Ceticismo Moderno - Richard Popkin

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  • 7/25/2019 Ceticismo Moderno - Richard Popkin

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    Richard PopkinTraduo de Jaimir Conte

    O ceticismo moderno surgiu no sc. XVI com o renascimento do conhecimento

    e do interesse pelo antigo ceticismo pirrnico grego! "ue surge nos escritos de

    #e$to %mp&rico! e do ceticismo 'cad(mico! apresentado em De Academica! de

    C&cero. O termo )ctico* no +oi usado na Idade ,dia e +oi inicialmente apenas

    transliterado do grego. 's o-ras de #e$to %mp&rico +oram pu-licadas em latim

    em /01 e /02! e em grego em 01. 's edi3es do te$to de C&cero

    apareceram no sc. XVI. ' no4a pu-licao destas o-ras aconteceu numa

    poca em "ue uma "uesto +undamental a respeito do conhecimento religioso

    +ora le4antada pela Re+orma e Contra5Re+orma 6 como distinguir o 4erdadeiro

    conhecimento religioso de perspecti4as +alsas ou du4idosas7 %rasmo negou

    "ue isto se poderia +a8er! e aconselhou seguir os cticos! suspendendo o 9u&8o

    e aceitando as opini3es da Igre9a Cat:lica so-re as "uest3es em disputa. O

    tradutor de #e$to! ;entian s preocupa3es do sc.

    XVI. Tam-m os apresentou numa linguagem 4ern=cula ?o +ranc(s@! "ue

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    +orneceu o 4oca-ul=rio para as modernas discuss3es so-re o pro-lema do

    conhecimento.

    Os desa+ios lanados por ,ontaigne aos ind&cios +a4or=4eis a "ual"uer

    alegao de conhecimento! > ade"uao de todo o pretenso critrio de

    conhecimento e > possi-ilidade de um padro tico uni4ersal le4antou

    di+iculdades a todas as perspecti4as "ue ento esta4am sendo apresentadas. '

    o-ra de ,ontaigne tornou5se um sucesso de 4endas em Arana e na traduo

    inglesa. Juntamente com dB4idas crescentes so-re a tradio intelectual

    predominante! o tra-alho de ,ontaigne esta-eleceu um ceticismo geral! no

    apenas contra a escol=stica ou o naturalismo renascentista! mas tam-m

    contra a possi-ilidade de e$istir "ual"uer sistema de idias "ue no pudesse

    ser posto em dB4ida. O disc&pulo de ,ontaigne! o padre Pierre Charron!

    apresentou o ceticismo de uma +orma did=tica "ue +oi muito amplamente lida.

    Os +il:so+os do in&cio do sc. XVII tentaram +ormular respostas ao no4o

    ceticismo! de modo a +undamentar teorias +ilos:+icas modernas "ue pudessem

    9usti+icar a no4a ci(ncia. acon! ,ersenne! ;assendi! Descartes e Pascal!

    entre outros! tentaram lidar com a ameaa ctica "ue domina4a completamente

    o mundo intelectual.

    ,ersenne e ;assendi +ormularam! de maneiras di+erentes! um ceticismomitigado ou construti4o! +a8endo grandes concess3es ao desa+io ctico!

    em-ora ainda a+irmassem "ue alguma espcie de conhecimento limitado era

    poss&4el e Btil. ,ersenne! num di=logo com um ctico! "ue retoma argumentos

    de #e$to! disse "ue em-ora no possamos responder os desa+ios

    +undamentais dos cticos! isso no importa por"ue na realidade temos

    maneiras de lidar com as "uest3es. Podemos pre4er! a partir de uma situao

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    emp&rica! o "ue se seguir=! em-ora no conheamos as verdadeirascausas

    dos e4entos. Podemos ter dB4idas se algum conhecimento meta+&sico

    poss&4el! ao mesmo tempo "ue desen4ol4emos uma ci(ncia "ue relaciona

    apar(ncias com apar(ncias.

    ;assendi le4ou isto adiante no "ue denominou via mediaentre o ceticismo e o

    dogmatismo. Desen4ol4eu uma teoria atmica epicurista hipottica

    relacionando as apar(ncias entre si. %sta +orneceria uma som-ra da 4erdade!

    ao in4s da pr:pria Verdade.

