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CENTRO DE ENSINO SUPERIOR DE JUIZ DE FORA IRINEIDE SANTARÉM ANDRÉ HENRIQUES LITERATURA E PSICANÁLISE; BARROCO E FEMININO EM GRANDE SERTÃO: VEREDAS Juiz de Fora 2008

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CENTRO DE ENSINO SUPERIOR DE JUIZ DE FORA IRINEIDE SANTARÉM ANDRÉ HENRIQUES

LITERATURA E PSICANÁLISE; BARROCO E FEMININO EM GRANDE SERTÃO: VEREDAS

Juiz de Fora 2008

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IRINEIDE SANTARÉM ANDRÉ HENRIQUES

LITERATURA E PSICANÁLISE; BARROCO E FEMININO EM GRANDE SERTÃO: VEREDAS

Dissertação apresentada ao Centro de Ensino Superior de Juiz de Fora, como requisito parcial para a conclusão do Curso de Mestrado em Letras, Área de Concentração: Literatura Brasileira. Linha de Pesquisa: Literatura de Minas: o regional e o universal.

Orientadora: Drª. Thereza da Conceição A. Domingues.

Juiz de Fora 2008

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Ficha Catalográfica elaborada pela Biblioteca Esdeva – CES/JF Bibliotecária: Alessandra C. C. Rother de Souza – CRB6­1944

HENRIQUES, Irineide Santarém André. Literatura e psicanálise: barroco e feminino em Grande sertão:

veredas. [manuscrito] / Irineide Santarém André Henriques. – Juiz de Fora: Centro de Ensino Superior de Juiz de Fora, 2008.

129 f.

Dissertação (Mestrado em Letras) – Centro de Ensino Superior de Juiz de Fora (MG), Área de concentração: Literatura brasileira.

“Orientadora: Thereza da Conceição A. Domingues”

1. Literatura brasileira. 2. Literatura barroca 3. Ficção brasileira – História e crítica. 4. ROSA, Guimarães – 1908­1967. I. Centro de Ensino Superior de Juiz de Fora. II. Título.

CDD – B869.3

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FOLHA DE APROVAÇÃO

HENRIQUES, Irineide Santarém André. Literatura e Psicanálise; Barroco e Feminino em Grande sertão: veredas. Disssertação, apresentada como requisito parcial à conclusão do curso de Mestrado em Letras, área de concentração Literatura brasileira, do Centro de Ensino Superior de Juiz de Fora, realizada no 1° semestre de 2008.

BANCA EXAMINADORA

Profª. Drª. Thereza da Conceição Apparecida Domingues Orientador

Prof. Dr. Carlos Eduardo Leal Vianna Soares Membro convidado 1

Profª. Drª. Nícea Helena Nogueira Membro convidado 2

Examinado (a) em: ____/____/______.

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Dedico este trabalho a meus pais, Maurício e Irene e ao meu lindo filho, Luis Filipe, por serem meus incentivadores e amigos de todos os momentos.

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AGRADECIMENTOS

Ao Criador do Universo, que faz pulsar a luz da sua criação em todo o cosmos,

assim como faz vibrar a inspiração na minha existência e neste trabalho, através de

seus mensageiros.

À Professora Doutora Thereza da Conceição Apparecida Domingues, orientadora

deste trabalho, que acolheu carinhosamente a proposta de minha pesquisa,

permitindo que adentrasse de forma profunda no labirinto rosiano pelo viés da

Psicanálise.

À Professora Doutora Nícea Helena Nogueira e ao Professor Doutor André Monteiro

Guimarães Dias Pires, pelas orientações e sugestões no exame de Qualificação.

Aos meus pais, Maurício e Irene, que me permitiram vivenciar na minha infância e

adolescência várias culturas do Brasil não por turismo, mas por moradia na média

de três a cinco anos: Minas Gerais, Mato Grosso, Rio Grande do Sul, Bahia, Paraná

o que me possibilitou conhecer o povo brasileiro na sua multiplicidade e assim,

descobrisse a unidade que existe no humano. Com eles também aprendi que o

“caboclo” tem uma grande sabedoria, por isso consegui adentrar no universo

rosiano.

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RESUMO

HENRIQUES, Irineide Santarém André. Literatura e psicanálise; barroco e feminino em Grande sertão: veredas. 129 f. Dissertação (Mestrado em Letras). Centro de Ensino Superior de Juiz de Fora, Juiz de Fora, 2008.

Esta dissertação propõe­se a investigar se a obra Grande sertão: veredas de João

Guimarães Rosa faz ressonância com a arte barroca e a psicanálise em Sigmund

Freud e Jacques Lacan, no ponto em que estes dialogam com a arte e o feminino.

Feminino foi entendido como posição psíquica e sendo melhor representado pela

psicanalista Joan Rivière, em 1929, como a “Mascarada”. Este conceito foi acolhido

por Jacques Lacan. Procurou­se analisar as personagens do romance sob este

olhar. Barroco foi entendido como estilo que ultrapassa os séculos XVII e XVIII,

conforme a proposta de Eugenio D’Ors e analisado com os parâmetros de arte de

Heirinch Wölfflin, a partir do século XIX. Uma vez que o texto literário de Guimarães

Rosa rompe com a linearidade da escrita, como acontece na arte barroca.

Palavras­chave: Barroco; Feminino; Psicanálise; Guimarães Rosa; Máscara.

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ABSTRACT

This dissertation aims to investigate if João Guimarães Rosa’s work: Grande sertão:

veredas, makes resonance with the barroque art and the psyschoanalysis in

Sigmund Freud and Jacques Lacan, at the point they intensify the dialogue about the

art and feminine. Feminine was well understood as psyche level and being better

represented by Joan Rivière, a famous psychoanalyst, in 1929, as “Masked woman”.

This concept was well accepted by Jacques Lacan and in our search we found it in

the personages of the romance above mentioned under this staring. Barroque was

well understood as a style which surpasses the centuries XVII and XVIII, as Eugene

D’Ors’ proposal and analised with the parameters of art of Heinrich Wölfflin, from the

century XIX ahead. Once Guimarães Rosa’s literary text breaks with the linearity of

the writing, as happens in the barroque art.

Keywords: Barroque; Feminine; Psychoanalysis; Guimarães Rosa; Mask.

.

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LISTA DE ILUSTRAÇÕES

ILUSTRAÇÃO 1 Assunção da Virgem, de El Greco........................................... 119

ILUSTRAÇÃO 2 Capa de Grande sertão: veredas ........................................... 120

ILUSTRAÇÃO 3 As três graças, de Rubens......................................................... 121

ILUSTRAÇÃO 4 Santa Teresa, de Bernini........................................................... 122

ILUSTRAÇÃO 5 Santa Ana, Maria e o menino, de Leonardo da Vinci................ 123

ILUSTRAÇÃO 6 A morte e a jovem, de Hans Baldung Grien............................. 124

ILUSTRAÇÃO 7 A sagrada família, de Miguel Angelo........................................ 125

ILUSTRAÇÃO 8 Vênus, de Ticiano ..................................................................... 126

ILUSTRAÇÃO 9 Vênus, de Velasquez................................................................. 127

ILUSTRAÇÃO 10 Apolo e Dafne, de Bernini....................................................... 128

ILUSTRAÇÃO 11 Monalisa, de Leonardo daVinci................................................ 129

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SUMÁRIO

1 INTRODUÇÃO ............................................................................................. 12

2 LITERATURA E ARTE BARROCA: RESSONÂNCIA COM GRANDE

SERTÃO: VEREDAS ...................................................................................

14

2.1 LITERATURA BARROCA............................................................................. 14

2.1.1 Renascimento e Maneirismo: antecedentes do barroco............................... 16

2.1.2 A arte barroca.................................................... ........................................... 18

2.2 BARROCO E MODERNISMO NO BRASIL.................................................. 22

2.2.1 Modernismo e barroco em Guimarães Rosa................................................ 25

2.2.2 Guimarães e o barroco além da temporalidade............................................ 27

2.3 GUIMARÃES: UMA RESSONÂNCIA BARROCA E PSICANALITICA......... 32

2.3.1 Música barroca ............................................................................................. 37

2.3.2 Música barroca no Grande sertão: veredas................................................. 40

2.3.3 O Labirinto barroco no sertão....................................................................... 41

3 A TRAVESSIA DO SERTÃO COMO PERCURSO ANALÍTICO.................. 46

3.1 ANÁLISE PSICANALÍTICA E VERDADE NO SERTÃO............................... 46

3.2 AMOR ENTRE RIOBALDO E DIADORIM: UMA ABORDAGEM

PSICANALÍTICA............................................................................................

52

4 MÁSCARA DE FEMININO EM DIADORIM.................................................. 68

4.1 ANDROGENIA EM FREUD.......................................................................... 70

4.2 COMPLEXO DE ÉDIPO FEMININO............................................................. 75

4.3 TORNAR­SE MULHER EM FREUD............................................................. 82

4.4 A MASCARADA FEMININA EM JOAN RIVIÈRE......................................... 89

4.5 O BARROCO COMO UMA EXPRESSÃO DA MÁSCARA FEMININA EM

DIADORIM....................................................................................................

93

5 CONCLUSÃO............................................................................................... 105

REFERÊNCIAS ....................................................................................................... 108

ANEXOS................................................................................................................... 118

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APRESENTAÇÃO

O nosso interesse em estudar literatura e, principalmente, o barroco vem

desde a adolescência, quando fazíamos Conservatório de Música com ênfase em

piano. Tínhamos no currículo aulas de teoria musical e história da música.

Os autores com os quais nos identificamos foram os barrocos, pois eles

apresentavam uma característica marcante: os instrumentos “comunicavam­se”

entre si de uma forma rebuscada, porém sincronizada, o que não existia em outros

estilos musicais. Nessa época, estávamos estudando estilos literários nas aulas de

literatura do segundo grau e aprofundamo­nos nas leituras dos escritores barrocos.

A professora de literatura tinha descendência espanhola e um dia fez uma palestra

sobre uma poetisa barroca mexicana de que ela gostava muito: a Sóror Juana Inês

de la Cruz, o que muito nos impressionou.

Passaram­se os anos e quando fizemos o curso de Filosofia, na UFJF, o

professor Doutor Joel Neves trouxe­nos novamente o fascínio pelo barroco numa

linguagem diferente e reveladora da Estética. O seu livro intitulado: Idéias

filosóficas no barroco mineiro propiciou um vislumbramento totalmente novo do

estilo barroco: perpassar os tempos, podendo ser visto em várias etapas na história

da humanidade sem estar circunscrito nos séculos XVII e XVIII.

Neste momento, havíamos iniciado o Mestrado em Psicologia, no Centro de

Ensino Superior de Juiz de Fora, com a temática sobre o feminino e a menopausa

na psicanálise e também estávamos estudando uma disciplina sobre o feminino na

psicanálise, quando, em uma aula sobre o barroco, tivemos a compreensão de que

a mascarada feminina na psicanálise e a arte barroca convergiam.

O barroco parecia dar plasticidade ao que a psicanálise tentava dizer sobre o

feminino. Fomos investigar mais profundamente e percebemos que seria possível

explorar as analogias entre ambas as vertentes. Nesse momento, a nossa

investigação do projeto do mestrado havia se modificado de feminino e menopausa

para feminino e barroco.

Foi na expressão literária barroca que encontramos uma exemplaridade entre

feminino, barroco e psicanálise na figura de Sóror Juana Inês de la Cruz, poetisa

mexicana do século XVII, de que tivemos conhecimento na adolescência.

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No desenvolver da dissertação em Psicologia, investigamos vários autores

que, segundo nossa proposta, poderiam ser denominados como barrocos, pois

trabalhamos com a fundamentação de Eugênio D’ors que classifica barroco como

um estilo que pode ser visualizado em várias etapas na história da humanidade, não

ficando circunscrito a uma determinada época. Assim, João Guimarães Rosa,

Lacan, Isaac Newton, entre outros, podem ser considerados barrocos dentro desta

fundamentação.

Embasada nesta proposta analisamos brevemente a obra Grande sertão:

veredas, de João Guimarães Rosa. Nas personagens de Riobaldo e Diadorim

encontramos uma expressão do enigma do feminino descrita de forma barroca com

várias figuras de linguagem e principalmente o jogo de palavras que alude à

máscara e metamorfose, tão visível no barroco em qualquer modalidade, seja

literatura, pintura, escultura entre outras.

Esta investigação nos suscitou alguns questionamentos sobre a possibilidade

do gozo na escrita em Guimarães Rosa, tal qual Lacan analisa no Seminário 20. A

linguagem, rebuscadamente barroca, ao nosso ver, cheia de neologismos e figuras

de linguagem fez­nos pensar a respeito de uma escrita barroca em Guimarães

Rosa.

Assim, começamos nossa busca no Mestrado em Letras do CES/JF,

investigando o gozo na escrita no romance Grande sertão: veredas. Ao longo do

caminho da investigação, o romance nos fez voltar para o enigma do feminino que é

um antigo objeto de estudo nosso que começou na graduação de psicologia, quando

muitas vezes tivemos a oportunidade de refletir acerca da feminilidade e da

sexualidade feminina.

A visão psicanalítica serviu de base para nossas reflexões mais profundas,

principalmente, quando estagiamos em uma instituição hospitalar no setor de

ginecologia. Lá escutamos muitas mulheres, algumas jovens, outras na menopausa

e outras na velhice. Diferenciadas pela idade cronológica, mas que traziam “queixas”

orgânicas e sofrimento psicológico semelhantes.

Com esta experiência lemos vários livros sobre sexualidade feminina,

menopausa e velhice. A partir disso elaboramos uma pesquisa para a conclusão da

Licenciatura Plena em Psicologia que foi intitulada “Climatério: Resultado de uma

vida”, embasada na Psicanálise. Após esse estudo, percebemos que realmente

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estudar a menopausa é estudar a sexualidade feminina desde tenra idade, pois este

assunto nos remete ao ser mulher ao longo da existência.

Para a conclusão do Bacharelado e formação do psicólogo continuamos com

a mesma temática e a monografia foi intitulada “Mulher e Menopausa” também com

enfoque psicanalítico. Naquele estudo, verificamos que, por ser a menarca o oposto

orgânico da menopausa, psiquicamente estão intimamente relacionadas. Segundo

LANGER (1981) existem mulheres na menopausa que repetem os mesmos conflitos

psicológicos e somáticos vividos na menarca.

No mestrado, decidimos aprofundar esta temática, “A Mulher: da menarca à

menopausa à luz da Psicanálise,” este foi o nosso projeto para o ingresso no

Mestrado em Psicologia, do Centro de Ensino Superior de Juiz de Fora, como já foi

dito.

Neste momento, a hipótese que norteia nossa pesquisa é de que Guimarães

Rosa, em Grande sertão: veredas descreve o feminino de forma rebuscada, tal qual

a psicanálise em Freud e Lacan também escreveram. Assim, a escrita de ambos

pode ser comparada com a escrita barroca.

É interessante ressaltar que para o término do Bacharelado em Filosofia que

cursamos na UFJF, desenvolvemos uma monografia que se intitula “O diálogo

interdisciplinar como mediador do conhecimento”. E nesta chegamos à conclusão de

que se conhece mais uma temática quando se investigam outros “ângulos”, outros

“olhares” (disciplinas). Por isso, gostaríamos neste momento de investigar o universo

de João Guimarães Rosa, sob olhar barroco e da psicanálise para maior

compreensão desse autor na linha de pesquisa Literatura de Minas: o regional e o

universal, que parece atender as nossas atuais perspectivas de investigação.

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1 INTRODUÇÃO

Esta dissertação tem por objetivo investigar a obra Grande sertão: veredas,

de João Guimarães Rosa, observando se a mesma apresenta ressonância com a

psicanálise e se apresenta elementos barrocos, tal qual o psicanalista Jacques

Lacan descreve no Seminário 20, quando trata da escrita.

A hipótese da presente pesquisa é de que Riobaldo, o narrador­personagem,

percorre o sertão para descobrir o feminino em Diadorim de uma forma barroca,

labiríntica, tal qual o feminino em Freud e Lacan é investigado.

As questões que nortearam a pesquisa foram: A narrativa em Grande

sertão: veredas possui ressonância com o barroco e a psicanálise? Riobaldo

percorre o sertão na tentativa de visualizar o feminino em Diadorim? O método

interdisciplinar foi a base da investigação, uma vez que foi trabalhado psicanálise,

literatura e arte barroca.

No primeiro capítulo, com a finalidade de se entender o que foi designado

como barroco, fez­se um rastreamento na história da literatura e arte barroca

chegando ao conceito de barroco que ultrapassa os séculos XVII e XVIII e pode ser

vislumbrado em qualquer época como fundamenta Eugênio D’Ors, porém, seguindo

as características barrocas propostas por Heirinch Wölfflin no século XIX.

Assim se pode entender como um escritor da contemporaneidade pode

escrever com característica desse estilo. A este fenômeno denominou­se barroco

além da temporalidade e procurou­se primeiramente visualizar escritores e pessoas

das artes que fizeram obras com elementos barrocos, principalmente no Brasil na

época do modernismo, entre muitos: Guimarães Rosa.

Constataram­se vários elementos que aparecem na obra Grande sertão:

veredas que expressam a literatura e arte barroca. Uma das analogias encontradas

foi: o texto construído de forma labiríntica, apresentando prefixos, sufixos e

desinências que rimam fazendo um som como na música barroca.

Essa construção do texto rebuscado que rompe com a linearidade da escrita,

causando estranhamento ao leitor, por possuir neologismos, arcaísmos e muitas

figuras de linguagem, possibilitando várias leituras, sugeriu uma breve investigação

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e um levantamento de hipóteses no estilo do autor e a escrita na psicanálise em

Freud e Lacan.

No segundo momento, atravessou­se o sertão pelos olhos de Riobaldo, o

narrador­personagem, como se a travessia pelo sertão representasse uma análise

psicanalítica onde o sujeito busca a sua verdade que é pessoal e intransferível. A

questão mítica foi abordada como uma expressão dessa movimentação tendo como

foco da investigação pessoal o amor, pois este é a preocupação de Riobaldo em

toda a narrativa, assim como para a psicanálise.

O processo analítico sempre conta uma história de amor travada entre o

sujeito e suas figuras parentais. Por isso, foi feito um rastreamento nos textos

freudianos que investigam os primeiros laços de amor que serão estruturantes para

a vivência dos outros amores que a pessoa terá na sua vida adulta, com a finalidade

de se procurar entender a movimentação psíquica das personagens.

No terceiro momento, o sertão foi analisado como possibilidade de investigar

androgenia como máscara do feminino na figura de Diadorim. O que norteou este

capítulo diz respeito ao desenvolvimento da sexualidade humana: O que é feminino?

O que é o masculino?

A tessitura da escrita em Grande sertão: veredas é rebuscada; numa

primeira leitura não se vê que está se descrevendo o enigma do feminino na figura

de Diadorim. Riobaldo questiona­se o tempo todo procurando entender ele e

Diadorim.

Mais ordenadamente trilharam­se os textos em Freud sobre a sexualidade

feminina, partindo do desenvolvimento da sexualidade infantil até o conceito de

tornar­se mulher. Nesse ponto da investigação, chegou­se a um conceito de uma

psicanalista contemporânea de Freud, Joan Rivière, sobre o que ela considera

feminino. Para ela a melhor forma de se entender o feminino é através de máscaras.

A personagem Diadorim se esconde através de uma máscara masculina, um

jagunço. Uma das características mais marcantes do barroco é a máscara.

Desta forma, foi possível fazer uma analogia entre Diadorim e a arte barroca.

Assim, esta é uma dissertação teórica que faz diálogo interdisciplinar, a fim de

entender um pouco do universo tão vasto e profundo de Guimarães Rosa.

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2 LITERATURA E ARTE BARROCA: RESSONÂNCIA COM GRANDE SERTÃO: VEREDAS

Observa­se que o barroco pode ser estudado sob várias perspectivas a saber:

enquanto história da arte no final do século XVI causando estranhamento não foi

considerado arte, aparece logo após o maneirismo que é uma denominação de arte

que se contrapõe ao ideal clássico. Outra forma de se visualizar o barroco é

enquanto estilo que perpassa os tempos podendo ser encontrada até mesmo em

obras de artistas plásticos, arquitetos, artesãos e escritores da literatura

contemporâneos. Este último aspecto é que será fundamental na presente pesquisa,

por isso primeiramente descreveremos um pouco da literatura e arte barroca e os

antecedentes que o nortearam a fim de ter subsídios necessários a entender o que

vem a ser o barroco na obra Grande sertão: veredas, de Guimarães Rosa.

2.1 LITERATURA BARROCA

A literatura barroca é considerada como dramática, obscura, difícil, pois

contém jogo de idéias e palavras, fusão do divino com o humano, paralelismos de

contrastes onde o belo e o grotesco, o claro e o escuro, a sombra e a luz se

encontram e provocam tensão. Há dificuldades lógicas com silogismos, retóricas que

confundem o leitor, além de metáforas, hipérboles, antíteses, paradoxos, metonímia,

anamorfose, alegorias eloqüentes. Por isso, os textos não são apreendidos numa

primeira leitura. Pode­se dizer que na leitura barroca há sempre um enigma para se

decifrar.

Essa expressão literária teve o seu inicio em uma fase que se denominou

maneirista. Os poetas começaram a escrever com alguns elementos que destoavam

da linearidade clássica, contendo certo erotismo e contrastes que não eram

característicos. Camões é um exemplo deste momento de transição e que rompe

com o classicismo, haja vista o seu poema que diz: “ O amor é um fogo que arde

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sem se ver é ferida que dói e não se sente; é um contentamento descontente”

(CAMÕES, 1963, p. 270).

O amor na literatura barroca é retratado como sentimento sofrido e que traz

ao mesmo tempo muita felicidade, dramático e lírico ao mesmo tempo. Carnal, ele

arde e paradoxalmente a queimadura não é vista, é o encontro com a felicidade e a

desventura, tal como Camões já anuncia, no seu texto considerado como maneirista,

em que vemos alguns elementos barrocos. Sofre­se intensamente pelo ser amado,

porém um amor muito intenso é vivenciado, nem que seja platonicamente, dor e

prazer fundem­se. Não há um final feliz para os amantes, pois eles geralmente

morrem. É comum um dos amantes lutar em guerras como se fosse uma entrega

como nos romances, óperas e peças de teatro barrocas.

As novelas de Cervantes e o drama de Racine podem ser exemplos desse

movimento. Considerando a obra Grande sertão: veredas, de Guimarães Rosa,

como barroca, vê­se que também apresenta esta característica: os amantes não têm

um final feliz, como será descrito no decorrer desta pesquisa.

A história da literatura barroca é marcante, principalmente na Espanha com o

cultismo também conhecido como gongorismo devido ao escritor espanhol Luís de

Góngora. Caracteriza­se por uma literatura e poesia com três artifícios; jogo de

palavras, jogo de imagens e jogo de construções. É uma linguagem rebuscada,

culta.

O Conceptismo de Quevedo também tornou­se uma tendência da literatura

barroca. Caracteriza­se por um jogo de idéias ou conceitos seguindo um raciocínio

lógico que utiliza uma retórica aprimorada. Para tal, recorre a um conjunto de

artifícios estilísticos como comparações, metáforas e imagens de enorme ousadia,

ou ainda sinédoques e hipérboles, entre outros, que conduzem a tal densidade

conceitual que obscurece o seu conteúdo. Esses dois movimentos influenciaram

diversos autores em todo o mundo sendo usados na maioria das vezes juntos. No

México os gongoristas formaram um grupo:

Todavia, com revelar mais visível influência de cultistas e conceptistas espanhóis, a obra mais considerável mais inspirada que produziu na América o estilo barroco é a da monja mexicana Sor Juana Inés de la Cruz (1651­1695), cognominada pelos contemporâneos a Décima Musa, em verdade o maior poeta lírico da literatura espanhola na segunda metade do século XVII ( BANDEIRA, 1960, p. 60).

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O cultismo e conceptismo tiveram ressonância em alguns escritores

contemporâneos como se verá descrever no item “Barroco além da temporalidade”.

2.1.1 Renascimento e maneirismo: antecedentes do barroco

O maneirismo, estilo literário e artístico que surge no final da Renascença,

fazendo um apelo em valorizar a carnalidade, vem apontar que a perfeição clássica

não fazia mais ressonância em um mundo cheio de transformações. Assim,

necessário se faz entender a conjuntura do renascimento para melhor compreender

o maneirismo e o barroco, enquanto estilo na literatura e nas artes.

A arte renascentista primava pela forma exata através da matemática e o

artista esmerava­se em atingir a perfeição com o objetivo de exaltar o humano,

numa tentativa de esconder os contornos de angústias e faltas que a Idade Média

denunciara. Como afirma Neves, em Idéias filosóficas no barroco mineiro:

O classicismo renascentista criara uma visão de mundo sem rusgas destinado a uma Humanidade de “boa consciência” ou “feliz”. Todo apelo ou esforço destinavam­se à edificação da universalização do conhecimento e conseqüentemente concordância das paixões humanas e da natureza às leis universais, o que legara ao homem e às artes o referencial do “padrão ideal ” (1986, p.100).

O renascimento foi caracterizado por uma visão multicultural como poucas

vezes foi visto na história da humanidade. Desenvolveu­se um pensamento

instigante, na busca por um aperfeiçoamento nas diversas áreas do conhecimento,

onde a valorização do humano não descartava a divindade.

A ascensão da burguesia propiciou o desenvolvimento de técnicas que

possibilitaram as grandes navegações e a comercialização com outros povos. O

europeu sentia­se com o poder de dominar o mundo, por isso essa fase é conhecida

como antropocentrismo. Porém, as novas descobertas científicas e geográficas

geraram insatisfações e não silenciavam as angústias da alma. Esse acontecimento

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entre outros gerou a crise na Renascença e desencadeou a Reforma Protestante,

que foi a síntese de um protesto unificador entre o povo e parte do clero contra o

comando abusivo da Igreja Católica e de alguns nobres.

Com a Reforma Protestante é feita uma ruptura de paradigmas cristãos, uma

vez que o céu não é mais vendido e para se chegar a Deus não se precisa de

intermediários, como os anjos.

Segundo Peter Berger (1985) “é cortado o cordão umbilical entre o céu e a

terra”. E isto possibilita que os estudos sobre astronomia avancem, podendo­se

ratificar e retificar os experimentos de Copérnico e outros sobre a teoria

heliocêntrica, que causou grande revolução. Haja vista que para o homem medieval,

o cosmos era circular e a Terra constituía o centro do universo.

