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CENTRO DE ENSINO SUPERIOR DO CEARÁ FACULDADE CEARENSE CURSO DE SERVIÇO SOCIAL JULIANA MELGAÇO SAMPAIO TERCEIRIZAÇÃO E PRECARIZAÇÃO: PERCEPÇÕES DE TRABALHADORES QUE PRESTAM SERVIÇOS TERCEIRIZADOS EM UMA INDÚSTRIA TÊXTIL SITUADA NO CEARÁ FORTALEZA 2014

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CENTRO DE ENSINO SUPERIOR DO CEARÁ

FACULDADE CEARENSE

CURSO DE SERVIÇO SOCIAL

JULIANA MELGAÇO SAMPAIO

TERCEIRIZAÇÃO E PRECARIZAÇÃO: PERCEPÇÕES DE TRABALHADORES

QUE PRESTAM SERVIÇOS TERCEIRIZADOS EM UMA INDÚSTRIA TÊXTIL

SITUADA NO CEARÁ

FORTALEZA

2014

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JULIANA MELGAÇO SAMPAIO

TERCEIRIZAÇÃO E PRECARIZAÇÃO: PERCEPÇÕES DE TRABALHADORES

QUE PRESTAM SERVIÇOS TERCEIRIZADOS EM UMA INDÚSTRIA TÊXTIL

SITUADA NO CEARÁ

Monografia apresentada ao Curso de Graduação em Serviço Social do Centro de Ensino Superior do Ceará, como requisito parcial para a obtenção do grau de Bacharel em Serviço Social. Orientador: Prof. Ms. José Cleyton Vasconcelos Monte

FORTALEZA

2014

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JULIANA MELGAÇO SAMPAIO

TERCEIRIZAÇÃO E PRECARIZAÇÃO: PERCEPÇÕES DE TRABALHADORES

QUE PRESTAM SERVIÇOS TERCEIRIZADOS EM UMA INDÚSTRIA TÊXTIL

SITUADA NO CEARÁ

Monografia apresentada como pré-requisito para obtenção do título de Bacharel em Serviço Social, outorgado pela Faculdade Cearense - FAC, tendo sido aprovada pela Banca Examinadora.

Data da aprovação:____ /____/____

BANCA EXAMINADORA

_____________________________________________

Prof. Ms. José Cleyton Vasconcelos Monte (orientador)

Faculdade Cearense - FAC

_____________________________________________

Prof. Ms. Eliane Nunes de Carvalho

Faculdade Cearense - FAC

_____________________________________________

Prof. Dr. Emanuel Bruno Lopes de Sousa

Faculdade Cearense - FAC

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Dedico este trabalho aos meus pais e esposo, por estarem ao meu lado em todos os momentos, principalmente nos mais difíceis, sempre apoiando e incentivando a minha busca.

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AGRADECIMENTOS

Agradeço primeiramente a Deus, pela concessão de todas as bênçãos que tenho tido em minha vida. Ele me guia, protege e ilumina em todos os momentos. A Ele toda a honra, glória e louvor.

A minha família, em especial, aos meus tão dedicados pais, Airton Sampaio e Mazé Sampaio, que sempre me apoiaram e educaram da melhor forma. Eles me dão amor, carinho e atenção e me ensinam a importância que a educação e o estudo têm para o crescimento pessoal e profissional. A eles, meu infinito amor e eterna gratidão por ter chegado até aqui.

Ao meu esposo Roberto Matias, que tem demonstrado em todos esses anos o companheirismo, o respeito, o cuidado e, acima de tudo, o amor. Obrigada pelo apoio, compreensão e paciência sempre tão presentes em todos os momentos do nosso relacionamento. Te amo muito!

Às amigas e colegas que fiz durante o Curso de Serviço Social, cujas conversas, vivências e troca de experiências só vieram agregar e enriquecer os momentos de aprendizado e conhecimento. Em especial, agradeço a Ana Patrícia, Emanuela Sales, Janaína Valentim, Marileide Gomes e Ana Wládia, que sempre me acolheram nos grupos de estudos e trabalhos. Foram momentos importantes de amadurecimento acadêmico e pessoal.

A todos os professores de quem tive a alegria de ser aluna, pelo conhecimento compartilhado que foi de suma relevância para a construção de uma visão crítica e questionadora da sociedade em que vivemos.

Ao orientador e Professor Cleyton Monte, pela paciência, dedicação e disponibilidade em todo o processo de construção deste Trabalho de Conclusão de Curso.

À Banca Examinadora, Eliane e Bruno, pela disponibilidade para participar da banca e ceder uma parte de seu tempo precioso para a contribuição deste trabalho.

Aos trabalhadores que disponibilizaram parte de seu tempo para contribuir com esta pesquisa. Eles só vieram engrandecer as análises e discussões com seus relatos, vivências e percepções.

Enfim, meu mais sincero agradecimento a todos que não citei, mas que participaram, colaboraram e contribuíram, direta ou indiretamente, para a concretização deste estudo, tão importante para o fechamento de mais uma fase da minha vida. A todos, o meu muito obrigado!

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Vocês que fazem parte dessa massa,

Que passa nos projetos do futuro,

É duro tanto ter que caminhar,

E dar muito mais do que receber.

E ter que demonstrar sua coragem,

À margem do que possa parecer,

E ver que toda essa engrenagem

Já sente a ferrugem lhe comer.

Zé Ramalho

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RESUMO

A terceirização, modalidade de gestão e organização do trabalho que tem se expandido nas últimas décadas, tem sido adotada pelas empresas como estratégia de redução de custos e por possibilitar flexibilidade aos contratos de trabalho. Este tipo de contratação exige total flexibilidade e instaura múltiplas formas de precarização na vida dos trabalhadores imersos nesta dinâmica. Desse modo, o presente trabalho tem por objetivo geral identificar os impactos da terceirização na vida dos trabalhadores que prestam serviços terceirizados em uma indústria têxtil, situada no Ceará, bem como compreender como eles se percebem diante desse tipo de contratação flexível. Para tal, realizamos pesquisa bibliográfica para promover uma discussão sobre o mundo do trabalho, sobre a precarização do trabalho na contemporaneidade e sobre os conceitos que permeiam os estudos sobre a temática terceirização. Trata-se de uma pesquisa de natureza qualitativa que permite uma visão crítica do objeto pesquisado. Realizamos ainda, uma pesquisa de campo, tendo como locus uma indústria têxtil situada no Ceará, em que foram realizadas entrevistas com os trabalhadores que prestam serviços terceirizados no setor de serviços gerais da referida empresa. Os resultados obtidos através desta pesquisa demonstram a precarização do trabalho em diversos aspectos, dentre eles estão a negação de benefícios sociais, a discriminação e a instabilidade dos contratos de trabalho.

Palavras-Chave: Trabalho. Precarização do trabalho. Terceirização.

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ABSTRACT

Outsourcing, type of management and work organization that has expanded in recent decades, has been adopted by companies as a cost reduction strategy and for the flexibility of labor contracts. This type of contract requires full flexibility and establishes multiple forms of precarious workers immersed in the life of this dynamic. Thus, the present work has the objective to identify the impacts of outsourcing on workers who provide outsourced services in a textile industry located in Ceará, as well as understand how they perceive themselves in this kind of flexible hiring. To this end, we conducted bibliographic research to promote a discussion about the world of work on precariousness of work in contemporary society and the concepts that permeate the studies on the outsourcing issue. This is a qualitative research that allows a critical view of the researched object. Also performed a field survey, with the locus a textile industry located in Ceará, where interviews with workers who provide outsourced services in the general services sector undertaking were performed. The results of this research demonstrate the precariousness of work in several aspects, among them are the denial of social benefits, discrimination and instability of employment contracts.

Keywords: Work. Precarious work. Outsourcing.

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LISTA DE SIGLAS E ABREVIATURAS

CLT – Consolidação das Leis do Trabalho

CUT – Central Única dos Trabalhadores

DIEESE – Departamento Intersindical de Estatísticas e Estudos Socioeconômicos

EUA – Estados Unidos da América

JK – Juscelino Kubitschek

PL – Projeto de Lei

RH – Recursos Humanos

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LISTA DE FIGURAS, QUADROS E GRÁFICOS

Gráfico 1 - Distribuição de mão de obra por setores.......................................46

Tabela 1 - Perfil dos trabalhadores entrevistados...........................................49

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SUMÁRIO

Introdução ................................................................................................................. 11

1 O COMPLEXO MUNDO DO TRABALHO: SENTIDOS E TRANSFORMAÇÕES .. 17

1.1 Trabalho: Categoria Ontológica do Ser Social .................................................. 17

1.2 Trabalho Abstrato e o Modo de Produção Capitalista ....................................... 20

1.3 As Transformações Ocorridas no Mundo do Trabalho Contemporâneo ........... 22

1.3.1 O Fordismo e a Crise Estrutural do Capital .................................................. 22

1.3.2 A Reestruturação Produtiva e o Neoliberalismo no Brasil ............................ 24

1.3.3 A Organização do Trabalho na Contemporaneidade .................................... 27

1.3.4 O Cenário da Pesquisa ................................................................................. 29

1.3.5 Algumas Consequências da Flexibilização do Trabalho Contemporâneo .... 30

2 TERCEIRIZAÇÃO: ESTRATÉGIA DE SOLUÇÃO OU PROBLEMA? ................... 34

2.1 O Trabalho Precarizado no Século XXI ............................................................ 34

2.2 O Processo de Terceirização ............................................................................ 37

2.2.1 Origens e Contextos ..................................................................................... 37

2.2.2 A Terceirização e o Direito do Trabalho ....................................................... 43

2.2.3 A terceirização em uma indústria têxtil cearense .......................................... 45

3 PERCEPÇÕES DO TRABALHADOR CONTEMPORÂNEO ACERCA DA SUA

CONDIÇÃO DE TERCEIRIZADO ............................................................................. 48

3.1 Perfil dos Trabalhadores Entrevistados ............................................................ 48

3.2 Condições de Trabalho ..................................................................................... 51

3.3 Percepções sobre o Trabalho Terceirizado ...................................................... 55

CONSIDERAÇÕES FINAIS ...................................................................................... 60

REFERÊNCIAS ......................................................................................................... 63

APÊNDICES .............................................................................................................. 66

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INTRODUÇÃO

Nas últimas décadas, o mundo do trabalho tem vivenciado diversas

transformações. O processo de reestruturação produtiva, que invade as grandes

empresas e incorpora maquinário moderno e novos métodos de organização e

gestão do trabalho, exige cada vez mais o acúmulo de riquezas e trabalhadores

flexíveis. Ao passo em que essas mudanças ocorrem, a precarização do trabalho

acentua-se em suas mais variadas formas, a todas as categorias profissionais.

Com a presença do processo de informatização nas fábricas e indústrias,

a maquinaria passa a tomar conta de grande parte do trabalho humano, resultando

em um processo de desemprego estrutural1. A expansão das formas de alienação2 e

o fenômeno do desemprego, presente no Brasil e no mundo, faz com que os

trabalhadores submetam-se a precárias condições de trabalho. Assim, muitos têm

que abdicar das leis trabalhistas para garantir o mínimo de sustento para sua família,

como será possível observar nesta pesquisa.

A flexibilidade que se instala ao longo do processo produtivo impacta

diretamente nas relações sociais de todo o mundo, tornando as pessoas mais

individualizadas e competitivas; eleva-se, também, o grau de exploração do trabalho

e reduz-se o valor da mão de obra. Assim, surgem novas práticas de organização e

gestão do trabalho, com as empresas buscando novos métodos, visando adaptar

homens e mulheres às novas rotinas de trabalho.

Inseridos em um campo onde essa realidade é pertinente, levando-nos a

questionar elementos como os baixos salários, a negação de benefícios sociais e a

1 O desemprego estrutural surge a partir das modificações ocorridas na tecnologia de produção ou

nos padrões de demanda dos consumidores. Em ambos os casos, um grande número de trabalhadores fica desempregado, enquanto um pequeno grupo de trabalhadores especializados é contratado. “Considerando a corrida tecnológica permanente que demarca esse período do capitalismo, o desemprego estrutural torna-se um componente da vida contemporânea.” (SANDRONI apud BEHRING, 2009, p. 17).

2 Para Netto & Braz (2006), a alienação é própria de sociedades que legitimam a divisão social do

trabalho, e na propriedade privada dos meios de produção fundamentais, vigora a exploração do homem pelo homem. A sociedade alienada fundamenta-se na exploração, entranhando-se no conjunto das relações sociais.

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fragmentação que divide os trabalhadores, abordamos essa temática por sua

relevância no atual cenário vivenciado pela “classe-que-vive-do-trabalho3”.

O tema deste trabalho sempre despertou nosso interesse por trazer

alguns questionamentos a respeito das condições as quais estão inseridos os

trabalhadores. Todavia, foi somente após iniciar estágio curricular não obrigatório

em Serviço Social pela Faculdade Cearense - FAC, em uma empresa privada, que o

interesse por pesquisar a precarização do trabalho vivenciada no século XXI se

efetivou.

Presente durante todo o período de estágio, os questionamentos acerca

da precarização vivenciada pelos trabalhadores com os quais convivemos, foram

essenciais para a realização deste trabalho. Afinal, foram eles que despertaram o

meu maior interesse pela temática e, consequentemente, pelo estudo em questão.

O estágio aconteceu no período de setembro/2012 a abril/2014. Ao

transitarmos pelos diversos setores que compõem a indústria, facilmente nos

deparávamos com um ou mais trabalhadores terceirizados que exerciam suas

funções, e que eram identificados pela cor diferenciada do fardamento. Sempre que

os víamos, algumas indagações vinham à tona: Por que eles não são contratados

diretamente por esta empresa como tantos outros? Como se sentem em relação aos

trabalhadores efetivos? O que entendem por este tipo de contratação flexível?

Reconhecem-se nele?

Inicialmente, decidimos pesquisar os impactos que a precarização do

trabalho acarreta à saúde mental dos operários de uma indústria têxtil. Contudo,

pela dificuldade que encontraríamos em entrar no campo e pela ausência de

informações que justificassem os afastamentos do trabalho por doenças

ocupacionais, optamos por não levar a pesquisa à diante.

Instigados por outras questões que evidenciam o trabalho precário,

resolvemos, então, pesquisar os trabalhadores subcontratados que vivenciam a

terceirização. Eles estão imersos em uma dinâmica de “precarização estrutural do

trabalho”, processo social que, segundo Alves (2013), engloba tanto a precarização

das condições salariais, que pode ser entendida como a diminuição dos salários,

restrição dos benefícios sociais e perda dos direitos do trabalho, como a

3 Antunes (2003) utiliza essa expressão para englobar tanto o proletariado industrial como o conjunto

dos assalariados que vendem sua força de trabalho para o capital; nela também se inserem os trabalhadores desempregados.

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precarização da vida social, que se traduz no dilaceramento dos laços sociais e na

ênfase em uma subjetividade alienada.

O trabalho terceirizado expandiu-se com grande intensidade nas últimas

décadas; este tipo de contratação flexível caracteriza-se pela transferência de

atividades de uma empresa à outra e tem como objetivo a redução de custos da

produção.

No Brasil, é possível afirmar que a terceirização constitui-se como a

principal forma de contratação flexível (KREIN, 2007; DRUCK, 2011). Tal

constatação deve-se: à ampliação da precarização e flexibilização das relações de

trabalho, decorrentes da significativa diminuição de salário e de direitos; elevação do

ritmo de trabalho; fragmentação e perda de intensidade das lutas trabalhistas; crise

dos sindicatos; e riscos à saúde do trabalhador (ALVES, 2013), dentre outros

impactos negativos que repercutem na vida destes e que serão evidenciados no

desenvolvimento da pesquisa a partir da fala dos entrevistados.

