Centros Urbanos - Por Que Intervir - Vargas 2006

download Centros Urbanos - Por Que Intervir - Vargas 2006

of 13

Transcript of Centros Urbanos - Por Que Intervir - Vargas 2006

  • CENTROS URBANOS: POR QU INTERVIR? Heliana Comin Vargas

    Palestra apresentada no Seminrio Internacional de Reabilitao de Edifcios em reas centrais. So Paulo:

    EPUSP. 2006

    RESUMO O presente artigo, preparado para uma conferncia, traz uma reflexo sobre os estudos realizados para a elaborao do livro Interveno em Centros urbanos: objetivos, estratgias e resultados. Enfatiza a importncia de clareza dos conceitos utilizados e dos objetivos presentes no processo de interveno urbana. Apresenta um resumo das principais caractersticas e diferenas de abordagem de cada perodo do processo de interveno urbana, definidos como: Renovao urbana (1950-70); Preservao Urbana (1970-1990); Reinveno Urbana (1980-2006). A partir da sugere uma reviso de paradigma no que se refere ao planejamento e gesto urbana para enfrentar os desafios urbanos da atualidade.

    Palavras chaves: Centros urbanos: Intervenes urbanas: Requalificao urbana; Renovao urbana; Deteriorao urbana.

    ABSTRACT This article was written for a conference and it brings some thoughts and ideas which are included in the book Interventions in City Center: objectives, strategies and results. It reinforces that the objectives and concepts should be clear to take ahead efficiently the urban intervention process. It also presents a summary of the main characteristics and different approaches of each period of the urban intervention process: urban Renewal (1950-70); urban preservation (1970-90); urban reinvention (1980-2006). Finally, the article suggests the need of reviewing the urban planning and management paradigm to face, today, the urban challenge.

    Key words: city centers; urban intervention; urban revitalization; urban renewal; urban deterioration.

  • 2

    CENTROS URBANOS: POR QU INTERVIR? Heliana Comin Vargas

    Uma primeira curiosidade que deve nos conduzir, enquanto arquitetos e urbanistas, e mesmo como outros profissionais envolvidos com as questes urbanas, a de perguntar por qu intervir?

    Na verdade, foi esta a questo que nos animou a escrever o livro Intervenes em Centros Urbanos (VARGAs&CASTILHO, 2006). Ou seja, descobrir as razes, os motivos que tm culminado em um crescente nmero de intervenes urbanas e avaliar os seus propsitos.

    Vale, no entanto, fazer um recorte sobre o tipo de intervenes que nos interessa discutir no momento, aqui representadas por intervenes em reas urbanas, supostamente, degradadas. O que retira de cena, algumas intervenes urbanas do incio do sculo no Brasil, e mesmo no mundo, voltadas mudana da malha urbana incapaz de absorver o crescimento da cidade, como aconteceu em So Paulo e Rio de Janeiro.

    Estamos falando de intervenes em reas centrais consideradas deterioradas, como o caso de alguns centros urbanos tradicionais. Faz-se necessrio, ento, discutir, inicialmente, o conceito de deteriorao urbana o que, na verdade, aparece nas diversas justificativas de propostas de interveno.

    CONCEITO DE DETERIORAO

    Includos neste conceito de deteriorao, causas e efeitos, muitas vezes, se confundem. Podemos dizer que algumas destas causas/efeitos tm origens internas rea e outras externas, bem de acordo com o processo de produo do espao urbano, onde as

    pergunta: Por qu a construo de Tecla prolonga-se por tanto tempo?, Os habitantes, sem deixar de iar baldes, de baixar cabos de ferro, de mover longos pincis para cima e para baixo, respondem: - Para que no comece a destruio. - Qual o sentido de tanta construo?pergunta - Qual o objetivo de uma cidade em construo seno uma cidade....(talo Calvino, Cidades Invisveis p. 117)

  • 3

    localizaes so criadas a partir de investimentos de trabalho ou capital, realizados dentro ou fora do seu prprio lote. (VILLAA, s.d; VARGAS 1992 )

    Assim, o congestionamento de atividades que est na base dos atributos de um centro, responderia, por causas de origem interna:

    Congestionamento de atividades leva ao: congestionamento de trnsito, poluio do ar, poluio visual, aumento do preo do solo, escassez de reas, falta de estacionamentos, intervenes inadequadas; (pedestrianizao)

    O passar do tempo leva: ao anacronismo e inrcia das edificaes e da infraestrutura; problemas com a estrutura fundiria.