Esta explicação agradava à Igreja Católica que a tudo comandava, uma vez

que a maioria dos nobres era analfabeta, assim como os plebeus. Quando Kepler

(1571­1630) descobre que as órbitas são elípticas e não circulares, tem receio em

anunciar temendo a Inquisição, pois na concepção Católica Aristotélica, Deus era

perfeito e toda sua obra obedecia a uma retidão, como, Rocha comenta em sua obra

intitulada A menina de Lacan: um conto rosa:

Copérnico com o descentrar a Terra produz uma modificação, uma metonímia, um descentramento da atenção, um deslizar do olhar. A topologia simbólica mostra­nos uma metáfora: Galileu. E o homem toma o seu lugar. A metáfora de Galileu é a da corrupção. O sol não é um globo finamente polido, a lua não é plana. A Via Láctea não é um astro esplendoroso e contínuo. O espaço, como a Terra é corruptível (1996, p. 38).

Nessa conjuntura o artista maneirista consegue traduzir a situação sócio­

político­religiosa, pois apresenta certa irreverência apesar de conservar algumas

formas clássicas, sendo definido como uma expressão intelectual, que tem a

pretensão de denunciar as angústias do homem renascentista.

Diante disso, pode­se concluir que a produção artística e literária de uma

determinada época é marcada por um estilo característico. Existem artistas que

possuem grande capacidade para revelar na obra de arte o que acontece com a

alma humana, em um período. Eles conseguem dar forma ao que perpassa de

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maneira fantasmática os seres falantes de uma determinada época: ”Muitas vezes, o

artista é o porta voz de seus contemporâneos. Ele tem o poder de envenenar ou

elevar as massas, já que uma obra de arte irmana e influencia os homens”

(ANDRÉS, 1966, p. 32).

Nas artes plásticas o artista El Greco (1541­1614), foi um dos primeiros a

expressar a linguagem maneirista, com alguns elementos barrocos na sua produção

como em “Assunção da Virgem” (vide tela em anexo, ilustração 1). Segundo Wölfflin

(2000), as dobras que o artista retrata nos rios e nuvens parecem transbordar da

pintura como se fossem sair do quadro em desdobras infinitas, característica

fundamental do barroco. Neste a escultura e a arquitetura são plasticidades

continuadas do que acontece na pintura e literatura.

A modernidade anunciava um grito surdo do humano, querendo renovações.

Segundo Hauser (1976), a arte maneirista começou a expressar diversos elementos

em uma mesma pintura, quebrando com a harmonia da singularidade clássica e

mostrando já a multiplicidade na unidade, característica que se tornará marcante no

barroco. Os artistas criavam um mundo onde as formas traduziam um certo

erotismo. Por isso, expunham em locais privados como os palácios dos nobres.

2.1.2 A arte barroca

A arte plástica barroca rompe com os padrões de rigor científico que a arte

clássica exigia de forma avassaladora, por isso, foi denominada arte menor. Um dos

pontos fundamentais desta arte é a imoderação, exuberância, encontro dos

contrários.

A arte barroca em toda sua expressão, quer seja na escultura, arquitetura, como na literatura surge rompendo com os cânones clássicos, que exibiam retidão nas formas, com seus traçados irreverentes, visto que não obedecem a uma ordem matemática. Existe um rebuscamento no desenho e na escrita com dobras labirínticas que se desdobram em retas e curvas tentando presentificar um infinito. O desencontro é característico neste estilo, num jogo transgressor que não acontecia no clássico. Sobre isso Afrânio Coutinho, na sua obra Introdução à Literatura no Brasil, escreve:

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O Renascimento caracterizou­se pelo predomínio da linha reta e pura, pela clareza e nitidez de contornos. O Barroco tenta a conciliação, a incorporação, a fusão (o fusionismo é sua tendência dominante) do ideal medieval, espiritual, supra­terreno, com os novos valores que o Renascimento pôs em voga: o humanismo, o gosto das coisas terrenas, as satisfações mundanas e carnais. A estratégia pertenceu à Contra­Reforma, no intuito, consciente ou inconsciente, de combater o moderno espírito absorvendo­o no que tivesse de mais aceitável. Daí nasceu o Barroco, novo estilo de vida, que traduz em suas contradições e distorções o caráter, dilemático da época, na arte, filosofia, religião, literatura (1966, p. 93).

O Renascimento e a Reforma Protestante foram alavancas propulsoras para

o desenvolvimento da arte barroca que surge nesta conjuntura político­social­

religiosa de grande turbulência. Formaram­se inúmeras ordens religiosas com o

objetivo de propagar o catolicismo, entre elas destaca­se a Companhia de Jesus,

criada por Inácio de Loyola (1534), cujos missionários dirigiam­se para várias partes

do mundo, na tentativa de converter outras culturas ao catolicismo.

As novas leis da Igreja Católica tinham como foco principal valorizar a sua

imagem que ficou muito desgastada com a Reforma Protestante. Os idealizadores

deste projeto vêem na arte barroca a expressão de que precisavam para embelezar

seus templos, a fim de buscar o retorno dos fiéis afastados e confusos com as

reformas.

Deste modo, o apelo ao espetáculo visual é característica marcante na

arquitetura das igrejas, festas populares, velórios e nas procissões barrocas, com

andores e crucifixos, em tamanhos gigantescos, ornados em ouro e prata. Sobre

isso Bazin comenta:

Propenso à evasão, o artista barroco prefere “formas que alçam vôo às que são estáticas e densas; apaixonado pelo patético, capta sofrimentos e sentimentos, vida e morte nos extremos da violência, enquanto o artista clássico aspira a mostrar a figura humana em plena posse de seus poderes (1993, p. 2).

A Itália foi o país onde se deu a expressão mais forte do barroco, com

elementos ricos e originais. As estruturas das cidades italianas sofreram grandes

mudanças na Contra­Reforma, principalmente por Giovanni Lorenzo Bernini (1598­

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1680), considerado um dos maiores mestres da arquitetura barroca e outros

arquitetos. Sobre isso, Bazin afirma:

Os arquitetos italianos do século XVII viram­se a braços com um grande volume de encomendas [...] A Itália seiscentista era um país de construtores e propiciou oportunidades para um grande número de arquitetos talentosos [...] e por mais de cinqüenta anos Bernini fez predominar seu estilo, caracterizado pelos efeitos de grandiosidade decorrentes da clara distribuição de massas poderosas e da rica ornamentação policromada dos interiores ( 1993, p.14­17 ) .

Bernini foi protegido pelo Papa Urbano VIII e seus sucessores. Executou, ao

longo de sua vida, mais de cento e cinqüenta quadros, além das inúmeras

esculturas, estátuas, bustos, túmulos e fontes. Inventou técnicas com instrumentos

teatrais que possibilitavam um aspecto de ilusão e, com isso, ficaram famosas suas

esculturas, por exemplo, as que ele retratou Santa Tereza de Ávila. As curvas barrocas sem limites en abîme, tendendo ao infinito parecem querer esculpir a alma conclamando um arrebatamento. Esta característica faz menção ao deus grego

Dioníso cujo atributo principal era exibir exuberância e êxtase, por isso foi também

considerado deus da transformação. Nietzsche, em O nascimento da tragédia no espírito da música (1974), afirma que o dionisíaco é o assumir a

existência em sua totalidade de prazer e sofrimento. Vive­se plenamente o êxtase da vida, sem esperar nada além do túmulo:

“É uma tradição incontestável que a tragédia grega em sua configuração mais antiga tinha por objeto somente a paixão de

Dioníso e que por muito tempo o único herói cênico que houve foi justamente Dioníso” (1974, p.17). Dioniso é a exaltação da

vida expressa na dança, arte plástica trabalhada rebuscadamente, na música que leva ao êxtase. Enfim, ele é o que

representa bem a estética barroca. Sobre esta explosão de sentimentos que o barroco convoca, Bazin assinala:

As artes figurativas do período barroco, especialmente na Itália, são regidas por uma estética que considerou a arte um meio de expressar as paixões da alma.[...] amor, sofrimento, raiva, ternura, alegria, fúria, ardor, bélico, ironia, medo, desdém, pânico, admiração, tranqüilidade, nostalgia, desespero, audácia, etc. Todos esses sentimentos tinham de ser retratados em sua forma extrema. Tendência que culminou nas explosões veementes das tragédias de Racine. Esses movimentos da alma eram exteriorizados por movimentos do corpo e do rosto, ou seja, pela ação. As manifestações exteriores de um estado de santidade converteram­se nas de um transporte de paixão ( 1993, p. 23).

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Obras da arte barroca eram revestidas de ouro a fim de seduzir, criar

surpresa, encantamento no público, mas, ao mesmo tempo, havia imagens de morte

para aterrorizar, mostrando que davam submissão a sua madrinha, a Igreja.

O papel da arte era o de promover um espetáculo, com a movimentação de

luzes e cores. Os templos caracterizados como a morada de Deus são suntuosos e

revestidos de ouro, anjos nus, santos que revelam êxtase na expressão artística. O

fiel tem a convicção de que está em um lugar paradisíaco, onde reina a purificação e

o belo : “O dionisíaco aparece com o disforme, o caótico, o noturno, o luxuriante, a

sedução tudo enfim que se refira à liberdade das paixões” (NEVES, 1986, p. 45).

Os tetos das igrejas são altíssimos, rebuscados, dando a impressão de

pequenez e submissão do humano ao divino. A basílica de São Pedro, que foi

reformada por Bernini, possuía dimensões gigantescas com mais de 25 metros de

altura. Giulio Carlo Argan, em sua obra intitulada Imagem e persuasão: ensaios

sobre o barroco, faz uma apreciação sobre esta conjuntura:

Os literatos e artistas do século XVII se davam conta de que, após os vértices atingidos em todos os campos pelos mestres do século XVI, ocorrera e persistia uma certa depressão, que no entanto não era decadência; ao contrário, após as clausuras rigoristas da Contra­Reforma, era uma retomada [...] Não espantava que, dirigindo­se ao divino, o discurso fosse bastante exaltado, hiperbólico, adulatório, limitado somente pelas capacidades da técnica do discurso ou pela operação artística. A técnica devia ser capaz de simular o milagre, aliás ela era o meio humano com que o divino miraculosamente se revelava [...] Uma técnica vigorosamente persuasiva, cujo objeto de persuasão não era certamente o conteúdo doutrinal da representação, mas sim o complexo movimento da alma, com sua alternância de evidências palmares e subentendidos, de trepidações e saltos. Todas as técnicas berninianas podem ser explicadas como recitação, e isso explica a centralidade do teatro no quadro de sua complexa poética que definitivamente, é uma grande dramaturgia (2004, p. 412).

Wölfflin (2000) tem um pensamento que vai ao encontro de Argan a respeito

do “complexo movimento da alma”, uma vez que afirma que: “ Há muito sabe­se que

todo pintor usa seu próprio sangue para pintar” (p. 2). Usar o próprio sangue

pressupõe uma metáfora para dizer do dramático movimento da alma na criação da

arte.

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2.2 BARROCO E MODERNISMO NO BRASIL

Para Haroldo de Campos (1992), a literatura brasileira nasceu adulta, com

retórica, nunca foi infante, mas barroca. Afrânio Coutinho, em Introdução à

Literatura no Brasil, tem o mesmo parecer: “A literatura no Brasil colonial é

literatura barroca, e não clássica, como até há pouco era regra denominá­la. A

literatura nasceu no Brasil sob o signo do Barroco, pelas mãos barrocas dos

jesuítas” (1966, p. 113).

As peças de teatro barrocas eram encenadas a principio de uma forma muito

peculiar nos pátios dos seminários ou à beira da praia, onde o cenário era a própria

natureza, pois se tinha a preocupação de que a linguagem das peças fosse

entendida pelos nativos, pois o objetivo era levar­lhes a religião cristã.

Padre Anchieta aprendeu a língua tupi­guarani e fez poemas tanto em

português e espanhol como em tupi­guarani. Padre Antônio Vieira, jesuíta, escreveu

mais de cem sermões e faz parte da nossa história literária colonial como o maior

vulto da expressão barroca.

É interessante observar que a criação literária não é algo que ocorre

matematicamente, não se pensa racionalmente: “vou fazer um poema ou conto”,

mas é um acontecimento que quase sempre ocorre inesperadamente, como relata a

maioria dos escritores dos diversos gêneros literários. Mesmo quando há intenção

de se fazer pode se dizer que a pessoa é acometida por um “a mais”, quando

começa o processo de criação, e assim, pode criar até mesmo na ciência

matemática.

Para a filosofia existencialista, o conceito que se aplica nesta situação é o de

intencionalidade, que pressupõe um movimento que permite uma abertura para (in­

tendere= ir para); naquilo que se faz sempre, às vezes até repetidamente é possível

surgir o novo ser.

Evidenciam­se semelhanças entre o estilo barroco e o estilo do movimento

modernista brasileiro no século XX. Estas semelhanças não se deram por acaso,

visto que ambas as manifestações são expressão da quebra de paradigmas. O

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barroco histórico se consolidou apologeticamente na Reforma Protestante que

rompeu com um ideário de mundo, como já foi analisado nos itens anteriores.

O aparecimento do barroco no modernismo pode ser visto como símbolo do

anseio de reconstrução com o lado criativo, sensível, exuberante do que foi perdido

na sociedade capitalista racional.

Assim, observa­se que as produções artísticas no modernismo surgem com

torção e contorsão do discurso político­social vigente, não obedecendo a um

discurso linear, clássico, mas simplesmente expressão de um momento de angústia

e conflitos. Houve uma re­significação na literatura e nas artes tanto no estilo

barroco quanto no movimento modernista. A respeito disso, comenta Sant´Anna:

O Barroco, mais que um estilo de época, pode ser uma estratégia de representação e de organização do pensamento. Nesse sentido ele é intemporal. Transcende os séculos XVII e XVIII. O sociólogo português Boaventura de Souza Santos, dando também um sentido mais amplo ao termo, vê similitudes entre o Barroco e a pós­ modernidade, mas detendo­ se sobre o seu ethos latino­ americano clareia o debate ao dizer: Para mim, o ethos barroco é uma tarefa, uma aspiração, um projeto cultural por construir, que a experiência histórica nos dá (2000, p. 268).

De certa forma, a irreverência que se observa na expressão do modernismo

no Brasil pode ser analisada também, como uma tentativa de resgatar, de valorizar o

que é nacional, o que se perdeu, quando se menosprezou a cultura indígena,

sertaneja e arte barroca das Minas Gerais, querendo, somente, imitar o padrão de

dominação do europeu e do americano.

Tarsila do Amaral, Mário de Andrade, Oswald de Andrade, entre outros,

fizeram excursão às cidades mineiras barrocas em 1924 e ficaram altamente

influenciados e interessados na vida e obra de Aleijadinho, Antônio Francisco

Lisboa.

Em 1928, Mário de Andrade publicou um ensaio sobre este artista, em O

Jornal, em edição especial sobre Minas Gerais: ”O Aleijadinho não teve o

estrangeiro que [...] lhe desse gênio”. Anos antes de fazer a excursão com seus

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amigos, Mário de Andrade esteve em Minas e voltou bastante impressionado por

tudo que viu. Por isso, escreveu uma série de artigos na Revista do Brasil

intitulados “Arte religiosa no Brasil” . Tarsila do Amaral (1939) também revela sua

inspiração barroca mineira como foi escrito na revista de “Arte Sacra Colonial :

barroco memória viva” por Omar Khouri:

Encontrei em Minas as cores que adorava em criança. Ensinaram­me depois que eram feias e caipiras. Segui o ramerrão do gosto apurado... Mas depois vinguei­me da opressão, passando­as para as minhas telas. Pintura limpa, sobretudo sem medo de cânones convencionais (2005, p. 252) .

É importante ressaltar que o nome modernismo denota novidade, segundo o

dicionário de língua portuguesa: “Preferência por tudo quanto é moderno; tendência

para aceitar inovações. Facilidade em adotar idéias e práticas modernas que o uso

ainda não consagro “ (FERREIRA, 1986, p. 934). Parece que está se produzindo

algo que nunca foi realizado na literatura e nas artes.

Paradoxalmente, a proposta do movimento modernista, ao contrário do que

pode parecer no primeiro momento, é de um resgate da valorização da brasilidade,

saindo do que é clássico atual, para a tradição histórica barroca que foi sempre

desclassificada como arte menor, estranhamento. Esta é a inovação que os

modernistas propuseram: buscar inspiração na própria história e no movimento

cultural brasileiro. Tal qual a arte barroca que foi classificada como arte menor o

movimento modernista recebeu repúdio, sendo também vista como aberração por

eruditos e pelo grande público.

O modernismo, procurando a originalidade brasileira, consegue promover

uma arte singular, mas que se volta para sua história, como se os paulistas de 1920

quisessem recompensar o que os bandeirantes paulistas fizeram no passado

explorando as Minas Gerais. Oswald de Andrade escreve em Pau Brasil sobre essa

temática:

Ide a São João Del Rei

De trem

Como os paulistas foram

A pé de ferro (1990, p.177)

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Observa­se que a produção do modernismo aconteceu dentro de uma

característica barroca que Gilles Deleuze descreve na sua obra, A dobra. Para este

autor, o que pode ser visto na pintura barroca pode ser visualizado também como

desdobramento na escultura, arquitetura e escrita barroca. Um movimento similar

aconteceu no modernismo com a pintora Tarsila do Amaral.

Esta expressava em suas telas formas que poderiam ser lidas nos poemas

de Oswald de Andrade, como exemplaridade o poema “ Longo da linha” em Pau­

Brasil:

Coqueiros Aos dois Aos três Aos grupos Altos Baixos (1990, p.184).

O poema descreve exatamente a pintura vários coqueiros de distintos

tamanhos, tal qual se observa na natureza das Minas Gerais. A capa desse livro

também é uma tela de Tarsila, além de haver outras que podem ser vistas na

mesma obra. Há uma tentativa de dizer a mesma coisa de diversas formas, seja

através da arte plástica seja na literatura.

2.2.1 Modernismo e barroco em Guimarães Rosa

João Guimarães Rosa, pertencente à terceira geração modernista da literatura brasileira, escrevia barrocamente,

como se pretende descrever ao longo desta pesquisa. Ele estava circunscrito a uma época histórica em que o barroco

modernista era de certa forma fantasmagórico.

Talvez seja por isso que ele anuncia a temática do seu livro Grande sertão: veredas com uma das especificidades

da narrativa barroca: o enigma. As figuras que aparecem na capa precisam ser decodificadas (vide tela em anexo, ilustração

2): mulher, homem, boi com expressão humana, galinha, caveira, serpente, etc...Todas representam as personagens do

romance. O escuro do fundo contrasta com o laranja que se reflete nas figuras: a multiplicidade revela a unidade.

Na contracapa há um mapa do sertão que corta a Bahia, rio São Francisco, Minas, Urucuia, etc. Esses lugares são

percorridos pelas personagens do romance.

Há um ideograma de canoeiros, bois, coqueiros entre outros que somente poderá ser decifrado por quem ler o livro.

Sobre essa capa que mais parece uma carta enigmática, Affonso Romano de Sant´Anna faz uma decifração:

Podem­se encontrar nos desenhos orientados dessa capa, “o sal hermético”, a terra, o ferro, a esfinge, o às de espadas, a chave, a cobra, os

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símbolos de Júpiter, Netuno e Vênus ou, então, o símbolo representativo do infinito, colocado ao final do último parágrafo de Grande sertão: Veredas, como a reverberar toda a história para um plano infinito (2000, p. 124).

A obra Grande sertão: veredas 1 provocou grande estranhamento aos que conseguiram terminar a sua leitura na

época da sua publicação, pois rompeu com a tradição, inovando no vocabulário rebuscado, com presença de português

arcaico e figuras de linguagem de uma forma criativa, uma vez que Rosa trabalha com prefixos, sufixos, radicais gregos,

latinos, palavras do tupi­guarani, africanas de uma forma tão inusitada fazendo parecer ao leitor que está lendo um idioma

diferente. Sobre a escrita trabalhada de Rosa, Sant´Anna argumenta:

Mas há um aspecto, além da linguagem requintadamente labiríntica de Rosa, que não apenas o aproxima mais do Barroco, mas o torna o mais bem acabado exemplo de um contemporâneo barroco: seu amor à cabala à numerologia e ao esoterismo. Isto se observa já nas capas de seus livros. Ele instruía o ilustrador Poty como fazê­las, preenchendo­as de símbolos e desenhos que, como no caso de Grande sertão: Veredas, mais parecem uma “carta enigmática”. Na verdade, estava descrevendo um enorme labirinto, fazendo seus jagunços peregrinarem pelo seu sertão cósmico. (2000, p.123).

É interessante ressaltar uma nota da editora na contracapa do livro Grande sertão: veredas fazendo uma advertência quanto aos “erros” encontrados na publicação: “Em todos os seus escritos, João Guimarães Rosa fez questão de usar grafia própria, divergente em muitos pontos da ortografia oficial. Respeitando a vontade do autor, continuamos a publicar sua obra conforme o texto originalmente fixado” (1979).

Para muitos, Rosa foi considerado gênio, sendo denominado por alguns críticos como “James Joyce brasileiro”. Depois do impacto causado pela obra, foi imensamente lido, tendo sido traduzido para diversos idiomas com a ajuda indispensável do próprio autor.

2.2.2 Guimarães e o barroco além da temporalidade

1 ROSA, João Guimarães. Grande sertão: veredas. 13. ed. Rio de Janeiro: José Olympio, 1979. Esta obra será abreviada em toda a pesquisa por GSV, nas citações, seguida do número da página.

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O estilo barroco não está somente circunscrito aos séculos XVII e XVIIII, foi

analisado, primeiramente, como uma degeneração da renascença, bizarro. No final

do século XVI, barroco, na Espanha, significou pérola irregular de um brilho

particular. Somente no século XIX, com Heinrich Wölfflin, grande historiador de arte,

o barroco foi valorizado como uma grande expressão artística. O autor generaliza a

questão do estilo da história da pintura do barroco italiano para a história da

escultura e da arquitetura.

Compartilhando esse mesmo ideário afirma Alfonso Méndez Plancarte, editor

das obras completas de Sór Juana Inés de la Cruz: “Englobando, somente como

um único fenômeno estético as variadas formas que, em todo o Ocidente e em todas

as artes, se vê a grande força do Renascimento, o Barroco se difunde a arte

pictórica de Rubens, o lírico de Góngora, o dramático de Cálderon” (1960, p. 9)

[Tradução nossa ] 2 .

Wölfflin, a fim de enaltecer a arte barroca propôs cinco características

fundamentais para diferenciar o estilo barroco de outros estilos. São eles : 1­ o linear

e o pictórico; 2­ Superfície e profundidade; 3 ­ Forma fechada e forma aberta; 4 ­

Pluralidade e unidade; 5 ­O claro e o indistinto. Para o autor Afrânio Coutinho em

sua obra intitulada A literatura no Brasil: era barroca, era neoclássica, considera

que estas características podem ser aplicadas tanto na arte plástica como na

literatura:

Essa teoria da definição dos estilos artísticos teve aplicação à literatura, e já o próprio Wölfflin sugeriu tal conseqüência ao contrastar o Orlando furioso de Ariosto à Jerusalém libertada de Tasso. Como as obras que exprimiam no plano literário a oposição entre Renascimento e o Barroco. Mas, como assinala René Wellek, só depois de 1914 o termo foi tendo divulgação na crítica literária para definir as obras do século XVII (2001, p.13).

Na renascença observa­se uma expressão de arte linear, buscando uma retidão nas formas, com bastante precisão

os traçados horizontais e verticais, por isso a sua forma é dita fechada. Assim, a visão que se tem é plana não levando o olho

2 Englobando, como um solo fenômeno estético, lás variadissímas formas que em todo el Occidente y em todas lãs artes cobra la sobremadurez del Renascimento, el Barroco se extiende “al arte pictórico de Rubens, al lírico de Góngora al dramático de Calderón (PLANCARTE,1960, p.9).

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do espectador para um mais além, mas revela­se claramente o que a cena quer dizer: “No séc.XVI o desenho encontra­se

totalmente a serviço da clareza....em cada forma está presente o impulso de auto­revelar­se” (WÖLFFLIN, 2000, p.272). Na

literatura clássica, o texto não contém lacunas ou quando estas aparecem não evocam um mais além, por isso a escrita é dita

linear e a forma como na arte pode ser denominada fechada.

No barroco, o que se observa é o pictórico, as linhas desaparecem no sentido uniforme, há um rebuscamento com

profundidade que dá a ilusão de movimento como se fosse entrar na tela, por isso a sua forma é nominada de aberta, por

possibilitar várias visões a cada momento que se observa, há uma obscuridade. A literatura barroca possui linguagem

rebuscada, labiríntica, o que possibilita várias leituras interpretativas de um mesmo texto, assim a sua forma pode ser também

denominada aberta.

Cada elemento da obra barroca é importante para propiciar contar uma mesma história: da multiplicidade de

traçados tem­se a unidade como na pintura de Rubens intitulada ”As três graças” (vide tela em anexo, ilustração 3), o artista

retrata a sua esposa como se fossem três pessoas andando em um círculo:

[...] Rubens nos oferece os exemplos mais típicos do movimento unificante. Em toda parte, o estilo da multiplicidade e diferenciação dos elementos transforma­se num estilo que, suprimindo valores autônomos, isolados, funde as partes do todo, imprimindo­lhes movimento (WÖLFFLIN, 2000, p. 220).

A escrita barroca possui um estilo característico, como já foi descrito a

profusão de figuras de linguagem permite que haja um jogo transgressor que

acontece no exercício com a letra, possibilitando que deste jogo de múltiplos tenha­

se a compreensão da unidade que está escondida no rebuscamento labiríntico do

texto.

Segundo Eugenio D’Ors (1968) não é necessário ter conhecimento prévio de

história da arte para se escrever no estilo barroco. É uma forma de expressar do

humano. Então, pode ser observado em várias etapas da história da humanidade,

como, por exemplo, nas artes dos povos etruscos, incas, maias, astecas, egípcios,

assim como correntes do pensamento e na ciência. Qualquer forma da linguagem,

falada ou escrita, rebuscada, com idas e vindas até chegar ao ponto em que se

almeja poderia ser caracterizada como barroca.

Para Eugenio D´Ors (1968), na era moderna foi possível visualizar este

fenômeno estético com mais clareza e abundância, uma vez que a sociedade

vivenciava um momento de alta tensão entre os desejos dionisíacos, o prazer, a

carnalidade e a razão apolínea que foi também um marco da modernidade.

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Na tentativa de fugir da angústia que essa tensão gerava, a teatralidade

barroca aparece como um certo alívio, no jogo de imagem onde vai imperar a ilusão

e a máscara, a fim de não permitir que a pessoa caia em um abismo sem volta.

Thereza Domingues, em sua obra, O múltiplo Vieira: estudo dos sermões

indigenistas, considera sobre a máscara: “a pessoa ao se mascarar, adquire o direito

de ser outra, de alienar­se da terrível coincidência consigo mesma” (2002, p. 27).

