as idéias dos dominadoscom idéias dominantes, permi-tindo que a ação proletária en-contre o ser social da classe pro-letária, o sujeito revolucionário.

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Durante sua trajetória polí-tica, Gramsci atribuiu grande im-portância à difusão e à organi-zação da cultura como algo fun-damental à formação de um pro-cesso hegemônico que fosse ex-pressão dos interesses dos traba-lhadores na sua luta pela supe-ração do capitalismo e a conse-qüente constituição de uma or-dem social nova, a sociedadesocialista1.

A vivência do cotidiano fazcom que as situações particulares,as crenças, as imagens, os valores,as categorias, as interpretaçõesdos acontecimentos históricos oudas relações de poder presentes nasociedade, e até a própria lingua-gem, se articulem e desenvolvamexpressões que reúnam as vonta-des dispersas dos indivíduos e sir-vam de base para sua comunica-

ção e práticas diárias. Neste senti-do, Gramsci afirma que:

A inovação fundamental in-troduzida pela filosofia da práxisna ciência da política e da Histó-ria é a demonstração de que nãoexiste uma “natureza humana”abstrata, fixa e imutável (concei-to que certamente deriva dopensamento religioso e da trans-cendência); mas que a naturezahumana é o conjunto das rela-ções sociais historicamente de-terminadas, isto é, um fato his-tórico comprovável, dentro decertos limites, através dos méto-dos da filologia e da crítica2.

Neste enfoque, a históriamostra que tanto a situação depassividade das massas como avontade coletiva que leva umgrupo à ação, não são os resul-tados de uma simples somatória

de desejos e comportamentosindividuais orientados por umdeterminado interesse, mas temcomo pressuposto a existência deuma cultura coletiva3. O alicercesobre o qual se constrói a açãoorganizada é constituído de va-lores, de idéias, de um conjuntode percepções, de práticas evivências coletivas cuja inter-re-lação tece no dia a dia uma iden-tidade e uma visão de mundo co-mum à maior parte dos indiví-duos que compõem aquele agru-pamento social.

Portanto, estudar de que for-ma a gestão da educação4 estápresente na escola por meio dotrabalho desenvolvido pelos con-selhos escolares, bem como cons-truir uma compreensão de ges-tão escolar na perspectiva traça-da por Gramsci, significa pene-

A gestão da educaçãopela perspectiva de Gramsci

Sarita Aparecida de Oliveira Fortunato

Este artigo possui comocategoria de análise a gestãoda educação a partir dosConselhos de Fábricapropostos por AntonioGramsci. Tem como objetivoprincipal fornecer subsídiosteórico-práticos ao debatesobre gestão da educação,conselhos escolares e gestãoescolar como vias de lutapolítico-pedagógica noâmbito da escola.

1. Antônio Tavares de Jesus, 20052. Antonio Gramsci, 1968, p.93. Emílio Gennari, 19974. Ver livro organizado por Naura S Carapeto Ferreira, 2006

RESU

MO

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trar num ambiente dinâmicoonde a solidez das crenças po-pulares é um elemento indispen-sável para a manutenção, o apri-moramento ou a superação deuma ordem social. Isto implicaem delinear as características daescola, do trabalho humano, emdesvendar os mecanismos de suaprodução, reprodução e supera-ção em evidenciar, entre eles, osque constituem a base sobre aqual irá ser construída a identi-dade da classe trabalhadora esua capacidade de se tornar clas-se dirigente. Para tanto, utilizou-se da proposta dos Conselhos deFábrica vivenciada e delineadapor Gramsci nos seus escritos,onde destaca o trabalho dos Con-selhos de Fábrica como uma ca-racterística inovadora, o qualevidencia a forma organizativautilizada pelos trabalhadores.

Os Conselhos de Fábrica ob-jetivavam desestruturar o modode produção capitalista gerandonovas relações sociais, políticas eculturais, considerando a ação dostrabalhadores na própria estrutu-ra de trabalho. Esta ação visavagerar um homem novo, original;tinha intensa preocupação com aquestão cultural e com a análisedas relações internas de produçãoe os meios de alterá-los.

Este contexto reforça a im-portância do processo de forma-ção da vontade coletiva com umdeterminado fim político, alia einter-relaciona o trabalho produ-tivo, a política e a educaçãocomo principais elementos naconstrução de um processo degestão que prioriza as ações de-

mocráticas no contexto das de-cisões coletivas.

Essa tarefa não é fácil, po-rém torna-se indispensável nabusca de estudar a realidade nãosó para compreendê-la, mas, so-bretudo, para transformá-la. As-sim, faz-se necessário evidenciaras amplas lutas dos movimentossociais em defesa da idéia de re-forma da escola. Este é um ele-mento complexo, pois não é sim-ples de ser equacionado tecno-craticamente, à base de ajustesorçamentários, reformulaçõestécnicas ou mudanças adminis-trativas, como se a intervençãonum terreno tão vital e tão cola-do à realidade viva das massaspudesse ser experimentada sempolítica ou com uma política dis-tante da democracia.

A gestão da educação

O pressuposto da análisegramsciana sobre hegemonia etrabalho está na constatação deque “não existe atividade huma-na da qual se possa excluir todaintervenção intelectual”5.

Neste sentido, todo ser hu-mano, na sua complexa subjeti-vidade, é artista, possui gostos,é filósofo, participa de uma con-cepção de mundo, possui umalinha de conduta moral e contri-bui com idéias e opiniões. Tudoisso leva a um caminho quedireciona para manter ou paramodificar uma visão de mundo,portanto promove novas manei-ras de pensar.

Com base nos escritos de

Gramsci, todos os seres humanosmesmo não sendo filósofos pro-fissionais e não desempenhandona sociedade a função de inte-lectuais, pensam a realidade queos rodeia e as relações que nelasse fazem presentes, pelo menosa partir dos limites e das carac-terísticas da “filosofia espontâ-nea”. A filosofia espontânea,que é o único instrumento teó-rico com o qual o povo simplesinterpreta o passado e o presen-te, orienta sua ação cotidiana eprojeta seus anseios para o futu-ro, reúne de forma acrítica, des-ordenada e contraditória umamistura de elementos que incor-poram os mais variados aspectosdas concepções de mundo, pre-sentes e passadas, de todos ossetores sociais.

Esses aspectos incluem des-de as formas e expressões maisprimitivas da vida em sociedadeaos mais modernos princípios dasciências; dos preconceitos que fo-ram se desenvolvendo ao nívellocal, até mesmo alguns traçosdos grandes sistemas filosóficospassados e contemporâneos,mesclando assim, ao mesmo tem-po, convites implícitos à resigna-ção e à paciência com estímulosa tomar consciência de que osacontecimentos têm uma expli-cação racional.

Assim, se é verdade que po-demos encontrar elementos ca-racterísticos na concepção davida e do ser humano de cadacamada social, é também verda-de que estes elementos nãoconstituem um todo estático,imóvel, ao contrário, transfor-

5. Antônio Tavares de Jesus, 2005, p. 76

A ação desenvolvida pelos Conselhos de Fábrica se concretizava apartir dos próprios problemas vividos pelos operários numa visão

comunitária para a resolução de problemas

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mam-se e enriquecem-se conti-nuamente apropriando-se de as-pectos das ciências e das opini-ões filosóficas que penetram noscostumes da época. O resultadodessa apropriação é refletido di-retamente na linguagem dos in-divíduos ou dos agrupamentoshumanos, e a partir dela é possí-vel avaliar a maior ou menorcomplexidade de suas concep-ções de mundo.6

As concepções de mundo,por sua vez, nascem, consoli-dam-se e desenvolvem-se a par-tir do entrelaçar-se das relaçõesnas quais os indivíduos, ou osagrupamentos humanos, já es-tão inseridos (é o caso, por exem-plo, do ambiente familiar, dopeso das tradições locais, da rea-lidade política, econômica e cul-tural do lugar onde o indivíduonasceu e na qual foi formado), edas que eles tecem e desenvol-vem na sociedade.

Isto significa que toda con-cepção de mundo é ao mesmotempo expressão das relações deprodução dominantes num dadoagrupamento humano e da or-dem por elas estabelecida, deum determinado grau de refle-xão pessoal e coletiva sobre a re-alidade por elas criada, e um dosfatores que a cada momento ten-de a consolidar, atualizar ou su-perar os limites dessa ordem. Ouseja, para Gramsci, “o ser huma-no deve ser concebido como blo-co histórico de elementos pura-mente individuais e subjetivos ede elementos de massa objetivosou materiais com os quais o in-divíduo tece uma relação ativa”.

