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CENTRO UNIVERSITÁRIO SALESIANO DE SÃO PAULO Márcia Cristina Gonçalves Brinquedoteca e Alice: Devaneio ou Possibilidade? Americana 2014

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CENTRO UNIVERSITÁRIO SALESIANO DE SÃO PAULO

Márcia Cristina Gonçalves

Brinquedoteca e Alice: Devaneio ou Possibilidade?

Americana

2014

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CENTRO UNIVERSITÁRIO SALESIANO DE SÃO PAULO

Márcia Cristina Gonçalves

Brinquedoteca e Alice: Devaneio ou Possibilidade?

Dissertação apresentada como

exigência para obtenção do grau

de Mestre em Educação à

Comissão Julgadora do Centro

Universitário Salesiano de São

Paulo – UNISAL - sob a

orientação da Profª. Drª. Norma

Silvia Trindade de Lima.

Americana

2014

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Catalogação: Bibliotecária Carla Cristina do Valle Faganelli CRB-8/9319

UNISAL - Americana

Gonçalves, Márcia Cristina.

G625b Brinquedoteca e Alice: devaneio ou possibilidade? /

Márcia Cristina Gonçalves. – Americana: 2014.

142 f.

Dissertação (Mestrado em Educação) – Centro

Universitário Salesiano - UNISAL / SP.

Orientador (a): Profª. Drª. Norma Silva Trindade de

Lima

Inclui Bibliografia.

1. Brinquedoteda. 2. Formação de Professores. 3.

Subjetividade. 4. Singularidade. I. Título. II. Autor

CDD 027.625

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Márcia Cristina Gonçalves

Brinquedoteca e Alice: Devaneio ou Possibilidade?

Dissertação apresentada como

exigência para obtenção do

grau de Mestre em Educação no

Centro Universitário Salesiano

de São Paulo - UNISAL.

Trabalho de Conclusão de Curso defendido e aprovado em __/__/2014 pela

comissão julgadora:

Banca examinadora

Profª Drª: Renata Sieiro Fernandes

Instituição: Centro Universitário Salesiano de São Paulo – UNISAL

Assinatura: _______________________________________________________

Profª. Drª.: Elisabete Aparecida Monteiro

Instituição: Centro Universitário Salesiano de São Paulo – UNISAL

Assinatura: _______________________________________________________

Profª.Drª.: Norma Silvia Trindade de Lima (Orientadora)

Instituição: Centro Universitário Salesiano de São Paulo - UNISAL

Assinatura: _______________________________________________________

Americana

2014

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DEDICATÓRIA

Dedico este trabalho, como dedico todo o meu compromisso aos alunos e

alunas, adultos ou crianças, que cotidianamente me ensinam a ser humanamente

melhor.

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AGRADECIMENTOS

Quero registrar o que sinto em relação aos que se mantiveram dialogando

comigo durante a escrita dessa dissertação. Muitos contribuíram para que o trabalho

fosse realizado, uns mais que outros, mas todos são coautores da minha pesquisa.

Agradeço aos monitores, que se dispuseram a participar deste trabalho e

ensinaram muito mais à pesquisadora, auxiliando em sua melhora como professora,

autora, observadora. Agradeço às crianças que frequentaram a brinquedoteca e

permitiram que este trabalho fosse realizado. Crianças essas que se dedicaram ao

brincar, ao aprender e que todos os sábados compareciam e traziam o que tinham

de melhor: sua infância, sua curiosidade, sua amorosidade.

Hoje, sou muito mais consciente de mim mesma. Ao investigar a formação na

brinquedoteca, investiguei minha própria formação e constituição enquanto sujeito

que é fabricado, modelado, na busca incansável de meios para singularizar-se.

Este é o momento de agradecer e maravilhar-se! Quantos amigos leram meu

trabalho, configuraram, formataram, emprestaram livros, cuidaram de mim,

entenderam minhas ausências e não se cansaram de ouvir a frase: “Hoje eu não

posso!”, amparando-me neste momento. Quantas vezes ouvi a pergunta: “E a sua

dissertação?” Nesse instante, pude então, falar daquilo que me angustiava, das

dificuldades e dos prazeres do momento. Tal pergunta, no meu entendimento, era a

manifestação da preocupação comigo, da oportunidade de poder falar!

Preciso agradecer à minha família, pai, mãe e irmãos que com seu amor

incondicional, toleraram minhas ausências, minhas chatices e meu desespero.

Sempre acreditaram no meu potencial e nunca desistiram de mim, principalmente

nos momentos difíceis.

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Agradeço ao meu noivo Rogério, que pacientemente compreendeu todos os

meus “nãos”, que cuidou de mim, leu meu trabalho, me auxiliou na formatação e

colocou-se sempre à disposição mesmo quando não tinha condições.

Aos meus colegas de disciplina, que partilharam ideias e enfrentaram comigo

obstáculos, meus agradecimentos.

De maneira muito especial, agradeço à minha orientadora Norma, que me

mergulhou numa proposta louca de estudar e pensar educação a partir de autores

tão complexos. Norma receba minha admiração pelo muito que me ensina: em como

melhorar a cada dia, nos meus sentidos sobre a educação e principalmente sobre

mim mesma. Por meio do psicodrama, assumi tudo o que eu não era, ou anulava em

mim até aquela disciplina. Obrigada por permitir-me descobri-la.

Professora Renata Sieiro, meu agradecimento não tem tamanho! Quantas

contribuições, leituras e indicações que melhoraram o meu texto, que aprimoraram a

professora Márcia, a pessoa Márcia e trouxe em cena a Cristina. Olho para você e

vejo uma mulher forte e corajosa que se assume incondicionalmente. Quantas

lições! É um privilégio ter escrito no meu livro da vida, marcas desta professora!

Aos professores do mestrado e principalmente àqueles com quem tive aula:

Groppo, Severino, Francisco Evangelista, muito obrigada pelas contribuições!

Também agradeço às professoras que trabalham comigo: Aurineide, Daniela

Kobayashi, Margarete, Regiane, Ivone, Elisangela, que com sensibilidade e inteireza

souberam me humanizar. Por meio de palavras, do diálogo, deixaram o mundo (com

certeza o meu mundo) menos bárbaro!

Preciso agradecer a Alice, ao País das Maravilhas, ao Chapeleiro Maluco, à

Lagarta, à rainha de Copas, ao Gato de Sheshire, Lewis Carroll, à Literatura pela

composição e contribuição da minha obra: minha dissertação, minha vida. Pensar

em Alice e em sua interação com cada personagem abriu meus olhos para repensar

a educação e a pensar numa educação da sensibilidade, do encontro com o outro,

com o diferente.

Talvez eu inclua mais nomes de pessoas no meu agradecimento.... por hora,

só quero agradecer...

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Por muitos caminhos diferentes e de múltiplos modos cheguei eu à minha

verdade; não por uma única escada subi até a altura onde meus olhos percorreram

o mundo. E nunca gostei de perguntar por caminhos, - isso, a meu ver, sempre

repugna! Preferiria perguntar e submeter à prova os próprios caminhos. Um ensaiar

e perguntar foi todo meu caminhar – e, na verdade, também tem-se de aprender a

responder a tal perguntar! Este é o meu gosto: não um bom gosto, não um mau

gosto, mas o meu gosto, do qual já não me envergonho nem o escondo. “Este – é

meu caminho, - onde está o vosso?”, assim respondia eu aos que me perguntavam

“pelo caminho”.

Zaratustra

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RESUMO

A presente pesquisa apresenta um estudo de caso de cinco monitores que cursam a graduação em pedagogia e frequentam voluntariamente um espaço conhecido como brinquedoteca numa Instituição de Ensino Superior localizada no município de Campinas-SP. Tais indivíduos representam casos excepcionais para refletir sobre a relação entre os estudos e conceitos trabalhados no curso e as atividades práticas desenvolvidas na brinquedoteca, numa perspectiva da produção dos sujeitos e da formação dos professores. Assim, o trabalho que se segue investigou quais conhecimentos são construídos pelos discentes do curso na interação com o espaço da brinquedoteca, partindo da problematização em como esse espaço contribui para uma formação inscrita e regulada no campo da educação formal, no curso de Pedagogia. Prosseguimos realizando uma reflexão sobre a constituição do sujeito, os modos de subjetivação e a sua formação enquanto professor. Nesse sentido, realizamos apreciações sobre as relações de poder e saber em Instituições de ensino. Analogamente estas discussões são promovidas a partir de passagens do conto “Alice no País das Maravilhas”.

Palavras-Chaves: 1. Brinquedoteca; 2. Formação de Professores; 3. Subjetividade;

4. Singularidade.

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ABSTRACT

This research presents a case study of five monitors who attend undergraduate education and are attending voluntarily a space known as toy library in a Higher Education Institution located in Campinas county - SP. These monitors represents exceptional cases to reflect on the relationship between the studies and concepts worked in the course and the practical activities developed in the toy library, in a production perspective of individuals and the training of teachers. So the work that follows will aim to investigate which knowledges are constructed by the students in the course of interaction with space starting from the toy library problematization how the toy library contributes to a formation adjusted and inscribed in the field of formal education in the pedagogy course. We will pursue promoting a discussion about the subject constitution, the ways of subjectivation and its formation as a teacher. In that sense, we will carry out assessments of the relationships of power and knowledge in educational institutions. Analogously these discussions will be promoted starting from passageways of the tale “Alice in Wonderland”. Keywords: 1. Toy Library; 2. Teacher Training; 3. Subjectivity; 4. Singularity.

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Sumário

INTRODUÇÃO .......................................................................................................... 22

Capítulo I: Brinquedoteca - Impactos e possibilidades no trabalho pedagógico ...... 29

1.1 - Charles Lutwidge Dogson .............................................................................. 31

1.2 - Carroll caiu na toca do coelho?...................................................................... 33

1.3 - “Somos todos loucos aqui”: estrategistas do País das maravilhas! ............... 37

1.4 - Brinquedoteca: que espaço é esse? .............................................................. 44

1.5 - Revisitando a brinquedoteca, desvelando suas possibilidades... outros

sentidos, outros nexos ........................................................................................... 48

1.6 - Brinquedoteca: Coautora de Minhas Perguntas ........................................... 58

Capítulo II: Da Diferença à Formação: Produção de Sujeitos .................................. 62

2.1 - “Tempo” Companheiro na Formação ............................................................. 65

2.2 - Diferença, Identidade, Subjetividade: A Produção de Sujeitos ...................... 69

2.3 - Produzindo os sujeitos: quem os são? .......................................................... 72

Capítulo III: Em Cena: Um Estudo de Caso e alguns Caminhos.............................. 80

3.1 - O palco: um estudo de caso .......................................................................... 83

3.2 - Brinquedoteca: um palco com muitas possibilidades ..................................... 84

3.3 - Os sujeitos ..................................................................................................... 85

3.4 - Os caminhos: possibilidades para a reflexão ................................................. 85

Capítulo IV: Depoimentos: o que temos aprendido com o País das Maravilhas e a

Brinquedoteca ........................................................................................................... 91

4.1 - Formação de professores: O que estamos produzindo? ............................... 91

4.2 - Vejam: Uma fábrica de professores! .............................................................. 95

4.3 - Quem quer uma história? ............................................................................ 107

4.3.1 - A casa ....................................................................................................... 112

4.4 - Nossas aprendizagens... ............................................................................. 114

Capítulo V: Considerações Finais ........................................................................... 120

Referências Bibliográficas ....................................................................................... 125

Anexo I .................................................................................................................... 130

Anexo II ................................................................................................................... 141

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MEMORIAL DESCRITIVO

Márcia Cristina Gonçalves

A Dor e a Delícia de ser o que é

“Oh! Minha nossa que dor!

Em meio a essa linda cena,

Me pediram: “Conte uma história!”

É mesmo de não ter pena.

Mas quem pode resistir a três traquinas

pequenas?”

(Alice no País das Maravilhas)

Escrever este memorial é um desafio, pois não conto minha história somente

ao leitor, mas também a mim mesma. É um momento de dor e delícia! Reporto-me

ao título e a estrofe citada. No primeiro, relembrar o processo doloroso, cheio de

frustrações, sonhos e delícias vividas em sala de aula como professora. No

segundo, contar uma história, com lindas cenas, que compõem um personagem não

terminado, cujas marcas relembram o passado e gritam para serem reinventadas,

recriadas no presente e no futuro.

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Nietzsche (Apud Larossa) ajudará na reflexão que se apresentará neste

memorial e que diz respeito à formação de qualquer pessoa, nesta ocasião, à minha

própria formação:

Não se pode fixar um método seguro nem uma via direta para chegar à verdade sobre si mesmo: não há um caminho traçado de antemão que bastasse segui-lo, sem desviar-se, para se chegar a ser o que é. O itinerário que leve a um “si mesmo” está para ser inventado, de uma maneira sempre singular, e não se pode evitar nem as incertezas nem os desvios sinuosos. De outra parte, não há um eu real e escondido a ser descoberto. Atrás de um véu, há sempre outro véu, atrás de uma máscara, outra máscara; atrás de uma pele, outra pele. O eu que importa é aquele que existe sempre mais além daquele que se toma habitualmente pelo próprio eu: não está para ser descoberto, mas para ser inventado, não está para ser realizado, mas para ser conquistado; não está para ser explorado, mas para ser criado (2006, p.9).

Não pretendo revelar verdades sobre a minha constituição enquanto sujeito,

mas mostrar o meu percurso até chegar ao mestrado. Construí um percurso reflexivo

tomada pelo conto “Alice no país das maravilhas”, já não consigo descrever meu

trabalho e formação separada da Alice. Ela lateja durante a escrita deste memorial.

Alice começava a se aborrecer de ficar sentada ao lado de sua irmã num recosto do jardim, sem nada para fazer. Dava uma ou outra olhadela no livro que a irmã lia, mas implicava: - De que serve um livro sem figuras nem diálogos? Cheia de preguiça, por causa do calor do dia, ela se perguntava se o prazer de fazer um colar de margaridas valeria o esforço de se levantar e colher as flores, quando de repente um Coelho Branco de olhos cor-de-rosa passou correndo junto dela. Nada havia de estranho naquilo. Nem Alice achou assim tão esquisito quando ouviu o coelho dizer: - Oh! Meu Deus! Eu vou chegar muito atrasado! (CARROLL, 2009, p.11).

O livro sem figuras e diálogos que Alice aponta, é muito diferente do meu

livro, no qual está registrado meu percurso formativo. As figuras, ou seja, meus

alunos, professores, colegas de trabalho e familiares me auxiliaram a compreender o

real papel da educação formal1. Os diálogos, os conflitos de ideias, ajudaram-me a

1 O lugar em que falo é o da escola pública. Sempre que penso em educação, reporto-me à educação formal, sistematizada, embora compreenda que a educação é muito mais ampla que a escola.

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fazer o que sozinha não faria, arriscar novos pensamentos, quebrar paradigmas e

ousar com minhas crianças.

Revisitar lugares da minha história, por meio da memória, me faz lembrar a

minha primeira professora. Fui para a escola muito cedo, embora minha mãe não

trabalhasse fora, “fosse do lar”. O estudo dos filhos era um sonho para os meus

pais. Meu pai fez o famoso colégio Madureza. Tardiamente cursou a Universidade e

lutou muito para estudar seus filhos e dar-lhes uma boa educação. Minha mãe

estudou até a 5ª série, tentou fazer o supletivo, mas não conseguiu terminar. A “tia

Vânia”, como carinhosamente chamava, foi o primeiro Coelho com olhos cor-de-

rosa, que encontrei. Aos meus três anos de idade, ela inspirou-me a dizer que seria

professora. Imitava-a em todas as brincadeiras de escolinha com as bonecas ou

com as crianças.

Tenho dois irmãos, Gabriel que já é casado e proporcionou-me a maior

alegria, a de ser tia de um menino lindo que despertou o desejo apagado de querer

ser mãe. Ele fez o curso de Engenharia Civil, na Unesp, realizou o sonho do meu

pai. Meu irmão mais novo, Guilherme, é solteiro, faz psicologia.

“O Coelho fez Alice arder de curiosidade e a modificar sua trajetória”. Acredito

que as professoras que passaram pela minha vida, também de alguma forma

impulsionaram-me a modificar minha trajetória enquanto professora, ora mostrando

como deveria ser e ora mostrando como não deveria proceder.

Um exemplo foi uma professora da 4ª série, seu nome Marilda. Meu pai ainda

não tinha comprado meu material, pois não havia recebido seu salário, tinha apenas

um caderno, lápis e borracha, quando de repente fui acordada por gritos, pela falta

do material escolar. Em outras situações, sempre solicitava que fossemos a lousa ou

para escrever palavras dificílimas ou para fazer contas de matemática. Nunca fui

uma boa aluna ou com QI acima da média, porém sempre fui muito esforçada. Em

um determinado dia, chegou a vez da fileira em que eu sentava para fazer as contas

da lousa. Cada vez que via que chegava a minha vez, minhas pernas tremiam e

meu coração batia fortemente. Foi quando tive a ideia de pedir para ir ao banheiro,

perfeito! Demoraria e quando voltasse para a sala de aula, minha vez já teria

passado. Ao fazer o pedido, a resposta da professora me deixou mais nervosa: “faça

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a conta primeiro, depois você vai”. Naquele momento, minhas esperanças de

escapar daqueles gritos acabaram.

Quando fiz quatorze anos, meu pai me disse que eu não era dona do meu

nariz. Foi quando contei que queria ser professora e ele não gostou da minha

decisão. Que briga, que confusão!

Por que não aceitar ter uma filha professora? Na verdade nunca tive a

coragem de retomar esta conversa, sempre o refutava, busquei ser o que tinha

escolhido, solitariamente.

O sonho de meu pai era ter uma filha médica! Enfim, entrei no magistério.

Que tempo bom! Foi meu primeiro contato com os grandes filósofos, pensadores,

Piaget, Vygotsky, Paulo Freire. Estudei no Carlos Gomes2 durante quatro anos, fiz

estágio, passei por situações dolorosas, como perder meu avô, não ser aceita em

sala de aula para estagiar e vivi delícias como ensaiar as crianças do ensino

fundamental I (4ª série) para a festa junina. Fui às ruas com meus professores brigar

por melhores salários e condições de trabalho, enquanto meus pais pensavam que

eu estava tranquilamente em sala de aula.

Minha letra não era pedagógica, por isso fiz muitos cadernos de caligrafia. O

maior ensinamento que tive foi na aula de Didática3, com a professora Maria Clara,

que também lecionava na Pontifícia Universidade Católica de Campinas - Puccamp.

No dia dezessete de março de mil novecentos e noventa e oito (17/03/1998), esta

mesma professora nos disse que o professor deve ter três paciências, sendo elas:

1ª paciência é a pedagógica: estudar sempre, morrer na condição de

aluno;

2ª paciência, afetiva: gostar de estar com seres humanos;

3ª paciência histórica: de acordo com o professor Fusari, devemos

compreender que o econômico e todos os outros fatores interferem na

2 Carlos Gomes – Colégio Estadual localizado na cidade de Campinas. Prestei o vestibulinho no CEFAM e passei, mas meu pai não me deixou estudar nesta conceituada escola, porque era perto da cadeia do São Bernardo e para ele, se houvesse alguma rebelião, os bandidos poderiam nos utilizar como reféns.

3 Retomei os escritos do caderno utilizado na aula de Didática no Magistério.

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educação. Confesso que a paciência pedagógica, que envolve estudar, a

educação continuada, a formação centrada na escola e para escola, criou

raízes em mim. Compreendi que trabalhar com alunos muitas vezes é

trabalhar com as dificuldades financeiras de seus pais. Por isso, quando

um aluno não tinha material escolar, buscava não ter a mesma atitude da

professora Marilda, mas emprestava o que tinha no armário e a criança

devolvia no final do período.

Ao terminar o magistério iniciei os estudos em uma escola particular, na qual

lecionei por dois anos e por não me encontrar mais na proposta pedagógica da

escola, decidi sair. Sempre quis buscar uma vida profissional plena, por isso,

acredito que se não estou feliz tenho que buscar outras possibilidades. Trabalhei em

Organização não Governamental - ONG, em outras escolas privadas e ingressei na

faculdade. É interessante como retornamos e nos distanciamos dos nossos

questionamentos.

Durante o curso do magistério e da pedagogia, havia uma questão referente à

formação dos professores que sempre me inquietou: por que com tantos métodos e

discussões acerca da educação, os professores não mudavam suas práticas?

Continuavam a lecionar aulas do século XVIII? E as crianças? Com certeza não

eram as mesmas... Tinham outros anseios e curiosidades que a escola

lamentavelmente em nome dos conteúdos as “assassinam”.

Na pedagogia, o conhecimento e desejos ampliaram-se. Senti-me como Alice,

que ora encolhia, ora esticava. Que sensação é essa? Num instante sentia-me Alice,

em outro me transformava, já não era mais a mesma. Quem sou eu neste mundo?

A entrada na Universidade fez-me esticar ou encolher? Transformava-me sem

perceber. Será que eu gostava da pessoa em que me transformara?

Confesso que em determinadas situações pensava que já estava aprendendo

bastante para enfrentar uma sala de aula na escola pública! Quanta ignorância!

No curso de Pedagogia encontrei meu noivo, iniciamos uma bela amizade.

Demoramos quatro anos para iniciar nosso namoro, foi dolorosa esta abertura ao

outro. Não só no namoro, mas em muitos momentos da vida. O Rogério fez parte

deste momento, sempre torceu e incentivou que eu buscasse cada vez mais ser

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melhor naquilo que fazia ser melhor enquanto mulher. Sempre contribuiu com as

minhas reflexões, é um bom ouvinte e confidente.

Em 2004, terminei o curso de Pedagogia na Universidade Paulista – UNIP,

prestei concurso na Prefeitura de Hortolândia e fui aprovada. Trabalhei com a antiga

pré-escola e muito aprendi, descobri que precisava compreender mais como as

crianças “funcionavam” e discutir o que era importante no trabalho com elas.

No ano seguinte, 2005, assumi uma 2ª série (atualmente 3º ano), fui conhecer

a escola e a coordenadora informou que era uma sala excelente. Na primeira

reunião pedagógica, algumas professoras começaram a comentar das dificuldades

de aprendizagem e o comportamento de alguns alunos, que estariam comigo

naquele ano.

Fiquei muito pensativa, uma vez que, o que elas apontavam era totalmente

diferente da fala da coordenadora. As professoras ainda diziam: “as salas que estão

para escolha na Secretaria de Educação são todas salas bombas, com alunos

problemas...”. Eu? Entrava em outro mundo, num mundo inimaginável até aquele

momento...

Nas duas primeiras semanas acreditava que a sala não era tão difícil, os

alunos eram silenciosos demais e ainda não tinha detectado suas dificuldades. Mal

sabia que só faltava interação, o que ocorreu na terceira semana....

Esta foi uma das experiências mais marcantes que vivenciei. Tinha 38 alunos,

doze eram alfabetizados e vinte e seis estavam entre os níveis pré-silábico e silábico

(com valor, sem valor e silábico-alfabético)4, três alunos com distorção idade e série,

quinze anos, do mesmo tamanho que a professora e maiores que os colegas de

classe. Neste tempo e espaço: quem eu era? O que sabia para trabalhar com estas

4 Baseado nas pesquisas da educadora argentina Emília Ferreiro, que discute as hipóteses de escritas das crianças no processo de alfabetização. O nível pré-silábico pode misturar letras e números, varia a quantidade de letras para cada palavra. Silábico sem valor, a criança escreve uma letra para representar a sílaba sem se preocupar com o valor sonoro correspondente. Silábico com valor sonoro, a criança escreve uma letra para cada sílaba, utilizando letras que correspondem ao som da sílaba; às vezes usam só vogais, em outros momentos vogais e consoantes. Silábico-alfabético: a criança ora escreve uma letra para representar a sílaba, ora escreve a sílaba completa. Dificuldade mais visível é nas sílabas complexas. Alfabética: A criança já compreende o sistema de escrita faltando apenas apropriar-se das convenções ortográficas.

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crianças? O que conhecia sobre alfabetização? Trabalharia a partir de uma

metodologia tradicional? Aplicaria somente folhas mimeografadas e fotocopiadas?

Como controlar a sala? Eis a dor: o sonho de uma segunda série alfabetizada, com

alunos de oito anos, estava despedaçado.

Primeiro passo, conversar com a gestão solicitando a ajuda da coordenadora,

o que não adiantou. Precisava ajudar as crianças e refletir sobre meu trabalho, sobre

o que fazer e então, busquei a Psicopedagogia. O trabalho intensificou-se, com as

artes, os agrupamentos produtivos, os centros de interesses dos alunos. Durante o

processo não tinha certeza se estava no caminho certo, os resultados apontaram

que sim. Ao final do ano, cinco alunos não tinham se alfabetizado, todos os outros

conseguiram.

Nesta época descobri que gostava de trabalhar com crianças das classes

populares, crianças com poucas condições econômicas. Visitava meus alunos e via

as dificuldades de moradia, alimentação e o que podia eu fazer? Nada! Somente

proporcionar uma educação que os levasse a percorrer caminhos diferentes

daqueles que viam. O que aconteceu com cada um? Não sei! Que semente plantei?

Ou não plantei semente alguma? Às vezes temos a pretensão de achar que

podemos modificar alguém ou alguma situação. Achamos que as pessoas devem

enfrentar as situações com tudo o que sabem, com o que constitui a sua própria

identidade, na verdade, enganamos a nós mesmos. Essa doce ilusão que salvamos

alguém. Um aluno de uma 3ª série (atualmente 4º ano), um dia me disse:

- “’Pro’, estava no meu quarto e ouvi uns barulhos no muro. Era minha mãe

com um homem.”

Sofri junto com ele, na impotência de ajudá-lo. Em uma das visitas à noite e

junto com meu noivo o vi em um bar. Quem o convenceu a viver? As drogas, aos

onze anos usuário de drogas.

Esses alunos me constituíram enquanto professora, enquanto ser humano.

Durante um bom tempo dormia e acordava pensando neles. Seus rostos ainda

vivem em minhas lembranças...

O foco dos meus estudos modificou-se a partir do trabalho com estas

crianças, comecei a questionar o que leva uma criança a ter dificuldades de

aprendizagem, a não ter excelência em seus estudos. Desenvolvi, criei projetos

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nesta área. Tacitamente afastei dos questionamentos iniciais – formação dos

professores.

Atualmente continuo na prefeitura, mas como coordenadora pedagógica. Meu

último ano em sala de aula foi em 2009 na qual lecionei para o 1º ano D, 1º ano E, 1º

ano F (crianças no início da alfabetização com 6 anos. Nesse período, era

professora titular do 1º ano F, o que não faz muito tempo. Sempre pensei na escrita

como lugar de reflexão da prática, os cadernos de planejamento continham muito do

que acontecia em sala de aula, mas o primeiro trabalho publicado como capítulo de

livro, foi o realizado com esta sala. Tive o privilégio de iniciar com uma turma

desafiadora e finalizar com alunos encantadores. Realizei o que nunca tinha feito

antes, o que chamo de reagrupamento. As crianças não eram da professora Márcia,

mas das três professoras que lecionavam nesta série – Márcia, Analéia e Aniele. O

reagrupamento ocorria a partir da aproximação dos níveis de escrita, não

compreendemos como homogeneizar, mas trabalhar de acordo com a necessidade

de cada criança, intervindo com cada uma. Não era fácil, mas atingimos o objetivo:

alfabetizá-las.

No próximo ano pretendo voltar para a sala de aula, trabalhar com os

descritores da prova Brasil, com o 5º ano. Não tenho pretensão de saber o que farei,

não quero reproduzir o que já sei, quero mergulhar em águas mais profundas, por

isso já estou me preparando. E o destino me presenteará com alguns alunos que

trabalhei no ano de 2009.

Com toda a vivência no ensino fundamental e a especialização em

Psicopedagogia, fui convidada a ministrar uma palestra na Faculdade Anhanguera –

Unidade III, no segundo semestre do ano de 2009. Na verdade foram três palestras

em torno da educação: letramento e alfabetização, dislexia, dificuldades de

aprendizagem. Neste mesmo ano fui convidada a trabalhar com uma disciplina

conhecida na instituição como Atividades Complementares5. Não lecionava

5 As atividades Complementares atendem ao Parecer nº 776/77 do CES, que trata das Diretrizes Curriculares dos Cursos de Graduação, aprovado em 03/12/1997, cujo objetivo é desenvolver conhecimentos, habilidades e competências fora do ambiente escolar, bem como ampliar as experiências profissionalizantes julgadas relevantes para a área de formação.

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nenhuma disciplina, mas tinha em média seiscentos (600) alunos para orientar nas

atividades realizadas.

Trabalhei por um ano com esta disciplina e fui chamada para assumir as

aulas de Organização e Metodologia da Educação Infantil, em outra unidade, na

Unidade IV. Neste momento as portas se abriram para outra experiência, em que

apropriar-se do conhecimento era necessário. Passei por bons e maus momentos:

orientar TCC, estágio e coordenar as atividades da brinquedoteca.

A Brinquedoteca atende crianças de um ano e meio a seis anos e os

estudantes do curso de Pedagogia são monitores. Então, alguns questionamentos

surgiram durante os três anos que trabalho com este projeto: Como colaborar na

formação destes alunos? De que maneira contribuir para sua reflexão enquanto

educador?

Neste sentido e referenciando Larrosa:

Na formação, a questão não é aprender algo. A questão não é que, a princípio, não saibamos algo e, no final, já o saibamos. Não se trata de uma relação exterior com aquilo que se aprende, no qual o aprender deixa o sujeito imodificado. Aí se trata mais de se constituir de uma determinada maneira. De uma experiência em que alguém, a princípio era de uma maneira, ou não era nada, pura indeterminação, e ao final converteu-se em outra coisa. Trata-se de uma relação interior com a matéria de estudo, de uma experiência com a matéria de estudo, na qual o aprender forma ou transforma o sujeito. Na formação humanística, como na experiência estética, a relação com a matéria de estudo é de tal natureza que, nela, alguém se volta para si mesmo, alguém é levado para si mesmo. E isso não é feito por imitação, mas por algo assim, como por ressonância. Por que se alguém lê ou escuta ou olha com o coração aberto, aquilo que lê, escuta ou olha ressoa nele; ressoa no silêncio que é ele, e assim o silêncio penetrado pela forma se faz fecundo. E assim, alguém vai sendo levado à sua própria forma (LARROSA, 2006, p. 52).