A psicanalista Rocha (1996) toma parte da tese de D’Ors e nomeia várias

celebridades de ramos diversos do conhecimento como pertencentes ao estilo

barroco, além das que já enumeramos: “Desse barroco que é também o pintor

Caravaggio, o cineasta Fellini, Guimarães Rosa e Lacan ... o que se diz é que Lacan

faz textos obscuros, de leitura difícil de ser decifrada até mesmo por especialistas”

(p. 36 ). Lacan, no Seminário 20, denomina seu estilo de barroco: ”Como alguém percebeu recentemente eu me alinho­quem

me alinha? Será que é ele ou será que sou eu? Finura da alíngua eu me alinho mais do lado do barroco” (LACAN,1985a,

p.145). Lacan tinha consciência que seu estilo traduzia uma obra de arte, deste modo, ele era atravessado por um discurso

artístico. O barroco, como Eugênio D’Ors propõe, não pressupõe um conhecimento de história da arte para o seu

acontecimento.

A respeito disso, Deleuze (2000) elucida: ”São os mesmos traços tomados em seu rigor, que devem dar conta da

especificidade do barroco e da possibilidade de estendê­lo para fora dos limites históricos sem extensão arbitrária” (2000, p.

66). O exemplo disso são artistas renomados executarem obras barrocas, sem nenhuma pretensão, tal como aconteceu à

artista plástica Iole de Freitas, que relatou sua experiência no livro Palavra do artista:

O primeiro comentário que ouvi relacionando meu trabalho ao barroco foi de Sérgio Camargo, que entrando em meu ateliê em 1989, ao ver a escultura Balzac, só fez o seguinte comentário: “Mineira barroca”... Atualmente já posso identificar o que especificamente, me interessa no barroco mineiro: a idéia de transbordamento. De um movimento contínuo impulsionando a forma e seus desdobramentos compulsivos um dobrar­se sobre si mesmo (1997, p. 22).

Otávio Paz (1988), pesquisador do barroco mexicano, afirma que a expressão

barroca diferencia­se de todos os outros estilos pela exuberância que provoca

naquele que o vê ou lê:

Com efeito, a poesia da Nova Espanha, como toda arte imitativa, tratou de ir mais além de seus modelos e, assim, foi extremamente barroca: foi o cúmulo da estranheza. Esse caráter extremo é uma prova de sua autenticidade, alguma

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coisa que não se pode dizer nem de nossa poesia neoclássica nem da romântica (p. 92).

Affonso Sant´Anna, na sua obra intitulada Barroco: do quadrado à elipse,

enumera vários escritores modernos cujas obras apresentam características do

estilo da escrita barroca que podem ser identificadas pelo leitor erudito. Assim, o

barroco corresponderia a um modo de ser que pode ser vislumbrado como

pertencente à individualidade de alguns artistas, escritores, cientistas como se

enumerará a seguir:

Para quem achava que o Barroco era apenas o império absolutista das curvas, irrompe, de repente, também a geometrização, o pensamento em linha reta. A linha reta articulando significados ou agindo contrastativamente com a linha curva, como se o artista e o pensador barrocos estivessem clamando: eu sou as minhas contradições e complementaridades. Sou a tensão entre o quadrado e a elipse, sou a espiral ascendendo sobre as plantas geométricas do edifício racionalizante. Sou, em síntese, a dramática dobradiça dessas duas articulações” ( 2000, p. 92).

Este modo de ser pode ser verificado em José Saramago, autor português contemporâneo em várias de suas obras, mas especialmente em: O memorial do

convento. Os recursos utilizados para contar essa história são da escrita barroca

com alegorias, jogo de anamorfose ótica, onde o leitor confunde o que é realidade e

aparência.

Neste jogo de ilusão, uma impressão que o leitor pode ter, é a de que o

cenário da narrativa acontece como alguém que olha de cima e observa a história se

desenrolar lá embaixo como descreve Sant´Anna: “E assim o autor vai descrevendo

panoramicamente sua época de um ponto de vista superior, fantástico, olhando de

cima o labirinto, mesclando realidade e ficção, num trompe­l´oeil narrativo,

ficcionalizando um autêntico homo viator barroco” (2000, p. 66).

O que impulsiona uma pessoa a escrever na atualidade sobre um tema que

não está em voga e que aparentemente não tem nada a ver com a cultura atual? A

escrita rebuscada, como já foi dito, não acontece simplesmente como um jogo de

métrica, mas porque o autor possui um desejo inconsciente, sente necessidade

psíquica de escrever de forma labiríntica, por exemplo.

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Por isso, segundo Sant´Anna: “Saramago usa longos períodos, seu

pensamento descreve volutas, ramifica­se sobre a página, abre­se em vários

núcleos ou conchas sem se fechar, antes continuando como se estivesse

passeando em um labirinto desenvolvendo o estilo de fugas e contrapontos” (2000,

p.64).

Um dos fortes personagens desse livro de Saramago pode ser considerado o

protótipo da personalidade dual barroca, uma vez que é padre, grande erudito e

inventor. Ele, paradoxalmente, sonha, inventa e tenta voar, sendo chamado Padre

voador. Mundo psicológico aparentemente contraditório, mas que se funde numa

multiplicidade criativa em uma mesma pessoa, pois voar significa alçar vôos rumo ao

céu, assim aproximar­se ou chegar até a divindade.

Para Sant´Anna, o labirinto é uma constante nos escritores que escrevem

barrocamente, podendo mesmo ser entendido como conotação existencial e a

representação disso é o aparecimento nessas histórias da personagem peregrino

que parece peregrinar sem destino ou sem saber onde irá chegar. Assim, no parecer

de Sant´Anna, o labirinto dos heróis clássicos é físico e pode ser guiado por deuses

e senhas para conseguir decifrar o enigma diferindo dos heróis modernos que

encontram­ se presos em seus labirintos subjetivos:

O labirinto não existe apenas como desenho, como jogo, como enigma. Tem conotação existencial. Ele só existe, porque existe outro personagem que o percorre, que é esse peregrino, esse ser peripatético, que parece perdido, vagando daqui para ali, ora sob a forma de um pastor desolado entre rochedos, como em Cláudio Manuel da Costa e Góngora, carpindo suas desilusões amorosas ora como um crente à procura da salvação e dando seu testemunho, admoestando os incréus (2000, p. 66­67).

Sant´Anna cita outras obras que trabalham com a temática do peregrino, tais

como: The Pilgrim’s Progresso (1678) de John Bunyan pertencente à literatura

inglesa, O peregrino querubínico (1627), do místico Ângelus Silesius da literatura

alemã. A “peregrinação” de Fernão Mendes Pinto e o livro de viagens de Marco Pólo

que descrevem peregrinações não só de uma pessoa, mas de um povo que saía em

busca de novas conquistas onde o labirinto era o mundo.

Assim, a obra de Saramago apresenta elementos de ficção que se mesclam a

fatos verídicos: “A imagem do peregrino está geminada a outras imagens barrocas

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que indicam movimento, trânsito, peripécia, instabilidade. É assim que saindo do

sentido místico e mágico, o peregrino chega a ter sentido social, na figura do

personagem pícaro, que nessa época ganha consistência” (p. 67).

Esta temática será trabalhada posteriormente nesta pesquisa na personagem

Riobaldo, uma vez que o sertão será o labirinto e o peregrino o próprio Riobaldo.

2.3 GUIMARÃES: UMA RESSONÂNCIA BARROCA E PSICANALÍTICA

Enquanto história da literatura Rosa está inserido no modernismo, na terceira fase regionalista, como já foi comentado; apesar de dissertar sobre o sertão, que é regional, inova ao tratar o assunto de uma forma totalmente singular. Em Grande sertão: veredas ele escreve de uma forma que causa estranhamento devido às diversas figuras de linguagem. Porém, se for lido com lentes barrocas o estranhamento se transformará em exuberância e poderá ser melhor compreendido, como assinala Sant´Anna:

Mas impossível se torna falar do sertão e do barroquismo sem estabelecer uma ponte com Guimarães Rosa, atualizador do barroco, que pode ser qualificado ao mesmo tempo de cultista com revérberos conceitistas, e que teria na sua obra mestra Grande sertão: Veredas (1956) muitos exemplos a fornecer da utilização de um estilo precioso, rebuscado, onde funde seu conhecimento de uma dezena de línguas com a sonoridade de uma construída linguagem do jagunço do norte de Minas (2000, p. 123).

A escolha por retratar o sertão, tendo como protagonistas jagunços, matutos,

já era característica do autor, porém, os recursos utilizados surpreenderam nessa

obra. Sant’Anna, considera: “...Guimarães Rosa, na verdade um autêntico exemplo

do barroco moderno, tanto em sua forma cultista quanto conceitista, tanto no

rebuscamento da frase e reivenção de palavras, quanto na montagem labiríntica dos

grandes planos de sua narrativa” (2000, p. 77).

Rosa ao ser indagado a respeito da sua irreverência na escrita posiciona­se

em entrevista com o jornalista alemão Günther Lorenz publicado por Rocha:

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A língua e eu somos um casal de amantes que juntos procriam apaixonadamente, mas a quem até hoje foi negada a bênção eclesiástica e científica. Entretanto, como sou sertanejo, a falta de tais formalidades não me preocupa. Minha amante é mais importante para mim (2007, p. 3).

Guimarães Rosa trata a língua como “minha amante”, na qual ele investe

todo o seu potencial de invenção. E não tem a pretensão de oficializar sua relação

amorosa com a norma culta, pois diz que é um sertanejo e o seu poder de criar é

mais importante do que passar por um processo de normatização. Com esta

afirmação do autor é possível dizer que ele expressou o que a psicanálise em

Sigmund Freud e Jacques Lacan investiga sobre a capacidade que o artista tem de

dizer sobre a manifestação do inconsciente. Para Freud (1976g) em Escritores

criativos e devaneio, a criança e o artista têm algo em comum, levam a sério suas

fantasias e conseguem criar.

Freud relata, na conferência sobre “Leonardo da Vinci”, que a vida intelectual

propicia um prazer, tal qual Guimarães relatou. Ele disserta sobre a questão do

prazer intelectual assemelhar­se ao prazer sexual:

Num segundo tipo, o desenvolvimento intelectual é suficientemente forte para resistir a repressão sexual que o domina. [...] e as suprimidas atividades sexuais de pesquisa emergem do inconsciente sob a forma de uma preocupação pesquisadora compulsiva naturalmente sob uma forma destorcida e não­livre, mas suficientemente forte para sexualizar o próprio pensamento e colorir as operações intelectuais, com o prazer e a ansiedade características dos processos sexuais. Neste caso, a pesquisa torna­se uma atividade sexual, muitas vezes a única e o sentimento que advém da intelectualização e explicação das coisas substitui a satisfação sexual (1970a [1908], p. 74).

Jacques Lacan, no Seminário 20, denomina o conceito de gozo na escrita que seria

aquele para além do sexual, possível de ser atingido. O psiquismo “cobra” uma

satisfação a mais que poucos conseguem atingir, porque é da ordem da ex­sistência

e que é nominado como: gozo Outro, gozo a mais, indizível, que, apesar destas

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nominações, não tem relação com sexuado, dividido, muito pelo contrário, pois

corresponde à plenitude, totalidade esta que alguns poetas e artistas plásticos

revelam em suas obras pela exuberância da sua manifestação artística.

Nos místicos visualiza­se que o gozo a mais é indizível, porque o dizer já

pressupõe uma perda do gozo todo. Quando se escreve, já existe uma perda, pois a

letra mata a possibilidade de dizer. Mesmo assim, ele ganha certa forma com a

escrita poética, como em San Juan de la Cruz, Santa Teresa de Jesus também

conhecida por Santa Teresa de Ávila, entre outros.

A psicanalista Maia (1999), em sua obra, As máscaras d´A mulher, ao

analisar a poetisa mexicana Sóror Juana Inés de la Cruz 3 , chega à conclusão de

que: “Juana Inés experimenta o arrebatamento pela escrita ao tentar fazer borda ao

gozo inominável.” O mesmo parecer pode se aplicar a Guimarães Rosa, pois ele

revela que ele e a língua são amantes. Os amantes sentem um gozo no encontro,

por isso procuram­se sempre na tentativa de sempre usufruir um pouco mais.

Os místicos escrevem sobre o amor numa tentativa de dizer sobre a união

com o Outro absoluto, o gozo a mais. É o gozo Outro que eles procuram e insistem

em presentificar com o ato da escrita. Santa Teresa de Jesus escreve sua angústia

em tentar dizer deste gozo não como poesia, mas apenas para dar o testemunho

para seus superiores: Não me parece outra coisa senão um morrer quase totalmente a todas as coisas do mundo e ficar gozando em Deus. Não conheço outros termos para expressar. Não sabe a alma o que fazer: se fala, se fica em silêncio, se ri, se chora. É um glorioso desatino, uma celestial loucura onde se aprende a verdadeira sabedoria. Para alma é uma maneira muito deliciosa de gozar (JESUS, 2003, p.12).

Lacan, ao ler este escrito de Santa Teresa de Ávila, fica maravilhado com a clareza com que ela expressa o que a

psicanálise tenta dizer sobre o gozo a mais e afirma no Seminário 20: “Essas jaculações místicas, não é lorota nem falação, é

em suma o que se pode ler de melhor. Podem pôr em rodapé, nota. Acrescentar os Escritos de Jacques Lacan, porque é da

mesma ordem” (1985a, p.103).

Santa Teresa (vide tela em anexo, ilustração 4) descreve que um anjo lhe apareceu, em sonho, atravessando­lhe o

peito com uma flecha, e ela sentiu um gozo profundo que a fez desmaiar. Esta visão, foi representada na escultura de Bernini,

está em Roma, na Capela Cornaro.

3 Sobre Sóror Juana Inês de La Cruz e o arrabatamento na escrita a autora da presente pesquisa possui artigo intitulado: Psicanálise e barr oco na poesia de Sóror J uana Inês de la Cruz publicado em duas revistas eletrônicas: Psicanálise e Barroco www.psicanaliseebarroco.pro.br e Revista Ética e Filosofia Política www.eticaefilosofia.ufjf.br/indice_de _artigos.htm

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Segundo Hautecceur, a ilusão dos movimentos que essa escultura dá são característicos do que se vê em toda obra

barroca: ”Seus heróis parecem estar em cena, gesticulam, abrem as mãos, a própria morte esboça um pano de dança” (1963,

p.43). As colunas contêm linhas que dão aspecto de movimentos côncavos e convexos. Tal entrelaçamento dá passagem a

raios luminosos que caem sobre a escultura, como se fosse um projetor. Por cima do altar, a escultura em que Santa Tereza

desfalece em um êxtase que se confunde com a imagem de um orgasmo físico. Pode­se dizer que é o protótipo da fusão do

sagrado e profano, tão comuns na obra barroca como comenta Mahler, em sua obra História mundial da arte: do barroco ao

romantismo,

Esta visão foi tão literalmente materializada que o visitante tem a impressão de que os atores estão a interpretá­la a sua frente. Ele vê a pele a textura do tecido e do metal: estas figuras carnais acordam os seus sentidos.O sorriso delicioso do anjo e o sofrimento extático da Santa que desfalece num branco de nuvens fazem­nos acreditar que se trata de um acontecimento real, no próprio instante passado. Esta obra exprime plenamente a arte barroca (1966, p. 22).

A figura desfalecida da santa caracteriza que o encontro com o gozo a mais é

da ordem do impossível ou uma entrega da pulsão de vida com a pulsão de morte

na qual há um atravessamento no psiquismo de tal forma, que o sujeito não dá conta

de vivenciar conscientemente. A declaração de Rosa que estamos comentando pressupõe pelo menos um gozo fálico, o possível no dizer

lacaniano, mas, ao analisar a sua escrita, vê­se que ele se debruça demasiadamente, trabalhando de uma forma tão inusitada

e exuberante que se pode supor que ele tem um gozo a mais, uma vez que ele nunca está satisfeito com sua obra e procura

sempre trabalhar mais.

A necessidade de se escrever muito e dentro de um determinado estilo

literário não acontece aleatoriamente. Pode­se dizer que algo escapa à

representação do “real” e se tem uma obrigação de criar no “simbólico” escrevendo,

por exemplo, rebuscado numa repetição que parece buscar algo diferente, como

quem escreve barrocamente.

Por isso, ele busca termos do folclore brasileiro e mistura com radicais latinos e gregos em um rebuscamento que

torna a sua escrita ininteligível na primeira leitura, precisando que o leitor seja também um pesquisador e procure o significado

das palavras para prosseguir com a leitura, como, por exemplo, tutaméia que significa pouco dinheiro. Freud, no livro: Três

ensaios sobre a teoria da sexualidade escreve que o querer saber está relacionado com a questão do desenvolvimento

sexual na infância:

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Quase na mesma época em que a vida sexual das crianças atinge seu primeiro ápice, entre as idades de três e cinco anos, elas também começam a mostrar sinais da atividade que pode ser atribuída ao instinto do saber e da pesquisa. Este instinto não pode ser ele classificado como pertencente exclusivamente a sexualidade. Sua atividade corresponde de um lado, a uma maneira sublimada de obter domínio, ao passo que, de outro, ele utiliza a energia da escopofilia. Suas relações com a vida sexual, contudo são de particular importância, já que aprendemos através da psicanálise que o instinto do saber nas crianças é atraído inesperadamente cedo e intensamente para os problemas sexuais e é, na realidade, possivelmente despertado de início por eles (1972 [1905], p.199 ).

O querer saber não é fortuito, mas tem causas, inconscientes, por isso nem todas as

crianças mostram a mesma intensidade e interesse em conhecer a língua escrita. Talvez, esta

argumentação freudiana seja uma explicação do motivo que leva certas pessoas a se

debruçarem tanto nos livros, independentemente, do meio no qual nasceram. Uma vez que

existem pessoas que nascem no meio dos livros e nenhum interesse desperta e outros que

nascem desprovidos deles e sentem­se atraídos. Guimarães Rosa, segundo a sua biografia,

nasceu no meio dos livros e sempre se sentiu muito atraído por eles. O propósito da escrita

rosiana não seria para captar leitores, mas simplesmente para buscar um êxtase em cada

palavra formada, um gozo. Rosa escreve criando um estilo único sem seguidores. Lacan, no

Seminár io 5, afirma: “Parece que para alguns é, digamos, meu estilo que barra a entrada

desse artigo. Lamento, não há nada que eu possa fazer meu estilo é o que é“ (1999, p. 33).

Assim, pode­se empreender que o seu estilo é uma manifestação psíquica que precisa ganhar

um transbordamento em letra bastante trabalhada, barrocamente. Algo similar parece

acontecer com Rosa.

Ao investigar a produção rosiana, o leitor surpreende­se em muitos momentos, pois

parece que as palavras estão colocadas no texto aleatoriamente, e não têm sentido, porém,

para Rosa as palavras apresentam um sentido além e ganham corporeidade. É um corpo de

amante.

Na sua obra posterior ao Grande ser tão: veredas, Tutaméia, Rosa discute o direito

que o escritor tem de criar palavras, fazer neologismos. Criar palavras é uma tentativa de

concretizar aquilo que escapa da possibilidade de dizer, é tentar apreender o inapreensível. O

vocabulário é insuficiente para dizer o que perpassa em seu pensamento. Assim como a

criança que não tem medo da criação, criam­se palavras é o que o autor afirma em sua obra

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Tutaméia: “Dito seja, a demais, que o vezo de criar novas palavras invade muitas vezes o

criador como imperial mania” (2001, p.109).

2.3.1 Música barroca

A música barroca, surgida enquanto história da música no século XVII causou

certo estranhamento e foi repudiada pelos críticos musicais da época que a

designaram como extravagante nas suas modulações, repetições e flutuações

métricas, barulhenta.

Assim, apresenta algumas particularidades que a diferenciam do estilo

renascentista, entre elas podemos destacar, principalmente, a comunicação dos

instrumentos em uma orquestra. Isso acontece da seguinte forma: toca­se ao piano

como se estivesse perguntando e responde­se no violino, violoncelo, entre outros

instrumentos ou ainda se repete o mesmo movimento em vários instrumentos, ou

uma voz canta e há acompanhamento de um instrumento, tal como se fosse um eco.

Esta música fala muito à sensibilidade de quem a toca e de quem a escuta,

pode­se dizer que há um arrebatamento nos movimentos com a introdução de:

allegro, adagio, allegreto, que propiciam um som dramático que muito foi utilizado

nas encenações das óperas.

A música cantada acompanhada por um instrumento diz a mesma coisa duas

vezes. Isso aparece no barroco, principalmente nas óperas. Esta inovação na

música barroca foi comentada por Sant´Anna:

Inovador nas ciências, na arquitetura, na pintura e na literatura, o Barroco se torna um período musicalmente inovador não apenas nas partituras, mas na própria confecção dos instrumentos. É como se houvesse sido descoberto um perspectivismo musical, linhas de fuga e contraponto expandindo o horizonte sonoro. [...] O violino deixa de ser um instrumento para acompanhamento de dança e passa a ser privilegiado nas sonatas (2000, p.142).

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Segundo a proposta da presente pesquisa, os elementos da música barroca

somente serão considerados enquanto estilo que perpassa os tempos, assim

poderíamos encontrar fora dos séculos XVII e XVIII esta expressão.

A classificação da voz humana em diferentes timbres musicais proporcionou

que se organizassem de forma sistemática os corais. Ao se observar a música de

outros povos e civilizações tal qual as indígenas astecas, incas, maias e as

brasileiras pode­se verificar que o batuque dos instrumentos revela uma harmonia

barroca como se fosse uma conversa entre tambores.

A música barroca mexicana é uma expressão da miscigenação da cultura

dos negros, indígenas e brancos espanhóis, pois se verifica que as flautas, violões,

harpas entre outros instrumentos mesclam os seus sons numa orquestra onde as

diferentes culturas unem­se havendo presentificação do sagrado e do profano.

A música de Antonio Vivaldi (1678­1741) consegue introduzir certos elementos tradicionais e apreciados da ópera barroca tal como os cenários de montes e florestas, o murmúrio dos riachos e o trinar dos pássaros. A música por si só contava uma história com riquezas de detalhes. Nesta época os intelectuais da música primavam por uma abstração musical com uma razão matemática.

No bolero composto por Maurice Ravel observa­se um crescendo musical nos

movimentos e os vários instrumentos utilizados mesclando o clássico com bolero

espanhol entre outros arranjos musicais vão diferenciando o som num crescendo

nas diversas escalas musicais podendo levar quem o escuta a um êxtase.

Johann Sebastian Bach revolucionou o sistema musical de sua época quando

propôs que houvesse intervalos sempre iguais entre notas igualando todos os

semitons. Em 1722, foi publicado o primeiro volume de sua obra: Cravo bem

temperado. Mesmo ano em que Rameau publicou seu Tratado de Harmonia. Mais

tarde, no Brasil, Villa­Lobos faz uma inovação inspirado em Bach introduzindo ritmos

brasileiros sertanejos com a técnica deste a que ele denominou: “Bachianas

brasileiras”.

A arte renascentista buscava com suas retas uma perfeição e a exaltação do

humano, a música foi toda composta em arranjos matemáticos perfeitos e a ciência

desenvolveu de maneira sistemática. No oriente não havia uma organização

metódica pré­determinada na elaboração da ciência, arte, música; a linguagem era

cheia de mistérios e magia. A música barroca tem métrica, porém é de uma forma

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rebuscada, com oscilações nos movimentos como o que aparece nos concertos de

óperas, orquestras.

Vivaldi consegue romper com a tradição e com uma expressividade sugestiva

de imagens e palavras consegue eliminar o preconceito da incomunicabilidade da

música instrumental. Sua obra “As quatro estações”, que é uma série de quatro

concertos pode ser um exemplo significativo da nova música que criava narrando

através de sons o passar do ano e fazendo sucederem­se a primavera, o verão, o

outono e o inverno, com variações de allegro, allegro non molto, adagio, presto, adagio­presto. A obra sugere diferentes estados de ânimo. Esta música teve grande

aceitação dos nobres que financiaram muito bem o musicista.

Pode­se dizer que a música barroca com seu dinamismo conquistou a nobreza da época que abrilhantava e disputava os salões de seus palácios com espetáculos de óperas. As orquestras de câmara (conjunto de poucos intérpretes) tornaram­se comuns.

2.3.2 Música barroca no Grande sertão: veredas

Na música existe um recurso para fazer um som diferencial, uma variação,

que se chama sustenido. É a mesma nota em outro tom como se fosse um eco, que

muito se assemelha com a palavra que se repete, porém com “uma quebra” que

possibilita um contraste, como ocorre na obra Grande sertão: veredas e pode ser

visto ao longo do romance, porém, se destacarão algumas páginas: (p. 13) de

essezinho, essezim. (p. 14) “de pouquinho em pouquim, (p. 15) desendoidecer,

desdoidar, (p.19) Até­ que, até­que, (p. 19) só mole, moleza (p. 22) menino menino,

(p. 27) creio e não creio. Tem coisa e cousa, se segue, segue, chapada, chapadão,

(p. 33) Não sei, não sei, (p. 39) mangabaranas e mangabeirinhas, (p. 39) capins

assins, (p. 40) a igual, igualmente, (p. 41) Desarreei, peei, (p. 42) Água não havia.

Capim não havia. (p. 42) tábua suante, padecente, (p. 43) só gostava de mim, de

mim ! (p. 46) viemos vindo, (p. 46) Estivesse, esperasse. Escapulíamos,

esquipávamos, (p. 49) Só se queria e não queria, (p. 51) não queria o que de certo

queria, (p. 52) Constante eu puder, meu suor não esfria, (p. 52) repetido, o repetido,

(p. 226) Teremos de ir... Teremos de ir... (p. 454) Aqui a estória se acabou. Aqui, a

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estória acabada. Aqui a estória acaba. Ecoa na (p. 460) Agora estou aqui. Nonada

(p. 9) primeira palavra do romance ecoa em toda a narrativa na (p. 319) há um eco,

Não nada, e no final na (p. 460) Nonada, entre outros tantos.

As palavras repetidas que o narrador­personagem faz de forma ecoante, ora

com palavras iguais, ora com variações de desinências ou sufixos podem ser vistas

como se fossem sons com redundâncias sonoras. Há reverberações, tal qual

acontece na música barroca onde os compassos da música apresentam tons e

semitons, movimentos com variação que podem propiciar um êxtase. Essas

variações tanto na escrita rosiana como na música barroca possibilitam a formação

de imagens na tela mental do leitor como de quem escuta a música, pois as

variações fazem pensar em algo a mais do que diz a primeira palavra ou a primeira

nota musical.

Observa­se que a repetição acontece como um coral barroco onde há uma

repetição em duas vozes ou mais, fazendo eco. Como numa ópera, há uma

narrativa com musicalidade que se desdobra em várias imagens: a verdade do

sujeito, feminino, masculino, a busca pelo Pai, Lei, morte, vida, tragédia a eterna

“luta” entre Eros e Tanatos. Porém, como o refrão de uma música, aparece sempre

Diadorim, que dá uma suavidade na descrição do sertão, como eco de uma ninfa,

Riobaldo rebuscadamente disserta sobre ele/ela, sendo este o foco principal da

narrativa.