    Descartes no "ueria contentar5se com esta certe8a limitada. Procura4a

    4erdades "ue nenhum ctico pudesse desa+iar. Para desco-ri5las! comeou por

    adotar um mtodo de dB4ida ctica! re9eitando todas as crenas "ue poderiam!

    so- "ual"uer condio imagin=4el! ser +alsas ou du4idosas. Re9eitou

    prontamente as crenas -aseadas nos sentidos por"ue estes >s 4e8es nos

    enganam. Re9eitou as crenas so-re a realidade +&sica por"ue o "ue

    consideramos ser tal realidade pode +a8er apenas parte de um sonho. Re9eitou

    as crenas -aseadas no racioc&nio por"ue podemos ser sistematicamente

    enganados por uma +ora demon&aca.

    Eeste ponto! Descartes parece ter criado um ceticismo maior "ue o de

    ,ontaigne. ,as Descartes passou a perguntar se podemos du4idar ou re9eitara crena na nossa pr:pria e$ist(ncia. '"ui desco-rimos "ue toda tentati4a de o

    +a8er imediatamente anulada pela nossa consci(ncia de "ue! n:s mesmos!

    estamos du4idando. 'ssim! a primeira 4erdade "ue Descartes alegou "ue no

    poderia ser colocada em dB4ida +oi )penso! logo e$isto* ?o cogito).' partir desta

    4erdade algum poderia e$trair o critrio de "ue tudo o "ue conce-emos clara

    e distintamente 4erdadeiro. Fsando este critrio! esta-elecemos "ue Deus

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    e$iste! "ue todo5poderoso! o criador de tudo o "ue e$iste! e "ue! por"ue

    per+eito! no nos pode enganar. Portanto! tudo o "ue Deus nos +a8 acreditar

    clara e distintamente tem de ser 4erdadeiro. 'ssim! a no4a +iloso+ia de

    Descartes 4isa re+utar o no4o ceticismo.

    O sistema de Descartes tornou5se o al4o principal dos cticos modernos. Aoi

    criticado por ;assendi!

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    so-re o ctico grego Pirro de Klis e so-re Leno de %lia! le4antaram

    pro-lemas centrais > gerao seguinte de +il:so+os.

    Gocke props uma maneira de e4itar o ceticismo ao admitir "ue poder&amos

    no ter "ual"uer realconhecimento alm da intuio e da demonstrao! mas

    "ue ningum era to louco "ue du4idasse "ue o +ogo "uente! "ue as rochas

    so s:lidas! etc. ' e$peri(ncia anularia o ceticismo. O cr&tico de Gocke! o -ispo

    #tilling+leet! tentou mostrar "ue o seu empirismo aca-aria no ceticismo.

    erkeleH! "ue rece-era na sua educao os argumentos de aHle! 4iu "ue

    estes se poderiam 4oltar contra a +iloso+ia de Gocke. aHle 9= tinha mostrado

    "ue a distino entre "ualidades prim=rias e secund=rias era inde+ens=4el. #e

    as secund=rias so su-9eti4as e e$istem apenas na mente! as prim=rias

    tam-m so. erkeleH insistiu so-re este ponto para le4ar a perspecti4a de

    Gocke ao ceticismo total. 'legou ter encontrado uma resposta ao ceticismo ao

    insistir "ue a apar(ncia a realidade! tudo o "ue percepcionado real.

    s "ue ti4emos no passado.

    Mual"uer tentati4a para de+ender as nossas crenas ine4it=4eis em causas! no

    mundo e$terior! ou num eu real constituti4o em n:s! condu8 ao a-surdo e >

    contradio. 'ssim! somos condu8idos por "ual"uer in4estigao das nossas

    crenas a um ceticismo total! mas a nature8a no nos dei$a a&N no podemos

    dei$ar de acreditar. 'ssim! conclui

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    O ceticismo de

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    Qant props a sua +iloso+ia cr&tica como uma maneira de resol4er os pro-lemas

    cticos internos > +iloso+ia moderna. Aoi imediatamente acusado de ser apenas

    um ctico muit&ssimo so+isticado! uma 4e8 "ue tam-m aca-a por negar a

    nossa capacidade de ter conhecimento necess=rio do mundo. ' +iloso+ia alem

    da primeira metade do sculo seguinte consistiu em tentati4as para e4itar ou

    superar o ceticismo impl&cito na an=lise de Qant das condi3es do

    conhecimento.