A formação é uma viagem ao nosso interior, à nossa própria história. É um

momento para refletir em que estamos nos tornando. Neste sentido, os monitores se

transformam em que ser humano? Em que profissional da educação?

Essa formação compõe um corpo rico e desafiador, que se apropria do

conhecimento produzido pela história, história de vida, de configurações, relação

dialógica entre os sujeitos. Que professores serão estes? Quais conhecimentos

elaboram?

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Estas interrogações me levaram ao mestrado em educação. O interessante é

que estou refletindo sobre as questões levantadas e repensando a minha própria

prática enquanto pesquisadora/professora.

Freire (1996, p. 24), descreve que a reflexão crítica sobre a prática se torna

uma teoria/prática sem a qual a teoria pode ir virando blábláblá e a prática ativismo,

havendo uma necessidade de reflexão sobre a formação docente à prática

educativa-crítica.

Diante disso, muitas contradições aparecem, buscamos pregar a importância

de uma educação ideal, que na verdade em muitas situações são apenas

reprodução dos modelos que adquirimos durante todo nosso caminho formativo.

Retomando os apontamentos, acerca da formação dos professores durante o curso

de Pedagogia, de que maneira compreendemos a dicotomia entre teoria e prática e

de que maneira esses estudantes compreendem isso, ou até mesmo, de que

maneira eu professora também compreendo e auxilio nesta reflexão. O importante é

entender que por trás de toda a prática existe uma teoria e que a teoria não está

escrita para ser reproduzida, mas para auxiliar na reflexão-ação-reflexão.

A ânsia em contribuir com a educação, tanto como professora de crianças e

adultos, quanto na coordenação pedagógica, levou-me a escrever no mestrado,

sobre algumas experiências, sobre aquilo que me toca, que se faz presente, sobre

aquilo que nos torna professores.

Esta escrita tem por objetivo desenvolver uma pesquisa qualitativa com um

grupo de graduandos, analisando como o trabalho realizado pelos discentes do

curso de Pedagogia contribui em sua formação inicial. Desta forma, discutir sobre a

formação, analisar quais conhecimentos são construídos acerca da relação teoria e

prática e a brinquedoteca como um espaço de educação não formal é bastante

desafiador.

Alice no país das Maravilhas contribui para esta nova experiência. Ela não

sabia em que local estava e nem por que todas as coisas aconteciam, mas de

alguma maneira as vivenciava com intensidade. De que lugar falo? Quem na

verdade sou? Não são respostas que agora darei, mas viverei com intensidade este

encontro com o outro, que não sei quem é, mas sei que me ajuda a tornar a ser.

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Despeço do leitor e de mim mesma, nas palavras de João Cabral de Melo

Lopes, cuja pintura das cenas ainda não estão terminadas, nem as minhas e nem as

de Alice.

A Lição de Pintura

Quadro nenhum está acabado, disse certo pintor;

Se pode sem fim continuá-lo, primeiro, ao além de outro

quadro,

Que, feito a partir de tal forma, tem na tela, oculta, uma

porta,

Que dá a um corredor que leva a outra e a muitas outras.

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INTRODUÇÃO

Alice, numa tarde de verão, estava entediada com sua irmã lendo um livro que

não tinha figuras ou diálogos. De repente, a menina vê passar um coelho branco

com olhos cor-de-rosa, que usava colete e olhava para o relógio. Quando o animal

cruza seu caminho, Alice e acha a cena inusitada, resolve segui-lo e descobre um

lugar, um buraco que aparentava ser uma toca. É assim que a garota encontra um

mundo regido por regras as quais desconhecia, um mundo subterrâneo, um país do

nonsense e dos sonhos.

Durante a história, a sua queda é tão demorada que a personagem consegue

ver a validade dos alimentos e pensar em sua gata. Ela precisa comer cogumelos e

fica grande, depois pequena, duvida da sua própria identidade e se encontra com

loucas criaturas, diferentes daquelas que conhece. A licença poética torna os

encontros inusitados e o leitor sente-se deslocado ao vivenciar junto com Alice os

encontros e desencontros, achando, inclusive, graça em muitos acontecimentos.

A escrita nonsense desconstrói a lógica dos contos conhecida pelo leitor,

dicotomiza a linguagem e os significados, além de cativar pelo sarcasmo,

disparates, jogos de palavras que remetem ao cômico, a ingenuidade infantil, a

brincadeira, o conteúdo do sonho. O leitor ri e, por vezes, sente-se desconfortável

com as passagens por meio do lúdico.

Numa época em que o racionalismo científico formata o conhecimento e o

modo de vida, o livro “Alice no País das Maravilhas”, de Lewis Carroll, rompe e

desafia toda a construção da sociedade.

Ao tomar essa história como analogia da brinquedoteca, podemos pensar que

esta é capaz de se tornar-se o lugar ou do racionalismo científico ou do nonsense.

Prefiro pensá-la pelo viés do último, pelo lúdico, pela ambiguidade e pluralidade dos

caminhos. É fato que o racionalismo atravessa a brinquedoteca quando suas

diretrizes buscam formatá-la, mas os frequentadores poderiam mascarar-se de Alice,

Chapeleiro Maluco, Rainha de Copas, Falsa Tartaruga, Lebre de Março, Marmota, e

dessa forma oportunizar um desconforto em práticas pedagógicas legitimadas na

formação dos professores.

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O espaço da brinquedoteca outorga o desenvolvimento de seu próprio estilo

de trabalho. Em suas diretrizes (ver anexo I), consta que objetivos desse espaço

são: promover o regate do brincar, prestar serviços à comunidade na área

educacional, valorizar processos lúdicos e recreativos, como elementos de

aprendizagem, apoiar e subsidiar os acadêmicos, bem como realizar atividades

exigidas pelas disciplinas do curso e atividades do projeto de extensão comunitária.

Ao observar a brinquedoteca e o modo como as crianças brincam e se

relacionam no ambiente, seus objetivos se tornam outros, pois ela permite a

reconstrução do brincar, desenvolve um papel de interlocutora no processo

formativo dos sujeitos que a frequentam e torna-se um desconforto para adultos,

que, como a Rainha de Copas, idealizam uma maneira de brincadeira e diversão.

Os professores em formação inicial, ou seja, os alunos do curso de

Pedagogia, ao cair neste “buraco” têm a possibilidade de refletir sobre a constituição

dos sujeitos, os modos, os jeitos de brincar e como as crianças fazem esta

construção numa perspectiva que transgride a lógica da brincadeira.

Dessa forma, nesta dissertação de mestrado serão elencados

questionamentos acerca da prática de monitores que, voluntariamente, realizam

atividades na brinquedoteca e alunos da graduação do curso de pedagogia,

levantando as seguintes questões:

Como a brinquedoteca contribui para uma formação inscrita e regulada no

campo da educação formal, especificamente no curso de Pedagogia?

Qual a contribuição desse espaço para o pedagogo, futuro professor?

Em, Alice no país das maravilhas, Carroll mostra ao interlocutor o vácuo

existente entre o que este compreende do mundo e o que é a realidade. O curso de

Formação de Professores se organiza, na contramão de tal idéia, e a brinquedoteca

se evidencia como uma possível linha de fuga da fabricação de sujeitos.

O conhecimento, portanto, não deve ser mera aplicação de qualquer teoria,

mas um processo de apropriação singular do trabalho docente. Alice sofreu

constantes transformações ao longo do seu percurso no “País das Maravilhas”, pois

se permitiu vivenciar os diálogos e encontros. O monitor que frequenta a

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brinquedoteca tem a mesma possibilidade da personagem: transformar-se. Para

isso, no entanto, precisa criar seu próprio estilo, sua própria interpretação pela

linguagem lúdica, lançar-se na transposição do irreal a qual é retratada pelo

nonsense.

A nosso ver, essa pesquisa é relevante para o sujeito, pois mostra que a

escola não é o único espaço de educação e que outros ambientes podem ter

potencial para que o processo de aprendizagem ocorra. Além disso, poderá

possibilitar para a sociedade, novas discussões acerca da compreensão sobre o

educar. Os cursos de Pedagogia focam a instituição escolar como forma de

sistematizar o conhecimento e terão a possibilidade de ampliar as discussões sobre

o processo educacional e o ambiente da educação não-formal e informal.

A aprendizagem pode ocorrer em qualquer espaço ou local: na rua, na

calçada, no shopping, em vários lugares. Assim, todos os espaços frequentados

pelos sujeitos são importantes para sua constituição e inserção na sociedade.

Os resultados do nosso estudo poderão auxiliar outros cursos de Pedagogia,

que mantêm o espaço da brinquedoteca, a repensar suas práticas e o uso deste

local, revendo inclusive, a sua grade curricular..

Assim sendo, o propósito geral deste trabalho é desenvolver uma pesquisa

qualitativa com um grupo de graduandos do curso de Pedagogia e analisar em que

medida, as atividades realizadas pelos monitores, contribuem para sua formação

docente.

Os objetivos específicos são:

Compreender a brinquedoteca como um espaço educacional;

Investigar quais conhecimentos são construídos pelos discentes do curso

de Pedagogia na interação com o espaço da brinquedoteca;

Contextualizar as discussões acerca da formação de professores;

Relacionar os conhecimentos adquiridos pelos monitores, discentes do

curso de Pedagogia, no espaço da brinquedoteca e a formação de

professores.

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A metodologia utilizada pautou-se no estudo de caso referente a um grupo de

05 alunos, graduandos do curso de Pedagogia, cujo objetivo era conhecer como

ocorre a relação entre a teoria (aprendida em sala de aula) e a prática (atividades

realizadas com crianças de 03 a 07 anos no espaço da brinquedoteca).

O projeto apresenta um enfoque qualitativo na problemática apresentada, a

qual procurava analisar, em que medida a brinquedoteca contribui para a formação

dos graduandos do curso de pedagogia.

Na pesquisa qualitativa, o pesquisador não é considerado um sujeito isolado

na produção cientifica, nesse viés, leeva-se em conta a realidade pesquisada, além

da dimensão subjetiva, singular e sócio-histórica do ser humano.

A coleta de dados ocorreu por meio da observação participante, de entrevista

coletiva e individualizada, de narrativas pedagógicas e da técnica projetiva.

Com relação à entrevista coletiva, esta foi não-diretiva, ou seja, a partir do

discurso do grupo foram colhidos dados referentes à formação dos membros e sua

relação com a brinquedoteca. Quanto à entrevista individualizada, preparou-se um

diálogo com objetivos definidos, para verificar se havia elementos diferenciados

sobre a contribuição da brinquedoteca para a formação do profissional.

Para o processo, adotamos um caderno de campo para registrar dados,

momentos da atuação dos monitores e das crianças, além de falas que retratassem

a formação.

De acordo com Cunha e Prado (2007, p.21), por narrativas pedagógicas,

compreendem-se os relatos de experiência, relatórios, depoimentos, em que os

educadores pensam sobre o que fazem.

Em nosso trabalho, os monitores participantes da pesquisa escolheram uma

foto ou objeto, que descrevia o que pensavam da sua própria prática e o motivo da

escolha deste elemento para representá-la, permitindo, assim, a compreensão do

entendimento do sujeito da pesquisa sobre a relação da brinquedoteca com a

formação.

No que tange ao referencial teórico metodológico foram utilizados autores

como Larrosa (2006, 2009), Silvio Gallo (2008), Tomaz Tadeu da Silva (2010) e

Rancière (2010).

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O autor Jorge Larrosa (2006), contribuiu para nossa reflexão sobre a

Pedagogia de outra maneira, não sistemática, ou seja, sem perguntas e respostas

prontas e verdadeiras para a formação, mas sim aquela capaz de repensar o próprio

processo formativo do sujeito a partir da subjetividade, da verdade que este tem de

si mesmo.

Outro livro utilizado do autor permitiu uma viagem à liberdade, por meio do

pensamento de Nietzsche sobre a Educação: “Como se chega a ser o que é”. Neste

pensamento, o filósofo re-escreve a formação, não por meio da fórmula, mas pela

ideia de Bildung, que pode ser “entendida como aquela que subjaz ao relato do

processo temporal pelo qual um indivíduo singular alcança sua própria forma,

constitui sua própria identidade” (p. 45).

Gallo (2008) escreve sobre Deleuze e a educação. O sentido da escrita para

Deleuze ocorre em dois momentos: o primeiro na Educação como acontecimento e

o segundo como rizoma. No espaço da brinquedoteca, não há disciplinas, ou

realidades estanques, também não existe um conteúdo ou uma legislação que os

monitores precisem seguir. Assim, a partir da possibilidade de vivenciar propostas

transversais, estes rompem com a hierarquização, sistematização e constroem

multiplicidades de saberes.

Segundo Silva (2010), a relação entre Foucault e as “práticas pedagógicas,

constrói e modifica a experiência que os indivíduos têm de si mesmos”. Esta

perspectiva refuta a ideia da neutralidade do professor no processo educativo.

Assim, é a vivência dos professores e professoras, mesmo em formação inicial, no

que diz respeito à teoria e prática, que os produz. Toda a experiência na educação,

campo da Pedagogia, no caso da nossa pesquisa, realizada na brinquedoteca,

produz sujeitos a partir das suas vivências neste espaço, da educação não formal.

Rancière (2010) em “O Mestre Ignorante”, obra filosófica que levanta cinco

lições sobre a emancipação intelectual, afirma que os professores geralmente

querem ser o educador que nunca tiveram. Isso ocorre porque devido aos modelos

internalizados durante o processo educativo vivenciado na escola, não conseguem

libertar-se da concepção tradicional, na qual, para que a educação aconteça,

devem-se ter dois sujeitos no processo educativo: o mestre explicador (figura do

professor) e o aluno. Ao contrário dessa concepção, a experiência vivida por Jacotot

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(Rancière, 2010), oferece a oportunidade de buscar outro processo educativo em

que não seja preciso a figura do mestre explicador.

Através do nosso estudo, esperamos colaborar com a discussão de práticas

desenvolvidas em ambientes de educação não formal e contribuição deste para a

educação formal, bem como refletir sobre a formação inicial de professores, além da

relação teoria e prática no curso de Pedagogia.

Por acreditarmos nas microtransformações em espaços os quais oportunizam

ações, que questionem “verdades absolutas”, propomos uma escrita a partir da

experiência coletiva de 05 monitores que se entenderam educadores a partir de

suas produções juntamente com crianças num espaço de educação não formal.

Esta não é uma escrita solitária, uma vez que dialoga com outro espaço que

também pode singularizar ou subjetivar – o “País das Maravilhas”. Alice vive

processos interessantes quando cai na toca do coelho. “Cair na toca” não é natural,

poucas pessoas conseguem ver-se a partir deste princípio.

Sendo assim, a organização da nossa investigação pauta-se no pressuposto

de que o sujeito é fabricado por processos de subjetivação provenientes da

sociedade capitalista. Uma das questões acerca dessa modelação é que para o

processo de ensino e aprendizagem é necessário um mestre, visto como professor,

que explicará todos os conteúdos, permitindo que outro (aluno, criança, adolescente,

adulto) tenha conhecimento. A brinquedoteca, ao contrário, é uma vislumbrante

possibilidade de rompimento desta relação em que há um o sujeito que ensina e o

que aprende.

Por esse motivo, no primeiro capítulo, procuraremos apresentar quem é o

autor do livro “Alice no País das maravilhas”, o espaço da brinquedoteca e sua

constituição enquanto espaço que promove o brincar, a fantasia, a imaginação e

disparates, poisas relações que ocorrem entre os sujeitos neste espaço nos levam a

enxergá-lo como companheiro e co-autor de questionamentos que inclusive

embasaram nossa pesquisa.

No segundo capítulo, faremos uma reflexão sobre a produção de sujeitos, as

relações de poder e saber, e a disciplinarização. É interessante mencionar que,

nessa parte nos utilizamos da cena em que uma Lagarta fuma narguilé e dialoga

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com Alice como se filosofasse, “-Quem é você?” a pergunta que o animal faz à

menina é bastante profunda e deixa a menina muito confusa sobre o que se tornou.

No terceiro capítulo, buscaremos esclarecer a metodologia utilizada na coleta

de dados identificando os participantes, os instrumentos utilizados para a coleta de

dados e como estes serão analisados. Nesse momento, retratamos a metodologia

do País das Maravilhas – O nonsense. Carroll utilizou em toda a linguagem do livro

nonsense e paradoxo, estes conceitos tornam a história mais intuitiva e imaginária.

No quarto e último capítulo, retrataremos a formação de professores e

analisaremos a produção dos sujeitos, a luz de Guattari (2010) e Foucault (1995). A

partir do levantamento da produção dos professores faremos a análise dos dados

contrapondo tal formação ao espaço da brinquedoteca.

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Capítulo I: Brinquedoteca - Impactos e possibilidades no trabalho

pedagógico

... Nós tivemos um desentendimento no ano passado, bem na época

em que ela ficou louca, sabe? E apontou para Lebre aloprada com a

colher de chá. Foi no grande concerto oferecido pela Rainha de

Copas, em que eu deveria cantar: Você, você, morceguinho o que

faz fora do ninho? (CARROLL, 2009, p.84)

Uma dissertação assemelha-se a uma história em que os percursos, os

acontecimentos, são constituídos e instigados por porções subjetivas e identitárias.

No entanto, a escrita livre e pessoal que a literatura permite, às vezes é cerceada na

produção da dissertação pelas normas acadêmicas. Entretanto há linhas de fuga, ou

seja, possibilidades de rompimento com a escrita rançosa e tradicional da academia,

por meio da criação.

Em função do contexto de produção deste estudo utilizamos analogamente, e

como linha de fuga, o conto “Alice no País das Maravilhas”, de Lewis Carroll, por

este apresentar uma similitude com o nosso objeto de pesquisa.

O conto, em questão, apresenta um cenário que envolve muitos elementos

para se discutir a educação. O livro foi escrito no momento da industrialização na

Inglaterra, fato que promoveu uma profunda mudança na fabricação dos produtos

consumidos pelos homens. Com a Revolução Industrial, o capitalismo avança e as

relações sociais e culturais também são modificadas, com isso a ordem feudal

chega ao fim.

De acordo com Aranha (2006), no Feudalismo, as relações sociais ocorriam

por meio de determinadas classes, assim, a igreja unia-se com os reis e nobres e

promovia uma conversão e expansão do ideário cristão. Seu sistema econômico era

agrícola e subsistente, a população ruralizada e a força de trabalho dos feudos eram

os camponeses.

Após a consolidação do Capitalismo, com o crescimento populacional, o

aprimoramento e mecanização dos sistemas de produção proporcionaram melhores

condições e novos hábitos de consumo, tornando a burguesia industrial ávida por

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maiores lucros, menores custos e produção acelerada crescem o mercantilismo

que

supõe o controle da economia pelo Estado e nasce o século das luzes (ARANHA,

2006).

O século das luzes propõe um racionalismo que transforma as ações

humanas pela orientação da razão. O homem é centro desta nova sociedade a partir

do racionalismo cientificista, que se apresenta como único e verdadeiro

conhecimento, que desvaloriza a sensibilidade humana e as artes. É o tempo da

euforia moderna, marcado pela crença na ciência como único veículo para a

transformação.

O cenário depoente que se configura neste século se contrapõe ao cenário

depoente por Carroll, cuja desrazão, loucura e nonsense se fazem presentes numa

história intrigante que leva o leitor a viver um mundo de imaginação e fantasia.

O livro nonsense é diferenciado dos livros infantis. Filomena Vasconselos

(2004, p. 34) referencia que este gênero é “diferente dos livros didáticos,

moralizantes, uma vez que investe na edificação das crianças, pois se preocupa

antes em deslizar na mesma rota de interesse dos menores, na descoberta de

prazer que a fantasia sempre alberga”.

Ainda de acordo com a autora, o nonsense é a lógica do jogo das coisas

ilógicas. A expressão de linguagem apresentada no livro de Carroll é desprovida de

sentido, de coerência, é lúdica e questionadora. Aproxima-se do ilógico e irracional e

nas possibilidades do sentido.

Para compreender “Alice no País das Maravilhas” é importante conhecer

quem é o autor que ao escrever esta história permite ao sujeito desvelamento de

seu tombo ou tombos “na toca do coelho”, a obra é vendida como literatura infantil,

mas na verdade é uma possibilidade do sujeito descobrir-se ao lançar-se nela, sem

precisar comprar livros de autoajuda.

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1.1 - Charles Lutwidge Dogson

Fonte: www.lewiscarroll.org

O autor do conto “Alice no país das Maravilhas” é Lewis Caroll, cujo

verdadeiro nome é Charles Lutwidge Dogson, o escrito transgride todo o

pensamento da época, apontando para uma nova possibilidade: a noção da

realidade, fantasia e imaginação rompendo com uma sociedade brutal e rígida, em

que não há espaço para a criação.

Charles Lutwidge Dogson nasceu em 1831, na pequena cidade de Daresbury,

condado de Cheschire, perto de Manchester, na Inglaterra e morreu no ano de 1898,

no sul do mesmo país. Filho mais velho de uma família relativamente abastada,

formou-se com louvor na Universidade de Oxford, a contragosto de seu pai, pastor

anglicano, que o orientara a ser membro do clero da igreja da Inglaterra.

Professor de matemática se interessava por geometria, álgebra e lógica, o

que fez com que fosse convidado a dar aulas na mesma universidade em que se

formou.

Publicou pela primeira vez poemas e contos na revista The Train, sob o

pseudônimo de Lewis Carroll, adotado por sugestão de seu editor. Nessa época,

conheceu Henry Liddell, um decano de Oxford e reverendo, o qual se tornou seu

grande amigo. Liddell era pai de Alice, fonte de inspiração para “Alice no país das

Maravilhas”.

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Carroll, contava histórias aos seus irmãos e entretinha as filhas do reverendo

da mesma forma. Durante um passeio de barco, em 04 de julho de 1862, no rio

Tâmisa, Carroll improvisou uma história sem pé nem cabeça, a pedido de sua amiga

Alice. Ele transformou-se em um narrador e a história tornou-se importante para a

menina, por apresentar semelhanças com sua vida.

Alice recebeu um manuscrito ilustrado por Carroll de presente de Natal,

chamava-se “As Aventuras de Alice debaixo da Terra” e se tornou a leitura mais

disputada entre seus amigos e familiares.

Em 1865, o livro foi publicado sendo o titulo ampliado para “Alice no País das

Maravilhas”, com ilustrações de John Tenniel. Dois anos depois, escreveu “Através

do espelho e o que Alice encontrou lá”, também ilustrada por Tenniel. As ilustrações

de Carroll eram inconstantes, tinham traços bizarros e desproporcionais. Tenniel

seguia um padrão eliminando a brincadeira com o leitor e estabelecendo uma lógica

de leitura.

Carroll foi um dos primeiros autores a dar forma escrita às peculiaridades do

mundo onírico, em que tudo é possível e os acontecimentos são sempre

imprevisíveis. Nesse espaço, o tempo pode adiantar a hora do almoço, a Rainha

condena as criaturas à morte, mas ninguém é executado, os animais convivem em

condição de igualdade com os humanos. O gato pode sorrir e desaparecer, antes

mesmo do seu sorriso, uma lagarta pode fumar narguilé e um bebê pode ser um

porco.

O autor inglês foi influenciado pela escritora Catherine Sinclair, esta trazia em

suas histórias transformações de pessoas em animais, as quais repetiam os hábitos

dos adultos.

Ao assumir a perspectiva da molecada, Lewis Carroll, colocou de ponta cabeça a própria cultura vitoriana, expondo o mal-estar, a impostura e a esterilidade de uma sociedade fechada e repressiva. Alice, nesse sentido, é uma figura rebelde, que enfrenta, cheia de espanto e indignação, as criaturas presunçosas, mal-humoradas e falastronas do Mundo da Maravilha. Lá estão elas, uma depois da outra: o Coelho de colete e relógio, o rato erudito, o Dodó professoral, a Lagarta fumante e enigmática, a Duquesa irritadiça, o Chapeleiro Maluco, o grifo bem falante, a falsa tartaruga tristonha, a Rainha feroz e tantos mais. Atrás de cada um deles está um tipo ou instituição vitoriana que Lewis Carroll satiriza e Alice desacata, para

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a diversão e a desforra dos leitores (SEVCENKO, in Carroll, 2009, p.153).

Carroll utilizou uma linguagem nova e desconcertantes possibilidades de

expressão, publicou com seu nome verdadeiro obras didáticas sobre a matemática e

a lógica, tratando essas ciências sob o prisma do humor, do Nonsense. Além disso,

escreveu artigos apaixonados em defesa dos animais e chegou a fazer uma série de

retratos de Alice, que revelavam a proximidade que tinha com a menina.

A personagem eternizou-se na cultura popular. Seu livro figurou em diversas

artes verbais e visuais. Filmes surgiram para apresentar a história, sendo que um

dos mais assistidos pelo público infantil é o da Disney. A multiplicidade de

linguagem que a obra apresenta passou a ser um desafio a inúmeros artistas.

1.2 - Carroll caiu na toca do coelho?

Fonte: http://safetyinnumbness.deviantart.com/art/The-Madness-of-Lewis-Carroll-165174423

Carroll caiu na toca do coelho? A razão e a lógica, encontradas na leitura do

livro “Alice no país das Maravilhas”, levam o leitor a essa pergunta que talvez não

tenha resposta, mas apenas suposições.

Brown (apud IRWIN; DAVIS, 2010, p. 75) relata que “Cherston certa vez disse

que o País das Maravilhas é um lugar povoado por matemáticos insanos”, um local

cheio de confusões.

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O ser humano foi educado com uma mera acumulação de conhecimentos

científicos, ou seja, uuanto mais se conhece, menos se faz a ocupação dos sentidos.

Carroll ocupou-se muito da imaginação e dos sentidos. Sua mente criadora, louca e

rara ao descrever “... ardendo de curiosidade, correu atrás do coelho campo afora,

chegando justamente a tempo de vê-lo enfiar-se numa toca sob a cerca”.

(CARROLL, 1980, p.41), será que o autor também caiu com Alice, ou muito antes

que ela na toca do coelho?

Somos herdeiros de um reacionário, anestésico e ilusório pensamento

racionalista que fragmenta o sujeito. O autor inglês, porém, não aparenta tomar

posse desta herança, protegendo-se na toca do coelho e vivendo todas as

eventualidades da fantasia. Teria ele se entregado à queda assim como sua famosa

personagem?

Esse primeiro movimento: a queda traz muita confusão, o que ocorrer porque

ao cairmos temos uma mistura de sensações como: medo, desatino. Dessa forma

ficamos mais atentos aos passos, compassos dos lugares em que pisamos.

Na toca, Alice quer saber aonde vai chegar. Esse é o movimento que

cotidianamente vivenciamos por meio de uma pergunta que atravessa nossos

sonhos, crenças e desejos: aonde vamos chegar?

Carroll pode ter feito a mesma pergunta ao olhar o movimento histórico em

que a sociedade vivia na época da industrialização: onde vamos chegar? É uma

pergunta óbvia, as pessoas, na maioria das vezes, têm uma ideia do trajeto que

querem para a vida. Estamos habituados e programados a planejar, a agir sem

vacilos e sem mistérios. Diferente disso, a experiência ilimitada pela qual Alice

passou, permitiu que ela vivesse da melhor maneira que pôde.

Assim, a toca do coelho é o princípio necessário para ganhar acesso a outros

planos não planejados, inventados, improvisados, manifestados pelos mistérios.

Carroll raciocina pela toca do coelho e ensina lições sobre a lógica. De acordo

com Brown (apud Irwin; Davis, 2010, p.76), o “negócio da lógica é (1) clarear as

ideias, (2) colocá-las em uma ordem e (3) identificar e desmantelar as falácias”.

Os contos de fadas possuem algumas particularidades: são uma narrativa,

transmitida oralmente em que o herói ou heroína tem de enfrentar grandes

obstáculos antes de triunfar contra o mal. Caracteristicamente envolvem algum tipo

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de magia, metamorfose ou encantamento, e apesar do nome, animais falantes são

muito mais comuns do que as fadas. “Apresentam um esquema de estrutura

narrativa: uma situação inicial e a frase ‘era uma vez”, uma ruptura, ou seja, um

problema ou conflito; confronto e superação: busca de soluções, restauração: a

novidade que surge, o aprendizado, o desfecho, e a reinstauração da ordem com o

enunciado: “viveram felizes para sempre”. Desse modo, se não houver essa

sequência não temos contos de fadas.

Embora o país das maravilhas, cuja entrada é a toca do coelho, seja confuso,

ele também segue uma lógica, embora esta seja muito diferente dos contos de

fadas.

Aristóteles (384-322 a. C.), o fundador da lógica, nos forneceu o requisito mais básico para o raciocínio na Lei da Não Contradição: “a mesma coisa não pode ao mesmo tempo pertencer quanto não pertencer ao mesmo assunto a respeito da mesma coisa”. Se animais falam, então eles podem falar. Se Alice está caindo numa toca de coelho, então ela está caindo. Se ela não consegue entrar no jardim porque é grande demais para passar pela porta, então ela é grande demais para passar pela porta. A regra mais básica da lógica, portanto, é a de evitamos contradições. (BROWN, apud Irwin e Davis, 2010, p. 78)

No conto devemos evitar as falácias, ou seja, os enganos no raciocínio, que

nos conduzem à confusão, isso porque a lógica estabelece um arranjo ordenado de

ideias claras.

A lógica encontrada na história de Carroll não responde à pergunta se ele

caiu na toca do coelho, mas levanta a hipótese que sim. Acreditamos que a narrativa

de Alice tem uma ligação com a própria história do autor e este só pode dar-lhe vida,

por tê-la vivenciado.