Diante de tais informações, o principal objetivo desta pesquisa é

identificar os impactos da terceirização na vida dos trabalhadores que prestam

serviços terceirizados, bem como compreender como eles se percebem diante

desse tipo de contratação flexível. A partir desse enfoque, a análise consiste em: 1)

entender o contexto em que estão inseridos os trabalhadores terceirizados por uma

indústria têxtil; 2) evidenciar quais as condições de trabalho impostas a estes

trabalhadores; 3) revelar os embates da terceirização na vida desses sujeitos, e, por

fim, 4) descobrir como os trabalhadores pesquisados entendem o contexto no qual

estão inseridos.

Para alcançarmos o cerne das questões propostas, utilizaremos o método

qualitativo, tendo em vista que a pesquisa de natureza qualitativa proporciona maior

entendimento do que está sendo analisado, bem como uma melhor apreensão da

singularidade de cada trabalhador precarizado entrevistado.

Segundo Goldemberg (2004, p. 63), “os métodos qualitativos poderão

observar, diretamente, como cada indivíduo, grupo ou instituição experimenta,

concretamente, a realidade pesquisada”. A autora mostra a evidência que o valor

deste tipo de pesquisa tem para estudar questões difíceis de quantificar, como

sentimentos, motivações, percepções e atitudes individuais.

A pesquisa qualitativa propicia uma aproximação ímpar entre o

pesquisador e o sujeito pesquisado e a valorização da experiência do sujeito. Assim,

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o contato direto com os relatos do trabalhador terceirizado, permite um trato

particular com a experiência do sujeito e seu modo de vida. Segundo Martinelli

(1999, p. 27), “reconhecer o modo de vida do sujeito pressupõe o conhecimento de

sua experiência social”.

Visando a compreensão e aproximação com uma determinada realidade,

a pesquisa é composta tanto pela análise bibliográfica, quanto pela análise empírica

dos dados. Inicialmente, realizamos um levantamento bibliográfico para obter maior

aprofundamento do problema em questão. Para Gil (2011, p. 50):

A principal vantagem da pesquisa bibliográfica reside no fato de permitir ao investigador a cobertura de uma gama de fenômenos muito mais ampla do que aquela que poderia pesquisar diretamente. Esta vantagem se torna particularmente importante quando o problema de pesquisa requer dados muito dispersos pelo espaço.

Para discutirmos as categorias que embasam o presente estudo, a

pesquisa bibliográfica foi essencial para proporcionar consistência e credibilidade ao

debate teórico realizado no decorrer dos capítulos.

A pesquisa de campo tem como pano de fundo uma indústria têxtil,

situada no Ceará, que subcontrata trabalhadores para atuarem no setor de serviços

gerais, transferindo para eles a responsabilidade de realização da limpeza de todos

os setores da indústria. O interesse em realizar a pesquisa na referida indústria se

deu logo no início do estágio, após perceber que o trabalho precarizado faz parte de

sua manutenção e sobrevivência.

A coleta dos dados ocorreu por meio de entrevistas semiestruturadas,

com perguntas abertas e fechadas e espaço livre para a apreensão de informações

adicionais, já que cada sujeito possui particularidades e experiências únicas que

contribuem e enriquecem as análises realizadas. Sobre isso, Minayo (1993, p. 245)

afirma que:

[...] a fala torna-se reveladora de condições estruturais, de sistemas de valores, normas e símbolos (sendo ela mesma um deles), e, ao mesmo tempo, possui a magia de transmitir, através de um porta-voz (o entrevistado), representações de grupos determinado sem condições históricas, socioeconômicas e culturais específicas.

As entrevistas foram realizadas com dez trabalhadores que prestam

serviços terceirizados. Antes de iniciá-las, apresentamos os objetivos da pesquisa e

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solicitamos permissão dos sujeitos tanto para que eles participassem da pesquisa,

assinando o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido, como para gravar as

entrevistas. Posteriormente, as gravações foram minuciosamente transcritas para

preservar a integralidade dos depoimentos.

A aproximação com os sujeitos da pesquisa não se deu de forma direta.

Primeiramente, realizamos contato com a supervisão, que forneceu listagem

contendo o nome de todos os trabalhadores que prestam os serviços especializados

em limpeza, nos setores da indústria têxtil. Com a lista em mãos, entramos em

contato com os quarenta trabalhadores que realizam serviços terceirizados de

limpeza e conservação nos turnos A e B e, apenas dez deles se disponibilizaram a

participar das entrevistas. Posteriormente, realizamos contato com a supervisão, que

os enviava para uma sala que nos foi cedida para a realização das entrevistas.

O período de realização das entrevistas aconteceu entre os dias

24/02/2014 à 17/03/2014, tendo em vista que não tivemos a liberação dos

trabalhadores em dias consecutivos. O horário em que as entrevistas aconteceram

foi sempre o mesmo, 13h30min às 14h30min, período em que acontece a troca de

turno4. Neste horário, geralmente realizávamos entrevista com um trabalhador que

entrava no turno de trabalho e com um que estava encerrando suas atividades. A

cada dia conseguíamos realizar duas entrevistas.

Como forma de resguardar a identidade dos sujeitos pesquisados,

utilizamos nomes fictícios que foram escolhidos aleatoriamente e não possuem

nenhum tipo de vínculo com o entrevistado. O pano de fundo da pesquisa,

constituído tanto pela indústria têxtil quanto pela empresa que presta serviços

terceirizados, também tiveram suas identidades resguardadas, já que, ao

solicitarmos a gerência de RH da referida indústria a autorização para a realização

da pesquisa de campo, ficou firmada tal condição.

No decorrer deste trabalho, atribuiremos à empresa têxtil, contratante dos

serviços, o nome de Global Têxtil, tendo em vista sua forte inserção no mercado

globalizado. Para nos reportarmos a empresa que terceiriza os serviços, ou seja, a

4 A indústria têxtil que constitui o cenário da pesquisa funciona 24 horas. O período de trabalho da

produção está dividido em três turnos: A, B e C. O turno A inicia às 05h30min e termina às 13h50min; o turno B tem início às 13h50min e se estende até às 22h09min; por fim, o turno C compreende o horário de 22h09min às 05h30min. Existe ainda o turno de trabalho que abrange os setores administrativos e áreas de apoio à produção, que vai de 07h30min as 17h18min.

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empresa contratada, utilizaremos o nome de Especial Serviços, já que esta

sobrevive da locação de serviços especializados.

Para expor o debate, dividimos este trabalho em três capítulos. O primeiro

capítulo consiste em evidenciar a categoria trabalho; nele serão discutidos os

sentidos do trabalho, as transformações pelas quais este tem passado nas últimas

décadas e sua configuração na contemporaneidade. Em seguida, apresentaremos,

no segundo capítulo, as categorias precarização do trabalho e terceirização, e os

debates irão contemplar os conceitos, as características e suas consequências para

o indivíduo e sociedade. Por fim, no terceiro e último capítulo estão às análises de

todos os dados colhidos durante a realização da pesquisa de campo. Finalizaremos

abordando o perfil dos trabalhadores entrevistados, as condições que estes

vivenciam no cotidiano das atividades laborais e a satisfação e o entendimento que

possuem acerca do trabalho terceirizado.

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1 O COMPLEXO MUNDO DO TRABALHO: SENTIDOS E TRANSFORMAÇÕES

O presente capítulo tem o intuito de compreender a categoria trabalho a

partir de duas abordagens específicas: a dimensão ontológica e a dimensão

alienada, fruto da sociedade capitalista. Ao longo da discussão, serão explicitadas

as mudanças que fizeram com que o trabalho tivesse, não só a sua centralidade

questionada, mas toda a forma de organização da sociabilidade humana.

O modo de produção capitalista, modo de regulação da sociedade

contemporânea, tem como base a exploração da força de trabalho para a

acumulação de riquezas. Esse sistema, permeado por contradições, necessita de

constantes transformações para manter-se hegemônico. As crises que nascem do

desequilíbrio entre produção e consumo o obrigam a reestruturar todo o seu aparato

ideológico e político de dominação. Nesse sentido, o trabalhador tem sua força de

trabalho intensificada e explorada através de novos mecanismos de dominação.

Hoje, este modo de produção assenta-se no “capitalismo flexível”,

expressão utilizada por Sennett (2005, p. 09) para descrever o capitalismo vigente,

exigindo dos trabalhadores agilidade, abertura para mudanças em curto prazo,

assumir riscos e a mínima dependência de leis trabalhistas e procedimentos formais

de trabalho.

Veremos a seguir como se deram as mutações no mundo do trabalho e

como a atividade laboral teve seus sentidos alterados.

1.1 Trabalho: categoria ontológica do Ser Social

O trabalho é uma categoria indispensável para compreensão do homem

enquanto ser social, e surge como atividade que visa à satisfação material das

necessidades básicas de sobrevivência da espécie humana. Ao transformar a

natureza em objetos úteis à manutenção de sua subsistência, o homem realiza o

trabalho. O trabalho é, para Marx (2008), o processo em que a ação humana

imprime utilidade aos recursos existentes na natureza para suprir suas necessidades

elementares. Em suas palavras:

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O trabalho é um processo de que participam o homem e a natureza, processo em que o ser humano, com sua própria ação, impulsiona, regula e controla seu intercâmbio material com a natureza. Defronta-se com a natureza como uma de suas forças. Põe em movimento as forças naturais de seu corpo – braços e pernas, cabeça e mãos -, a fim de apropriar-se dos recursos da natureza, imprimindo-lhes forma útil a vida humana. Atuando assim sobre a natureza externa e modificando-a, ao mesmo tempo modifica sua própria natureza. (MARX, 2008, p. 211)

Dessa forma, o trabalho assume o papel central na história na

humanidade, pois é através dele que o homem consegue evoluir e excluir-se das

determinações biológicas5. Ao realizar o trabalho, o homem não transforma somente

a matéria natural, transforma ainda a si próprio e a outros homens, garantindo a

reprodução social.

“O trabalho é, sempre, atividade coletiva: seu sujeito nunca é isolado (...)”,

Netto e Braz (2006, p. 34) utilizam a afirmação para ratificar que a ação coletiva do

trabalho ocorre entre seres que vivem em sociedade. Nesse sentido, os autores

afirmam que o trabalho implica mais que a relação homem/natureza, pois transforma

tanto seus sujeitos quanto a sua organização em sociedade, configurando uma

espécie de salto que faz emergir um novo ser, o ser social.

Ao constituir-se como ser social, o homem viabiliza a satisfação de suas

necessidades através do trabalho, criando os meios para suprir as necessidades

essenciais. Assim, “o trabalho é para o homem a condição natural da sua existência,

a sua condição de homem” (GUERRA, 2011, p. 102).

Ao modificar a natureza e elaborar um objeto que satisfaz suas exigências

naturais, o homem cria um produto que possui um valor de uso, “um material da

natureza adaptado às necessidades humanas através da mudança de forma”

(MARX, 2008, p. 214), que possui um propósito exclusivo, o de suprir as exigências

da existência humana.

O homem é o único ser capaz de instituir uma finalidade a partir da

análise e da relação de suas necessidades com a realidade concreta em que vive.

Ao diferenciar o pior arquiteto da melhor abelha, Marx (2008, p. 211-2) enfatiza que

o trabalho é uma atividade exclusivamente humana, e explica que “o arquiteto tem a

5 O trabalho proporciona ao homem diferenciar-se dos animais à medida que modifica a natureza

para criar bens indispensáveis à reprodução social. Além de satisfazer suas necessidades biológicas, o trabalho possibilita ao homem a sua existência social, pois “a relação dos homens com a natureza requer, com absoluta necessidade, a relação entre os homens”, fazendo-o transcender as determinações meramente biológicas. (LESSA, 2012, p. 25)

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capacidade de idealizar, criar previamente toda a construção em sua mente antes

que ela venha a tornar-se real, diferente da abelha que constrói sua colmeia

instintivamente”.

O ser humano modifica a natureza conforme seus objetivos, por

conseguinte, todo ato humano é resultado de sua capacidade teleológica. O pôr

teleológico presente no homem diferencia-o dos animais, pois possibilita que ele

projete em sua consciência o que tornará realidade, isto é, imprima forma ao objeto

ainda em sua imaginação (ANTUNES, 2003, p. 136).

O trabalho não só é a atividade específica do homem, como também é o

processo histórico que o firmou enquanto ser social; entretanto, é importante

salientar que este ser não se reduz apenas ao trabalho.

Netto & Braz (2006) afirmam que o trabalho é a objetivação primária6 do

ser social. Atestam ainda que, para além do trabalho, existem esferas de objetivação

que permitem ao homem se realizar, tais como a ciência, a arte, a filosofia entre

outros. Esse conjunto de objetivações humanas pelas quais os homens se realizam,

chama-se práxis7.

De acordo com as condições históricas e sociais em que se processam a

atividade social, a práxis pode apresentar aos homens objetivações estranhas que

impossibilitam o seu reconhecimento. Conforme Netto & Braz (2006, p. 44):

Em determinadas condições histórico-sociais, os produtos do trabalho e da imaginação humanos deixam de se mostrar como objetivações que expressam a humanidade dos homens – aparecem mesmo como algo que, escapando ao seu controle, passa a controlá-los com um poder que lhes é superior. [...] Numa palavra: entre os homens e suas obras, a relação real, que é a relação entre criador e criatura, aparece invertida – a criatura passa a dominar o criador.

As objetivações que aparecem alheias ao homem são reflexos de uma

sociedade alienada, em que o objeto produzido através do trabalho não pertence ao

seu criador. Essa alienação é fruto de uma sociedade em que vigora a divisão social

do trabalho e esta divisão faz a repartição do processo de produção, não sendo elas

limitadas a operações menores. No capitalismo, há uma divisão específica do

6 Realização primeira do homem; objetivação fundante e necessária do ser social.

7 “Conjunto de objetivações humanas, por meio das quais os homens realizam-se enquanto seres

humanos-genéricos, objetivações estas que não se reduzem ao trabalho.” (GUERRA, 2011, p.103).

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trabalho, essa divisão, em grande parte, limita o trabalhador a realização de apenas

uma parte da produção do objeto.

As relações sociais que se constituem em sociedade, sofrem alterações

conforme o nível de desenvolvimento dos meios de produção8 e se estabelecem em

condições históricas determinadas. “Assim sendo, a produção social é

essencialmente histórica” (IAMAMOTO, 2011, p. 36).

Ao longo da história, o trabalho teve seu sentido modificado de acordo

com as diferentes formas pelas quais a sociedade se organizou. Desde o final do

século XVIII, o modo capitalista de produção vigora na sociedade, instaurando na

categoria trabalho um novo significado. A seguir, esta forma de organização social

será discutida de forma mais geral, para possibilitar um melhor entendimento de

como hoje o trabalho é apreendido pelas diferentes e antagônicas classes sociais.

1.2 Trabalho Abstrato e o Modo de Produção Capitalista

No modo de produção do capital, o trabalho ganha novo formato; ao invés

de modificar a natureza para a manutenção de suas necessidades, atribuindo ao

objeto o valor de uso9, o homem subordina sua força de trabalho ao capital,

produzindo mercadorias que possuem valor de troca10.

Com a expansão do capitalismo, o trabalho em seu sentido legítimo

extingue-se, quase em sua totalidade, na medida em que os atos laborais

subordinam-se ao capital. Ao ser vendido para o capitalista, o trabalho assume a

forma abstrata, e assim, aparentemente extintos, trabalho e trabalho abstrato

erroneamente ganham o mesmo sentido na sociedade contemporânea (LESSA,

2012).