Portanto, o núcleo a partirdo qual se formam e se desen-volvem as concepções de mun-do é constituído pelas relaçõessociais de produção existentes nasociedade. Por sua vez, essas re-lações são os pilares de uma or-dem que deve ser fortalecida,

transformada, ou simplesmenteaprimorada por parte dos seto-res dominantes de uma socieda-de. Para esta mesma ordem ga-nhar estabilidade, é fundamen-tal que seus valores, categoriase representações organizem e ori-entem a vida cotidiana das mas-sas populares, alimentem sua per-cepção dos processos e aconteci-mentos históricos, tornem-se sen-so comum, levem à elaboraçãode normas de conduta e à for-mação de uma vontade coletivaconformada e integrada a partirdas necessidades dos própriosgrupos dominantes.

Assim colocado, pode-se afir-mar que a visão de mundogestada e desenvolvida a partirdesses elementos não impede

que indivíduos e agrupamentoshumanos incorporem a ela seusafetos, paixões, interesses indi-viduais e coletivos, anseios, sualeitura peculiar dos aconteci-mentos e das próprias relaçõespresentes na sociedade.

Considerando que a visão demundo é construída num movi-mento contraditório entre coer-ção imposta pelas necessidadesde sobrevivência, e que estas,conseqüentemente, geram nohomem sentimentos de impo-tência, medo, submissão ou atéde dívida de gratidão, a buscade liberdade se faz constante,com o intuito primeiro de rea-firmar a subjetividade dos indi-víduos negada pela ordem do-minante. Ainda assim, não se

6. Emílio Gennari, 1997, p.4

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A educação, processo de formação dohomem na sociedade capitalista, se faz na

convivência social, ensinando eaprendendo, não só na escola, mas,

sobretudo, na vida

pode esquecer que esse conjun-to de percepções e vivências par-ticulares, apesar de ser a expres-são da subjetividade dos indiví-duos e gerar práticas de resistên-cia, por si só, não leva à destrui-ção da ordem vigente. A tendên-cia é conformar-se a partir domomento em que são parcial-mente superadas as razões quelhes deram origem.7

Contribuindo para uma me-lhor compreensão sobre o assun-to, Schlesener8, ao abordar aquestão da hegemonia na visãode Gramsci, afirma que:

O exercício da hegemonia as-sume conotações diferentes a par-tir do modo como os grupos sociaisse relacionam e exercem suas fun-ções com base na organização doEstado e do papel mais ou menoscoercitivo e intervencionista da so-ciedade política, e ainda do proces-so de conscientização política dasclasses dominadas; a hegemonia éuma relação ativa, cambiante, evi-denciando os conflitos sociais, osmodos de pensar e agir que se ex-pressam na vivência política; confor-me se desenvolvem e se inter-rela-cionam as forças em luta, tem-se ofortalecimento das relações de do-mínio, o equilíbrio entre coerção econsenso ou a ampliação da partici-pação política e da organização dasociedade civil.9

Nesta concepção, a hegemo-nia é o exercício do poder pormeio do equilíbrio entre a do-minação e a coerção, consideran-do também o equilíbrio entredireção e consenso. E é com este“olhar” que Gramsci dá a devi-da importância à sociedade civil(escola, igreja, universidades, sin-dicatos, partidos políticos, mei-os de comunicação, entre outros)

para a construção de uma cons-ciência crítica, levando a classetrabalhadora a formar um sensoativo a partir de um amplo de-bate.

Jesus10 relata que Gramscitranspõe o conceito dehegemonia, como caráter polí-tico de liderança de um grupo aoutro, baseado em Lênin. E ana-lisa este conceito através da com-preensão posta pelas relações deforças. Busca em Maquiavel umaprofundamento do conceito dehegemonia. Gramsci defende amoral de compromissos e não ade princípios. A moral de com-promissos é aquela construídanas relações históricas, onde ohomem age e ao mesmo tempoé responsável em responder suas

questões. Segundo a concepçãogramsciana, em determinadosmomentos é preciso abstrair osacontecimentos de forma didá-tica, mas sem perder de vista aforma dialética de explicar osfatos.

A luta por uma nova hege-monia é também a luta por umanova forma de pensar. O modohomogêneo de pensar é aqueleonde os indivíduos e as massaspopulares pensam o cotidiano esua intervenção na sociedade noslimites traçados pelos valores,categorias e representações ela-boradas pela concepção de mun-do das classes dominantes. Rom-per com ele é um dos objetivosessenciais de luta pela formaçãode um consenso ativo11 da classe

7. Emílio Gennari, 1997, p. 248. Anita Helena Schlesener, 20019. Idem, 2001, p. 1910. Ibidem, 200511. Consenso ativo é criado a partir do debate efetivo das idéias e do convencimento coletivo em relação ao debate,discussão. Supera os limites da discussão parlamentar (aquela que já está decidida e não debatida).12. Consenso passivo, segundo Gramsci (1991), é aquele que vem de cima para baixo, restando somente cumprir a ordemimposta.

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trabalhadora, na medida em quea ação dessa classe e as particu-laridades de sua visão de mun-do construam uma ameaça àsbases de sustentação do sistemavigente, contrariando o consen-so passivo12.

Um olhar democráticovoltado para gestão daeducação

O alicerce teórico dos Conse-lhos de Fábrica, de acordo com aconcepção gramsciana, se funda-menta na análise da realidade ita-liana, mas reflete também a ex-periência russa experimentadadurante sua permanência emMoscou entre 1922 e 1923. Nestaépoca, reinava na Itália, um qua-dro sociopolítico onde a grandemassa se encontrava sem discipli-na, conseqüência provável daguerra. Sendo assim, Gramsci seposicionou priorizando soluçõescoletivas com perspectivas de unire disciplinar um trabalho comume solidário, pois acreditava quedessa maneira nasceria uma açãoconcreta de construção para atransformação.

Gramsci propõe a organiza-ção de equipes articuladas numtodo, mas diferenciadas em vá-rios grupos profissionais e nasvárias qualificações técnicas exis-tentes no interior de uma empre-sa fabril13. As Comissões Internasse converteriam em Conselhos deFábrica. Defendia a idéia de queo partido socialista e os sindica-tos profissionais demoram mui-to tempo para absorver toda aclasse trabalhadora, e que a vidasocial dessa classe já está cheiade instituições. Portanto, é pre-ciso desenvolver estas institui-ções e as atividades, organizan-do, em conjunto, um sistema

amplo e articulado que absorvae discipline toda a classe traba-lhadora.

A partir das comissões inter-nas, todos os elementosconstitutivos dos Conselhos deFábrica tinham funçãoeducativa, não somente para es-tabelecer a hegemonia, mas paraadquirir um novo patamar como“os órgãos do poder proletário”,na construção de uma nova so-ciedade, na substituição do ca-pitalista em todas as suas funçõesde direção e de administração.

No que se refere ao funcio-namento dos Conselhos de Fábri-ca, as Comissões Internas escolhi-am seus delegados tendo comocritério os companheiros mais“conscientes”. Da fábrica, as or-ganizações dos conselhos deve-riam atingir toda a cidade, inclu-indo neste processo, a formaçãodos comitês de bairro, que seampliavam formando os Comis-sariados Urbanos direcionadospelo Partido Socialista e pelas Fe-derações Profissionais. Outro sis-tema organizacional idênticoàquele, funcionando no campo,integraria as duas categorias.

Para Jesus14 a ação dos Con-selhos de Fábrica estava compro-metida com a construção dahegemonia proletária, pois aju-dava a criar uma nova forma decidadania, em uma dada realida-de social. Deste modo, eles eram

instrumento de cultura, cujo in-teresse se mostrava estreitamen-te unido ao interesse político eprofissional.

Já para Schlesener15, os con-selhos organizavam-se em con-formação específica que unia oato da produção e o exercício dasoberania, com a finalidade dedesenvolver uma nova concep-ção de Estado. Portanto, os Con-selhos de Fábricas, conforme tex-tos gramscianos de 1920, visavamdesestruturar o modo de produ-ção capitalista e gerar novas re-lações sociais, políticas e cultu-rais, tudo isto na atuação da pró-pria estrutura do trabalho.

A ação desenvolvida pelosConselhos de Fábrica se concre-tizava a partir dos próprios pro-blemas vividos pelos operáriosnuma visão comunitária para aresolução de problemas. Portan-to, possibilitava aos trabalhado-res compreenderem os limites dademocracia burguesa, capacitan-do-os para conquistar o rompi-mento desses limites, instauran-do as bases da nova democraciaoperária.