O conto autoriza a clareza de pensamento, possibilita enxergar um caminho

por meio de um quebra-cabeça6 (o próprio livro é um!), arranjando as ideias e

seguindo uma ordem... Prepare-se para ler falácias e frases ilógicas... Prepare-se

para ver-se diante do espelho.

6 Faço uma referência ao livro As aventuras de Alice no País das Maravilhas, Summus, 1980.

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1.3 - “Somos todos loucos aqui”: estrategistas do País das maravilhas!

Fonte: http://www.lewiscarroll.org/

Havia uma grande roseira junto à entrada do jardim. Suas rosas eram brancas, mas três jardineiros se aplicavam em pintá-las de vermelho. Alice achou aquilo curioso; aproximou-se para observar melhor e, assim que chegou perto dos jardineiros, ouviu um deles dizer; - Cuidado aí, cinco! Não espirre tinta em cima de mim desse jeito! (...) Alice os observava sentada. - será que vocês poderiam me dizer, por favor – disse ela um pouco tímida – por que estão pintando estas rosas? Cinco e sete não disseram nada, mas olharam para Dois. Ele começou então a falar em voz baixa: - Bem, como vê, Senhorita, essa deveria ser uma roseira vermelha mas nós plantamos uma branca por engano e, se a Rainha vier a descobrir, vai mandar cortar a cabeça de todos nós, sabe? Pois então veja, Senhorita, nós estamos fazendo o melhor que podemos, antes que ela chegue, para... (CARROLL, 2009, p. 91-93)

A figura acima ilustra momentos e personagens do conto de Carroll, a

desenhista é Tatiana Ianovskaia, uma canadense que trabalhou numa grande série

de pinturas em “Alice no País das Maravilhas” e que, quando está ocupada com as

obras de arte, fica imersa nelas e não na realidade, esta é uma estratégia que a

artista usa para desenvolver suas obras.

O País das Maravilhas também desenvolve estrategistas, ou seja, uma

pessoa especializada em estratégias. Para cada capítulo deste trabalho, utilizamos

um ou mais estrategistas deste país, os quais nos seduzem pela linguagem, pois

não ficam em silêncio. Assim, cada personagem representa uma situação que

vivemos cotidianamente.

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Fonte: revistas.usp.br/literartes/article/view/47166/50891

Alice é uma menina “que se aborrecia em ficar sentada num recosto do

jardim, sem nada para fazer”. (CARROLL, 2009, p. 11)

Deleuze (1974, p. 3) diz que Alice é a perda do nome próprio, identidade

infinita, eterno devir.

Ela está sempre em movimento, é a personagem principal que nos leva a

pensar sobre o que podemos ser. Sua estratégia é viver os momentos da melhor

maneira que pode, modificando-se a cada instante.

Geralmente, ao comer e beber algo, Alice cresce ou diminui. É interessante

que suas transformações não seguem um padrão, de acordo com a figura de Lewis

Carroll, e a partir da leitura do livro, ela encolhe de tal maneira que seu queixo bate

em no pé.

A identidade da menina é questionada desde o primeiro capítulo,

evidenciando-se com a pergunta da Lagarta: “Quem é você?” A identidade do leitor

também é questionada do início ao final do livro.

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Fonte: lugaronde.blogspot.com/2010/03/alice-no-pais-da-infancia.html

O coelho se apresenta à Alice de maneira insólita: usando relógio no bolso do

colete e andando apressado. A menina nunca tinha visto um coelho usar relógio.

“Sua toca se alongava em linha reta como um túnel e de repente abria-se numa

fossa”. (CARROLL, 1980, p. 41)

Ao cair na toca, essa queda ocorre com muita lentidão. O percurso é tão

longo, que permite a menina ver a data de vencimento da geleia, pensar em sua

gata Dinah e inclusive que esta gosta de caçar ratos.

É curioso que na toca não há ratos, mas morcegos. Dinah poderia alimentar-

se deles? O jogo de imagens que a leitura oferece apresenta os dois animais como

sendo a mesma coisa e Dinah com a possibilidade de comê-los.

A toca do coelho é o buraco pelo qual podemos cair e encontrar mistério, um

mundo estranho, além de sermos acompanhados por situações absurdas. Este

espaço marca o início, o princípio de uma história envolvente e intrigante.

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Fonte: natocadocoelho.zip.net/

A mesa está posta. Ela nos ensina que somos como a figura que vemos; a

mesa forma o todo, mas podemos ver apenas suas partes. Também somos

formados assim: nossos fragmentos, nossos “eus”, formam nosso todo.

Nesse cenário, encontramos a Marmota que vive dormindo, a lebre que era

bastante obediente: fazia tudo o que o Chapeleiro mandava, tal personagem parece

ser o louco que as pessoas chamam de sem razão, mas que na verdade estabelece

o ponto de equilíbrio, pois não se enquadra em nenhum estereótipo da sociedade.

Todo ser humano tem um pouco de Chapeleiro Maluco, ninguém se deixa

conhecer por inteiro, nós usamos máscaras o tempo todo e usá-las não é ruim.

Muitas vezes, em nós, elas são transparentes e constantemente nos escondem e

nos revelam. O diálogo que acontece no cenário “Um Chá Maluco” é um jogo de

escondido-revelado que nos identifica com cada personagem.

A partir da figura e dos personagens é possível discutir sobre as escolhas que

fazemos. A mesa do conto de Alice, em que o diálogo e as adivinhações parecem

ser confusas, é analogamente o espaço da brinquedoteca.

Os personagens que constroem essa cena não tinham a pretensão de deixar

a menina compor a mesa. É como se a presença dela fosse uma provocação, um

perigo. Alice não encontra um lugar à mesa, embora consiga sentar, pois as

adivinhações que o Chapeleiro Maluco propõe, têm o objetivo de fazê-la descobrir

mais uma vez que será sempre limitada.

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A imagem em questão remete à loucura das nossas vivências em espaços

aparentemente mortos, sem vida. A proposta do nosso trabalho é revelar o contexto

da brinquedoteca como coautora de muitas perguntas e como companheira do

tempo.

Fonte: http://brasillewiscarroll.blogspot.com.br/2009/09/alice-em-figuras-ilustracao-como.html

A lagarta é uma personagem que poderia ser considerada filósofa. A filosofia

busca fazer perguntas que interessam a todo mundo.

A partir de Nietzsche, essa ciência toma outro sentido e uma nova geração de

filósofos se compõe. Deleuze, Foucault, Derrida, Lyotard são discípulos de

Nietzsche.

Gallo (2008, p.28) aponta que este pensador “traz uma nova tônica para a filosofia

que faz proliferar as experiências de pensamento”.

No diálogo, a lagarta reproduz uma pergunta que os pensadores gregos

sempre levantaram: Quem é você? Esta é uma questão que todo ser humano já

ouviu de alguma maneira.

Alice sente enorme dificuldade em respondê-la diante de todas as mudanças

que sofreu desde que acordou naquele dia, não sabia como definir seu referencial,

estava confusa, pois experimentou outras maneiras de ser e, a partir do

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questionamento da Lagarta, tem dúvidas em responder a si mesma, pois está

diferente do que sempre compreendeu de si.

Partindo da conversa entre Alice e a Lagarta pode-se discutir como os

sujeitos são produzidos, fabricados para chegar a ser ao que são.

Fonte: http://en.wikipedia.org/wiki/Cheshire_Cat

A licença poética que toma conta da narrativa em que um gato desaparece,

mas seu sorriso ainda permanece nos faz pensar sobre a constituição do sujeito a

partir da loucura, do desatino. A loucura era do gato.

O gato se achava louco e Foucault (1995) diz que na loucura exercemos

relações de poder/ saber que emergem das formações e enunciados discursivos.

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Fonte: http://guaciara.com/tag/lewis-carroll/

A Rainha de Copas tinha uma estratégia para acabar com os problemas

“Cortem-lhe a cabeça”, ela dizia sem nem mesmo olhar para os lados. Por meio de

Foucault (1995) pode-se explicar a estratégia da monarca: gritar e utilizar a coerção

para que os súditos continuem a realizar seus desejos e vontades. Portanto, ela

apresenta-se sob a forma imperativa, impondo o que os outros devem fazer e

quando o sujeito não alcança suas expectativas é impiedosa, a figura da

personagem é uma crítica que Carroll faz à Rainha Vitória.

A presença do outro na constituição da Rainha de Copas é estabelecida por

muitos conflitos para satisfazê-la.

Hitler representou a Rainha de Copas? O contrato social nazista propunha a

educação física da juventude e a raça ariana como superior a todas as demais,

inclusive aos judeus.

Assim como os nazistas, as cartas de baralho ficam aterrorizadas e nunca

decepcionam seus líderes. Ambos mostram que os homens são ensinados a

obedecer por meio do discurso e da disciplinarização dos corpos, conforme Foucault

(1995) discute em livros e artigos.

Os personagens que compõem este livro, esses estrategistas, permitiram

reflexões acerca de um espaço em que há o encontro de sujeitos que aprendem

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juntos, pois vivenciam experiências em uma brinquedoteca universitária. Conhecer

este lugar e como os personagens do País das Maravilhas podem auxiliar no

entendimento da brinquedoteca, é algo que se faz importante no próximo tópico.

1.4 - Brinquedoteca: que espaço é esse?

Fonte: Própria

O espaço da brinquedoteca pode ser uma linha de fuga para o brincar e

representar o encantamento da fantasia para as crianças que estão disponíveis

neste local. Entretanto ele é organizado logicamente por um adulto e não por seus

atores principais: os pequenos.

Todo o encantamento e fantasia se relacionam com os contos infantis, pois ao

lê-los mergulhamos nas histórias e nos constituímos por meio delas. O conto de

Alice no País das Maravilhas é lúdico, metafórico, pois ultrapassa dicotomias de um

pensar e, sobretudo, viver, retratando várias questões da existência: a própria Alice

vive a difícil passagem da infância à fase adulta. O Chapeleiro Maluco é o outro que

não permite se conhecer por inteiro e a Rainha de Copas mostra as castrações que

vivemos em nossas vidas, a dolorosa separação, a morte. O País das Maravilhas é o

lugar do desejo, do princípio, do prazer e da realidade, uma vez que, em contato

com a história, o leitor tem a possibilidade de criar própria significação desta.

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Ouvir e ler histórias são formas de nos inventarmos. Machado (2004, p.9) diz

que “toda cultura humana produz narrativas destinadas a expressar, transmitir e

perpetuar um tipo de conhecimento”. Esse conhecimento, em contato com nossa

experiência, nos transforma, envolvendo-nos com o outro e conosco mesmo.

Portanto, nosso trabalho é uma investigação sobre quais as são contribuições da

brinquedoteca para a formação inicial de professores, a qual está inscrita e regulada

na educação formal, no curso de pedagogia.

Toda a nossa dissertação é escrita a partir da experiência vivida entre os

anos de 2009 e 2012, com crianças e monitores (estudantes do curso de

Pedagogia), no espaço da brinquedoteca o que, em muitos momentos, permitiu o

nosso processo de singularização.

Ao revisitar a minha prática enquanto professora em contraposição a da

brinquedoteca, percebo que esta permitiu-me libertação, rupturas com hábitos que

permeavam minhas estratégias de trabalho, pois eu nunca havia me permitido

experienciar o improviso. Minhas aulas eram regularmente planejadas e não podiam

sair do contexto, assim, as crianças eram ensinadas a partir dos conteúdos e

objetivos do plano de aula.

Rememorar este espaço é ouvir as vozes, enxergar os gestos, viver as

ressonâncias. Na brinquedoteca,compartilhamos experiências, criamos modos de

reflexão e participação, enfim,produzimos encontros entre sujeitos.

Então, o propósito deste texto é partilhar como este espaço se constitui, como

se configura. O diálogo, as produções não escapam das “verdades ou das relações

de poder” (FOUCAULT, 1995) que atravessam a vida dos indivíduos, mas também

evidenciam rupturas que permitem a apropriação e reordenação dos processos de

subjetivação e de disciplinarização.

A brinquedoteca estudada funciona numa instituição de Ensino Superior em

Campinas e os graduandos, a partir do 2º semestre do curso de Pedagogia, têm a

possibilidade de atuar neste local como monitores, desenvolvendo atividades com

crianças de 03 a 07 anos, aos sábados, no horário das 8h30 às 11h30. Trata-se de

um espaço universitário que se apresenta, como se pode verificar na imagem que

abre este subtítulo, formatado, catalogado e organizado.

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A brinquedoteca deve possuir uma ação bem estruturada quanto ao

atendimento e às possibilidades do brincar. É importante que haja pessoas que se

responsabilizem pelos materiais e usos do espaço. No caso do espaço universitário,

investigado em nosso trabalho, é responsabilidade dos monitores: realizar oficinas e

atividades lúdicas, além de permitir a utilização do local livremente pela criança;

realizar horas do conto e leituras diversas para o público.

Para realização dessas atividades é preciso organizar o espaço, armazenar

os acervos e ter estratégias em relação aos trabalhos construídos para que estes

não se acumulem, tornando-se assim inutilizáveis.

De acordo com Klisys e Fonseca (2008, p.23) “o ambiente se define pelo

conjunto de relações das pessoas entre si e com um espaço físico e materiais que o

compõem. Ou seja, não existe espaço vazio de significados”. Assim, a forma como

se organiza a brinquedoteca reflete a intenção dos sujeitos usuários do local.

A brinquedoteca e a biblioteca são espaços para brincar, conhecer, escolher, debater, dar opiniões, sonhar, imaginar, compreender os símbolos, buscar equilíbrio entre o real e a ficção, compreender as relações e o mundo que nos cerca. Não há uma fórmula única de organização e armazenamento do acervo, mas podemos partir de experiências de outras organizações e mesmo próprias, para ir construindo a identidade de cada lugar. (KLISYS e FONSECA, 2008, p.23)

Cunha 1998 (apud GRASSI, 2008, p.49) afirma que “a brinquedoteca é um

lugar em que as crianças vão para brincar, sendo um ambiente criado com o objetivo

de proporcionar condições, as mais favoráveis, para que esta brinque; é um lugar no

qual tudo estimula a ludicidade”.

As atividades realizadas nesse espaço contribuem para reconstrução do

brincar. Nesse sentido, os jogos, os brinquedos e brincadeiras colaboram para o

desenvolvimento da criança, permitindo que ela viva experiências quanto ao

convívio social, aspectos afetivos, motores e cognitivos.

As atividades lúdicas estão presentes em todos os períodos da existência, em

especial na vida da criança, e a maneira como as brincadeiras acontecem podem

proporcionar a ela diferentes percepções, seja em seu mundo real ou imaginário,

além de estimular o seu desenvolvimento pessoal e social. Utilizar-se de estratégias

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como: contação de histórias, dramatização, jogos com regras, entre outras

atividades, constitui-se em meios prazerosos de aprendizagem, o que também

despertará a criatividade e os sentimentos, elementos que devem ser levados em

consideração para o desenvolvimento da vida adulta.

O brinquedo tem valor à medida que está disponível, em que se pode brincar

com ele, explorá-lo, manuseá-lo, experimentar todas as possibilidades. Este deve

estar ao alcance da criança e não em armários como enfeite.

Noffs 2000 (apud GRASSI, 2008, p. 50) destaca que “a brinquedoteca é um

espaço para desenhar, experimentar, vivenciar, jogar, satisfazer, enfim, as

necessidades de seus usuários”.

Assim sendo, o espaço de uma brinquedoteca deve ser organizado de tal

maneira que estimule o brincar, o lúdico, numa relação ativa e mediada por outros

sujeitos, além disso, os materiais devem ser diversos, de modo a estarem à

disposição dos sujeitos.

Santos (2008, p.53) destaca “a importância da brinquedoteca enquanto

espaço destinado a todos os sujeitos, independentemente de sua faixa etária:

crianças, adultos, idosos. Um espaço em que há educação”.

A Associação Brasileira de Brinquedotecas (ABB) conceitua brinquedotecas

como espaços mágicos destinados ao brincar das crianças e alerta para o fato de

que estas não podem ser confundidas com um conjunto de brinquedos ou depósitos

de crianças.

Esse espaço também se transforma em laboratório no qual há pesquisas,

estudos, observação, vivências, trocas entre pares, descoberta, desenvolvimento e

aprendizagem.

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1.5 - Revisitando a brinquedoteca, desvelando suas possibilidades... outros

sentidos, outros nexos

Fonte: http://pt.wikipedia.org/wiki/Ficheiro:Alice_par_John_Tenniel_31.png

(...) Vocês podiam me dizer, por favor – perguntou Alice meio tímida – por que estão pintando essas rosas? Cinco e sete não disseram nada, mas olharam para Dois. Este começou a explicar em voz baixa: - Bem, senhorita, o caso é o seguinte: isto aqui devia ser uma roseira vermelha, mas por engano plantamos uma roseira branca. E se a rainha der por isso, seremos todos decapitados, está entendendo? E aí moça, antes que ela veja, entende? Estamos fazendo o possível para... – Nesse exato momento Cinco, que estivera olhando ansiosamente em volta do jardim, gritou: - A Rainha! A Rainha! – Os três jardineiros se atiram imediamente de bruços no chão. Ouviram-se muitas passadas e Alice olhou em volta, ávida em ver a Rainha. (...) E quem são esses aí? – indagou a Rainha, apontando para os três jardineiros., prostados em volta da roseira. Pois deitados estavam com o rosto contra o chão, e sendo o desenho nas costas o mesmo do resto do baralho, ela não podia saber se eram jardineiros, soldados, cortesãos ou até mesmo três dos infantes reais. - Como é que eu vou saber? Respondeu Alice, surpreendida com sua própria coragem – Isso não é da minha conta. A Rainha ficou vermelha de raiva, e, depois de olhar para ela um momento como uma fera selvagem, urrou com voz esganiçada: - Cortem-lhe a cabeça! Cortem-lhe a... (CARROLL, 1980, p.94 -95).

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O texto mostra uma personagem que resolve seus problemas objetivamente:

“Cortem-lhe as cabeças”. O reino da Rainha de Copas apresenta relações do

princípio societário e comunitário, nele, todos os personagens que se apresentam

entendem os símbolos e a linguagem que determinam as relações. No texto de

Carroll (1980), este princípio é apresentado quando Alice conversa com o Gato de

Cheshire e o rei por não gostar dele, pede que a Rainha faça o gato desaparecer e a

única maneira de fazer isso é pedindo para cortar cabeça deste.

Além disso, os súditos não são protegidos, quem protege o rei é a própria

rainha, portanto, ela é a figura do poder e da soberania. Quem pertence ao reino são

os dois monarcas, ninguém mais. Durante a nossa existência, o que buscamos é

encontrar sentido e significado por meio das nossas ações cotidianas. A Rainha de

Copas pretende que o sentido da existência dos seus súditos seja centrarem-se nas

vontades e pensamentos dela.

Ao ler este fragmento de Carroll (1980), podemos relacionar a Rainha de

Copas com os conceitos Foucaultianos de disciplinarização e poder, o poder do rei

soberano sobre a vida e a morte de seus súditos.

A rainha sente-se ameçada, por isso manda cortar a cabeça. Esta ação é

mecanismo de defesa para que todos a obedeçam, o seu lugar no reino não seja

ameaçado e assim seu papel desapareça. Entretanto, Alice rompe com esse mando

soberano quando diz que “eles não passam de um punhado de cartas de baralho.

Não preciso ter medo deles” (CARROLL, 2009, p.94). É claro que a Rainha mandou

cortar a cabeça dela.

Foucault (1995) mostra que esta relação entre classes acontece por meio da

punição e da disciplinarização. No trecho de Carroll (1980), a Rainha de Copas é

quem detém o poder/saber. Em conjunto com a relação de poder sobre o indíviduo,

ela exerce também o “biopoder”, isto é, uma tecnologia que nasce para agir sobre

grandes populações.

Cada um dos seus súditos ou de seus soldados é um corpo dócil e obediente.

Eles são treinados, moldados, formatados a agirem da maneira que a rainha impõe

e mesmo não concordando com isso, o fazem. Foucault (1995, p. 133) diz que “ o

momento histórico das disciplinas é aquele em que nasce uma arte do corpo

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humano, que o torna mais obediente”. Assim, os soldados formam os quartéis que

amordaçam o povo e controlam os conflitos que passam a não existir.

A Rainha de Copas, em outra perspectiva foucaultiana (1995), comete

atrocidades por meio da punição, moldando o comportamento social de seu reino.

“Cortar-lhe a cabeça” é uma punição dolorosa para atingir seu objetivo, bem como,

apresentar a força e o poder que tem. Esse tipo de punição assemelha-se muito à

história de Damiens (Foucault, 1995, p.9), o qual fora condenado em 02 de março de

1757. Ele precisou pedir perdão publicamente na porta da Igreja de Paris, e teve seu

corpo esquartejado e seu membros retalhados, finalmente, para se cumprir a

sentença, foi queimado e reduzido a cinzas.

As relações que se estabelecem no campo da Pedagogia assemelham-se ao

reino da Rainha de Copas. O esquartejamento ou o cortar a cabeça acontecem

veladamente na sala de aula, através das leis impostas e na forma como os corpos

se tornam obedientes.

Surge então uma questão: a brinquedoteca seria um lugar que difere do poder

disciplinar e da arte de punir? Seria um local diferente do reino da Rainha de Copas?

O espaço da brinquedoteca é apenas um começo, um lugar em que se

podem escrever histórias educacionais de maneira diversa. Tais histórias ou

percursos são apenas passagens para a constituição do sujeito, o que lhe permite

viver algumas experiências.

Ao olhar para esse local por outro ângulo, é possível enxergar pessoas,

sujeitos que são produzidos e podem relacionar-se singularmente.

A brinquedoteca, assim como o reino da Rainha de Copas, pode ser

instaurada como dispositivo. Foucault (apud Muchail, 2004, p.06) diz que dispositivo

é “um elemento de conjunto heterogêneos que engloba discursos, instituições, é o

dito e o não-dito.”

Ele é um articulador entre as relações de poder e os modos de subjetivação,

completando a engrenagem da produção social e subjetiva, dessa forma qualquer

educação formal, não formal, sócio-comunitária, confessional, é regida pelos

mecanismos de verdade e poder que são subjetivados nas práticas educacionais.

A brinquedoteca não está livre destes mecanismos que moldam formas de

pensar, relacionar, desejar. Porém, ela também caminha em modos e práticas

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micropolíticas, ou seja, ações que buscam a singularização, provocando meios de

existência. A reflexão em questão é que o espaço da brinquedoteca possibilita ações

no âmbito da micropolítica, embora haja a pressão da macropolítica.

É importante descrever a qual lugar a brinquedoteca pertence. O nosso

objetivo não é discursar sobre as divisões na educação, mas apontar uma educação

que possibilite um movimento em diferentes contextos que dialogam e disputam

possibilidades de singularização considerando que a brinquedoteca não é regida por

leis do Ministério ou da Secretaria de Educação.

Assim sendo, aproximamos a brinquedoteca de um espaço da educação não

formal, aquela considerada como o procedimento que rompe com os aspectos

metodológicos e também que não é oferecido em escolas públicas como propostas

educacionais tidas como direito legal da população.

Trilla (1996) define a educação formal como:

aquela que tem uma forma determinada por uma legislação nacional, ou seja, que tem critérios específicos para acontecer e que segue o que é estipulado pelo Estado – no nosso caso Ministério da Educação (MEC) -; a educação escolar é compreendida pela educação infantil, ensino fundamental, médio e universitário. A educação não-formal é definida como aquela que não tem uma legislação nacional que regula e que incide sobre ela; portanto, seu foco é na parte legislativa que, ao ser adotada de forma generalizada, conforme as possibilidades do fazer educativo e pedagógico (apud FERNANDES; PARK, 2007, p.132).

Assim, a brinquedoteca não possui um currículo, horários, intervalos ou

planejamentos a serem entregues para aprovação. Ela é um espaço que apresenta

intencionalidades e permite um olhar que leva a pensar que o conhecimento não tem

início ou fim, assim permite a formação num outro sentido. Dessa forma, é

necessário compreender como o conhecimento é estruturado para desvelar a

brinquedoteca como um espaço rizomático.

Deleuze não escreveu sobre questões específicas da educação, mas

tomamos muitos conceitos emprestados para discursar e pensar em processos

educativos, um deles e que perpassa o espaço da brinquedoteca é o rizoma.

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Para o autor (apud GALLO, 2008, p.35), “um conceito é imanente à realidade,

pode ser ferramenta tanto de conservação quanto de transformação. É uma

intervenção no mundo, seja para conservá-lo ou para mudá-lo”.

Ou seja, ele está relacionado com o plano de imanência, uma vez que o plano

quebra a possibilidade do conceito absoluto. Um conceito remete a outros, ele não é

discursivo, mas é um dispositivo.

Deleuze (apud GALLO, 2008, p.43) reforça que o “conceito é um dispositivo,

uma ferramenta, algo que é inventado, criado, produzido, a partir das condições

dadas e que opera no âmbito mesmo destas condições”.

O que nos permite pensar, refletir e mostra que não há uma única verdade. O

exercício de pensar a brinquedoteca por Deleuze é olhar e enxergar que esta não é

fragmentada ou compartimentalizada, mas gera movimentos na amálgama da

singularização e produz outras significações.

Assim, faz-se necessário compreender a estrutura do conhecimento e como

ele acontece. O ser humano, durante toda a sua vida, seus percursos e história,

busca a verdade. Ao buscar uma única verdade autorizamos nosso eu a tornar-se

parte da máquina social que tem como símbolo os mecanismos de poder e saber,

além de discursos da verdade.

“A condição de não ser mais uma engrenagem é sermos capazes de decifrar

os enigmas que a crise da educação nos apresenta, conseguindo superar esse

momento de rupturas” (GALLO, 1999, p. 17). Tal crise é apontada pela não criação

de um novo conceito ou entendimento da educação. Entendemo-na da mesma

maneira desde o século XVII, mas é preciso repensar o objetivo dela neste século

XXI.

O acúmulo de saberes que são transmitidos a uma pessoa não a torna capaz

de relacionar-se com o mundo de modo satisfatório, pois o conhecimento é

estruturado de modo a ser chamado de arbóreo. “A formação do aluno jamais

acontecerá pela assimilação dos discursos, mas por um processo microssocial, em

que este assume as posturas de liberdade, respeito e responsabilidade” (GALLO,

1999, p. 23).

O aluno, durante o período em que frequenta a graduação, ou a escola, deve

abrir os “arquivos” nos quais guarda seus conhecimentos. Se for aula de português,

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o arquivo a ser buscado e aberto é o da disciplina de português. As discussões, os

conteúdos, não têm relação, são vistos como formas estanques, como ilhas que

estão próximas, mas não se relacionam. A graduação em Pedagogia também abre

compartimentos. O curso não é pensado numa perspectiva transdisciplinar do

conhecimento, ou seja, a disciplinas têm nome, horário e lugar para acontecer.

Durante a vida adulta, pode-se refletir esta estrutura, pois ir ao mercado,

abastecer o carro, ler sobre a economia do país são atividades vistas de maneiras

estagnadas, pois a economia do país está totalmente relacionada ao preço dos

alimentos ou do combustível.

Esta estrutura produz sujeitos por meio das relações de poder/saber. O

conhecimento é apresentado fora da realidade, é preciso especializar-se para obtê-

lo o que demonstra que este está distante do indivíduo e aque se tem é que para

tê-lo é preciso ser um erudito.

Neste sentido e de acordo com Gallo:

A perspectiva arbórea remete à unidade: o livro é resultado de uma ramificação que, em última instância, pertencia sempre ao mesmo. Usam a metáfora matemática do fractal: aquilo que se assemelha a uma multiplicidade revela-se, ao ser mais bem analisado, como resultado de uma reprodução ao infinito de uma mesma única forma (2008, p. 76).

A partir da metáfora da árvore, o conhecimento é uno. A própria formação de

professores é compartimentada. Gallo (2008, p.71) adverte que, “o problema da

disciplinarização é epistemológico”, dessa maneira, um educador que é produzido

neste modelo disciplinar ou arbóreo reproduz essa forma de enxergar o

conhecimento, uma vez que é o único modelo aprendido.

A brinquedoteca, como já mencionado, não tem currículo ou diretrizes do

Ministério ou da Secretaria de Educação, fato que possibilita uma vivência diferente

da ramificação hierarquizada do saber, permite a metáfora do rizoma.

Nesta perspectiva rizomática, o conhecimento não é hierarquizado, não inicia

ou termina, ele é múltiplo, permite uma infinidade de entrada que desenvolve o

pensamento, pois não é uma estrutura fechada em si mesma.

A palavra rizoma significa “caule radiciforme e armazenador das

monocotiledôneas, que é geralmente subterrâneo, mas pode ser aérea” (CUNHA,

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2010, p.566). Um rizoma transversaliza reinos, permite ser tocado e impele o

pensamento para várias composições apresentando muitas entradas. É um modelo

aberto, sem ligações pré-estabelecidas, que une qualquer ponto.

De acordo com Gallo (2008, p.76), é regido por seis princípios:

O primeiro é o princípio de conexão, ou seja, em que qualquer ponto, ele

pode ser conectado a outro, pois não há hierarquia;

O segundo é o da heterogeneidade, no qual o rizoma é regido pela

heterogeneidade;

O terceiro é o de multiplicidade, ele é múltiplo, nunca será reduzido a uma

unidade;

O quarto é o de ruptura significante que aponta que o rizoma está sempre

sujeito a linhas de fuga que tomam novas direções;

O quinto é o de cartografia, um rizoma pode ser mapeado, pois possui

múltiplas entradas, assim, sendo acessado por infinitos pontos;

O sexto e último princípio é o de decalcomania, ou seja, a partir de um

rizoma é possível surgirem outros, pois ele se desmancha.

A metáfora do rizoma rompe com a metáfora do saber arbóreo, ou seja, a

multiplicidade rompe com a hierarquização. Gallo (2008) salienta que o rizoma

aponta para uma nova imagem, sendo assim uma abordagem outra do

conhecimento.