    Como causas de origem externa destacam-se: A concorrncia de outras reas da cidade em decorrncia: da expanso urbana; da

    oferta imobiliria considerada mais promissora, em termos de qualidade de vida urbana, (ainda que de forma induzida); dos avanos tecnolgicos que exigem reas e edificaes de diferentes caractersticas, no encontradas nos centros mais antigos.

    Embora mais na condio de efeito do processo de deteriorao do que de causa, o xodo de atividades tambm aparece no conceito de deteriorao, caracterizado por:

    Abandono/desocupao das edificaes, pelo uso residencial, pelas Instituies pblicas, pelo comrcio e servios mais qualificados,

    apropriao indevida dos espaos pblicos ocupao considerada inadequada das edificaes. (atividades ilegais,

    encortiamento, dentre outras) Portanto, o que se pode concluir deste processo que houve uma ALTERAO NO FLUXO que se dirigia ao centro urbano. Alterao essa em termos de intensidade, natureza, receita e renda.

    Assim, apresentado o conceito de deteriorao, a segunda questo a ser discutida : Por qu intervir nesta alterao do fluxo? Em qu esta situao nos incomoda e por qu? Enfim, qual o objetivo da interveno?

    OBJETIVOS DA INTERVENO

    Ao pensarmos nos objetivos de uma determinada interveno, dever-se-ia ter em mente: Qual a importncia de se recuperar determinada rea ? Para quem ela se destina?

  • 4

    Entre alguns dos objetivos encontrados em diversas propostas destacamos: Reforo da referncia/identidade/diversidade Otimizao da infra-estrutura Recuperao do capital investido nas edificaes Valorizao imobiliria Adequao aos padres atuais: scio-econmicos e tecnolgicos Valorizao da gesto urbana (fins eleitoreiros) Gerao de emprego e renda? (construo civil) Aumento da arrecadao? Dinamizao da economia urbana atravs do turismo, cultura e lazer.

    A clareza de objetivos fundamental para a definio das estratgias para alcan-los. E esta clareza, nem sempre est explicitada nas propostas. Ou seja, se no sabemos aonde queremos ir, qualquer caminho pode nos conduzir!

    Vale ressaltar que existe uma diferena muito grande entre os objetivos expressos no discurso e os efetivamente perseguidos. Alm disso, os objetivos devem refletir as reais demandas sociais, mediadas pela possibilidade tcnica e viabilidade de alcan-los. No podem ser estabelecidos a partir dos desejos dos administradores pblicos em acordo com os empreendedores imobilirios ou a partir de alguns devaneios dos que prope e projetam estas intervenes. S aqui j teramos uma bela discusso sobre o distanciamento entre o projeto e a realidade do problema a resolver.

    Mesmo porque, ser, ainda, o alcance dos objetivos claramente expressos, que dever ser objeto de verificao, quando da avaliao dos resultados! Atravs do to mencionado e pouco realizado monitoramento. Este outro ponto fundamental: a verificao dos resultados.

    VERIFICAO DOS RESULTADOS

    A verificao dos resultados fundamental na medida em que sirva para alimentar outras propostas de interveno e corrigir rumos. Porm, raramente isto acontece no processo de planejamento e gesto urbana.

    Por qu os objetivos no foram atingidos? Como podem ser monitorados? Qual o tempo estimado para ating-los? O que deu certo? O que deu errado? E por qu?

  • 5

    A interveno ser considerada um sucesso significa que alcanou os objetivos estabelecidos! Portanto, voltamos sempre a questo inicial da necessidade de clareza na formulao dos objetivos.

    Neste sentido, vale uma outra ressalva. A reabilitao de edifcios, embora possa se constituir em uma rea especfica, mais tcnica, no pode esquecer da sua insero no contexto urbano: Qual o uso mais promissor, do ponto de vista da dinmica urbana esperada? Como o edifcio pode responder adequadamente a este uso, do ponto de vista de sua arquitetura e condies de preservao do patrimnio? O caso do Shopping Light paradigmtico neste sentido.

    Fundamentalmente, tm sido as estratgias adotadas para atingir os objetivos que respondem pelas diferenas na formas de interveno ocorridas atravs do tempo.

    ESTRATGIAS DE INTERVENO

    Quanto s estratgias adotadas, vale ainda ressaltar, de acordo com Edgar Morin,(2000:25), que o paradigma efetua a seleo e a determinao da conceituao e das operaes lgicas. Assim, os indivduos conhecem, pensam e agem segundo paradigmas em que se inserem culturalmente. Desta forma podem-se explicar, em parte, as formas de interveno adotadas em cada momento da histria. Estivessem estas intervenes baseadas nos ideais do movimento moderno onde o espao projetado responderia fortemente pela mudana nas relaes sociais (fase da renovao urbana); seja atravs do ideais preservacionistas e da contra-cultura de um lado pela negao do consumo ainda que se utilizando do lema vender a histria num ambiente de compras, (na fase de preservao urbana); ou seja, atualmente, pelo reforo da imagem da cidade, pensada como produto de consumo , onde a arquitetura tem prestado brilhantemente o seu servio, (fase da reinveno urbana).