Sendo assim,Para Gramsci, entender-se

como produtor significa passarpor um processo gradual de com-preensão das relações econômi-cas como um conjunto que se es-tendia desde a fábrica até os me-canismos internacionais da estru-

13. Carlos Nelson Coutinho, 198114. Antônio Tavares de Jesus, 2005, p.9615. Anita Helena Schlesener, 200516. Idem, 2005, p. 41

A escola necessita contribuir para aconcretização de uma unidade viva entre

teoria e prática, elemento este que a escolaburguesa não podia proporcionar aos

trabalhadores

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tura capitalista de produção. Aocompreender o trabalho comounidade, como ato criador nocontexto da fábrica, o operáriopodia “alcançar a compreensãode unidades sempre mais am-plas” e complexas, até a “naçãoque é, no seu conjunto, um gi-gantesco aparelho de produ-ção”, que mantém relações co-merciais com outros aparelhosde produção no mundo.16

Nesta perspectiva confirma-se que a experiência dos conse-lhos foi fundamental para a ela-boração posterior de uma con-cepção de partido político, e queseu movimento critica toda equalquer forma de cristalizaçãoburocrática, na construção certada gestão democrática em seuamplo entendimento para a for-mação humana.

Para além dos muros daescola

A educação, processo de for-mação do homem na sociedadecapitalista se faz na convivên-cia social, ensinando e aprenden-do, não só na escola, mas, so-bretudo, na vida. Conforme opensamento gramsciano, a edu-cação é um processo contínuo ea escola uma via fundamentalpara a realização de uma edu-cação humana que considere a

disciplina no agir, onde o indi-víduo aprende na medida emque faz escolhas. E essas esco-lhas o modificam e modificamoutras coisas.

De acordo com Schlesener17,o problema da escola era um dosproblemas essenciais da socieda-de italiana e precisava ser enfren-tado com profundidade peloPartido Socialista. Considerandoos estudos de Gramsci, a autoradeclara que uma das medidaspara a solução do problema daescola seria minimizar a partici-pação do Estado na condução dapolítica escolar, instaurando me-canismo do concurso para a ad-missão de funcionários adminis-trativos, ou melhor, realizandouma reforma do sistema admi-nistrativo. “É importante salien-tar que não se tratava de estimu-lar a iniciativa privada na edu-cação, visto que Gramsci questi-onava as pretensões do clero deaproveitar a proposta de liber-dade de ensino para ampliar seudomínio no campo do ensinoescolar”18.

A escola, então, necessitacontribuir para a concretizaçãode uma unidade viva entre teo-ria e prática, elemento este quea escola burguesa, pela sua ca-racterística e função na socieda-de capitalista, não podia propor-cionar aos trabalhadores. No en-tanto, possui a responsabilidade

precípua de respeitar a individu-alidade do aluno no sentido deque ela (escola) é fruto de umainteração entre indivíduos e en-tre estes com a natureza. Nestecontexto, se faz presente umarelação orgânica, produzida porinteração e não por justaposição.Da mesma forma que a relaçãodos seres humanos com a natu-reza se dá pelo trabalho e pelatécnica, o conhecimento indus-trial pode se fazer presente peloconhecimento filosófico e peloconhecimento científico, sendoa técnica a expressão desses co-nhecimentos.

No seu livro “Concepção Dia-lética da História”19, AntonioGramsci traça uma diferença en-tre individualidade e personali-dade. Onde esta se constrói pelaconsciência e pelo agir do ho-mem a partir das circunstâncias,através da tomada de consciên-cia das relações do que o limitaou o liberta. Assim, a ética emGramsci diz respeito à compre-ensão da relação da formação doindivíduo no percurso da própriaética na política, ou seja, os prin-cípios são postos a partir doenvolvimento do sujeito no con-texto social, num compromissoconstante com a sociedade.

Então, neste contexto, setem outra idéia de educação, en-tendendo que ela se faz no focode duas leituras: da sociedadepolítica e da sociedade civil. ParaGramsci essas leituras são umconjunto de dois espaços do Es-tado. No ponto de vista liberal,as sociedades política e civil sãoseparadas, e para Gramsci não háessa divisão, pois ele fala que oEstado é o principal educador.

Sendo assim, de acordo coma visão gramsciana, no âmbitoda sociedade política, a educa-ção se faz pela coerção, e, no

17. Ibidem, 200218. Ibidem, 2002, p.6819. Antonio Gramsci, 1995, p. 39-50

Não há um modelo pronto e acabado quedefina exatamente como a gestão devefuncionar. Contudo, há um órgão colegiadoorganizado para promover a democracia:o conselho

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âmbito da sociedade civil, se fazpela cultura (escolas, família,universidades, entre outros). Di-ante disso, Gramsci defende umaescola do trabalho e não umaescola burguesa. Afirma que eco-nomia e política estão semprerelacionadas. A educação, por-tanto, tem que ter o vínculo coma prática e se fazer a partir daação e da compreensão maisabrangente de mundo (processohistórico).

Dado este enfoque, faz-se ne-cessário afirmar que, num proces-so de organização política (estru-tura do Estado), o conhecimentoé poder porque modifica e ahegemonia intelectual é a lutapor uma nova ordem social. Pos-suindo assim, como núcleo dediscussão, a análise das socieda-des política e civil, onde a Escolase faz presente em ação e deci-são para a formação humana.

Desta forma escola criativanão significa escola de invento-res e descobridores, ela indicauma fase e um método de inves-tigação e de conhecimento, enão um programa predetermina-do que obrigue a inovação e àoriginalidade a todo custo. Indi-ca que a aprendizagem ocorrenotadamente graças a um esfor-ço espontâneo e autônomo dodiscente, onde o professor exer-ce apenas a função de guia ami-gável, tal como ocorre ou deve-ria ocorrer na universidade.20

Ao incorporar as experiênci-as e vivências cotidianas na es-cola e na educação em geral, éque o ser humano começa a rom-per com sua integração ativa oupassiva à ordem dominante. Se-ria essencial, então, perceber quesomente transformando o mun-do que o rodeia e as relações pre-

sentes, potencializará e desen-volverá sua própria individuali-dade. Em outras palavras, trata-se de fazer com que o indivíduotome consciência de que a suaindividualidade só pode se rea-lizar na medida em que sua açãoaltera as relações com o mundoexterno, alcançando, progressi-vamente, níveis cada vez maisamplos superando o estágio in-dividual.

Neste contexto encontram-se os Conselhos Escolares que searticulam na escola, tendo comovia norteadora a Gestão Demo-crática da Educação. Mas o quefazem ou deveriam fazer os Con-selhos de Escolas? No caso brasi-leiro, a Constituição Federalapresenta no artigo 206 um con-junto de princípios que devemestruturar o ensino no país. Den-tre outros aspectos, este artigogarante no inciso VI que o ensi-no público deve ser organizadopela “gestão democrática”.

Da mesma forma, a LDB (Leide Diretrizes e Bases da Educa-ção Nacional), Lei 9394/96, tam-bém aponta no artigo 3o, incisoVIII, a gestão democrática doensino público. Portanto, GestãoDemocrática, num enfoque

legislativo, pode ser definidacomo “um processo político atra-vés do qual decisões são toma-das no dia-a-dia da escola, enca-minhamentos são definidos,ações são executadas, acompa-nhadas, fiscalizadas e avaliadasde maneira coletiva, contandocom todas as pessoas que parti-cipam da vida escolar”21.

Neste processo é de funda-mental importância a presençade três elementos: a participaçãoefetiva do maior número possí-vel de pessoas de todos os seg-mentos da comunidade escolar;o respeito e a garantia deimplementação da vontade damaioria e a garantia do plenoacesso às informações a todas aspessoas da Escola (professores,funcionários, alunos, familiares).

A Gestão Democrática, por-tanto, pode ser implementada deforma bastante variada. Não háum modelo pronto e acabadoque defina exatamente como agestão deve funcionar. Contudo,há um órgão colegiado organi-zado para promover a Democra-cia: o Conselho de Escola ou Con-selho Escolar.22 Assim, a interes-sante idéia de implantação dosConselhos nas Escolas Públicas no

20. Antonio Gramsci, 1991 p. 15421. UFPR, 200122. O Conselho de Escola discute, delibera, normatiza, aconselha e fiscaliza as ações da Escola, como também (re) constrói oregimento interno da escola; (re) elabora o projeto político-pedagógico em parceria com a comunidade escolar; acompanhaas ações pedagógicas e administrativas; define e fiscaliza o plano de aplicação financeira; constitui comissões especiais paraestudos e aprofundamentos; entre outros. (UFPR, 2001)

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Brasil está bastante ligada aoprincípio da participação da so-ciedade na definição dos rumosda escola.

