Centro de Referência Virtual

16
Proposta Curricular - CBC Ciclo da Alfabetização - Fundamental - Ciclos DIRETRIZES CURRICULARES DE MATEMÁTICA Iracema Campos Cusati Wanda Maria de Castro Alves APRESENTAÇÃO O Ensino Fundamental na rede estadual de Minas Gerais foi ampliado para nove anos em 2004, antecipando a SEE-MG, mais uma vez, em implantar medidas visando uma melhor qualidade do ensino. Esse período foi dividido em dois ciclos: o Inicial de Alfabetização, com duração de três anos destinado a crianças de seis, sete e oito anos de idade e o ciclo Complementar de Alfabetização que faz o atendimento a crianças na faixa etária de nove e dez anos tendo duração de dois anos. A ampliação do tempo de permanência da criança no espaço escolar lhe permitirá fluir em consonância com seu ritmo de aprendizagem dando-lhe um prazo maior para construir seus conhecimentos. Esse tempo dilatado e a organização do fluxo escolar em ciclos são fatores de grande importância para que se possa ter: -etapas mais flexíveis conjugadas com as unidades de progressão de aprendizagem; - planejamento mais dinâmico e flexível, com previsão para correções de rota; -continuidade e coerência na construção do conhecimento matemático ao longo dos cinco anos do primeiro segmento do ensino fundamental; - objetivos de aprendizagem previstos para longo prazo, cuja consecução é diluída por até todo o período dos dois ciclos;

description

educação

Transcript of Centro de Referência Virtual

Page 1: Centro de Referência Virtual

Proposta Curricular - CBC Ciclo da Alfabetização - Fundamental - Ciclos

DIRETRIZES CURRICULARES DE MATEMÁTICA

Iracema Campos Cusati Wanda Maria de Castro Alves

APRESENTAÇÃO

O Ensino Fundamental na rede estadual de Minas Gerais foi ampliado para nove

anos em 2004, antecipando a SEE-MG, mais uma vez, em implantar medidas

visando uma melhor qualidade do ensino. Esse período foi dividido em dois ciclos:

o Inicial de Alfabetização, com duração de três anos destinado a crianças de seis,

sete e oito anos de idade e o ciclo Complementar de Alfabetização que faz o

atendimento a crianças na faixa etária de nove e dez anos tendo duração de dois

anos.

A ampliação do tempo de permanência da criança no espaço escolar lhe

permitirá fluir em consonância com seu ritmo de aprendizagem dando-lhe um prazo

maior para construir seus conhecimentos. Esse tempo dilatado e a organização do

fluxo escolar em ciclos são fatores de grande importância para que se possa ter:

-etapas mais flexíveis conjugadas com as unidades de progressão de

aprendizagem;

- planejamento mais dinâmico e flexível, com previsão para

correções de rota;

-continuidade e coerência na construção do conhecimento

matemático ao longo

dos cinco anos do primeiro segmento do ensino fundamental;

- objetivos de aprendizagem previstos para longo prazo, cuja

consecução é diluída

por até todo o período dos dois ciclos;

Page 2: Centro de Referência Virtual

- maior possibilidade de realizar atendimento diferenciado aos

alunos.

Perrenoud (2004: 14) considera “os ciclos plurianuais como uma das condições

estruturais de uma pedagogia diferenciada eficaz”. No entanto, a organização

escolar por ciclos é apenas um meio, um canal que possibilita a realização de um

projeto pedagógico justo e mais coerente com a realidade social. De nada adianta

alterar a estrutura de um sistema de ensino implantando os ciclos sem mudar as

concepções dos professores, as propostas curriculares e o processo de avaliação.

É por esta razão que esta coleção sugerindo Diretrizes Curriculares para o

ensino de Matemática no Curso Fundamental foi pensada e produzida.

Como a coleção foi elaborada?

Esta coleção consta de dois volumes: o primeiro estabelece algumas diretrizes

para o ensino de matemática no ciclo Inicial de Alfabetização e o segundo sugere

orientações para o ensino de matemática no ciclo Complementar de Alfabetização.

Pretende-se com essas diretrizes dar suporte pedagógico à elaboração de

propostas curriculares para o ensino de matemática para os níveis a que são

destinadas e ao planejamento do ensino dessa disciplina; enfim, oferecer subsídios

para fundamentar a prática pedagógica no que se refere ao ensino de matemática

contribuindo com o professor no exercício de sua função.