    Richard Popkin

    Retirado de Jonathan DancH e %rnest #osa ?org.@A Companion toEpistemology?O$+ord lackell! 22! pp. 251@.

    O Espelho da Guerra:

    a virt na viso renascentista de Maquiavel

    Mariano de Azevedo Jnior*

    Resumo

    Este artigo pretende analisar o conceito de virtem O Prncipede Maquiavel, tomando-a como a capacidade dosoberano no uso racional das armas prprias para a preservao do Estado. Tambm se prope a verificar adistino entre as formulaes do conceito de virtuspelos umanistas e segundo a radical viso maquiaveliana,ambas frutos da !enascena. "inda observaremos que os #espelos de pr$ncipes# escritos durante a!enascena formaram-se em oposio % definio umanista de virtus, que visava % formao do omem c$vicoe no do pr$ncipe. &esse sentido, reformulando o conceito devirt, Maquiavel op's o seu espelo de pr$ncipetanto % concepo umanista como % idia de virtus dos outros autores dos espelos, enfati(ando a pr)tica daguerra.*inalmente, buscaremos revelar a virtassociada % arte da guerra como a prpria definio de #pr$ncipeprudente#.

    Palavras chaves: +r$ncipe, Maquiavel, virt, Estado e "rte da guerra.

    Abstract

    Tis article intends to anal(e te concept of virtin The Princeb Maquiavel, taen as te sovereigns rationalcapacit in use of proper /eapons on te preservation of is 0tate. "lso it is considered to verif te distinctionbet/een te formulari(ations of virtusconcept b umanists in te beginning of centur 12, and radicalmaquiavelians vision, bot fruits of te !enaissance. 0till /e /ill observe tat te 3mirrors of princes4, /rittenin !enaissance ad formed in opposing to virtusdefinition b umanists, tat aimed te formation of te civicman and not of te prince. 5n tis direction, reformulating te concept of virt, Maquiavel opposed is mirror tote conception umanist as to te idea of virtusb oter mirrorsautors, empasi(ing te practical of /ar.*inall, /e /ill searc to disclose virtassociated to te art of te /ar as te proper definition of #prudentprince4.

    Keywords: +rince, Maquiavel, virt, 0tate and "rt of /ar.

    A histria humana, como afirmou um dos notveis historiadores da Escola dos Annales Marc

    Bloch (1993) o estudo do homem no conteto do seu tem!o" Mas a nossa histria doshomens em sociedade nos leva a ener#ar uma nature$a %elicosa eistente no tem!o e noes!a&o, com!reendida na !r!ria eist'ncia humana" ma histria de #uerras, conuistas,

    mailto:[email protected]://www.urutagua.uem.br/009/09azevedojr.htm#_ftn1http://www.urutagua.uem.br/009/09azevedojr.htm#_ftn1mailto:[email protected]
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    derrotas e vitrias" *or essa ra$+o, vale recu!erar uma !er#unta central em O PrncipedeMauiavel como reconhecer a for&a necessria ca!a$ de manter um Estado- Eis uma uest+ovlida !ara refletir so%re o valor da #uerra na conserva&+o dos !rinci!ados liderados !orhomens de valores !r!rios e tidos como di#nos da so%erania" *r.nci!es alme/antes da #lria eda arte de %em #overnar !ela lei e !elas armas" 0omens es!elhados na vis+o histrica,

    renascentista e !ol.tica de Mauiavel"

    no cenrio da 2enascen&a italiana ue icolau Mauiavelescreve a sua mais famosa o%ra, O Prncipe(1413), na ualreali$a uma anlise !ol.tica consistente so%re como devea#ir um so%erano com !rud'ncia ou valor !r!rio (virt)!ara manter um #overno / eistente ou conuistar umnovo" 5estinando o seu 6es!elho de !r.nci!e781a:ouren&o, 6; Ma#n.fico78es7 do !assado se#uir os !assos dos #randes homens no trato da#uerra, ao se confi#urar o conflito com outros %locos de !oder" *ara com!reendermos esseas!ecto im!ortante da vis+o mauiaveliana, necessrio ue consideremos as influ'nciasintelectuais na forma&+o !ol.tica do florentino"