Muitos dos atuais estudossobre as propostas acerca dosConselhos de Escola recuperama teoria de Antonio Gramsci so-bre os Conselhos de Fábrica, nosquais os próprios trabalhadoresdefiniram o rumo da fábrica ede sua produção, como já foiabordado neste texto.

O que cabe à Escola é pro-por, como objetivo precípuo, otrabalho coletivo para as pesso-as que participam de sua estru-tura e fazem escola de fato noseu cotidiano; que venham defi-nir as principais questões e dardireção para a instituição, ten-do como ponto de partida a ges-tão escolar e, como ponto dechegada, a ação dos ConselhosEscolares como elementosnorteadores para a efetivação dademocracia para além dos mu-ros da escola. A partir do expos-

to, acredita-se que a escola podese tornar um dos pólos de gera-ção de novas experiências de tra-balho coletivo e de participaçãoefetiva da comunidade escolarno processo de planejamento,decisão e realização de mudan-ças, a fim de transformar a esco-la em espaço de conhecimentoe tomada de consciência crítica.

Para “impulsionar” acontinuidade da discussão

Tendo em conta as diferen-ças históricas, a teoria gramscia-na é um referencial importantepara retomar a perspectiva deum novo projeto social e políti-co que concretize uma amplademocracia. Nos seus escritosGramsci sempre retorna à orga-nicidade, a qual é interpretadacomo movimento, relação dinâ-mico-crítica, com a participaçãoefetiva das massas. Neste contex-to, a escola é vista como a via

para a formação do processo depensar, mas um pensar críticoque, conseqüentemente, podeproporcionar uma formação crí-tica e humanitária.

Ao afirmar que a cultura e aescola, na realidade italiana, sãoprivilégios para poucos, e ao pro-por a mudança desse quadro ur-gentemente, Gramsci abre a pos-sibilidade de pensar uma novaescola, apropriada ao projeto re-volucionário proposto a partirdos Conselhos de Fábrica, e re-força a escola de qualidade paratodos. Diz Gramsci:

Todos os jovens deveriam re-ceber iguais oportunidades em re-lação à cultura, e o Estado não devepagar com o dinheiro de todos aescola para os medíocres, filhos dosabastados, enquanto exclui os inte-ligentes e capazes, filhos dos prole-tários.23

A recepção das idéias deGramsci consolidou-se de fato,de acordo com Secco24, na con-juntura que se abriu nos meados

23. Antonio Gramsci, 199524. Lincoln Secco (2002)

O que cabe à Escola é propor, como objetivo precípuo, o trabalhocoletivo para as pessoas que participam de sua estrutura e fazem

escola de fato no seu cotidiano

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REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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Sarita Aparecida de Oliveira Fortunato

é pedagoga da Rede Municipal de Educaçãode Curitiba, Especialista em “Organização do Trabalho

Pedagógico”, pela UFPR, e Mestre em Educação na Linhade Pesquisa “Políticas Públicas e Gestão da Educação”, pela UTP.

dos anos sessenta, quando os pri-meiros livros do autor foram edi-tados. No Brasil, aproximada-mente desde 1975, houve gran-de procura pelas obras deGramsci e ele se tornou referên-cia na historiografia, pedagogia,religião, jornalismo, estudos li-terários, etc. Mas, em 1965 a Edi-tora Civilização Brasileira havialançado o primeiro volume dosCadernos do Cárcere. A traduçãofoi feita por Carlos NelsonCoutinho com base no originalitaliano II Materialismo Storicoe la Filosofia di Benedetto Croce,da Editora Einaudi.

Antonio Gramsci, sem dúvi-da, é hoje um clássico não só do

marxismo, mas do pensamentopolítico, pois revelou através desua luta política um projeto desociedade baseado na filosofia dapráxis humana, contribuindocom sua crítica real à filosofia evisão de mundo burguês. Tam-bém, deixou marcadamente for-te a vontade (social) de consoli-dar a hegemonia de uma novaordem social, na qual já vinhasendo construído um novo ho-mem coletivo capaz de gerir asociedade em todos os seus aspec-tos e de intervir diretamente nelacom todo a sua força política.

Gramsci disse não à lógicado lucro, da competição, da ob-sessão pela posse e pelo consu-

mo, elementos esses próprios doindividualismo burguês. Dissesim à solidariedade, ao atendi-mento às necessidades de todose priorizou a escola e a educa-ção popular como via de conhe-cimento significativo, útil à so-ciedade e à formação humanaem geral.

A proposta de gestãodelineada aqui é a introdução deuma reflexão embrionária, ain-da em processo, a qual se pre-tende resultar em práticasorganizacionais nos conselhosescolares, no sentido de revita-lizar o cotidiano da escola e ins-taurar novas relações políticasentre escola e comunidade.

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Como identificar e trabalhar comcrianças que apresentam TDA/H

O Transtorno do Déficit deAtenção é conhecido há mais deum século e já recebeu diversasdenominações ao longo de to-dos esses anos. As mais conheci-das foram síndrome da criançahiperativa, lesão cerebral míni-ma, disfunção cerebral mínimae transtorno hipercinético. Em1994, o termo oficialmente ado-tado pela Associação Americanade Psiquiatria foi o de Transtor-no do Déficit de Atenção /Hiperatividade (TDA/H), signifi-cando que o problema podeocorrer com ou sem esse compo-nente. Manifesta-se por três sin-tomas principais: desatenção, hi-peratividade e impulsividade, ecaracteriza-se também como umdistúrbio do desenvolvimentoadequado da inibição e da mo-dulação das respostas, melhordizendo, do autocontrole.

O TDA/H é considerado o dis-

túrbio infantil mais comum e étido como a principal causa defracasso escolar. Até poucos anosachava-se que no final da ado-lescência os sintomas desse trans-torno iam regredindo com ousem tratamento, e o adulto es-taria livre das características queapresentava quando criança. En-tretanto, as pesquisas mais re-centes provaram que o distúrbiotende a permanecer na adoles-cência e na idade adulta, porémcom características diferentes, deacordo com a faixa etária.

Outra característicamarcante do TDA/H é a alta taxade co-morbidade. Em crianças,calcula-se que mais da metadedos casos ocorrem acompanha-dos de outros transtornos. Emadultos, estima-se que esse índi-ce seja ainda maior, incluindo co-morbidades como ansiedade,depressão, abuso de drogas

(principalmente álcool e tranqüi-lizantes) e transtornos do apeti-te e do sono.

É importante os professoresestarem atentos para identificarquaisquer dificuldades das crian-ças o mais precocemente possí-vel, para que possam serdiagnosticadas, tratadas e me-lhor trabalhadas. Sabe-se que, sea criança com TDA/H receber otratamento e o estímulo adequa-dos, as dificuldades desse trans-torno serão minimizadas.

As crianças com TDA/H exi-gem, em sala de aula, maioratenção do professor. Com umaação pedagógica voltada para asnecessidades especiais que elasapresentam é possível contornarmuitos problemas de aprendiza-gem. Mas, para isso, o professorprecisa conhecer o TDA/H, suascaracterísticas, classificação e di-agnóstico, identificar alunos por-

Ana Grace Costa Bortolini, Claudia Mara Soares da Silva e Lis Andréia Bassi

O Transtorno do Déficit de Atenção/Hiperatividade (TDA/H), descritopela primeira vez em 1902, recebeudiversas denominações ao longo detodos esses anos e foi consideradoum distúrbio grave. Mas éimportante saber que não se tratade uma neurose, um desequilíbriopsicológico ou uma deformação decaráter. É, sim, um problemabiológico, resultado de umainstabilidade neuroquímica dosistema de transmissão deinformações entre as várias partesdo cérebro. É importantediagnosticar os transtornos e/oudeficiências de aprendizagem noinício da vida escolar, evitando,dessa forma, dificuldades futuras.

RESU

MO

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tadores desse transtorno deaprendizagem e saber trabalharcom eles no contexto da escola.

Histórico, conceitos eclassificação

Com o aumento das taxas deescolarização houve também oaumento dos processos deinadaptação. Quando os méto-dos não eram eficientes para amaioria, eram criados processosde seleção e de separação paraas crianças “que não se encaixa-vam”. Hoje isso ainda ocorre,pois, preocupados em ensinar, osprofessores aplicam certas nor-mas de rendimento e eficácia oumétodos que estão na moda,sem perceber o mal causado naespontaneidade e curiosidadedas crianças.