2.3.3 O Labirinto barroco no sertão

A narrativa em Grande sertão: veredas é em primeira pessoa, construída

com contornos e rebuscamento, como um labirinto barroco onde o leitor pega ou não

o fio de Ariadne como no Mito de Teseu e decifra ou não o mito do sertão.

Riobaldo, o narrador­personagem, define o sertão para o seu interlocutor:

“Sabe o senhor: sertão é onde o pensamento da gente se forma mais forte do que o

poder do lugar. Viver é muito perigoso...” (GSV, p. 22).

Pode­se dizer que aqueles leitores que não conseguem chegar até o final da

narrativa labiríntica são como os moços que foram comidos pelo Minotauro, que

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pode ser visto como a representação das dificuldades que o ser humano passa

quando quer decifrar a sua verdade, pode também ser considerado a personificação

do mal aquele que perturba a ordem estabelecida, uma preocupação constante de

Riobaldo é o demônio e o mal em todos as suas nuances, principalmente a pessoa

de “Hermógenes mor maldito”, jagunço que ele teme. Para Sant'Anna, este pode

representar o Minotauro para ambos os protagonistas: Riobaldo e Diadorim,

Ou pode dar­se como nessa obra­prima do barroquismo ficcional moderno brasileiro Grande sertão: veredas, que se refaça a tradição e que essas veredas sejam o desenho do enorme labirinto onde Diadorim e Riobaldo têm que enfrentar o Grande Cão, o Minotauro, que é o “ Hermógenes mór maldito”. Do liso do Sussuarão ao rodopio do duelo no meio da rua, o arrebatamento labiríntico da alma barroca entre o bem e o mal, o amor e a morte (2000, p. 73).

Observa­se que o narrador­personagem Riobaldo consegue percorrer o

sertão que é labiríntico e cheio de dificuldades a serem vencidas, tal como Teseu,

porém, no término da narrativa ainda continua no “nonada”, pois a dor de saber que

esteve tão perto de seu amor e não vivenciou este sentimento na carnalidade o

enluta. E o conhecimento que adquiriu sobre o humano na travessia do sertão não é

suficiente para encobrir a sua dor.

Esse mito grego segundo Brandão (1989b) relata que Minos, rei dos

cretenses, foi vencedor de uma guerra contra a cidade de Atenas e como castigo os

perdedores atenienses teriam que enviar todos os anos uma oferenda de catorze

adolescentes ao Minotauro, monstro com cabeça de touro e corpo de homem, que

morava em um labirinto. Estes jovens viajavam em um navio de vela negra, que

sempre voltava vazio, pois ninguém conseguia derrotar o Minotauro.

Teseu, filho de Egeu, rei de Atenas, decide que aquele horror iria acabar e

que não seria mais necessário enviar os jovens para a morte, o que causava muita

tristeza para todos, mas principalmente para o seu velho pai. Para que isso não

fosse mais necessário era preciso que o Minotauro fosse derrotado para sempre;

assim, Teseu se oferece para ir derrotá­lo indo no lugar de um jovem.

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Ariadne, filha do rei Minos, fica sabendo da valentia do jovem príncipe,

encanta­se por ele e vai procurá­lo com o intuito de ajudá­lo e de lhe fazer uma

proposta. Na conversa que trava com Teseu, Ariadne diz que mesmo que consiga

derrotar o minotauro ainda assim ficará preso no labirinto, ele concorda e revela que

não havia pensado nisso, por isso ela lhe oferece um novelo que contém um fio

mágico que lhe permitirá não só procurar o Minotauro, mas também encontrar a

saída.

Ariadne propõe a Teseu que se case com ela e a leve para morar em Atenas

depois de vencer o monstro. Teseu consegue vencer o monstro e sair do labirinto,

pois marca o caminho com o fio de Ariadne. Este feito faz dele um grande herói,

porém a felicidade não é completa, pois ele esquece de tirar a vela negra do navio e

colocar uma branca, conforme havia prometido ao pai, caso derrotasse o monstro.

O rei Egeu, ao ver que o navio volta com a vela negra, desespera­se

achando que o filho e os outros jovens estão mortos e joga­se no mar, morrendo

afogado. Em homenagem a este rei é que o mar que banha a Grécia foi denominado

de mar Egeu. Teseu desembarca radiante de felicidade, ao saber do acontecido com

o pai culpa­se por sua irresponsabilidade e cai em grande luto. Passado um tempo,

vê que não há mais nada a fazer e assim, reina como um grande soberano, porém

em seu coração permanece a dor da perda do pai.

Para Affonso Romano de Sant’Ana: “Mas, em seu sentido original, o labirinto

tem uma conotação iniciática. Conduz a um centro e quem o percorre realiza uma

“viagem” ou “prova”, que o leva (como no caso de Teseu ao enfrentar o Minotauro)

a um certo poder.” (2000, p.69). Só que estas provas não possuem um fim. Há

sempre algo novo para ser desvendado como no inconsciente humano. Assim, o

sertão fica como indecifrável. A respeito disso, Riobaldo descreve: “Vou lhe falar.

Lhe falo do sertão. Do que não sei. Um grande sertão. Não sei. Ninguém ainda não

sabe. Só umas raríssimas pessoas e só essas poucas veredas, veredazinhas” (GSV,

p. 79). São várias imagens descritas nas histórias de Riobaldo que refletem a

existência humana.

Nos vários casos que Riobaldo relata estão contidas nuances de sua própria

vida, como por exemplo: mortes. Ele próprio teve pelo menos duas perdas grandes,

a morte de sua mãe e a morte de Diadorim. Como na obra barroca que do múltiplo

tem­se a unidade. Os vários elementos são as histórias do sertão que dizem da sua

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própria vida e da vida humana, do particular para o universal (dor, amor, morte,

sexo, tragédia).

Pode­se dizer que o texto é um espelho onde as imagens são refletidas à

medida que Riobaldo e o leitor vão fazendo a travessia na narrativa, pois ambos

percorrem o caminho: aquele que lê também percorre um caminho, faz uma

travessia, em busca de entender a si mesmo: “O espelho ou o reconhecimento do

próximo permite que se afirme a idéia da totalidade e da sua finitude, no local onde

sua presença irrefletida permanece irreconhecível, a não ser pelas vias do prazer e

do sofrimento” (POMMIER, 1987, 123).

A proposta da presente pesquisa não é a de decifrar a etimologia das

palavras em Guimarães Rosa, mas a de investigar o romance procurando imagens,

expressões da arte barroca e da psicanálise. O título do romance sugere várias

dicotomias sertão = aridez, veredas = lugar aprazível ou ainda veredas = verdade =

verdaes que significa o caminho, estreito rumo, direção, mesmo de verdade,

enveredar. Assim, o grande sertão pode ser entendido como espaço físico

(IMAGINÁRIO) situado entre Minas, Goiás, Bahia e enquanto espaço mítico

(SIMBÓLICO) possibilitando diferentes leituras. A história é narrada como uma

grande tessitura, um tecer continuo, sem cansaço, pois não é subdividido em

capítulos.

Quando Riobaldo conta um caso/“causo” os verbos estão no passado, porém

nesse relatar ele se dirige ao seu interlocutor, homem culto, no presente. Evidencia­

se que no relatar o caso passado ele dá uma parada e faz uma apreciação pessoal

de temáticas que apareceram do seu próprio relato, Riobaldo indaga a seu

interlocutor sobre a temática e ele mesmo responde. A voz do seu interlocutor não

aparece em nenhum momento da narrativa, porém o parecer deste sim, como se

pode verificar neste trecho da narrativa:

Explico ao senhor: o diabo vige dentro do homem, os crespos do homem ou é o homem arruinado, ou o homem dos avessos [...] Mas não diga que o senhor, assisado e instruído, que acredita na pessoa dele?! Não? Lhe agradeço! Sua alta opinião compõe minha valia [grifo nosso] (GSV, p. 11).

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O narrador­personagem descreve sem medo de conhecer a sua verdade, principalmente no que se refere ao seu

relacionamento com Diadorim seu companheiro de lutas. Riobaldo apresenta uma característica de máscara, uma vez que a

sua aparência de ex­jagunço, homem do sertão, que não teve acesso a muitas letras, mas ao mesmo tempo tornou­se

professor com o que sabia. Sem muito conhecimento das letras consegue falar rebuscadamente, fazendo metáforas,

metonímias, jogos de palavras. Sobre esta irreverência na fala de Riobaldo, Affonso Romano comenta:

Quando sua obra surgiu em 1946 (Sagarana) e se firmou em 1956 (Grande sertão: Veredas e Corpo de baile) indagava­se ingenuamente se os vaqueiros mineiros falavam da fato daquela forma. Seria o mesmo que indagar se as figuras dos quadros de El Greco eram realistas ou se os espanhóis falavam como Góngora escrevia (2000, p.123).

A ignorância de Riobaldo é apenas superficial, pois basta adentrar em seu discurso que se descobre um homem

muito culto, não só para o meio em que ele se movimentava como universalmente. Ele representa o inesperado, pois, do

homem do sertão não se espera que vá ter um discurso filosófico a respeito da existência.

Riobaldo é um “jagunço filósofo”, que se questiona filosoficamente sobre a existência humana ao longo da narrativa:

“Você agüenta o existir?” (GSV, p. 72). Sempre afirmando que as coisas podem ser e não ser ao mesmo tempo, faz intertexto

com Shaskespeare em Hamlet (1603): “Ser ou não ser, eis a questão”, porém, afirma que é possível os contrários existirem ao

mesmo tempo: “É, e não é. O senhor ache e não ache. Tudo é e não é” (GSV, p.12). Tal qual na obra barroca o claro e

escuro, sombra e luz, bem e mal são vistos como pertencentes a uma unidade, é o que Wölfflin (2000) afirma. Os dois

antagônicos podem existir ao mesmo tempo como expressa o quadro de “Os embaixadores” beleza, poder e morte todos

unidos em um só espaço. “No Sertão até enterro simples é festa ” (p. 47).

Na arte plástica existe a característica denominada plana para o que se

visualiza logo que se olha para o quadro, é o esperado não precisa procurar muito

para visualizar: ”O plano é o elemento da linha, a justaposição em um único plano

sendo a forma de maior clareza” (WÖLFFLIN, 2000, p.19). Este é encontrado com

mais freqüência na arte clássica. O contraponto é a profundidade encontrada no

barroco e em Riobaldo, pois a roupa de jagunço é somente superfície plana que

num primeiro olhar não se vê o filósofo. A expressão disso pode ser observada no

artista Rembrandt na tela “Paisagem com caçador” . Sobre isso, Wölfflin considera:

[...] o desenho de Rembrandt está tão impregnado de motivos de profundidade, que o observador certamente percebe a presença material do plano, mas é levado a considerá­la apenas como um substrato mais ou menos casual de um quadro concebido de maneira totalmente diferente (2000, p. 129).

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Logo na primeira palavra do romance, o leitor, que é o observador, verifica

que a leitura exigirá mais dos seus conhecimentos: “Nonada”. Assim, o plano, roupa

de jagunço é realmente substrato, recurso da narrativa para levar o seu observador

a aprofundar nonada que o narrador­personagem convoca logo de início, a

peregrinar no labirinto de um quadro (narrativa) que é “concebido de maneira

totalmente diferente”, como citado acima.

No próximo capitulo o sertão percorrido por Riobaldo, o narrador­personagem,

será analisado como se ele estivesse fazendo uma análise psicanalítica.

3 A TRAVESSIA DO SERTÃO COMO PERCURSO ANALÍTICO

Travessia pressupõe ir de um lugar para outro. Riobaldo percorre, atravessa o

sertão duas vezes: a primeira vez na vivência, depois rememorando tudo o que

viveu. Esta introspecção lembra Édipo, rei diante da esfinge de Delfos: “Conhece–te

a ti mesmo”.

Para a psicanálise, conhecer um pouco de si pressupõe estar diante de um

outro, a fim de que este outro possa ser um espelho, onde suas imagens possam

ser vistas refletidas. Nesse sentido, este percurso corre um grande risco. A pessoa

pode não agüentar ver o que reflete nesse jogo entre o outro (o analista) que torna­

se o espelho, e as imagens que vão se formando ao longo da travessia

conscientemente. Possibilitando até mesmo que o sujeito se afunde no mar de si

mesmo, como nos relata o mito de Narciso que diante de sua imagem refletida se

enamorou e afundou­se. Riobaldo correu este risco e percorreu o sertão de si

mesmo.

O sertão é árido, porém às vezes revela veredas, lugares que são

agradáveis. Na narrativa de Riobaldo o amor por Diadorim pode ser visto como as

veredas que amenizam as tribulações, a aridez do sertão. Este capítulo investigará a

travessia de Riobaldo como uma análise psicanalítica e a busca de entendimento de

seu amor por Diadorim como núcleo central de sua travessia.

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3.1 ANÁLISE PSICANALÍTICA E VERDADE NO SERTÃO

O romance de Guimarães Rosa, Grande sertão: veredas pode ser lido

também como percurso de uma análise psicanalítica onde se atravessa o masculino

e “chega­se” ao feminino, pois Riobaldo parece alguém que se encontra em um divã

com seu analista, uma vez que tem vários questionamentos sobre a existência, mas,

principalmente, uma questão o atormenta profundamente: Diadorim. Quer saber o

por quê de ele ter encontrado Diadorim, ainda menino, e ter­se encantado por ele. A

importância do encontro é revelada também na escrita da palavra “Menino” em

maiúscula, deixando claro para o leitor que não foi qualquer menino, mas, alguém

muito especial que nem todos os mortais têm oportunidade de encontrar em suas

vidas. Um encontro como este é um divisor de águas na vida da pessoa, uma marca

profunda que não cicatrizará jamais, pelo que ele relata:

Nem sabia o nome dele. Mas não carecia. Dele nunca me esqueci, depois, tantos anos todos. Agora que o senhor ouviu, perguntas faço. Por que foi que eu precisei encontrar aquele Menino? Toleima, eu sei. Dou, de. O senhor não me responda. Mas, onde é bobice a qualquer resposta, é aí que a pergunta se pergunta. Por que foi que eu conheci aquele Menino? O senhor não conheceu o compadre Quelemém não conheceu milhões de milhares de pessoas não conheceram. O senhor pense outra vez, repense o bem pensado: para que foi que tive de atravessar o rio, defronte com o Menino? (GVS, p. 86)

O grande sertão pode representar o deserto que existe no humano em busca

da sua verdade que é sempre árida e grande. Depois que se atravessa a aridez,

chega­se a veredas, talvez outros caminhos, outras possibilidades se abram: “Sertão

é o sozinho. Compadre meu Quelemém diz: que eu sou muito do sertão? Sertão é

dentro da gente” (GSV, p. 235).

O inconsciente freudiano tem seus contornos e mensagens enviadas ao

consciente através dos chistes, sonhos, atos­falhos, associações livres em análise.

Lacan, no Seminário 20 considera: “Se o inconsciente é mesmo o que eu digo, por

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ser estruturado como linguagem” (1985a, p. 91). Assim, o caminho para o

inconsciente não é reto, mas cheio de curvas e dobras que se desdobram. Existe

sempre um a mais a se dizer, algo que não se alcançou e “espera” uma

ultrapassagem. Nesse sentido no dizer lacaniano o inconsciente é não­todo.

Por isso, a narrativa começa com Riobaldo nonada e termina também com

nonada, apesar de percorrer o sertão de si mesmo, permanece não sabendo nada

da sua verdade conscientemente, porém inconscientemente ele adquiriu muito e

consegue revelar no discorrer da narrativa como se verá neste trabalho. Riobaldo

afirma o “Sertão é onde o pensamento da gente se forma mais forte do que o poder

do lugar. Viver é muito perigoso” (p. 22).

Desse modo, observa­se que só se pode chegar à verdade pela “metade”, pois, ela

“TODA” é impossível de se revelar, porque pode ofuscar a visão de quem for o herói e

conseguir vislumbrá­la. Como nos mitos gregos de Sófocles: Édipo e Tirésias, que diante da

VERDADE TODA, ficaram cegos, literalmente. “Digo sempre a verdade: não toda, porque

dizê­la toda não se consegue. Dizê­la toda é impossível materialmente: faltam palavras”

(LACAN, 1993, p.11). Mas, os que tentam e têm coragem heróica para mergulhar em si

mesmos como Riobaldo, esbarram na verdade:

O senhor sabe? Não aceito no contar, porque estou remexendo o vivido longe alto, com pouco caroço, querendo esquentar, demear, de feito, meu coração, naquelas lembranças. Ou quero enfiar a idéia, achar o rumozinho forte das coisas, caminho do que houve e do que não houve. Às vezes não é fácil. Fé que não é (GSV, p.135).

Riobaldo afirma que não é nada fácil pensar no passado para entendê­lo, porém ele

não desiste. Apesar de ser difícil mexer nas lembranças ao mesmo tempo elas esquentam o

seu coração. Pode­se empreender que a travessia pela segunda vez torna­se necessária. 4

O humano busca um caminho reto para explicações nas artes, ciências e religião.

Todavia o que o inconsciente revela são respostas retorcidas, com metáforas, metonímias,

4 Como Riobaldo não se preocupa em conhecer a sua verdade toda, mas em fazer a travessia pelo sertão, o taoísmo também considera que o mais importante é o atravessar. A palavra tao designa justamente isso via. Riobaldo fez uma grande travessia pela via Diadorim e considera­se que não chegou a lugar algum. (Ver mais a respeito, em Lacan, Seminário 20,passim)

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num jogo bem elaborado, por isso não tem como se conceber a verdade toda. A análise remete

a levantar os véus, sendo assim remete o sujeito às cenas edípicas e à castração, uma busca

pela VERDADE TODA onde se procura saber da causa do desejo que orienta. Este sempre

remete à diferença e é na diferença que se tem o reconhecimento da castração.

Para Freud, em seu texto “Análise terminável e interminável” (1977), o final de

análise não existe, chega­se até um ponto suportável, pois romper a castração é

como mover uma rocha, um continente negro desconhecido: “Isso implica em que a

trajetória analítica deve prosseguir até interrogar suas próprias verdades, ou os

conceitos que nela pareçam funcionar como verdades” (ANDRÉ, 1987, p. 205).

André (1987) questiona se devemos, pela análise, levantar este véu da

feminilidade? Visto que, se a análise remete à castração, o final de análise pode ser

comparado ao atravessamento da posição masculina para a posição feminina?

Freud (1974) ainda, em “Análise terminável e interminável”, escreve sobre o repúdio

de homens e mulheres pela feminilidade.

Por isso, tudo que remete a esse percurso, esbarra em algo que parece

intransponível. O “Ato analítico” será fundamental nessa ultrapassagem como

Lacan, Seminário XV, explana que a atuação do analista é que faz toda a diferença

na análise. Sobre isso Baldiz também afirma: “Ocupar o lugar de semblante é ocupar

o lugar do ser, mas fazendo algo do não ter, que é justamente o que vincula a

posição do analista. Fazer algo com o não ter é um modo de referir­se tanto à

operação analítica quanto à posição feminina” (2001, p. 17).

O processo mental do sujeito analisando já existe, porém tem de haver um

momento que propicie o “ acontecimento ”. O analista tem de ser capaz de escutar o

que reverbera do analisando além das palavras. Riobaldo enxerga esta capacidade

em seu possível analista:

Compadre meu Quelemém me hospedou, deixou meu contar minha história inteira. Como vi que ele me olhava com aquela enorme paciência calma de que minha dor passasse; e que podia esperar muito longo tempo. O que vendo, tive vergonha, assaz (GSV, p. 460).

Riobaldo no final se dá conta de que falou tudo que tinha vontade e que o

doutor escutou tudo com uma paciência diferente, talvez esperando que através da

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fala ele curasse a sua dor. Ao perceber a posição do seu interlocutor Riobaldo se

envergonha. Curar a dor da alma pelo processo da fala, sem quase ou nunca ser

interrompido diz respeito à psicanálise.

A posição do analista é daquele que consegue penetrar na dor do outro sem

colar nela, por isso a escuta é imprescindível no processo do tratamento. E

desenvolver essa capacidade só é possível no percurso da análise do analista.

Freud, em “Análise terminável e interminável”, escreve que todo analista deveria

passar pela análise, de cinco em cinco anos, pois todo humano sempre tem algo a

ser trabalhado, visto que o inconsciente é um universo inesgotável:

Os analistas são pessoas que aprenderam a praticar uma arte específica a par disso, pode­se conceder­lhes que são seres humanos como quaisquer outros. Afinal de contas, ninguém sustenta que um médico será incapaz de tratar doenças internas se seus próprios órgãos internos não forem sadios, ao contrário, pode­se argumentar que há certas vantagens no fato de um homem que foi, ele próprio ameaçado pela tuberculose, se especializar no tratamento de pessoas que sofrem desta doença. Os casos, porém não são absolutamente idênticos. Enquanto for capaz de clinicar, um médico que sofre de uma doença dos pulmões ou do coração não se acha em desvantagem para diagnosticar ou tratar queixas internas, ao passo que as condições especiais do trabalho analítico fazem realmente com que os próprios defeitos do analista interfiram em sua efetivação de uma avaliação correta do estados de coisas em seu paciente e em sua reação a elas de maneira útil (1977 [1937], p. 281­282).

Entretanto, não é necessário que a pessoa, num momento de possível término de análise, vá ser um analista

propriamente dito, mas vai ser um sujeito que conseguiu alcançar certas regiões psíquicas que possibilitarão vivenciar

momentos de criação na sociedade na qual está inserido. Riobaldo no término da narrativa parece uma pessoa aliviada, como

num possível término de análise, como se tivesse decifrado um pouco do seu enigma:

Cerro. O senhor vê. Contei tudo. Agora estou aqui, quase barranqueiro. Para a velhice vou, com ordem e trabalho. Sei de mim? Cumpro. O Rio de São Francisco que de tão grande se comparece parece é um pau grosso, em pé, enorme [...] Amável o senhor me ouviu, minha idéia confirmou: que o Diabo não existe. Pois não? O senhor é um homem soberano, circunspecto. Amigos somos. Nonada.O diabo não há! É o que eu digo, se for [...] Existe é homem humano. Travessia (GSV, p. 460).

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Riobaldo diz que a sua preocupação era entender se o diabo existe ou não, pois ao longo de toda a narrativa ele

julga que este interferiu no seu relacionamento com Diadorim. Entretanto, chega à conclusão de que o que existe é o ser

humano, travessia. É interessante observar que quando ele afirma que o diabo não existe primeiramente ele dá importância a

este e escreve com letra maiúscula, e quando ratifica a sua confirmação ele já escreve com letra minúscula exclamando com

grande alivio: “O diabo não há!”.

Para Freud, o término da análise pressupõe “amar bem e trabalhar bem”. Assim: O que a análise deve revelar ao

sujeito é que a verdade jamais pode ser dita toda. Vê­se que esta afirmativa é um paradoxo, pois, a priori, o analista “sabe” que

a experiência analítica é de confronto com o indizível, mas, mesmo assim, convoca o analisando: “Diga tudo que lhe vem à

mente”. Sabendo que tudo é indizível. Riobaldo afirma que contou tudo ao seu interlocutor, que segundo a proposta da

presente pesquisa é um analista, e que agora seguirá a sua vida com ordem e trabalho.

O “destino” da análise é a captura dos significantes onde o gozo está. A fala toda de Riobaldo com seu interlocutor é

uma tentativa de capturar todos os momentos vividos com Diadorim que são para ele os seus significantes, a fim de gozar de

novo. Para Lacan no Seminário 20: “o gozo é um limite” (1985a, p.124) e o sujeito chega somente a certo conhecimento de

sua verdade, como aconteceu com Riobaldo. O limite dele foi não saber o porquê que Diadorim não se entregou ao amor

sexual, pois a descrição da narrativa apresenta várias pistas que parece que ela sentia atração por ele, como será descrito no

item 3.2.

André (1987) assegura que o percurso da análise pressupõe uma revelação que se pode assinalar: revelação do

enigma do sujeito. Entretanto, segundo Lacan, enigma decifrado somente pela metade é o meio­dizer da verdade, como na

posição feminina.

O sujeito é estruturado tendo como base ilusões ou cenas fantasísticas. No

movimento da relação edípica estruturada por Freud tanto para o menino quanto

para a menina existe algo que escapa à simbolização no triângulo com a mãe e o

pai. Mas, imaginariamente, tudo se realiza numa concretude que só é mítica.

Lacan, em sua obra Televisão (1993), refere­se ao mito como uma forma

épica estruturante. Não pode ser questionável, pois só quer dizer alguma coisa de

indizível, como se fosse uma modalidade de “demonstrar” a VERDADE, porque o

mito “toca” em verdades universais, que são criadas pela palavra, que é arbitrária: “

“Müthos”, conforme esclarece Detiene, são narrativas que têm uma aparência ilusória. Nascem do rumor e alteram o brilho do que se enraíza na voz da verdade.

São simultaneamente, a ilusão e o enredo” (POLLO, 2001, p. 97).

O humano não “sabe” verbalizar a Verdade do inconsciente, aí inventa estórias que

fazem parte de histórias representadas pelos mitos. Muitos mitos cosmogônicos gregos e

hindus foram ratificados pela ciência na modernidade e no mundo contemporâneo

exemplifica:

Já 18 séculos antes de Copérnico, Aristarco de Samos aventurava­se a uma teoria que hoje sabemos era verdadeira; a de que a Terra é um planeta como os outros e não só gira sobre si mesma como também ao redor do sol (ROCHA, 1996, p. 38).

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E o interessante é que ambos dizem de uma estrutura triádica. A imagem mítica traz

consigo um conceito que recolhe o impossível de dizer. Remete a um acontecimento

primordial. Na cultura indiana, na religião Hinduísta, dentro da tradição dos vedas existe Purusha (o homem cósmico) de onde surgiram o céu e a terra e conseqüentemente os demais seres. Escolástica (1995) faz uma analogia do mito de Origem grego de Hesíodo com o

enigma do feminino dentro do viés freudiano e lacaniano. Para ela:

No panteão dos deuses a feminilidade apresenta­se pois, já dividida substancialmente, e seus atributos secundários são derivados de sua origem: Uma nascida do gozo; outra, da dor.”(...) dos salpicos sangrentos caídos sobre a terra (surgem) as Erínias e, de outra parte, da espuma ejaculada e caída no Mar, Afrodite. As Erínias vêm do sangue que se derruba no chão como Afrodite vem do esperma que docemente bóia do Mar. As Erínias vingadoras de todas as transgressões, têm uma natureza ctônica e próxima da Terra tanto quanto Afrodite, cheia de sorrisos e de enganos,tem a natureza mutável e manhosa como a do mar (p. 149­150).