Trabalho e trabalho abstrato são atividades laborais totalmente distintas;

enquanto o primeiro é categoria fundante do ser social, responsável pela realização

do intercâmbio material do homem com a natureza, o segundo constitui a criação de

8 Ver Netto & Braz (2006, p. 58).

9 O valor de uso é caracterizado por um trabalho de qualidade específica que tem como objetivo

atender as necessidades sociais (IAMAMOTO, 2011, p. 39). 10

O valor de troca está expresso sob a forma de mercadorias que não se distinguem por sua qualidade, mas pela quantidade de trabalho que tem incorporado (IAMAMOTO, 2011, p. 39).

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valor de troca, reduzindo a atividade humana a uma mercadoria, através da força de

trabalho que é vendida em troca de um salário.

O objeto, que antes era criado pelo homem para suprir as necessidades

humanas, ganha o título de mercadoria na sociedade do capital. A mercadoria é

valor de uso produzido para a venda, que imprime ao objeto um caráter fetichizador.

O fetiche atribui à mercadoria um mistério que faz com que as relações sociais

apareçam invertidas.

As relações sociais aparecem, pois, mistificadamente, como relações

entre coisas, esvaziadas de sua historicidade. A reificação do capital é, pois, a forma

mistificada em que a relação social do capital aparece na superfície da sociedade.

(IAMAMOTO, 2011, p. 37-8)

Na sociedade burguesa, as relações sociais estão regidas sob a égide do

capital, ou seja, o capital está no centro das relações sociais de produção, expresso

através das mercadorias e do dinheiro.

No modo de produção do capital, o capitalista é dono dos meios de

produção e compra a força de trabalho para dar início ao ciclo de produção de

mercadorias. A força de trabalho aparece no capitalismo como uma mercadoria que

pode ser comprada e vendida.

Dentro desse modo de produção, o trabalho intensifica-se e passa a

pertencer ao comprador (o capitalista) que lhe atribui a função de produtor de

mercadorias para a geração de riquezas. Assim, o que foi produzido pelo trabalho

aparece como fruto do capital, desaparecendo, dessa forma, todo o esforço humano

despendido para a produção da mercadoria.

Ao produzir a mercadoria, o trabalhador produz também capital. O

capitalista utiliza a força de trabalho para melhorar valores já existentes,

concomitantemente, o componente vivo do capital consome os meios de produção,

transformando-os em produtos que possuem um valor maior que o investido

inicialmente. “Tem-se, aí, o consumo produtivo da força de trabalho; o trabalho

produtor de mais-valia11.” (IAMAMOTO, 2011, p. 61).

A relação entre capital/trabalho, personificada na relação

capitalista/proletário, ocorre pela extração do excedente produzido pelo trabalhador.

11

Mais-valia é o trabalho realizado pelo trabalhador que não é pago pelo capitalista, ou seja, é a força de trabalho despendida que não é convertida em salário, mas expropriada pelo capitalista para elevar seu lucro.

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“É nessa relação de exploração que se funda o Modo de Produção Capitalista.”

(NETTO; BRAZ, 2006, p. 101).

No modo de produção capitalista, o trabalho assenta-se sob a dimensão

do trabalho abstrato, alienado, explorado e forçado, que ganha à forma de

mercadoria. Esse trabalho, desprovido de sentido para o seu criador, faz-se

necessário para a reprodução do capital.

No seio da sociedade capitalista, Iamamoto (2011, p. 62) apresenta o

trabalho como sendo “(...) algo externo ao trabalhador, como algo em que não se

afirma, mas se nega a si mesmo; que o mortifica. (...) Seu trabalho é um trabalho

forçado, que ‘não representa, portanto, a satisfação de uma necessidade (...)’.”.

Dessa forma, o trabalho se firma na sociedade atual de forma estranha, o

produtor não se reconhece no que faz. A relação entre trabalhador e produto

aparece como relação entre produtor e objeto alheio. A alienação está enraizada

não só nesta relação, mas em toda a atividade de produção.

1.3 As Transformações Ocorridas no Mundo do Trabalho Contemporâneo

1.3.1 O Fordismo e a “crise estrutural do capital”

O modelo fordista de produção nasce na indústria automobilística e

perpetua-se, fundamentalmente, ao longo do século XX (TENÓRIO, 2011). Henry

Ford, proprietário de uma indústria de automóveis, foi o primeiro a incorporar novas

técnicas ao processo produtivo. Ele tomou por base os princípios tayloristas e inseriu

em sua indústria automobilística a linha de produção que permitia a produção em

larga escala, e que exigia do operário a realização de apenas uma operação em

determinado espaço de tempo (SILVA, 1999).

Antes de instaurar o método taylorista de produção, Ford realizava a

produção de automóveis com base no artesanato. Os operários possuíam vasta

qualificação, e no decorrer de um dia, realizavam serviços complexos no motor ou

na carroceria de um automóvel (SENNETT, 2005).

Embora tendo sido gerado nos EUA, países como Inglaterra, Itália,

França, Alemanha e Rússia também incorporaram o processo de produção fordista

como método de gestão empresarial (TENÓRIO, 2011).

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O fordismo ficou caracterizado pela produção em massa12 realizada

através da linha de montagem e do controle dos tempos e movimentos pelo

cronômetro taylorista13, resultados de um trabalho parcelado e fragmentado; pela

separação entre elaboração e execução no processo de trabalho; pela existência de

unidades fabris concentradas e verticalizadas; e pela consolidação do operário em

massa, do trabalhador coletivo fabril, entre outras dimensões (ANTUNES, 2011).

O trabalhador fordista desempenhava um trabalho extremamente

especializado, e nessa especialização, cada operário é responsável por uma

atividade específica, atuando apenas em uma parte do produto. Nas linhas de

montagem, estava presente o cronômetro taylorista, que demarcava a quantidade de

tempo necessária para a execução de determinada tarefa, impondo sempre os

movimentos mais ágeis e eficientes. O filme Tempos Modernos, de Charles

Chaplin14, retrata muito bem todo esse cenário de trabalho fragmentado,

verticalizado, cronometrado e massificado.

No período fordista, o trabalhador tornou-se simples apêndice de

máquina, realizando um trabalho repetitivo, intenso e extremamente especializado.

Entretanto, nessa fase de acumulação de capital, esteve presente a linearidade na

vida dos trabalhadores: a relação de comprometimento por parte do empregador, a

garantia dos benefícios sociais, a existência de certa estabilidade nos locais de

trabalho, caracterizada pela sociedade do pleno emprego, que faziam com que os

indivíduos projetassem uma linha profissional e a seguisse até se aposentar (SILVA,

1999, p. 52).

Sennett (2005, p. 14) ilustra essa dinâmica vivenciada pelo trabalhador

fordista ao apresentar no primeiro capítulo de seu livro A corrosão do caráter, a

estória de um faxineiro da década de 1970.

O que mais me impressionou em Enrico e sua geração foi ver como o tempo era linear em suas vidas: ano após ano trabalhando em empregos

12

Produção em massa é o termo que designa a produção em larga escala de produtos padronizados através de linhas de montagem. 13

Frederick Taylor inseriu o cronômetro na produção com o objetivo de eliminar o máximo de tempo desperdiçado com movimentos desnecessários realizados pelo trabalhador para produzir. Cada atividade produtiva passou a ter um tempo e um movimento específico que seria executado com maior eficiência. (TENÓRIO, 2011) 14

CHAPLIN, Charles. Tempos Modernos. Título original: Modern Times. Preto & Branco. Legendado. Duração: 87 min. Warner, 1936.

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que raras vezes variavam de um dia para o outro. [...] Finalmente, o tempo que viviam era previsível. As convulsões da Grande Depressão e da Segunda Guerra Mundial haviam se esfumado, os sindicatos protegiam seus empregos; embora tivesse apenas 40 anos quando o conheci, Enrico sabia exatamente quando ia aposentar-se e o pecúlio que teria.

No terço final do século XX, alguns dos elementos presentes no fordismo

contribuíram para o advento da “crise estrutural do capital”: a intensificação das lutas

trabalhistas fez com que os altos salários pagos aos trabalhadores diminuíssem

significativamente a taxa de lucro; o desemprego estrutural que se iniciava foi

resultado da inserção da maquinaria na produção, acentuando a retração do

consumo; o capital financeiro passou a dar prioridade à especulação financeira; a

retração dos gastos públicos e seu deslocamento para o setor privado face a crise

do Welfare State, que gerou a crise fiscal do Estado (ANTUNES, 2003).

O quadro crítico que se consolidou exigiu do capital a reorganização de

todo o conjunto político e ideológico de dominação, ou seja, o modo como se

organizava a produção e as formas de gestão do trabalho vigentes no período

fordista, passaram a ser analisadas e redefinidas pelos detentores do capital. A

reestruturação produtiva e o advento do neoliberalismo foram as ferramentas

utilizadas em resposta a essa crise, conforme observa-se a seguir.

1.3.2 A Reestruturação Produtiva e o Neoliberalismo no Brasil

A reestruturação produtiva que surge no Brasil dos anos 80 e se estende

até os dias atuais, está assentada sob a adoção de novos modelos de produção e

gestão do trabalho. Para Alves (2000, p. 29), a década de 80 apresenta-se como o

“momento predominante” do complexo de reestruturação produtiva, pois é neste

período que o toyotismo atinge um significativo poder ideológico e estruturante.

A partir das análises do referido autor, é possível apontar que as causas

que deram impulso ao processo de reestruturação produtiva nos anos 80 devem-se

a três determinações centrais: o aumento da dívida externa brasileira, que resultou

em uma política recessiva, cujas consequências foram a retração do mercado

interno e a diminuição da produção industrial nacional; o movimento operário, que

reagia ofensivamente em busca da conquista de direitos trabalhistas negados pelos

capitalistas; e a obtenção de inovações que foram implementadas na produção

industrial do Brasil.

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25

O processo de reestruturação produtiva iniciado nessa década ocorreu

diante de um cenário deteriorado da economia capitalista brasileira. Nesse

momento, o país vivenciava a instabilidade macroeconômica, marcada pela

hiperinflação e pela recessão, a crise da dívida externa e, em consequência, o abalo

da reprodução interna de capital (ALVES, 2000).

Diante disso, o Brasil concentrou sua industrialização para o mercado

externo, com o objetivo principal de equilibrar os saldos da balança comercial. A

busca pela estabilização das contas externas fez com que as importações caíssem,

fragilizando o mercado interno.

Para atender as exigências do mercado internacional e manterem-se

competitivas, as empresas brasileiras tiveram que inserir novas tecnologias na

produção e aderir um novo modelo organizacional de trabalho, ancorados no padrão

toyotista de produção. Esta adesão ocorreu também em resposta a reação

ofensiva15 da classe trabalhadora que, na época, lutava pelos direitos trabalhistas

rejeitados pelo acelerado desenvolvimento capitalista.

Com a chegada dos anos 1990 e a inserção de uma política neoliberal16,

a reestruturação produtiva no Brasil adquiriu novo impulso e novas estratégias

produtivas (como o investimento em maquinário moderno, flexibilidade nas relações

de trabalho e a implantação de técnicas japonesas na produção) que passaram a

compor o cenário empresarial, atingindo grandiosamente o mundo do trabalho.

A onda neoliberal que atingiu o país se deu, principalmente, devido a sua

inserção na nova globalização. Ao adotar as imposições feitas pelo Consenso de

Washington17, o Brasil iniciou um processo de reorganização de todos os setores da

economia, resultando na desestruturação do mercado de trabalho e em uma elevada

piora dos indicadores econômicos (BALTAR apud KREIN, SANTOS E MORETTO

2013).

15

Exemplo de luta sindical ocorrida neste período, foram as greves dos metalúrgicos do ABC Paulista, que serviram de referência política para a série de movimentos grevistas no Brasil, envolvendo toda a classe trabalhadora (ALVES, 2000). 16

Conforme Alves (2000) pode-se denominar de “política neoliberal” o processo complexo de medidas que visam reformar a economia e o Estado capitalista no Brasil, capazes de viabilizar uma transição à nova hegemonia do capitalismo monopolista no país, um novo padrão de desenvolvimento do capital, vinculado a um modo de inserção dependente da economia brasileira em relação à mundialização do capital. 17

Conjunto de medidas de ajuste macroeconômico, que foram receitadas aos países em desenvolvimento, formulado por economistas do FMI e do Banco Mundial no ano de 1989.

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Conforme Iamamoto (2011, p. 34), as propostas neoliberais surgem como

“a grande saída” para a crise vivenciada nos anos 1970, pois enaltecem o

enfraquecimento dos sindicatos, para viabilizar o rebaixamento dos salários;

aumentam a competitividade entre os trabalhadores e impõem a implantação do

ajuste monetário.

É no período compreendido entre os anos 1990 e 2002, que irão se

estabelecer as bases do novo complexo de reestruturação produtiva no Brasil.

“Collor e Fernando Henrique Cardoso apostaram todas as suas fichas na

‘modernidade’, supostamente virtuosa, da desregulação da concorrência e da

globalização financeira internacional.” (MATTOSO, 1999, p. 23).

No primeiro terço da década neoliberal, as empresas brasileiras

começaram a investir em novas tecnologias, mesmo que em proporções bem

reduzidas, devido a imprecisão da economia brasileira. Houve a intensa

implantação, neste período, de técnicas e procedimentos organizacionais orientados

pelo toyotismo (ALVES, 2000).

Segundo Alves (2000), embora o primeiro período dos anos 90 tenha sido

caracterizado pela recessão, pelo desemprego e pelo predomínio da racionalização

predatória de custos nas empresas, estabeleceu-se, de certa forma, uma

“acumulação primitiva” que preparou o capital para a adoção de novas estratégias

de negócios.

O governo Cardoso, presente nos anos de 1995 a 2002, ficou marcado

por transformações neoliberais voltadas para a estabilização da moeda, abertura

comercial e para a Reforma do Estado (ALVES, 2000). A estabilização monetária

baseou-se na sobrevalorização da moeda nacional e em taxas elevadas de juros,

visando integrar a economia brasileira ao Primeiro Mundo; a abertura comercial

incentivou a redução de tarifas, pôs fim as limitações da importação de

determinados bens e favoreceu a isenção de impostos. Além disso, a orientação

neoliberal exigiu a reforma do Estado, que se deu com a privatização das empresas

estatais, com o progressivo aumento da arrecadação de tributos e com a restrição

de direitos sociais e previdenciários.

Esse conjunto de reformas inseridas na agenda brasileira alterou

profundamente a dinâmica do mercado de trabalho e do sindicalismo brasileiro.

Desde então, os espaços de trabalho vêm sofrendo intensas modificações, tanto na

gestão e na organização do trabalho quanto em todo o aparato tecnológico.

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O resultado dessas mudanças foi extremamente negativo para a classe

trabalhadora: verificou-se a elevação da taxa de desemprego e acentuou-se a

precarização dos empregos e salários. De acordo com Alves (2000), a expansão do

desemprego industrial e da precariedade de emprego e salário não se ligava apenas

aos acasos da recessão sob o governo Collor, era, de certo modo, uma

consequência do novo crescimento capitalista sob a era da mundialização do capital.

O novo complexo de reestruturação produtiva surge como uma nova ofensiva do

capital na produção, dessa vez, mais forte.

1.3.3 A Organização do Trabalho na Contemporaneidade

No cenário contemporâneo brasileiro, o trabalho tem sido sinônimo de

precarização e instabilidade. O desemprego, resultado das intensas modificações

tecnológicas-organizacionais realizadas nas últimas décadas e da ênfase dada ao

capital especulativo18, abrange inúmeros indivíduos que sobrevivem da sua força de

trabalho, deixando-os a margem de um abismo de incertezas.