As classes especiais surgiramno início do século XX, a partirdos estudos de Binet e Simon.Eles reconheceram que muitascrianças não conseguiam seguiro ritmo escolar normal. Em 1902,George Fredrick Still realizouuma série de palestras onde des-creveu um grupo de vinte crian-ças que se comportavam de ma-neira excessivamente emocional,desafiadoras, resistentes à disci-plina, passionais, desatentas epropensas a acidentes, além deum defeito maior, crônico, nocontrole moral. Tal comporta-mento problemático surgia an-tes dos oito anos de idade e nãohavia indícios de maus tratospelos pais. Still especulou que osproblemas destas crianças deve-riam ser de origem biológica. Ahipótese ganhou mais força ain-da quando notou que algunsmembros das famílias das crian-ças eram portadores de proble-mas psiquiátricos como depres-são, alcoolismo, alterações de

conduta, etc.O simples fato de Still ter

proposto uma base biológicapara o problema, embora a evi-dência definitiva ainda demoras-se mais algumas décadas parachegar, já foi um grande passo.Antes disso, as crianças e os paiseram considerados responsáveispela “falha moral” e o tratamen-to era freqüentemente feitoatravés do uso de castigos e pu-nições físicas. Os manuais de pe-diatria da época eram repletosde explicações de como baterem crianças e afirmavam a ne-cessidade deste tipo de tratamen-to1. Na realidade, Still escreveupela primeira vez as característi-cas do Transtorno de Déficit deAtenção / Hiperatividade, atéentão denominado de DisfunçãoCerebral Mínima (DCM) e, maistarde, Hipercinesia ou Hiperci-nese e, por mais tempo, Hipera-tividade. Foi a partir de 1967 quetal transtorno passou a ser cha-mado de TDA/H ou Distúrbio doDéficit de Atenção (DDA).

O termo hiperatividade foiusado pela primeira vez porLaufer, em 1957, seguido deStella Chess, em 1960. Tambémoutros autores começaram a es-crever sobre a “síndrome da cri-ança hiperativa”. Laufer defendiaque a síndrome seria uma pato-logia exclusiva de crianças desexo masculino e teria sua remis-são ao longo do crescimento na-tural do indivíduo. Já Stella Chess

isolou o sintoma da hiperati-vidade de qualquer noção de le-são cerebral. Chess encarava ossintomas como parte de uma“hiperatividade fisiológica”,cujas causas estariam enraizadasmais na biologia (genética indi-vidual) do que no meio ambien-te (como causador de lesão). Daío termo “Síndrome da CriançaHiperativa”, sintomas como par-te de uma “hiperatividade fisio-lógica”2.

Nos anos 1960 as observaçõesclínicas se tornaram mais apura-das e ficou cada vez mais apa-rente que a síndrome tinha al-guma origem biológica, absol-vendo até os pais, perante a co-munidade científica, da culpapelo problema. Contudo, a po-pulação em geral continuou cul-pando os pais, como ainda acon-tece em sociedades menos infor-madas. Muitos acreditavam queo transtorno era uma tentativade livrar os pais da culpa pelosfilhos mimados e mal compor-tados.

Os estudos são contínuos,surgindo uma nova percepçãoem 1976. Nesse ano, GabrielWeiss mostrou que, quando ascrianças chegam na adolescência,a hiperatividade pode diminuir.Entretanto, os problemas deatenção e impulsividade tendema persistir. No entender deWoolfolk3, “[...] há apenas algunsanos muitos psicólogos achavamque o TDA/H diminuía quando

1. Vítor da Fonseca, 19952. Vítor da Fonseca, 19953. Anita E Woolfolk, 2000, p. 133

Pesquisas recentes provaram que o distúrbiotende a permanecer na adolescência e na

idade adulta, porém com característicasdiferentes, de acordo com a faixa etária

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Antes de Still propor uma base biológicapara o problema, as crianças e os pais eram

considerados responsáveis pela “falhamoral” e o tratamento era feito por castigos

e punições físicas

as crianças entravam na adoles-cência, mas agora os pesquisado-res acreditam que o problemapode persistir na idade adulta”.

O consenso anterior tratavaa síndrome como exclusiva da in-fância, que de alguma forma“desapareceria” na adolescênciae na vida adulta4.

Foi somente no início dosanos 1980 que as teorias ligadasà TDA/H se mostraram mais con-sistentes. Vigotsky e Feuersteintrouxeram para o ambiente es-colar um conjunto de atitudes evalores sobre o envolvimento decompetências e de pré-requisitosde aprendizagem; de processa-mento visual, auditivo, tatilcines-tésico, etc.; de elaboração e co-municação de informação e deconhecimentos e estratégias deaprendizagem Estes elementosposibilitam um diagnósticopsicoeducacional equacionadoem áreas fortes e fracas, que pos-sam perspectivar o seu potenci-al dinâmico – e não estático –de aprendizagem, pressupondoo seu nível de desenvolvimentopotencial5. Em 1982, RusselBarkley denominou esse quadrode “[...] transtorno por déficit deatenção com hiperatividade”6.Ainda nessa década vários auto-res como Mattes, Gualtieri eChelune especularam sobre o en-volvimento dos lobos frontais noTDA/H devido à semelhança desintomas apresentados por paci-entes desse transtorno e aquelesque sofreram danos nos lobosfrontais devido a acidentes ououtros problemas7.

Em 1990, Alan Zametkinconstatou que havia uma “ciran-da” bioquímica diferente noscérebros de pessoas com TDA/H.

Seus estudos vieram dar enten-dimento mais acertado e cientí-fico para a identificação corretae o posterior tratamento adequa-do. Através de um exame cha-mado PET SCAN (tomografia ce-rebral sofisticada), Zametkinpôde avaliar indivíduos comTDA/H durante a realização detarefas que testavam a atençãoe vigilância, descobrindo quehavia uma redução na captaçãode glicose pelo cérebro. Tendoconhecimento de que a glicoseé a principal fonte de energia dascélulas cerebrais, deduziu que aredução do seu aproveitamentosignificava uma diminuição naatividade energética dos cére-bros com TDA/H. O mais impor-tante neste estudo foi a desco-berta de que a redução metabó-lica era maior na região frontaldo cérebro8.

O lobo frontal pode ser con-siderado como grande “filtro”inibidor do cérebro humano.Muitos dos sintomas de TDA/Hsurgem pela redução parcial dolobo frontal, bloqueando e fil-trando estímulos ou respostasimpróprias vindas das diversaspartes do cérebro, com o objeti-vo de elaborar uma ação apro-priada no comportamento hu-mano. Caso o filtro falhe, a ação

final será mais intensa ou preci-pitada do que deveria ser. Daí aimpulsividade e/ou a hiperativi-dade no funcionamento dessecérebro tão sem freio quanto ve-loz9. Rhode e Benczik10 explicamque pessoas com TDA/H apresen-tam justamente três característi-cas básicas: “[...] a desatenção, aagitação (ou hiperatividade) e aimpulsividade”.

Lou também chegou às mes-mas conclusões de Zametkin,acrescentando um pequeno de-talhe, mas de fundamental im-portância e decisiva para expli-car o TDA/H. Ele demonstrou quea redução da captação da glicosetransportada pelo fluxosangüíneo era maior e mais de-finida no hemisfério direito doque no hemisfério esquerdo docérebro. Segundo Ornstein11,

[...] a visão geral do hemis-fério direito pode incluir a com-preensão do objetivo de uma dis-cussão; a compreensão das asso-ciações necessárias para entenderuma piada; a reunião de expres-são facial, tom de voz e infor-mação textual para entender oque a outra pessoa quer dizer:ou criatividade e gosto pela lite-ratura.

Quando ocorrem distúrbiosnesse hemisfério – por lesões ad-

4. Mabel Condemarin et al, 19965. Edward M Hallowell, 19996. Mabel Condemarin et al, 2006, p. 227. Edward M Hallowell, 19998. Ana Beatriz Silva, 20039. Ana Beatriz Silva, AB 200310. Luiz Augusto Rhode e Edyleine Benczik, 1998, p. 3711. citado por Ana Beatriz Silva 2003, p. 97

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quiridas por acidentes, isquemiapor falta de circulação sanguí-nea, traumatismos cerebrais, etc.– a vida mental do indivíduo,principalmente o raciocínio, ficaalterada.

Ana Beatriz Silva12 afirmaque, em grande parte dos casos,o TDA/H pode apresentar o queem psiquiatria se chama co-morbidades, isto é, quando umou mais transtornos psiquiátricoscoexistem com um transtornoprimário (de base). Os casos maiscomuns que a autora cita sãoTDA/H com ansiedade generali-zada, pânico, fobias, transtornoobsessivo-compulsivo, depres-são, transtorno bipolar do hu-mor, transtornos alimentares,transtorno de conduta e/outranstorno desafiador opositivo,transtorno de personalidadeanti-social, transtornos do sonoe uso de drogas. Topazewski13

afirma que “[...] o hiperativopode ter uma tendência maiorpara ingressar no mundo da de-linqüência e das drogas”.