Para viabilizar a produção dessas diretrizes, a SEE-MG indicou uma equipe de

especialistas no ensino de matemática que elaboraram um projeto visando a sua

execução que se deu em três momentos:

- Na primeira etapa, a equipe de “especialistas coordenadores” contou

com a participação e colaboração de seis especialistas em matemática

que foram denominados “especialistas assistentes”.O projeto previa,

nessa fase, o deslocamento das equipes para escolas estaduais a fim de

acompanhar, analisar e vivenciar a prática pedagógica em sala de aula

durante um determinado período; além de observar o que estava

acontecendo nas aulas de matemática, o especialista deveria intervir,

sugerindo atividades com enfoques didáticos diferentes dos que estavam

Page 3: Centro de Referência Virtual

sendo usados, como alternativas para desenvolver o mesmo conteúdo.

Dessa forma, além de perceber a realidade escolar e, de modo

particular, o tratamento didático da disciplina, o especialista testava

estratégias conferindo a possibilidade de inseri-las nas orientações das

Diretrizes Curriculares. Essas vivências foram documentadas por meio

de relatórios e vídeos.

- Na segunda etapa, a equipe de especialistas teve a oportunidade de

discutir as situações vivenciadas por eles na etapa anterior com grupos

de professores, denominados “grupos operativos”, indicados pela SEE-

MG. Cada especialista, durante um certo período, contou com um grupo

de professores que atuam no nível da turma por ele observada e a

discussão girou em torno da prática pedagógica compartilhada pelo

especialista na escola em confronto com a prática dos participantes

dessa etapa, com o objetivo de validar estratégias e definir uma

metodologia de elaboração do documento das Diretrizes Curriculares.

- A terceira etapa constou da elaboração escrita das Diretrizes pelos

especialistas coordenadores, tendo como referência o que foi

compartilhado nas salas de aula, os pressupostos teóricos que

fundamentam o ensino de matemática e as novas tendências para o

ensino dessa disciplina.

Este material é o resultado desse trabalho, viabilizado pela interação dos

grupos que dele participaram e com base na experiência e no saber acumulado dos

professores, que enfrentam no dia-a-dia escolar os desafios de ensinar matemática.

Nele privilegiamos o papel do professor como sujeito da ação educativa e

defendemos a participação do aluno como sujeito de sua aprendizagem.

Com relação aos pressupostos teóricos, a equipe elaboradora consultou as

seguintes fontes:

- Os documentos oficiais produzidos no Brasil, nos últimos anos,

destacando-se os Parâmetros Curriculares Nacionais (1997), que

definem os objetivos, selecionam conteúdos para os diferentes blocos

Page 4: Centro de Referência Virtual

de estudo e sugerem critérios de avaliação e o Referencial Curricular

Nacional para a Educação Infantil (1998), que estabelece diretrizes

para o ensino de matemática para crianças de até 6 anos.

- Relatórios sobre o desempenho em matemática de alunos do

ensino fundamental em avaliações sistêmicas como Simave e

Saeb, pesquisas e estudos nacionais e internacionais sobre a

aprendizagem matemática.

- Livros, publicações, sites na Internet, relacionados na bibliografia.

CARACTERIZANDO A MATEMÁTICA ESCOLAR . A CULTURA DE SALA DE AULA

Incorporar a cultura, a vida dos alunos nas práticas pedagógicas vem sendo analisado

em diversas teorizações como uma das possibilidades para construir um currículo que

busca a inclusão social. Um currículo que valoriza as vivências dos alunos e que coloca

em cena a cultura local de cada grupo social é uma possibilidade de questionar o que é

considerado válido como conhecimento e para quem este conhecimento é válido. Uma

educação que busca contribuir para a construção de uma sociedade mais humana, mais

solidária tem a possibilidade de incorporar os saberes locais e questionar a

universalidade dos conhecimentos escolares. Santomé (1995) argumenta que a sala de

aula precisa se tornar um espaço para a aquisição e análise crítica desses saberes:

“A educação obrigatória tem que recuperar uma de suas razões de ser: um

espaço onde as novas gerações se capacitem para adquirir e analisar

criticamente o legado cultural da sociedade. As salas de aula não podem

continuar sendo um lugar para a memorização de informações

descontextualizadas. É preciso que o alunado possa compreender bem quais são

as diferentes concepções de mundo que se ocultam sob cada uma delas e os

principais problemas da sociedade a que pertencem”. (ibidem, p.176).