O panorama vivenciado pelos trabalhadores contemporâneos é fruto do

modelo de produção flexível vigente no século XXI, que surge em resposta à crise

ocorrida nos anos 70, como forma de resolver os problemas inerentes ao padrão

produtivo taylorista/fordista (ANTUNES, 2003).

O toyotismo penetra, mescla-se ou mesmo substitui o padrão fordista dominante em várias partes do capitalismo globalizado. Vivem-se formas transitórias de produção, cujos desdobramentos são também agudos, no que diz respeito aos direitos do trabalho. (ANTUNES, 2003, p. 52)

Dentre as características constitutivas básicas do toyotismo estão a

produção conduzida pela demanda do mercado consumidor sustentada pelo

estoque mínimo, a diversificação dos produtos, o melhor aproveitamento do tempo

de todo o processo produtivo, garantido pelo just in time, e a rápida reposição de

estoque pelo sistema kanban (ANTUNES, 2003, p. 32-3).

A classe trabalhadora, que conforme Antunes (2003) é composta por

homens e mulheres que vendem sua força de trabalho em troca de salário, tem

18

Conforme Alves (2001), o capital especulativo é aquele que se valoriza conservando a forma dinheiro e assume a forma essencial, não apenas de capital a juros, mas, principalmente, de capital fictício ou capital financeiro.

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vivenciado a intensificação do trabalho e de seu controle. Exige-se um trabalhador

polivalente e capacitado; crescem as formas de trabalho precário, parcial,

temporário, terceirizado, informal, entre tantos outros existentes na sociedade atual.

Nesse sentido, é possível inferir que os direitos sociais adquiridos por

meio de lutas e reivindicações, tornam-se flexíveis e aparecem negados à medida

que o mercado consumidor tem acesso direto à força de trabalho. Para Antunes

(2010, p. 634):

É neste contexto, caracterizado por um processo de precarização estrutural do trabalho, que os capitais globais estão exigindo o desmonte da legislação trabalhista. E flexibilizar a legislação do trabalho significa aumentar ainda mais os mecanismos de exploração do trabalho, destruindo os direitos sociais que foram arduamente conquistados pela classe trabalhadora desde o início da Revolução Industrial, na Inglaterra, e especialmente após 1930, quando se toma o exemplo brasileiro.

A reestruturação produtiva que se estabelece no âmbito do trabalho,

permeia-o de práticas flexíveis e precárias, atingindo diretamente a regulamentação

dos contratos de trabalho, desregulando-os.

O avanço tecnológico e a inserção da robótica e da automação dentro dos

espaços fabris e industriais fizeram com que o trabalho humano passasse a ser

substituído por máquinas nos setores produtivos das grandes fábricas e indústrias.

Verifica-se, consoante a denominação de Antunes (2011, p. 47), “uma

desproletarização do trabalho industrial, fabril (...)”.

Iamamoto (2011, p. 33) afirma que as radicais inserções tecnológicas

inseridas no processo produtivo tornam a força de trabalho descartável, na medida

em que há “gente demais” para as necessidades de desenvolvimento do

capitalismo.

O capitalismo vê no modelo de acumulação flexível a saída para a

elevação da taxa de lucro ao seu mais alto nível, através de uma produção que

requeira baixíssimos custos e aumento da rotatividade do consumo de produtos. As

estratégias criadas por este padrão produtivo têm o objetivo principal de flexibilizar

todos os elementos que constituem a produção social, para tornar efetiva a

hegemonia do capital.

Dentre os métodos e procedimentos existentes no toyotismo, destacam-

se, segundo Antunes (2003):

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1. o kanban, que consiste na utilização de placas para sinalizar a

reposição das peças; o estoque é reposto de acordo com a necessidade;

2. o just in time, caracterizado pelo melhor aproveitamento possível de

todo tempo necessário para a produção;

3. a flexibilização presente tanto no aparato produtivo quanto nas

relações trabalhistas;

4. a terceirização e a subcontratação, categorias que demonstram a

precariedade do emprego e da remuneração, a desregulamentação dos

direitos trabalhistas e o enfraquecimento sindical;

5. os círculos de controle de qualidade ou CCQ’s, desempenhados por

grupo de trabalhadores que visam a melhoria da produtividade das

empresas através de discussões sobre o desempenho e o trabalho

realizado;

6. o controle de qualidade total, implementado em inúmeras empresas

através do programa 5S, que consiste em eliminar o máximo de

desperdícios nos locais de trabalho.

Essas técnicas e tantas outras, elaboradas e utilizadas pelo capital para

diminuir os gastos e otimizar o tempo, podem ser identificadas nos mais variados

espaços de trabalho: indústrias têxteis, setor petroquímico, setor bancário etc.

O local em que se desdobra nossa pesquisa é um típico cenário de

desenvolvimento do toyotismo: trata-se de uma indústria têxtil localizada no Ceará

que implementa todas as estratégias citadas acima, em especial a terceirização,

objeto central da discussão dos próximos capítulos.

1.3.4 O Cenário da Pesquisa

Ao percorrer o desdobramento de todo o processo produtivo têxtil,

percebe-se alguns dos elementos que retratam o toyotismo ou modelo japonês de

produção:

1. O imenso espaço físico da indústria abriga uma quantidade altíssima

de máquinas que realizam, desde a separação e o tratamento do algodão

até o jeans acabado, todo o processo produtivo;

2. O operário, trabalhador polivalente em número extremamente reduzido

dentro da fábrica, na maior parte do processo atua sobre várias máquinas

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para identificar os defeitos, seja na própria máquina, no fio ou no produto

acabado;

3. Os programas 5S e 3R19 são implementados em todos os setores para

evitar o máximo de desperdícios e otimizar o tempo de trabalho;

4. O discurso da qualidade total tem como foco a satisfação integral do

cliente e a competitividade no mercado;

5. O kaizen, outra técnica implementada nessa indústria têxtil, é um

programa que recompensa o trabalhador que elabora uma nova técnica

ou procedimento cujo resultado final seja a melhoria da produtividade e a

diminuição dos custos;

6. O sistema kanban, presente nos setores fabris, sinaliza a reposição de

peças e de estoque;

7. A flexibilização apresenta-se nos contratos de trabalho por tempo

determinado, na terceirização de serviços específicos, na instabilidade e

na subcontratação.

Diante disso, é possível apreender que esta indústria cearense, como

tantas outras, sofreu fortes influências da reestruturação produtiva a partir da adoção

de práticas flexibilizadas, que tornam a produção mais “enxuta” e propiciam a

elevação da taxa de lucro.

1.3.5 Algumas Consequências da Flexibilização do Trabalho Contemporâneo

Diferente do padrão de acumulação taylorista/fordista, o toyotismo tem

como base a flexibilização tanto do aparato produtivo, quanto das relações

trabalhistas. Conforme Antunes (2003, p. 52), o toyotismo fundamenta-se:

[...] em um padrão produtivo organizacional e tecnologicamente avançado, resultado da introdução de técnicas de gestão da força de trabalho próprias da fase informacional, bem como da introdução ampliada dos computadores no processo produtivo e de serviços. Desenvolve-se em uma estrutura produtiva mais flexível, recorrendo frequentemente à desconcentração produtiva, às empresas terceirizadas etc. Utiliza-se de novas técnicas de gestão do trabalho, do trabalho em equipe [...].

19

Programa 5S é de origem japonesa e busca sensibilizar, alertar e motivar todo o espaço fabril para a Qualidade Total, incentivando os trabalhadores na organização e disciplina em seus espaços de trabalho. Já a Teoria dos 3R, traduz-se na redução, na reutilização e na reciclagem como tentativa de minimizar os impactos ambientais.

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O modelo japonês de produção, como dito anteriormente, foi adotado

pelas empresas capitalistas em resposta a crise dos anos 70, período em que o

fordismo chegou ao esgotamento de seu padrão de acumulação, isto é, mostrando-

se incapaz de solucionar o problema da retração do consumo que se acentuava.

A reestruturação dos novos espaços de trabalho, dada pela inserção do

modelo flexível de produção ou toyotismo, atinge a estrutura da classe trabalhadora,

desestruturando-a, tendo em vista que as novas formas de gestão do trabalho que

foram instauradas por um grande número de empresas. O novo conjunto

organizacional que foi introduzido na produção, flexibiliza o mundo do trabalho de

uma forma geral, atingindo principalmente as relações de trabalho.

Antunes (2011) identifica alguns elementos que caracterizam o precário

mundo do trabalho no capitalismo contemporâneo: a redução da classe operária

industrial tradicional, caracterizada pelos trabalhadores de chão de fábrica, pelo

vínculo direto com a empresa e pela garantia dos direitos trabalhistas; a expansão

do trabalho assalariado, a partir da ampliação do setor de serviços; a

heterogeneização do trabalho; e a subproletarização intensificada, frutos do trabalho

parcial, informal, terceirizado, temporário e subcontratado presentes na sociedade

dual do capitalismo avançado.

Em suma, o referido autor mostra que o trabalho hoje está profundamente

marcado pela intensificação da força de trabalho, pelo encolhimento dos direitos

trabalhistas e pela ausência de uma “consciência de classe” que favorece a

expansão das formas precárias de trabalho.

A implantação de tecnologia de ponta no processo produtivo e a inserção

de maquinário moderno em grande parte das indústrias, fez com que a mão de obra

industrial e fabril diminuísse significativamente e fosse transferida, em parte, para o

setor de serviços que, cada vez mais, assume papel importante no desenvolvimento

da economia mundial (ANTUNES, 2011).

A massa trabalhadora que não é absorvida, seja pelo quadro recessivo

que se alarga (“enxugamento” dos gastos pelas empresas), seja pela tecnologia que

a substitui, ocupa o desemprego estrutural. Segundo Mattoso (1999), é a partir da

década de 1990 que o Brasil inicia um processo de “enxugamento” das atividades

produtivas:

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Em maio de 1999, a Folha de S. Paulo indicava em manchete que o desemprego havia alcançado mais de 10 milhões de brasileiros pelo país afora. Em algumas regiões metropolitanas, as taxas de desemprego haviam superado 20% da população economicamente ativa, cerca de 2,4 vezes, ou 140%, maiores do que [...] em 1989. (Mattoso, 1999, p. 14)

Com base nas análises de Mattoso (1999), a década de 80 inicia o ciclo

de mudanças no setor produtivo brasileiro, fazendo emergir o desemprego e a

precarização das condições de trabalho, mesmo que ainda em uma intensidade bem

amena. Entretanto, é na década seguinte que essa situação altera-se

profundamente.

Este quadro amplo em que se processa o trabalho na atualidade mostra

que o modelo flexível de produção impacta diretamente nas relações sociais de todo

o mundo: as pessoas tornam-se mais individualizadas e competitivas, eleva-se o

grau de exploração de trabalho e reduz-se o valor da mão de obra.

As condições de trabalho encontram-se profundamente deterioradas, o

mercado formal de trabalho sofre um imenso recuo, enquanto expandem-se as

formas flexibilizadas de contratação. A terceirização, a informalidade, o trabalho

parcial, temporário, precário são apenas algumas das estratégias utilizadas pelo

capital para aumentar a taxa de lucratividade e desarticular o movimento operário a

partir da crise sindical que se consolida na atualidade. Um forte elemento da crise

sindical é definido por Antunes (2011, p. 65) como sendo o “fosso existente entre os

trabalhadores ‘estáveis’ de um lado, e aqueles que resultam do trabalho precarizado

etc., de outro. Com o aumento desse abismo social (...) reduz-se fortemente o poder

sindical.”.

Para Alves (2013, p. 88), é “a flexibilidade relativa à legislação e

regulamentação social e sindical, que continua sendo estratégica para a acumulação

do capital.”. Dessa forma, pode-se inferir que a terceirização se apresenta como

uma forma de trabalho extremamente precarizada e flexibilizada que nasce com o

intuito de favorecer a hegemonia do capital através da redução dos custos

administrativos, maior concentração em atividades estratégicas, maior possibilidade

de controle da gestão da produção, sobretudo o controle da força de trabalho,

reduzindo potenciais de luta entre capital e trabalho assalariado em razão da menor

concentração dos trabalhadores

A precarização do trabalho que vigora hoje se acentua na medida em que

ocorre expansão das modalidades de trabalho mais desregulamentadas, que negam

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os direitos trabalhistas e cativam nos trabalhadores a insegurança e incerteza nos

locais de trabalho (SILVA, 2011).

Trabalhadores que possuem contrato de trabalho formal e dispõem de

certa estabilidade no local de trabalho, convivem lado a lado com trabalhadores

terceirizados, temporários e subcontratados. “A precarização se instalou não apenas

nas situações de trabalho. (...) Os vínculos e relacionamentos humanos, nos mais

diversos âmbitos, foram assim atingidos.” (SILVA, 2011, p. 459).

No capítulo seguinte, será discutido como o trabalho terceirizado se

processa no mundo do trabalho precarizado, atingindo grande parte da classe

trabalhadora e auxiliando na expansão das formas de contratação flexíveis.

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2 TERCEIRIZAÇÃO: ESTRATÉGIA DE SOLUÇÃO OU PROBLEMA?

Conforme as discussões realizadas até aqui, as fortes modificações

ocorridas no mundo do trabalho nas últimas décadas têm revelado formas

extremamente precárias de trabalho e a presença do desemprego estrutural.

A flexibilização e a precarização que hoje se instala no âmbito do

trabalho, como estratégia de manutenção da hegemonia do capital, instaura uma

série de imposições, as quais muitos trabalhadores se submetem por não

encontrarem alternativas e possibilidades de sobrevivência a não ser a venda de sua

força de trabalho.

A terceirização, prática que tem se expandido pelo Brasil desde o final do

século XX, se revela como uma das estratégias flexíveis e precárias imposta pelo

capitalismo vigente para a redução de custos, conforme apontam Alves (2000), Krein

(2007) e Marcelino & Cavalcante (2012).

Neste capítulo, serão discutidos, primeiramente, o conceito e a

configuração da precarização do trabalho, tão presente nesta pesquisa, para, então,

apresentar como o processo de terceirização tem se consolidado no complexo

mundo do trabalho.

2.1 O Trabalho Precarizado no Século XXI: cenário brasileiro

A precarização que nasce com a implantação do processo reestruturativo

em grande parte das empresas brasileiras, não é apenas o elemento principal do

capitalismo contemporâneo, mas a sua estratégia de dominação e hegemonia

(DRUCK, 2011, p. 39 e 41).

Neste sentido, para que o capital mantenha sua supremacia diante da

classe trabalhadora, é necessário que o mundo do trabalho esteja permeado por

condições precárias, pois são estas condições que fazem com que os trabalhadores

produzam uma sensação de insegurança e instabilidade que os fazem ceder à

flexibilidade dos contratos de trabalho.

Para Druck (2011), a precarização decorrente das medidas flexíveis

inseridas no processo produtivo já na década de 1980, é indispensável para a

manutenção do capitalismo atual, pois é através da flexibilidade dos contratos de

trabalho, da intensificação da força de trabalho e do investimento em máquinas

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modernas e inteligentes que o capital consegue reduzir gastos, elevar a

produtividade e, consequentemente, expandir a taxa de lucro. As estratégias

flexíveis presentes nos locais de trabalho, resultam na retração do emprego formal,

na crise dos sindicatos e na fragmentação da classe trabalhadora, deixando para o

capital o domínio das relações sociais.