“Transtorno do comporta-mento apresentado tanto por cri-anças como por adultos, commanifestações diferentes segun-do a idade e a educação recebi-da”, é a definição de Garcia-Pereze Magaz-Lago14 para explicar quetal transtorno implica em umadificuldade generalizada, no es-paço e no tempo, para regular emanter a atenção e uma ativida-de motora excessiva. Secundari-amente, se manifesta na formade um déficit de reflexividade –quando os afetados atuam comimpulsividade sem se deter paraanalisar suas ações. Mostram-seindivíduos sem auto-controle,que agem por suas necessidadesimediatas ou por suas emoções.

Forster e Fernandez15 defi-

nem TDA/H como um transtor-no de conduta crônica com umsubstrato biológico importante,não devido a uma única causa,com uma forte base genética.Barkley16 define TDA/H como“[...] um transtorno de desenvol-vimento do autocontrole queconsiste em problemas com osperíodos de atenção, com o con-trole do impulso e com o nívelde atividade”. Para esse autor oTDA/H é um problema real e, porconseqüência, um obstáculo realna aprendizagem.

Atualmente, a hiperatividadeinfantil é definida pela Associa-ção Americana como Transtornodo Déficit de Atenção/Hipera-tividade (TDA/H), classificada nosubgrupo dos distúrbios mentaiscom origem na infância ou ado-lescência17.

Braga18 classifica a hiperati-vidade infantil em três subgru-pos, segundo a natureza do com-portamento hiperativo.

Para o autor, a hiperatividadeverdadeira ocorre quando o in-divíduo herda geneticamente atendência à anormalidade bioló-gica, quando o trauma perinataldesencadeia a síndrome, também

denominada TDA/H. Patologiascomo eclâmpsia, diabetes, distúr-bios renais e substâncias tóxicasingeridas pela mãe durante a gra-videz podem também resultar nodesenvolvimento da hiperativida-de na criança.

O segundo tipo é a hiperati-vidade situacional, que se referea um comportamento desencade-ado por alguma patologia comohipertireoidismo ou por algumagente tóxico alimentar, entreeles: corantes artificiais, aditivosquímicos, alimentares, resíduosde agrotóxicos nos alimentos, al-guns tipos de molhos, cereais em-pacotados, salsichas e queijos,açúcar refinado, salicilato desódio, nozes. Estes alimentos po-dem provocar em crianças algumtipo de sensibilidade idiossin-crásica, síndrome denominada dehipercinesia situacional. As prin-cipais patologias que desencadei-am na criança um comportamen-to hiperativo são: anormalidadesdo sistema nervoso central (comoa hidrocefalia) e lesões cerebrais(traumatismo, acidente vascularcerebral), esclerose múltipla,encefalites, hipertireoidismo,apnéia do sono, neurofri-

12. Ana Beatriz Silva,200313. Abram Topczewski, 1999, p. 8514. citado por Mabel Condemarin et al, 2006, p. 2315. citado por Mabel Condemarin et al, 2006, p. 2516. Russel A Barkley, 2002, p. 3317. Ryon Braga, 1998, p. 15

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bromatose, fenilcetonúria, into-xicação por chumbo (plum-bismo), deficiência vitamínica,hipervitaminose e crises convul-sivas. Outras patologias podemexplodir como conseqüência se-cundária a um comportamentohiperativo, como anemia ferro-priva, retardo mental leve e efei-tos colaterais de medicamentosantialérgicos.

E, finalmente, a hiperativi-dade reacional, cujas causas sãodesencadeadas pelas dificuldadesinteracionais ou adaptativo-relacionais, nas esferas familia-res e escolares. Braga19 divideeste tipo de hiperatividade emreacional por problemas psicoa-fetivos e reacional por proble-mas psicoeducacionais.

Causas e sintomas

O cérebro é composto pormilhões de células e repartidoem diferentes zonas, cada umacom uma função específica. Atransmissão de informações en-tre essas zonas é feita pelas célu-las nervosas, por meio de subs-tâncias químicas denominadastransmissores neurais. Estas subs-tâncias são segregadas pela cé-lula que emite a informação ecaptadas pela célula que recebea informação20. Farladeau acres-centa:

Parece que os hiperativos sãovítimas de uma disfunção dessestransmissores neurais, especialmen-te de um deles, a dopamina, queestaria deficiente e conduziria a umabrandamento da transmissão en-tre as células. Este abrandamentocriaria uma diminuição da ativida-de na zona do cérebro afetada, ouseja, a zona de coordenação entreo lobo frontal e o sistema límbico.21.

O “afrouxamento” da ativi-dade cerebral estaria na origemdos sintomas associados ao con-trole do comportamento, querege os controles da atenção, daimpulsividade, da atividademotora, da obediência às regrase do rendimento no trabalho.Também podem ser causas doabrandamento cerebral: lesãoadquirida; falta de oxigênio noparto; nascimento prematuro;intoxicação por chumbo; causasorgânicas como convulsões,hipertireoidismo, oxiurose,apnéia do sono, anemia; efeitoscolaterais de medicamentoscomo o fenobarbital, aditivos ali-mentares e drogas antialérgicas;e sintomas hiperativos ligados acausas psicológicas (deficiêncianos transmissores neurais –dopamina).

Em relação à hiperatividade, ig-norar esses primeiros sinais, especi-almente quando duram mais dedoze meses e na ausência de infor-mações específicas que os problemasda criança são causados por paterni-dade/maternidade insatisfatória ououtras dificuldades da vida, leva àperda de um precioso tempo de tra-tamento22.

Os sintomas do TDA/H apa-recem entre três e cinco anos deidade, como por exemplo, a di-ficuldade em participar dos jo-gos, a incapacidade de ficar sen-tado para ver TV (a menos que oprograma seja do seu interesse).

São crianças que choram commais freqüência e durante mai-or tempo. Alguns experimentamdificuldades quando a quantida-de de trabalho aumenta, comopor exemplo, quando iniciam a5ª série. Nos testes de coordena-ção e equilíbrio, lateralidade ecinestesia revelam imaturidadeneurológica.

Ressalte-se que existem va-riações em cada caso. O profissi-onal não deve esperar que o di-agnóstico apareça sempre namesma freqüência e no mesmograu, porque não existem duaspessoas iguais.

Dos distúrbios da fala osmais importantes são o retardono aprendizado da fala, as alte-rações articulatórias e no ritmoda fala. Dificuldades no reconhe-cimento de imagem corporal ena dominância lateral são cha-madas de distúrbios da sogma-tognosia. Dislexia, disgrafia e dis-calculia são distúrbios de apren-dizagem específicos. Dificuldadede alimentar-se, dormir ou falarsão distúrbios da imagem da pri-meira infância23.

Vale ressaltar que tanto a hi-peratividade como a impulsi-vidade podem ocasionar aciden-tes como, por exemplo, derrubarou quebrar objetos, esbarrar empessoas, manusear objetos peri-gosos e envolver-se em ativida-des perigosas, sem pensar nasconseqüências.

Identificação e diagnóstico

Somente com a identifica-ção precoce das dificuldades deaprendizagem das crianças é quese pode orientar uma interven-ção pedagógica.

A Escala de Identificação de

18. Ryon Braga, 199819. Ryon Braga, 199820. Guy Farladeau, 199921. Guy Farladeau, 1999, p. 3522. Sam Goldstein e Michael Goldstein, 2000, p. 7623. Sam Goldstein e Michael Goldstein, 2000

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Dificuldades de Aprendizagem(EIDA), dividida em cinco itens,permite reconhecer de formasimples a criança com TDA/H.Outro meio de identificação estábaseado nos critérios definidospela Associação Americana dePsiquiatria. Observe no quadro.

Uma terceira forma de iden-tificação/diagnóstico pode serfeita por meio da psicopeda-gogia. O diagnóstico psicope-dagógico é entendido como pro-cesso no qual é analisada a situ-ação do aluno com dificuldades,dentro do contexto de escola ede sala de aula, com a finalida-de de proporcionar aos profes-sores orientações e instrumentosque permitam modificar o con-flito manifestado24. Outra noçãoimplícita no diagnóstico psico-pedagógico é a análise das difi-culdades do aluno no ambienteescolar. Nesta avaliação se faz ne-cessária a intervenção de doisprofissionais: o psicopedagogo,como especialista, e o professor,conhecedor do aluno nas situa-ções cotidianas de aprendiza-gem.