Page 5: Centro de Referência Virtual

Cabe ao professor lidar com as tradições, com as práticas sociais, enfim com a dimensão

cultural da comunidade de seus alunos e alunas, nas suas aulas de Matemática. O que é

incorporar a cultura na sala de aula? Em seu trabalho, analisando a organização do

trabalho pedagógico centrado nas atividades produtivas, Knijnik (1996) argumenta que,

na área da Educação Matemática, mesmo com o movimento de “abertura” pelo qual esta

área está passando, há ainda uma resistência em tornar a Matemática Escolar permeável

“ao mundo fora da escola”. Levar para as aulas “o mundo fora da escola” se restringe

quase que unicamente a “ilustrar” as “historinhas matemáticas” com dados ou

informações locais. Knijnik (1995) argumenta que:

“É preciso problematizar o que significa falar em um ensino de Matemática

contextualizado, vinculado “ao real”, mostrando a complexidade de um

empreendimento desse tipo. Ao apontar para tal complexidade, no entanto, é

evidente que meu argumento não tem por objetivo defender um ensino de

Matemática asséptico, neutro, onde as contas “secas” sejam a tônica, de modo

que não haja “qualquer risco” de ambigüidade. O ponto a ser destacado aqui é

que não podemos ser ingênuos em pensar que basta trazer estas “contas secas”

para um contexto que estaremos realizando um ensino de Matemática menos

tradicional, que produza outros efeitos sociais que não sejam os conectados com

a reprovação e o fracasso escolar”. (ibidem, p. 129).

Uma professora da 2ª série trabalhou com a profissão de um pai na sala de aula para

ensinar medidas. Ela considerou importante trazer situações da comunidade para a sala

de aula, incorporando trabalhos pedagógicos a vivência cultural dos alunos. Knijnik

(1995) problematiza o saber popular como “ponto de partida” para ensinar mais

Matemática, argumentando que ao partirmos das práticas e saberes do grupo, de sua

cultura, seus modos de viver e significar o mundo, estamos considerando que estes são

somente o ponto inicial de uma trajetória ascendente, que conduziria, à superação, ao

saber, à aprendizagem de outros modos de significar o mundo, modos que são

produzidos através de uma racionalidade originada e impregnada pelo conhecimento

matemático.

Os avanços teóricos têm comprovado que a aprendizagem não se dá pelo treino

mecânico descontextualizado, ou pela exposição exaustiva do professor. Pelo contrário,

a aprendizagem dos conceitos ocorre pela interação dos alunos com o conhecimento.

Page 6: Centro de Referência Virtual

É importante observarmos que o processo de ensino é constituído por diversas

atividades que deverão ser organizadas pelo professor, visando à assimilação, por parte

dos alunos, de conhecimentos, habilidades e hábitos, do desenvolvimento de suas

capacidades intelectuais.

O fundamental dentro do processo ensino-aprendizagem é a alteração de "como

ensinar" para "como os alunos aprendem e o que podemos fazer para favorecer este

aprendizado". Para isso, devemos entender que os conteúdos direcionam o processo

ensino-aprendizagem e que devemos oportunizar situações em que os educandos

interagem com o objeto de conhecimento e estabelecem suas hipóteses para que estas

sejam, posteriormente, confirmadas ou reformuladas.

Além disso, é importante destacar que para um bom aprendizado de matemática é

fundamental que o aluno sinta interessado na resolução de um problema, qualquer que

seja ele, despertando, assim, a sua curiosidade e a sua criatividade ao resolvê-lo.

A resolução de problemas desde há muito constitui um quadro universal de

aprendizagem que deve estar sempre presente e integrado nos diversos tipos de

atividade. Quando os professores apóiam a sua prática pedagógica na resolução de

problemas, contextualizam a aprendizagem e propiciam a aquisição de conhecimentos

relevantes.

Desenvolver a capacidade de resolução de problemas nos alunos é considerada

uma das finalidades importantes do ensino da Matemática. A resolução de problemas é

considerada uma situação de aprendizagem, em que o aluno se confronta com questões

às quais não consegue responder de forma imediata, mas que o levam a refletir no como

e no porquê, sempre na procura da solução.