Freud verificou que existe uma VERDADE, que é a do inconsciente, e que se

contradiz com as verdades conscientes. Esta verificação permitiu que ele estabelecesse a

existência de uma realidade psíquica que, quando verbalizada, parece ilusória, apenas uma

imagem fugidia que se contradiz ou que não diz nada mas no processo analítico o analista tem

que estar atento a estes dizeres que têm uma aparência “mentirosa”, mas, revelam a verdade

do sujeito.

Riobaldo disserta sobre os mitos do sertão na tentativa de se conhecer e entender o

seu relacionamento com Diadorim. Na morte de Diadorim ele consegue vislumbrar: “Ela

tinha amor em mim. E aquela era a hora do mais tarde. O céu vem abaixando. Narrei ao

senhor. No que narrei, o senhor talvez até ache mais do que eu, a minha verdade” (GSV, p.

454). Riobaldo delega ao seu interlocutor, analista o suposto saber do conhecimento da sua

verdade.

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3.2 AMOR ENTRE RIOBALDO E DIADORIM: UMA ABORDAGEM PSICANALÍTICA

Para a psicanálise, em Freud e Lacan, uma das formas de se conhecer uma

pessoa é como ela vivencia o amor. Nesse sentido podem­se ter algumas suspeitas

da movimentação psíquica de Riobaldo que num primeiro momento parece aceitar o

seu desejo homossexual com naturalidade:

Primeiro fiquei sabendo que gostava de Diadorim de amor mesmo amor, mal encoberto em amizade. Me a mim, foi de repente, que aquilo se esclareceu: falei comigo. Não tive assombro, não achei ruim, não me reprovei na hora. [...] Como é que, dum mesmo jeito, se podia mandar o amor? (GSV, p. 220).

A verdade do inconsciente não se “manifesta” toda e o sujeito só chega à

“metade” de sua verdade. Nunca ninguém sabe tudo sobre si mesmo ou tem

coragem de revelar as suas verdades. Riobaldo consegue em alguns momentos não

sentir vergonha ou medo de se atrair por um homem, porém ao longo de sua

travessia em vários momentos ele se envergonha deste sentimento e deseja e

procura mulheres bonitas, revelando que possui capacidade para amar em

multiplicidade. Porém, todo o seu movimento é para esconder de si mesmo o seu

verdadeiro sentimento que é o de atração por um homem:

Ao cada dia mais distante, eu mais Diadorim, mire veja. O senhor saiba Diadorim: que, bastava ele me olhar com os olhos verdes tão em sonhos, e, por mesmo de minha vergonha, escondido de mim mesmo eu gostava do cheiro dele, do existir dele, do morno que a mão dele passava para a minha mão. O senhor vai ver. Eu era dois, diversos? O que não entendo hoje, naquele tempo eu não sabia (GSV, p. 369).

Riobaldo diz que sentia fortemente desejo pelo amigo tudo nele o atraia; os

olhos, o cheiro do corpo, o toque das suas mãos. Aí nesses momentos sentia­se

confuso com vontade de se esconder de si mesmo, porém agora na sua

introspecção revela para si mesmo e indaga­se: “Eu era dois, diversos“? Quer dizer

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múltiplo para amar? Tal como se fossem duas pessoas (desejo de amar como

homem e desejo de amar como mulher) em uma só.

Jorge (2000), psicanalista, escreve que a paixão amorosa traz a ilusão da

completude (uma plenitude) como se tivesse encontrado o gozo primordial que

“acha” que vivenciou em tenra idade.

O ser humano possui uma fragilidade maior do que outros animais, pois, caso

não haja alguém que lhe dê os necessários cuidados no devido tempo ele pode vir a

morrer. Por isso, ele pode ser nominado como um animal “incompleto”, apenas um

projeto de humano.

As tartarugas marinhas, por exemplo, logo ao nascerem correm para o mar,

ligeiramente, capacidade que a criança só irá adquirir com cerca de um ano e meio a

dois anos de idade, conforme o seu organismo psíquico­físico. Um gato com

sessenta dias de nascido já se tornou independente da sua mãe, já desmamou,

enquanto o bebê humano é completamente indefeso.

A fragilidade humana que demora a conquistar sua independência

diferenciada dos animais que já nascem quase independentes é analisada desde os

Pré­socráticos. Anaximandro, filósofo grego é um exemplo disso:

O homem não surgiu, no começo, nessa forma acabada como o vemos hoje. Tal é a sua fragilidade, manifestada numa longa infância, inteiramente dependente de seus progenitores e carente de tantos cuidados indispensáveis que, se assim o fosse, não teria a mínima possibilidade de garantir, sozinho, a sua sobrevivência. Essa concepção de Anaximandro garante­lhe o titulo de precursor da moderna teoria da evolução, ainda que de forma incipiente, ingênua e sem os conceitos de mutações em vista de progressivas adaptações e novas condições de vida (SANTOS, 2001, p. 35).

Peter Berger que faz uma sociologia da religião também argumenta sobre

isso na sua obra Dossel Sagrado:

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A diferença dos outros mamíferos superiores, que nascem com um organismo essencialmente completo, o homem é curiosamente ”inacabado” ao nascer. Passos essenciais do processo de “acabamento” do desenvolvimento do homem, que já se verificaram no período fetal para os outros mamíferos superiores, ocorrem, no caso do homem, durante o primeiro ano após o nascimento. Isto é, o processo biológico de “tornar­se homem” ocorre num tempo em que o infante humano se encontra em interação com um ambiente exterior ao seu organismo, e que inclui o mundo físico e o mundo humano da criança (BERGER, 1985, p.17).

Os primeiros cuidados com o recém­nascido são de fundamental importância

para o seu desenvolvimento físico, psíquico e sexual. Para a psicanálise o ser

humano aprende a amar na relação que estabelece com o outro que o cuida. A mãe,

ao cuidar do bebê, nomeia o seu corpo anatômico através da linguagem, e, assim,

possibilita a sua constituição como sujeito.

A mãe ou a pessoa que desempenha o papel desta constitui o primeiro objeto

de amor para o bebê de ambos os sexos. A pulsão sexual no bebê está centrada

somente a tudo que organicamente o mantenha vivo. A zona oral é inicialmente

estimulada no processo de nutrição através da amamentação.

A princípio o bebê não percebe que a satisfação para as suas necessidades

partem de um outro. Com o tempo, verifica que algo de fora o nutre. Esta visão será

a primeira marca mnêmica e possibilitará que o “eu” se constitua. Para que isso

ocorra, o sujeito terá uma alucinação de objeto que acontecerá quando ele estiver

na ausência do objeto (seio).

A experiência só existe a posteriori e tem uma aparência mítica porque é

evocada. Sugar o seio materno obtendo o alimento, assim como sugar o dedo ou

chupeta, são movimentos que possibilitam ao bebê sentir prazer independente da

nutrição. A zona anal pode ser considerada a segunda a ser desenvolvida no bebê.

A pulsão é deslocada para as sensações prazerosas nos cuidados higiênicos e, no

próprio ato de expelir as fezes, pode ocasionar sensações de prazer e desprazer. A

fase fálica é aquela em que a concentração se mantém nos órgãos genitais. Estas

fases não acontecem de forma estanque; podem repetir­se ao longo do

desenvolvimento.

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Observa­se que haverá danos para um sujeito que não for investido por uma

mãe quer seja ela biológica ou não. É importante verificar que estas fases de

desenvolvimento não acontecem uma após a outra, mas que se entrelaçam,

podendo acontecer regressões de fases anteriores. Esses impulsos sexuais infantis

passarão pelo recalque (Verdrängung), nome dado por Freud a todas as

informações, tais como: imagens, pensamentos, lembranças que passam ao

inconsciente como uma das formas de defesa a investimentos da pulsão que

poderiam levar a um desprazer.

Para Freud, as pulsões sexuais constituem o cerne do desenvolvimento da

vida humana. Elas podem ter como destino, as seguintes vicissitudes: a reversão ao

seu oposto, retorno em direção ao próprio eu do indivíduo, recalque e sublimação. O

que leva alguém a querer cuidar de um bebê? Freud primeiramente, responde que

um bebê para uma mulher representa um substituto do falo, e na conferência sobre

“Feminilidade”, ratifica esta operação quando propõe a troca do pênis por um bebê.

Um bebê pode representar, também, para uma mulher a metáfora do amor de

um homem por ela. Para Lacan um filho pode oferecer a uma mulher algo que não é

dado ao homem: encontrar o seu objeto de desejo na figura do filho. É como se o

falo imaginário ganhasse corpo.

Caso a mãe não permita a entrada do outro (pai), o sujeito poderá ficar

aprisionado nesta relação, o que poderá levá­lo a patologias. Uma pessoa cuidará

de um bebê, ou não, de acordo com as elaborações de seus conflitos edípicos, pois,

as estruturas neuróticas, psicóticas e perversas surgem como resposta ao

investimento pulsional na relação com o outro semelhante.

Com a entrada na linguagem, o humano “perde” o gozo todo ou a

possibilidade de obtê­lo. É o que Lacan explana nos Escritos no texto intitulado:

“Subversão do sujeito e dialética do desejo no inconsciente freudiano”: “Aquilo que

é preciso nos atermos é que o gozo está vedado a quem fala como tal, ou ainda,

que ele só pode ser dito nas entrelinhas por quem quer que seja sujeito da Lei, já

que a lei se funda justamente nesta proibição” (1998b, p. 836). Isso é que se

procurará o resto da vida, através do movimento pulsional investido, libidinalmente

em diversos objetos que, por vezes, darão a ilusão de ter resgatado o gozo

primordial, como o encontro amoroso do homem perfeito ou da mulher perfeita.

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Freud escreve duas escolhas de amor possíveis: por apoio (anaclitíca) é

aquela em que o sujeito se apóia nas primeiras relações libidinais com a mãe. É a

escolha heterossexual onde o sujeito se posiciona como aquele que ama uma

mulher: a mãe. Esta escolha adquire a forma masculina e feminina de amar.

A posição masculina é aquela em que o investimento da libido é deslocado

para o objeto. Com isso, há uma super valorização do objeto sexual, onde o eu

empobrece ficando vulnerável e o objeto fica maravilhoso.

A outra escolha é aquela em que o sujeito ama um outro à imagem e

semelhança do eu. É o caso do homossexualismo masculino em que se ama nos

rapazes o menino que ele foi no amor da mãe, como o caso de “Leonardo da Vinci”

(1452­1519). Freud (1970a) analisou esta história, posteriormente, em 1910, no

artigo intitulado Leonardo da Vinci, sem conhecer tantos detalhes da infância do

ilustre pintor, elaborou uma teoria, com base na investigação de suas obras,

principalmente no quadro de “Santa Ana, Maria, e o menino” (vide tela em anexo,

ilustração 5). Pelo que se sabe, a história de vida dele revela que foi muito amado

por duas mães: a biológica, uma camponesa com que seu pai teve uma relação

antes do casamento e a mulher de seu pai que o criou desde a infância, e assim ele

foi capturado por esse amor.

Lacan, nos Escritos (1998a), no artigo intitulado “Diretrizes para um

Congresso sobre a sexualidade feminina”, fazendo a leitura de Freud, nomeia a

forma de amar masculina de fetichista, pois o homem goza com uma parte do corpo

da mulher. Já a posição feminina de amar é erotomaníaca. Ama­se aquele que está

marcado pela falta, castração.

Uma mulher que ama na posição feminina precisa inventar que é amada.

Atribui ao outro um desejo que é seu. Investigar a pulsão e libido, em Freud é

fundamental para o entendimento da constituição do sujeito e sua relação com o

mundo, principalmente em tenra idade, onde o sujeito vivencia suas primeiras

relações que são estruturantes.

Quando Lacan afirma que não existe relação sexual, é que na verdade os

sexos não se relacionam, pois o homem ama de uma forma e a mulher de outra.

Para o homem, a relação sexual é totalmente fálica. Por isso, após o ato

sexual ele quer dormir já que se sente realizado, enquanto a mulher se sente ainda

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em falta, querendo falar, conversar, principalmente, para indagar ao companheiro se

ele a ama. Ela necessita de algo que tampone a falta.

Dentro da leitura lacaniana, pode­se dizer que o amor encobre a falta diante

da impossibilidade de se fazer Um: o amor une o homem e a mulher. A união dos

corpos na relação sexual dá a ilusão para o casal de uma completude, uma fusão,

como se os dois corpos fossem “um só”, mesmo que momentaneamente, tal qual

Platão expressa no “Banquete” sobre o mito do amor que um dia, no passado

remoto, as almas eram gêmeas e tinham seus corpos colados um no outro.

Sobre esta fusão do amor e a tentativa de o humano tentar resgatar a

possível união que já teve com uma alma semelhante, Lacan considera que é da

ordem do impossível:

O amor, será que é fazer um só? Eros, será ele para tensão para o Um? [...] O amor é impotente, ainda que seja recíproco, porque ele ignora que é apenas o desejo de ser Um, o que nos conduz ao impossível de estabelecer a relação dos [...] A relação dos quem?­dois sexos.[...] Nós dois somos um só. [grifo nosso] Todo mundo sabe, com certeza, que jamais aconteceu, entre dois, que eles sejam só um, mas, enfim, nós dois somos um só [grifo nosso]. É daí que parte a idéia do amor. É verdadeiramente a idéia mais grosseira de dar à relação sexual, a esse termo que manifestamente escapa, o seu significado. [...] Esse Um de que todo mundo tem a boca cheia, é primeiro, da natureza dessa miragem do Um que a gente acredita ser (LACAN, 1985a, p. 13­14­64­65).

Existe a ilusão de que dois corpos unidos estão formando um corpo, como

se uma pessoa fosse a metade da outra pessoa. O dizer popular ratifica esta

afirmativa quando propaga que cada pessoa tem “a metade da sua laranja” ou “a

tampa da sua panela”. Entretanto, não há como estabelecer uma proposição lógica

entre os dois sexos.

Riobaldo e Diadorim nunca se encontraram como homem e mulher,

carnalmente, expressando esta impossibilidade de encontro entre os sexos.

Segundo a psicanalista Ribeiro (2001), no encontro de um homem com uma

prostituta, o dinheiro encobre a falta no lugar do amor. Com Riobaldo e Diadorim não

havia vida sexual. E na falta da vivência amorosa o que havia era uma amizade:

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Amigo, para mim, é só isto: é a pessoa com quem a gente gosta de conversar, do igual o igual, desarmado. O de que um tira prazer de estar próximo. Só isto, quase; e os todos sacrifícios. Ou amigo é que a gente seja, mas sem precisar de saber o por quê é que é. Amigo meu era Diadorim; Fafafa; o Alaripe, Sesfrêdo (GSV, p. 139).

Platonicamente Riobaldo “separa” os desejos da carne com os do coração e

os vivencia somente no mundo das idéias. O que a carne convoca ele fica confuso,

por isso se esquiva de um investimento maior no companheiro. Cartesianamente o

mundo dos sentidos o perturba de se livrar desse sentimento pelo companheiro e ele

confessa que quando ficava envolvido com as guerras o seu amor por Diadorim

ficava latente, porém ao avistá­lo e abraçá­lo o sentimento todo acendia:

O que sei, tinha sido o que foi: no durar daqueles antes meses, de estropelias e guerras, no meio de tantos jagunços, e quase sem espairecimento nenhum, o sentir tinha estado sempre em mim, mas empobrecido, rebuçado. Eu tinha gostado em dormência de Diadorim, sem mais perceber, no fofo dum costume. Mas, agora, manava em hora, o claro que rompia, rebentava. Era e era. Sobrestive um momento, fechado os olhos, sufruía aquilo, com outras minhas forças. Daí, levantei (GSV, p. 221).

A lembrança remanescente da infância, quando Diadorim repudiou um

investimento homossexual com a ponta de uma faca sangrando a pessoa que o

investiu, talvez tenha impedido que Riobaldo declarasse o seu amor por temor de

ser agredido. Nessa ocasião o homem que tentou molestar Diadorim insinuou que

eles estariam fazendo algo sexual, e que ele também queria desfrutar daquele

prazer, com um ar debochado segundo relato de Riobaldo; ele disse:

“Vocês dois, uê , hem ?! Que é que estão fazendo ? [...]” Aduzido fungou, e, mão no fechado da outra, bateu um figurado indecente. Olhei para o menino. Esse não semelhava ter tomado nenhum espanto, surdo sentado ficou, social com seu prático sorriso.___” Hem, hem? E eu? Também quero ! “___o mulato veio insistindo. E, por aí, eu consegui falar alto, contestando, que não estávamos fazendo sujice nenhuma, estávamos era espreitando as distâncias do rio e o parado das coisas. Mas, o que eu menos esperava, ouvi a bonita voz do menino dizer :___ “ Você meu nego? Está certo, chega aqui...”A fala, o jeito dele, imitavam de mulher. Então, era aquilo? E o mulato satisfeito, caminhou para se sentar juntinho dele. Ah, tem lances, esses se riscam tão depressa, olhar da gente não acompanha. Urutu dá e já deu o bote? Só foi assim. Mulato pulou para trás, ô de um grito, gemido urro. Varou o mato, em fuga, se ouvia aquela corredoura. O menino abanava a faquinha nua na mão, e nem se ria. Tinha embebido ferro na coxa do mulato,a ponta rasgando fundo. A lâmina estava escorrida de sangue ruim. Mas o menino não se aluía do lugar. E limpou a faca no capim, com todo capricho.” Quicé que corta [...]” foi só o que disse, a si dizendo. Tornou a pôr na bainha (GSV , p. 85).

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A atitude de Diadorim é de uma valentia muito grande para uma criança, pois

o agressor era mais velho, e poderia, como pensou Riobaldo, voltar com outros

companheiros para se vingar. Parece que ao mesmo tempo que Riobaldo se

esquiva da tentativa de aproximar­se do seu amor se enamora cada vez mais pela

coragem do amado. Essa contradição de emoções é uma constante em toda a

narrativa: é o querer e não querer. Dualidade paradoxalmente tão constante não só

em Riobaldo, mas em todo humano. E ele diz ao seu interlocutor:

Diga ao senhor: nem em Diadorim mesmo eu não firmava o pensar. Naqueles dias, então, eu não gostava dele? Em pardo. Gostava e não gostava. Sei, sei que, no meu, eu gostava, permanecente. Mas a natureza da gente é muito segundas­e­sabados. Tem dia e tem noite, versáveis, em amizade de amor ( GSV, p. 139).

E quando o reencontra moço pensa que nunca mais iria se afastar dele

expressando o conceito da psicanálise sobre o gozo primordial. Riobaldo sente

como se tivesse achado a felicidade total e que esta não iria escorrer de sua vida

nunca mais:

E desde que ele apareceu, moço e igual no portal, eu não podia mais, por meu próprio querer, ir me separar da companhia dele, por lei nenhuma; podia? O que entendi em mim: direito como se, no reencontrando aquela hora aquele Menino – Moço, eu tivesse acertado de encontrar, para o todo sempre, as regências de uma alguma a minha família. Sem peso e sem paz, sei, sim. Mas, assim como sendo, o amor podia vir mandado do Dê? Desminto (GSV, p. 109).

Riobaldo descreve como não se importasse com as leis da sociedade que

não aceita com naturalidade o homossexualismo, pois ele diz: “por lei nenhuma“ ele

iria renunciar o seu sentimento e a companhia do companheiro. E como a

psicanálise analisa, ele desabafa que sente como se tivesse encontrado alguém

familiar, um sentimento familiar na pessoa de Reinaldo­Diadorim.

Todavia, ao mesmo tempo em que aceita tudo como se fosse natural, sente

uma necessidade de buscar um outro amor e tamponar a falta de vivenciar o amor

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com o mesmo gênero, Riobaldo busca as mulheres dos bordéis e Otacília entra em

sua vida para silenciar um pouco o seu desejo ou deslocá­lo momentaneamente:

Sofreado de minha soberba, e o amor afirmante, eu senti o que queria, conforme declarado: que, no fim,eu casava desposado com Otacília sol dos rios...Casava, mas que nem um rei. Queria, quis. E Diadorim? O senhor cuida. Ingratidão é o defeito que a gente menos reconhece em si? Diadorim ele ia para uma banda, eu para outra, diferente; que em, dos brejos do gerais, sai uma vereda para o nascente e outra para o poente, riachinhos que se apartam de vez, mas correndo, claramente, na sombra de seus buritizais... Outras horas, eu renovava a idéia: que essa lembrança de Otacília era muito legal e intruja; e que de Diadorim eu gostava com amor, que era impossível [ grifo nosso] ( GSV, p. 412).

Contudo, os cuidados dos verdadeiros amantes ele revela: “E, no singular de

meu coração, dou dito: o que eu gostava tanto de Diadorim, tinha um escrúpulo

queria que ele permanecesse longe de toda confusão e perigos” (GSV, p.316).

Em muitos momentos da narrativa pode ser observado a situação de

Diadorim e Riobaldo como um casal: “Alegria minha era Diadorim. Soprávamos o

fogo, juntos, ajoelhados um frenteante o ao outro. A fumaça vinha, engasgava e

enlagrimava. A gente ria” (GSV, p. 238). Ele gostava de sair para passear com

Diadorim (GSV, p. 25), “E veja: eu vinha tanto tempo me relutando, contra o querer

gostar de Diadorim mais do que, a claro, de um amigo se pertence gostar; e, agora

aquela hora, eu não apurava vergonha de se me entender um ciúme amargoso”.

“Pois minha vida em amizade com Diadorim correu por muito tempo desse jeito. Foi

melhorando, foi. Ele gostava, destinado, de mim. E eu como é que posso explicar ao

senhor o poder de amor que eu criei? Minha vida o diga. Se amor? Era aquele

latifúndio . Eu ia com ele até o rio Jordão [...] Diadorim tomou conta de mim.” (GSV,

p. 148)” E de repente eu estava gostando dele, num descomum, gostando ainda

mais do que antes, com meu coração nos pés, por pisável; e dele o tempo todo eu

tinha gostado. Amor que amei daí então acreditei. A pois, o que sempre não é

assim?” (GSV, p. 182)

Riobaldo também revela na narrativa que parece que seu amor por Diadorim

é correspondido, talvez seja apenas uma ilusão do narrador­personagem. Como já

foi descrito, para a psicanálise há pessoas que amam e precisam inventar que são

amadas.

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O que faz Riobaldo suspeitar que seja amado são algumas atitudes de

Diadorim tal como, revelar para Riobaldo que na sua vida só tem três pessoas, uma

delas é ele, Riobaldo: “Só tenho Deus, Joca Ramiro e você Riobaldo... ele declarou”

(GSV, p.140).

Riobaldo diz que após escutar esta declaração não se conteve de felicidades:

“Hê de medo, coração bate solto no peito; mas de alegria ele bate inteiro, e duro,

que até dói, rompe para diante na parede” (GSV, p.140).

Ao mesmo tempo que Riobaldo imagina ser amado e valoriza o seu objeto de

amor desfavorecendo a si mesmo, ele também sente vontade de cuidar de Diadorim,

dar proteção, mostrando na narrativa uma circularidade na posição masculina e

feminina de amar: “ E eu gostava dele, gostava, gostava. Aí tive o fervor de que ele

carecesse de minha proteção toda a vida: eu treçando, garantindo, punindo por ele.

Ao mais os olhos me perturbavam: mas sendo que não me enfraqueciam. Diadorim”

(GSV, p.121).

Riobaldo que vive uma tensão constante de seu amor proibido descreve o

seu sentimento como uma profusão barroca: sente medo, coração solto e inteiro

paradoxalmente. Sente alegria, inteireza e dor, emoções antagônicas vividas ao

mesmo tempo. Pode­se dizer que faz intertexto com Camões que diz que o amor é

ferida que arde e não se sente, como foi descrito no capítulo dois. Riobaldo também

suspeita que Diadorim sente ciúmes dele. Ora, só existem ciúmes se existe amor,

assim ele argumenta:

Que Diadorim tinha ciúme de mim com qualquer mulher, eu já sabia, fazia tempo, até. Quase desde o princípio. E, naqueles meses todos, a gente vivendo em par a par, por altos e baixos, amarguras e perigos, o roer daquilo ele não conseguia esconder, bem que se esforçava. Vai e vem, me intimou a um trato: que, enquanto a gente estivesse em oficio de bando, que nenhum de nós dois não botasse mão em nenhuma mulher. Afiançado, falou: __”Promete que temos de cumprir isso Riobaldo, feito jurado nos Santos­Evangelhos! Servergonhice e airado avejo servem só para tirar da gente o poder da coragem [...] Você cruza e jura?!” Jurei (GSV, p. 147).

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Nesse momento o personagem­narrador aproveita para relatar um grande

mito do sertão de que o sexo atrapalha aquele que luta como se tirasse a energia

vital, por isso os homens que se abstêm do sexo são os mais valentes. Diadorim

apresenta­se como o prótotipo deste, uma vez que não é visto nunca com uma

mulher e mostra­se muito valente.

Em muitos momentos é descrito o “namoro” entre Riobaldo e Diadorim ou

pelo menos uma cumplicidade que somente os verdadeiros amantes possuem aos

olhos de Riobaldo: “Diadorim, duro sério, tão bonito, no relume das brasas. Quase

que a gente não abria a boca, mas era um delém que me tirava para ele o

irremediável extenso da vida (GSV, p. 25) Adélia Prado estabelece intertexto com

Guimarães quando escreve a poesia intitulada “Casamento” que ela e o marido

estão limpando peixe e o silêncio os unia. Riobaldo revela um desejo intenso de

amar carnalmente seu companheiro:

De um aceso, de mim eu sabia: o que compunha minha opinião era que eu, às loucas, gostasse de Diadorim, e também, recesso dum modo, a raiva incerta, ponto de não ser possível dele gostar como queria, no honrado e no final. Ouvido meu retorcia a voz dele. Que mesmo, no fim de tanta exaltação, meu amor inchou, de empapar todas as folhagens, e eu ambicionando de pegar em Diadorim, carregar Diadorim nos meus braços, beijar, as muitas demais vezes, sempre (GSV, p. 32­33).

Riobaldo percorre o caminho do sertão para entender porque não se

entregou ao amor com Diadorim e porque Diadorim não se entregou a ele. Por isso,

consegue enxergar no momento em que descreve ao seu interlocutor como eram

cúmplices de um sentimento. Uma vez que Diadorim fica triste quando Riobaldo

procura mulher no bordel: “Diadorim firme triste, apartado da gente, naquele arraial,

me lembro. Saí alegre do bordel, acinte” (GSV, p.148).

Revelar para si mesmo um desejo homossexual não é uma tarefa fácil, assim

Riobaldo fica alegre, quando vai ao bordel e consegue ficar com uma mulher

provando para si mesmo que é “macho”. Porém a sua possível homossexualidade é

projetada naquele que para ele é o demônio em pessoa, Hermógenes, ele pensa

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que talvez este não goste de mulher: ”Será, o Hermógenes também gosta de

mulher’s?” ― eu careci de saber, perguntei. ― ”Eh. Aprecêia não” (GSV, p.180).