O atual mercado de trabalho exige que uma parcela significativa de

trabalhadores esteja submissa a precárias condições de trabalho e emprego, e que

tenham facilidade para adaptar-se a novas funções e diferentes espaços de

trabalho. Assim, é possível afirmar que a flexibilidade relativa à legislação e

regulamentação social e sindical é estratégica para a acumulação de capital

(ALVES, 2013).

O novo metabolismo social do trabalho está estruturado a partir de três

elementos presentes no mundo do trabalho contemporâneo: espaços de trabalho

compostos por máquinas modernas, ligadas a redes digitais, que requerem

trabalhadores capazes de desenvolver habilidades técnico-comportamentais; novos

modelos de gestão e organização do trabalho que visam manipular os talentos

humanos no sentido de fortalecer o envolvimento com as metas da empresa; e a

reestruturação geracional dos coletivos de trabalho, que visa renovar um grupo de

trabalhadores. Tendo como ponto de partida esses aspectos, Alves (2013) afirma

que o metabolismo social presente no novo (e precário) mundo do trabalho é dado

por novas relações flexíveis, sejam pelas novas formas de contratação, seja pela

remuneração salarial ou pela jornada de trabalho.

Diante desse cenário, é possível afirmar que a flexibilização se coloca no

centro do capitalismo vigente, causando fortes impactos na vida de homens e

mulheres que sobrevivem da venda de sua força de trabalho. Em especial, daqueles

que possuem um perfil de baixo nível de escolaridade, não possuem mão de obra

especializada, nem experiências profissionais, ou já estão com uma idade mais

avançada, perfil de nossos entrevistados.

Os novos trabalhadores, que se encontram nos espaços de trabalho

reestruturados, estão derruídos pela nova condição salarial que incorpora elementos

como a remuneração flexível, que se traduz nos programas de participação nos

lucros e resultados; as jornadas de trabalho flexíveis, caracterizadas pelo banco de

horas; e pelos contratos de trabalho flexíveis, que se apresentam nos trabalhos de

tempo parcial, temporário, além da terceirização (ALVES, 2013).

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Essas estratégias visam maior comprometimento dos trabalhadores com

os objetivos do capitalista, a intensificação dos turnos de trabalho, amplia a

rotatividade da mão de obra assalariada e exige o cumprimento de metas elevadas.

É possível perceber que a precarização tão presente no mundo do

trabalho atual, está intimamente ligada à flexibilização do novo aparato produtivo.

Ampliam-se as modalidades de trabalho mais desregulamentadas, que negam

direitos trabalhistas e aumentam a exploração da força de trabalho. Antunes (2011,

p. 106) assegura que:

Se até os anos 1980 era relativamente pequeno o número de empresas de terceirização, locadoras de força de trabalho de perfil temporário, nas décadas seguintes este número aumentou significativamente, para atender a grande demanda por trabalhadores temporários, sem vínculo empregatício, sem registro formalizado.

A terceirização, modalidade de organização e gestão do trabalho que tem

se expandido nas últimas décadas como um surto ou epidemia, ocorre em função da

lógica de acumulação financeira que, englobando todo o mundo do trabalho, requer

total flexibilidade em todos os níveis. Assim, consolida um novo tipo de precarização,

que guia a relação entre capital e trabalho em todas as suas dimensões (DRUCK,

2011, p. 47).

Sendo a terceirização uma forma de trabalho precarizado, faz-se

necessário compreender o significado do termo precarização do trabalho, tendo em

vista que esta é uma categoria essencial para o entendimento da pesquisa.

Sobre a precarização do trabalho, Mattoso (1999) afirma existir dois tipos:

a precarização das condições de trabalho e a precarização das relações de trabalho.

Segundo ele, a primeira se dá pela ênfase precária do trabalho assalariado sem

carteira e do trabalho independente (por conta própria). Já a segunda, ocorre pelo

processo de deterioração das relações de trabalho, com a ampliação da

desregulamentação dos contratos temporários, de falsas cooperativas de trabalho,

de contratos por empresa ou mesmo unilaterais.

Para Alves (2013), a precarização do trabalho presente no capitalismo

global20 é definida a partir de duas dimensões: de um lado, pela precarização que se

20

Alves (2013, p. 39) emprega o termo capitalismo global para identificar o capitalismo histórico da fase da financeirização da riqueza capitalista. “O capitalismo global é o novo capitalismo flexível, em que se dissemina o espírito do toyotismo como nova ideologia orgânica da produção de mercadorias.”

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dá através da força de trabalho reduzida a simples mercadoria; de outro, pela

precarização que se dá no sentido de desefetivação do homem como ser humano-

genérico, ou seja, na redução da vida social a mero trabalho assalariado.

Diante de tais definições, é possível afirmar que os autores citados

anteriormente partem de dois elementos indispensáveis à hegemonia do capitalismo

vigente: a flexibilização das relações de trabalho e o trabalho estranhado ou

alienado.

É válido enfatizar que, embora construídos a partir de pontos de vista

diferentes, estes conceitos são imprescindíveis para a apreensão do atual estágio

em que se encontra a classe trabalhadora.

É diante desse panorama que buscaremos compreender como o trabalho

terceirizado tem se efetivado no mundo do trabalho, e como os trabalhadores

imersos na terceirização vivenciam esta modalidade precária de contratação.

2.2 O Processo de Terceirização

2.2.1 Origens e Contextos

Conforme já discutido no capítulo anterior, no Brasil, a reestruturação

produtiva e econômica surge na década de 1980 com a adoção de novos modelos

de produção e organização do trabalho. Tais medidas fizeram com que as empresas

rebaixassem seus custos e aumentassem a produtividade para manterem-se

competitivas e sobreviver à crise econômica. É diante dessa lógica do “capitalismo

flexível”, que a terceirização ganha impulso ligada às estratégias de redução de

custos (GARCIA, 1999).

No país, a terceirização já existe há muitos anos. Já na década de 50,

mais precisamente no governo JK, presenciava-se em torno das indústrias

automobilísticas uma rede de empresas que produziam e forneciam componentes e

peças necessárias à produção dos automóveis. Nesse período, essa forma de

terceirização já era bastante utilizada. Todavia, é somente nos anos 1990 que se

estabelece uma “nova (e radical) terceirização”21, que se desenvolveu com maior

21

Para Alves (2000), a nova (e radical) terceirização vem se expandindo desde a década de 1990, como uma inovação meramente organizacional, tal como a própria lógica do toyotismo. Ela reconstitui a rede de subcontratação instaurando uma verdadeira recomposição na hierarquia capitalista.

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intensidade e rapidez a partir da implantação das medidas neoliberais (ALVES,

2000, p. 204).

O processo de terceirização no Brasil pode ser visto como resultado da

implantação de novos modelos de organização e gestão do trabalho, que buscam

flexibilizar todo o âmbito da produção, com o intuito de obter uma produtividade mais

“enxuta” e de maior qualidade.

Conforme Druck & Borges (2002, p. 112-3):

A terceirização pode ser considerada como a principal política de gestão e organização do trabalho no interior da reestruturação produtiva. Isso porque ela é a forma mais visível da flexibilização do trabalho, pois permite concretizar – no plano da atividade do trabalho – o que mais tem sido propagado pelas estratégias empresariais e pelo discurso empresarial: “os contratos flexíveis”. (...) Transferir custos trabalhistas e responsabilidades de gestão passa a ser um grande objetivo das empresas mais modernas e mais bem situadas nos vários setores de atividade no que são seguidas pelas demais empresas.

Buscando entender melhor este processo, alguns estudos apontam a

existência de diferentes modelos de terceirização que foram estabelecidos no

contexto de reestruturação produtiva.

Alves (2000) afirma existir um contraste entre dois tipos de terceirização:

a primeira corresponderia a uma terceirização “autêntica”, que busca a parceria em

todo o fluxo produtivo, instaurando um relacionamento denominado “tipo ganha-

ganha”. Ela está presente em indústrias “modernas”, como por exemplo, o setor de

autopeças, em que é possível encontrar um esforço em conjunto entre a empresa

contratante e a empresa contratada, cujo foco é o aumento da qualidade dos

produtos. A outra estaria aliada a uma estratégia de confronto, visando à redução de

custos na produção, estabelecendo o antagonismo com os operários e o movimento

sindical, impondo um relacionamento “tipo ganha-perde”. Este último tipo de

terceirização pode ser identificado em indústrias “tradicionais”, tais como as

indústrias de calçados e confecções, onde é possível constatar formas precárias e

instáveis de emprego.

Diante desses modelos de terceirização, o autor afirma que é possível

perceber a presença da precarização e da instabilidade do emprego e do salário no

interior de toda a cadeia de subcontratações. Embora estas práticas sejam mais

explícitas em indústrias tradicionais, isso não significa dizer que as indústrias

modernas estejam livres do trabalho precário e instável. Pelo contrário, os diferentes

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tipos de subcontratações estão permeados pelo contraditório e pela persistente

articulação complexa entre o suposto “autêntico” e o “espúrio” (ALVES, 2000, p. 220-

1).

Seguindo esta mesma linha, Druck (1999) argumenta não ser possível

distanciar uma técnica “moderna” de uma “terceirização à brasileira”22. Ela acredita

que a terceirização deve ser entendida como uma estratégia que compõe um

programa maior do complexo reestruturativo, que visa novas formas de acumulação

de capital e a transposição de barreiras que impediam essa acumulação, criadas

pelos custos da força de trabalho e pela oposição trabalhista.

Na Sociologia do Trabalho e nas Ciências Sociais, é possível encontrar,

nos últimos anos, dezenas de pesquisas, teses e dissertações que analisam as

modificações ocorridas no mundo do trabalho contemporâneo. Elas apontam o forte

impacto que a ascensão dos contratos de trabalho flexíveis tem causado nos

diversos espaços em que está inserida, e enfatizam as consequências que

acarretam aos sindicatos e ao trabalho precário (MARCELINO; CAVALCANTE,

2012).

Entretanto, embora tenham aumentado as discussões em torno dessa

temática, o processo de terceirização deve ter seu debate ampliado, tendo em vista

que sua definição não se dá de forma consensual por seus estudiosos. O que se

percebe, é que diante dos diversos conceitos e referenciais analíticos diferenciados,

alguns elementos são facilmente constatados nas definições utilizadas. Exemplo

disso, é a recorrência dos termos de “repasse”, “transferência”, “especialização” e de

“flexibilização” (DRUCK; FRANCO, 2008, p. 99).

Conforme Relatório Técnico elaborado pelo DIEESE (2003), a

terceirização, presente hoje em grande número de empresas brasileiras, pode ser

entendida como sendo “o processo pelo qual uma empresa deixa de executar uma

ou mais atividades realizadas por trabalhadores diretamente contratados, e as

transfere para outra empresa” (DIEESE 2003, p.5).

É importante ressaltar, que se terceiriza o serviço ou a atividade, e não a

empresa ou o trabalhador; ou seja, o trabalhador que é contratado pela empresa

terceira não é terceirizado, mas faz parte do processo de terceirização (DIEESE,

2003).

22

Terceirização cujo objetivo central é a obtenção de lucros em curto prazo, reduzindo-se custos de forma generalizada.

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Após realização de vasta pesquisa bibliográfica acerca do entendimento

de terceirização, Marcelino e Cavalcante (2012) buscaram propor uma definição

abrangente para este amplo e complexo processo. Diferente do conceito

apresentado pelo DIEESE, os pesquisadores afirmam que a “terceirização é todo

processo de contratação de trabalhadores por empresa interposta, cujo objetivo

último é a redução de custos com a força de trabalho e/ou a externalização dos

conflitos trabalhistas” (p. 338).

É a partir desse entendimento que buscaremos compreender esta forma

de gestão do trabalho, tão presente na vida de inúmeros trabalhadores que vendem

a força de trabalho para obter o próprio sustento e/ou de sua família.

As formas de terceirização presentes hoje no Brasil são amplas e

variadas. Não havendo intenção em esgotar as possíveis relações entre duas

empresas e os trabalhadores terceirizados, Marcelino e Cavalcante (2012, p. 340)

elencaram uma lista com as principais formas de terceirização presentes no mundo

do trabalho atual.

1. Cooperativas de trabalhadores que prestam serviços para uma

empresa contratante. As cooperativas são, geralmente, compostas pelos

trabalhadores demitidos da empresa contratante, que foram incentivados

a montar uma cooperativa.

2. Empresas externas responsáveis pelo fornecimento de produtos para

uma empresa principal, tais como as autopeças que fornecem peças e

utensílios para as montadoras, principal relação deste tipo de

terceirização. Conforme os autores, este tipo de terceirização é,

possivelmente, a forma mais organizada de subcontratação, menos

precária e que sofre menos pressões contrárias a sua existência.

3. Empresas externas à contratante, subcontratadas para realizar

atividades específicas em ambiente exterior ao da contratada, tais como

as centrais de teleatendimento.

4. Empresas de prestação de serviços internos à contratante, em que os

trabalhadores realizam as tarefas como limpeza, transporte, vigilância,

jardinagem, logística, manutenção etc., dentro da contratante.

5. As Personalidades Jurídicas (PJ’s) são empreendimentos constituídos

de um único trabalhador, que realiza atividades específicas, antes

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exercidas por trabalhadores contratados formalmente, para outra

empresa.

6. Quarteirização, terceirização delegada ou terceirização em cascata é o

processo comumente encontrado nas redes de subcontratação e nos

processos de terceirização dentro das refinarias brasileiras. Este tipo de

terceirização abarca várias possibilidades de subcontratação por

empresas já subcontratadas.

O tipo de terceirização que se faz presente na pesquisa é o de prestação

de serviços internos à contratante, onde o trabalho realizado pelos trabalhadores

terceirizados acontece na empresa que contrata os serviços. Marcelino &

Cavalcante (2012, p. 341) afirmam que:

[...] Essa é a forma clássica de terceirização, sobre a qual não pairam dúvidas da natureza das relações estabelecidas. São empresas contratadas, de maneira exclusiva ou não, de modo permanente ou não, para o desenvolvimento de atividades dentro da contratante. Esse tipo de terceirização acontece no setor produtivo e no de serviços, na iniciativa privada e nos serviços públicos, e pode estar presente tanto nas atividades consideradas secundárias quanto nas principais.

Pode-se tranquilamente identificar este tipo de terceirização, tanto na

esfera pública quanto na privada, através do setor de serviços gerais. Não raras

vezes, é possível se deparar cotidianamente, nos mais variados espaços, com

trabalhadores terceirizados que realizam a limpeza. Pode-se reconhecê-los

facilmente pelo fardamento que se diferencia daqueles utilizados pelos

trabalhadores efetivos.

É importante destacar, que o trabalho a domicílio, o trabalho autônomo, a

sociedade entre empresas que dispõem de mesmas condições, e os processos de

fornecimento de uma empresa à outra de insumos e matérias-primas, não

constituem casos de terceirização. Marcelino e Cavalcante (2012) enumeram essas

situações e apontam a dificuldade que existe em realizar tal classificação. Para eles,

o critério de haver ou não uma empresa interposta23 na relação entre trabalhador e

contratante é fundamental.

A nova (e radical) terceirização surge em decorrência de um novo tipo de

comando capitalista da produção, manejado pelas subcontratantes que constituem o

23

Considera-se empresa interposta aquela que contrata o trabalhador e loca sua mão de obra a outra empresa.

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novo espaço de produção, reorganizado. Dessa forma, a nova terceirização possui

relevante dimensão política, ao passo em que acentua a fragmentação do coletivo

operário, enfraquecendo a organização de classe e seu poder de resistência às

espoliações do capital (ALVES, 2000).