O trabalho de grupo também é importante para destacar o papel da aprendizagem

cooperativa no desenvolvimento da comunicação, da sociabilidade e de capacidades na

resolução de problemas.

Para uma melhor compreensão destes aspectos necessitamos compreender o

papel da resolução de problemas na aprendizagem da Matemática e, em especial, o seu

contributo para o desenvolvimento da comunicação matemática. Nesse sentido,

algumas questões norteadoras se apresentam:

1. O que é que os alunos aprendem de Matemática quando resolvem

problemas?

2. Qual é o papel do grupo nesse processo?

Page 7: Centro de Referência Virtual

3. Que interações ocorrem na atividade de resolução de problemas capazes de

desenvolver nos alunos a capacidade de comunicar ?

O contexto da interação, a sala de aula, é assim, um ambiente muito rico, mas

também muito complexo, pois, professor e alunos, nele coexistem com papéis e

estatutos muito diferentes. Desse modo, a interações sociais na sala de aula

desempenham um papel fundamental na aprendizagem da matemática, uma vez que,

quer a interação professor-aluno, quer a interação aluno-aluno, influenciam a

matemática que é aprendida e como é aprendida na escola.

A comunicação é considerada um pilar essencial das aprendizagens matemáticas

pela sua função decisiva para a construção de significados. É por intermédio da

comunicação, através da troca de idéias, que os conhecimentos são partilhados por todos

e entendidos por cada um. Cabe ao professor criar condições para o estabelecimento de

regras de participação que permitam uma negociação bem sucedida, assim como

encorajar os alunos a tomar parte ativa no processo de negociação de significados. Na

sala de aula, o trabalho será tanto mais produtivo quanto melhor forem partilhados os

significados matemáticos.

A discussão, moderada pelo professor, tem como objetivo fomentar interações

entre todos os intervenientes da aula, de modo a definir-se a estratégia a seguir para a

realização de uma tarefa, a discutir o balanço do trabalho ou a avaliação de uma

solução. Com este modo de comunicação, espera-se que tanto professor como alunos

desenvolvam cooperativamente as idéias e o pensamento matemático em público e que

o envolvimento dos alunos na sua aprendizagem seja mais ativo. Para tal, o professor

deve explorar as sugestões dos alunos, ajudá-los a avaliar e a refletir sobre as sugestões

dos colegas, levantando dúvidas e implicações ou hipóteses. Deve encaminhar a

comunicação de forma a que os alunos ouçam, respondam, comentem e usem

argumentos matemáticos para determinar a validade de afirmações, convencendo e

convencendo-se.

As relações entre professor que ensina matemática, aluno e conteúdos

matemáticos são dinâmicas; por isso, a atividade de ensino deve ser um processo

coordenado de ações docentes, em que o professor deverá organizar, com o máximo de

cuidado possível, suas aulas, levando em conta sempre as reais necessidades dos seus

alunos nos diversos tipos de ambientes onde estão inseridos.

Page 8: Centro de Referência Virtual

..FORMAÇÃO DOS CONCEITOS – UM SISTEMA DE CONHECIMENTOS

A necessidade de identificar a relação existente entre os diferentes conceitos

científicos evidencia que, no processo de sua formação, existem conceitos

correlacionados que propiciam a sua generalização. Para Vygotsky, “generalização

significa ao mesmo tempo tomada de consciência e sistematização de conceitos” (2000,

p. 292). Na perspectiva histórico-cultural, “nos conceitos científicos que a criança

adquire na escola, a relação com um objeto é mediada, desde o início, por algum outro

conceito” (Vygotsky, 1998, p. 116). Por exemplo, o conceito de unidade no sistema de

numeração decimal está relacionado ao conceito de número, assim como o conceito de

unidade está relacionado a cada um dos conceitos que formam o respectivo sistema. Da

mesma forma que o conceito de décimo está diretamente vinculado ao conceito de

unidade, os conceitos de centésimo e de milésimo estão relacionados tanto entre si como

com o conceito de unidade; o mesmo princípio relacional está subjacente aos múltiplos

da unidade, tanto entre si como quando relacionados com a própria unidade.