    A !resen&a essencial de termos como virtefortuna na filosofia !ol.tica de Mauiavel ueir+o fundamentar toda a sua o%ra s !ode ser entendida no conteto renascentista uefundamentou as tradi&>es !ol.ticas e filosficas !resentes na sociedade na ual estavainserido" ?ontudo, a #'nese da vis+o renascentista mauiaveliana tem a sua fundamenta&+o

    centrada nos c.rculos humanistas de @loren&a do in.cio do sculo " Estes, !or sua ve$, foramtotalmente influenciados !elo tra%alho de *etrarca no sculo !recedente, uando elerecu!erou os valores eistentes nas o%ras de ?.cero, nas uais se encontram as a!lica&>es dostermos virtusefortuna, voltados !ara a forma&+o !ol.tica do indiv.duo, do cidad+o"

    Os valores da Repblica no Renascimento italiano!

    a anti#a 2oma, a deusa da sorte Fortuna, adorada como filha do !r!rioJupiter, !ossu.a aca!acidade de !ros!erar a vida dos homens com tudo auilo ue todos dese/avam = #lria,!oder e honra , desde ue estes ousassem nos ne#cios, fa$endo uso das #ra&as da deusa" oentanto, os homens (vir) de !ouca virtude (virtutis), ao invs de desfrutarem dos !oderesofertados !ela deusa, iriam sucum%ir diante da inca!acidade de se re#o$i/ar com o uea Fortunatinha !ara a#raci=los" nesse conteto cultural da anti#Cidade romana ue toda aeloC'ncia de ?.cero, considerado o mestre da retrica, conse#ue utili$ar a conce!&+o do virvirtutis(homem de virtudes viris) a!licada D !ol.tica, dando sentido moral aos novossi#nificados definidores dos valores !r!rios e reais ue um homem !ol.tico e eloCentedeveria !ossuir, e ue *etrarca definiu como a meta !ara a educa&+o ue devia formar oindiv.duo da sua !oca" Educa&+o essa ue consolidou a com!reens+o humanista como aforma&+o ideal do indiv.duo de atos virtuosos e ue tanto em%asou as a!olo#ias D li%erdadec.vica re!u%licana dos humanistas florentinos da 2enascen&a"

    ; tra%alho de *etrarca ao reco%rar os valores ciceronianos e inseri=los na conce!&+ohumanista de modelo de educa&+o e conduta, n+o se limitou a ada!tar tais valores Dstradi&>es eistentes" Em ve$ disso, *etrarca recu!erou toda a conce!&+o ciceronianade virtus, em%asado na com!reens+o clssica ue definia a retrica e a filosofia"83@oi essarecu!era&+o total dos conceitos de virtusefortunaue construiu a idia de uma educa&+odirecionada !ara a forma&+o da 6virtude nica7 do homem a idia do homem !ol.tico,

    eloCente, c.vico e re!u%licano" Em !oucas !alavras, a idia de virtusera a !r!ria

    http://www.urutagua.uem.br/009/09azevedojr.htm#_ftn2http://www.urutagua.uem.br/009/09azevedojr.htm#_ftn2http://www.urutagua.uem.br/009/09azevedojr.htm#_ftn3http://www.urutagua.uem.br/009/09azevedojr.htm#_ftn4http://www.urutagua.uem.br/009/09azevedojr.htm#_ftn2http://www.urutagua.uem.br/009/09azevedojr.htm#_ftn3http://www.urutagua.uem.br/009/09azevedojr.htm#_ftn4
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    conce!&+o do homem de reais virtudes, ou se/a, do homem de valor !r!rio" ?omo o !r!rio*etrarca nos di$

    Somente quando soubermos unir a sabedoria eloqncia, quando formos capazes de gravar na alma efazer que nela calem fundos os mais agudos e ardentes ferres do discurso, poderemos ter a esperana derealizar a tarefa realmente vital da filosofia a de arrazoar de modo no somente a instruir nossos

    ouvintes sobre as virtudes, mas tambm de instru!los a praticar atos virtuosos" #apud.S$%&&'(, )**+,

    p" )-.