Para os autores, Deleuze e Guattari, o conhecimento passa por uma

funcionalidade. Ele não é uma forma, é uma função. O conhecimento rizomático

permite atravessar o campo da linha de fuga, o que torna possível diversas

conexões, numa perspectiva transversal.

A transversalidade está além da interdisciplinaridade, pluridisciplinaridade ou

multidisciplinaridade. Tais conceitos aproximam as disciplinas que transitam pelo

mesmo espaço, mas não rompem com a hierarquização.

A transversalidade rizomática mostra várias áreas do saber, trazendo para a

educação a possibilidade de vencer a hierarquização. Pensar a brinquedoteca como

um espaço rizomático permite livrar-se dos resultados. Ela não massifica os

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frequentadores, uma vez que é livre da hierarquização, da avaliação, do currículo,

ela não se fragmenta.

Para os monitores, esse espaço rizomático produz sentidos. As atividades

desenvolvidas não pronunciam uma hierarquização dos saberes. Ao contrário, as

próprias crianças informam o que querem fazer ou aprender. Nesse sentido, não há

como regular os horários e aplicar atividades conforme a vontade dos monitores, o

que é difícil, pois lidar com o desejo do outro é colocar-se numa posição não usual.

A sensação é a da corda bamba que certamente traz insegurança a olhamos pela

primeira vez – será que consigo? Mas, em cada momento que a observamos de

diferentes formas sabemos que podemos enfrentá-la.

Tal situação representa estarmos à deriva, lançando mão dos conhecimentos

que temos e nos colocando também no lugar do não saber, é articular-se em outro

nexo, vestir-se de outro personagem, atravessar outro campo da experiência.

Lembro-me de uma situação vivenciada por uma de nossas monitoras, que na

época estava no 5º semestre do curso de Pedagogia, ano de 2012. Ao sentar com

as crianças em roda, para contar uma história, num determinando tempo, após

iniciada a contação, ela foi interrompida com uma frase um tanto quanto atordoada:

“não estou gostando de nada”.

A moça que contava a história, ao conversar comigo sobre a situação, disse

que “perdeu o chão”. O sentimento é de impotência e desestruturação. Como uma

criança não está gostando de uma história contada sem livros, com mudança de voz

dos personagens? Questionei sobre o que ela havia feito frente a este conflito. Ela

disse que perguntou à menina do que esta não gostava e questionou outras crianças

para saber se elas estavam gostando da história.

O desenlace foi que a narrativa continuou, a menina se separou daquele

grupo e foi fazer outra atividade. A monitora poderia ter respondido de maneira

diferente, poderia dizer à criança que aquele era o momento da história, que ela

deveria escutar e ficar com aquele grupo.

Mas, o que fez a menina enunciar que não estava gostando? O que fez a

monitora tomar uma atitude diferente da considerada acertada, uma vez que era

hora da história, em todos devem escutar, pois aquela era a atividade daquele

momento? Tanto a monitora, quanto a menina, nessa cena, movimentaram-se para

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o encontro de uma proposta que dialogasse com elas mesmas – a instigante viagem

ao próprio eu.

Nietzsche (apud LARROSA, 2009, p. 39), diz que “talvez a arte da educação

não seja outra senão a arte de fazer com que cada um torne-se em si mesmo seja a

melhor das possibilidades”.

Nem todos querem seguir o mesmo caminho ou fazer as mesmas atividades,

ter as mesmas condutas ou os mesmos comportamentos, além disso, não há como

trabalhar do mesmo jeito, com o mesmo método, com todas as pessoas.

Assim, outra possibilidade da brinquedoteca relaciona-se com a formação. O

discurso que se produz em torno da Pedagogia é a ideia de uma educação técnica-

científica. Busca-se o melhor método ou técnica para desenvolver as competências

dos sujeitos. Entretanto, o discurso que fazemos neste trabalho acerca da formação

relaciona-se com a ideia de bildung.

De acordo com Larrosa:

Bildung poderia ser entendida como a ideia que subjaz ao relato do processo temporal pelo qual um indivíduo singular alcança sua própria forma, constitui sua própria identidade, configura sua particular humanidade ou, definitivamente converte-se no que é (2009, p. 45).

Tal conceito, que permeia a formação, remete ao servir-se de seu próprio

entendimento. As situações que a brinquedoteca apresenta permitem que cada um

sirva-se da sua compreensão. Isso não representa a busca por um resultado, mas

uma procura pelo que se é, sem que haja preocupação com a verdade.

Quem permite chegarmos ao que somos é a própria experiência. Aquelas que

nos passam e nos interpelam. Larrosa (2009) retrata que experimentar é um passo,

uma passagem.

Portanto, a formação é uma viagem, uma aventura ao que é externo,

estranho, e também interno à busca do conhecimento do mundo, do nosso mundo e

do mundo do outro. Assim, a palavra formação não deve ser vista como um

merchandising que ora está nos holofotes e ora é apenas um chavão. Ela não é feita

da maneira velha com tempos para estudar, com objetivo a cumprir ou até mesmo

em ter uma profissão. Devemos pensá-la como um interruptor que apaga, acende e

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pode ser o que quiser ser, que pode ter outras funções além daquela para a qual foi

criado.

Dessa forma, não podemos pensar numa formação de professores no espaço

da brinquedoteca que seja normatizada, pensada e articulada com um fim. A

formação do sujeito, nesse espaço, deve ser um movimento incessante de busca do

conhecimento de si próprio, bem comode sua própria representação.

A brinquedoteca permite tal formação uma vez que não tem como pano de

fundo saber aonde se quer chegar, ela é um encontro entre pessoas, que na relação

com o outro, permitem-se viver, experimentarem-se.

Em outro momento do desenvolvimento das atividades, um monitor decidiu

sair pelo campus da faculdade e recolher os objetos recicláveis. Ele pegou um saco

de lixo e foi à busca de seus materiais. Ao olhar ao seu redor, várias crianças e

outros monitores estavam tendo a mesma ação. O que levou este monitor a buscar

aqueles objetos foi a vontade de criar brinquedos.

Assim, a formação deve ter o sentido de um tempo que leva a uma travessia.

Alice a fez, ora dolorosamente, ora de maneira confusa. Mas, ao final, deu seu

depoimento e “sentiu que se emocionaria com as suas tristezas tão puras e

encontraria prazer nas suas alegrias tão simples, lembrando-se da sua própria

infância e dos dias felizes de verão” (CARROLL, 2009, p.147).

O conto de Carroll nos apresenta uma menina fabricada na modernidade,

mas que teve a liberdade para constituir-se. Nos momentos vividos no País das

Maravilhas, Alice autodescobriu-se, autorrealizou-se. Não teve um professor que lhe

ensinasse os caminhos pelos quais deveria percorrer, mas reconheceu as

possibilidades que cada personagem lhe apresentava.

Na brinquedoteca, também não há um professor que oriente ou ensine o que

os alunos devem fazer. Embora participe desse espaço junto com as crianças e os

monitores, não busco influenciar ou ensinar quais posturas são contempladas em

quais situações. Meu papel é me envolver com os pequenos, voltar aos tempos de

criança e observar o que está ao meu redor.

Os monitores não se sentem pressionados a acertarem ou a terem sempre a

atitude correta, eles são expostos à liberdade. Liberdade de agir, falar, propor, sem

um tutor ou mestre explicador.

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Dessa maneira, cada um é chamado a construir o seu lugar no espaço da

brinquedoteca ea formação precisa mostrar que é necessário ter uma visão alargada

do próprio viver que nos faz desaprender, seguir, recompor-se...

1.6 - Brinquedoteca: Coautora de Minhas Perguntas

Fonte: http://www.google.com.br/imgres?q=um+cha+alice+no+país+das+maravilhas

A figura acima apresenta um encontro entre Alice e outros três personagens:

o Chapeleiro Maluco, a Lebre e a Marmota, em mesas de vários tamanhos,

comprimentos e larguras. A mesa pode ser o lugar da fartura ou da pobreza, nela é

possível compartilhar ideias, diálogos ou mesmo silenciar. Embora nunca estejamos

satisfeitos, na mesa temos uma satisfação provisória e nossas relações tomam

forma.

A imagem nos mostra personagens que defendem sua posição de criação,

sua própria história. Alice, uma menina que se vê num lugar diferente, que a

modifica a todo tempo. A marmota vive dormindo profundamente, a Lebre satisfaz as

vontades do Chapeleiro e este se apresenta como um personagem bastante

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intrigante e interessante, é difícil conhecê-lo, pois ele se coloca como a alteridade

contrastante, ou seja, é a oposição do encontro, a imagem oposta do outro.

Por analogia, os personagens colocam-se numa discussão, a princípio sem

sentido, mas que mostra a Alice que ela poderá transmutar-se.

- Qual a relação entre um corvo e uma escrivaninha? “Oba! Agora está começando a ficar divertido!”, pensou Alice. “Estou feliz por eles terem começado a propor adivinhações.” - Acho que eu consigo acertar essa – acrescentou ela em voz alta. - Você quer dizer que acha que consegue adivinhar essa?- perguntou a Lebre Aloprada. - Isso mesmo, exatamente – disse Alice. - Então você deve dizer o que acha – continuou a Lebre Aloprada. - Eu digo o que acho...- apressou-se em responder Alice - ...ou pelo menos... pelo menos eu acho que o que digo... É a mesma coisa, não é? - Não é nem um pouco a mesma coisa – disse o Chapeleiro -, pois da mesma forma você poderia dizer que “Eu vejo o que como” é a mesma coisa que “Eu como o que vejo”! - Você pode do mesmo modo dizer que “Eu gosto daquilo que consigo” é a mesma coisa que “Eu consigo aquilo de que gosto”! - acrescentou a Lebre Aloprada. - Da mesma forma você pode dizer que “Eu respiro quando durmo” é a mesma coisa que “Eu durmo quando respiro”! – acrescentou a marmota, que parecia falar enquanto dormia. - No seu caso é de fato a mesma coisa – disse o chapeleiro. E aqui a conversa foi interrompida, ficando o grupo em silêncio por alguns minutos, enquanto Alice meditava sobre as possíveis relações entre corvos e escrivaninhas, que, aliás, não eram muitas (CARROLL, 2009, p.80).

Alice tentava responder às perguntas que o Chapeleiro lhe propunha. A

brinquedoteca toma o lugar desse personagem, perguntando-nos: qual a minha

relação com a formação? Formar-se em relação a quê? Que dimensões contêm uma

formação?

O Chapeleiro ensina que o sentido da palavra falada, ouaté mesmo da escrita

tem diferentes significados, pois depende do ponto de vista, da formação e da

experiência de cada um.

O lugar da brinquedoteca tem sentidos e significados diferentes para cada um

dos seus frequentadores. Embora seja um espaço regulamentado por uma

instituição formal, também faz parte da educação não formal, que está relacionada à

intencionalidade do sujeito, ao que é subjetivo a ele e a sua aprendizagem. Ela faz

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parte dos diferentes cenários da vida cotidiana, permitindo encontros e lidando com

o que somos e não somente com o que cada um sabe, possibilitando a reflexão

sobre a prática.

Tomamos emprestada a pergunta que Larrosa (1998, p.8), propõe no livro

Imagens do outro: “Como a imagem nos olha e nos interpela?” Qual a imagem

refletida por cada um neste espaço? Em que medida o espaço da brinquedoteca,

contribui para as reflexões acerca da formação docente?

É interessante pensar na formação como um momento de possível

descoberta e reinvenção daquilo que fazemos. Não se trata de reproduzir

estratégias de ensino e aprendizagem ou enquadrar os profissionais da educação,

ela é mais que isso, é modificar as ideias sobre o que é ensinar, narrar, tornar-se

professor.

A brinquedoteca sendo companheira na formação oportuniza a experiência e

a reflexividade do presente.

“De fato, na experiência, o sujeito faz a experiência de algo, mas, sobretudo,

faz a experiência de sua própria transformação” (LARROSA, 2009, p.7). O sujeito da

experiência é o mesmo da formação, que frequenta o curso de Pedagogia e, para

alguns, a brinquedoteca, é aquele que se desloca, que sai da fixidade, que se

movimenta.

Esse movimento nos afeta diretamente, pois está do lado de fora e encontra-

se com o acontecimento. Larrosa (2009, p.8), escreve que é um “movimento de ida e

volta, produz efeitos em mim, no que sou, penso, sinto, quero”.

Uma discente, monitora da brinquedoteca desde o início do curso (2º

semestre), relata que o espaço a fez descobrir o prazer de contar histórias. Ela é a

contadora oficial, outros monitores também o fazem, mas todos a procuram para

trocar ideias sobre o que pode ser feito, e como pode ser conduzido este momento.

A análise que fazemos de sua frase é que a experiência vivida num determinado

tempo a transformou de tal maneira que ela não consegue ver-se separada da

contação de histórias e inclusive diz que quer ser contadora de histórias e que já

realiza este trabalho em alguns lugares. A contação de histórias era algo que estava

fora dela, ou seja, não era ela, mas tinha lugar nela.

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Surge-nos então uma questão: Será que se ela não tivesse passado por essa

experiência na brinquedoteca se transformaria em contadora? Certamente, isso

poderia acontecer em espaços religiosos, escolarizados, mas não ocorreria na

mesma intensidade que quando tomou contato com o contar histórias e com aquele

grupo de crianças e monitores que estavam presentes, tiveram um encontro e

possibilitaram que ela se tornasse o que é.

A brinquedoteca permite que tais experiências ocorram, que sejamos corpos

habitáveis e não somente cérebro, que sejamos cheios de emoção, de vida, de

palavras. Isso acontece por que não somos colocados em caixinhas padronizadas

nas quais é necessário ter o mesmo comportamento, seguir o mesmo programa.

Esse espaço possibilita a liberdade, nele, o conteúdo pode ser qualquer um, a

experiência tem vida em cada sujeito que frequenta esse lugar.

O saber produzido na brinquedoteca pela monitora, não se reduziu a um

processo mental, mas a um saber social que se manifestou em sua relação com o

espaço, com as crianças frequentadoras e consigo mesma. Essa complexa

interação torna-se constitutiva atividade docente, pelo próprio trabalho realizado, o

qual a modificou enquanto contadora de histórias, pois foi um saber produzido

dentro da prática em si.

Além disso, a brinquedoteca é interlocutora no processo de escrita e dos

porquês que emanam acerca da formação e constituição dos sujeitos. O conto de

Lewis Carroll oferta-nos uma tese sobre as relações humanas e grandes

aprendizagens.

Portanto, a história se apresenta importante para brinquedoteca por

apresentar estreitas relações em seus espaços. O tempo e o lugar são elementos

responsáveis por esse resultado que vai além da possibilidade da linguagem.

As narrativas produzidas nos dois contextos dependem do narrador, o qual é

considerado um artesão que tece os fios da vida e da alma, além de promover os

diversos sentimentos do sujeito.

A brinquedoteca, assim como o conto, consegue tecer o universo infantil com

brincadeiras que a linguagem é capaz de criar. Por exemplo, é ilógico um cabo de

vassoura se transformar em cavalo, a sala em um lugar de corrida, cadeiras uma

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atrás da outra se transformarem em trem ou numa luta o mal vencer o bem, isso

porque tais disparates só são possíveis pelo sentido intuitivo e imaginário.

A expressão de linguagem que as crianças desenvolvem em espaços de

brinquedotecas funda-se pela brincadeira e foge do obrigatório, do lugar comum

para explorar caminhos sinuosos, ou seja, novos, recurvados.

Por meio da linguagem, e em cada brincadeira que acontece na

brinquedoteca ou no conto, tudo ocorre de maneira criativa e as regras são

desafiadas.

Na brinquedoteca pesquisada, há uma regra segundo a qual não se pode

jogar bola dentro do espaço, devido às lâmpadas e às crianças, entretanto, há um

menino, que realiza tal atividade somente dentro do ambiente. Ele conhece a regra,

e a incorpora ao mesmo tempo em que a subverte e desafia.

Essa relação das crianças com o espaço, do conto com a brinquedoteca, das

lições sobre a nossa própria aprendizagem permitem que se formulem perguntas,

que não necessariamente serão respondidas, mas devem ser apresentadas.

O que produz os sujeitos?

Há possibilidades de fugir dessa produção?

Como Alice se deslocaria na brinquedoteca?

Estar na brinquedoteca é cair na toca do coelho?

Como a brinquedoteca fabrica o sujeito e permite quais linhas de fuga?

Os adultos ao olhar a articulação das crianças com o brincar e com a

linguagem, permitem-se lançar em suas vivências?

Quais os disparates que os adultos vivem na brinquedoteca?

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Capítulo II: Da Diferença à Formação: Produção de Sujeitos

Fonte: http://nacuniversitas.blogspot.com.br/2009/08/figurinos-alice-ideias.html

A Lagarta e Alice se olharam por algum tempo em silêncio. Por fim, a Lagarta tirou o narguilé da boca e disse, dirigindo-se à Alice com uma voz calma e sonolenta: - Quem é você? Não foi um modo muito encorajador de começar a conversa. Alice respondeu um pouco acanhada: - Eu... Eu neste momento não sei muito bem, minha senhora... Pelo menos, quando acordei hoje de manhã, eu sabia quem eu era, mas acho que depois mudei várias vezes... - O que você quer dizer com isso? – perguntou a Lagarta secamente. – Você não pode se explicar melhor? - Eu acho que não consigo me explicar, minha senhora, pois não sou mais eu mesma, como a senhora pode ver. - Não vejo nada... – disse a Lagarta. - Receio que eu não possa ser mais clara – respondeu Alice educadamente – já que, para começar, eu mesma não consigo entender o que se passa. E, além do mais, ficar de tantos tamanhos diferentes num só dia é uma coisa que deixa a gente muito confusa. (CARROLL, 2009, p.53)

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O conto de Carroll não relata somente a travessia de uma menina pelo País

das Maravilhas, mas produz efeitos de sentido em cada leitor que se deleita com a

história. A literatura e a arte conferem ao público a oportunidade de pensar por conta

própria, de refletir sobre seus conhecimentos, de ruminar sobre aquilo que ele é.

Vejamos, por exemplo, o fragmento citado acima. É impossível no mundo real

uma Lagarta fumar narguilé ou conversar com um ser humano. Entretanto, o que se

produz nesse diálogo remete ao pensamento do que somos e do que nos tornamos.

Tal narrativa fez com que Alice se desviasse da direção inicial, ou seja, de

quem ela era para seguir outro caminho do pensamento: depois de tantas

mudanças, ainda haveria uma parte da Alice verdadeira? Ainda haveria uma parte

que de fato ela conhecesse?

A licença poética que toma conta da escrita em que uma lagarta conversa

com uma menina, leva-nos a compreender que para Alice, mudar é “esquisito”, o

sujeito é alguém que se transforma, que se torna diferente, mas a mudança é

necessária, pois ela faz parte da vida humana. Modificamo-nos várias vezes, de

maneira externa e interna, crescendo, passando da infância para adolescência e

assim sucessivamente, trocamos um trajeto, uma roupa, a marca da alimentação.

Mas, junto com a mudança nos defrontamos com a resistência, a qual é uma força

interior que incorpora novas sensações que entram em cena a partir de um

acontecimento. É como se essas duas palavras tomadas pela forma vivessem de

mãos dadas. A mudança não se apresenta como única solução, mas como uma

ferramenta que deixa o sujeito sempre em estado provisório. A resistência tem um

nome: Lagarta, que a encarna, a encena, traz à luz. Mudança, seu sobrenome,

Alice, um pouco confusa e esquisita.

Tanto a mudança quanto à resistência, fazem parte da construção do devir

humano. Somente a Lagarta fez a menina pensar sobre o que ela era. Assim, esse

outro que perpassa nossas vidas, dolorosamente ou não, de alguma forma nos

modifica.

No diálogo, Alice e a Lagarta criam o próprio significado e as próprias

verdades. Assim como as duas se encontraram e construíram um mundo

significativo, a humanidade no decorrer de sua história, também o fez ao adotar um

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mecanismo de verdade, uma necessidade da produção humana. Criamos verdades

e nos convencemos de que a descobrimos.

A pergunta da lagarta é clara e objetiva: “Quem é você?” Alice tem uma crise

de identidade, não conseguindo identificar quem é por causa das mudanças e do

seu crescimento. Ela precisa se lembrar de quem era antes de experimentar todas

aquelas modificações.

De acordo com Nietzsche, todos nós passamos por uma crise similar de identidade. Nietzsche sugere que não há um self real ou “ego” separado das nossas experiências. Estamos constantemente mudando e nos tornando pessoas diferentes, não há uma parte do nosso self que não mude (MAYOCK, 2010, p.143).

A lagarta poderia ser vista como a mente de Alice, o “self” apontado por

Nietzsche. Essa mudança é interna e ocorre a partir das nossas relações com outros

sujeitos, com os objetos e também conosco.

Alice e a Lagarta são uma constituição de sujeito, que ao mesmo tempo em

que se modela se singulariza. A subjetivação é uma padronização, cuja principal

consequência é a massificação podendo ser interrompida por processos de

singularização. Alice vive um desses processos a partir da pergunta da Lagarta:

“Quem é você”?

Assim sendo, os sujeitos são produzidos no cenário capitalístico buscando

sua identidade a qual é marcada pela diferença e passa por processos que o

fabricam para ser o que é.

O sentido da palavra mudança é transformação, alteração. O sujeito constrói

esse significado superficialmente quando acredita que mudar ocorre a partir de bens

materiais, ou quando se troca de religião, muda-se o cabelo. A modificação pela qual

Alice passa e a mudança que deve atravessar o mundo hodierno têm relação com

aquilo que somos e com o que conseguimos romper.

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2.1 - “Tempo” Companheiro na Formação

Fonte: https://www.google.com.br/search?hl=pt-3%252F11%252Falice-no-

pais-das-maravilhas-%2525E2%252580%252593

- Acho que você poderia fazer coisa melhor com o tempo do que ficar desperdiçando com adivinhações que não têm resposta. - Se você conhecesse o tempo como eu conheço – disse o Chapeleiro – não estaria falando em coisa. Ele é uma pessoa. - Não entendo o que você quer dizer! – disse Alice. - É claro que não! – disse o Chapeleiro, erguendo a cabeça com desprezo. – eu até me atreveria a dizer que você nunca falou com o tempo! - Talvez não – respondeu Alice cautelosamente. – Mas o que eu sei é que tenho que marcar o tempo quando estudo música. - Ahá! Eis a razão – disse o Chapeleiro. - O Tempo não tolera ser marcado. “Mas, se você se der bem com ele, ele pode fazer quase tudo o que você quiser com o relógio” (CARROLL, 2009, p.83)

O tempo pode ser nosso aliado ou carrasco no processo histórico em que

vivemos. Na mitologia grega, o tempo Chronos, era filho de Gaia e Urâno. Derrubou

seu pai do poder, casou-se com sua irmã Réia e devorava cada um dos próprios

filhos que nasciam. Sua esposa conseguiu salvar Zeus, ao marido uma pedra no

lugar da criança, que também derrubou seu pai do poder e o fez vomitar cada um

dos seus irmãos, tornando-se rei dos deuses do Olimpo.

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A mitologia grega busca, na figura dos deuses, explicar a própria sociedade.

Chronos é a figura do tempo linear, que “nos engolee nos come”. Ele marca nossos

encontros, horários, e nos traz a compreensão do que ocorre entre o passado e o

futuro.

A história mostra esse tempo. É o tempo que temos para estudar, formar-mo-

nos, escrever e defender a dissertação. É o tempo linear, que apresenta o passado,

o presente e o futuro.

Conforme Larrosa (2009, p.103), “esse tempo tem sua origem na matemática

e na física aristotélicas, modifica-se substancialmente ao cristianizar-se, sobretudo

ao falar nos fins dos tempos, que o dota de sentido”. Ele parece reger nossos

destinos. No conto de Alice, o Chapeleiro era amigo do tempo, ele o conhecia e dizia

que se tratava de uma pessoa.

O personagem se pauta em outro tempo, naquele da metamorfose, da

travessia, o tempo perene, por isso “uma pessoa” e que como tal traz marcas

cronológicas, mas também da experiência, da resistência, da criação. Na mitologia

grega, esse tempo tem um nome Áion. Larrosa (2009, p.104), apresenta Áion,

“derivado de aieí, que vem da mesma raiz que do latim aeternus”. Esse tempo todo

pode ser relacionado à morte, uma vez que se busca o tempo da eternidade e da

completude.

Há uma história muito conhecida e divulgada, inclusive nas mídias, “A história

da Borboleta”, cujo autor é desconhecido. O texto conta que havia uma abertura no

casulo e um homem pôs-se a observar a dificuldade que a borboleta tinha para

passar naquele pequeno buraco. Com o intuito de ajudá-la, ele o abriu, facilitando

sua passagem, mas no entanto, a borboleta ficou atrofiada.

Essa história sempre vem com uma moral, de acordo com a qual precisamos

nos esforçar em nossas vidas. Entretanto, aponta para a grande diferença entre Áion

e Chronos. O tempo da borboleta é relativo à Áion, ela precisa desse momento que

oportuniza seu desenvolvimento. É o tempo da plenitude.

O homem que encurta esse tempo, que o quantifica, que o domina e facilita a

saída da borboleta é Chronos, ele é o oposto de Áion, pois é irreversível e não

permite voltar atrás.

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Na formação, lidamos com o tempo Chronos, com a mesma atitude do

homem que facilita o processo de metamorfose da borboleta. O tempo da formação

deveria ser aquele indicador da experiência, da modificação que um determinado

pensamento causa, nas possibilidades de amadurecimento na profissão, que expõe

a vista todo encantamento do agir humano. O dono do tempo da formação não

deveria ser Chronos, mas sim Áion, essedeveria ser o tempo da criança, aquele que

dura muitos anos, que permite ir além do momento lógico, tornando-o original.

A ideia de formação, presente no tempo, retrata um espaço diferente do que

Nietzsche (apud Larrosa, 2009, p.39) educador do homem propõe sobre formação.

“A arte da educação talvez não seja outra senão a arte de fazer com que cada um

torne-se em si mesmo, até a própria altura, até o melhor de suas possibilidades”.

Não há como definir um tempo para nos tornarmos nós mesmos. Não há

como receber uma formação acadêmica que nos torne nós mesmos. O tempo e o

lugar da formação referem-se a nós e não sobre o profissional que nos tornaremos.

O sujeito deve ser ativo nesse processo.

Neste sentido, Ferry coloca:

A formação caracteriza-se numa dinâmica que múltiplas medições entram em cena (leituras, circunstâncias da vida, relações interpessoais, instituições de formação) que se constituem como suporte ou condições de formação propriamente dita (2004, p.538).

O tempo mostra que o trabalho com a formação dos estudantes (inclusive dos

professores) precisa ser reinventado. Gallo (2008, p. 56), ousa dizer “que nada

faremos pela educação se nos limitarmos a reproduzir velhos conceitos fora do

contexto, a raspar esses ossos como cães famintos”.

A brinquedoteca tem potencial para não desenvolver essa velha concepção,

enxergando o tempo como um espaço que não fixa o que alguém pode ser. Kohan

(2004, n.p.), reflete que “este tempo encontra-se com certa intensidade, situando-se

em lugares inusitados, desconhecidos e inesperados”.

Deleuze (1992) também distingue a temporalidade: Chronos é a história e

Áion, devir. A história é o tempo da sucessão de fatos, dos efeitos. O devir é a

transformação, a própria experiência, criação, o descontínuo que interrompe a

história, a revoluciona e cria outra, um novo início.

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Esse tempo, companheiro na formação, retrata a intensidade e a experiência

dos sujeitos, vividas no cotidiano destes. A brinquedoteca faz parte do dia a dia de

algumas crianças e monitores e contribui para a formação destes.. Quanto à

formação de cada um, também se distingue de duas formas:

A primeira na temporalidade cronológica, ou seja, no tempo que marca o

começo e o fim, no tempo que é dado para todos, que entende o ensino, a

aprendizagem e a constituição do sujeito, num tempo determinado e

fragmentado.

A segunda na duração, na espessura é o tempo que o próprio sujeito

constrói, que atravessa os espaços, as linhas, os mapas, que é

intempestivo, descontínuo. Aquele que entende o processo de ensino e

aprendizagem como mediação. Ter alguém que ensine é importante, mas

se aprende de fato, quando se é o próprio (aprendiz) se coloca na relação

do signo com a materialidade. O tempo dessa aprendizagem não pode ser

medido, instruído ou demarcado. Ele precisa ser intenso, inesperado e

duradouro.

O tempo como companheiro na formação nos faz entender que não há como

conhecê-lo, isso, por que lidamos com o tempo todo que nunca pára. A discussão

sobre isso está enredada na constituição do sujeito. Deste modo, é imprescindível

compreender o fenômeno que o fabrica, que o torna alienado, fabricado e formatado.

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2.2 - Diferença, Identidade, Subjetividade: A Produção de Sujeitos

(...) bom, não sei. Talvez a senhora ainda não tenha passado por isso – continuou Alice – mas quando tiver de se transformar numa crisálida... pois isso lhe acontecerá talvez algum dia, não é?... e, depois disso, numa borboleta, tenho a impressão de que achará meio esquisito, não? - Nem um pouco. - Bom, quem sabe a sua maneira de se sentir talvez seja diferente – disse Alice – mas o que sei é que tudo isso pareceria muito esquisito para mim - Você! – exclamou desdenhosamente a lagarta. – E quem é você? Isso levava tudo outra vez ao início da conversa. Alice já estava meio irritada com os comentários tão lacônicos da Lagarta. Empertigou-se e disse com maior seriedade: - Acho que a senhora deveria me dizer primeiro quem é. (CARROLL, 1980, p. 69-70)

Fonte: http://pt.wikipedia.org/wiki/Rainhadecopas(personagem)

A conversa entre Alice e a Lagarta, não retrata somente a mudança ou a

resistência, mas a diferença e a busca pela identidade. Ser diferente é assumir a

difícil caminhada entre ir e vir na construção do homem, contrastando artefatos e

ideias.

Determinar a diferença em relação ao outro é um processo cotidiano e

também social, uma vez que sociedade determina quem é o louco, o negro, o rico, o

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pobre, o estrangeiro, o bárbaro. A humanidade toma como verdade o que alguns

poucos anunciam como deve ser a nossa vida.