A cumplicidade do sentimento também foi expressa quando Diadorim viajou

sem Riobaldo e este pressentiu a sua volta, pois sentiu uma alegria muito grande em

seu coração; ouviu um som de um pássaro e pensou que alguma coisa boa iria

acontecer,

De repente, dei, fé, e avistei: era Diadorim que chegando, ele já parava perto de mim. Ele mesmo me disse, com o sorriso sentido: ― ”Como passou, Riobaldo? Não está contente por me ver?” A boa surpresa, Diadorim vindo feito um milagre alvo. Ao que pele pancada do meu coração. Aí, mas um resto de dúvida: a inteira dúvida, que me embaraçava real, em a minha satisfação. Eu era o que tinha, ele o que devia. Retente, então, permaneci; não fiz mostra nenhuma. Esperei as primeiras palavras dele. Mais falasse; retardei, limpei a goela. ― ”A pois. Por onde andou, se mal pergunto?” ― aí falei (GSV, p.181).

Somente a posteriori tudo parece fazer sentido, mas quando ele vivia sentia­ se envolvido em uma energia demoníaca como se estivesse em um encantamento e

assim ele afirma:

Diadorim veio para perto de mim, falou coisas de admiração, muito de afeto leal. Ouvi, ouvi, aquilo, copos a fora, mel de melhor. Eu precisava. Tem horas em que penso que a gente carecia, de repente, de acordar de alguma espécie de encanto [grifo nosso]. As pessoas, e as coisas, não são de verdade (GSV, p. 66) !

Talvez seria melhor que “as coisas” não fossem de verdade, ou seja, como

num conto de fadas ele poderia sair do encanto e ver que Diadorim era uma bela

mulher. Quando ele a visualizou morta e feminina era como se o encanto houvesse

acabado e ao mesmo tempo tornado­se real. Por isso ele parecia não acreditar na

cena que via:

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Eu estendi as mãos para tocar naquele corpo,e estremeci,retirando as mãos para trás, incendiável: abaixei meus olhos. E a Mulher estendeu a toalha, recobrindo as partes. Mas aqueles olhos eu beijei, e as faces, a boca. Adivinhava os cabelos. Cabelos que cortou com tesoura de prata [...] Cabelos que, no só ser, haviam de dar para baixo da cintura [...] E eu não sabia por que nome chamar; eu exclamei me doendo: “Meu amor! [...]” (GSV, p. 454).

A mulher que lava o corpo de Diadorim não se assusta ao ver que ele é

mulher, pelo contrário ela tenta esconder as partes e Riobaldo em outro momento da

narrativa diz que a Mulher não lhe mostrou o corpo de propósito, ela suspirou ao ver

Diadorim morto: “A Deus dada. Pobrezinha [...]” (GSV, p. 453). Ela age como se

tivesse conhecimento da sexualidade feminina de Diadorim. Cuida amorosamente

do corpo do inimigo mortal de seu marido, pois surpreendentemente quem revela

para Riobaldo que Diadorim era feminino é a mulher de Hermógenes, considerado

por ele o diabo em pessoa.

Riobaldo dá muita importância a esta mulher, uma vez que Mulher está

escrito com letra maiúscula para dizer que ela não é uma pessoa qualquer, mas

aquela que lhe revelou parte de seu enigma.

A descrição do corpo da mulher, Diadorim, não surpreendeu Riobaldo, pois

ele diz que os cabelos longos dela ele já adivinhava, dando a entender que ele

imaginava ele/ela de cabelos compridos. Não conseguiu nominar o companheiro

numa veste feminina, simplesmente conseguiu exteriorizar o seu sentimento

dizendo: “Meu amor”! [...]

A morte eliminou a possibilidade da possível história de amor entre Riobaldo

e Reinaldo­Diadorim. Como um conto de fadas às avessas ou uma verdadeira

tragédia barroca, os protagonistas não foram felizes para sempre, porque na

realidade nunca se encontraram como um homem e uma mulher, nunca tiveram

coragem de assumir o amor homossexual para ele e heterossexual para ela, pois ela

sabia que poderiam viver como homem e mulher, porém algo a mais a impedia que

se entregasse a esse amor. Assim, ele conclui tristemente que ela/ele lhe negou a

vivência do amor total, a concretude sexual:

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E, o pobre de mim, minha tristeza me atrasava, consumindo. Eu não tinha competência de querer viver, tão acabadiço, até o cumprimento de respirar me sacava. E, Diadorim, às vezes conheci que a saudade dele não me desse repouso; nem o nele imaginar. Porque eu, em tanto viver de tempo, tinha negado em mim aquele amor, e a amizade desde agora estava amarga falseada; e o amor, e a pessoa dela, mesma, ela tinha me negado [grifo nosso] Para quê eu ia conseguir viver (GSV, p. 458)?

Para Diadorim talvez a ânsia de encontrar o assassino e vingar O Nome do

Pai fosse maior que vivenciar um amor. Uma vez revelado o seu segredo diante dos

jagunços perderia a consideração e não poderia mais viver com eles como igual.

Não sabia se Riobaldo guardaria o segredo e assim sentir­se­ia impotente para

continuar sua busca. Uma das leituras da psicanálise para mulher que fica só:

[...] escolhe a solidão para manter vivo o sonho d’O homem. Ela não quer abrir mão daquele que em seu sonho a completaria, daquele que a transformaria em A mulher. Por isso, recusa os homens que dela se aproximam. Em outras palavras, ela deixa vazio o lugar do parceiro sexual em nome do sonho d’O homem, que na verdade é o sonho de uma relação sexual possível... a mulher só acredita na relação sexual e fica sozinha para não ter que se deparar com o horror da castração (MAIA, 1999, p. 79).

Diadorim não permitiu a entrada do homem sexualmente, talvez para se sentir

“Toda”, completa com sua máscara de jagunço. Por outro lado, Riobaldo também

“encontra” a mulher tão desejada em Diadorim na morte.

A morte (Thanatos) é um tema bastante dissertado pelo personagem – narrador, uma vez que vivencia muitas guerras distanciando­se do seu amor (Eros)

em virtude destas e de viagens: “Agora eu tinha Diadorim assim perto de afeto, o

que ainda valia mais no meio desses perigos de fato. Sendo que a sorte também

prevalecia do nosso lado, aí vi: a morte é para os que morrem. Será?” (GSV, p.182)

Sigmund Freud (1974f) no seu artigo intitulado “O tema dos três escrínios”

cuja temática é tirada de duas cenas de Shakespeare que retratam a comédia e a

tragédia são inspiração para o Pai da psicanálise investigar sobre as formas de amar

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do homem e da mulher. Nesse artigo ele relata que a Deusa do Amor da Beleza um

dia foi Deusa da Morte quer dizer o amor, a beleza e a morte como uma só entidade.

No final do artigo ele chega à conclusão de que o homem encontrará o verdadeiro

amor somente quando encontrar a silenciosa Deusa da Morte. Nesse sentido,

Riobaldo encontrou seu verdadeiro amor:

Que Diadorim era corpo de uma mulher, moça perfeita [...] Estarreci. A dor não pode mais do que a surpresa. A coice d´arma, de coronha [...]

Ela era.Tal que assim se desencantava, num encanto tão terrível; [grifo nosso] e levantei mão para me benzer__mas com ela tapei foi um soluçar, e enxuguei as lágrimas maiores. Uivei. Diadorim! Diadorim era uma mulher. Diadorim era mulher como o sol não acende a água do rio Urucúia, como eu solucei meu desespero. (GSV, p. 454)

Riobaldo descreve que Diadorim era corpo. Enfatiza corpo, moça perfeita.

Não tinha anomalias no corpo apesar da dualidade que sua personalidade tantas

vezes lhe apresentou, como se fizesse parte de um feitiço.

Caso todas as impressões fizessem parte de um feitiço era possível que seu

corpo pudesse apresentar alguma deformidade, entretanto a cena lhe revelava algo

diferente. Intimamente parecia saber que a alma do “amigo” fosse de mulher, porém

o que lhe era oculto é que o corpo também era feminino.

Diante da revelação deste enigma o “amigo” tão desejado sexualmente

revelando­se mulher na morte, Riobaldo parece sentir­se realmente envolvido,

participante de um feitiço, como ele suspeitou em toda a narrativa. E, na tentativa de

se proteger pensa em se benzer diante do belo corpo de mulher que seu amigo

revelou. O seu desejo secreto que era ver o amigo mulher tornou­se real, porém de

uma forma macabra: na morte.

Todavia, ele é atravessado pela dor desta revelação e com as mãos que

levantou para se benzer ele tapa o seu soluço. A dor da verdade vence o temor do

medo do feitiço e o coloca diante de uma condição muito humana: a finitude. Assim,

esta dor fere o seu corpo de tal forma que ele uiva de dor.

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Lacan alerta ao longo de sua obra que não há a inscrição do significante da

mulher e da morte no inconsciente. Isto foi representado na pintura “A jovem e a

morte” (vide tela em anexo, ilustração 6) no final da Idade Média, em 1512, pelo

artista alemão Hans Baldung Grien. O artista colocou lado a lado o retrato de uma

jovem bela e um esqueleto representando a morte. O feminino fica como o

inalcançável, um enigma que a morte acolhe.

Diadorim, uma mulher que, para se defender da violência do cangaço e descobrir quem foi o assassino de seu pai,

um grande chefe de jagunços temido e muito considerado, conhecido como Joca Ramiro, se transveste de homem e age como

tal de uma forma bastante convincente:

Riobaldo, hoje­em­dia eu nem sei o que sei, e, o que soubesse,deixei de saber o que sabia [...] ”Demorei que ele mesmo por si pudesse pôr explicação. E foi ele disse: “Por vingar a morte de Joca Ramiro, vou e vou e faço, consoante devo [grifo nosso] Só, e Deus que me passe por esta, que indo vou não com meu coração que bate agora presente, mas com coração de tempo passado [...] E digo [...] (GSV, p. 403)

A leitura, em Freud e Lacan, sobre o masculino e o feminino, demonstra que existe um desejo inconsciente nesta

personagem para viver como homem, não é uma questão somente social, de vingança, mas algo do que diz respeito ao

enigma do feminino, por isso, ela se mascara de jagunço para obter um gozo que está além de saber sobre o Pai, como se

verá no capítulo quatro.

4 MÁSCARA DE FEMININO EM DIADORIM

Freud tenta explicar o que vem a ser o feminino, tendo, como fundamentação,

a noção de bissexualidade do ser humano e o atravessamento da menina pelo

complexo de Édipo. Para o autor este processo é longo e inacabado. Assim, o

tornar­se mulher, feminina, constitui um enigma que, para Freud no texto

“Feminilidade”, quem descreve melhor são os poetas. Ele revela que após estudar

tanto a alma feminina, consegue dizer pouco sobre ela.

A tentativa freudiana em entender e explicar a mulher feminina é traçada por

um estilo característico, que, segundo nossa hipótese, corresponde a um dizer que

acontece de forma irregular, rebuscada, uma vez que a menina, para se dizer

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feminina vivencia várias elaborações pulsionais com investimento da libido diante

das figuras parentais, como se descreverá.

Este estilo, segundo a proposta desta pesquisa, pode ser comparado à

expressão característica da arte barroca em qualquer modalidade. Por que arte

barroca? O barroco que surge no século XVII tem como característica marcante o

desdobramento de suas curvas quer seja na literatura, arquitetura, pintura, escultura.

Entretanto, os historiadores da arte viam isso com depreciação não mesmo

reconhecendo como arte. O Barroco na literatura é conhecido pelos leitores como

leitura difícil, rebuscada, somente para grandes amantes do saber, como já foi

descrito no capítulo dois.

O feminino em Freud também é visto como depreciativo, uma vez que parte

do pressuposto que a menina possui uma inveja do pênis. Na realidade a inveja

remete à representação ao phallus (falo), poder, que na cultura grega significava

bem aventurança, era colocado na porta das casas como proteção. O corpo do

homem tem a representação palpável deste, enquanto a mulher possui este órgão

atrofiado no dizer freudiano. Teoria que causou repúdio das feministas e público em

geral para com a psicanálise. Entretanto, ambos os sexos buscam o poder, phallus.

Não havendo superioridade de um nem menos valia de outro. No dizer lacaniano é o

signo do desejo que remete à falta de algo que os seres falantes sempre buscam

independente dos gêneros. Sobre isto a psicanalista Denise Maurano escreve em

sua obra A face oculta do amor: a tragédia à luz da psicanálise:

O phallus, esse símbolo da plena turgência vital, testemunha­o enquanto o que empresta seu brilho singular a todos os objetos, ou melhor, a todas as fantasias do desejo. Mas é preciso sublinhar que ele está como o que empresta o brilho, e não como o que faz consistir algo (2001, p.176).

Assim, o que existe é um jogo psíquico inconsciente entre o masculino e

feminino, tal qual um jogo de luz, sombra e máscara expressas na arte barroca e

que pode ser visualizado na literatura contemporânea em Grande sertão: veredas.

Riobaldo se envereda pelo sertão querendo entender o feminino. A narrativa

é construída barrocamente e o foco principal são as máscaras usadas por Riobaldo,

e principalmente, a máscara dos sexos usada por Reinaldo­Diadorim.

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A nossa pretensão em aproximar o barroco ao feminino na psicanálise e

Grande sertão: veredas considera principalmente essas duas características:

desdobramento e não reconhecimento. O que é desdobrar? O que é não

reconhecer?

Em Diadorim não há reconhecimento do feminino, da posição passiva, em um

primeiro momento, parece que ela ficou mesmo atrelada à figura do pai e à

identificação deste, uma vez que escolhe exercer o seu papel plenamente não

aceitando a sua “castração”, de forma, resignada como se irá descrever no item

complexo de Édipo feminino em Freud. Somente em alguns momentos aos olhos de

Riobaldo é visualizada a sua passividade. Nesse sentido a arte barroca e a

mascarada de Joan Rivière expressam o movimento da feminilidade de Diadorim.

Então, haveria uma circularidade na sexualidade ora ativa, ora passiva.

Com isso, a explicação freudiana para o tornar­se mulher em Diadorim seria

melhor entendida pela mascarada feminina como se verá a seguir, visto que ela usa

a máscara de jagunço.

Entender o feminino na psicanálise, em Freud ou Lacan, só é possível

observando­se várias faces. Esta imprecisão para se afirmar onde está o feminino

remete a um deciframento, um enigma cujo sentido não é fácil de vislumbrar. A

trajetória de Riobaldo pelo sertão vai ao encontro da busca pelo feminino na

psicanálise.

Por isso, nos atrevemos a dizer que o feminino na psicanálise é plural, ou

como diz Adélia Prado, em “Licença Poética”: “Mulher é desdobrável. Eu sou”. Ser

plural é colocar várias máscaras, buscando uma identificação ou uma afirmação:

dona de casa, profissional, amante, mãe, mística, feiticeira, tecelã... e muito mais...

Para uma mulher, circular nestes espaços consolidados como tão diferentes, exige

um desdobramento psíquico: usar máscaras que ela mesma nem percebe que usa.

O barroco parece concorrer com este artifício de máscaras; por isso ele

desenvolve uma expressão alegórica para revelar o feminino. Walter Benjamin

escreve sobre alegoria e barroco: “Falar alegoricamente significa, pelo uso de uma

linguagem literal, acessível a todos, remeter a outro nível de significação: dizer uma

coisa para significar outra.” É dentro deste contexto que estamos associando o

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barroco e feminino na psicanálise e procurando investigar a expressão de ambos em

Diadorim.

Com a finalidade de se investigar e procurar entender o que perpassa com a

sexualidade em Diadorim se fará um percurso nos textos freudianos no que diz

respeito ao feminino, porque ela mesma diz que é uma pessoa diferente, pois seu

pai a denominou assim. Para a psicanálise a sexualidade feminina é uma construção

que se faz com as figuras parentais pai e mãe que cuidam da criança: “Sou

diferente de todo mundo. Meu pai disse que eu careço de ser diferente, muito

diferente...” (GSV, p. 86).

Assim se descreverá a mascarada feminina em Joan Rivière e em seguida o

feminino em Diadorim visto pelo viés da arte barroca. O conceito de androgenia ou

bissexualidade constitutiva em Freud será primordial, a fim de se entender a

movimentação psíquica e escolha sexual da personagem. 5

4.1 ANDROGENIA EM FREUD

Sigmund Freud no seu livro Três ensaios sobre a teoria da sexualidade rompe com preconceitos da área científica de sua época, quando se propõe a dizer com sistematização que existe uma sexualidade infantil e, a partir da vivência desta, é que o homem e a mulher desempenharão o seu papel na sociedade. Uma característica da idéia popular sobre a pulsão sexual é que ela está ausente na infância e só desperta no período da vida descrito como puberdade. Isto, contudo, não é puramente um erro simples, mas um erro que tem tido graves conseqüências, pois é principalmente a esta idéia que devemos nossa atual ignorância das condições fundamentais da vida sexual.

Freud chegou a esta conclusão em 1897, quando, ao fazer sua auto­análise, descobriu que as crianças desenvolviam impulsos sexuais independentes de estímulos de fora. Até esta época a comunidade científica tinha como conhecimento que as crianças possuíam uma sexualidade latente e que poderia ser despertada de uma maneira dolorosa por um adulto com traços perversos. Freud, em suas investigações, chegou a suspeitar de que haveria uma sedução perversa

5 Este capítulo foi trabalhado, com algumas alterações, primeiramente em outra dissertação da autora da presente pesquisa para o Mestrado de Psicologia do CES/JF intitulada: “O barroco como uma das expressões da mascarada feminina” (7 de agosto de 2004).

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generalizada por parte de quem cuidava da criança, pois, nos relatos de seus pacientes, era freqüente aparecer cenas da infância que denunciavam uma possível sedução.

Com sua auto­análise é que Freud compreende que esta sedução ocorre

somente na fantasia inconsciente e faz parte de um movimento do psiquismo na

relação com as figuras parentais. Este processo foi visualizado por Freud no mito de

Sófocles que conta uma tragédia grega em forma de peça teatral encenada,

provavelmente, em 430 a.C.

Muitos, quando abordam o trabalho de Freud, o fazem como se ele

introduzisse juízo de valor nas verificações de suas pesquisas. Deste modo, dizem,

pejorativamente, que as mulheres são histéricas ou que certa mulher está nervosa

por precisar de sexo, “embasando­se” nos escritos do Pai da psicanálise. Observa­

se que vários campos do saber, meios de comunicação, senso comum, empregam o

termo sexualidade feminina para as manifestações biológicas, tais como:

menstruação, gravidez, relação sexual, amamentação e o aparelho genital

propriamente dito.

A sexualidade humana em Freud contraria o “instinto” biológico não

acontecendo de forma cíclica somente para a reprodução. Isto não quer dizer que

ele desconsidere o orgânico. Ele faz afirmação de que existem impulsos situados na

fronteira do psíquico e somático que almejam uma satisfação o que ele denominou

Pulsão. Este termo em alemão quer dizer Trieb, mas foi erroneamente traduzido para o inglês como instinct o que gerou certa confusão com a noção de instinto biológico. Segundo Maurano (1999) o significado mais preciso de trieb seria drive (impulso) ou urge (ânsia).

A pulsão seria uma força constante e insistente que procura adquirir forma

através de uma energia chamada libido, desde o nascimento até a morte. Assim, ela

pode ser entendida primeiramente como “força” dualista: as de auto preservação e

as “Pulsões Sexuais”, as de preservação da espécie. Estes enunciados sofrem

modificações ao longo da obra freudiana.

No artigo “As duas classes de instintos” (1976a) Freud enuncia uma

importante definição sobre pulsão que é a existência das pulsões de vida (Eros) e as pulsões de morte (Thanatos). Investigar a sexualidade feminina na psicanálise é também estudar o inconsciente e suas manifestações, o que se deve traduzir por um

dizer inesgotável. É comum escutar nos meios de comunicação e no senso comum

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que Freud aconselha ou acredita que [...] ou se enganou [...] Sobre isto Catherine

Clément escreve em artigo da revista Magazine Littérarie 6 :

A lei da entropia, inspirada na degradação da energia no campo da termo dinâmica, deseja que uma palavra se degrade à medida que se a utilize. A este respeito, vê­se que uma parte importante da psicanálise se perdeu, muito utilizado o seu sentido primordial perdeu o poder de análise [...] Os conceitos, as palavras e as idéias de Freud fazem parte do patrimônio nacional francês, quiçá europeu. Quem sofre? (2004, p. 22) [“Tradução nossa”].

Freud (1972) em seu livro Três ensaios sobre a teoria da sexualidade

investiga a possibilidade de a bissexualidade ser própria do organismo humano,

salientando que estes órgãos nos dois sexos já tiveram suas funções no organismo,

mas as mutações, dentro da seleção funcional dos órgãos, deixaram apenas que

eles permanecessem como vestigiais, não desempenhando a função que, no

passado da evolução, lhes era característica.

Esta constatação freudiana sobre a bissexualidade vai ao encontro do

pensamento Taoísta encontrado no sul da Índia por volta do século XI, mas na

realidade essa tradição já existia há mais de cinco mil anos tendo sido representada

em uma escultura de bronze onde se vê metade homem (Shiva) metade mulher

(Shakti), como menciona o livro Tao: o curso do rio de Alan Watts. Também na

antigüidade o mito grego de Tirésias expressa a afirmação freudiana de que o

organismo humano já possui dois sexos, realizando ambas as funções, Brandão, em

sua obra Mitologia Grega disserta:

Tirésias escalou o monte Citerão e viu duas serpentes que se acoplavam num ato de amor. O jovem Tirésias as separou, ou, consoante outras fontes, matou a serpente fêmea. O resultado dessa intervenção foi desastroso: o jovem se tornou mulher. Sete anos mais tarde subiu o mesmo Citerão e, encontrando cena idêntica, repetiu a intervenção anterior, matando a serpente macho, e recuperou seu sexo masculino. Tirésias era, portanto, alguém que tinha experiência dos dois sexos. Sua desventura o

6 La loi de I’entropie,inspirée de la dégradation de I’énergie dans le champ de la thermodynamique, veut qu’un mot se degrade à proportion de la fréquence de son utilisation. A ce compte, on voit comment une part importante de la psychanalyse s’est perdue: trop utilise, son lexique n’a plus aucun sens [...] Les concspts, les set et les idées de Freud font parne du patrimoine national français, peut­ ètre européen. Ca souffre? (CLÉMENT, 2004, p. 22)

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tornou célebre: um dia em que lá no Olimpo, Zeus, que terminara a consolidação do poder e se tornara deus otiosus, discutia acaloradamente com sua esposa Hera. O objeto da polêmica era deveras sério e complicado. Girava em torno do amor : “ quem teria maior prazer num ato de amor, o homem ou a mulher?” Para dirimir dúvidas, foi chamado aquele que tinha experiência de ambos os sexos. Tirésias respondeu, sem hesitar, que, se um ato de amor pudesse ser fracionado em dez parcelas, a mulher teria nove e o homem apenas uma. Hera furiosa o cegou, porque havia revelado o grande segredo feminino e sobretudo, porque no fundo, Tirésias estava decretando a superioridade do homem, causa eficiente dos nove décimos do prazer feminino. Hera compreendeu a resposta patriarcal do adivinho tebano: ao dar­lhe a “vitória”, nove décimos de prazer, estava, na realidade, traçando um perfil da superioridade masculina, da potência de Zeus, simbolizando todos os homens, únicos capazes de proporcionar tanto prazer à mulher (1989b, p. 175).

Observa­se que o senso comum designa ativo o masculino e passivo o

feminino. Freud, no texto “ Feminilidade” salienta que em certas atividades

humanas, uma pessoa do sexo feminino pode comportar­se de maneira ativa: “Uma

mãe é ativa para com seu filho em todos os sentidos. A própria amamentação pode

ser descrita como a mãe dando o seio ao bebê, ou ela sendo sugada por este”

(FREUD, 1976h, p. 142).

Com isso, não se pode dizer que ativo é igual a masculino e passivo igual a

feminino. Serge André no seu livro O que quer uma mulher considera: “Na

realidade a trajetória freudiana se baseia, desde seus primeiros passos, numa

constatação implícita: uma vez saídos da anatomia, não sabemos o que encobrem

os termos “masculino” e “feminino”, ou só temos aproximações deles (1987, p. 86).

Esta citação de Serge vai ao encontro da concepção taoísta sobre o feminino e

masculino denominados yin (feminino) e yang (masculino) como se fossem pólos de

uma mesma face, tal como a polaridade da energia elétrica: positivo e negativo.

Uma não é maior do que a outra, simplesmente é.

Muitas vezes, para se ficar na passividade, necessário se faz reter grande

atividade. Freud (1974g) no texto “Sexualidade Feminina”, ao analisar o

comportamento ativo, se refere à criança abrindo a boca para o médico olhar a

garganta de uma forma muito passiva. Todavia, ao chegar a casa brinca com o

irmão(a) ou amigo(a) de médico(a) e, por isso, olhará a garganta destes de uma

maneira bastante ativa. Em “As pulsões e suas vicissitudes”, Freud escreve:

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A antítese ativo­passivo funde­se depois com a antítese masculino­ feminino, a qual, até que isso tenha ocorrido, não possui qualquer significado psicológico. A junção da atividade com a masculinidade e da passividade com a feminilidade nos defronta, na realidade, com um fato biológico, mas não é de forma alguma tão invariavelmente completa e exclusiva como tendemos a presumir (1974b [1915], p. 155).

No livro Além do principio do prazer, Freud relata ter descoberto uma

importante definição quanto ao prazer e desprazer que irá fazer um diferencial para

o entendimento de diversos conceitos que o autor investigava. Ele relata ao

observar uma criança de um ano e meio brincar, com um brinquedo, após a saída de

sua mãe:

O menino tinha um carretel de madeira com um pedaço de cordão amarrado em volta dele. Nunca lhe ocorrera puxá­lo pelo chão atrás de si, por exemplo, e brincar com o carretel como se fosse um carro. O que ele fazia, era segurar o carretel pelo cordão e com muita perícia arremessá­lo por sobre a borda de sua caminha encortinada, de maneira que aquele desaparecia por entre as cortinas, ao mesmo tempo que o menino proferia seu expressivo ‘o­o­o­ó. Puxava então o carretel para fora da cama novamente, por meio do cordão, e saudava o seu reaparecimento com um alegre ‘da’(ali). Essa, então era a brincadeira completa: desaparecimento e retorno. Via de regra, assistia­se apenas a seu primeiro ato, que era incansavelmente repetido como um jogo em si mesmo, embora não haja dúvida de que o prazer maior se ligava ao segundo ato (1974a [1920], p. 26).