O estabelecimento de relações exige que se analise cada situação em particular,

fazendo sínteses, abstrações e generalizações que possibilitem identificar o princípio

geral (a sua lei matemática) que fundamenta o sistema de numeração decimal,

caracterizado como um sistema de conhecimentos. Nesse sentido, o exemplo ilustra a

concepção de Vygotsky quanto à idéia de generalização ao caracterizá-la como tomada

de consciência e sistematização de conceitos. Além disso, corrobora a afirmação de que

“o conceito científico pressupõe seu lugar definido no sistema de conceitos, lugar esse

que determina a sua relação com outros conceitos” (2000, p. 293).

Além da generalização do princípio que constitui o sistema de numeração decimal

como um sistema de conhecimentos, é preciso destacar as operações matemáticas que o

envolvem. No processo de apropriação do significado das operações com os respectivos

algoritmos, o que vai sendo aprofundado é o nível de consciência em relação aos

conceitos e em relação ao próprio sistema de conhecimentos.

No conjunto das figuras geométricas, por exemplo, pode-se distinguir entre

quadriláteros, triângulos, círculos, sendo que a palavra quadrilátero é um signo que

designa figuras formadas com quatro lados (quadrado, retângulo, losango,

paralelogramo, trapézios e quadriláteros quaisquer); a palavra trapézio, como um signo,

inclui quadrados, retângulos, losangos e paralelogramos, se considerarmos a existência

Page 9: Centro de Referência Virtual

de um par de lados paralelos como única característica de classificação. A capacidade

para classificar agrupando objetos com um atributo comum pressupõe a abstração de

elementos, isolando-os da totalidade da experiência concreta, o que requer a

combinação da análise e da síntese.

Dessa forma, cuidar para que o processo de formação de conceitos na escola seja

caracterizado como um processo que possibilite a formação de sistemas de

conhecimento traz implicações educacionais que podem provocar mudanças qualitativas

para o processo ensino-aprendizagem e, por conseqüência, para o desenvolvimento

intelectual dos participantes desse processo.

...A APRENDIZAGEM E A INTERAÇÃO SOCIAL

Apropriar-se dos sistemas de conhecimento implica mediação do conhecimento,

o que se caracteriza como aprendizagem. Significa que o conhecimento como forma

culturalmente construída, passa a ser internalizado à medida que ocorrem interações

sociais, que podem se dar tanto entre as pessoas como entre as pessoas e os próprios

objetos de conhecimento.

A concepção de que a aprendizagem pode determinar o desenvolvimento mental,

ativando e desenvolvendo as funções psicológicas, remete-nos a uma questão que tem

feito parte das discussões relacionadas à educação, ou seja, o que é, de fato, a

aprendizagem? Como se dá esse processo? Como podemos verificar se houve

aprendizagem? E ainda, a partir disso, como podemos verificar se houve

desenvolvimento mental?

Essas questões teóricas provocam o educador no sentido de planejar situações

didáticas desafiadoras que proporcionem a interação entre os participantes do processo

ensino-aprendizagem. E quando, de fato, acontece um processo de ensino-

aprendizagem, novas formas de pensamento (mais evoluídas, mais avançadas) serão

geradas tanto por parte do aluno como por parte do professor.

As reflexões em torno daqueles questionamentos serão feitas à luz de autores

relacionados à psicologia histórico-cultural. Tomemos o exemplo do sistema de

numeração decimal. Para que haja a apropriação dos conhecimentos aí envolvidos como

um sistema de conhecimentos, várias funções serão colocadas em funcionamento inter-

relacionando-se e influenciando-se mutuamente. Por exemplo, será preciso analisar cada

situação proposta, comparar com outros sistemas de numeração, relacionar com o

Page 10: Centro de Referência Virtual

conhecimento anterior, abstrair os traços fundamentais e isolá-los momentaneamente

dos secundários, fazer sínteses, fazer o movimento de ir do particular ao geral, do geral

ao particular, enfim, combinar todas essas operações mentais na busca da apropriação

dos significados compreendidos no sistema em questão. Esse processo será favorecido

pela interação social proporcionada em sala de aula, incluindo o discurso de cada aluno

na explicação ou defesa de suas idéias. Assim a mediação do conhecimento passa a se

dar na dinamicidade das relações que se fazem no processo ensino-aprendizagem, na

busca do professor e do aluno pelo entendimento, pela aprendizagem dos

conhecimentos que estão sendo veiculados.