    Fodo o en#enhoso tra%alho de *etrarca durante o sculo G res!onsvel !elo teor deinstru&+o civil re!u%licana dos humanistas de @loren&a do in.cio do sculo " otveishumanistas florentinos como :eon Battista Al%erti, Hiano$$o Manetti e Matteo *almieri,dentre outros, eecutaram a tarefa de reali$ar uma intensa a!olo#ia D li%erdade re!u%licanade @loren&a, !rinci!almente a!s a #uerra contra Mil+o"8I

    A #uerra contra Mil+o fe$ crescer o enaltecimento da re!%lica florentina !elos c.rculoshumanistas, como sendo a terra a#raciada !elos ares re!u%licanos" ?ontudo, levando emconta o !er.odo renascentista do humanismo es!elhado na recu!era&+o das considera&>es!ol.ticas de *etrarca, os ares re!u%licanos res!irados !elos humanistas florentinos s+o osdese/os de reer#uer uma 2e!%lica semelhante D dos tem!os romanos de ?.cero" *ortanto,

    n+o h nenhuma novidade maior ue venha a definir o humanismo civil da @loren&a do in.ciodo sculo , assim como n+o !oder.amos a!ontar a com!reens+o de virtusefortunacomosendo frutos ori#inais do !ensamento !ol.tico de Mauiavel" Em suma, o ue constatamos s+oas ra.$es em comum, sur#idas no %o/o da 2enascen&a italiana, dos valores do RegnumItalicum!rescritos nas o%ras de ?.cero e recu!erados no humanismo c.vico !recursor de*etrarca" ; ue devemos destacar s+o !articularidades nas o%serva&>es e anlises !ol.ticasue caracteri$aram a distin&+o entre os humanistas do in.cio do sculo e a filosofia!ol.tica de icolau Mauiavel"

    A moralidade reprovada de Maquiavel

    Falve$ afirmar ue eistam somente !articularidades distintas entre a com!reens+oda virtde Mauiavel e a antiqua virtushumanista se/a de fato, um eu.voco" a verdade, hna vis+o !ol.tica mauiaveliana uma consistente diferen&a uanto aos caminhos ue o homem

    de virtdeve trilhar !ara alcan&ar a #lria" esse sentido, sem !erder de vista araisondEtatue Mauiavel se !ro!Js eaminar em sua o%ra, !reciso, antes de ualuer coisa, nosdetermos no conceito de virtus associado D fi#ura do !r.nci!e de Estado, entendendo ue aori#em re!u%licana de tal conceito serviu !ara os o%/etivos c.vicos de *etrarca e seussucessores ue dese/avam formar cidad+os , mas n+o !ara os fins ltimos do PrncipedeMauiavel" Alm do mais, tam%m necessrio com!reender ue a #lria alme/ada !elo!r.nci!e est relacionada com a uest+o central deste arti#o, ue se ocu!a do si#nificadoda virtmauiaveliana" +o o%stante, encontrar o real sentido da virtnos levar a entendera arte da #uerra como uma virtude ulterior daueles ue eerciam o of.cio r#io, e ue (!araMauiavel) tornava o !r.nci!e um indiv.duo de valor !r!rio e di#no de se colocar acima dosdemais"

    ?onstruir uma 2e!%lica florentina aos moldes da 2e!%lica romana da Anti#Cidade tam%mera um dese/o de Mauiavel" Fodavia, a 6%usca na histria7 de modelos eem!lares caracter.stica t.!ica do humanismo renascentista, ue %uscou na Polticade Aristteles aeist'ncia da recorr'ncia de fatos como a !r!ria conce!&+o de histria seria intil se as!rticas dos homens do !assado tivessem ue ser com!at.veis com os fins a!olo#ticos damoral vi#ente da sociedade crist+" 0, assim, entre o universo intelectual de Mauiavel e o deoutros !ensadores ue o !recederam, um choue de moralidades nessa dissens+o humanista"