Além da precarização de empregos e salários, Alves (2000) aponta três

motivos como sendo responsáveis por instigar a nova (e radical) terceirização. O

primeiro revela-se na captura da subjetividade da força de trabalho, que é a

responsável pela divisão da classe operária e pelo enfraquecimento dos sindicatos;

o segundo seria a expansão da flexibilidade na produção, que possibilita maior

número de mix de produtos; e o terceiro motivo indutor da terceirização, constitui-se

na redução de custos da produção, que intensifica a exploração da força de trabalho

e dá ênfase ao corte nos gastos.

No Brasil, o trabalho terceirizado anda lado a lado com a intensificação da

força de trabalho e com a precarização das condições de vida das classes

trabalhadoras. Se não houvesse a capacidade de reduzir custos e atribuir a outras

empresas os problemas trabalhistas, esta forma de contratação não teria ganhado,

nas últimas décadas, tamanha amplitude (MARCELINO; CAVALCANTE, 2012, p.

338).

Em consonância com esta afirmação, acreditamos que a terceirização

está intimamente ligada à redução de custos, já que o objetivo principal das

empresas capitalistas é a acumulação, cada vez mais elevada, da taxa de lucro.

Embora existam outras intenções com a terceirização, como a ênfase na qualidade,

a especialização de determinada tarefa, aumento da produtividade etc., concordo

com Marcelino e Cavalcante (2012) quando afirmam que a terceirização tem como

objetivo último a redução de custos com a força de trabalho e/ou a externalização

dos conflitos trabalhistas.

O DIEESE (2003), em seu Relatório Técnico intitulado como O processo

de terceirização e seus efeitos sobre os trabalhadores no Brasil, constatou que

dentre quatorze aspectos da terceirização citados pelas empresas como positivos,

metade deles tem ligação direta com a redução de custos e com a desmobilização

dos sindicatos, isto é, não possuem relação com a produção. Dentre os aspectos

citados estão: a diminuição do desperdício, a redução do quadro direto de

empregados, o novo relacionamento sindical, a desmobilização dos trabalhadores

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para reivindicações, a desmobilização para greves, a eliminação das ações sindicais

e, a eliminação das ações trabalhistas.

A “manipulação” do consentimento operário24 é característica central do

toyotismo, que estreita o nexo da hegemonia do capital à produção e restaura, a

partir disso, a ligação entre o consentimento operário e o controle do trabalho

(ALVES, 2000, p. 40). É mais interessante ao capital possuir total controle da força

de trabalho através da “captura da subjetividade operária”, do que tê-los resistentes

as formas de organização e gestão do trabalho.

O processo de terceirização que tem se expandido em grande escala nas

últimas décadas, impôs às relações de trabalho uma nova dinâmica que, além de

atingir os direitos trabalhistas, degradou o mundo do trabalho e enfraqueceu

significativamente as lutas sindicais. A ausência de leis que regulamentem a

terceirização possibilitou sua difusão tanto em espaços públicos quanto privados.

Atualmente, a terceirização vem sendo utilizada indiscriminadamente e atinge a

todos os setores. A seguir será possível visualizar os avanços e retrocessos de sua

regulamentação.

2.2.2 A Terceirização e o Direito do Trabalho

Ainda que a terceirização tenha se alargado significativamente nas

últimas décadas e esteja presente nas relações de trabalho, não existe uma

legislação que a regulamente.

A Súmula 331 do Tribunal Superior do Trabalho, editada em 1993, é a

única orientação sobre a terceirização. Ela define, dentre outros itens, que:

I - A contratação de trabalhadores por empresa interposta é ilegal, formando-se o vínculo diretamente com o tomador dos serviços, salvo no caso de trabalho temporário (Lei nº 6.019, de 03.01.1974). II - A contratação irregular de trabalhador, mediante empresa interposta, não gera vínculo de emprego com os órgãos da Administração Pública direta, indireta ou fundacional (art. 37, II, da CF/1988). III - Não forma vínculo de emprego com o tomador a contratação de serviços de vigilância (Lei nº 7.102, de 20.06.1983) e de conservação e limpeza, bem como a de serviços especializados ligados à atividade-meio do tomador, desde que inexistente a pessoalidade e a subordinação direta. IV - O inadimplemento das obrigações trabalhistas, por parte do empregador, implica a responsabilidade subsidiária do tomador dos serviços

24

Ver Alves (2000, p. 38).

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quanto àquelas obrigações, desde que haja participado da relação processual e conste também do título executivo judicial.

É válido enfatizar que este enunciado deixa claro que a terceirização da

atividade-fim de uma empresa é ilegal, isto é, somente o trabalho temporário e as

atividades-meio25, como serviços de segurança, limpeza e conservação, transporte

etc., é que podem ser terceirizados.

Druck e Franco (2008, p. 59) afirmam “que não existe uma lei clara que

proíba a terceirização, deixando os trabalhadores à mercê das interpretações dos

Tribunais em cada julgamento, numa clara situação de desproteção de justiça”.

Com base nas informações publicadas pelo DIEESE (2011), através do

dossiê Terceirização e Desenvolvimento: uma conta que não fecha, é possível

afirmar que nos últimos dez anos a CUT e as entidades sindicais filiadas que a

integram, têm travado constantes lutas para tentar barrar essa prática, e para

proporcionar aos homens e mulheres que vivem da venda de sua força de trabalho

direito a um tratamento digno, à sindicalização e à negociação coletiva.

No que diz respeito aos avanços, tramita no Congresso Nacional o PL

1621/07, elaborado pela CUT, que recomenda a regulamentação da terceirização,

instituindo a igualdade de direitos, a obrigatoriedade do aviso prévio, à proibição da

terceirização na atividade-fim, a responsabilidade solidária26 e a penalização de

empresas infratoras.

No sentido contrário, tramitam outros dois projetos sobre a terceirização: o

PL 4302/1998, que propõe a regulamentação da terceirização usando como

mecanismo a ampliação do tempo contratual do trabalho temporário, transformando-

o em padrão rebaixado de contratação, com direitos reduzidos; e, o PL 4330/2004,

de Sandro Mabel (PL-GO), que visa legalizar todas as formas de terceirização que

estão progredindo. Caso estes projetos sejam aprovados, a terceirização da

atividade-fim tornar-se-á legal e a Súmula 331 será extinta, tornando este tipo de

contratação ainda mais precário e abrangente.

25

A atividade-meio é aquela que faz parte do processo de apoio à produção do bem ou do serviço que é a razão de ser da empresa. A atividade-fim é aquela que faz parte do processo específico de produção do bem ou do serviço que é a razão de ser da empresa (DIEESE, 2003, p. 6).

26 Tratando-se de terceirização, a responsabilidade ocorre quando o trabalhador pode cobrar o

pagamento de direitos trabalhistas tanto da empresa terceirizada quanto do tomador de serviços.

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Diante desse contexto, Druck (2011) assegura que sendo a terceirização

um infortúnio presente no mundo do trabalho contemporâneo, contra a qual não se

pode lutar, a saída é impor limites a essa prática, com vistas a minimizar os efeitos

perversos causados aos trabalhadores.

Acreditamos que o ideal seria a extinção deste ato que tanto precariza

não só o mundo do trabalho, mas a classe trabalhadora. Todavia, tomando por base

a extensa dimensão que a terceirização tem adquirido nos últimos anos,

concordamos com a autora quando ela afirma que a alternativa é construir

obstáculos para diminuir os impactos sobre a massa de trabalhadores.

2.2.3 A terceirização em uma indústria têxtil cearense

No Nordeste do Brasil, a terceirização está bastante presente nas

diversas empresas que compõem o complexo produtivo. Com base no DIEESE

(2011), o estado que possui maior concentração de terceirizações nesta região é o

Ceará, que conta com 27,38% de terceirizados. No âmbito nacional, o Ceará só

perde para Santa Catarina, que lota 27,82% dos trabalhadores em setores

tipicamente terceirizados.

Estes dados são extremamente relevantes quando se traduzem em

números, pois a quantidade de trabalhadores que prestam serviços terceirizados é

muito elevada, tendo em vista que mais de um quarto da população cearense

economicamente ativa preenche este tipo de contratação flexível.

Situada no Ceará, a indústria têxtil que preenche o pano de fundo da

pesquisa, está inserida no processo de reestruturação produtiva capitalista e

incorpora à sua produção os novos modelos de organização e gestão do trabalho,

conforme já explicitados no capítulo anterior. Dentre as formas de gestão flexíveis,

encontra-se a terceirização, estratégia por ela utilizada para a realização de serviços

especializados, como a limpeza e a segurança armada.

A referida indústria conta atualmente com a mão de obra de 260

trabalhadores, que realizam os serviços terceirizados no âmbito de suas

dependências. No total são onze contratos fixos com diferentes empresas.

Os serviços terceirizados pela contratante são: serviços gerais,

teleatendimento, segurança armada, movimentação de fios, capatazia (duas

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empresas contratadas), locação de caminhões, movimentação de rolos, ambulatório

médico, alimentação industrial e tratamento de efluentes.

Gráfico 1 - Distribuição de mão de obra por setores

Fonte: Levantamento realizado em Fev./2014 pela pesquisadora.

Além da terceirização dos serviços fixos citados acima, a indústria têxtil

também possui contratos temporários, cuja realização do serviço possui data de

início e de conclusão. Os contratos temporários geralmente ocorrem em um curto

prazo de tempo, exemplo disso são os serviços de manutenção civil, como a pintura,

a manutenção de telhado, reforma de salas etc. Os serviços temporários não

puderam ser contabilizados devido a grande rotatividade das empresas e, em

consequência, da mão de obra.

As empresas contratadas que disponibilizam o maior número de mão de

obra, como pode ser visto no gráfico 1, são as de movimentação de rolo (74

trabalhadores), alimentação industrial (66 trabalhadores) e serviços gerais (50

trabalhadores).

Em relação ao total de trabalhadores que prestam serviços nesta indústria

têxtil, 91,5% dos trabalhadores possuem contrato direto e 8,5% realizam serviços

terceirizados.

A empresa contratada, também conhecida como empresa-mãe, é

responsável pela contratação direta dos trabalhadores que irão exercer suas

atividades em outra empresa. A empresa contratada, que fornece mão de obra para

a indústria têxtil, também se situa no estado do Ceará e conta com 250 (duzentos e

cinquenta) trabalhadores que realizam seus serviços na empresa que a contrata,

28%

25% 19%

9%

7%

6%

2% 2% 1%

1%

Distribuição de mão de obra por setores Movimentação de Rolos

Alimentação

Conservação e Limpeza

Ambulatório Médico

Tratamento de Efluentes

Capatazia

Movimentação de Fios

Segurança Armada

Atendimento de PABX

Locação de caminhões

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sendo que destes, 50 (cinquenta) trabalhadores prestam seus serviços na indústria

têxtil pesquisada.

É com base nas discussões realizadas até aqui, que partiremos para as

análises de todo o material obtido com as entrevistas. Serão explicitadas as

percepções, os entendimentos, as angústias e os sentimentos dos trabalhadores

que vivenciam a terceirização em uma indústria têxtil cearense.

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3 PERCEPÇÕES DO TRABALHADOR CONTEMPORÂNEO ACERCA DA SUA

CONDIÇÃO DE TERCEIRIZADO

No terceiro e último capítulo concentraremos as análises em torno das

informações e percepções dos entrevistados, colhidas no decorrer de toda a

pesquisa. Nosso objetivo é apresentar como o trabalho terceirizado é entendido

pelos trabalhadores, bem como investigar as condições de trabalho as quais eles

estão imersos. Para isso, ressaltaremos a fala dos sujeitos que contribuíram para a

materialização deste trabalho, no intuito de melhor compreender como estes se

percebem diante do cenário de precarização que se mantém no atual mundo do

trabalho.

Visando maior compreensão da realidade vivenciada pelos sujeitos da

pesquisa, este capítulo está estruturado em três tópicos: o perfil dos entrevistados,

condições de trabalho e as percepções sobre a satisfação dos trabalhadores e o

trabalho terceirizado.

No primeiro tópico, apresentaremos dados subjetivos de cada

entrevistado, para possibilitar uma visão mais ampla e abrangente do objeto de

análise, em seguida, explicitaremos as condições de trabalho as quais se submetem

os trabalhadores, no que diz respeito ao convívio e aos direitos que lhes são

restringidos; por fim, no último tópico, apresentaremos as percepções e satisfação

dessas pessoas sobre o trabalho terceirizado para, então, compreender como elas

se percebem diante desse tipo de contratação flexível que vivenciam.

3.1 Perfil dos Trabalhadores Entrevistados

Conforme informado no início deste Trabalho de Conclusão de Curso, a

presente pesquisa foi realizada com dez trabalhadores, terceirizados por uma

indústria têxtil localizada no Ceará, que realizam suas atividades no setor de

serviços gerais da referida empresa.

A seguir, apresentamos o quadro 1, e por meio dele buscaremos traçar

um breve perfil dos trabalhadores entrevistados, contemplando aspectos como

idade, sexo, estado civil, escolaridade e tempo de trabalho na empresa contratante

dos serviços.

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Tabela 1 - Perfil dos trabalhadores entrevistados

NOME* IDADE SEXO** ESTADO CIVIL ESCOLARIDADE***TEMPO DE TRABALHO

NA GLOBAL TÊXTIL

JOAQUIM 60 M CASADO E. M. I. 3 anos

AUGUSTO 57 M CASADO E. F. C. 12 anos

MANOEL 19 M SOLTEIRO E. F. C. 1 mês

SOFIA 50 F CASADA E. M. C. 1 mês

RAQUEL 45 F UNIÃO ESTÁVEL E. F. I. 1 ano

ANA 24 F SOLTEIRA E. M. I. 3 anos

SOCORRO 58 F CASADA E. F. I. 26 anos

MARCIA 35 F CASADA E. F. C. 3 anos

PEDRO 63 M CASADO E. F. I. 20 anos

HÉLIO 54 M CASADO E. M. I. 4 anos Fonte: Elaborado pela pesquisadora *Utilizamos nomes fictícios para resguardar a identidade dos entrevistados.

**Para especificar o sexo do entrevistado, utilizamos a letra M para o sexo Masculino e a letra F para o sexo Feminino. ***No campo escolaridade, utilizamos as siglas E.F.I., E.F.C., E.M.I. e E.M.C. para informar se os entrevistados possuem o Ensino Ensino Fundamental Incompleto / Completo ou Ensino Médio Incompleto / Completo, respectivamente.

Diante de tais informações, um dos elementos que devemos pontuar é o

fato de que entre todos os entrevistados, apenas um concluiu o ensino médio. Outra

característica importante apresentada no quadro, diz respeito à idade dos

trabalhadores, tendo em vista que a maior parte deles possui acima de 40 anos de

idade. Essas informações são importantes para que no terceiro tópico deste

capítulo, possamos compreender como alguns trabalhadores percebem a

terceirização.

Visando entender como hoje estes sujeitos compõem o complexo da

terceirização dos serviços, questionamos o que os levou a ingressar na Especial

Serviços. Ao realizar tal indagação, seis dos entrevistados citaram a expressão

desemprego como o principal motivo para a sua entrada na empresa citada. As falas

a seguir ratificam esta afirmação:

É porque eu estava passando um tempo desempregado, coloquei algum currículo em farmácia

27 e num surgiu mais vaga, não fui chamado. Como

tava demorando, eu fui procurar outros, outras profissões e encontrei aqui através de uma amiga da igreja. (JOAQUIM, 60 anos)

27

O Sr. Joaquim possui uma experiência de aproximadamente 20 anos como balconista de farmácia.