Para Freud, a criança reproduzia na brincadeira o seu estado psíquico, sua

mãe havia saído e através do carretel e do barbante, ela brincava de ir embora e

voltar. Era a maneira pela qual a criança, por intermédio do brinquedo, tentava

controlar a angústia da ausência da mãe. Então na realidade, o carretel amarrado no

barbante não era um simples carretel, mas representava a mãe que ia embora, mas

que ele podia controlar e trazer de volta quando quisesse. O que mais intrigou Freud

foi a cena da partida da mãe ser reproduzida como algo mais prazeroso. Assim, ele

chega à conclusão de que: ”No início, achava­se numa situação passiva, [grifo nosso] era dominada pela experiência; repetindo­a, porém, por mais desagradável

que fosse, como jogo, assumia papel ativo” [ grifo nosso] (FREUD, 1974a, p. 27).

Especificamente estudando as meninas, é comum observar que elas, através

dos brinquedos ou brincadeiras, principalmente com bonecas, representam seus

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desejos ativos, colocando­se elas, por exemplo, no papel de mãe e as boneca(s) no

de filhas(s).

Para o senso comum a preferência das meninas pelas bonecas é um aviso

de que a feminilidade está despertada. Freud no texto “Sexualidade feminina”

contraria esta afirmativa dizendo que, na realidade, a brincadeira expressa “o lado

ativo da feminilidade e que a preferência por bonecas provavelmente constitui prova

da exclusividade de sua ligação à mãe com negligência completa do objeto paterno”

(1974g, p. 272). Para a psicanálise a libido é única e possui formas de obter

satisfação que podem ser passivas ou ativas o que se pode empreender como

formas de gozo. No livro Três ensaios sobre a teoria da sexualidade Freud

escreve sobre a libido:

A atividade auto erótica das zonas erógenas é contudo, a mesma em ambos os sexos e, devido a esta uniformidade, não há possibilidade de distinção entre os dois sexos como a que ocorre após a puberdade. No que diz respeito às manifestações eróticas e masturbatórias da sexualidade, poderíamos estabelecer que a sexualidade das mocinhas é de caráter inteiramente masculino” (1972 [1905], p. 225).

4.2 COMPLEXO DE ÉDIPO FEMININO

O desenvolvimento da sexualidade feminina é representado pela mudança de

objeto (da mãe para o pai) e pelo deslocamento da zona erógena (passar do clitóris

para a vagina). Estas duas passagens estão intimamente vinculadas e permitem que

a mulher desenvolva a feminilidade. Freud (1974g) afirma, no texto “Sexualidade

feminina”, que existem mulheres que não conseguem desligar­se do pai. Entretanto,

isto não caracteriza se serão, ou não, neuróticas. Segundo a observação do autor,

as suas analisandas mulheres que desenvolveram forte ligação com o pai tiveram

antes uma relação muito forte também com a mãe.

Muitas mulheres conservam­se ligadas ao primeiro amor da mãe e nunca se

dirigem aos homens. Freud estabelece, nesse momento, a importância da fase pré­

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edipiana e reconhece uma grande dificuldade em explicá­la. Entretanto, analistas

femininas, tal como Helene Deutsch (1932), Ruth Mack Brunswick (1928), Jeanne

Lampl­de Groot (1927) perceberam estes fatos relatados com bastante clareza em

suas analisandas. Freud chegou a concluir que o fato das analistas serem mulheres

permitiu que as analisandas se identificassem com elas maternalmente

possibilitando um “acesso” à fase pré­edipiana de forma mais “fácil”.

A descoberta de Helene Deutsch e suas companheiras contribuiu, de maneira

decisiva, para os estudos de Freud sobre a sexualidade feminina. Ele concluiu que

a fase pré­edipiana é muito mais relevante no desenvolvimento das meninas,

enfatizando no texto “Feminilidade”: “A fase da ligação afetuosa pré­edipiana,

contudo é decisiva para o futuro de uma mulher: durante esta fase são feitos os

preparativos para aquisição das características com que mais tarde exercerá seu

papel na função sexual e realizará suas inestimáveis tarefas sociais” (FREUD,

1976h, p. 164). Esta descoberta foi comparada (1974g) no texto “Sexualidade

feminina” com a importância da descoberta da civilização minóico­miceniana antes

da civilização grega. Sobre isso Assoun comenta: “Ora se a língua edipiana é o

grego do inconsciente­língua de certo modo civilizada, a língua pré­edipiana é como

o miceniano: a promessa de civilização resplandecente, mas também uma suspeita

de inteligibilidade” (ASSOUN, 1993, p. 102).

A menina se afastará da mãe pelo menos por duas razões: achar que esta lhe

negou o pênis e também pelo fato de sentir que não foi amamentada como deveria.

Freud assinala que, na civilização moderna, esta última cobrança pode ter um fundo

de verdade devido às mães desmamarem os filhos mais cedo (6 a 9 meses) do que

as culturas primevas (2 a 3 anos). Sobre isso o autor afirma no texto “Sexualidade

feminina”:

É como se nossos filhos tivessem permanecido para sempre insaciados como se nunca tivessem sugado por tempo suficiente o seio da sua mãe. Contudo, não estou seguro de que, se analisássemos crianças que tivessem sido amamentadas por tanto tempo quanto dos povos primitivos não nos depararíamos com a mesma queixa, tão grande é a voracidade da libido de uma criança (1974g [1931], p. 269).

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O amor que as mães manifestam aos filhos pode lhes parecer insuficiente. E

a criança se revoltar dizendo que foi preterida por outro, seja este irmão(a), primo(a)

ou qualquer pessoa próxima. Estes fatores contribuem de certo modo para levar a

menina a afastar­se da mãe. A menina carrega, no psiquismo, as marcas do seu

intenso objeto de amor e para algumas é difícil ou impossível desvencilhar­se disso.

Isto aparece de algum modo nas relações sociais, principalmente naquelas ocasiões

em que for evocado o lugar de mãe ou de pai.

A menina, em tenra idade, é impedida pela mãe, ou aquela neste lugar, de

conhecer e tocar no seu corpo, através do ato de masturbar­se. Este impedimento

cria uma grande hostilidade da menina para com a mãe favorecendo o desligamento

entre elas, pois foi a mãe que também, despertou as primeiras sensações nas zonas

erógenas através dos cuidados. Freud escreve nos Três Ensaios sobre a teoria da

Sexualidade:

A relação de uma criança com quem quer que seja responsável por seu cuidado proporciona­lhe uma fonte infindável de excitação sexual e de satisfação de suas zonas erógenas. Isto é especialmente verdadeiro, já que a pessoa que cuida dela, que, afinal de contas, em geral é sua mãe, olha­a mesma com sentimentos que se originam de sua própria vida sexual: ela a acaricia, beija­a, embala­a e muito claramente a trata como um substituto de um objeto sexual completo (1972 [1905], p. 229).

Em sua clínica, o autor observou que muitas mulheres repetem na escolha do

marido a trama edípica, elas se colocam no lugar da mãe escolhendo um homem

cujo modelo psíquico se assemelha ao seu pai. Contudo, na verdade, isso é uma

busca inconsciente da repetição dos seus maus relacionamentos com suas mães.

O casamento é uma oportunidade para que apareça o “material” mais

importante do desenvolvimento da menina, pois neste momento é evocada a fase

mais importante na elaboração da sexualidade feminina constituindo­se na

mudança de objeto da mãe para o pai. O deslocamento do amor e depois do ódio

que a menina sente pela mãe também pode ser observado na relação amorosa

entre um homem e uma mulher, é o que Freud verifica no texto “Sexualidade

feminina”: “Com muitas mulheres temos a impressão de que seus anos de

maturidade são ocupados por uma luta com os maridos, tal como suas juventudes

se dissiparam numa luta com suas mães” (FREUD, 1974g, p. 265).

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Para o autor, estas mulheres, geralmente jovens em um primeiro casamento,

mostram­se muito amorosas com os maridos, mas depois de algum tempo se

revelam agressivas e hostis com os mesmos, como acontecera na sua relação com

a mãe. Geralmente se comportam de maneira mais harmoniosa num segundo

casamento. Serge André, no livro O que quer uma mulher (1987), escreve:

Assim uma mulher escolherá um homem, seja segundo o modelo paterno (escolha objetal) seja segundo o modelo narcísico (escolha narcísica). Neste segundo caso, que é o mais freqüente, segundo Freud o homem eleito será semelhante àquele que a menina teria desejado ser no período pré­edipiano. Mas se a escolha se faz segundo o modelo paterno, constata­ se que ela não tarda em deixar reaparecer a mãe através do pai: “o marido que anteriormente só herdara do pai assume com o tempo o papel de sucessor da mãe” e recebe, em conseqüência, toda a hostilidade que a filha tinha outrora experimentado com relação a sua mãe (ANDRÉ, 1987, p. 201).

Segundo observações relatadas por Freud, existe primeiramente uma

percepção do clitóris por parte da menina. A vagina não aparece como órgão de

excitação nos primeiros anos de vida, somente na puberdade é que a menina

começa a sentir as primeiras sensações. Estudos de Ernest Jones e Karen Horney

contrariam a verificação freudiana, pois apontam que o aparecimento de impulsos na

vagina acontecem desde os primeiros anos. Freud não desconsidera de todo esses

estudos, entretanto, ratifica que, de qualquer modo, as mulheres percebem

efetivamente o clitóris primeiro e esta relação tem um caráter masculino. Somente a

segunda relação com a vagina é que Freud considera feminina.

O sentimento hostil da menina com relação à mãe desaparece na latência,

retornando, novamente, na puberdade onde a figura materna se coloca de novo

como guardiã da castidade da filha. A puberdade é o momento em que os conflitos

edípicos reaparecem de outra forma, pois existe uma necessidade psíquica de

repetir as primeiras elaborações.

Pode­se dizer que a menarca evidencia, para a mãe, que o corpo da filha não

é mais infantil, uma vez que já está capacitado a gerar outra vida. Este

acontecimento levará a mãe a tecer conselhos, tais como: “você agora é mocinha;

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tome cuidado com os rapazes; moça de família permanece virgem até o

casamento”.

No texto “O Tabu da Virgindade” (1970b) Freud relata que tribos primitivas

associavam a defloração de uma virgem com a menstruação pela questão do

sangue, uma vez que a maioria das moças sangra na primeira relação sexual. A

menstruação 7 , nestas culturas, especialmente na primeira vez que aparece, é

interpretada como a mordedura do espírito de um animal, talvez como um sinal de

relação sexual com este espírito. Esta associação do tabu da virgindade com o tabu

da menstruação que os povos primevos cultuavam foram, universalmente,

incorporados na história da humanidade.

Na antiga cultura judaica por exemplo, a mulher era totalmente excluída da

vida em sociedade nos dias da menstruação e era denominada Nidah (a excluída) . Para retornar ao convívio social havia necessidade de passar por um banho de

purificação, o Micvah. Esta cultura influenciou muitos povos, mas principalmente os cristãos. Por isso, ainda perdura a preocupação da mãe, quando a menina tem a

sua menarca.

Existe uma interessante analogia dos contos de fadas no que diz respeito

à relação de mãe e filha à luz da psicanálise: A princesa dos contos de fadas é

jovem e linda, a bruxa má é velha e feia. Por isso, a bruxa é temida e a princesa é

adorada.

A mãe que sofre demasiadamente na frente do espelho pelo surgimento de

cada ruga, em seu inconsciente sente transformar­se de “menina boa” em bruxa feia

e temida. Sente­se culpada por não saber como preservar sua beleza e está de luto

pela perda de seus atrativos físicos como parte integrante de sua identidade, o que a

incomoda é a impossibilidade de se reconhecer como era antes.

No conto da Branca de Neve, a madrasta só aparece má e feia, quando sua

enteada menina, fez­se mulher e superou­a em beleza. A bruxa é a imagem interna

da mãe, transformada em má por ter sido vencida pela filha e despojada do pai­

príncipe e de todo atrativo sexual feminino.

7 Este temor ao sangue é encontrado no Antigo Testamento : “Quando uma mulher tiver um fluxo de seu corpo, permanecerá durante sete dias de impureza das suas regras. Quem a tocar ficará impuro até a tarde. Toda a cama sobre a qual se deitar com o seu fluxo ficará impuro até a tarde “ (LEVÍTICO XV, 19­25).

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A bruxa está dotada de atributos fálicos como nariz grande e a escova que representam sua união com o pênis “mau”

do pai. A mulher mais velha reconhece, frente ao espelho, bruscamente, a bruxa em seu próprio rosto e sente­se tão odiada,

como odiou internamente sua mãe. É por esta razão que:

O espelho mágico parece falar com a voz da filha e não da mãe. A menina pequena acha a mãe a mulher mais linda do mundo, e é assim que o espelho fala inicialmente com a rainha. Mas como a menina mais velha considera­se muito mais bonita do que a mãe, isto é o que o espelho diz mais adiante. A mãe pode se desencorajar quando se compara com a filha num espelho e pode pensar: “Minha filha é mais bonita do que eu”, mas o espelho diz: “Ela é mil vezes mais linda” (BETTLHEIM, 1992, p. 246).

O autor diz que isto explica o motivo da adolescente aumentar suas

vantagens a fim de que as dúvidas internas sejam silenciadas. É por retratar a luta

edípica existente entre Pai­Mãe e filha que a rainha do conto de Branca de Neve não

consegue envelhecer sem se preocupar. Esta preocupação chega ao ponto máximo

quando a rainha pede ao caçador que mate sua enteada e lhe traga os pulmões e o

fígado para que ela os coma. Bruno Bettelheim (1992) explica que, de acordo com

os costumes e pensamentos primitivos, adquirimos os poderes e características

daquilo que comemos.

O autor analisa, também, que as relações entre Branca de Neve e a rainha

simbolizam algumas dificuldades que ocorrem entre mãe e filha.

Mas são também projeções, em figuras separadas, das tendências incompatíveis dentro de uma pessoa. Freqüentemente estas contradições internas originam­se no relacionamento da criança com os pais. Por isso, no conto de fadas, a projeção de um dos lados do conflito interno numa figura parental também representa uma verdade histórica: é onde ele se originou. Isto é sugerido, quando a vida calma e sem acontecimentos que Branca de Neve leva com os anões se interrompe (BETTLHEIM, 1992, p. 250).

Esta elaboração contribuirá para que a pessoa viva a vida adulta de maneira

plena, possibilitando que a maternidade e a paternidade sejam vivenciadas sem os

conflitos internos. Dentro da abordagem psicanalítica, a menarca possibilita uma

oportunidade psíquica da menina elaborar conflitos edípicos que não foram bem

resolvidos em tenra idade, como acabamos de mencionar. Na menopausa, a mulher

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terá oportunidade de reviver estes conflitos que não ficaram bem elaborados nas

suas lutas edipianas: ”Os conflitos psicológicos que comovem a menina púbere são

uma reedição de suas lutas edípicas. Segundo Helene Deustsh, também a mulher

climatérica repete os mesmos conflitos” (LANGER, 1981, p. 239).

Nos meninos púberes a primeira ejaculação é vista como sinônimo de poder e

virilidade sendo grandemente festejada. Os conselhos para eles são completamente

diferentes: “agora, você é um homem e está pronto para conhecer as mulheres e o

mundo”. Este comportamento diferenciado para as descobertas do corpo é

verificado em diversas culturas e em diferentes épocas na história da humanidade.

Elizabeth Roudinesco em A família em desordem distingue sexo e gênero: “De um

ponto de vista antropológico, é possível classificar as sociedades humanas em duas

categorias em função da maneira como pensam as relações entre o sexo social

(gênero) e o sexo biológico (sexo) “ (2003, p. 115­119).

Roudinesco (2003) esclarece que em numerosos trabalhos contemporâneos

designa­se por “sexo” o que deriva do corpo sexuado (masculino ou feminino) e por

“gênero” o que se reporta à significação sexual do corpo na sociedade

(masculinidade ou feminilidade).

Crescer fisicamente, para as meninas representa precisar ter cuidados para

ser respeitada socialmente. A menarca pode remeter ao complexo de castração,

podendo ser considerada no início um castigo. Existem meninas que vivenciam este

momento dolorosamente segundo observações da psicanalista Marie Langer (1986)

no livro Maternidade e sexo, visto que as suas mães também não vivenciaram este

momento naturalmente.

A menina púbere tenta, ativamente, separar­se de seus objetos incestuosos:

os pais. Por isso, é tão comum o conflito entre pais e filhos nesta fase. Freud, no

final desta conferência escreve que o deslocamento do amor e, depois, do ódio que

a menina sente pela mãe, também, pode ser observado na relação amorosa entre

um homem e uma mulher, como foi descrito anteriormente.

Helene Deutsch (1952), psicanalista, contemporânea de Freud, não concorda

com a tese deste, no que diz respeito à inveja do pênis como o ponto central da

construção da sexualidade feminina. Deutsch analisa que o clitóris é um órgão

diminuto para ser considerado pela menina, psiquicamente, um pênis, uma vez que

ele é incapaz de penetrar e obter “satisfação de impulsos ativos agressivos:” Quanto

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à vagina, ela também considera órgão funcionalmente passivo, pois, a menina

demora para percebê­lo. O despertar da vagina, para um funcionamento sexual

completo, depende totalmente da atividade do homem, e a ausência de atividade

vaginal espontânea constitui a base fisiológica da passividade feminina.

Karen Horney supunha a percepção precoce da vagina com representações

psíquicas a ela correspondentes, sendo os destinos dados a estas percepções

responsáveis pelo poder do complexo masculino na menina. É interessante observar

que esta tese contraria a teoria freudiana que concede à vagina um caráter feminino

após a percepção do clitóris como pequeno pênis e órgão masculino.

4.3 TORNAR­SE MULHER, EM FREUD

De acordo com Freud, a sexualidade feminina é o resultado do que a mulher

vivenciou em tenra idade, nas suas lutas edípicas. Estudar o feminino é também

discursar sobre as figuras parentais (aqueles que sendo, ou não, pais biológicos

desempenham tal função). Aqueles que cuidam de um bebê elaboraram seus

conflitos, ou não, com suas respectivas figuras parentais e estas vivências serão

fundantes na sua posição com relação aos seus filhos.

Para Freud existe um processo no tornar­se mulher, que acontece a partir da

sexualidade infantil. O processo deste desenvolvimento com as figuras parentais é

que possibilitará que a menina seja feminina ou não. Como se descreverá a seguir.

A princípio tanto a criança do sexo masculino, quanto do sexo feminino não

percebe, psiquicamente a diferença anatômica entre os seus sexos. A menina “vive”

como se tivesse um pênis, e ela sente que o tem (clitóris). Este órgão torna­se sede

de excitação para ela. Confere­se ao clitóris um caráter masculino durante a

atividade sexual (práticas masturbatórias). Neste momento, no dizer freudiano, é

como se existisse apenas um único sexo, o masculino.

Com o passar do tempo, o menino chega a descobrir que o pênis não é

comum a todas as crianças. Isto acontece numa visão acidental dos órgãos genitais

de uma irmãzinha ou amiga. A menina, quando percebe que não é igual ao menino,

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julga, ainda assim, que vê um pênis em seu corpo, só que é pequeno, mas chegará

um dia em que ficará maior. Paulatinamente, a menina “concorda” que não possui o

pênis, entretanto já o possuiu um dia, só que lhe foi retirado. Sente­se, com isso,

desfavorecida, aceitando somente a posição de ter sido castrada. As psicanalistas

Kristeva e Clément (2001), no livro intitulado O feminino e o sagrado, discutem esta

questão freudiana:

A menina que ama o pai e se compara a seu irmão, não se furta a esse encontro fálico. Ela o constata, confrontada com o corpo do macho, pai ou irmão, e com o seio, mas tendo como único equivalente do pênis o seu clitóris ao mesmo tempo em desvantagem porque menor, e misteriosamente íntimo, porque invisível. A fase fálica é estrutural, pois, para os dois sexos, mas de forma diferente para a menina e para o menino. Cada um se defronta com o poder (fálico) e com o sentido (paternal, distante do elo sensível com a mãe), poder e sentido ao mesmo tempo erótico e simbólico; mas o menino experimenta essa confrontação com a convicção de “pertencer” e a menina com a impressão de uma estranheza. Uma vez que vai adquirir e consolidar sua capacidade de falar, sua capacidade de se avaliar de acordo com a lei dos outros, sua capacidade de entrar na ordem (do pensamento e da sociedade), a moça tomará parte da ordem fálica. Mas, pelo fato de continuar estrangeira, vai conservar um sentimento de inferioridade, de exclusão ou, na melhor das hipóteses, de ironia.”Eu pertenço, mas não de verdade, desempenho o papel, faço de conta [...]” (2001, p. 76)

A criança não generaliza que todas as mulheres foram castradas como ela.

Somente foram­no aquelas que tiveram impulsos inadmissíveis semelhantes ao seu

próprio. Para ela, ser mulher não significa ainda não ter pênis. Mulheres

respeitáveis, como a sua mãe, continuam possuindo um pênis por muito tempo.

Na latência, período que corresponde ao declínio da sexualidade infantil dos

cinco ou seis anos até o início da puberdade, dá­se uma pausa na evolução da

sexualidade. Observa­se, deste ponto de vista, uma diminuição das atividades

sexuais, a dessexualização das relações de objeto e dos sentimentos e,

especialmente, a predominância da ternura sobre os objetos sexuais, o

aparecimento de sentimentos como o pudor ou a repugnância, e de aspirações

morais e estéticas.

Segundo a teoria psicanalítica, o período de latência tem origem no declínio

do complexo de Édipo; corresponde a uma intensificação do recalque que tem como

efeito uma amnésia que cobre os primeiros anos, havendo uma transformação dos

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investimentos de objetos em identificações com os pais e a um desenvolvimento das

sublimações. A criança retoma as questões a respeito da sua origem e,

conseqüentemente, do nascimento dos bebês. Conclui depois de certo tempo que

apenas as mulheres dão à luz a uma criança e aceitam que suas mães percam o

pênis e recebam um bebê em troca. Pode­se dizer que a castração adquire formas

diferentes para meninos e meninas.

O menino sente a ameaça de ser castrado ao manipular seus órgãos

genitais, sendo reprovado pelos adultos com palavras como: “vão cortá­lo” ou “se

tocar vai cair”, “o gato vai comer”... As ameaças, inicialmente, não fazem sentido

para o menino. Elas assumem significação somente quando ele observa o órgão

genital de uma menina e vê que ela não possui pênis. É neste momento que a

ameaça de castração passa a ter efeito, pois o menino vê a menina como o seu

igual. Ao vê­la “castrada”, acredita que ela perdeu o pênis por punição. Assim, existe

uma “aceitação” na ameaça de castração.

O menino acha que, realmente, pode vir a perder o pênis, se continuar

desejando sua mãe. Ele pára de obter satisfação no complexo de Édipo com medo

de ser castrado. A destituição do complexo de Édipo no menino dá­se pela ameaça

de castração. A menina, também, desenvolve um complexo de Édipo e um

complexo de castração, entretanto, de maneira diferente do menino. Para ela, o

clitóris é seu pênis e, ao compará­lo com o do menino, sente­se inferiorizada por ser

tão pequeno. Mesmo assim, acredita que já possuiu um tão grande, quanto o sexo

oposto, mas que o perdeu pela castração. Abandona, neste momento, o clitóris.

Observa­se que o desenvolvimento sexual feminino se dá quando existe a

visualização do pênis do menino, pois, neste momento, ela sente inveja por não

possuir um órgão do mesmo tamanho. Este sentimento, é compensado pelo desejo

de receber um bebê, que assume o lugar do pênis, numa equivalência simbólica, o

que Freud esclarece no texto “Feminilidade” : “a situação feminina só se estabelece

se o desejo do pênis for substituído pelo desejo de um bebê, isto é, se um bebê

assume o lugar de pênis consoante uma primitiva equivalência simbólica ” (FREUD,

1976h , p.157).

A inveja do pênis, com a descoberta da castração, pode acarretar três

conseqüências psíquicas, dependendo do psiquismo de cada mulher: o complexo de

masculinidade, a neurose e a feminilidade. O sentimento de inferioridade da menina

deriva da idéia de que é inferior ao menino e, para se “compensar”, insistirá em ser

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como um homem. Freud (1976d) em “Algumas conseqüências psíquicas da

distinção anatômica entre os sexos” escreve que as analistas femininas não iriam

concordar com esta proposição dele sobre o complexo de masculinidade:

Quando ultrapassou sua primeira tentativa de explicar sua falta de pênis como uma punição pessoal para si mesma, e compreendeu que esse caráter sexual é universal, ela começa a partilhar do desprezo sentido pelos homens por um sexo que é inferior em tão importante aspecto, e pelo menos no sustentar dessa opinião, insiste em ser como um homem (p. 315).

Para Horney a menina decepciona­ se com o pai. Esta decepção ocorre após o deslocamento que ela faz da mãe para o pai. Assim, pode­se afirmar a existência de uma regressão no Édipo feminino que faz parte da movimentação do inconsciente freudiano que trabalha com as sucessivas repetições. Onde podem acontecer hiatos propiciativos a possíveis elaborações naquilo que parece regressão. ANDRÉ (1987) comenta esta elucidação de Horney:

A autora observou, assim, que as mulheres que manifestam um forte complexo de masculinidade “tentaram inicialmente resolver o complexo de Édipo normalmente, conservando sua identificação primitiva com a mãe e, como esta tomando o pai como objeto de amor”. Como Freud descobria com estupefação no final de ”Uma criança é espancada”, complexo de masculinidade e fixação no pai não são antinômicos (1987, p. 199).

Para Horney, “o abandono do pai enquanto objeto de amor é acompanhado

por uma identificação com ele” entretanto, isto não caracteriza que o processo

identificatório chegue necessariamente a uma saída de objeto homossexual

completo. Esta identificação caracteriza­se pelo desejo de “desempenhar o papel do

pai”: andar como ele, escolher a mesma profissão dele, etc.

Esta observação de Horney é posterior à análise do caso da jovem

homossexual onde Freud demonstra que, mesmo tendo chegado à fase edipiana, a

menina pode chegar a “regredir” para a fase pré­edipiana onde o filho tão esperado

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pelo pai simbolicamente “apareça” para outra mulher, sua mãe, de uma forma real.

Aí se tem a possibilidade dentro desta base conceitual da menina estruturar­

se com uma decepção em relação ao pai, pois este deveria proporcionar­lhe o filho

simbólico. Com a possível decepção com o pai a jovem vai buscar no amor da Dama

a tentativa de mostrar ao pai como se ama, pois, para ela: “papai não soube me

amar”.

A jovem usa a Dama para através dela interrogar sobre o desejo da mulher.

A respeito disso, Ribeiro (2001) escreve o que vem a ser acting­out, passagem ao

ato e ato sintomático.

Tanto no ato sintomático quanto no acting­out há uma verdade em questão: uma verdade do sujeito, desconhecida dele próprio e revelada ao outro a que o ato é endereçado. Freud o revela no caso da jovem homossexual. Desfilando com sua dama de péssima reputação sob o olhar de censura do pai, ela demonstra, dá a ver no ato, como este deveria amá­la e cortejá­la (p. 109).