“O diagnóstico precoce doTDA/H é um ponto fundamentalpara a superação das dificulda-des escolares”25, o que justifica anecessidade de realizar uma in-tervenção precoce, visto que nosmaiores vão se acumulando va-zios de conhecimentos escolaresdevido à falta de hábitos de es-tudo e de outras dificuldades queinterferem no seu rendimento.

Trabalhando comportadores de TDA/H

Se a criança já foi diagnosti-cada como portador de TDA/H,o professor deve ser avisado. Senão, o professor deve possuirconhecimento sobre hiperati-

vidade e conhecer as caracterís-ticas de TDA/H para, com a ob-servação em sala de aula, poderencaminhar essa criança para osprofissionais qualificados parafazerem o diagnóstico.

As crianças hiperativas pre-cisam saber que o esforço quetêm de fazer é definido segun-do critérios de tempo e não dedesempenho. Nesse sentido, oprofessor pode pedir-lhes para sededicarem dez minutos para fa-

zer contas, ao invés de pedir-lhespara resolver dez problemas.Pode trabalhar com um cronô-metro, para que a criança comTDA/H veja o tempo passar e ofim do trabalho aproximar-se.Devido à hiperatividade, a crian-ça encontra dificuldade em rea-lizar a sua tarefa igual aos de-mais colegas26.

O professor pode tambémreduzir a carga de trabalho doaluno com TDA/H em função dassuas capacidades, sem que issopenalize a sua aprendizagem.Observar se ele atingiu o objeti-vo. Isso é importante, visto quea sua falta de concentração e asua lentidão fazem-lhe perdermuito conteúdo. Um período detrabalho mais curto e mais fre-qüente é indicado: isso afasta oaborrecimento e é um fatordeterminante do abrandamentoda hiperatividade. Outro aspec-to: tarefa de casa é em casa; deescola, na escola. A tarefa nãoconcluída pode ser deixada paraoutro dia, mas no mesmo localonde foi passada.

O professor não deve consi-derar erros cometidos por distra-ção ou impulsividade. Além dis-so, deve cuidar na maneira defalar: ao invés de “sabe a respos-ta deste problema?”, dizer“pode mostrar-me como resolvereste problema?

Recomenda-se ainda que oprofessor, antes de planejar ati-vidades, considere os pontos for-tes da criança com TDA/H, co-nheça atividades que mais lhemotivam e que sejam de inte-resse dela. Elaborar atividadesmenos estruturadas onde pos-sam empregar sua criatividade,melhorando sua imagem dian-te de seus colegas como, porexemplo, atividades ao ar livre,musicais, de eletrônica, deinformática, de investigações ci-

24. Eulália Bassedas, 199625. Orjales citado por Mabel Condemarin et al, 2006, p. 4226. Mabel Condemarin et al, 2006

Nos anos 80Vigotsky eFeuerstein

trouxeram para oambiente escolarum conjunto deelementos queposibilitam um

diagnósticopsicoeducacional

equacionado

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entíficas e tecnológicas27.Benavevente28 propõe a rea-

lização dos seguintes programas:programa para melhorar a con-centração, que inclui exercíciosde bordado, “contato com a mi-nha força” e exercícios de ioga;programa para o controle daimpulsividade, que compreendeo treinamento na auto-instrução,o aumento da demora da respos-ta e modelagem; programa decontrole da hiperatividade, emque os exercícios de relaxamen-to são um pilar fundamental; pro-grama de técnicas e hábitos deestudo, em que se inclui lugar deestudos e metas, entre outras ati-vidades.

Já Gorostegui29 apresenta asseguintes sugestões: orientar aatenção da criança para o pro-blema ou a tarefa que se apre-

senta, ajudá-la a descobrir e se-lecionar a informação relevan-te e a organizá-la e sistematizá-la; proporcionar pautas consis-tentes sobre o que deve fazer,dando-lhe instruções de formaparcelada e inclusive, se for ne-cessário, enumerando os passosda tarefa.

Reiterar as instruções é umponto fundamental na ajuda.As rotinas de trabalho devem serclaras, sem variações imprevis-tas. Elas devem estruturar exter-namente o seu entorno e, emparticular, organizar suas ativi-dades escolares proporcionan-do-lhe pautas de trabalho,acompanhando-a e dirigindo-aem seu tempo de estudo. A sim-ples presença do adulto (profes-sores, pais e outras pessoas) temum efeito significativo no seu

desempenho; ocasionalmente,pedir à criança que não respon-da até que seja solicitado expres-samente que faça. Se ela falhar,ajudá-la a perceber que sua ace-leração pode ser uma causa im-portante de seus erros; evitar osambientes de trabalho artificial-mente privados de estímulos, defatores visuais e auditivos, quetêm mostrado ser de pouco be-nefício para crianças com TDA,apesar da crença no contrário.

Mais que as outras crianças,elas requerem motivação exter-na, tarefas significativas, situa-ções de aprendizagem ágeis enovas, que atraiam seu interessee que impliquem um desafio;lembrar à criança, com freqüên-cia, que ela deve pensar antes deresponder, planejar seu trabalho,imaginar alternativas de soluçõese parar para tentar comprovar sesão corretas, comparar suas res-postas com outras possíveis. Pro-mover processos de pensamen-to orientados para a reflexão everbalizações sobre a própria ati-vidade mental.

Saber trabalhar com porta-dores de TDA/H tem como fina-lidade evitar as conseqüênciasdo insucesso escolar e os trans-tornos futuros. Segundo Fonse-ca30, não se deve ignorar certasquestões da aprendizagem, poispode ocorrer a subvalorizaçãode certos sinais de riscos educa-cionais e conseqüentementeadiar a sua solução. O insucessoescolar desencadeia problemasemocionais, levando a criança aperder a sua identidade-criatividade e a enfrentar pro-blemas de adaptação social,além de diminuir a auto-confi-ança. Se esse espiral de confli-tos não for resolvido o quantoantes, o resultado pode ser a de-linqüência ou outra predisposi-

As rotinas de trabalho devem ser claras,sem variações imprevistas. Devem estruturar

externamente o seu entorno e organizarsuas atividades escolares

27. Mabel Condemarin et al, 200628. citado por Mabel Condemarin et al, 2006, p. 13929. citado por Mabel Condemarin et al, 2006, p. 14030. Vítor da Fonseca, 1995

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ção sociopática e, o que é pior,repetências e evasões.

Conclusão

O ideal seria diagnosticar oTDA/H antes que a criança come-çasse a freqüentar a escola. En-tretanto, é na escola que os sin-tomas se evidenciam, se fazemmais visíveis, pois no período es-colar é preciso aumentar o nívelde concentração para aprender.

Nesse sentido é importanteque o professor esteja prepara-do para identificar precocemen-te um portador de TDA/H, distin-guindo-o, por exemplo, de uma

criança sem limites, para que aaprendizagem não seja muitoprejudicada. Fonseca31 afirmaque é no princípio da escolarizaçãoe não no fim que se deve otimizaro potencial de aprendizagem dascrianças; por isso, a importânciade se identificar o mais cedo pos-sível o TDA/H.

Sendo o TDA/H um transtor-no de difícil diagnóstico, porquepode ser confundido com outrostranstornos ou com uma criançasem limites, apesar do professorter capacitação para identificare trabalhar com a criança porta-dora do TDA/H, torna-se impres-cindível o envolvimento de ou-tros especialistas nesse processo,

31. Vítor da Fonseca, 1995

Referências Bibliográficas

BARKLEY, R. A. Transtorno de déficit de atenção/hiperatividade. Porto Alegre: Artmed, 2002.BASSEDAS, E. Intervenção educativa e diagnóstico psicopedagógico. 3. ed. Porto Alegre: Artmed, 1996.BRAGA, R. O comportamento hiperativo na infância. Curitiba: Conscientia, 1998.CONDEMARIN, M. et al. Transtorno do déficit de atenção: estratégias para o diagnóstico e a interven-ção psico-educativa. São Paulo: Planeta do Brasil, 2006.FALARDEAU, G. As crianças hiperativas. Portugal: CETOP, 1999.FONSECA, V. Introdução às dificuldades de aprendizagem. Porto Alegre: Artes Médicas, 1995.GOLDSTEIN, S.; GOLDSTEIN, M. Hiperatividade: como desenvolver a capacidade de atenção da criança.6. ed. São Paulo: Papirus, 2000.HALLOWELL, E. M. Tendência à distração: identificação e gerência do distúrbio do déficit de atenção(DDA) da infância à vida adulta. Rio de Janeiro: Rocco,1999.RHODE, L. A. P.; BENCZIK, E. B. P. Atenção: hiperatividade. Porto Alegre: Artmed, 1998.SILVA, A. B. Mentes inquietas: São Paulo: Gente, 2003.TOPCZEWSKI, A. Hiperatividade: como lidar? São Paulo: Casa do Psicólogo, 1999.WOOLFOLK, A. E. Psicologia da educação. Porto Alegre: Artmed, 2000.

como o psicopedagogo e o mé-dico, uma vez que uma identifi-cação errônea ou uma rotulaçãocomprometeria ainda mais a suaaprendizagem.