    a defini&+o de homem renascentista de BucKhardt (1991), !erce%e=se o mesmo !ro!sito dealcan&ar a #lria individual, semelhante ao conceito de #lria do !r.nci!e em Mauiavel"A!esar disso, tal defini&+o tam%m se confi#ura na retomada dos so%eranos !ensados !oroutros autores de es!elhos !ara !r.nci!es da !oca, %em como !elo vir virtutisc.vico de*etrarca e seus sucessores" Em%ora essa !reocu!a&+o do homem renascentista com a #lriaindividual se/a condi$ente com as anlises so%re a %usca dos !r.nci!es !ensados !elos autoresdos es!elhos, a !ol.tica de Mauiavel vai alm das considera&>es de Estado na vis+o de

    BucKhardt (1991), como ressalta Berlin (

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    virtuosos a!rendidos !elos homens de Estado !oderiam definir o futuro da re!%lica" o casode Mauiavel, o ue !ode levar o !r.nci!e a manter a sua condi&+o de so%erano e a do seu!rinci!ado a sua !rud'ncia e cora#em !ara rom!er com a moral social vi#ente inca!a$ demudar a nature$a vaidosa, mesuinha e e#o.sta dos homens" /ustamente esta 6uest+o demoral7 ue tradu$ o ue Berlin (es sociais de seu !ovo"

    A fundamenta&+o da !rtica efetiva das a&>es di#nas de um so%erano !ara a !ros!eridade deum !rinci!ado novo estava na %usca de ti!os ideais de #overnos estveis eistentes nahistria" isso, Mauiavel e os outros autores de es!elhos !ara !r.nci!es estavam de acordo"; !onto da discordncia ue, !ara Mauiavel, n+o havia como se#uir os !assos de um ?sar,An.%al ou de um Aleandre sem des!render=se dos ditames morais da sociedade crist+"5esvincular=se de tal moralidade seria uma !rtica o%ri#atria ue se im!oria em nome da!rud'ncia !rinci!esca" 5a. decorre o choue entre moralidades" Mais !recisamente, entre

    duas moralidades uma crist+ e outra, !a#+"Gsaiah Berlin (

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    ?omo se verifica, nas anlises de Berlin (es de #uerra

    'ntre os italianos, pelo contr7rio, as tropas mercen7rias, organizadas diferentemente, fizeram!sepredominantes antes do que em qualquer outra parte, assim como tambm o desenvolvimento precoce dearmas de fogo contribuiu para, de certa maneira, democratizar a guerra, no apenas porque as mais s@lidas

    cidadelas estremeciam ante as bombardas, mas tambm porque a percia do engen6eiro, do fundidor dearmas e do artil6eiro adquirida por vias burguesas assumiu o primeiro plano #=2I$J9(A;, )**), p"KK."

    Fro!as mercenrias" Eis o maior !ro%lema a ser solucionado !elo !r.nci!e de virt, se#undoMauiavel, em meio aos descaminhos da #uerra ue colocaram toda a Gtlia em um estadocatico" esse sentido, voltamos a frisar ue a vis+o humanista e renascentista de Mauiavel!ercorreu todo o !assado #lorioso dos heris da Anti#Cidade clssica, %uscando neles os

    valores a serem cultivados !elos homens do seu tem!oN mas, notadamente, !elo !r.nci!e uedese/a alcan&ar os lauris das #lrias da Fortuna!ela !rtica da #uerra"

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    Fuanto ao eDerccio da mente, deve o prncipe ler as 6ist@rias e refletir sobre as aes dos 6omenseDcelentes, ver como se comportaram em guerras, eDaminar as causas das vit@rias e derrotas a fim depoder escapar destas e imitar aquelas" 0as, sobretudo, deve agir como antes agiram alguns 6omenseDcelentes que se espel6aram no eDemplo de outros que, antes deles, 6aviam sido louvados e glorificados,e cu5os gestos e aes procuraram ter sempre em mente1 o caso de 9leDandre 0agno, que imitava

    9quiles1 de Iesare, que imitava 9leDandre, e de Iipio, que imitava Iiro #09F2%9G':, )**+, p" H)."