O processo de aprendizagem ativando e desenvolvendo funções psicológicas, tais

como de análise, síntese, comparação, diferenciação, abstração e generalização, permite

que o aluno avance no seu desenvolvimento, atingindo novos níveis intelectuais.

....CONTEXTUALIZAÇÃO DO CONHECIMENTO MATEMÁTICO

Em educação, fala-se muito em contextualização como uma das preocupações dos

envolvidos no processo ensino-aprendizagem. Na realidade, pode-se falar em

contextualização ou recontextualização (ressignificação). Uma das formas de

recontextualizar o conhecimento na escola pode ser através do estudo da história da

ciência, e aqui, especificamente, história da matemática. A contextualização, por sua

vez, pode dar-se, por exemplo, através de investigações feitas pelos participantes do

processo educativo - professor e aluno - que possam identificar e analisar os

conhecimentos que estão subjacentes às práticas sociais da comunidade escolar. Se, na

escola, tivermos consciência da dinâmica contextualização/descontextualização,

poderemos evidenciar outras formas alternativas de contextualizar/recontextualizar o

conhecimento na interação em sala de aula.

Miguel (1997) discute as potencialidades pedagógicas da história da matemática

mostrando que uma história da matemática pedagogicamente orientada, que se

caracteriza como uma história viva, humana, esclarecedora e dinâmica, pode constituir-

se como referência para uma prática pedagógica problematizadora. Também,

D’Ambrósio (1996, p. 10), ao discutir a história da matemática e educação, diz que uma

das finalidades principais da história da matemática, para alunos, professores, pais e

público em geral, é a de “situar a matemática como uma manifestação cultural de todos

Page 11: Centro de Referência Virtual

os povos em todos os tempos, (...)”, além de “mostrar que a matemática que se estuda

nas escolas é uma das muitas formas de matemática desenvolvidas pela humanidade”.

Com essas concepções, os Parâmetros Curriculares Nacionais apontam a história da

matemática como um “instrumento de resgate da própria identidade cultural”. Além

disso, pode constituir-se como fonte de esclarecimento de idéias matemáticas para o

aluno, respondendo os seus questionamentos contribuindo, assim, para uma análise mais

crítica do conhecimento (Brasil, 1997).

Outra forma de contextualização se refere à verificação do modo como o

conhecimento matemático está sendo utilizado em práticas sociais, principalmente nas

comunidades em que as escolas estão inseridas. Poder-se-ia, juntamente com os alunos,

fazer um estudo envolvendo algumas profissões nas quais os conceitos matemáticos são

utilizados, analisando para que e como são utilizados.

Na escola, juntamente com os professores, é importante que se discutam outras

formas de contextualização, que possam contribuir para a compreensão da dialética que

está subjacente ao conhecimento, ou seja, a matemática como objeto de conhecimento e

a matemática como ferramenta (Douady, 1996).

.....CLAREZA DE OBJETIVOS NAS ATIVIDADES PROPOSTAS

Levando em consideração o plano político pedagógico da escola, os professores

definem os objetivos das propostas de cada área. No caso específico da área de

educação matemática no ensino fundamental, a consciência que se tem das dificuldades

que os estudantes apresentam para apropriar-se dos sistemas de conhecimento exigem,

além da definição, a clareza de objetivos no processo ensino-aprendizagem.

Nesse sentido, Perrenoud (2000) refere-se aos objetivos como um dos elementos

que intervêm no planejamento didático, na análise das situações e atividades

desenvolvidas e na avaliação da própria aprendizagem.

No processo ensino-aprendizagem, quando estamos tratando de um sistema

matemático, por exemplo, a primeira idéia que deveria estar clara para o professor para

que faça seu planejamento inicial se refere à compreensão do significado da palavra

sistema.

Quanto ao aluno, essa compreensão vai tomando forma à medida que ele vai

compreendendo as relações que existem entre os conceitos que formam o sistema.

Page 12: Centro de Referência Virtual

Assim, por exemplo, a apropriação do significado do conceito de decímetro envolve a

compreensão da sua relação com o metro e com as demais unidades que compõem o

sistema de unidades de medida de comprimento. A compreensão de tais relações é que

permite ao aluno fazer uma síntese (Vygotsky, 1998), que envolve a compreensão da

própria base e faz com que o conjunto de ordens decimais forme o sistema. Por outro

lado, estabelecendo relação com o sistema de numeração decimal, tem-se o metro como

uma unidade particular. Dessa forma, o próprio sistema de unidades de medida de

comprimento pode ser considerado como um sistema particular do sistema de

numeração decimal, o que se caracteriza como uma nova síntese em termos de

conhecimento.