    Nos quadros a seguir esto resumidamente apresentados as idias, as causas da deteriorao urbana, os objetivos, estratgias e resultados, que consideramos presentes em trs momentos diferenciados do processo de interveno em reas urbanas centrais. (VARGAS & CASTILHO, 2006). Os resultados destes processos refletidos na construo da imagem urbana por meio das intervenes fsicas tambm so significativos como elementos para a sua compreenso, a partir de algumas imagens dos projetos selecionados.

  • 6

    A RENOVAO URBANA- 1950-1970 ( figura 1) As idias ideologia do movimento moderno- o novo; valorizao do espao pblico- pedestres; As causas congestionamento das reas centrais; o sucesso da suburbanizao e o abandono do centro; Os objetivos arrecadao de impostos, valorizao imobiliria, incentivo ao setor de construo civil: habitao e rodovias; As estratgias desapropriaes em larga escala aliado a prticas de saneamento social; construo de conjuntos arquitetnicos cvicos e corporativos mono funcionais (fig 1); construo de conjuntos residenciais de alta renda, isolados do entorno urbano; Pedestrianizao para estmulo ao comrcio; Os resultados excesso de oferta de imveis; falta de viso empresarial imobiliria; grandes reas vazias; gentrification;

    FIGURA 1 Lincon Center- Nova york

  • 7

    A PRESERVAO URBANA- 1970-1990 (figura 2,3 E 4) As idias histria e a tradio- smbolo de status e distino; crtica ao lugar comum, padronizao e valorizao do diferente; a contracultura como crtica sociedade de consumo; a preservao ambiental e do patrimnio histrico; As causas Excesso de ofertas semelhantes; Os objetivos viabilidade empresarial dos empreendimentos; nfase na economia urbana; preservao do patrimnio histrico e arquitetnico; valorizao imobiliria; gesto com apelo popular; As estratgias Mudana da imagem do centro, pelo resgate da identidade por meio da comunicao social; Reciclagem de edifcios histricos; a nova arquitetura incorporando o antigo; (fig 2,3,4) Consumo pelo comrcio e pela cultura; ; (fig 2,3,4) Oferta de estacionamentos e transportes Oferta de Habitao e de emprego para a gerao de renda Desenvolvimento de Programas de Gesto Urbana, com destaque para o Main Street Program e o Business Improvement District; Os resultados Privatizao dos espaos pblicos; Reconhecimento da importncia do comrcio como dinamizador das reas urbanas e do papel dos polos geradores e atratores de fluxo; ; (fig 2,3,4) Criao de cenrios e parques temticos; (fig 2,3,4) Preservao da arquitetura, da cultura e da diversidade; Reconhecimento da importncia da Gesto e da busca de recursos (parcerias)

    FIGURA 2 QUUINCY MARKET- BOSTON

  • 8

    FIGURA 3- QUINCY MARKET- BOSTON

    FIGURA 4 CENTRO GEORGE POMPIDOU- PARIS

  • 9

    A REINVENVAO URBANA- 1980- 2006 (figura 5,6, 7 e8) As idias Segmentao/do mercado; a busca do diferente; o poder da publicidade na valorizao do lugar; a visibilidade do territrio; mudanas na relao espao-tempo; consumo do lugar As causas Competio entre cidades na atrao de investimentos e turistasl Mudana do Locus da produo para o locus do consumo Os objetivos Recuperao da base econmica das cidades e gerao de emprego e renda Desenvolvimento do Turismo Urbano e da expanso imobiliria Promoo poltico-partidria As estratgias Planejamento de mercado e estratgias de city marketing Projetos Urbansticos de grande monta e escala Consumo da cultura pelo vis do Turismo (fig 5,6,7,) A busca pelo novo, pelo diferente, pelo nico; Intervenes para a alm do centro principal; reas porturias, orlas da praia (fig 5) nfase na gesto urbana: TCM-Town Center Management; MSP- Main Street Program; BID-Business Improvement District; Melhoria do ambiente construdo; Conscientizao, informao e comunicao; Valorizao da imagem; Melhoria na sinalizao, acessibilidade e segurana; Incentivo ao uso residencial; Monitoramento da propriedade fundiria; Controle das atividades noturnas; Apoio aos visitantes; Promoo do comrcio local; Apoio tcnico e financeiro s empresas locais; Os resultados Valorizao da rea objeto de interveno; Surgimento de novos fluxos e novos usos; Gentrification Atratividade para o turismo e expanso imobiliria; (fig 5,6,7) Promoo poltico-partidria alcanada por alguns polticos; Construo de uma nova imagem localizada, como cones.(fig 5,6,7,8)

    CONSIDERAES FINAIS

    Novos tempos, novos temas, novas demandas, novas tecnologias, novas relaes territoriais pedem novos mtodos, exigem novas idias, novas teorias.