Discutir sobre identidade e diferença é bem difícil. Silva (2000, p. 10), pontua

que “existe uma associação entre a identidade da pessoa e as coisas que a pessoa

usa”. Os sujeitos são vistos e ouvidos, muitas vezes, por aquilo que usam, pelo

cargo que ocupam, pelo conhecimento ou currículo que possuem. Não são vistos ou

ouvidos somente pelo fato de direito enquanto cidadãos.

O poema de Carlos Drummond de Andrade – Eu Etiqueta – (anexo I)

apresenta poeticamente a identidade. Vestimo-nos, alimentamo-nos, frequentamos

espaços, vivemos a partir de mensagens que mostram uma falsa representação do

que somos. Isso, porque a identidade não é fixa e mostra a que posição social

pertencemos. Portanto, cada vez mais, somos consumidores globais que podem ser

encontrados em qualquer lugar e dificilmente distinguimo-nos entre nós.

Silva (2000, p.74), “em uma primeira aproximação, parece ser fácil definir o

que é identidade. Identidade é simplesmente aquilo que se é.” Eu sou branca,

brasileira, sou negra, sou mulher, estudante.

Retomando o poema “Eu etiqueta”, o cerne é sobre quem eu sou? Que

compreensão tenho sobre meu próprio eu? Apesar disso, pensar na identidade não

é só pensar naquilo que se é, mas é também naquilo que não se é ou que se nega.

O que não se é, o outro é. O sujeito é brasileiro, portanto não é francês, americano

ou africano.

Rolnik (1997, p.19), relata que a individualidade é pulverizada pela

globalização. A “produção de kits de perfis-padrões de acordo com cada órbita do

mercado é consumida pelos sujeitos.” A identidade local doa seu lugar à globalizada

que modifica o modo de viver dos indivíduos, por meio de discursos forjados. Tal

mudança é uma abertura ao novo: sejam hábitos, tecnologias, paradigmas. A nova

situação não implica no abandono da referência identitária, mas insiste numa figura

moderna que é construída por meio de ações e pensamentos que levam os

indivíduos a uma demanda ilusória da identidade.

Dessa forma, a globalização trouxe maiores opções de compra de um mesmo

produto, do custo e da qualidade. A distribuição de renda aumentou, favorecendo o

consumo. Uma família que compra um carro, não pensa em comprar qualquer carro,

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mas uma marca determinada que lhe proporcione mais conforto. A marca pela qual

se escolhe comprar delimita quem se é.

No mundo hodierno, podemos compreender que identidade é uma

configuração marcada por símbolos concretos que corroboram com as relações

sociais. As normas são exemplos de tais símbolos. Elas tornam os comportamentos

iguais, pois só têm uma referência, elas próprias. Aqueles que às experiências não

conseguem configurar a normalidade são os diferentes.

Silva (2000, p. 75), define que “a diferença é um produto derivado da

identidade. Nesta perspectiva, a identidade é a referência, é o ponto original

relativamente ao qual se define a diferença.” Tanto a identidade quanto a diferença

são produzidas pela linguagem.

De acordo com o autor:

A identidade, tal como a diferença, é uma relação social. Isso significa que sua definição – discursiva e linguística – está sujeita a vetores de força, a relação de poder. Elas não são simplesmente definidas, elas são impostas. Elas não convivem lado a lado, em um campo sem hierarquias, elas são disputadas (2000, p. 81).

A identidade e a diferença são marcadas pelo discurso e pela disputa de

poder. Um grupo sempre busca o acesso aos bens sociais. Atualmente, há uma

discussão em torno da homossexualidade que retrata muito a questão. É

interessante que, esse grupo tem uma identidade, cuja diferença é marcada pelo

heterossexuais ou bissexuais. O contrário também acontece, estes são marcados

pela sua identidade, mas sua marca é a diferença daqueles. Trata-se, nesse caso,

de uma relação que busca um bem social e que está sujeita às relações de poder.

Hoje, há leis que permitem o casamento e a adoção de crianças por casais

homoafetivos. O que marcará a diferença entre tais grupos são os parceiros com os

quais se relacionam.

Mantoan (2011) coloca que a identidade e diferença “é uma referência para

os grupos discutirem seus traços”. Então, não devemos esconder ou enfatizar as

especificidades de cada um, pois definições não dão conta dos sujeitos.

A autora ainda menciona que:

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Não há como recusar, negar, desvalorizar a diferença na sociedade brasileira, mas reconhecer qual o sentido atribuído: a diferença como padrão produzido pelos que procuram se diferenciar ou a diferença como motivo pelo qual se coloca em xeque sua produção social, como um valor negativo, discriminador e marginalizante (MANTOAN, 2011, p.104).

Rolnik (1999) traz outra palavra que completa o processo reflexivo sobre

identidade e diferença – o caos, que é um campo de possibilidades e virtualidades.

Ou seja, assim como sempre haverá a identidade e a diferença, existirá também o

caos e a ordem. Em tais relações surgirão devires. “O caos é o âmbito das gêneses

das figuras de subjetividade, ele é portador de linhas de virtualidades. Ele é criador e

produtivo.” (1999, p.05)

Tanto o caos como as linhas de fuga deslocam o modelo identitário e não

desprezam as singularidades. Os indivíduos, nesta contemporaneidade, são

apresentados a diversos modelos: sejam eles de beleza, vida, consumo, estilo,

dentre outros. Essa produção de subjetividade ou norma imposta pelos padrões

sociais permite as linhas de fuga ou movimentar-se no caos.

Os eus que perfilam em tais caminhos precisam comportar as singularidades

e buscar a diferença no sentido de criar possibilidades de viver e se colocar no

mundo.

2.3 - Produzindo os sujeitos: quem os são?

Para pensar em produção de sujeitos, poderíamos rememorar, além de Alice

no País das Maravilhas, os contos de fadas, tais como Branca de Neve, Os três

porquinhos, Chapeuzinho Vermelho, Cinderela, etc.. Todos eles mostram sujeitos

que vivenciam processos de subjetivação e singularização, os quais são descritos

por Guattari e Rolnik (2010) como modos de fabricação dos sujeitos, que nos

chegam pela família, pela linguagem, pela religião, mídia e outros equipamentos ou

máquinas que nos rodeiam e definem a maneira como percebemos e agimos no

mundo. O mesmo autor aponta que os processos de singularização são rupturas,

interrupções, outras maneiras de ser que divergem dos processos de subjetivação.

Entretanto, para nossa dissertação foi escolhido o conto de Carroll e, neste

capítulo, a conversa entre Alice e a Lagarta, na qual a menina se constitui, enquanto

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sujeito, por modos de subjetivação e singularização. A pergunta que a Lagarta faz a

ela – “Quem é você?” – é fundamental que adentra a obra de Foucault (2006),

Guattari e Rolnik (2010), porém, talvez esses filósofos modificassem a pergunta: - o

que se passa com nós mesmos?

A mudança permite pensarmos sobre o presente - no caso o que acontece à

menina e os personagens que encontra no caminho – sem determinar uma verdade

sobre o que ela é.

Como Alice chegou a ser o que é? Qual a contribuição da Lagarta? O efeito

da pergunta permite que elas vivam um acontecimento que as singularizam, uma

vez que ambas são portadoras de perguntas. Será que poderiam ser filósofas?

A lagarta traz à tona uma importante questão quando pergunta a Alice quem

ela é. Por trás dessa indagação, podemos também perguntar: como nos

constituímos enquanto sujeitos na sociedade vigente? Para refletir sobre a questão,

tomaremos como referencial teórico, o que Guattari e Foucault pensam sobre o

sujeito e as relações que o permeiam.

Para Guattari e Rolnik (2010), o sujeito é constituído e produzido pelos modos

de subjetivação, enquanto que, de acordo com Foucault (1999), ele é contituido em

três dimensões: na sua relação com o saber, com o poder e consigo mesmo. O

universo social, além de construir a identidade e a diferença, também constrói a

subjetividade.

Conforme Guattari e Rolnik (2010), a subjetividade é constituída pela

articulação entre os modos de subjetivação, os quais são introduzidos na vida do

sujeito por um conjunto discursivo (mídia, tecnologia, linguagem, família, etc.) que é

veiculado por agenciadores coletivos de enunciação.

Os autores ainda postulam que agenciadores coletivos de enunciação são

discursos que modelam os sujeitos. Esses mecanismos de “fabricação, serialização”

da subjetividade são viabilizados pelos modos de subjetivação, que definirão como o

indivíduo agirá no mundo e quais suas ações frente às situações vivenciadas

cotidianamente.

A subjetividade se constitui num processo maniqueísta na produção de

sujeitos. Os modos como ela se processa são originados socialmente, de acordo

com Guattari (2010, p.27), por meio da macropolítica, ou seja, por aquilo que é

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produzido pelos equipamentos que nos rodeiam, não é apenas a transmissão de

ideias, mas são grandes máquinas produtivas de controle social, que definem a

maneira de perceber o mundo.

O sujeito permite ser subjetivado, por intermédio da enunciação, sendo sua

constituição relacionada ao ato de nomear, ou seja, a linguagem. Outro autor que se

ocupou em compreender os modos de subjetivação que transformam o ser humano

em objeto do poder em relação com o saber, foi Foucault (2007).

De acordo com o autor, o sujeito é tematizado por tecnologias, mecanismos

de controle baseados em práticas discursivas a partir do poder procedente do saber.

Este tipo de poder não utiliza a coerção ou punição, mas a disciplinarização. A

circularidade entre saber e poder produz discursos, enunciados que atuarão como

agentes de enunciaçãoos quais são produzidos em discursos que transcrevem

enunciados. Entretanto, o foco destes discursos é o conteúdo e os contextos de

linguagem.

O poder disciplinar lança mão de mecanismos que permitem o adestramento

dos corpos. Ou seja, Foucault (1999), acredita que a fabricação do indivíduo

enquanto objeto e sujeito do conhecimento, ocorre somente por meio da disciplina.

Ainda de acordo com o autor:

O sujeito moderno não está na origem dos saberes, ele não é o produtor de saberes, mas ao contrário, ele é um produto dos saberes. Ou, talvez melhor, o sujeito não é produtor, mas é produzido no interior dos saberes (FOUCAULT, 2007, p. 44).

O saber, por intermédio do poder disciplinador, forma indivíduos com

comportamentos controlados. O sujeito não é destruído, ele é produzido para a

funcionalidade do sistema socioeconômico vigente.

Para Foucault (2007) o sujeito constituído a partir dos efeitos do poder

disciplinar, encontra-se em dualidade, assim, ao tempo em que este é dominado

pelas relações de poder/saber, também é dominante. Os indivíduos que se

encontram em relação com os modos de subjetivação vivem tal dualidade, ou seja, a

subjetivação ocorre tanto pelos discursos quanto pela linguagem, dessa maneira, ao

mesmo tempo em que se é subjetivado, também se subjetiva o outro.

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Contudo, para Guattari e Rolnik (2010), além dos processos de modo de

subjetivação, o sujeito está em contato, também, com os processos de individuação,

os quais são caracterizados em níveis. O primeiro deles é estabelecido pelo fato de

sermos indivíduos biológicos; o segundo diz respeito à divisão sexual e o terceiro é o

das relações socioeconômicas. O nível inicial diz respeito à possibilidade da

sobrevivência (biológica) e daquilo que é processado pelas relações sociais, por

exemplo, a morte que ao mesmo tempo em que pressupõe a biologia do individuo,

também engedra uma carga cultural, social e histórica.

Nesse sentido, o autor adverte que “a subjetividade como produção,

considera que uma das principais características nas sociedades, seria de instaurar

processos de individuação” (GUATTARI e ROLNIK, 2010, p. 38).

Assim sendo, podemos concluir que a subjetividade é uma produção social e

o indivíduo é atingido pelos modos de subjetivação a todo o momento.

Para Guattari e Rolnik:

A subjetividade coletiva não é uma somatória de subjetividades individuais. (...) Nesse caso, trata-se sempre de processos de responsabilização social, de culpabilização e de entrada na lei dominante (2010, p.37).

Os autores colocam ainda que, os níveis de individuação mostram a

existência de um indivíduo primário que, ao ser inserido na sociedade e em contato

com os modos de subjetivação, torna-se sujeito.

Foucault (1992) compreende que o sujeito não é algo sempre dado, mas é

constituído a partir das relações de poder / saber.

A própria produção do discurso corrente apresenta-se simultaneamente controlada, selecionada, organizada e redistribuída por certo número de procedimentos que tem por papel exorcizar-lhe os poderes e os perigos, refrearem-lhe o acontecimento aleatório, disfarçar a sua pesada, temível materialidade (FOUCAULT, 1971, p.02).

A produção e disseminação do discurso, para o filósofo francês, retratam o

que, segundo Guattari e Rolnik (2010), seria a forma de controlar a subjetividade.

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De acordo com Guattari e Rolnik (2010, p.33), o modo como os indivíduos

vivem essa subjetividade oscila entre dois extremos: o primeiro em uma relação de

alienação e opressão, na qual o sujeito se submete à subjetividade tal como a

recebe e o segundo, em que o este tem uma relação de expressão e criação, a qual

os autores chamam de singularização. Para eles, singularizar-se é tornar-se

singular/ único e não permitir o desmanchamento do seu modo de viver.

O termo singularização é utilizado para designar processos disruptores no campo de produção de desejo: trata-se dos movimentos de protestos do inconsciente contra a subjetividade capitalística7 através das maneiras de ser, outras sensibilidades, outra percepção (GUATTARI, 2010, p.45).

O processo de singularização pode reproduzir uma micropolítica processual.

Para Guattari e Rolnik (2010, p.30), trata-se “daquela que constrói novos modos de

subjetividade, que singulariza”, ou seja, cria maneiras de representação de mundo

mais autêntica e singular.

Os processos de subjetivação para Foucault (2004, p.236), referem-se ao

modo como o próprio homem se compreende como sujeito de determinado tipo de

conhecimento, ou seja, como o indivíduo percebe a si mesmo na relação sujeito-

objeto. Os processos de objetivação, por sua vez, dizem respeito ao modo como

este pôde se tornar um objeto para o conhecimento. As ciências Humanas utilizam

os sujeitos como objeto de investigação e de conhecimento, por meio de práticas

discursivas.

A subjetivação e objetivação são, portanto, processos complementares que o

autor denomina jogos de verdade, os quais compreende por “não a descoberta das

coisas verdadeiras, mas as regras segundo as quais, a respeito de certas coisas,

aquilo que um sujeito pode dizer decorre do que é verdadeiro e do que é falso”.

(FOUCAULT, 2004, p. 235)

Foucault (1995) pontua, ainda, que há três modos de objetivação: o primeiro

“discurso de verdadeo qual produzimos para exercer o poder. O segundo modo

7 Subjetividade Capitalística é um termo utilizado por Guattari para designar não apenas as sociedades capitalistas, mas também os setores do terceiro Mundo ou do capitalismo periférico.

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consiste nas “práticas de divisão”, que dividem e classificam o sujeito e por último,

como nos tornamos indivíduos pelo modo de investigação, tanto pela sexualidade,

quanto pelo poder. Para o filósofo, os sujeitos são fabricados pelos modos de

enunciação.

Ainda para ele é necessário pensar sobre as “tecnologias do eu” e refletir

acerca do conjunto de valores e sistema de produção de subjetividade em que se

adapta ou no qual resiste a disciplinarização em que o sujeito está imerso. Tais

tecnologias podem transformar, ou não, ou não o sujeito em um corpo dócil e

obediente. Portanto é necessário investigá-lo em seu meio, colocando-o na mesma

condição de qualquer objeto.

É preciso buscar as práticas dos sujeitos, entender como eles desenvolvem o

conhecimento, vivenciam a experiência de si, a partir de aceitações e resistências

quanto aos modos de subjetivação e objetivação.

Foucault (apud LARROSA, 2011, p. 56) comenta sobre os processos

históricos e diz que os historiadores dispõem de instrumentos para distinguir os

acontecimentos. Dessa maneira, por meio da história é possível traçar uma vivência

histórica do homem, ou seja, a forma como ele vem desenvolvendo o conhecimento

sobre si.

Larrosa (2011), a partir de estudos foucaultianos aponta cinco dimensões ou,

poderíamos chamar de tecnologias, que levam o sujeito a ter experiência de si.

(...) Em primeiro lugar, uma dimensão ótica, aquela segundo o qual se determina e se constitui o que é visível dentro do sujeito para si mesmo. Em continuação, uma dimensão discursiva na qual se estabelece e se constitui aquilo que o sujeito pode e deve dizer acerca de si mesmo. Em terceiro lugar, uma dimensão jurídica, basicamente moral, em que se dão formas nas quais o sujeito deve julgar-se a si mesmo. Quarto, uma dimensão que inclui componentes discursivos e jurídicos, em que a modalidade discursiva é essencial para a construção temporal da experiência de si. Por último, uma dimensão prática que estabelece o que o sujeito pode e deve fazer consigo mesmo (2011, p.57-58).

Essas dimensões ou tecnologias apontam para como os homens exercem

poder sobre si e como são subjetivados. O poder para Foucault (1986), não significa

“direito de deliberar, ter a faculdade de, ou ter a possibilidade de” (CUNHA, 2010, p.

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506), conforme a etmologia das palavras, mas, deve ser entendido como técnicas e

táticas concretas exercidas no cotidiano que modelam o sujeito, levando-o à

reprodução. Esse poder é exercido pelas instituições que moldam a conduta dos

sujeitos.

Foucault (1995) afirma que o corpo é objeto de poder e controle por meio de

“disciplinas”, assim, diversos objetos disciplinam o corpo: a linguagem, o

comportamento, a coação, a coerção, o tempo, o espaço, os movimentos.

Na sociedade capitalística, o sujeito busca um lugar de sucesso, portanto,

viver para si é um princípio que não deve ser renunciado – vivemos pensando cada

vez mais em nós: segurança, bem estar, conforto, sem refletir sobre o bem coletivo.

A disciplinarização produz sujeitos que seguem normas, dessa forma é necessário

vigiar e punir o sujeito, negar-lhe autonomia por meio da normatização

cotidianamente.

Há dois sentidos para a disciplinarização dos corpos: o primeiro é gerar

indivíduos produtivos e o segundo é o de docilização dos corpos e das massas que

se submetem sem questionamentos.

Esses sujeitos fabricados são cada vez mais controlados. Enquanto

escrevemos, temos em mente uma imagem: uma fábrica, espaço que produz seres

humanos iguais com olhos e cabelos, sem boca e orelhas. Todos têm o mesmo

destino: a docilidade e a obediência, outro caminho é a morte, quando retorna à

fabrica e é produzido novamente.

Instituições como a escola, a igreja, os hospitais psiquiátricos tendem ao

mesmo objetivo de disciplinarização por meio de formas de controle do sujeito. O

doente será curado pela medicação, o fracassado (aquele que foge à norma, ao

aluno dito como “normal”), deverá chegar ao mesmo lugar que os discentes

enxergados como bons na escola. No final, o grande interesse em escala gigantesca

é somente um – formatar e fabricar os sujeitos.

Quando dialogamos com Alice, a lagarta, Foucault e Guattari, percebemos

que cada indivíduo vive no “País das Maravilhas”, sendo subjetivado, objetivado,

exercendo poder e buscando disruptores para romper com todas essas relações.

Portanto, é importante a consciência sobre como somos formados na sociedade

capitalista.

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Orlandi (2004, p.6), descreve que para Foucault, em cada atualidade, “somos

tomados por uma intersecção na qual julgamos saber o que somos coexiste com

aquilo que estamos nos tornando, mas que ainda não sabemos o que é”.

Na conversa entre Alice e a Lagarta, a menina constrói um mundo de

significados a fim de sobreviver no mundo que a cerca (o mesmo acontece na vida

real, com sujeitos reais).

Alice está tendo uma crise de identidade e as perguntas da lagarta trazem essa crise para o foco. Ela não consegue identificar o que ela é por causa das mudanças de tamanho e aparência e o único modo de saber é tentando se lembrar de quem ela era antes de experimentar todas aquelas mudanças. Mas isso também não funciona: “É inútil me voltar para ontem” (IRWIN e DAVIS, 2010, p. 143).

A personagem de Carroll, não pensa somente no que é, mas também no que

não é. Ela se encontra de diversas maneiras para se tornar quem é, saboreia a vida

em torno de si. Quando tenta se encaixar (diminuir ou esticar) vivencia processos de

subjetivação, mas se liberta em processos de singularização quando é colocada em

questionamento sobre as próprias verdades, ou seja, experiencia a si mesma.

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Capítulo III: Em Cena: Um Estudo de Caso e alguns Caminhos

Caindo, caindo, caindo. Essa queda nunca terá fim? Só queria saber quantos quilômetros já desci esse tempo todo! – disse em voz alta. “Devo estar chegando perto do centro da Terra. Deixe ver: ele deve ter sido mais de seis mil quilômetros, por aí...” (como se vê, Alice tinha aprendido uma porção de coisas desse tipo na escola, e embora essa não fosse uma oportunidade lá muito boa de demonstrar conhecimentos, já que não havia ninguém por perto para escutá-la, em todo caso era bom praticar um pouco)”... Mas então, qual seria a Latitude ou Longitude em que estou? (Alice não tinha a menor ideia do que fosse Latitude ou Longitude, mas achou que eram palavras muito impotentes). Logo depois começou a falar: “Só queria saber se vou passar direto através da Terra! Seria engraçado sair bem no meio da gente que anda de cabeça para baixo! Os antipáticos, eu acho... (dessa vez gostou que não tivesse ninguém escutando, pois aquela não soava como palavra certa)”... Mas, vou ter que perguntar a eles qual é o nome do país é claro. (CARROLL, 1980, p. 42)

Fonte: http://lupacult.blogspot.com.br/2012/02/era-uma-vez-

alice-no-pais-de-artur.html

Alice cai na toca do coelho e, enquanto isso acontece, não imagina o que

encontrará: um lugar cheio de confusões em que tentará encontrar sentido nas

coisas do melhor jeito que puder. O palco, ou seja, o espaço onde as cenas

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acontecem é o País das Maravilhas, a Terra da lógica. Tudo é lógico! É lógico se

Alice não consegue entrar num corredor estreito porque é grande, ela é grande. A

Rainha acredita que para manter a ordem é necessário cortar a cabeça de todos que

transgridem as regras, então “cortem as cabeças”. “A lógica é compreendida como

as leis do raciocínio e coerência” (Cunha, 2010, p. 393)

A toca do coelho tem uma similitude com a brinquedoteca. Alice, ao cair nela

fica pensativa, questionando o que acontecerá após a queda. É interessante que

durante sua caída havia prateleiras com objetos que podia tocar. Que queda era

essa? Uma queda devagar? A brinquedoteca também nos leva a pensar e adentrar

outro espaço que possibilita pensar na educação.

O aporte teórico que fundamenta o País das Maravilhas é o nonsense.

Elisabeth Sewell (apud IRWIN; DAVIS, 2010, p. 20) aponta que este “exclui

processos afetivos e esteriliza metáforas de humor, aproximando relações abstratas

da matemática e da lógica”.

O nonsense apresenta uma linguagem viva e que deve ser descoberta, é

paradoxal, um disparato. O País das maravilhas foi criado a partir dele. “A palavra

absurdo vem do latim absurdus, que significa fora de sintonia. Você só pode estar

fora de sintonia se houver uma sintonia ou alguma ideia de sintonia da qual você

está fora” (TALIAFERRO e OLSON, 2010, p.165).

De acordo com Lúcia Bastos (2001) o foco do nonsense não é apenas um

não-sentido, mas uma busca por tornar o sentido mais intuitivo e imaginário.

O nonsense lembra o pensamento infantil e suas brincadeiras pela lógica do

avesso, por ser lúdico. Taliaferro e Olson (2010) dizem que Carroll utiliza o

nonsense para ensinar uma série de lições sobre seu próprio valor, suscitando

curiosidade tanto em Alice quanto no leitor. O nonsense quebra limites e permite

tentativas de olhar através do esperado.

O paradoxo alia-se ao nonsense. Para Deleuze (2009) isso pode ser

entendido como a afirmação de dois sentidos ao mesmo tempo, contrariando a ideia

da existência de um sentido único e de identidades fixas. O nonsense e o paradoxo

permeiam a história “Alice no País das Maravilhas”, fecundados em brincadeiras que

completam o sonho da menina.

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O País das Maravilhas parece estar fora de sentido, é como se ele pudesse

existir somente para Alice em seu sonho e todas as situações vivenciadas por ela

não tivessem nexo. Esse palco, no qual a personagem se formou e transformou, faz

sentido para aqueles que vivem a mesma aventura que ela. Os

leitores/interlocutores que tomam contato com tal espaço e linguagem são

encantados por cada cena, situação e vivência pela qual Alice passa. As vozes dos

personagens ficam gravadas no consciente de cada um, o que também nos

transforma. Quem nunca quis decapitar alguém em algum momento? Quem não

teve vontade de parar o tempo e/ou conversar com ele? Quem nunca previu o futuro

ou sentiu o que aconteceria? No País das Maravilhas tudo pode acontecer.

Estar no palco, vivenciar as cenas do nosso cotidiano, muitas vezes, é

também nonsense. Não encontramos sentido ou nexo, ou melhor, estes são para

aqueles que vivem o acontecimento.

A brinquedoteca tem muito a ver com o País das Maravilhas, nela cada ator,

ou seja, participante do projeto revela sua estratégia e o modo de agir perante às

situações.

O conte de Orrell é escrito no gênero nonsense, a brinquedoteca é vista como

um espaço rizomático, cujo pertencimento é da educação não formal. Portanto, foi

escolhida devido ao potencial e as possibilidades de intervenção na formação inicial

de professores.

Pensar esse espaço como nonsense é um desafio e uma possibilidade, pois a

brinquedoteca também apresenta uma linguagem própria e uma relação lógica: ao

fazer a queda nela o sujeito pode ser transformado ou não. A menina permitiu

transformar-se. Da mesma forma, a fonte está em cada indivíduo e é a pessoa quem

faz tal relação.

Alice no País das Maravilhas tem contato com diversos cenários: a toca do

coelho, o Chá Maluco, o Toque Emboque, sendo que, em cada um desses locais, a

menina se modifica. Da mesma forma, a criança também tem contato com vários

cenários: a rua, a igreja, o parque de diversões, a escola, entretanto, nesta é

obrigada a ser aquilo que talvez não deseje: controlada, forma(da).

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3.1 - O palco: um estudo de caso

Tanto a brinquedoteca quanto o País das Maravilhas podem ser investigados.

Um estudo de caso permite isso. De acordo com Groppo e Martins (2006, p.30), “um

estudo de caso coleta e registra dados de um caso e deve criar um relatório que

aprofunde e revele características de um caso.”

Portanto, nossa dissertação trata de um estudo de caso sobre uma situação

vivida num espaço de educação não formal, regulado e instituído na educação

formal, numa Faculdade que entre os cursos superiores, oferta de Pedagogia, que é

o marco inicial da formação de professores.

Em função das particularidades do problema desta pesquisa, que investiga

como a brinquedoteca contribui para uma formação inscrita e regulada no campo da

educação formal, no curso de Pedagogia, juntamente com o estudo de caso,

utilizou-se a pesquisa qualitativa que visa a uma compreensão maior daquilo que

ocorre no espaço da brinquedoteca.

Em função do referencial teórico pautado e o intuito de investigar a

brinquedoteca, a coleta de dados apresenta múltiplos recursos que resultam nesse

estudo de caso.

Gunther (2006, p.202) diz que a pesquisa qualitativa tem por objetivo a

“compreensão como princípio de conhecimento, relacionando-se a construção da

realidade, apontando para a construção de textos que são interpretados

hermeneuticamente”.

Chizzotti (2003, p.221) complementa nomeando tal estudo numa partilha

“densa com pessoas, fatos e locais, para extrair desse convívio os significados

visíveis e latentes que somente são perceptíveis a uma atenção sensível”.

Assim sendo, uma pesquisa qualitativa está alicerçada por pressupostos

compreensivos e interpretativos em relação ao fenômeno (MONTEIRO;

MERENGUÉ; BRITO, 2006, p. 27). Os autores colocam ainda que a epistemologia

qualitativa permite adotar um conjunto articulado de princípios de pesquisa

simultaneamente rigoroso e flexível, que nos liberta das amarras conservadoras do

positivismo.

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O positivismo permeia a sociedade, num primeiro momento, propondo que

esta seja organizada a partir de uma ordem. A dinâmica que a legitima é a relação

entre patrões e empregados, que permite as frações dos grupos subjugados

aceitarem a dominação das frações superiores. Outro ponto proposto pelo

positivismo é a razão e a ciência. nesse aspecto aquela deveria emancipar o

homem, mas o coisifica e quanto mais se instrumentaliza, menos pensa por si

próprio, enquanto esta é separada da arte e vista como conhecimento cientifico, o

único e verdadeiro conhecimento do qual o homem deve se apropriar.

O conhecimento científico para Foucault viabiliza os exercícios de poder que

corroboram as relações de dominação. A partir dessas considerações e diante das

interpretações é necessária a escolha de técnicas para a pesquisa atual que

dialoguem com o estudo de caso e pesquisa qualitativa.

Os instrumentos para a coleta de dados foram: entrevista estruturada e

entrevista semi-estruturada, narrativas pedagógicas, entrevista projetiva e a

observação e atuação dos monitores no espaço da brinquedoteca.

Entretanto, antes da apresentação das técnicas utilizadas é indispensável

trazer à baila os monitores, ou seja, as vozes que deram vida ao nosso trabalho e

que prontamente disponibilizaram-se a participar dele.

3.2 - Brinquedoteca: um palco com muitas possibilidades

O espaço no qual foi efetuada a pesquisa constitui-se numa sala ampla, com

materiais variados: jogos, livros, revistas, tinta, pincel, lápis, recicláveis, televisão,

rádio, brinquedos, três mesas redondas e duas mesas pequenas de plástico com

quatro cadeiras.