Nesse sentido, a compreensão das diferentes idéias que estão subjacentes a um

conceito e ao seu respectivo sistema é determinante para a apropriação do significado

dos conceitos científicos.

Finalizando, o ensino da matemática precisa estar apoiado em experiências agradáveis,

capazes de favorecer o desenvolvimento de atitudes positivas, que, por sua vez,

conduzirão a uma melhor aprendizagem e ao gosto pela matemática.

Essa discussão teórica pode contribuir para o avanço da área de educação

matemática, tanto para a reflexão sobre os princípios que estão sendo levados em

consideração em cada escola como para propostas pedagógicas elaboradas com base na

definição ou redefinição de seus princípios.

INTRODUÇÃO AO CADERNO I

Este é o caderno 1 das Diretrizes Curriculares de Matemática. Ele se restringe ao

conteúdo do primeiro ciclo, ou seja, o Ciclo Inicial de Alfabetização que atende a

crianças de 6 a 8 anos.

Consultando o volume PCN/Matemática encontramos algumas observações sobre as

características dos alunos do 1o. ciclo, resumidas a seguir:

A participação das crianças nessa faixa etária tem um caráter bastante

individualista e isso as leva a não observar a produção dos colegas .

Cabe aos professores levá-las a socializar e compartilhar as experiências e com

isso reduzir o egocentrismo e a heteronomia.

Page 13: Centro de Referência Virtual

As crianças, nas suas vivências e brincadeiras constroem estratégias para

resolver os problemas que enfrentam no seu cotidiano. Esses recursos criados

por elas serão considerados ponto de partida para a aprendizagem.

Utilizam representações próprias e estratégias particulares para comunicar; faz-

se necessário socializar e discutir com a turma essas representações mostrando

as suas diferenças e vantagens.

As ações são, no inicio, de ordem física e exigem, portanto, materiais

manipuláveis. Contudo, de forma progressiva, as crianças vão realizando-as

mentalmente e as ações são absorvidas e internalizadas.

Nessa fase, há uma forte relação entre a língua materna e a linguagem

matemática; se para a aprendizagem da linguagem escrita, o suporte é a fala,

na aprendizagem da matemática, a expressão oral desempenha um papel

fundamental.

Um outro aspecto a considerar e que é enfatizado nos Parâmetros Curriculares

refere-se à atuação do professor:

Ele deve considerar os conhecimentos das crianças, não classificados em

campos (numéricos, algébricos, métricos, etc), mas, sim interligados. A

classificação dos tópicos adotada nestas Diretrizes, em Número e Numeração,

Operações, Números Racionais, Grandezas e Medidas, Espaço e Forma, Tratamento da

Informação é, apenas para efeito didático, para que fiquem organizados facilitando a

leitura e a compreensão.

Esses conteúdos devem ser trabalhados pelo professor de uma forma articulada

e contextualizada para que se tornem significativos e facilitem a percepção de diferentes

relações entre si.

Os contextos usados pelo professor devem ser familiares às crianças, como por

exemplo, os relacionados na Matriz de Descritores do SAEB(2004) para avaliação dos

alunos em fase de conclusão do primeiro ciclo:

Page 14: Centro de Referência Virtual

Contextos Exemplos

Contexto doméstico

Situações envolvendo:

Atividades de culinária, uso de instrumentos de medida, dados de

documentos pessoais, idades de familiares, contas, compras domésticas,

horários, jogos, ...

Contexto da vida em

sociedade

Localizações em mapas, utilização de meios de transporte, numeração de

casas , placas de carros, pesquisa de preços em supermercado, atividades

comerciais (compra, venda, preços), uso de instrumentos de medida,

lazer ( cinema, parques, passeios..) ...

Contexto da informação

Dados veiculados pela TV, jornais, revistas, cartazes, propaganda em geral,

rádio, horários da programação de TV.....

Contexto tecnológico

Uso de calculadora, banco, utilização de meios de transporte, telefonia, de

equipamentos de som e imagem, ...