    *ara Mauiavel, n+o havia outra maneira de se esta%elecer a ordem e !ros!erar um Estadosem ser !ela for&a das armas" ?omo / afirmamos no in.cio deste arti#o, de nada valem as%oas leis !ara #overnar os sditos, se antes destas n+o eistir o forte su!orte das devidasarmas, !ois um prncipe n!o deve ter outro ob"etivo# nem pensamento# nem tomar comoarte sua coisa alguma que n!o se"a a guerra# sua ordem e disciplina# porque esta $ a %nicaarte que compete a quem comanda& (MAOGAE:, 199Q, !" Q9)"

    @a$er uso das %oas armas ei#e !rud'ncia na !rtica da viol'ncia visando ao euil.%rio doEstado" A nature$a %lica do Estado moderno !arecia ser im!rescind.vel !ara a so%reviv'nciados dom.nios do !r.nci!e, se#undo o florentino" *ara ele, a constitui&+o de um ercito!rofissional e nacional era o sustentculo maior !ara vencer a decadente nature$a humanasusce!t.vel a corru!&>es, rou%os, mentiras e am%i&>es irres!onsveis" ature$a nociva ue o!r.nci!e deveria com%ater como %om eem!lo de homem de virt" *ara isso, ele deveria

    evitar cometer o !ior erro no ual um so%erano !oderia cair, ual se/a, constituir suas for&asarmadas com soldados, #uerreiros ue s+o inca!a$es de lutar !ela fidelidade, !elo res!eito e!elo valor !atritico de sua terra, uma ve$ ue s am%icionam o salrio ue lhes ofertado"

    Fuem tem o seu 'stado baseado em armas mercen7rias 5amais estar7 seguro e tranqilo, porque elas sodesunidas, ambiciosas, indisciplinadas, infiis, valentes entre amigos e covardes entre inimigos, semtemor a Aeus nem probidade para com os 6omens" / prncipe apenas ter7 adiada a sua derrota pelo tempo

    que for adiado o ataque, sendo espoliado por eles na paz e pelos inimigos na guerra" 9 razo disto queno tem outra paiDo nem razo que as manten6a em campo seno um pequeno soldo, que todavia no suficiente para motiv7!las a morrer por ti Lpelo prncipeM" Fuerem muito ser teus soldados enquanto no67 guerra1 mas, durante a guerra, querem fugir ou ir embora" #""". / resultado Lda utilizao de tropasmercen7riasM foi a %t7lia ter sido invadida por Iarlos, pil6ada por :us, violentada por Nernando evilipendiada pelos suos #09F2%9G':, )**+, p" CH!K e +>."

    A aus'ncia, ue Mauiavel a!onta na fi#ura do soldado mercenrio, dos valores necessrios!ara alcan&ar as reais virtudes de um 6homem de #uerra7, na verdade uma decorr'ncia dasua o%serva&+o e da sua !reocu!a&+o com a Gtlia de final do sculo e in.cio do G,mer#ulhada em corru!&+o e #anncia !or riue$as" Re nos remetermos a outras !artes daEuro!a, iremos notar ue essa am%i&+o ca!a$ de corrom!er os homens, D ual Mauiavel serefere, tam%m coeiste com a situa&+o italiana" ?ontudo, se com!ararmos a realidade daGtlia com as anlises da @ran&a da mesma !oca final do sculo , veremos, como %emnos di$ Pohan 0ui$in#a (19ST), ue no fim da Idade '$dia as condi()es do poder alteraram*se pelo acr$scimo da circula(!o da moeda e o limitado campo aberto a quem quer quedese"asse satisfa+er a sua ambi(!o de amontoar rique+a&(0GUGHA, 19ST, !"