O lugar atende às crianças do entorno da Faculdade, com idade entre três e

doze anos, incluindo aquelas que estão matriculadas em escolas estaduais (1 º ao

5º ano), filhos de funcionários e estudantes dos diversos cursos que a faculdade

oferece.

O bairro em que a brinquedoteca está situada é formado por casas de

alvenaria, com toda a infraestrutura necessária e acesso à comunicação e

informação.

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A população atendida se enquadra na chamada classe média. Instalada em

uma Faculdade na cidade de Campinas/SP, em um bairro periférico e residencial, o

espaço funciona somente aos sábados no horário das 9h00 às 11h30 e a cada dia

vem sendo descoberto pelos moradores do entorno.

A brinquedoteca é integrante da comunidade escolar, ressignifica o papel da

relação comunitária, pressupondo singularidade enquanto parâmetro norteador da

prática institucional.

3.3 - Os sujeitos

Os participantes da pesquisa são cinco monitores que compuseram,

voluntariamente, o grupo de sujeitos da pesquisa no período de 2011 a 2012. Eles

têm em comum o fato de serem estudantes regularmente matriculados no Curso de

Pedagogia, 7º semestre e desenvolvem trabalhos na brinquedoteca desde o 2º

semestre da graduação, ano de 2010. Estão na faixa etária entre os 28 e 35 anos,

não possuem vínculo empregatício, ou seja, são voluntários no dia do

funcionamento do espaço.

A maioria deles reside na própria cidade, tendo estudado em escolas públicas

do bairro onde moravam. O acompanhamento desses discentes acontece de 2011 a

2012. As atividades ocorrem aos sábados das 8h30 às 11h30.

Quanto à pesquisa, desde o ano de 2011, encontramo-nos mensalmente em

reuniões mensais com duração de 1 (uma) hora cada. Fizemos um encontro coletivo

em 2011 e cinco individuais (dois em 2011 e três em 2012). Quatro deles foram

gravados, e um destinado à escrita do grupo.

As reuniões foram programadas antecipadamente, emergidas das vivências

dos monitores. Esses grupos de professores em formação inicial se empenharam

nas atividades desenvolvidas até o final do curso no ano de 2012.

3.4 - Os caminhos: possibilidades para a reflexão

Todo humano torna-se humano em contato com outros homens. A psicologia

apresenta casos como o de Victor de Aveyron, que no dia 08 de janeiro de 1800,

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apareceu nu nos arredores do Vilarejo de Saint-Sernin. Ele uivava, andava como os

lobos e comia como esses animais. Essa foi a primeira tentativa de estudar o

comportamento humano, a história do rapaz confirma a ideia de que as relações

sociais contribuem para o desenvolvimento humano.

Pensando na brinquedoteca, na proposta de formar professores e nas

relações sociais, deparamo-nos com a tendência em colonizar o outro. Porém, a

nosso ver, a formação não é sinônimo de fôrma ou padronização, ao contrário, é

encontro, alteridade, entre mim e o outro.

Para entender e compreender a formação num espaço livre que permite

experienciar-se foi importante a utilização de algumas técnicas que serão descritas

abaixo:

a) Entrevista Estruturada

A entrevista organizada permite detalhar as questões acerca das atividades

desenvolvidas na brinquedoteca. São perguntas formuladas e totalmente

estruturadas. O processo ocorreu no início do 2º semestre do ano de 2011.

O objetivo da escolha de tal período é que os alunos precisavam cumprir suas

tarefas na brinquedoteca para validação das atividades complementares.

As perguntas formuladas para este primeiro encontro foram:

1ª) O que vocês pensam sobre educação? Essa concepção mudou ao longo

do curso de Pedagogia?

2ª) Em relação à brinquedoteca, vocês acreditam que é uma forma de

educação?

3ª) Quais motivos os levaram a participar da brinquedoteca?

4ª) Quais as experiências vivenciam no projeto?

5ª) Há uma metodologia diferente para trabalhar na brinquedoteca, um

espaço da educação não formal?

Ao entrevistar os monitores, foi possível perceber que é unânime o que

pensavam do curso: complexo, com uma extensa carga teórica e metodológica. A

partir das falas, o grupo acreditava que este envolvia a metodologia dos anos 80 e

90, cujo objetivo principal era aprender escrever na lousa, copiar, fazer ditado,

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interpretação de texto, escolher apostilas para o trabalho cotidiano, aprender a

ensinar os alunos a memorizar.

A experiência com o curso, os estudos, as leituras, levaram o grupo a

perceber que uma prática é explicada por uma teoria, ou seja, que não basta ensinar

o aluno a memorizar, uma vez que a criança não é uma tábula rasa em que

inscrevemos nossos conhecimentos; perceberam ainda, que existem várias

maneiras de ensinar, uma vez que os discentes apresentam conhecimentos prévios

que necessitam ser valorizados. Assim, percebe-se que para entender a educação é

necessário envolver-se com este fenômeno que está além do trabalho em sala de

aula.

Todos os participantes da pesquisa acreditam que na brinquedoteca também

fazemos educação, pois o trabalho nela realizado contribui com a formação do

sujeito (crianças e monitores), permite a relação entre pares e a aprendizagem

acontece por meio da interação social.

Neste sentido e de acordo com Rogério:

As crianças que vêm para a brinquedoteca, procuram aqui o que não encontram na escola, na verdade aqui que há na escola, mas não é utilizado. Realizamos atividades que envolvem teatro, dramatização, música, jogos, saraus. A brinquedoteca é a própria liberdade de trabalhar. Na escola tem rotina, horário. O professor abre o livro didático e solicita que o aluno copie. Na brinquedoteca podemos fazer o que quisermos, além de aprendermos a gostar de trabalhar com crianças pequenas (entrevista concedida em Maio de 2012)

A experiência de recontar e rememorar situações vividas na brinquedoteca é

fundamental para os monitores reflitirem sobre as metodologias dos trabalhos

realizados e apontarem intenções de desenvolver práticas a partir de objetos

disparadores8, em que um determinado elemento é o ponto de partida do

conhecimento do grupo e não somente do professor.

b) Entrevista semi-estruturada

8 Artigos que tratam de objetos disparadores: FERNANDES, Renata Sieiro, Cadernos de Pedagogia, Centro Universitário Moura Lacerda, Ribeirão preto, S.P., vol 10, nº10, 2005, p.99-103. FERNANDES, Renata Sieiro, Anotações e Inquietações acerca do objeto, da Criança e do simbolismo.

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A entrevista estabelece uma interação com os sujeitos da pesquisa, por meio

da combinação de perguntas abertas e fechadas, da espontaneidade, levando o

pesquisador a questionar a si mesmo.

Na entrevista semi-estruturada retomamos alguns pontos da entrevista

coletiva, que não ficaram claros, devido a algumas respostas como: “concordo com

o colega” e a não formulação da resposta pelo sujeito da pesquisa.

A entrevista foi individual e ocorreu em dois momentos: no início dos

trabalhos na brinquedoteca (08/03/2012) e no último encontro do semestre

(26/05/2012). Este momento foi importante para discutirmos a formação inicial no

curso de Pedagogia, pensarmos sobre as práticas desenvolvidas na brinquedoteca e

relacioná-las com a formação e suas vivências na escola.

c) Entrevista Projetiva

A entrevista projetiva foi realizada no 2º semestre de 2012,

individualmente.Ela é centrada em técnicas visuais em que cada aluno apresentou

um objeto ou foto que retrata a sua formação no espaço da brinquedoteca.

O objetivo da escolha desse período é a possibilidade de pensar o próprio

percurso nesse espaço, representando-o com um objeto e comentando a escolha

deste. Os elementos apresentados pelos monitores foram diferentes, entre eles:

livros, lápis, giz, lousa e fantoches.

d) Narrativas Pedagógicas

De acordo com Prado e Cunha (2007, p.8), as narrativas pedagógicas

nascem da narrativa de professores que contam, relatam suas experiências em

educação. Portanto, “são compreendidas como escritas que pretendem compartilhar

lições aprendidas a partir e sobre a experiência, da discussão coletiva, leitura e

estudo sobre o cotidiano”.

O memorial de formação, cartas pedagógicas, diários, depoimentos, entre

outros, são gêneros discursivos que privilegiam o que os educadores fazem,

pensam, como relatam suas dúvidas ou apresentam o modo como trabalham. É uma

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técnica que remete à sua produção intelectual, que narra a construção da professora

pesquisadora.

A identidade do narrador (o que entendemos como parte do processo de

constituição do monitor-narrador), constróe-se na própria narrativa, seja o próprio

professor ou seus outros interlocutores diretos, como as crianças frequentadoras do

espaço e mesmo outros monitores.

Nessa perspectiva, o sentido da alteridade é enaltecido, devido ao espaço

entre o eu e o outro, o que pode relacionar-se à ideia de autoria, à relação de

dependência e de implicação entre o autor e a sua narrativa e entre o autor e os

outros sujeitos participantes de tal produção.

A escrita narrativa (a partir do exercício oral), nos processos de formação

docente, possibilita a emergência das histórias formativas e de aprendizagem do

sujeito, o intercâmbio de dizeres acerca do vivido e seus processos de significação e

produção de sentidos, a constituição de possibilidades produzidas pela reflexão, a

chance de refletir o que foi, do que pode ser, do que poderá vir a ser, amplia

espaços formativos no dizer coletivo dos narradores e de suas próprias

experiências, além disso, potencializa a compreensão no contexto do trabalho

pedagógico-educativo do pensado (teoria) e do realizado (prática).

A escrita narrativa, em processos coletivos de formação e reflexão sobre o

trabalho pedagógico, auxilia o cotidiano e a construção do conhecimento do

narrador.

As narrativas pedagógicas foram desenvolvidas no 1º semestre de 2013. O

objetivo da escolha desse período foi possibilitar aos graduandos que escrevessem

sobre a sua atuação na brinquedoteca, levando-os a enxergarem-se também

pesquisadores da própria prática.

Os relatos foram narrados em 1ª pessoa e revelaram sobre a formação e a

atuação na brinquedoteca. Para orientar a escrita foram colocadas três questões,

que não deveriam ser respondidas, mas pensadas para a construção do próprio

texto.

O que mais o marcou na brinquedoteca?

Como a brinquedoteca contribuiu para a sua formação?

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De que maneira a brinquedoteca permite ao monitor desenvolver

autenticidade e emancipação?

A escrita narrativa das vivências na brinquedoteca permite a reflexão sobre o

próprio trabalho desenvolvido no cotidiano e na construção do conhecimento. Assim,

elas não modificam somente o trabalho dos monitores, mas também o nosso, que ao

escrever potencializamos a compreensão do contexto de trabalho tanto na

brinquedoteca quanto na escola em que atuamos, pois nos transformamos em

sujeitos da prática.

e) Observação dos graduandos durante a atuação com as crianças

Foram realizadas observações em distintos momentos durante o ano de

2012, com o objetivo de apurar a interação entre os graduandos do curso e as

crianças que frequentam o espaço, também foi observada a interação entre os

monitores.

Os instrumentos mencionados para a coleta de dados tiveram por objetivo

garantir a fidedignidade do processo investigativo, uma vez que a pesquisadora

compunha as cenas vividas durante aquele ano.

É fato que essa investigação nos afeta uma vez que é difícil e separar a

nossa própria formação deste espaço. Isso ocorre porque na brinquedoteca, as

ações realizadas também me nos questionaram e nos modificaram em relação ao

lecionar.

Tais observações foram sistemáticas e proporcionaram maior compreensão

dos saberem compartilhados, elaborados, reelaborados entre os atores que

frequentavam aquele lugar.

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Capítulo IV: Depoimentos: o que temos aprendido com o País das

Maravilhas e a Brinquedoteca

4.1 - Formação de professores: O que estamos produzindo?

Fonte: http://mundodagislene.blogspot.com.br/2012/09/da-vida.html

(...) Gatinho de Cheshire – começou a dizer timidamente, sem ter certeza se ele gostaria de ser tratado assim: mas ele apenas abriu um pouco mais o sorriso. “Ótimo, parece que ele gostou”, pensou ela e prosseguiu: - Podia me dizer, qual o caminho para sair daqui? - Isso depende muito do lugar para onde você quer ir – disse o Gato. - Não me importa muito onde... – Disse Alice. - Nesse caso não importa por onde você vá – disse o Gato. - Contanto que eu chegue a algum lugar – acrescentou Alice como explicação. (...) Naquela direção - disse o Gato, apontando com a pata direita – mora um Chapeleiro. E naquela direção – levantando a outra pata – mora a Lebre de Março. Visite um ou o outro, tanto faz: ambos são loucos. Mas eu não quero me encontrar com gente louca – observou Alice. Você não pode evitar isso – replicou o Gato – todos nós aqui somos loucos. Eu sou louco. Você é louca. Como sabe que eu sou louca? Indagou Alice. Deve ser – disse o Gato – ou não teria vindo parar aqui. (CARROLL, 1980, p. 82)

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O diálogo entre Alice e o Gato de Cheshire traz duas problemáticas

interessantes: a primeira é sobre qual o caminho seguir e a segunda acerca da

loucura.

O caminho é uma estrada, que trilhamos no decorrer da vida e não sabemos

onde irá nos levar, simplesmente chegamos a partir das nossas escolhas. Há vários

deles: estreitos, largos, compridos, difíceis, tortuosos, curtos, longos. Para percorrer

um caminho sempre temos um ponto de partida, mas não sabemos aonde

chegaremos por ele.

Alice “desobedeceu”9 à regra: não sabia para onde ir. Para alguns indivíduos

não saber aonde ir ou se perder no caminho é uma situação desesperadora.

Entretanto, no diálogo entre os dois personagens, a menina não demonstra

desespero ou insatisfação por não saber o caminho. Ao contrário, ela escolhe um e

sabe aonde chegará – na casa da Lebre de Março.

O Gato de Cheshire tem uma maneira curiosa de aparecer e desaparecer.

Enquanto desaparece, seu sorriso continua e sua boca fala o que pensa. Portanto,

esse personagem traz uma segunda problemática – a palavra loucura.

Foucault (1995), em suas pesquisas, diz que tem como tema geral o sujeito.

Ao pensar nele escreve também sobre os discursos que os indivíduos produzem os

modos de subjetivação, os mecanismos de controle que demarcam anormalidade e

normalidade, sanidade ou loucura, sendo que a esta é sempre do outro.

No discurso, a loucura era do Gato. O Gato se achava louco, pois “rosnava

quando satisfeito e balançava a cauda quando tinha raiva” (CARROLL, 1980, p.83).

É fato que mesmo na insanidade exercemos relações de poder/saber. O gato

exercia esta relação sobre Alice, pois a menina nem sabia para onde ir. O

poder/saber emerge das formações e enunciados discursivos que são produções

sociais, datadas às pessoas. Quando o felino aponta dois caminhos para Alice é por

uma razão: confirmar sua tese de que todos são loucos. Havia mais uma direção

que ela poderia tomar: o caminho para jogar croquet com a Rainha.

9 A palavra desobedeceu encontra-se entre aspas, pois na verdade Alice não desobedeceu a regra, ela permitiu-se não saber para onde vai. Ela rompe com o discurso de que todo sujeito deve saber para onde vai ou ter seus caminhos planejados.

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Alice, pensando que a Lebre de Março só fosse louca em março, depara-se

com um chá bastante anormal, no qual a lebre estava junto ao Chapeleiro. Será que

os caminhos indicados pelo gato apontavam para a mesma direção? Terminaria no

mesmo lugar?

Muchail (2004, p. 42) adverte que a “loucura aparece como motivo de

escárnio e sátira é o mal da fraqueza humana, onde nasce a ambição dos políticos,

a avareza dos ricos, a presunção dos sábios”.

Garcia também relata que a falta de sanidade é sempre do outro. O louco é um

antisujeito de nossa cultura – ele é qualificado como louco (em termos médicos), é

internado e medicalizado. Ele é o diferente, é aquele que não é igual.

(...) Podemos compreender que a loucura não é um “objeto” uniforme, consubstanciado numa verdade essencial cuja identidade é sempre a mesma. (...) A loucura não é um fato da natureza, mas um fato da civilização. Esse outro (louco) tem múltiplos rostos e atravessa a história de nossa cultura e possivelmente atravessa também a nossa história pessoal. Os homens são tão necessariamente loucos que seria outra forma de loucura não ser louco (GARCIA, 1998, p.24).

A escolha dessa passagem do conto de Carroll (1980), para discutir a

produção de sujeitos e a formação de professores, ocorreu por meio dos dois

fragmentos mencionados que remetem ao caminho e à loucura. O louco será tratado

no aspecto da formação como o outro, como o diferente, ou seja, aquele que traz

problemas, o que não tem o mesmo desejo que nós.

O sujeito é fabricado pela produção de subjetividade. Tanto Guattari (2010),

quanto Foucault (1979) compreendem que o processo social leva os indivíduos aos

modos de subjetivação e do discurso na produção do sujeito.

Foucault (1995) entende que o discurso também constitui o sujeito. Portanto,

este se produz pelos discursos que atingem, nomeiam, definem, excluindo a

possibilidade de uma existência singular.

(...) na ordem do discurso, a irrupção de um acontecimento verdadeiro; o que além de qualquer começo aparente há sempre uma origem secreta – tão secreta e tão originária que dela jamais poderemos nos reapoderar inteiramente (FOUCAULT, 1995, p. 30).

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O discurso nunca retrata a verdade para o sujeito, isto é, por trás de um ato

discursivo há sempre produção de saber e relações de poder socialmente definidas.

Tanto o discurso quanto o enunciado retratam um “não-dito e um já-dito”, ou seja,

aquele também é silencioso, embora estabeleça um sistema linguístico. “A intenção

do sujeito falante, o que ele quer dizer, emerge da quase imperceptível fratura de

suas palavras manifestas” (FOUCAULT, 1926, p.33).

No diálogo entre o Gato e a Alice também há não-dito – A menina não sabe

que está sonhando e que acordará no colo de sua irmã. Mas, o encontro que teve

com os personagens em seu sonho permitiram que ela se libertasse de discursos

cuja verdade amordaça o sujeito. A personagem viveu experiências que a

transportaram para outro campo – aquele da exclusão, no qualela pode ser quem

desejaria ser.

O discurso que fabrica o sujeito é sempre um acontecimento inesgotável.

Essa fabricação ocorre pela fala, pela escrita, pela leitura, pelas relações com o

outro, os quais se estabelecem como verdades. Assim, o sujeito que legitima esses

discursos contribui para a formação de subjetividades.

As instituições que veiculam tais verdades – a família, a escola, ou a mídia,

por exemplo – desconsideram o desenvolvimento do indivíduo que passa a ser

controlado e formado a partir das relações fixadas com outros sujeitos.

Esse controle é estabelecido não só por meio do discurso, mas também da

disciplina que adestra o sujeito a ter um “corpo dócil”, o qual é objeto e alvo de

poder.

Na área da Pedagogia, esse treinamento é diário, amarra-se o corpo

controlando-o por meio do tempo, da disciplina. Há tempo e disciplina para tudo e o

sujeito que é submetido às instituições que educam (escola e família) aprende os

sinais e automaticamente atende às solicitações feitas.

Para não mais sujeitar-se, ou seja, nomear-se pelas verdades do discurso é

necessário permitir-se frequentar outro campo e modos de singularização,

vivenciando processos desta. Podemos tomar como exemplo para a questão a

experiência que Alice viveu no País das Maravilhas.

Não se trata de um processo fácil! Viver a exclusão é difícil. Para a própria

Alice foi confuso, uma vez que ela não entendia o movimento que funcionava no

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País das Maravilhas e tantas modificações pelas quais teve que passar. Então, há

escapatória? Será que há outra maneira de viver, a não ser esta em que somos

robotizados? Devemos continuar sendo devorados pelo discurso?

4.2 - Vejam: Uma fábrica de professores!

Na educação, na vida, sempre lidamos com o outro, mas a partir da nossa

fabricação e daquilo em que acreditamos, ou seja, dos discursos que nos compõem

e nomeiam.

A partir das análises da produção de sujeito realizadas pelo viés de Guattari e

Foucault, constata-se que os professores também sofrem desse conjunto que

serializa o sujeito. São os discursos que perpassam o campo pedagógico que

produzem o professor que atuará na sociedade atual contribuindo com os modos de

subjetivação de outros sujeitos. Trata-se de um efeito dominó – o que fazem com o

professor se reproduz no espaço escolar com os alunos.

Foucault (1995), quando pronuncia sobre o discurso e as maneiras como este

é produzido, postula uma função precisa: fabricar sujeitos por meio das ideias,

pensamentos, ciências e conhecimento.

O homem é um objeto para o saber. Muchail (2004) diz que tal aspecto

“aponta para a instauração das ciências humanas.” Portanto, o homem é aquele que

se apropria do conhecimento, e não de um conhecimento qualquer conhecimento,

mas do conhecimento científico e a ele compete apontar o que é verdadeiro ou falso,

certo ou errado, bonito ou feio, normal ou patológico, etc... O que não faz parte

desse conhecimento científico é desqualificável.

Nesse contexto, e de acordo com o mesmo autor:

Como único saber qualificado, assume então o direito da soberania cujo poder se exerce pelos mecanismos da disciplina, do controle, da exclusão. Ele dissocia os que “possuem” a verdade por que “sabem” e os demais que simplesmente “nada sabem” (MUCHAIL, 2004, p. 55).

A relação que se estabelece entre professor e professor, professor e aluno é

a seguinte: um que sabe (dono do conhecimento) e outro que nada sabe. É comum

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escutar as falas em relação aos alunos e os próprios colegas quanto ao

conhecimento que trazem em momentos de formação de professores. Existe o

discurso de que o aluno nada sabe, desconsiderando as experiências e o

conhecimento deste. Tal relação também é reproduzida entre os próprios

professores. Embora se conheça um recorte do trabalho do outro, muitos apontam

que “sabem” mais do que este ou aquele pelos resultados que as salas apresentam.

No Ensino Superior, em instituições privadas, o futuro pedagogo já se coloca

no campo do não-saber. Esse enunciado enraizado levará o sujeito a enxergar que o

outro o qual ele “ensinará” também não sabe. Tem-se uma situação maniqueísta

que mantém a necessidade de um mestre que explique e aponte os caminhos do

conhecimentotão valorizado porque é uma aquisição intelectual já instituída na

sociedade que remete o sujeito a uma relação de poder.

Um texto que lemos sobre um tema que ainda não sabemos, impede-nos de

pensar sobre o assunto, se compreendemos esse conhecimento (produção do texto)

como instituído e qualificado. Se ao ler o texto, não o tomamos como uma verdade

existe a possibilidade de pensarmos sobre ele, sobre o que está escrito, sobre as

ideias que ali se encontram.

Muchail (2004, p. 56) adverte que “ora, na medida em que as ciências

humanas se movem na zona do conhecimento qualificado, tendem a excluir o

espaço do pensamento”.

A compreensão que se tem do pensamento, na perspectiva de Murchil (2004)

é que este se constrói a partir do afrontamento com a nova realidade, a partir de um

não saber.

Na formação de professores é necessário criar espaços para o pensamento.

Não o do autor (que já está explícito no texto) e nem o do professor (mestre

explicador), mas para o pensamento do estudante, o futuro professor, que necessita

viver essa experiência para que os saberes disseminados não sejam instituídos

como verdade e sim passem pela relação entre o que está escrito e as produções do

estudante.

Assim, os primeiros a enunciar a educação deveriam ser os professores e os

estudantes, para que depois os políticos, secretários, teóricos enunciassem suas

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ideias. Entretanto, não podemos nos iludir: a educação/formação é controlada a

partir de discursos e saberes que são exercidos de cima para baixo.

Essa relação de poder tem o mesmo efeito na relação pedagógica: o controle

é realizado pelas regulamentações, currículo, avaliação e a disciplinarização. A

reprodução dessa relação pedagógica e de poder/saber acontece em todas as

modalidades de ensino10 da educação infantil ao ensino superior.

Muchail (2004, p.58) ainda declara que no trabalho pedagógico a ponte entre o

professor e o estudante não deverá ser o conhecimento, mas que o docente seja o

mediador entre o estudante e o pensamento.

Na formação de professores, a figura do mestre que explica, deveria deixar de

existir para que entrasse em cena a construção do conhecimento pelo próprio

estudante. Não somos a favor de encerrar a carreira de professor e deixar que o

aluno sozinho busque o conhecimento, mas de modificar a função e a figura do

profissional de ensino. Os textos que estudados deveriam ser escolhidos pelo grupo

que compõe aquela turma, bem como debatidos por todos e não mais explicados

pelo professor ou instituídos por ele.

Silva (2011, p.252) declara que a “teoria educacional, baseia-se na noção de

que o conhecimento constitui fonte de libertação, esclarecimento e autonomia”. Mas,

tais saberes são discursos para fabricar os sujeitos que serão formados.

O autor ainda aponta que todo conhecimento torna-se vinculado ao poder. O

que resta aos professores e àqueles que estão envolvidos em tais relações de

poder/saber é viver em constante estado de luta contra essa a posição.

No campo da Pedagogia tentamos solucionar os problemas da sociedade por

meio da formação. Surgem vários textos, livros, falas sobre o processo de ensino e

aprendizagem. Há uma vasta bibliografia que o professor poderá ler: pedagogia do

afeto, da esperança, do oprimido, construtivista, sócio-interacionista, behaviorista

entre outras.

10 O controle e a relação de poder/saber é mais acentuada do ensino fundamental ao ensino superior. A palavra ensino significa transmitir conhecimento (CUNHA, 2010, p. 248). O discurso não é mais velado, a criança, o adolescente e o adulto, serão instruídos em todos os aspectos: afetivo, cognitivo, comportamental, linguístico. A produção destes sujeitos toma uma dimensão muito maior. O fato é que a instituição escolar aprisiona o sujeito em nome de uma falsa educação.

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Concordamos com Silva (2011), quando este diz que a sucessão de teorias e

concepções é uma incessante busca para responder a uma única questão: “que é

verdadeiramente educar?”

O fato é que, cada vez mais, lidamos no campo da educação com as formas e

a ressignificação social. Silva (2011, p.251) aponta a necessidade no campo da

Pedagogia de uma virada linguística em que o discurso e a própria linguagem

deixam de ser vistos como “fixos, estáveis e centrados na presença de um

significado”. Estamos acostumados a conceber a linguagem como algo positivo, e é.

Através dela nos tornamos humanos, comunicamo-nos, apresentamos o que somos.

Porém, a linguagem em seu contexto e conteúdo formata sujeitos.

A virada linguística a qual Silva descreve (2011, p.251) é uma linguagem

transgressora que modifica os chavões na educação, ou seja, aquelas frases

prontas que nada contribuem para o trabalho com os indivíduos.

Outro ponto a refletir sobre o que é verdadeiramente educar é referente à

produção do sujeito pedagógico. Larrosa (2011, p. 52), aponta que este “aparece

como resultado da articulação entre os discursos que o nomeiam, os discursos

pedagógicos que pretendem ser científicos e as práticas institucionalizadas que o

capturam”.

Ele também é produzido pela objetivação, apontada por Foucault (1995) e

pelos modos de subjetivação, descritos por Guattari (2010). Portanto, as práticas

pedagógicas possibilitam a mediação do sujeito consigo mesmo a partir de si

mesmas.

Referenciando Larrosa:

Os sujeitos não são posicionados como objetos silenciosos, mas como sujeitos falantes, não como objetos examinados, mas como sujeitos confessantes, não em relação a uma verdade sobre si mesmo que lhe é imposta de fora, mas em relação a uma verdade sobre si mesmo que eles mesmos devem contribuir ativamente para produzir (LARROSA, 2011, p. 54).

A instituição que forma o professor é um lugar organizado o qual indica

valores e marca o espaço da obediência. Os educadores também são controlados

pelo tempo: tempo para se formar, tempo para estudar, para realizar atividades, para

ensinar e para aprender.

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Foucault (1995, p.144) adverte que o controle do tempo é outorgado pelo

horário, o qual tem grandes processos “estabelecer censuras, obrigar a ocupações

determinadas, regulamentar os ciclos de repetições”. Assim, o professor é

enquadrado numa grande fábrica e será ensinado por especialistas a cerca do

conhecimento. Na escola há tempo para tudo: entrar, sair, alimentar-se, escrever, ler

e até mesmo para fazer as necessidades biológicas (urinar e evacuar), uma vez que

as crianças não podem ficar sozinhas.

O filósofo relaciona, ainda, o tempo e a disciplinarização com o quartel e a

fábrica, ou seja, o soldado é tão fabricado quanto o sujeito. Se pensarmos no quartel

e na instituição escolar, podemos ver semelhanças. O soldado é controlado pelo que

Foucault (1995) chama de “elaboração temporal do tempo”. Assim, ele necessita

marchar por fila, seu corpo é ajustado. Na instituição escolar, não é diferente os

corpos dos alunos são ajustados pelos professores, todos devem entrar ou sair da

sala em fila.

Assim o professor disciplina o corpo do aluno, uma vez que o seu próprio foi

disciplinado. Outro elemento do tempo que os professores em formação vivenciam é

a divisão semestral, assim, um aprendizado acontece em determinado semestre.

O autor ainda pontua que “o tempo disciplinar que se impõem pouco a pouco

à prática pedagógica – especializando o tempo de formação - organiza diversos

estágios separados uns dos outros”. Todo o conteúdo de ensino e aprendizagem é

colocado em tempo, além disso, a filosofia, a didática, as metodologias, a sociologia,

são estanques, separadas e compõem um programa.

Este não contém somente disciplinas que serão ensinadas, mas “exercícios

cada vez mais rigorosos, tarefas complexas que marcam a aquisição progressiva do

saber e do bom comportamento” (FOUCAULT, 1995, p.155)

A linguagem também perpassa o programa de formação. Silva (2011) aponta

que ela “é encarada como um movimento em constante fluxo, sempre indefinida,

não conseguindo capturar de forma definitiva qualquer significado que a precederia

e do qual estaria inequivocadamente amarrada”.