Contexto ambiental

Contexto escolar

Economia de água e energia, preservação do meio ambiente, situações do

meio rural, problemas de saúde relacionados ao meio ambiente....

Horários de atividades, calendário escolar, cantina, dados relativos ao

espaço físico e ambiente escolar, número de alunos por turno, por nível, por

classes, material escolar, boletim, ...

Contexto da matemática

Conceituação, formalização, generalização, sistematização, estabelecimento

de relações, procedimentos e técnicas, ...

Os conteúdos aparecem neste caderno em blocos, assim organizados: 1. Número,

numeração; 2. Sistema de Numeração Decimal; 3. Operações com números

naturais; 4. Espaço e Forma; 5. Grandezas e Medidas; 6. Tratamento da Informação.

Cada tópico é aberto por “Inicio de conversa” em que é feita uma pequena

introdução ao assunto.

Aparecem no decorrer da exposição algumas janelas estrategicamente abertas, para

inserir momentos chamados de “Flash em sala de aula” vivenciados nas escolas,

durante a segunda etapa de elaboração deste documento.

Também são incluídas outras janelas para o “Dialogando com os PCNs”, onde há

inserções de textos desses Parâmetros e alguns comentários sobre eles.

Os conteúdos são considerados nessas Diretrizes, não como um fim em si

mesmo, mas um meio indispensável para o desenvolvimento das capacidades dos

Page 15: Centro de Referência Virtual

alunos. Propostas curriculares que tem uma concepção “transmissiva” destacam o papel

da transmissão de conhecimentos e conferem uma importância considerável à

aprendizagem de determinados conteúdos específicos, destacando a influência educativa

do professor.

Neste caderno, a concepção cumulativa de aprendizagem é substituída por

outra, a concepção baseada na aprendizagem significativa.

O que importa, conforme afirma Coll, Pozo, Saraiba & Valls (2000: 14),

...“é que os alunos possam construir significados e atribuir

sentido àquilo que aprendem. Somente na medida em que se

produz este processo de construção de significados e de atribuição

de sentido se consegue que a aprendizagem de conteúdos

específicos cumpra a função que lhe é determinada e que justifica

a sua importância: contribuir para o crescimento pessoal dos

alunos, favorecendo e promovendo o seu desenvolvimento e

socialização.”

Portanto, os conteúdos aqui são tratados como canais através dos quais as crianças

desenvolvem suas capacidades e exercitam sua maneira de pensar, ser e sentir, de modo

a ampliar a sua percepção de mundo e constituir-se um instrumento para a compreensão

da realidade. Abrangem fatos, conceitos, princípios (conteúdos conceituais), e, também

vivências e experiências que propiciem a utilizar determinados procedimentos e

comportamentos (conteúdos procedimentais) , permeados a atitudes, valores e normas

(conteúdos atitudinais).

Os conteúdos conceituais referem-se à construção de idéias, imagens e

representações (capacidade de operar com símbolos).

Os procedimentais compreendem o “saber fazer” e estão relacionados à capacidade

da criança de construir estratégias e instrumentos e estabelecer direções que lhe

permitem executar suas ações.

Os conteúdos atitudinais envolvem as atitudes, valores e princípios e estão inseridos

no trabalho com os demais conteúdos.

, transcrevemos dos Parâmetros Curriculares/Matemática, o trecho:

DIALOGANDO COM OS PCNs

Page 16: Centro de Referência Virtual

No 1o. ciclo é importante que o professor estimule os alunos a desenvolver

atitudes de organização, investigação, perseverança. Além disso, é fundamental que

eles adquiram uma postura diante de sua produção que os leve a justificar e validar

suas respostas e observem que situações de erro são comuns, e a partir delas também

se pode aprender. Nesse contexto, é que o interesse, a cooperação e o respeito para

com os colegas começa a se constituir.

Este ciclo tem, como característica geral o trabalho com atividades que

aproximem o aluno das operações, dos números, das medidas, das formas e espaço

e da organização de informações, pelo estabelecimento de vínculos com os

conhecimentos com que ele chega à escola. Nesse trabalho, é fundamental que o

aluno adquira confiança em sua própria capacidade para aprender matemática e

explore um bom repertório de problemas que lhe permitam avançar no processo de

formação de conceitos. ( p.69, 70)