  • 7/25/2019 Ceticismo Moderno - Richard Popkin

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    !ara os humanistas da 2enascen&a, e so%retudo !ara Mauiavel, n+o h #overno forte, se/are!%lica ou !rinci!ado, se os seus homens n+o se o%stinarem a defend'=lo"

    ?aminhos da #uerra" Eram eles ue o !r.nci!e deveria sem!re tomar, se#undo Mauiavel"Rinteti$ando o ue foi visto at aui, a !r!ria forma&+o da virtest associada D virtudemima da #uerra" Enuanto outros autores de es!elhos !ara !r.nci!es de todo o !er.odorenascentista #lorificavam os homens ecelentes do !assado, contem!lando os seus feitoshericos e inve/ando=os !or terem vivido em !ocas #loriosas, Mauiavel ousou aconselharue o !r.nci!e descesse do de#rau da contem!la&+o e !usesse os feitos de tais homens emno%re !rtica a arte da #uerra" *ara Mauiavel, se a Gtlia estava inundada !ela corru!&+o eesfacelada !ela m conduta na #uerra, n+o havia outra solu&+o sen+o a restaura&+o da ordeme da !ros!eridade atravs da for&a das armas su%metidas aos valores do !r.nci!e" Este seria omaior eem!lo do dom.nio da virtso%re a Fortuna"

    A virtse construiria na arte de %em #uerrear, !assando !or cima de valores inefica$es emuma sociedade onde os homens n+o conheciam mais o si#nificado de 6valor !r!rio7"?ontudo, se fa$ia necessrio ue o !r.nci!e tivesse uma dis!osi&+o fle.vel em %eneficio daconserva&+o dos seus dom.nios (RVGE2, 199Q)" *ara Mauiavel, a a&+o do !r.nci!ede virtdeveria %uscar de todas as formas trilhar os caminhos re!rovados !ela moral crist+,ao invs de sonhar com os lauris do reino dos cus e es!erar as ru.nas do reino dos homens

    na Ferra" Rendo assim, n+o haveria outra maneira de o%ter as #lrias da Fortunasem antessu%/u#=la, !ondo em !rtica uma virtde #uerra, ue, no limite, a !r!ria vis+o do cursoda histria dos homens como uma real conviv'ncia conflituosa" ma histria ue, !araMauiavel, constitu.a=se em uma histria de #uerras entre as #lrias do !assado e os fracassosda sua !oca"

    Ao a%ordar a virtW mauiaveliana, constatamos ue um verdadeiro !r.nci!e !rudente ecora/oso ue visa ao %em estar de seu Estado deveria construir um novo es!elho ue#arantisse a esta%ilidade e a !a$ !ol.ticas necessrias D vida humana" Em outras !alavras,entender a im!ortncia da arte da #uerra, associada D !rud'ncia do !r.nci!e, entender uea virtde #uerra serve !ara afastar os inimi#os eternos e manter a coes+o interna" Esta amaior novidade na vis+o renascentista de Mauiavel, em rela&+o Ds tradi&>es humanistas desua !oca" Mas, considerando ue a nature$a humana nem sem!re %oa, nem sem!re m,

    !ode=se afirmar ue fa$er #uerra ei#e res!onsa%ilidade" E isso s !oss.vel com a convic&+ode ue de!ois da #uerra vir a !a$ es!erada" *or isso tudo, analisando O Prncipe, !odemosafirmar ue n+o h outra realidade t+o afeita aos homens de real valor do ue a realidade%lica" 2ealidade violenta, !orm, !ara a morda$ vis+o mauiaveliana da sociedade, umaconstata&+o ditada !ela !rud'ncia"

    XXXXXXXXXXXXXXXXX

    81;s 6es!elhos de !r.nci!es7 (neste tra%alho, fa$emos men&+o aos es!elhos direcionadosa !r.nci!es escritos no !er.odo da 2enascen&a tardia, ou se/a, a !artir do final do sculo) foram o%ras cate#ori$adas em um #'nero literrio renascentista com o fim deconstituir verdadeiros manuais de conduta !ara aueles ue eerciam o of.cio r#io" o

    caso de Mauiavel, o%servaremos , na !arte central deste arti#o, al#umas !articularidadesna sua vis+o !ol.tica"

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    resistisse, o duue morreu re!entinamente de fe%re, deiando o ducado !ara o seu filho@ili!!o Maria isconti, ue se em!enhou em eecutar os !lanos do !ai" ?om a anea&+o deH'nova ao ducado de Mil+o, @ili!!o declarou #uerra D @loren&a, ue anteci!ou uma rea&+o,resultando em uma #uerra ue durou de a!roimadamente 1I