Por meio da linguagem determinamos um ideal de sujeito, família, escola,

vida, professor. Dessa maneira, o trabalho no campo da Pedagogia é realizado pela

construção do indivíduo ideal e não pelo real. É como se este fosse negado por

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aquele. Um exemplo é o trabalho com crianças das camadas populares, elas e suas

famílias têm construções diferenciadas acerca da leitura e da escrita, do uso de

jornais, do entendimento de gêneros textuais. Porém, as famílias são sempre

expostas em relação ao trabalho da criança em casa – a família não ajuda, ou seja,

o de família supera a realidade.

Os sujeitos que frequentam as instituições escolares são colocados em

“formas” para corresponder à linguagem e ao discurso construído de como deve ser

o seu comportamento e o que deve saber.

As metanarrativas circunscrevem esse suposto sujeito, analisa o currículo,

constrói teorias filosóficas e educacionais. Exercem um poder/saber no âmbito das

relações interpessoais mantendo-as.

Metanarrativa é um termo utilizado por Silva (2011) que faz apontamentos

sobre o pós-estruturalismo, ou seja, radicaliza o sujeito do humanismo feito pelo

estruturalismo. Isso porque, com o pós-estruturalismo, o sujeito foi definido como

aquele que não passa de uma invenção cultural, social e histórica, sendo serializado

e produzido. O meio pelo qual é tal fato ocorre é a linguagem, com discursos que

vão além da narrativa pronunciada.

O sujeito produzido pelos modos de subjetivação, discursos/enunciados, da

linguagem/metanarrativas, tem a possibilidade de propiciar discussões abertas para

rematar nossas teorizações, ou seja, pode acontecer a criação processos de

singularização e escapar dos modos de subjetivação.

Alice passa por processos de singularização ao encontrar os personagens do

País das Maravilhas – ela se encontra de diversas maneiras, testa a si mesma e

saboreia a vida em torno dela própria. Será que poderíamos viver um dia de nossas

vidas como Alice?

A partir dos aportes teóricos registrados até aqui, enfatizamos que para

formar um professor, não basta repensar as práticas ou criar outras, é preciso

ampliar um projeto educacional que desestabilize os dogmas e os discursos. Isso

também implica propor exercícios cujo pensamento afronte a realidade e os regimes

de verdade e poder, ou seja, é necessário permitir ao professor flagrar-se enquanto

sujeito, considerando as sua experiências,as quais agregariam aos sujeitos

possibilidades de libertar-se da crença que “assombra” as práticas educativas:

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primeiro de que é necessário ter uma ideia de que sujeito queremos formar e que é

ela que orientará a prática pedagógica; segundo de que é preciso lançar mão de

recursos para desenvolver as potencialidades dos sujeitos (LARROSA, 2011, p.50).

Não legitimamos os conhecimentos e as experiências que os sujeitos têm,

somente legitimamos o conhecimento transmitido por alguém que possui

conhecimento cientifico. Não legitimar o conhecimento do outro, nem suas

experiências, é mostrar que só há uma verdade, um único saber que é encontrado

nos livros, nos textos, etc.... O conhecimento das ciências humanas, isto é, o

conhecimento científico.

Os aparatos pedagógicos também fabricam o sujeito e este se constitui na

articulação complexa de discursos e práticas pedagógicas e terapêuticas

(LARROSA, 2011, p.40).

As práticas pedagógicas também controlam o corpo e produzem sobre ele

saber/ poder. Saber sobre o que os indivíduos devem aprender, quais as normas

devem seguir, que comportamentos devem ter. Depois, tais indivíduos são vigiados

pelas avaliações, pelos discursos, pela observação de sua conduta.

Esse assunto é fortemente veiculado nos cursos de formação de professores.

Recentemente fomos procurados por uma aluna do curso de pedagogia que

demonstrou interesse em desistir do curso. Questionamos a graduanda que já

cumpria o 3º semestre da graduação, sobre o motivo da desistência. Ela colocou

que não poderia ser professora pela sua escolha sexual. A seguir lançou a seguinte

questão: como posso ser professora se escolhi ser homossexual (lésbica)? Como

vou ser exemplo para os meus alunos se a minha escolha é vista como errada?

O discurso estudante revela que três semestres do curso não a levaram a ter

experiências consigo mesma. Levaram-na a verificar que professores são modelos e

um modelo é perfeito, deve seguir a norma, deve ser transparente, correto, sempre

verdadeiro e ter muito conhecimento científico. Então, eles não podem se relacionar

com parceiros do mesmo sexo, não podem ter relações sexuais antes do

casamento, fazer tatuagens, falar palavrões ou até mesmo se drogar. Professores

não podem se desviar da norma, ou seja, são fabricados para se manterem no

discurso hegemônico – vivenciado as relações de poder/saber.

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Mas o que seria ser professor? Autores como Paulo Freire, Maurice Tardif,

Philippe Perrenoud (que até escreveu sobre as 10 novas competências para

ensinar) dentre outros autores poderiam definir muito bem o que é ser professor.

Mas, pensando nos estudiosos que até agora lemos e sobre os quais escrevemos,

ser professor, trata-se de propor exercícios de pensamento sobre a a própria

condição, o que implicará num processo de criação e singularização.

Deleuze (apud GALLO, 2008, p.49), numa exposição de gravuras de Picasso,

leu a seguinte frase: “eu quis ser pintor e tornei-me Picasso”. Para ser Picasso é

preciso dedicar-se. Deleuze, ainda, relata que para ser filósofo, assim como para ser

Picasso são necessários anos de dedicação. É preciso criar seu próprio estilo, seu

próprio conceito, sua própria linguagem, depois de uma longa jornada. Esse é um

recado aos professores: dedicar-se em ser professor, criar seu próprio estilo, sua

linguagem, seus próprios conceitos.

Alice nos mostra um caminho possível na Pedagogia: fazer dos ambientes em

que lecionamos o “País das Maravilhas”. Tomar o papel da personagem do conto

seria interessante: ela mergulha em si mesma e produz singularidades. O País das

Maravilhas, um estranho mundo, modificaria nossas expectativas – mostrando um

novo tempo, o tempo da experiência.

O País das Maravilhas e seus personagens (o gato, o Chapeleiro Maluco, a

Lagarta, o coelho e até mesmo a Rainha de Copas) seriam aqueles que produziriam

o que Deleuze chama de devir e imanência. O autor contribui para pensarmos em

formação a partir desses dois conceitos. A imanência é o que existe, é olhar para a

realidade como ela se apresenta. Na educação existe um sujeito, uma família ideal,

os quais se buscam e se enxergam nos alunos. Há também a figura de um professor

que é idealizado pela sociedade, pela família, pela comunidade escolar e que, da

mesma forma, se busca na instituição. Gallo (2008, p.44) coloca que “o plano de

imanência é o solo e o horizonte da produção conceitual”. É essencialmente um

campo em que se produzem e se entrechocam os conceitos.

Não é possível entender o plano de imanência sem compreender o significado

de conceito. “Um conceito é um operador, é algo que faz acontecer, que produz. O

conceito não é uma opinião, é uma forma de reagir à opinião generalizada” (GALLO,

2008, p.42).

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Tal experiência permitiria implantar um plano de imanência em termos de

intimidade com os problemas educacionais, numa outra perspectiva, buscando na

coletividade, mas também na individualidade soluções para os questionamentos que

surgirem.

De acordo com Gallo (2008, p.57), instaurar um plano de imanência, que

atravesse transversalmente o campo educacional, é ter intimidade com os

problemas educacionais, senti-los na pele, mas, não é ser íntimo da doxografia

educacional.

Alice coloca em conflito suas certezas. O professor tem certezas que morrem

com ele e talvez nunca fossem permeáveis. O território no qual a menina vive, por

determinado tempo, não possui um conjunto de opiniões, mas atravessa

transversalmente seu próprio pensamento. A formação do professor deve reproduzir

o veneno e o remédio para os problemas educacionais, é necessário correr esse

risco. Talvez, Alice tenha bebido o veneno, entrando na toca do coelho e tenha

encontrado o remédio, conhecendo os residentes do País das Maravilhas.

Referenciando Gallo:

É necessário que corramos o risco, que mergulhamos nesse caos povoado de opiniões. Nas margens do Aqueronte, não podemos titubear, com medo de não conseguirmos voltar do mundo dos mortos. O mundo dos mortos é aqui, quando sucumbimos à opinião generalizada. Precisamos do mergulho no caos, precisamos de águas do Aqueronte para nelas, reencontrar a criatividade (GALLO, 2008, p. 59).

O rio Aqueronte pode ser traduzido como “rio do infortúnio”. Na mitologia

grega, é localizado no mundo dos mortos. Para se chegar a Hades, as pessoas

solicitavam que o barqueiro as levasse e atravessasse esse rio.

Seria possível discutir a morte na formação? Não morremos somente quando

o corpo deixa de existir, podemos morrer em vida, quando aprisionados, sem

perspectiva de liberdade. Poderíamos chamar de morte o fim de um pensamento? A

desconstrução de um paradigma?

Durante a nossa vida, temos duas grandes escolhas: a primeira é viver uma

morte diária, uma vez que nunca há rompimento com o que nos captura

cotidianamente; a segunda escolha é renascer, manifestar os desejos, os anseios,

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os receios, os medos e tudo aquilo que nos perpassa. Na formação, precisamos nos

libertar das soluções, talvez esteja nessa atitude o renascimento.

A morte em nosso trabalho tanto no que diz respeito ao olhar da

brinquedoteca, quanto a formação do sujeito deve ser vista como um acontecimento.

O filósofo Daniel Lins em uma conferência para o Café Filosófico olha para a morte

como um acontecimento.

O termo acontecimento é utilizado por Deleuze e significa, nas palavras de

Daniel Lins, um revisitar os fatos, dar algo que supere a representação e encontre

um elemento a mais que a nomeação linguística.

Dessa forma, é preciso inventar, criar a existência separando-a do tempo

cronológico, ou seja, a morte deve ser vista como a presença de uma vida que

passa por outros espaços e não pelo que é biológico.

A brinquedoteca como espaço morto, pode ser entendida como um lugar da

singularidade e do acontecimento. A razão não dá conta de entender a morte e nem

a afirmação “a brinquedoteca como espaço morto”. Essa expressão é uma síncope

da realidade vivida em tal espaço.

O sujeito é formado pelas experiências que tem, é o eu modificado, ou seja,

aquele que se modifica pela palavra, encontra-se em constante metamorfose,

transforma-se pelo outro. Essa mudança faz uma relação com a morte. Como já

mencionado, não à morte do corpo, mas a do eu consciente, transformado pela

palavra. Ao tornar-se outro, com um novo olhar, com uma palavra outra, conta a si

próprio sua nova história.

Larrosa coloca que:

... E mesmo que não ocupem um lugar seguro no seio da verdade, talvez apontem na direção de outra forma de pensar e de escrever em Pedagogia: uma forma em que as respostas não sigam às perguntas, o saber não siga a dúvida, o repouso não siga á inquietude e as soluções não sigam os problemas. Penso que o maior perigo para a Pedagogia de hoje está na arrogância dos que sabem, na soberba dos proprietários de certezas, na boa consciência dos moralistas de toda a espécie, na tranquilidade dos que já sabem dizer aí ou o que se deve fazer e na segurança dos especialistas em respostas ou soluções. Penso, também, que agora o urgente é recolocar as perguntas, reencontrar as dúvidas e mobilizar as inquietudes (LARROSA, 2006, p. 8).

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A mudança na formação dos professores deveria iniciar-se com a alteração

do curso de Pedagogia. Os discursos produzidos e enunciados para os docentes em

formação inicial indicam que há a necessidade da consciência de suas relações, do

papel político, de assumir uma postura, que deverá romper com a atual conjuntura

escolar. Entretanto, o próprio curso não é modificado. A disciplinarização, as provas

e as notas vão de encontro ao discurso.

Por quais experiências passam esses professores? Todos sentam um atrás

do outro, a aula expositiva, a transmissão do conhecimento do mestre, oferece a

eles uma tensão: a responsabilidade de formar, levar para o bom caminho,

indivíduos que lhe são confiados durante o ano.

Ainda de acordo com Larrosa:

O texto “Três imagens do Paraíso” é um convite à recuperação da

inocência da experiência: a experiência entendida como uma

expedição em que se pode escutar o “inaudito” e em que se pode ler

o não-lido, isso é, um convite para romper com os sistemas de

educação que dão ao mundo já interpretado, já configurado de uma

determinada maneira, já lido e, portanto, ilegível. Além disso, o texto

inclui uma meditação acerca do professor como aquele que não

oferece uma fé, mas uma exigência: o professor não oferece uma

verdade da qual bastaria apropriar-se, mas oferece uma tensão, uma

vontade, um desejo. Por isso, ao professor não convém a

generosidade enganosa e interessada daqueles que dão algo (uma

fé, uma verdade, um saber) para oprimir com aquilo que dão, para

com isso, criar discípulos ou crentes. E tão pouco não lhe convêm os

seguidores dogmáticos e pouco ousados que buscam apoderar-se

de alguma verdade sobre o mundo ou sobre si mesmos, de algum

conteúdo, de algo que lhes é ensinado. O professor domina a arte de

uma atividade que não dá nada. Por isso, não pretende amarrar os

homens a si mesmos, mas procura elevá-los à sua altura, ou melhor,

elevá-los mais alto do que eles mesmos (LARROSA, 2006, p.10-11).

Na formação, há intencionalidades, as quais são escancaradas e

formalizadas. As experiências pelas quais os professores passam deveriam

contribuir para se pensar uma educação que tem como base o devir, ou seja, o vir a

ser.

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Deleuze (apud GALLO, 2008, p.60) menciona que há dois tipos de

professores: o professor-profeta e o professor-militante. Ainda de acordo com o

autor, há o professor-militante que “é aquele que no âmbito da modernidade, parece

ser o professor crítico. É alguém que vislumbra a possibilidade de um novo mundo,

fazia a crítica do presente”. Portanto, tal professor é o que anuncia um novo mundo,

que mostra aos seus alunos outras possibilidades numa perspectiva individual.

O professor-militante, conforme aponta Deleuze (apud GALLO, 2008, p.61) é

o que procura viver a miséria do mundo e de seus alunos, seja ela qual for. Tal

educador seria aquele que, vivendo com os educandos o nível de miséria, dentro

das possibilidades, busca construir coletivamente.

Da mesma forma, talalvez a formação docente, necessite uma construção

coletiva, uma vivência coletiva, que não anuncia uma única verdade, mas as

verdades do grupo, promovendo ações que não sejam isoladas, ou façam efeito

num determinado tempo e espaço.

Essas ações devem ocorrer na sala de aula, nas relações estabelecidas entre

professor e aluno ou professor e professor. São possíveis realizações cotidianas em

sala de aula, pois enquanto o governo cria documentos, programas, leis que regem

a educação, no espaço escolar há possibilidades de se construir um mundo dentro

do mundo.

A construção dessa nova possibilidade não traz um rompimento com os

modos de subjetivação, mas gera maneiras de encadear processos de

singularização, os quais produziriam a possibilidade do novo. Deleuze (apud Gallo,

2008, p.64) apresenta dois tipos de educação: a educação maior, que se relaciona

com as políticas públicas da educação e a menor, que representa um “ato de revolta

e resistência. Revolta contra os fluxos instituídos, resistências as políticas impostas.”

A sala de aula deve ser um lugar em que se produzem estratégias,

estabelece-se a militância, pois o presente e o futuro estão para além de qualquer

política educacional. Ela não pode representar um espaço de disciplinarização, um

mecanismo de controle, em queo aluno produz somente o que pode ser ensinado

em determinados momentos, em que não há possibilidades de discutir situações da

própria realidade com a criança.

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Na escola em que atuamos, percebemos no trabalho das professoras muitas

situações do livro didático. No conteúdo bairro, ninguém faz um passeio pelo bairro,

ou solicita que os alunos fotografem o que há no espaço em que moram ou ainda

que discutam os avanços deste. O bairro é analisado na perspectiva do livro

didático, adotado a cada ano.

Aprender vem a ser tão-somente o intermediário entre não-saber e saber, a passagem viva de um ao outro. Pode-se dizer que aprender, afinal de contas, é uma tarefa infinita (...) Finalmente, a aprendizagem está, antes de mais nada, do lado do rato no labirinto, ao passo que o filósofo fora da caverna considera somente o resultado – o saber – para dele extrair os princípios transcendentais (DELEUZE, apud GALLO, 2008, p.66).

A ação de aprender sempre está para alguém que a queira, que a procure. A

aprendizagem está além do controle. Assim, uma avaliação por mais que busque

apontar o sujeito mediano, nunca mostrará o que o aluno de fato aprendeu.

O conto Alice no país das Maravilhas e a brinquedoteca, seduziram-nos pela

possibilidade de rompermos com o que foi instituído pela hegemonia e por produzir a

diferença apontada por Gallo (2008). Não são estes objetos que levam o sujeito a ter

uma experiência diferente daquilo que vive, mas potencialmente produzem

singularizações.

Os monitores poderiam assumir que não é possível trabalhar num espaço que

se configura diferente daquele nos quais produzimos nossas experiências. Em

muitos momentos, as crianças frequentadoras não se interessam pela atividade e

não é possível obrigá-las a fazer. Na escola isso é possível, na brinquedoteca não.

O que fazer nesse momento? Como agir? A resposta está na improvisão que

começa a ter lugar e ser vista de maneira outra, que não é do mesmo jeito que a

pedagogia prega.

4.3 - Quem quer uma história?

(...) Ela então se sentou, mantendo os olhos fechados, e acreditou um pouco no País das maravilhas, embora soubesse que bastaria abrir os olhos de novo e tudo voltaria a aborrecida realidade... O barulho da folhagem se agitando seria o sopro do vento, e o som da água correndo viria do balançar dos caniços... o tilintar das xícaras

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se transformaria no sininho das ovelhas e os gritos da Rainha seriam a voz do jovem pastor... e os espirros do bebê, o chiado do grifo e todos os outros ruídos esquisitos se tornariam (ela sabia) o barulho confuso das várias atividades do campo...assim como o mugir do gado, à distância, tomaria lugar dos tristes soluços da falsa tartaruga. Por último, ela se pôs a imaginar como, muito mais tarde, essa sua irmãzinha seria uma mulher adulta. (CARROLL, 2009, p. 147)

Era um lugar pequeno, sem muitos móveis. Ao olhá-lo, ele não emitia muitos

significados e parecia sem sentido. Era feio e cinzento. Quando entrei li uma citação:

“Esta noite, pela primeira vez em ao menos um ano, olho para o céu estrelado.

Acho-o pequeno. Sou eu quem está crescendo ou é o Universo que encolhe? Ou as

duas coisas ao mesmo tempo?” (SALVADOR DALI, 1989)

Recordei-me de uma história em que uma menina segue um animal animado

e se perde num mundo subterrâneo e distorcido onde as coisas não são o que

parecem e o que parecem não dizem o que realmente devem dizer. A frase

encontrava-se com todas as mutações que a menina passou.

Aquelas palavras apareciam e desapareciam na minha frente e era possível

atravessá-las. Estaria eu a vivenciar um labirinto de intrépidas situações? Uma coisa

era certa: precisava lançar-me naquelas grotescas imagens.

Sentei-me numa cadeira e comecei a olhar uma janela que se transformava

em livro, podia fazer sua leitura, mas ora estava escrito em português, ora em grego,

ora numa língua que eu não conhecia isto dificultava meu entendimento.

Este lugar apresentava um turbilhão de sensações, ao mesmo tempo em que

sentia um frio cortante, minhas roupas pesavam de tanto calor. Subitamente um

Lagomorfo com olhos vermelhos e curiosos, se aproximou lendo o mesmo livro que

aparecia na janela e dizendo afoitadamente que precisava fazer algo. Sua voz era

fina, irritante, mas era convidativa aguçando minha curiosidade sobre o que poderia

estar escrito naquela situação excitante.

- Eu preciso!!!

Eu confusa me pus a perguntar precisa de quê?

- Eu preciso!! – Começou a andar pela casa e jogou-se numa pilha de

quinquilharias que eu não havia percebido. Colocou sua cabeça para fora e em

seguida e disse:

- Eu preciso... me expressar! Onde está?

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Perguntei-me novamente: onde está o quê? Meus olhos viam, meus ouvidos

escutavam, mas continuava a não entender.

De repente, ele pega uma caixa e joga aos meus pés. Veio até mim com algo

embaixo de suas patas e quando pude observar melhor era um rolo de papel.

Sentou-se abriu a caixa e havia muitos lápis de diversas cores vivas, cores que

nunca havia visto. Mas, ele procurava uma cor desesperadamente, não era qualquer

uma, era uma específica. Um sorriso meia boca, tomou conta do seu rosto e o

Lagomorfo levantou uma cor.

- Finalmente encontrei... É essa!

Não entendi nada, mas ousei perguntar:

- O que você faz?

Ele lança um olhar incrédulo e responde:

- Ora, minha cara, o que parece? Olhe... Ele aponta para a parede em que

estava escrita a frase que li, porém sem entender fui perguntar o que queria me

dizer, mas ele havia desaparecido.

Surpreendida levantei-me e observei melhor o lugar encontrando umas

escadas deformadas, com degraus mais altos, mais curtos, inclinados, declinados e

comecei a subi-la. Subia, subia, subia até o momento que não sabia se subia ou se

descia. Mesmo cansada e com preguiça decidi continuar e percebi que não teria

como voltar.

Pensava muito no Lagomorfo e como poderia desenhar se não tinha mãos.

Onde poderia estar?

Perdida em meus pensamentos não percebi que entrei em um longo corredor

e nele havia muitos pássaros. Talvez, os pássaros pudessem me levar a um lugar

notável. Era grande para atravessar o corredor em pé, então precisei engatinhar. Os

pássaros eram de tamanhos diferentes, cores diferentes e cheiros diferentes

também. Havia pássaros com cheiro de morango, outros com cheiro de baunilha e

alguns fediam, fediam muito.

Atirada ao chão avistei um reino. Perdido em afazeres incomuns o Lagomorfo

apanhava ovos de carneiros, cujas claras faziam desaparecer os cabelos! Sim: os

naturalistas afirmaram que os seres são concebidos em ovos.

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Ele aproximou-se desajeitadamente com um dos ovos em mãos e explicou-

me sobre seus efeitos.

- No lado Norte você pode encontrar ovos de cavalo. Eles são utilizados para

deixar todos jovens!

As cabras, os cavalos do reino poderiam muito bem ser ovíparas e o sol e a

lua chocarem seus ovos.

- Não dúvide de meus conhecimentos, independente de acreditar ou não.

Seria o cúmulo, homens eruditos acreditarem no que afirmam.

Então retruquei:

- Homens eruditos são muito inteligentes, eles acreditam no que falam.

- Não acreditam não. O que é um homem erudito? É só um homem...

- Em que lugar estou? É um país? Uma cidade ou estado? Na escola aprendi

que cidade é uma área urbanizada, Estado é um conjunto de instituições que

administram uma nação e País é uma região geográfica considerada território físico.

O Lagomorfo me olha com uma careta e diz:

- Arrrh! Quantos disparates essa criança diz!

Ele continuou andando e eu a segui-lo. Muito estranho, tudo era estranho.

Havia árvores cuja copa estava no lugar do tronco.

Pensei “será que adianta continuar a falar com esse pequeno atrevido aqui”?

Avistei uma mesa que tinha a forma de um pentágono. Vi-me num cenário

caótico, parecia uma clareira circundada de árvores como as que vi anteriormente.

Elas pareciam ter rostos que me estudavam severamente, algumas com ar sábio e

outras com ar de pura maldade me impressionavam.

Deslumbrada com a cena, cheguei próximo à mesa e todos conversavam

ruidosamente e tomavam algo. Perguntei então:

- O que bebem?

- Chá. Aceita?

- Não há chá na mesa.

- Há sim, não vê?

Circundo a mesa procurando um lugar para me sentar e o único lugar que

encontro é no centro da mesa. Passo embaixo dela para ocupar o meu lugar.

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Os ocupantes dos outros lugares pararam de conversar e passaram a me

estudar com uma desconfiança que transbordava de seus olhares e me envolvia

num manto que me sufocava.

A voz fina e irritante do Lagomorfo trouxe-me de volta.

- Apontando meu dedo para cada figura que se encontra ao redor da mesa,

pergunto quem são?

- Eles? São você! O que você não é, mas que você ainda não sabe que é,

sendo por ser.

- Eu? Como eu posso ser você?

Catova tinha aparência de um cavalo e o tamanho de um gato.

- Você? Eu sou um Lord, Lord Catova, senhor e mestre das Terras dos

Cascos.

- Tu precisas aprender como tratar as pessoas. É por isso que eu digo: sem

treinamento e formação as pessoas não podem frequentar este lugar! É importante

pensar em maneiras para fazer esta formação e assim revelar os segredos que aqui

estão.

Babão levantou a cabeça e com ar autoritário gritou com uma voz rouca e

grave um assustador:

- Nãooooooo! Discordo!

Babão parecia um grande Buldog que relinchava e miava entre uma palavra e

outra. Sempre escapava um fio de baba quando se pronunciava. Tentava lamber

com sua língua algo que nunca encontrava.

- Aqui não é necessário treinamento, é necessário mudar a forma como

vemos as coisas, dando mais atenção para aquilo que é importante. O treino são

para os que pensam demais e precisam fabricar os outros.

Um pássaro com uma só asa que tentava tomar o chá com seu bico fino,

observou a resposta de Babão e retrucou:

- Você descobriu a solução? Claro que não! O que falta é interesse daqueles

que se dizem moradores daqui. Ela não é moradora...

- Lagomorfo está dormindo outra vez? –disse a Lagarta cor-de-rosa, esse

assunto o deixa cansado. Vocês sabem que nada precisa ser mudado aqui.

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Portanto, esqueçam a palavra treinamento. Não sabemos como fazer isso, nunca

fomos treinados a nada. Não precisamos disto.

Todos usavam óculos sem lentes. Após a resposta da lagarta, levantaram-se,

retiraram seus óculos e entraram para uma casa.

4.3.1 - A casa

A casa era pequena demais. Havia apenas um cômodo divido com

quinquilharias. Nas paredes havia objetos ou fotos que retratavam cada um. É como

se os quadros ou objetos representassem o que são.

O Lagomorfo tinha em sua parede um livro e dizia insistentemente:

- Os livros me atraem. Acho que existe uma criança dentro de mim!

Nesse momento Catova começou a rir e dizer:

- Que loucura, como pode haver uma criança dentro de você?

Lagomorfo ficou irritado, mas continuou:

- Aprecio as letras e o tempo que se leva a escrever. O tempo me disse que o

livro conta o que ninguém jamais pensou!

Catova riu novamente:

- Como ninguém pensou? Se escreveu, é porque pensou!

Lagomorfo ignorou e continuou:

- Gosto de contar histórias e fazer parte delas.

Catova enredou dizendo que gostava de escrever. Em sua parede há a

representação de um lápis.

- Com o lápis escrevo todos os meus bens e demarco minha terra. Que

ninguém apague meu lápis!

Pensei: como poderiam apagar algo que está desenhado? Talvez pintassem

a parede?

Buldog interrompeu Catova com a seguinte afirmação:

- Nem lápis, nem livros. Esses são objetos sem sentido. De que serve um

lápis sem ponta e um livro sem figuras ou diálogos? Eu lhes contarei uma adivinha –

disse com sua voz grave e autoritária – todos sentados e não digam uma palavra até

eu terminar.

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- Vejam minha parede: nela um giz e uma lousa. O que a lousa disse ao giz?

Alguém sabe responder?

Todos continuaram em silêncio.

- Você está perdoado giz. Eu também estou perdoada.

A Lagarta revoltada disse que o Buldog era louco, desatinado e cavernoso.

Estamos enlouquecendo! Então, foi até sua parede e pegou uns bonecos. Ela os

chamava de fantoches. Todos ficaram em silêncio para ouvi-la, mas a história nunca

começava. Ela apresentou os bonecos, mas não falava a história.

- Gostaram da história? A Lagarta perguntou.

Todos bateram palmas, menos eu. Então eu pensei:

- Não houve história! Estamos aqui numa conversa estranha!

Levantei-me e disse:

- Obrigada senhora por uma história tão interessante!

Ela voltou seu olhar até mim e ficou em profundo silêncio. Por fim, respirou

profundamente e perguntou-me:

- Qual é o seu objeto?

- Meu objeto?

- Sim. Que objeto te representa?

- Ousei responder uma ampulheta.

- Por que?

- A ampulheta marca o tempo. Não sei que lugar estou e quanto tempo já se

passou. Creio que uma ampulheta me ajudaria a entender isso.

- Você descreve o tempo como uma coisa. Sou amante do tempo, o espero

todas as noites.

- Creio, minha senhora, que o tempo não é um lagarto!

- Você está equivocada criança! Veja o tempo te modificou e você nem

percebeu... A lagarta sorriu e continuou a manusear seus bonecos.

Uma ventania tomou o lugar, uma ventania tão forte que parecia um tornado.

Quando a ventania terminou estava na varanda de minha casa, pensativa em tudo o

que havia vivido: seria um sonho? Realidade? Seria um lapso?

Minha mãe me chamou... Entrei para minha casa e tudo estava diferente.

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4.4 - Nossas aprendizagens...