    Na verdade, o que se pode observar uma situao de complexidade cada vez maior da compreenso e interveno no espao urbano, em decorrncia da intensidade de suas atividades e do adensamento populacional, com disputas cada vez mais acirradas pelo uso deste espao. Esta situao que explicita os conflitos sociais, aliada presena de novas formas de comunicao e dos avanos tecnolgicos, da presena constante de incertezas e da velocidade da mudana, evidenciam alguns paradoxos com os quais no estamos

  • 10

    FIGURA 5- BARCELONA- (OLIMPADAS 1992)

    FIGURA 6- DRAGO DO MAR- FORTALEZA- CE

  • 11

    FIGURA 7- MERCADO ALBANO FRANCO- ARACAJ - SE

    FIGURA 8 - PRAA DO PATRIARCA SO PAULO

  • 12

    preparados para trabalhar. Mesmo porque, fomos formados, no que se refere nossa atuao profissional, dentro de outros paradigmas.

    S para citar alguns destes paradoxos: transporte pblico de massa, ou automvel? A importncia dos estacionamentos e os vazios urbanos? O conceito de praas, convvio ou verdismo? (SUN ALEX, 2004). Pedestrianizao e a mudana de fluxos e sua importncia para o comrcio? (VARGAS 2001b) Portanto, tudo depende de cada situao e de como ser implantado, o que demanda uma reviso de conceitos urgentes e quebra de alguns aforismos, ou mitos, como por exemplo: (BALSAS, 1999; VARGAS, 2000, 2001a; Mendes, 2007)

    H interveno urbana sem gentrification. Os modelos de interveno de sucesso devem ser seguidos. A competio varejista ruim para os negcios. Calado a soluo. Se o ambiente construdo for recuperado trar os consumidores/usurios de volta. Congestionamento sinal de deteriorao.

    Finalmente, necessrio compreender os fluxos de toda a ordem (mercadorias, pessoas, veculos informaes), conhecer suas origens, destinos, percursos, intensidade, caractersticas. Ou seja, entender esta nova dinmica do urbano e suas interelaes que pedem uma nova abordagem e um novo pensamento sobre seus processos para, ento, podermos melhor nos aparelhar para enfrentar o planejamento, a gesto e interveno do espao urbano neste novo contexto, onde a nica certeza que fica a velocidade da mudana.

    REFERNCIAS BIBLIOGRFICAS

    BALSAS, Carlos Jos Lopes. Urbanismo Comercial em Portugal: e a Revitalizao do centro das cidades. Lisboa: GEPE, 1999 CALVINO, talo Cidade Invisveis. Trad. Diogo Mainardi. So Paulo: Companhia das Letras. 1997. MENDES, Camila, Faccioni. Paisagem urbana: Uma mdia redescoberta. So Paulo : SENAC. 2007 SUN Alex. Convvio e excluso no espao pblico: questes de projeto de praa. So Paulo: FAUUSP.2004

  • 13

    VARGAS, Heliana C. Comrcio; localizao estratgia ou estratgia na localizao? Tese de doutorado. So Paulo: FAUUSP.1992 VARGAS, Heliana Comin. Comrcio Varejista, Centros Urbanos e City Marlketing. Simpsio Internacional Comrcio e Consumo na Cidade. So Paulo : NECC /UNESP/ IGU, 2000. VARGAS, Heliana Comin. Comrcio Varejista e as polticas urbanas: uma difcil conversa. SINOPSES .So Paulo: FAUUSP. n 34, abril de 2001a. VARGAS, Heliana C. Espao tercirio. O lugar, a Arquitetura e a Imagem do Comrcio. So Paulo: SENAC. 2001b. VARGAS, Heliana C. & CASTINHO, Ana Luis H. Intervenes em Centros Urbanos: objetivos Estratgias e Resultados. So Pauo: Manole. 2006. VILLAA, Flvio. A localizao como mercadoria. Apostila. So Paulo: FAUUSP. s.d.

    Crditos das figuras; Figura 1 Ana Luiza Howard Castilho Figuras 2,3,4,5,6,7,8,- Heliana Comin Vargas