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50

Eu estava procurando emprego fazia cinco anos, eu estava atrás (...) em todo canto e nada e nada e nada... Aí a minha cunhada disse que na Especial Serviços estavam precisando de cem vagas. Aí eu disse: é agora! Então, eu fui deixar meu currículo lá e quando foi com mais ou menos uma semana, eles me chamaram. (MÁRCIA, 35 anos)

Outra trabalhadora expôs sua condição de desemprego:

O amigo do meu marido soube que eu tinha saído da firma e tava atrás de emprego. Aí ele disse: manda ela ir lá na Especial Serviços que pode até ela entrar colocando currículo. Aí eu coloquei e não passou um mês, e eu fui chamada. (RAQUEL, 45 anos)

Conforme já discutido no capítulo anterior, o desemprego é um dos

fatores que levam o trabalho a uma condição de precarização. Neste sentido,

Kameyanna (1998) afirma que a acumulação flexível possibilita ao capital a

diminuição dos empregos formais e regulares em favor da expansão das formas de

trabalho precárias, de tempo parcial, temporário ou subcontratado.

Este é um dado que nos permite apreender que, com a escassez de

contratos de trabalho formais e diretos e com a ampliação do desemprego estrutural,

estes trabalhadores tiveram que se render a flexibilidade dos contratos de trabalho

instituídos pelo capital.

Trata-se, portanto, de uma destrutividade que se expressa intensamente quando descarta, tornando ainda mais supérflua, parcela significativa da força mundial de trabalho, onde milhões encontram-se realizando trabalhos parciais, precarizados, na informalidade ou desempregados. Isso porque na eliminação/utilização dos resíduos da produção, o capital desemprega cada vez mais trabalho estável, substituindo-os por trabalhos precarizados, que se encontram em enorme expansão no mundo agrário, industrial e de serviços, bem como nas múltiplas interconexões existentes entre eles, como na agroindústria, nos serviços industriais ou na indústria de serviços. (ANTUNES, 2011, p. 407)

Os outros quatro entrevistados ingressaram na Especial Serviços porque

há muitos anos já prestavam serviços para a Global Têxtil. Este fato acontece da

seguinte forma: quando há o encerramento de contrato com uma empresa

prestadora de serviços, a empresa que a sucede passa a ser responsável pelos

contratos de trabalho dos que executam o serviço terceirizado que, nesse caso,

seria o serviço de conservação e limpeza.

Trabalhando na Global Têxtil há 16 anos, prestando serviços

terceirizados, a entrevistada Socorro (58 anos) explicou como aconteceu seu

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ingresso na Especial Serviços: “Foi assim, sabe, quando termina um contrato, eu

passo para outra locadora, aqui dentro mesmo. De uma locadora para outra”.

Diante dessa situação, pode-se inferir que o trabalhador é, mais uma vez,

prejudicado, pois tendo o contrato encerrado, a empresa é obrigada a pagar as

verbas indenizatórias para os trabalhadores, o que nem sempre acontece. Segundo

o DIEESE (2011):

[...] com o objetivo de vencer o processo licitatório e serem contratadas para execução do serviço, muitas empresas, criadas exclusivamente com este objetivo, apresentam valores de contrato abaixo dos valores necessários para cumprimento das obrigações trabalhistas cabíveis em processos rescisórios, ou seja, os chamados preços inexequíveis.

Com os preços defasados e com a ausência de uma legislação que

regulamente a terceirização, os trabalhadores ficam expostos aos conhecidos

“calotes”, que fazem desvanecer os direitos trabalhistas e isentam as empresas de

suas obrigações.

3.2 Condições de Trabalho

Durante as entrevistas, foi possível perceber que as condições de

trabalho dos entrevistados são bem distintas das condições vivenciadas pelos

trabalhadores que possuem contrato direto com a empresa contratante.

Os trabalhadores que possuem contrato formal e direto com a Global

Têxtil, além do salário, têm direito aos benefícios de assistência médica e

odontológica, cesta básica, seguro de vida, salário-família, auxílio-creche, programa

de participação nos resultados e convênios com bancos, livrarias e cartões de

vantagens28. Já os trabalhadores que prestam serviços terceirizados na contratante,

relataram que recebem pouco mais que um salário mínimo e não possuem acesso

aos benefícios citados. Vejamos alguns dos relatos:

É só o salário seco mesmo, vamos dizer assim. A gente num tem direito a uma feira, não tem direito a um médico [...], é uma coisa que a gente acha

28

Salientamos que todas essas informações referentes aos benefícios sociais foram apreendidas no período de realização do estágio curricular não obrigatório, tendo em vista que o setor de Serviço Social da referida indústria fica responsável pela manutenção de todos esses benefícios, além das demais atividades que competem ao setor.

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que a gente tinha direito mais um pouquinho, né?! Um transporte, uma feira, mas a gente não tem direito. (RAQUEL, 45 anos)

É assim, um pouco desclassificado, né?! A terceirizada não oferece nada a gente, vale-transporte, plano de saúde [...]. Só basta meia palavra para um bom entendedor. Não oferece nada. (AUGUSTO, 57 anos)

Sendo o objetivo central da terceirização a redução de custos, as

empresas contratantes restringem os benefícios sociais, com o objetivo de “enxugar”

ao máximo os custos com a produção.

Para Alves (2000, p. 222), a diminuição desses custos é um dos principais

motivos indutores da terceirização. Segundo ele, “é por isso que as firmas

subcontratadas (...) tendem a contratar operários com estatutos salariais mais

precários, quase sempre driblando a legislação trabalhista e tributária”.

Também insatisfeito com essa situação, o entrevistado Joaquim (60 anos)

relata que “a Global Têxtil, para os funcionários dela, dá o transporte, dá plano de

saúde, tem participação nos lucros da empresa, dá cesta básica, e isso nada nós

temos. Os terceirizados num tem direito a nada”.

De acordo com Krein (2007):

A terceirização é uma forma de reduzir custos que pode ocorrer não somente pela sonegação da legislação trabalhista, mas também pela diferenciação no nível salarial e de benefícios entre os contratados diretamente e os terceirizados.

Dentre os benefícios citados, percebemos durante as entrevistas, que o

mais recorrente nas falas foi o transporte. A Global Têxtil oferece aos seus

trabalhadores, com vínculo formal de trabalho, ônibus particulares que fazem a rota

de casa ao trabalho e do trabalho para casa. Este serviço é realizado através de

contrato com empresa especializada, caracterizando-se assim, como mais um tipo

de terceirização de serviço.

Com o benefício negado, a maior parte dos trabalhadores se locomove ao

trabalho de bicicleta, dois vão ao trabalho de moto e uma vai de transporte

alternativo. Aos que utilizam o transporte alternativo e transporte próprio, o custeio

da locomoção é realizado por eles próprios. Sobre a restrição deste tipo de

benefício, alguns trabalhadores evidenciaram sua insatisfação em não poder usufruí-

lo.

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Na prestadora, a gente num tem acesso aos ônibus, daqui pra minha casa é mais de duas léguas de viagem, venho todo dia de bicicleta. Aí, assim, antes a gente tinha acesso aos ônibus, aí a Especial Serviços entrou, não sei se foi o coordenador ou outra pessoa, tiraram o direito da gente de andar no ônibus. Aí ficou um pouco difícil, só isso mesmo [...]. (HÉLIO, 54 anos)

O transporte que não tem, a gente vem de ônibus, correndo risco de vida, você sabe que quem sai de casa cinco horas da manhã, pra chegar aqui no horário pra entrar, tem que enfrentar. [...] Se eu for esperar pelos ônibus, eu não chego aqui na hora de entrar, já entra atrasado. Eu saio de casa de bicicleta, cinco horas da manhã, pra poder chegar aqui mais ou menos cinco e meia pra poder entrar. (RAQUEL, 45 anos)

Outro trabalhador evidencia o seu medo em ter que se locomover para o

trabalho de bicicleta:

É ruim sobre o transporte, né? Que a Especial Serviços num dá. Eu venho de bicicleta. Lá do canto onde eu moro, eu vindo de bicicleta, eu gasto só uns vinte minutos. Porque, assim, o meu horário

29 é das duas da tarde as

dez da noite e lá é um lugar muito perigoso. Taí, ontem já mataram um lá, é muito perigoso [...]. (MANOEL, 19 anos)

A partir dos relatos, podemos apreender que além da discriminação

sofrida, outro fator que incide sobre os trabalhadores que prestam serviços

terceirizados é a não preocupação com a segurança no trabalho. A ausência de

vale-transporte ou a contenção do acesso às rotas da empresa fazem aumentar o

risco do acidente de trajeto, tendo em vista que estas pessoas optam por se

locomover de bicicleta por não terem condições financeiras de desembolsar

diariamente as passagens de ida e volta ao trabalho.

Segundo relatório do DIEESE (2011):

A realidade demonstra que a terceirização vem contribuindo de forma significativa para incrementar as taxas de morbidade e de mortalidade por acidente de trabalho e para encobrir os dados, aumentado também a invisibilidade deste grave problema social e de saúde pública. Longe de serem fruto do acaso, fatalidade ou negligência dos trabalhadores, as doenças e mortes causadas pelo trabalho são absolutamente previníveis e evitáveis, portanto, é inadmissível e injusto que as pessoas continuem morrendo e adoecendo por causa do trabalho.

29

A produção da Global Têxtil trabalha 24 horas e divide-se em três períodos, cujo início dos turnos se dá as 05h30min, 13h50min e as 22h09min. Os trabalhadores que foram entrevistados trabalham no primeiro e segundo turnos.

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54

Outro questionamento levantado durante as entrevistas foi a relação dos

entrevistados com os trabalhadores efetivos. As exposições possibilitaram o

entendimento de como os sujeitos da pesquisa veem sua relação com os

trabalhadores diretamente contratados.

Percebo que, às vezes, tem pessoas que por ser da empresa, acha que nós somos uma minoria. Tem diferença, a gente percebe. Em ser da empresa (Global Têxtil), já olha pra gente por cima do ombro. [...] Às vezes, basta um olhar, às vezes, um olhar fala tudo. [...] Você não precisa nem tá entrando em detalhes pra você sentir que quando a pessoa olha pra você, de certa maneira, você vê que a pessoa falou tudo. (SOFIA, 50 anos)

[...] a gente é assim um pouco afastado do povo da Global Têxtil, eu sei por que eu sinto isso. [...] A gente se sente um pouco, assim, meio desclassificado. Porque às vezes, um exemplo, tem uma festa lá no grêmio recreativo, o trabalho da gente é só o de levar as mesas, as cadeiras, arrumar, deixar tudo beleza; aí eles ficam na festa e a gente sai. A gente só volta pra lá quando termina pra fazer a limpeza. (AUGUSTO, 57 anos)

O tratamento diferenciado gera nos trabalhadores um sentimento de

exclusão. O processo de discriminação entre trabalhadores contratados e

terceirizados é, segundo Druck (2008), um dos efeitos políticos da terceirização.

Segundo o Dicionário Rideel de Língua Portuguesa (2000), a palavra

política diz respeito à organização de uma nação. Nesse sentido, a autora aponta o

processo discriminatório como sendo uma linha divisória que separa os

trabalhadores e atinge, em grande escala, sua forma de atuação.

Durantes as entrevistas, ao perguntar sobre este relacionamento, alguns

entrevistados afirmaram não perceber diferença no tratamento, entretanto, em

outros momentos, eles deixaram transparecer em suas falas, o sentimento de

indiferença que afeta o trabalhador que presta serviços terceirizados.

Alves (2000, p. 266) esclarece essa cisão que se dá no seio da classe

trabalhadora. Segundo ele:

[...] ao constituir uma rede de subcontratação complexa, o capital tende a criar uma polarização na classe operária, constituindo, por um lado, uma ‘elite’ de novos operários polivalentes (e mais qualificados), inseridos no novo estranhamento capitalista, convivendo no interior de uma cadeia produtiva, com uma classe operária com estatutos salariais precários e segmentados.

Esse processo de fragmentação do coletivo de trabalhadores atinge tanto

a identidade individual quanto a organização dos trabalhadores. A segregação, a

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55

perda dos vínculos e a falta de uma identidade coletiva, que decorre da

discriminação e da ênfase na descartabilidade, são fatores que abalam fortemente a

solidariedade de classe, que se encontra arruinada pela concorrência entre os

próprios trabalhadores. Por outro lado, com a polarização da classe trabalhadora, a

organização sindical entra em crise, dificultando uma atuação forte e resistente às

imposições da nova ordem neoliberal (DRUCK, 2011).

A divisão que vem se intensificando no interior da classe trabalhadora,

decorre, em boa parte, da expansão dos contratos de trabalho flexíveis e da ênfase

dada a individualização dos sujeitos. Assim, cada grupo de trabalhadores reivindica

interesses particulares e reduzidos, que acabam por enfraquecer uma luta mais forte

e abrangente dos trabalhadores.

3.3 Percepções sobre o Trabalho Terceirizado

Considerando que as contradições se fazem presentes na realidade

social, finalizaremos as análises desta pesquisa com base no entendimento de que

vivemos em uma sociedade movida pela lógica do capital e pela busca constante da

“captura da subjetividade humana30”.

Até aqui, as análises realizadas nos permitiram compreender o contexto

precário e desfavorável vivenciados pelos sujeitos entrevistados. Neste tópico,

iremos expor suas percepções acerca do trabalho terceirizado e a satisfação dos

sujeitos com as empresas envolvidas.

Ao indagar os entrevistados sobre a satisfação em prestar os serviços

para a empresa contratante, Global Têxtil, os mesmos afirmaram que estão

satisfeitos. Para justificar o motivo dessa satisfação, três fatores se fizeram

presentes nas falas: a comodidade de trabalhar próximo de casa, a oportunidade de

trabalho e os vínculos de amizade criados com os demais trabalhadores prestadores

de serviços terceirizados.

As falas a seguir confirmam esta constatação:

30

Alves (2007, p. 78) utiliza o termo “captura” da subjetividade do trabalho, “para caracterizar o nexo essencial do modo de organização toyotista do trabalho capitalista. É importante destacar que colocamos ‘captura’ entre aspas para salientar o caráter problemático da captura, ou seja, a captura não ocorre, de fato, como o termo utilizado poderia supor. Estamos lidando com um processo social que não se desenvolve de modo perene, sem resistências e lutas cotidianas”.

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Eu me sinto satisfeito porque é perto de casa. A gente vem de bicicleta para o trabalho. [...] A gente é acostumado com as pessoas, já é acostumado com todo mundo aqui, com a turma toda. (HÉLIO, 54 anos)

Estou satisfeito sim. Se não fosse a Global Têxtil eu não estaria trabalhando. Eu num tinha nem entrado na Especial Serviços. (MANOEL, 19 anos)

Outra entrevistada aponta o motivo de sua satisfação:

Eu me sinto satisfeita porque quando eu entrei aqui eu passei por uma dificuldade muito grande... Aqui foi onde eu criei meus filhos, porque meu esposo me deixou, ta entendendo? Ele não me ajudava. (SOCORRO, 58 anos)

Notamos que os sujeitos reduzem a sua satisfação no trabalho a fatores

financeiros, já que, por um lado, morar perto do local de trabalho possibilita a eles a

economia do dinheiro que seria gasto com passagens nos transportes público, por

outro, ter a oportunidade de trabalhar significa dizer que eles irão poder contar com

dinheiro a cada quinzena do mês.

A afirmação positiva também se dá quando questionamos a satisfação em

ser contratado pela prestadora de serviços. Dentre as respostas, o argumento mais

expressivo utilizado pelos trabalhadores foi o pagamento em dia e, mais uma vez, a

oportunidade de trabalho. A seguir, as citações irão corroborar a satisfação por

receberem o salário sem atraso31.