No verão, na tarde de ouro, deslizamos vagarosamente. Nossos remos são manejados sem perícia, no sol ardente: Mãos gentis, que fingindo vão guiar nosso passeio errante. Ah, cruel trio, que em tal hora, sob o céu de esplendor e sonho, implora um conto sem vigor e de pobre alento, enfadonho. Mas que pode tão fraca voz contra o coro infantil, risonho? Prima decreta imperiosa: “Agora por que não começa”?... Em tom brando, Secunda roga: “Que seja sem pé, nem cabeça”! E Tertia, uma vez por minuto fala somente, não se apressa. Logo mais se calam, de súbito, e vão seguindo em fantasia a viagem-sonho da heroína no País de assombro e magia em alegre charla com os bichos. E creem um pouco na utopia. Quando a estória já se esgota – seco o poço da imaginação – tenta habilmente o contador desviar-se do assunto, em vão: “Conto depois...Já é depois!” Elas protestam em confusão. E assim cresceu este País das Maravilhas. Uma a uma surgiram as suas aventuras. Está pronta, sem falha alguma a estória. Voltamos lépidos antes que o sol da tarde suma. Alice! Recebe essa estória e com mãos gentis deposita lá longe, onde os sonhos da infância se confundem com lembranças idas, tal guirlanda de flores murchas em distante terra colhidas. (CARROLL, 1980, p. 39-40)

O poema escolhido como epígrafe deste subtítulo, remete à tarde em que

Carroll narrou a história de Alice pela primeira vez, com a participação das três

meninas. O passeio aconteceu no “verão em uma tarde dourada” no rio Tâmisa e as

garotas receberam apelidos: Prima (Lorina, a criança mais velha), Secunda (Alice,

10 anos) e Tertia (Edith, a mais nova, 08 anos).

O conto de Alice surgiu num momento ímpar e qualquer tentativa de capturá-

la implica em modificações da história. A aproximação da narrativa e da

brinquedoteca acontece pela ludicidade.

Na pesquisa realizada com os monitores, uma das primeiras perguntas foi se

já haviam lido o livro “Alice no País das Maravilhas” e para nossa surpresa três (03)

deles nunca tinham lido e dois (02) fizeram a leitura há muito tempo, por obrigação,

pois ela valeria nota para a disciplina de Língua Portuguesa.

Durante os diálogos com os monitores, percebi que suas respostas eram

sempre formatadas e que eles apostavam na educação como transformação social.

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Quanto ao início do curso de Pedagogia tinham ideia de que as aulas seriam para

ensinar a dar lecionar.

“Acredito que estou no curso de Pedagogia para aprender a ser professora.

Entrei no curso e vejo que há várias maneiras de ser professora. É preciso levar em

conta o conhecimento do aluno”. F.C.P.

“O curso é complexo e tem muitas teorias atreladas a uma metodologia. Eu

achava que aprenderia o que os professores fizeram na escola comigo na década

de 80 e 90. Eu escrevia na lousa, copiava, fazia ditado, interpretação de texto. A

escola me ajudou muito e ela pode trazer uma transformação na vida da pessoa

uma vez que permite que o sujeito adquira conhecimento”. R.B.

“Refletindo sobre o meu inicio no curso de Pedagogia, sobre que venho

aprendendo em sala de aula e das participações na brinquedoteca (Projeto de

Extensão Comunitária da Faculdade), percebi que minha forma de pensar sobre

minha futura formação como educador precisava ser reformulada.

É importante para qualquer formação profissional, que o indivíduo mantenha-

se sempre atualizado. Para isso, participando de cursos, palestras ou outros meios

que favoreçam o seu aperfeiçoamento profissional e melhor desempenho em suas

ações.

Não diferente na prática educativa, isso também deve acontecer, indo além

das dependências escolares e de outros departamentos educacionais que

promovem ações para oferecer ao educador respaldos que complementam sua

autoformação.

Assim, precisa haver uma pré-disposição do próprio educador em buscar

subsídios que possam ajudá-lo e complementar naquilo que se pretende alcançar ao

longo da sua experiência profissional.” (E.S.O)

Os alunos, em suas falas, demonstram que o racionalismo científico cumpriu

sua função: dar à luz do conhecimento os ignorantes. A educação veste-se de tal

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papel e reproduz essa ideia aos sujeitos. Rancière (2010) escreve muito sobre a

questão e aponta que o modelo de educação é organizado em nome da instituição

pedagógica pela ordem e pelo progresso.

...Quem pretende conciliar ordem e progresso encontra naturalmente em seu modelo em uma instituição que simboliza sua união: a instituição pedagógica, lugar - material e simbólico- onde o exercício da autoridade e a submissão dos sujeitos não têm outro objetivo além da progressão destes sujeitos, até o limite de suas capacidades, o conhecimento das matérias do programa para a maioria, a capacidade de tornar-se mestre, por sua vez para os melhores. (RANCIÈRE, 2010, p. 10)

A prática educativa revelada no discurso dos alunos alimenta a ideia de que é

necessário ter um mestre explicador que mostre o caminho. Nesse sentido, o

espaço da brinquedoteca seria, para esses estudantes, um lugar que promove

educação? Não há professor ou conteúdo e se precisamos de parceiros mais

experientes que conduzam a aprendizagem, o que promovemos na brinquedoteca?

Todos os monitores concordam que, na brinquedoteca, promovemos

educação, contribuímos com a formação dos sujeitos, temos liberdade de

desenvolver um trabalho pedagógico a partir de projetos, temas, teatro, dança e

leitura.

“Os alunos procuram na brinquedoteca o que não encontram na escola: o lúdico,

brincadeiras, alegria. Na verdade, tem na escola, mas não é utilizado”. (V.S.T)

“A brinquedoteca contribui tanto para a criança quanto para o monitor. A

brinquedoteca não é um ambiente escolar. A criança participa de uma atividade e

nós podemos avaliar o que estamos trabalhando com a criança.” (A.C.P)

“Na brinquedoteca a educação não deixa de acontecer, mas é uma forma mais

prazerosa. Na sala de aula o professor trabalha literatura, é um trabalho maçante.

Na brinquedoteca tudo é descontraído e prazeroso”. (E.S.O.)

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“A brinquedoteca por si não é necessário mudanças, é necessário que se mude a

forma de se atuar com as crianças, para quem não trabalha na área da educação é

necessário tempo maior para a prática do aluno-monitor”.

O envolvimento na brinquedoteca se iniciou com a complementação das

horas necessárias para o cumprimento das Atividades Complementares (A.C.), uma

disciplina cujo objetivo é o desenvolvimento pessoal do discente. Além das

Atividades Complementares quatro (04) monitores acrescentaram que buscavam um

preparo profissional. Outra, ainda apontou que já trabalhava na área e gostava de

desenvolver atividades recreativas.

Sobre as experiências que vivenciaram, as atividades como mediação de

conflitos, a contação de histórias, a entrevista com as crianças, a dramatização e o

jogo simbólico foram marcantes.

Uma monitora relata que fez entrevistas com as crianças e pensou que

haveria somente respostas positivas, mas uma delas disse que não gostava da voz

da contadora. A sensação foi péssima.

Os monitores começam a construir o espaço da brinquedoteca como

dispositivo que permite criar um estilo próprio de trabalho e entender que os sujeitos

têm uma relação singular com o seu saber.

“Tenho boas recordações para guardar das participações do Projeto. Mas há

uma que foi marcante e motivo de satisfação para compartilhar em sala de aula com

os demais colegas.

B. de 04 anos e M. também de 04 anos sempre que chegavam à

Brinquedoteca, o primeiro Cantinho a visitar era o das fantasias e não por acaso

procuravam a mesma – a do Super-Homem.

Num determinado dia foi preciso intervir, sugerindo que cada um usasse um

pouco. Não precisou muito diálogo, pois B. logo se adiantou em dizer que M. poderia

vestir primeiro e logo foi integrar-se com outro grupo de crianças.

Poderia-se pensar que ele acabaria esquecendo o combinado, pois tinha

outras opções para interagir com as crianças no ambiente. Como nos afirma a teoria

piagetiana, a criança no período pré-operatório (de 02 a 07 anos), é egocêntrica –

não sabe se colocar no lugar do outro.

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B., passado algum tempo, procurou M. para pedir a fantasia, e esta não

hesitou em desfazer o combinado, mas sim o cumpriu dentro do que foi conversado,

e ainda para encantar o monitor, disse que o super-homem era o mesmo que o

super-man”. (E.S.O)

Ao observar os monitores, durante suas atividades na brinquedoteca, as

cenas construídas no “aqui e agora” permitiam que cada um se deslocasse do lugar

de conforto. Eram frequentes perguntas como: “o que eu faço agora”, “como agir

neste momento”, “estou desenvolvendo as atividades corretamente”? Tais

questionamentos não eram respondidos, mas devolvíamos a pergunta.

O olhar e a expressão facial deles eram de incredulidade e dúvida sobre suas

ações. Quanto mais essa cena se repetia, mais era possível pensar na formação

dos monitores e na relação destes com a brinquedoteca. Para se tornar numa

sociedade globalizada e tecnológica é preciso autorizar-se a ser, tornando-se o que

se é a partir daspróprias experiências.

Não queremos utilizar a palavra experiência sem pensar,ou até mesmo

banalizá-la, mas apontamos alguns pensamentos dos monitores que são suas

possibilidades de reflexão. Os objetos apresentados por eles retratam suas

experiências com a escola, com a formação escolar e não com a sua própria

formação ou com a educação. A vivência apresentada pelos monitores com a

formação está ligada à ideia de que somente na escola ou na Faculdade somos

formados e isso leva a uma profissão.

O objeto que representa a formação pode ser qualquer um. Na história que

escrita gosto da ampulheta, pois ela revela o tempo e cada sujeito tem uma

experiência com ele – Chronos ou Áion – nos remetem a tempos diferentes, mas

sempre nos remetem ao tempo.

A representação do lápis, livros, giz, lousa, fantoches como objetos da

formação desses monitores são marcas da escola, da Pedagogia. Embora os

utilizemos fora da escola, eles são evidenciados dentro dela. O professor escreve na

lousa com o giz o que o aluno aprende, este utiliza o lápis para registrar em seu

caderno o que o aquele escreve na lousa com o giz. Os fantoches são instrumentos

de contação de história, um momento de liberdade para criação, desde que o

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professor não o “estrague” com exercícios de interpretação sobre a história

apresentada.

Todo esse processo consciente pelo qual os monitores passaram os fez

relatar o que têm aprendido sobre:

Os sujeitos e como trabalhar a partir de seu centro de interesse;

Os professores: precisam criar seu próprio estilo de trabalho, mesmo

embasado em teorias;

Sentir-se responsável por um espaço educativo;

A importância de se ouvir as crianças em seus anseios e desejos;

Entender que o lúdico traz uma linguagem e um processo de aprendizagem;

A importância de se ter um olhar diferenciado para o ato de brincar.

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Capítulo V: Considerações Finais

No presente estudo, procuramos, por meio do conto “Alice no País das

Maravilhas”, revisitar, questionar, reinterpretar, descrever sobre um espaço, inscrito

e regulado na educação formal, numa Instituição de Ensino Superior: a

brinquedoteca A história de Alice surge numa tarde tediosa, como uma maneira

de entretenimento de três garotas e se transforma em livro. Carroll, assim como a

brinquedoteca, metamorfoseia todos os que se permitem ler o livro, o espaço e se

relacionar com eles.

A brinquedoteca e o conto têm um ponto de partida, um início, mas não é

possível mensurar seus pontos de chegada. O nonsense que permeia a história,

pela sua linguagem lúdica que completa as aventuras de Alice no mundo dos

sonhos, atravessa a brinquedoteca fundada na brincadeira, criação, imaginação com

jogos divertidos e engraçados pela linguagem e o significado das palavras.

Algumas situações na brinquedoteca deslocam o sujeito do campo que este

conhece da mesma maneira que Alice deslocou-se por não entender a lógica do

pensamento das criaturas que povoavam o País das Maravilhas. O espaço revela-se

como possibilidade de transformação dos sujeitos que o frequentam, contrapondo-se

à pedagogia científica que formata as práticas educacionas. A busca pelo resultado

na aprendizagem de crianças na Pedagogia científica é facilmente alcançada na

brinquedoteca pelo lúdico.

A educação tem assumido muitas responsabilidades tais como: formação de

professores, valorização do desenvolvimento das capacidades, maneiras de lidar

com a presença das tecnologias, de discutir sobre ética, sexualidade, formas de se

comportar no trânsito, ensinar a ler e escrever, a contar.

Esses elementos fabricam cada vez mais modelos de práticas e

possibilidades no trabalho com as crianças. Em tal relação, encontram-se dois

sujeitos: um para ensinar e outro para aprender.

De acordo com Rancière (2010, p. 142), há cem maneiras de instruir: também

aprende-se na escola dos embrutecidos, um professor é uma coisa - que pode ser

aprendida – observando, recompondo, experimentando o que a pessoa oferece.

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Ele questiona o progresso racional sobre educação. O que é essencial nesta,

é a autonomia, a criação, o estilo e a construção do fazer pedagógico por parte de

dois sujeitos: professor e aluno. O autor retrata que um educador não pode ser visto

como alguém que só oferece cursos ou deve oferecê-los cursos em torno daquilo

que conhece. Mas, no que diz respeito ao que ele busca, ao que o afeta

efetivamente. Isso está além do que ele sabe e da reprodução do seu saber.

O professor não é um patrão formador que fabrica o conhecimento, é um

orientador o qual o cria reciprocamente com o discente. As crianças, os

adolescentes, os adultos são modelados como alunos, acomodados numa ordem

explicadora. Quando a aprendizagem é apropriada pelo próprio sujeito, ela permite a

descoberta de “qualquer coisa” independente de um conteúdo particular.

Alice apropriou-se de sua própria aprendizagem no “País das Maravilhas”, lá,

não havia nenhuma figura que lhe ensinava o que os moradores diziam ou lhe

mostravam. Ela rompeu com os modos de subjetivação, criando uma linha de fuga,

mesmo em sonho, por meio do nonsense, da arte, da criação e da fantasia.

A brinquedoteca pode se constituir como um espaço em que a linguagem e as

práticas direcionem a maneira de ser e estar no mundo, a partir de enunciações que

engendram a constituição do indivíduo, direcionando sua maneira de ser e

compreender o mundo e também pode ser utilizada como linha de fuga, rompendo

com os modos de subjetivação.

A partir dessa reflexão, pode-se averiguar que a produção subjetiva está

estritamente relacionada à vivência e à manutenção das práticas de trabalho

pedagógico. Tais práticas, que modelam sujeitos-alunos em bons e maus, podem

ser interrompidas por outras que desestruturam as verdades conhecidas sobre

ensinar e aprender.

Acerca da experiência que norteou a escrita desta dissertação formularam-se

algumas considerações pertinentes.

A primeira diz respeito ao espaço da brinquedoteca e de suas

potencialidades. Ela pode ser um começo, um lugar que promove outras práticas

pedagógicas por entendermos que discursamos de um espaço educacional.

Dentre os saberes produzidos neste local, estão os saberes docentes. Para

participar da brinquedoteca é necessário ser aluno de Pedagogia. O curso é o

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primeiro contexto de estudos dos monitores da brinquedoteca, uma vez que estes só

podem frequentar o espaço no 2º semestre da graduação.

A Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDBEN 9394/96), em seu

artigo 62, ratifica que a formação docente para “atuar na educação básica far-se-à

em nível superior, em curso de licenciatura, de graduação plena, em universidades e

institutos superiores”.

Tal formação pressupõe um preparo acadêmico, disciplinas específicas para

o docente e uma formação pedagógica, que trata das ciências que compõem o

curso e buscam pensar sobre a sociedade, os sujeitos, a história, o desenvolvimento

humano.

Na formação dos sujeitos-professores é importante pensar que:

A formação do cotidiano deve ser o lugar das relações entre os sujeitos;

A formação é uma trama em permanente construção a partir das situações

vividas em contextos educacionais;

É necessário construir uma identidade, organizar o tempo pedagógico em

diferentes agrupamentos;

O grupo de professores precisa vivenciar oportunidades de formação que

transgridem o modelo proposto pelo Ministério da Educação ou Secretarias

de Educação;

Problematizar a prática e refletir sobre o próprio contexto de trabalho são

atividades que devem fazer parte da formação;

Alice é uma figura que possibilita pensar a formação, uma vez que escolheu o

que era significativo para ela em determinados momentos. Sua escolha e seus

caminhos puderam ser reorganizados, confirmados, corrigidos, compensados e

melhorados em cada atuação.

Uma segunda consideração diz respeito à subjetividade. Os sujeitos são

subjetivados, objetivados, produzidos e fabricados por enunciações que lhes

conferem uma diversidade de vertentes que enunciam sua subjetividade, do mesmo

modo com que se os compreender a limitação desse produto formado pelos

discursos ditos sobre ele. O indivíduo, nesse sentido, experimenta o ser, o estar e

atuar no mundo, em função de sua subjetividade.

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A arte que o racionalismo científico aponta como categoria inferior, em virtude

do conhecimento, torna-se uma possível linha de fuga. Carroll, em seu livro, faz uma

menina perder seus referenciais lógicos: sua forma, seu nome, sua identidade. Da

mesma maneira, a arte permite uma narrativa, além de recursos diversos para cada

individuo fazer sua própria interpretação. O livro “Alice no País das Maravilhas”

produz arte numa aventura sobre a curiosidade infantil.

A terceira consideração relaciona-se à arte como contraposição da formação

do sujeito-professor. A ciência que surge no século no século XIX, transformando

toda a sociedade, rompe com um pensamento fundamentado no devir, ou seja, na

vida como transformação constante. A arte, o saber e o pensamento conjugavam-se

iguais, permitindo essa mudança.

A arte, na formação do sujeito, deve ser feita, como Foucault (2004, apud

DIAS, 2010) a retrata: a existência, incluindo gestos, afetos, ritmos, criações,

sensações, emoções, em experiências do devir, estabelecendo-se como exercício,

ensaio, cenas mobilizadas a invenção da própria formação, dos próprios valores.

As práticas artísticas deveriam se enraizar nos processos formativos. Mas, a

racionalidade as coloca em segundo plano. A arte é vista como forma de resistência

aos processos de empobrecimento do sujeito e à transmissão de ideias, abrindo

portas para a criação. Seu propósito é constituir-se, definir, organizar estratégias que

os indivíduos, em sua liberdade, podem ter relação aos outros, governando-se a si

mesmos.

Assim, as práticas artísticas se situam na imanência, ou seja, na realidade

fazendo-se e desfazendo-se. Deleuze (apud ZOURABICHIVILE, 2004, p.39) diz que

imanência é “a imagem do pensamento, a imagem que o pensamento proporciona

do que significa pensar, fazer desta ação”.

A imanência permite a construção de muitas verdades, pois a verdade não é

única, ela se revela a cada um. Pensar esse processo na educação é habitar os

problemas desta e, a partir deles, construir um aporte filosófico da criação de

conceitos para enfrentamento das dificuldades educacionais

A terceira consideração é a relação da brinquedoteca com a formação dos

monitores, pensando em como o sujeito é subjetivado.

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Refletir sobre essa questão é “olhar para além de nós mesmos”, para além do

que depositamos no outro. Não é pensar somente no aspecto cognitivo ou na

técnica – de como vou ensinar – fazendo cursos e mais cursos para se tornar mais

apto, para ensinar melhor. É lançar mão do que ainda não sabemos, tentando

questionar a nossa própria prática.

Portanto, a brinquedoteca é uma possibilidade de vivenciar situações não

consolidadas na própria experiência formativa. O curso de Pedagogia, por exemplo,

acontece em um espaço locado na sala de aula, com conhecimento fragmentado em

disciplinas, explicações dos professores, provas bimestrais, trabalhos, num

determinado tempo, isto é, a partir de uma lógica de currículo multifacetado.

Pensar esse espaço numa proposta outra fora de tal contexto disciplinador e

fragmentado, é refletir também sobre a prática pedagógica. Larrosa (2009) diz que

“experiência é o que me passa”. É um acontecimento, uma alteridade.

Alice vivenciou experiências no “País das Maravilhas”, assim como as

crianças e os monitores as vivenciaram na brinquedoteca. Tanto no conto quanto

neste espaço trabalha-se pelo princípio básico: de ser humano livre e singular.

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Anexo I

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Diretriz DDE nº. ___/_______

Dispõe sobre o funcionamento dos

Laboratórios Brinquedotecas das Unidades

de Ensino da Anhanguera Educacional S.A.

CAPÍTULO I

DISPOSIÇÕES GERAIS

Art. 1º Os Laboratórios Brinquedotecas das unidades da Anhanguera

Educacional S. A. estão subordinados pedagogicamente à Coordenação do Curso

de Pedagogia de cada instituição.

Art. 2º Os Laboratórios Brinquedotecas devem dar respostas a um vasto

leque de interesses e necessidades, constituindo-se em um espaço físico provido de

equipamentos e materiais pedagógicos para atividades de ensino, pesquisa e

extensão, da comunidade interna da Instituição e do público em geral.

Art. 3º Cada Unidade de Ensino estabelecerá o horário de funcionamento de

seu Laboratório Brinquedoteca, de acordo com os projetos em desenvolvimento,

bem como definirá o número máximo de pessoas que o ambiente comporta,

incluindo adultos e crianças.

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Parágrafo único O Laboratório Brinquedoteca será destinado,

prioritariamente, ao projetos, às aulas teóricas e práticas dos alunos do curso de

Pedagogia.

CAPÍTULO II

DOS OBJETIVOS E DAS FINALIDADES

Art. 4º A existência do Laboratório Brinquedoteca tem por objetivos:

I Fornecer aos docentes do Curso de Pedagogia a oportunidade de produzir,

utilizar e experimentar materiais pedagógicos que lhes permitam otimizar sua ação,

relacionando teoria e prática;

II Apoiar e subsidiar os acadêmicos do Curso de Pedagogia no preparo de

atividades exigidas pelas disciplinas do curso, bem como nas atividades a serem

desenvolvidas no Estágio Supervisionado, nas Práticas Pedagógicas e nos Projetos

de Extensão Comunitária;

III Proporcionar um espaço de visitação e de ampliação do conhecimento aos

alunos de Instituições de Ensino Público e Privado da região;

IV Promover o resgate do brincar;

V Valorizar as atividades lúdicas e recreativas como elementos da

aprendizagem;

VI Atender programas de ensino em nível de educação básica ou superior, ou de

projetos de extensão;

VII Prestar serviços à comunidade, na área educacional.

Art. 5º A existência Do Laboratório Brinquedoteca tem por finalidades:

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I Dar condições para as atividades práticas educativas constantes do programa de

ensino aos alunos de Pedagogia;

II Prestar serviço educacional às crianças na faixa etária de 3 a 12 anos;

III Atender à comunidade interna (filhos de docentes, discentes e funcionários) e

comunidade externa, desde que com fins educacionais;

IV Exercer outras atividades correlatas.

CAPÍTULO III

DA UTILIZAÇÃO, DAS RESPONSABILIDADES E DAS PENALIDADES

Seção II

Da Utilização

Art. 6º O Laboratório Brinquedoteca somente poderá ser utilizado, mediante prévia

autorização e agendamento, pelos professores e alunos da Instituição na qual esteja

instalada e por entidades/instituições da rede pública e/ou privada.

§ 1º Têm prioridade para a utilização do Laboratório os docentes e discentes

do Curso de Pedagogia da instituição na qual esteja instalada.

§ 2º A solicitação para utilização do Laboratório Brinquedoteca deverá ser

feita com até quinze dias de antecedência à Coordenação do Curso de Pedagogia,

via e-mail, contemplando: tema a ser trabalhado e seus respectivos objetivos; data e

horário pretendido para a sua utilização; número e idade das pessoas que utilizarão

o espaço; nome, endereço, telefone e número do documento de identificação do

responsável pela utilização do laboratório.

I Em caso de solicitação de uso do Laboratório e impossibilidade de reserva

na data preterida, o solicitante deverá aceitar a disponibilidade de outro horário.

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§ 3º Os visitantes do Laboratório Brinquedoteca devem sempre estar

acompanhados de um professor da instituição, ou de outra pessoa designada pela

Coordenação do Curso de Pedagogia.

Art. 7º As crianças que utilizarão o Laboratório Brinquedoteca somente

poderão fazê-lo com o acompanhamento de seus pais e/ou responsáveis legais, ou

a partir de autorização prévia de seus pais e/ou responsáveis, com o

acompanhamento de adulto que também esteja autorizado.

Parágrafo único A autorização a que se refere o caput deste artigo deverá

ser feita por escrito e apresentada ao Coordenador do Curso de Pedagogia ou à

pessoa designada pelo mesmo, no momento de chegada das crianças na instituição.

Art. 8º Fica proibido (a)

I a utilização do Laboratório Brinquedoteca sem prévia autorização e

agendamento de horário;

II entrar no Laboratório Brinquedoteca com bolsas, pastas, mochilas e

similares;

III causar barulho desfavorável ao ambiente.

IV utilizar-se de materiais em desacordo com o ambiente.

V entrar com lanches, garrafas, bebidas, copos e similares no Laboratório

Brinquedoteca, assim como acompanhado por animais de estimação.

VI fumar no interior da Brinquedoteca, conforme dispõe a Lei Federal nº.

9.294, de 15 de julho de 1996, regulamentada pelo Decreto nº. 2.018, de 1º de

outubro de 1996.

VII retirar, sem prévia autorização da Coordenação do Curso de Pedagogia,

materiais físicos e pedagógicos do Laboratório Brinquedoteca.

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Seção III

Das Responsabilidades

Art. 9º Os usuários do Laboratório Brinquedoteca ficam responsáveis:

I pela manutenção e ordem do espaço físico;

II pela manutenção e ordem dos materiais pedagógicos existentes no

Laboratório;

III pelo fornecimento de materiais utilizados (sucata) em algumas atividades

pedagógicas.

Parágrafo único A instituição que utilizar o Laboratório Brinquedoteca ficará

responsável pelo deslocamento das pessoas até o mesmo, bem como pelo lanche

servido aos alunos (se houver).

Art. 10 Eventuais danos causados, propositadamente, nas instalações, nos

materiais físicos e/ou pedagógicos do Laboratório deverão ser reparados pelo

causador do dano ou pelo seu responsável.

Parágrafo único Para apuração dos fatos e identificação dos responsáveis

pelos danos causados, deverá ser nomeada uma comissão constituídas por três

professores e/ou servidores da instituição.

Seção IV

Das Penalidades

Art. 11 Pelo descumprimento destas diretrizes o infrator estará sujeito às

penalidades dispostas a seguir:

I Advertência verbal emitida pela Coordenação do Curso de Pedagogia;

II Advertência por escrito emitida pela Coordenação do Curso de Pedagogia;

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III Obrigatoriedade de reparação de danos comprovadamente causados;

IV Suspensão provisória do uso do Laboratório Brinquedoteca;

V Suspensão definitiva do uso do Laboratório Brinquedoteca.

CAPÍTULO IV

DISPOSIÇÕES FINAIS

Art. 12 Tornam-se partes integrantes destas diretrizes os Anexos I, II e III

Art. 13 Dúvidas e casos omissos surgidos na aplicação destas diretrizes

poderão ser resolvidos, sucessivamente:

I pela Coordenação do Curso de Pedagogia;

II pela Direção do Campus;

III pelos órgãos competentes da Anhanguera Educacional S.A.

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BRINQUEDOTECA

FICHA INDIVIDUAL – ORGANIZAÇÃO DAS ATIVIDADES DO SEMESTRE

Nome do Aluno: _____________________________________________________

R.A.:______ Tel. Contato: ( )___________ Curso: ____________ Sem.: ____

Nº.

Atividade

Discriminação das atividades

previstas para o Semestre Créditos

Prazo para

Realização

Total de horas desenvolvidas na brinquedoteca

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PLANO DE ATIVIDADES – BRINQUEDOTECA

Unidade:

Curso:

Disciplina:

Horas previstas para a atividade:

Nome da Atividade:

1. Descrição da Atividade

2. Objetivos

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3. Material a ser utilizado

4. Bibliografia

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140

CONTROLE DE ATIVIDADES – BRINQUEDOTECA

Unidade:

Curso:

Professor:

Disciplina:

Aluno:

RA:

Data Especificação da Atividade Horário

Entrada

Horário

Saída Subtotal

Rubrica/Carimbo

Responsável

TOTAL GERAL

Assinatura Aluno Assinatura e Carimbo do

Professor Responsável

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Anexo II

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EU ETIQUETA

Em minha calça está grudado um nome que não é meu de batismo ou de

cartório. Um nome estranho. Meu blusão faz lembrete de bebida que jamais pus na

boca, nessa vida. Em minha camiseta, a marca de cigarro que não fumo, até hoje

não fumei. Minhas meias falam de produtos que nunca experimentei, mas são

comunicados aos meus pés. Meu tênis é proclama colorido de alguma coisa não

provada por este provador de longa idade. Meu lenço, meu relógio, meu chaveiro,

minha gravata, cinto, escova e pente, meu copo, minha xícara, minha toalha de

banho e sabonete, meu isso, meu aquilo. Desde a cabeça ao bico dos sapatos, são

mensagens, letras falantes, gritos visuais, ordem de uso, abuso, reincidências,

costume hábito, permanência, indispensabilidade, e fazem de mim homem-anúncio-

itinerante, escravo da matéria anunciada. Estou, estou na moda, ainda que a moda

seja negar minha identidade, trocá-la por mil, açambarcando todas as marcas

registradas, todos os logotipos do mercado. Com que inocência demito-me do ser?

Eu que antes era e me sabia, tão diverso de outros, tão mim mesmo, ser pensante,

sentinte e solitário, com outros seres diversos e conscientes de sua humana,

invencível condição. Agora sou anúncio, ora vulgar, ora bizarro. Em língua nacional

ou em qualquer língua (qualquer principalmente). E nisto me comparo, tiro glória de

minha anulação. Não sou – vê-la – anúncio contratado. Eu é que mimosamente

pago para anunciar, para vender em bares, festas, praias, pérgulas, piscinas, e bem

a vista exibo esta etiqueta global no corpo que desiste de ser veste e sandália de

uma essência tão viva, independente, que moda ou suborno algum a compromete.

Onde terei jogado fora meu gosto e minha capacidade de escolher, minhas

idiossincrasias tão pessoais, tão minhas que no rosto se espelhavam e cada gesto,

cada olhar, cada vinco da roupa, sou gravado de forma universal, saio da

estamparia, não da casa, da vitrine me tiram, recolocam, objeto pulsante mas objeto

que se oferece como signo dos outros, objetos estáticos, tarifados. Por me ostentar

assim, tão orgulhoso, de ser não eu, mas artigo industrial, peço que meu nome

retifiquem. Já não convém o título de homem. Meu nome novo é coisa. Eu sou a

coisa, coisamente.

Carlos Drummond De Andrade