É dever do professor saberidentificar, compreender e traba-lhar com o aluno portador deTDA/H, buscando maneiras deajudá-lo a ser bem sucedido naescola e, mais tarde, na vida so-cial e profissional. Para isso eleprecisa aplicar uma ação peda-gógica direcionada para esse alu-no, considerando principalmen-te sua falta de concentração, cri-ando atividades diversificadaspara que a aprendizagem não fi-que comprometida.

Ana Grace Costa Bortolinié pedagoga e professora da Rede Municipal

de Ensino de Curitiba, pós-graduanda em EducaçãoEspecial pelo Instituto Brasileiro de Pós-Graduação e Extensão.

Claudia Mara Soares da Silvaprofessora da Rede Municipal de Ensino de Curitiba, pós-graduanda

em Educação Especial pelo Instituto Brasileiro de Pós-Graduação e Extensão.Lis Andréia Bassi

é professora da Rede Municipal de Ensino de Curitiba, pós-graduanda em EducaçãoEspecial pelo Instituto Brasileiro de Pós-Graduação e Extensão.

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Para se detectar o TDA/H deve-se observar, pelo menos, seis dos sintomas de desatenção, perdu-ráveis por um período mínimo de seis meses, em grau mal-adaptativo e não compatível com o nívelde desenvolvimento32:

Presença de pelo menos seis dos seguintes sintomas de hiperatividade, persistentes por um perío-do mínimo de seis meses, em grau mal-adaptativo e não compatível com o nível de desenvolvimento:

SINTOMAS DE HIPERATIVIDADE

32. Sam Goldstein e Michael Goldstein, 2000

SINTOMAS DE DESATENÇÃO

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• esquece de cumprir as tarefas diárias (falta a um compromisso marcado, esquece materialescolar, etc.). No campo das situações sociais, este sintoma pode se manifestar porfreqüentes mudanças de assunto, falta de atenção ao que os outros dizem, falta de atençãoa detalhes ou regras em jogos ou outras atividades.

• com freqüência não presta atenção a detalhes ou comete erros por descuido em tarefasescolares, de trabalho, etc.;

• apresenta costumeira dificuldade em manter a atenção na realização de tarefas ouatividades lúdicas, não conseguindo conduzi-las até o final;

• freqüentemente passa a impressão de que está com o pensamento em outra situação, ouque não ouviu o que lhe foi dito;

• muda de uma tarefa inacabada para outra – assim, o indivíduo pode iniciar uma atividade,ter sua atenção desviada para outra e deixar a primeira incompleta;

• com freqüência não atende a solicitações e não segue instruções, o que não se deve àincapacidade de compreendê-las, nem a comportamentos de oposição, e sim à dificuldade deatenção;

• dificuldade na organização de tarefas e/ou atividades. Por não conseguir manter a atenção,o indivíduo considera as atividades que exigem esforço mental constante (tarefas escolaresou trabalhos burocráticos) como desagradáveis e aversivas, passando a evitá-las;

• a realização de tarefas é prejudicada devido à freqüente desorganização, perda ou descuidodos materiais necessários (brinquedos, tarefas escolares, lápis, livros, etc.);

• facilidade de distração por estímulos alheios à tarefa geralmente culmina na sua interrupção;

• freqüente inquietação caracterizada pela agitação dos pés ou das mãos ou por remexer-sena cadeira, assim como dificuldade em permanecer sentado;

• abandono da cadeira em sala de aula ou em outras situações em que isso não é necessário;

• corre ou escala com freqüência, em situações em que isso é inadequado;

• a impulsividade faz com que a hiperatividade responda freqüentemente com precipitaçãoas perguntas mesmo antes da sua formulação completa – como tem dificuldades de esperara sua vez, interrompe ou intromete-se em assuntos alheios, fazendo comentáriosinoportunos, gerando desta forma, dificuldades de relações sociais, acadêmicas ouocupacionais.

• apresenta freqüente dificuldade em realizar atividades ou brincadeiras que envolvamsilêncio bem como atitudes freqüentes com energia em demasia, como se estivesse “a mil”,inclusive na fala;

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A.1 – Seis (ou mais) dos seguintes sintomas dedesatenção estão presentes há pelo menos seismeses, com uma freqüência ou umaintensidade superior àquela que o nível dedesenvolvimento faria prever:a) a criança não presta atenção aos

pormenores e comete muitos erros deatenção na escola, no trabalho ou duranteoutras atividades;

b) tem dificuldade em manter-se atenta notrabalho ou nos jogos;

c) parece não ouvir quando lhe falam;d) raramente termina um trabalho ou ignora

uma parte das instruções (não devido a umcomportamento de oposição ou porque asinstruções foram mal compreendidas);

e) tem dificuldade em organizar o seutrabalho ou suas atividades;

f) afirma detestar certas atividades ou tentaevitá-las quando estas lhe exigem umesforço mental contido (como o trabalhoescolar ou a leitura);

g) perde objetos necessários às suas atividades(brinquedos, lápis, cadernos, utensílios);

h) distrai-se facilmente por estímulos poucoimportantes;

i) é levada a esquecer coisas que fazem partedas suas atividades diárias.

A.2 – Seis (ou mais) dos seguintes sintomas dehiperatividade ou de impulsividade presenteshá pelo menos seis meses, com uma freqüência

1. compreensão auditiva: entender o significado das palavras, a execução de instruções, a compre-ensão de discussões na aula e reter informação;

ou uma intensidade superior àquela que onível de desenvolvimento faria prever:Hiperatividadea) a criança mexe os pés ou as mãos ou agita-

se na sua cadeira;b) sai da cadeira ou da aula em situações onde

a posição de sentada é obrigatória;c) corre ou salta imprevisivelmente (o

adolescente ou o adulto limita-se a umaincapacidade de ficar no lugar);

d) é incapaz de jogar sem fazer barulho;e) parece perpetuamente em movimento;f) fala demasiado.

Impulsividadeg) a criança responde às perguntas mesmoantes destas terem acabado de ser formuladas;h) tem dificuldade em aguardar a sua vez;i) interrompe as outras crianças ou intervémnas suas conversas ou nos seus jogos.

B – Alguns dos sintomas notados estavampresentes antes dos seis anos.C – Os inconvenientes causados pelos sintomasforam notados em pelo menos duas situações(na escola, no trabalho ou em casa).D – Devem existir repercussões significativassobre o funcionamento social ou acadêmico.E – Os sintomas não aparecem exclusivamentedurante um impulso psicótico ou não sãomelhor definidos pelos critérios de outradoença mental.

*33. Vítor da Fonseca, 1995

ESCALA DE IDENTIFICAÇÃO DE DIFICULDADES DE APRENDIZAGEM (EIDA)

CRITÉRIOS DA ASSOCIAÇÃO AMERICANA DE PSIQUIATRIA

2. linguagem falada: vocabulário, gramática, memória verbal, contar histórias, relatar experiências,formular idéias;

5. sociabilidade-socialização: cooperação, atenção, organização, situações novas, aceitação social,responsabilidade, cumprimento de tarefas, ajustamento-discernimento.33*

3. orientação espaço-temporal: apreciação do tempo, orientação espacial, apreciação de relações(grande-pequeno, perto-longe, leve-pesado), apreciação das direções;

4. psicomotricidade: coordenação geral, equilíbrio, destreza manual;

Essa identificação trabalha com três tipos de perturbação deficitária da atenção: tipo combinado -responde aos critérios A1 e A2 pelo menos desde há seis meses; tipo desatenção: responde aoscritérios A1 pelo menos desde há seis meses; tipo hiperatividade/impulsividade: responde aoscritérios A2 pelo menos há seis meses.

69novembro 2008

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CHAMADA DE ARTIGOS/ REVISTA 2009

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• Disquete com cópia• Arquivo com tabelas, quadros etc.• Cópia de trabalho em papel A4, tinta preta• Papel impresso informando nome completo do(s) autor(es), endereço completo, telefone ee-mail de contato

Data de entregaAté 30 de agosto de 2009

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