Eu me sinto satisfeito, porque ela é uma empresa pequena, mas é boa, paga normal, não atrasa. (...) Me sinto satisfeito porque não atrasa o pagamento, paga em dia. (HÉLIO, 54 anos)

Eu estou satisfeita porque ela paga direitinho, isso é bom, muito bom. (...) Só de pagar direitinho, só isso aí, pra mim já estou satisfeita. (MÁRCIA, 35 anos)

Para este trabalhador, a oportunidade de contratação é o motivo de sua

alegria:

Estou satisfeito porque se eu chegar a sair daqui, eu te pergunto: Pra onde é que eu vou se eu não tenho estudo para entrar em outra empresa? Eu não tenho! Porque as empresas pedem o segundo grau, pedem isso, pedem aquilo e eu não tenho. (AUGUSTO, 57 anos)

31

A maior parte dos entrevistados enfatiza o pagamento em dia porque afirmaram que algumas das empresas prestadoras de serviços que possuíram contrato com a Global Têxtil anteriormente, atrasavam os pagamentos todos os meses.

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57

Diante dessas afirmações, podemos perceber que para estes

trabalhadores, a venda da força de trabalho em troca de salário já é o suficiente para

deixá-los satisfeitos. Se levarmos em consideração as falas apresentadas no tópico

anterior, iremos inferir que a contradição permeia a subjetividade dos trabalhadores

que temem o desemprego.

A precarização que se dissemina no bojo da sociedade capitalista

aumenta o sentimento de insegurança e vulnerabilidade nos trabalhadores, levando-

os a subordinar, de qualquer forma, sua força de trabalho ao capital. De acordo com

Druck (2011, p. 78):

[...] força e consentimento são os recursos que o capital se utiliza para viabilizar esse grau de acumulação sem limites materiais e morais. A força se materializa, principalmente, na imposição de condições de trabalho e de emprego precárias frente a permanente ameaça de desemprego estrutural criado pelo capitalismo. Afinal, ter qualquer emprego é melhor do que não ter nenhum.

Tomando como fundamento a última frase da autora, percebemos que

esta é uma situação bastante contumaz não só no entendimento dos sujeitos da

pesquisa, mas na concepção de inúmeras pessoas que compõem ou se sentem

ameaçadas pelo desemprego estrutural.

Tendo em vista que no capitalismo moderno, a figura do consumidor está

no centro da sociedade, as pessoas priorizam a moeda em busca de sobreviver às

exigências do mercado. O fetichismo social tão enraizado na sociedade atual

evidencia as relações sociais através de coisas e faz com que a sociedade perca o

controle de si mesma (ALVES, 2007).

Sobre a terceirização, interrogamos aos entrevistados como eles

percebem o trabalho terceirizado. A primeira vista, notamos que eles ficaram um

pouco perdidos e não souberam responder, com exceção do Sr. Joaquim (60 anos),

que prontamente replicou:

Trabalho terceirizado? Eu entendo assim, que é uma empresa que presta serviços a outra, não quer ter tanta preocupação com o funcionário e contrata outra empresa para ser responsável por aquele funcionário.

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Buscando esclarecer a pergunta, questionamos se os trabalhadores viam

a prestação de serviços de forma positiva ou negativa, ainda assim, três dos

entrevistados não souberam ou não quiseram responder.

Dentre as respostas, o aspecto que mais uma vez se destacou foi a

oportunidade de trabalhar. Vejamos como os trabalhadores percebem a

terceirização:

A gente é mais cobrado, né?! [...] Ele é bom e positivo, porque tantos aí que não terminou seus estudos, aí não tem assim, nem condições de tá pela Global Têxtil, e tem a chance de tá no terceirizado. Pois é, e a pessoa necessita mesmo, porque hoje, se a pessoa num tiver trabalho, pelo amor de Deus, como é que vai viver? (SOCORRO, 58 anos)

É positivo para o trabalhador. Por exemplo, se eu não tenho oportunidade na firma grande, eu tenho na pequena. Na pequena tem aquela capacidade de colocar as pessoas pra trabalhar. Eu acho positivo [...] esse entrosamento das firmas grandes com as pequenas. (HÉLIO, 54 anos)

[...] ou que seja A ou que seja B, eu não tenho nada a questionar não. Porque aqui, eu posso dizer assim, que é o sustento, de onde eu trabalho e gosto [...] é o meu bem querer, é o meu trabalho, é o dinheiro que eu recebo para sustentar minha família. (AUGUSTO, 57 anos)

Podemos novamente ressaltar que a precarização que se instala no

mundo do trabalho contemporâneo torna os trabalhadores frágeis, submissos e

desacreditados e isso, como pudemos perceber nas entrevistas, independe de idade

ou do tempo de trabalho na empresa contratante. A fala da entrevistada Sofia (50

anos) sobre a sua percepção do que é a terceirização, demonstra este sentimento

de descartabilidade, já apontado em outros momentos da pesquisa:

Eu acho positivo assim: positivo no momento em que você está trabalhando, você está contribuindo pra alguém [...]. A partir do momento que terminou aquele serviço, você já num tem mais aquela importância para aquela pessoa que lhe contratou [...].

Apenas um dos entrevistados entende a terceirização de forma negativa:

Não entendo como uma empresa grande como a Global Têxtil tem que contratar outra empresa, podendo contratar o trabalhador. É negativo, porque a Global Têxtil lucra o dela, a terceirizada também e nós é quem perde. (PEDRO, 63 anos)

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A partir das informações expostas neste tópico, é necessário

compreender que o entendimento destes trabalhadores sobre o trabalho terceirizado

perpassa pelo plano subjetivo e se dá a partir das condições de sobrevivência que

lhes são determinadas. Como afirma Druck (2011, p. 87), a “hegemonia do setor

financeiro ultrapassa o terreno estritamente econômico do mercado e impregna

todos os âmbitos da vida social, dando conteúdo a um novo modo de trabalho e de

vida”.

É notório que todos os elementos apresentados evidenciam a

predominância de uma precarização que tem atingido não só a matéria, através da

força de trabalho, mas a subjetividade do trabalhador, suas percepções e

sentimentos. Este panorama nos faz inferir que o trabalho concreto, discutido no

início deste Trabalho de Conclusão de Curso, é substituído pelo trabalho abstrato,

na medida em que o trabalhador passa a vender sua força de trabalho como uma

mercadoria e, realizando suas atividades laborais, não se reconhece no que faz.

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CONSIDERAÇÕES FINAIS

[...] ou que seja A ou que seja B, eu não tenho nada a questionar não. Porque aqui, eu posso dizer assim, que é o sustento, de onde eu trabalho e gosto. [...] É o meu bem querer, é o meu trabalho, é o dinheiro que eu recebo para sustentar minha família. (AUGUSTO, 57 anos)

Nos últimos anos, a reestruturação produtiva e a incorporação de

medidas flexíveis à produção acentuaram o nível de precarização das condições de

trabalho e de vida do trabalhador. A retração dos postos de trabalho e o

desemprego, frutos da substituição do trabalho humano por máquinas modernas e

inteligentes, cativa na classe trabalhadora o medo e a instabilidade.

O fetiche do mercado e a alienação, tão presentes no mundo do trabalho

atual, são elementos fundamentais para a reprodução do capitalismo vigente. Com

base nesta afirmação, podemos inferir que o trabalhador encontra-se hoje, rendido

às artimanhas do capital, pois de um lado há uma massa de desempregados

tentando conseguir uma vaga no mercado de trabalho e, do outro, a retração das

contratações formais de trabalho diminui as possibilidades dos contratos que são

regidos pela CLT.

A expansão do trabalho informal, temporário, de tempo parcial e

terceirizado, tem sido a saída para muitos trabalhadores que não encontram

oportunidades no mercado formal de trabalho. A citação que dá início a estas

considerações retrata com clareza e precisão o que temos discutido até aqui. Na

sociedade do consumo, o trabalhador vê-se obrigado a consentir com muitas das

condições que lhes são impostas para que, ao chegar ao final do mês, o dinheiro,

recebido em troca da venda da força de trabalho, possa custear o sustento de si e

de sua família.

A terceirização, forma de contratação flexível muito presente em inúmeras

empresas atuais, carrega consigo a precarização do trabalho que afeta diretamente

os trabalhadores que vivenciam esta dinâmica. A partir dos relatos colhidos durante

as entrevistas e das análises empíricas realizadas neste estudo, é possível

apontarmos algumas das consequências que este tipo de contratação provoca à

“classe-que-vive-do-trabalho”: intenso processo de discriminação, perda de diretos

trabalhistas, sentimento de instabilidade e inferioridade, ausência de uma

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consciência de classe, legislação vulnerável, enfraquecimento das lutas e

reivindicações e, consequentemente, a crise sindical.

Sabemos que as consequências estão para além das que acabamos de

citar, se nos reportarmos às análises bibliográficas realizadas no capítulo II deste

estudo, encontraremos outros fatores negativos que incidem na vida dos

trabalhadores que prestam serviços terceirizados. Neste sentido, a pesquisa

realizada encontra-se consoante a fala de autores e pesquisadores que seguem

esta mesma linha de estudos.

As condições de trabalho as quais se submetem os sujeitos desta

pesquisa ratificam a precarização do trabalho e, em contrapartida, proporcionam

ganhos à empresa contratante dos serviços. A restrição dos benefícios, o sentimento

de rebaixamento e a discriminação que fazem parte da empiria deste trabalho,

causam impactos extremamente negativos, que atingem tanto aspectos objetivos

quanto subjetivos da vida destes trabalhadores. Já para a empresa que contrata os

serviços, as conquistas são bastante favoráveis, pois se ligam ao “enxugamento”

dos custos com a produção e a transferência dos conflitos trabalhistas para a

empresa que terceiriza os serviços.

Embora tenhamos apontado todos estes efeitos perversos que compõem

a terceirização, é importante compreendermos que estes trabalhadores estão

imersos em um contexto maior de precarização estrutural do trabalho. A incessante

ameaça de integrar o desemprego estrutural, processo que vem sendo alimentado

pelo capitalismo global, faz com que os trabalhadores vejam a terceirização como

algo positivo. Algumas das falas se reportaram a terceirização como sendo a

solução de seus problemas, mesmo tendo acabado de expor a insatisfação com

relação à negação dos benefícios e a discriminação vivenciada.

A contradição existente nas declarações dos entrevistados é a mesma

que rege as relações sociais de produção do sistema capitalista. Nesse sentido, é

possível afirmar que a alienação mantém uma espécie de controle social

indispensável para a hegemonia do capital.

Diante de um processo de heterogeneização, fragmentação e

complexificação da classe trabalhadora (ANTUNES, 2011), ressaltamos que todas

as considerações realizadas aqui estão ligadas a um perfil específico de trabalhador

que foi apresentado no capítulo III, e possui características como a baixa

escolaridade, idade avançada e realização de serviços manuais que requerem

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poucos conhecimentos técnicos. É válido ressaltar que não é somente esse público

que têm vivenciado este tipo de contratação flexível, a terceirização tem abrangido

também profissionais graduados de diversas áreas, seja no setor público ou no

privado.

Consideramos ter alcançado o objetivo inicial de identificar os impactos da

terceirização na vida dos trabalhadores que prestam serviços terceirizados de

limpeza em uma indústria têxtil e compreender como eles se percebem diante desse

tipo de contratação flexível. Acreditamos ainda, que as discussões realizadas

possibilitaram o amadurecimento de algumas questões que permeiam o mundo do

trabalho contemporâneo, incentivando, assim, a nos aprofundarmos cada vez mais

nos estudos sobre esta temática.

Por fim, acreditamos ser necessário destacar a importância que cada

relato, cada gesto, cada questão não respondida teve para a construção deste

estudo. A simplicidade com que os trabalhadores expuseram suas vivências e

percepções possibilitaram-nos maior apreensão e aproximação da realidade

pesquisada e nos fizeram perceber a relevância que as falas tiveram para o

desenvolvimento e concretização deste Trabalho de Conclusão de Curso.

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APÊNDICE

APÊNDICE A – Termo de Consentimento Livre e Esclarecido

TERMO DE CONSENTIMENTO LIVRE E ESCLARECIDO

Convidamos você a participar da Pesquisa referente à temática: A

Terceirização na Contemporaneidade, que está sendo desenvolvida pela

pesquisadora, graduanda em Serviço Social, Juliana Melgaço Sampaio, sob

supervisão do orientador Professor Mestre Cleyton Monte.

O objetivo geral da pesquisa é compreender a dinâmica vivenciada pelos

trabalhadores terceirizados, subcontratados por uma indústria têxtil localizada no

Ceará, bem como compreender como eles se percebem diante desse tipo de

contratação flexível.

Sua participação é voluntária e se dará por meio de entrevista com

perguntas abertas sobre suas experiências de trabalho anterior e atual. A mesma

ocorrerá na empresa contratante dos serviços e terá aproximadamente 30 minutos.

Ao colaborar com esta pesquisa, você incentivará a produção de

conhecimento acadêmico sobre a temática e contribuirá para ampliação de novas

discussões sobre o trabalho terceirizado na contemporaneidade.

A sua participação nesta pesquisa é totalmente voluntária e não haverá

qualquer ônus ou despesa. Caso decida não participar, fica a seu critério a

possibilidade de desistência em qualquer fase de realização da mesma.

Contando com a sua compreensão e valiosa cooperação, solicitamos sua

permissão para que a entrevista seja gravada.

Assumimos o compromisso de utilizar os dados somente para esta

pesquisa. Os resultados desta serão analisados e publicados, mas sua identidade

não será divulgada, sendo resguardada em sigilo.

Em qualquer etapa do estudo, poderá contatar a pesquisadora para o

esclarecimento de dúvidas através do número _____________. Agradecemos,

desde já, sua colaboração e nos colocamos a disposição para quaisquer

esclarecimentos.

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Caso tenha alguma consideração ou dúvida sobre a ética da pesquisa,

também pode entrar em contato com nossa instituição de ensino Faculdades

Cearenses – FaC pelo número 3201-7000.

Consentimento Pós–Informação

Eu,________________________________________________________________,

declaro que fui devidamente esclarecido (a) sobre a pesquisa e dou o meu

consentimento para participar, autorizando a publicação dos resultados, desde que

seja respeitado o sigilo e o caráter voluntário da minha participação. Este documento

é emitido em duas vias que serão ambas assinadas por mim e pelo pesquisador,

ficando uma via com cada um de nós.

Data: ___/ ____/ ____

________________________________________

Assinatura do Participante

________________________________________

Assinatura do Pesquisador Responsável

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APÊNDICE B – Roteiro da Entrevista

1. Idade.

2. Sexo.

3. Escolaridade.

4. Estado Civil.

5. Possui filhos? Quantos?

6. Bairro onde mora?

7. Mora com quem?

8. Exerce qual função? Há quanto tempo?

9. Possui outras experiências profissionais? Fale sobre elas.

10. Como ingressou na empresa Especial Serviços?

11. Há quanto tempo possui contrato com a atual empresa terceirizada? Sente-se

satisfeito em ser contratado por ela? Por quê?

12. Há quanto tempo trabalha na empresa contratante? Sente-se satisfeito em

realizar seus serviços nela? Por quê?

13. Como se sente em relação aos trabalhadores efetivos?

14. Percebe alguma diferenciação dos benefícios da empresa em que é contratado e

da empresa em que presta os serviços?

15. Sente-se mais “parte da família” da empresa em que trabalha ou da empresa em

que é contratado/a? Por quê?

16. Qual sua perspectiva profissional daqui há 10 anos?

17. O que compreende por trabalho terceirizado?