O ato a que Ribeiro se refere no texto freudiano é que ao sentir o olhar de

reprovação do pai e o descaso da dama, a jovem separa­se desta e se joga nos

trilhos do trem, tal qual um objeto ou um dejeto­niederkommeen (cair, deixar­se

parir). Este acontecimento permitiu que Freud decifrasse o enigma da jovem. Ela

não suportou ver o pai dar à mãe um filho, que segundo a sua concepção seria dela.

Ao cair a jovem tenta resgatar a sua história de amor edípico, mas, o retorno à mãe

está impedido, uma vez que esta não se encontra dividida, mas possui o objeto

(filho), no real que seria dela simbolicamente. A entrada do outro simbolicamente

possibilita a criação.

O sujeito dividido está sempre a procura de um a mais que o complete.

Quando a fantasia edípica torna­se concretude de alguma forma leva o sujeito a um

sofrimento que ele não dá conta de vivenciar. A jovem não aceitou um outro na

relação, pois o triângulo amoroso ficou impedido com um outro.

A escolha da neurose tem como conseqüência a inveja do pênis que parece

ser um afrouxamento da relação afetuosa com a mãe, considerada como a

responsável por tê­la colocada no mundo sem um órgão tão importante. Com o

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abandono do clitóris, a libido da menina deslizará para uma nova posição, expressa

pela equação simbólica: pênis ­ criança. Ela abandona seu desejo de um pênis e

coloca em seu lugar o desejo de um filho, tomando assim o pai como objeto de seu

ciúme. Tal ciúme é devido ao fato de a menina passar a culpar sua mãe de tê­la

colocado no mundo em desvantagem. Encontrará o caminho onde alcançará a

atitude feminina do complexo de Édipo.

Este atravessamento é que a torna feminina e destas elaborações

vivenciadas é que se dá o surgimento do superego. Criando uma expressão

duradoura da influência dos pais, o superego eterniza a existência daqueles

momentos a que deve sua origem.

A mulher tem que suportar ser objeto da causa de desejo do outro. É o que

Freud escreve em “A Dissolução do Complexo de Édipo” (1976b) Por isso, para ele

a mulher feminina é aquela que aceita sua castração de forma resignada.

Este processo è longo e inacabado existindo situações em que o sujeito

vivenciará este temor novamente. Como se visto no desenrolar desta pesquisa.

Assim, Freud diferencia a dissolução do complexo de Édipo na menina do menino:

Enquanto nos meninos, o complexo de Édipo é destituído pelo complexo de castração, nas meninas ele se faz possível e é introduzido através do complexo de castração. Essa contradição se esclarece se refletimos que o complexo de castração sempre opera no sentido implícito em seu conteúdo: ele inibe e limita a masculinidade e incentiva a feminilidade (1976b [1924], p. 318).

Pode­se dizer que, mesmo na neurose histérica, há uma indagação do que é

uma mulher. Porque a questão do desejo na histeria diz respeito a um desejo

enigmático. Um desejo que não se destrincha facilmente porque é um desejo de um

desejo. Como Freud (1976c) relata no livro Interpretação dos Sonhos, “o sonho da

Bela Açougueira” em que a protagonista diz que teve um sonho cujo desejo não se

realizou o que para ela é um enigma, pois segundo a teoria do doutor Freud os

desejos mais escondidos se realizam nos sonhos. Eis o texto do sonho:

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Queria dar uma reunião onde fosse servida uma ceia, mas não tinha nada em casa senão um pequeno salmão defumado. Pensei em sair e comprar alguma coisa, me lembrei que era domingo de tarde e que todas as casas comerciais estavam fechadas. Em seguida, tentei telefonar para alguns fornecedores, mas o telefone estava defeituoso. Assim, tive que abandonar meu desejo de dar uma refeição (FREUD 1976c [1900], p. 156).

Freud, a principio, parece concordar que, realmente este foi um sonho onde o

desejo não se realizou e, mesmo assim, indaga: Se você teve um sonho onde

aparecia um desejo insatisfeito é porque deve ter um tal desejo? Após algumas

sessões de análise com as associações livres, a açougueira começa a descrever o

marido dizendo que ele está muito gordo e que estava precisando fazer um regime.

Para alcançar tal empreendimento ele não aceitaria mais convites para jantar.

Ela relata, também, que certa vez, o marido em tom de brincadeira, disse a

um pintor que desejaria fazer seu retrato mas que preferiria no lugar de sua figura o

traseiro de uma bela jovem. Contudo, o desejo da açougueira parece mais

enigmático, porque ela revela que gosta de comer caviar todas as manhãs, mas

pede ao marido que não sirva como prova de seu amor por ela.

No desenrolar das sessões de análise vão aparecendo outros elementos que

permitirão a Freud entender a causa que leva a açougueira a criar um desejo

insatisfeito. Como a figura de outra mulher, sua amiga, que certo dia, encontra e

reclama que está muito magra e sente vontade de engordar mais, por isso a

questiona sobre os jantares na sua casa: “quando você vai nos convidar de novo,

come­se muito bem em sua casa.”

Para Freud, a entrada desta amiga permite um entendimento na indagação

inicial de sua paciente e possibilita uma amarração entre o desejo do marido que

quer emagrecer e a amiga que deseja engordar e espera que a açougueira a

convide para jantar. Quanto a isso André (1987) afirma que: “[...] no ponto de

cruzamento entre esses dois desejos, no espírito da açougueira, coloca­se um

enigma, que é o da verdade do desejo” ( p.141).

Segundo Freud, aparentemente, o sonho poderia ser diagnosticado como um

ciúme da Açougueira pela amiga, pois, segundo relatos dela, o marido parece ter um

interesse por esta, apesar dele já ter confessado que tinha preferência pelas “formas

cheias”. Assim, poderia parecer que a paciente estaria impedindo que a amiga

engordasse não lhe oferecendo jantares. Mas, ainda existe um enigma que fica sem

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solução: o salmão defumado. Quando Freud lhe pergunta a este respeito a paciente

revela ser este o prato predileto de sua amiga. Mas que esta também recusa em se

satisfazer, como ela mesma recusa o caviar. Sobre esta movimentação Serge André

comenta:

Na sucessão desses três tempos de questionamento, vê­se bem a colocação bissexual própria da histérica. Por um lado, a açougueira se alinha do lado de sua amiga, na qual ela busca captar a encarnação de uma misteriosa feminilidade à qual seu marido seria sensível e, por outro lado, ela adota a posição masculina própria ao açougueiro para formular sua questão referente a amiga: quem é ela, para que ele a ame? Ela se põe então no lugar de seu marido para questionar a feminilidade de sua amiga (posição masculina), porque ela desejaria que seu marido a amasse como ele ama a amiga em questão (posição feminina) (ANDRÉ, 1987, p. 143).

A histérica se interessa pelo homem para, através dele, interrogar a outra

mulher sobre o mistério da feminilidade. Ela usa o homem apenas como conector,

partindo da imagem da outra mulher para indagar: O que é uma mulher?

Será que a imagem do homem também pode ser uma conexão para se

chegar ao poder, phallus (atividade), sobre o mistério da feminilidade (passividade)? Para Freud não há esta representação no inconsciente.

Diadorim usa a imagem de jagunço, porém atrás do véu deste aparece na

morte, uma linda mulher. Talvez tenha aparecido como aquela que possui o falo,

(guerrear, acabar com o mal, Hermógenes) para melhor entender o que lhe faltava e

que buscava: a feminilidade. É interessante observar que ela não cortou os cabelos

para se assemelhar ao homem, corporalmente, eles são abaixo da cintura como

para encobrir o que ela não quer aceitar: a castração, a falta.

4.4 A MASCARADA FEMININA EM JOAN RIVIÈRE

Joan Rivière escreve que o feminino é máscara. Ela chegou a esta conclusão, com uma analisanda que apresentava

um comportamento muito peculiar: Era uma mulher que executava muito bem sua tarefa profissional (propagandista militante,

que consistia em essência falar e escrever) e se relacionava plenamente com o marido e os filhos, entretanto, quando realizava

alguma brilhante conferência, sentia uma angústia como se tivesse cometido algo errado. Para compensar este sentimento,

procurava um certo tipo de homens na platéia com intuito de conquistá­los. Ficou evidente durante o tratamento, que os

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homens eleitos por ela representavam figuras paternas. Após as “conquistas”, sentia­se muito frustrada e angustiada e não

entendia porque havia se comportado de tal forma:

A análise mostrou que a rivalidade edipiana, com a mãe havia sido extremamente intensa e nunca fora resolvida de forma satisfatória. Eu voltarei a isso mais adiante. No entanto, paralelamente ao conflito que consistia sobretudo em falar e escrever era fundado sobre uma identificação evidente ao pai, o qual tinha iniciado a vida como escritor e havia, em seguida, escolhido uma carreira política. A adolescência dessa mulher havia sido marcada por uma revolta consciente contra seu pai, feita de rivalidade e desprezo para com ele (RIVIÈRE, 1999, p. 30).

No percurso analítico, Rivière chegou a concluir que esta analisanda escolheu a profissão de propagandista, porque

esta atividade consistia em falar em público, tal qual o pai, possibilitando revelar que “possuía” o pênis deste, após tê­lo

castrado. Rivière concluiu que o disfarce de mulher castrada assegurava que não sofreria represálias dos homens, ficando

impune. Desta forma, esta paciente transitava em atividades masculinas e femininas, sem ser descoberta:

A feminilidade poderia então ser assumida e carregada como uma máscara, ao mesmo tempo para dissimular a existência da masculinidade e evitar as represálias que ela temia, caso viesse a ser descoberto o que estava em sua posse; exatamente como um ladrão que vira seus bolsos e exige que ele não tem os objetos roubados (RIVIÈRE,1999, p. 31).

Diadorim também escolheu a “profissão“ do pai: ser jagunço. E não sofreria represálias dos homens, pois ao

contrário da paciente de Rivière, a sua máscara era masculina e de jagunço e esta estava grudada em seu corpo e não se

permitia ser vista totalmente em uma posição passiva. Seu corpo estava resguardado por uma bela máscara aos olhos de

Riobaldo:

Guardei os olhos, meio momento, na beleza dele, guapo tão aposto surgido sempre com jaleco, que ele tirava nunca, e com as calças de vaqueiro, em couro de veado macho, curtido com aroeira­brava e campestre (GSV, p.135).

Diadorim usava sempre um “jaleco”, um escudo para encobrir seu corpo de mulher, porém adornava ainda mais sua

máscara de homem.

Mascarar é cobrir­se de um disfarce para proteger o rosto ou o corpo, por isso diz respeito à teatralidade. Lacan

ratifica Joan Rivière no que ela afirma sobre a mascarada feminina que não deixa de ser uma construção do feminino, pois

para ele não existe uma essência feminina é nesse sentido que ele escreveu que “A mulher não existe”, aforismo que não

denota depreciação ao feminino, mas enfatiza a dimensão de impossível apreensão do que seja, em último termo, a

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feminilidade. Dentro da proposta desta pesquisa entende­se que “A mulher não existe” implica portanto, inventá­la partindo da

posição masculina para a feminina. Esta tarefa se alcança através de máscaras, sobre isso Lacan afirma no Seminário 11:

Essa representação do Outro falta, precisamente entre esses dois mundos opostos que a sexualidade nos designa no masculino e no feminino. Levando as coisas ao máximo, pode­se dizer mesmo que o ideal viril e o ideal feminino são figurados no psiquismo por outra coisa que não essa oposição atividade­ passividade de que eu falava há pouco. Eles saem propriamente de um termo que não fui eu que introduzi, mas com que uma psicanalista rotulou a atitude sexual feminina é a mascarada. A mascarada não é o que entra em jogo na ostentação necessária, no nível dos animais, ao acasalamento, bem como o enfeite se revela aí, geralmente, do lado do macho. A mascarada tem outro sentido no domínio humano, é precisamente de funcionar no nível não mais imaginário, mas simbólico (1985b, p.183).

Os gregos antigos colocavam máscaras no rosto e outras partes do corpo quando queriam representar seus dramas

clássicos que se desenvolviam a partir de cerimônias religiosas. Cantores e dançarinos mascarados representavam deuses e

heróis mitológicos. As máscaras eram caracterizadas de diversas formas e expressavam: raiva, carinho, amor, nervosismo,

poder, entre outras manifestações humanas, permitindo que se fizessem ações que sem elas não se conseguiria realizar.

Para Rivière, o ser humano para “sair” da posição masculina, ativa e tornar­se

feminina passiva, tem de mascarar­se como se fosse alguém carente de poder e

saber, porém, conseguindo uma afirmação. A mulher pode recusar mostrar o seu

saber ao outro semelhante a fim de obter um ganho. Sobre isso esta autora

considera:

Na vida cotidiana, a máscara da feminilidade pode tomar os aspectos mais curiosos. Conheço uma dona de casa inteligente e capaz de conduzir bem certas tarefas tipicamente masculinas. No entanto, por exemplo, se ela precisa de um construtor ou de um estofador, ela se sente obrigada a dissimular todos os seus conhecimentos técnicos e se mostrar cheia de deficiência para com o profissional, fazendo sugestões com um ar ingênuo e inocente como se tratasse de sugestões fortuitas (1999, p. 31).

Cada mulher “descobre”, inventa o que fazer com a falta­a­ser de uma

maneira única, criativa. Com isso, entende­se que dentro desta leitura não se pode

generalizar como no dizer popular: “As mulheres são todas iguais”[...] Estas segundo

Lacan não fazem conjunto, pois cada uma mascara sua mulher de uma forma

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diferente e única. Por isso, só podem ser analisadas uma a uma, como o

inconsciente. Sobre esta teoria lacaniana Maia considera:

Lacan diz que a mulher está na posição do não­todo. Isso traz conseqüências para a mulher, como a falta de uma identidade feminina. Daí ela recorre as máscaras, se faz de fato denunciando que para além do véu, do batom, do esmalte há o que se constitui como o seu maior mistério: gozo feminino. Não existindo a mulher como modelo feminino de identificação, é preciso que cada uma procure criar uma imagem de mulher para si ( 1995, p.191).

A mascarada parece ser alguém que se angustia diante de seus conflitos

edípicos e precisa encobrir esta angústia usando um véu. Diadorim usa o véu de

jagunço.

Entretanto, não se pode colocá­la em conjunto dizendo: “todas as mulheres

mascaram a feminilidade” da mesma maneira. Não é condição necessária que a

linha de desenvolvimento de uma mulher mascarada seja igual ao da analisanda de

Rivière (1999), pois o conjunto de mulheres na visão lacaniana não existe, podendo

ser analisadas somente uma a uma. Mascarar o feminino é uma das maneiras de

inventar “A Mulher”.

Por isso, Rivière não difere feminilidade “verdadeira” da mascarada. “De fato,

eu não pretendo que uma tal diferença exista. Que a feminilidade seja superficial ou

fundamental, ela é sempre a mesma coisa” (1999, p. 31). No filme 8 “Orlando: A

mulher imortal”, baseado na obra de Virgínia Wolf O/A protagonista passa pela

experiência dos dois sexos. Primeiro ele/ela vivencia o masculino depois o feminino

e no término, quando ele (o humano que se manifesta de diversas formas) se liberta

do passado pela maternidade aparece olhando uma imagem mascarada dele

próprio, porém no corpo feminino e conclui: “Nem mulher nem homem estamos

juntos somos um só com um rosto humano”.

8 Apesar de existir o livro de Virginia Wolf que trata desta temática estamos seguindo a orientação de Umberto Eco no livro Pós escrito a O nome da Rosa (1985, p. 52), quando relata que o filme é uma narrativa e que o livro é outra narrativa diferente, mesmo se tratando da mesma história. Assim, concluímos que a narrativa do filme vai ao encontro da nossa proposta de pesquisa.

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E esta liberdade propiciou que ele/ela descobrisse que sua vida estivesse

apenas começando. Podemos dizer que ele/ela libertou­se da trama edípica, seus

conflitos de angústias foram elaborados até aquele “limite”. O ele/ela diz: “neste

momento de unidade tenho sentido um êxtase”.

Serge André (1987) referindo­se à mascarada de Rivière elucida que: “Fazer­

se de Mulher, ou revestir­se de suas aparências pode ser então em modo desviado

de afirmar sua masculinidade” (p.276). Mas isso não implica uma

homossexualidade, pois mesmo nesta Rivière considera que haja uma feminilidade

latente.

Mascarar uma imagem é um artifício que alguns seres humanos elaboram

para se dizer feminina: “A mascarada realiza uma encenação imaginária do não­

todo: a representação da mulher castrada funciona aí como signo que protege

contra a falta de significante da feminilidade” (ANDRÉ, 1987, p. 283). Para Freud, a

feminilidade revela algo obscuro, o “continente negro”.

Em “Algumas conseqüências psíquicas da distinção anatômica entre os

sexos” (1976d), Freud afirma que a masculinidade e a feminilidade puras

permanecem sendo construções teóricas de conteúdo incerto. Dentro da base

conceitual desta pesquisa a mascarada feminina é que mais nos revela sobre o

grande enigma da feminilidade a que Freud e Lacan debruçaram­se tanto para

decifrar.

4.5 O BARROCO COMO UMA EXPRESSÃO DA MÁSCARA FEMININA EM

DIADORIM

Para a menina atingir a feminilidade passa por uma construção complexa de deslocamento da mãe para o pai, como

objeto de amor, e um retorno à mãe, como a busca para a identificação. A tela de Miguel Ângelo “A Sagrada Família” (vide tela

em anexo, ilustração 7) consegue expressar o triângulo edípico freudiano, uma vez que a visão da tela insinua a divisão que a

criança vivencia entre os pais em tenra idade. Não fica claro se é a criança que se inclina ora para um, ora para outro ou se

são os pais que perseguem o filho com o olhar (função escópica) pretendendo “seduzi­lo”.

No entanto, é a mãe que tem que permitir que o pai entre na relação. Ela tem que se dividir ao dizer “Não­Toda”

para possibilitar a entrada do Outro, da Lei, a fim de torná­la inventiva, possibilitando que se faça produções na vida

posteriormente. No fundo da tela, vêem­se corpos adultos: não se distingue se são masculinos ou femininos, representando

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segundo nossa proposta que o enigma da sexualidade humana só pode ser entendido como posições: ora masculina ora

feminina.

Cada momento, nesta relação, é crucial para desenvolver a feminilidade. Na arte barroca, o mesmo se dá, e cada

dobra, luz, sombra, rebuscamento diz de um momento único da obra de arte: “E vê­se, de fato, a pertinência desse propósito

para os diversos objetos da arte barroca que fazem de cada momento uma pequena festa, mesmo que minúscula”

(MAFFESOLI, 1999, p.194).

Os vários elementos que compõem uma obra barroca não podem ser analisados ou vistos isoladamente, pois, cada

traçado só faz sentido no conjunto. Wölfflin (2000) analisa a pluralidade dos elementos barrocos que levam a uma unidade da

obra. Ele compara a “Vênus de Ticiano” (vide tela em anexo, ilustração 8), obra enquadrada como renascentista pelos

historiadores da arte, com a “Vênus de Velásquez” (vide tela em anexo, ilustração 9), obra considerada barroca. Conclui que,

se tirar qualquer acessório desta, o quadro não poderá ser compreendido, ao contrário do que acontece na “Vênus de Ticiano”

uma vez retirado qualquer elemento, não fará diferença na compreensão pela exatidão nas formas ser fundamental na obra

renascentista.

A posição feminina, em Freud e Lacan, também só se compreende analisando as várias fases que descrevemos no

item anterior, posto que isoladamente nunca se conseguirá vislumbrá­la. A mulher, uma vez feminina, tem que inventar fazer

algo com o NADA, encobrir de alguma forma a FALTA, porque ela é NÃO­TODA.

A mulher, na posição feminina, está no lugar de objeto causa do desejo relacionando­se com o significante da falta

do Outro. Segundo Assoun (1993): “O caminho da feminilidade é aprender a fazer algo com o nada”.

A posição feminina implica construir um caminho com sombras, rebuscamentos, ausência, completude,

mascaramento, luz, falta, dobras num ir e vir, tal qual na arte barroca em qualquer expressão: pintura, escultura, literatura,

artesanato... Estas características relatadas aparecem como se fossem uma imagem ilusória tanto para o feminino quanto para

a arte barroca como descreveremos a seguir.

Para Freud (1976h) e Simone Beauvoir (1949a), ninguém nasce mulher, mas,

torna­se como já foi descrito. Um dos momentos desta vivência é visualizado na

escultura de Bernini “Apolo e Dafne” (vide tela em anexo, ilustração 10), pois em

vários momentos, o jogo da ilusão é retratado.

Segundo Hautecceur (1963), historiador da arte, Dafne passa por várias

metamorfoses para fugir de Apolo. Metamorforseia­se em loureiro, ficando sua

imagem confusa entre vegetal e mulher.

Observa­se que a menina, na puberdade, apresenta um corpo físico que se

metamorforseia ora em menina, ora em mulher. Diadorim no olhar de Riobaldo

passa por esse processo de metamorfose ora ele a vê homem (ativo, valente,

grande guerreiro): “Você é valente sempre? Em hora eu lhe perguntei” (GSV, p. 85)

Em outro momento, Riobaldo afirma que Diadorim sabia ser homem:

Era que ele gostava de mim com a alma: me entende? O Reinaldo. Diadorim, digo. Eh, ele sabia ser homem terrível. Suspa! O senhor viu onça: boca de lado e lado, raivável, pelos filhos? Viu rusgo de touro no alto campo, brabejendo; cobra jararacussu emendando sete botes estalados; bando doido de queixadas se passantes, dando febre no mato? E o senhor não viu o Reinaldo guerrear!... Essas coisas se acreditam (GSV, p.122).

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Riobaldo confunde­se com os nomes do amigo. Primeiro chama­o de

Reinaldo, nome masculino e depois de Diadorim que tem a sonoridade de feminino,

para contar que ele/ela sabia ser homem, quer dizer esse não era o seu estado

permanente, mas colocava uma máscara de homem terrível e exercia o seu papel,

revelando uma dualidade aos olhos de Riobaldo, assim, ora a/o vê mulher: passiva,

carinhosa, alguém que quer cuidar do outro:” A fala, o jeito dele, imitavam de mulher [grifo nosso] Então, era aquilo? “ (GSV, p. 85)

Em outro momento da narrativa, Riobaldo assinala outra característica

correspondente à atitude feminina em Reinaldo: “Diadorim estava perto de mim, vivo

como pessoa, com aquela forte meiguice [grifo nosso] que ele denotava” (GSV, p. 305). Quer dizer a característica meiguice que lhe era particular contrastava com o

homem guerreiro, dualidade própria das personagens da literatura barroca.

É comum, em tenra idade, meninas serem confundidas com meninos e vice­versa. Por

isso, foi “fácil” Diadorim se passar pelo menino Reinaldo e nunca ser descoberta:

“Você era menino, eu era menino... Atravessamos o rio na canoa... Nos topamos naquele

porto. Desde aquele dia é que somos amigos” (GSV, p. 121) .

No dizer freudiano é como se existisse um único sexo: o masculino. E, neste

momento, as brincadeiras são compartilhadas. Somente quando há diferenciação no corpo

físico, é que surgem os clubinhos da Luluzinha (meninas) e do Bolinha (meninos), não sendo

permitida a entrada do sexo oposto. Na escultura de Bernini, ele não consegue diferenciar,

com perfeição, o corpo do homem e da mulher. As peles de ambos são idênticas, assim como

o rosto, e fazem um contraste com a textura do tecido, tronco e das folhas. Cada traço dá a

ilusão do real. Os genitais que poderiam revelar quem é o homem e a mulher estão

encobertos.

As duas figuras expressam, com os gestos e olhar, uma forma dinâmica que

dá a impressão de movimento, levando a uma transcendência. A escultura de Apolo

e Dafne pode ilustrar a questão da bissexualidade do humano constatada por Freud

(1976d) onde a anatomia dos corpos não revela se estamos, psiquicamente, diante

de um homem ou uma mulher, sendo possível mascarar estas posições. Maffesoli

referindo­se ao mundo das aparências escreve que: “A teatralidade favorece o que é

vivido “hic et nunc” (1999, p. 192)”. E para este autor o ambiente barroco concorre

para este artifício de máscara. Diadorim em nenhum momento deixava que

observassem o seu corpo com medo da revelação:

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Caiu tão pálido como cera do reino, feito um morto estava. Ele todo apertado em seus couros e roupas, eu corri para ajudar. A vez de ser um desespero. O Paspe pegou uma cuia d’água, que com os dedos espriçou nas faces do meu amigo. Mas eu nem pude dar auxílio: mal ia pondo a mão para desamarrar o colete­jaleco, e Diadorim voltou a seu si, num alerta e me repeliu muito feroz. Não quis apoio de ninguém, sozinho se sentou, se levantou (GSV, p. 225).

Riobaldo descreve Diadorim como aquela que mascara sua feminilidade não

permitindo que a vejam na posição passiva. A passividade é visualizada em uma

forma rebuscada. Este parecer acontece somente aos olhos do narrador­

personagem de uma forma muito peculiar: em seus flash­backs depois de um

distanciamento dos fatos ocorridos: “mesmo o que estou contando, depois é que eu

pude reunir relembrado e verdadeiramente entendido ” (GVS, p.108).

Como a movimentação do dia em que amanhece com densa neblina,

somente após a passagem desta é que o dia fica claro, luminoso foi assim que o

entendimento sobre Reinaldo, Diadorim chegou para Riobaldo. Enquanto viviam

juntos a neblina era densa e tudo parecia nebuloso para ele. Somente após a morte

de Diadorim que ele vislumbrou a claridade que tanto almejava: ver o feminino no

amado/a. Agora ele entendia o porquê de Diadorim gostar de tomar banho longe dos

companheiros, por exemplo:

Depois, o Reinaldo disse: eu fosse lavar corpo, no rio. Ele não ia. Só, por acostumação ele tomava banho era sozinho no escuro, me disse, no final da madrugada. Sempre eu sabia tal crendice, como alguns procediam assim esquisito os caborjudos, sujeitos de corpo­fechado. No que era verdade não me espantei (GSV, p.113).

Para Riobaldo, a atitude até que se justificava, uma vez que esse

procedimento era comum nas pessoas ditas especiais, com “corpo fechado”, porém

considerava tal atitude esquisita.

A figura de Diadorim aos olhos de Riobaldo transitava entre o masculino e o

feminino. Os olhos verdes de Diadorim que o perturbavam têm uma conotação

feminina: “Mas os olhos verdes sendo os de Diadorim. Meu amor de prata e meu

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amor de ouro. De doer, minhas vistas bestavam de renúvem, e não achei acabar

para olhar para o céu” ( GSV, p. 42).

Para o Taoísmo a cor verde está relacionada ao yin (feminino) o que é

profundo. É interessante observar que as profundezas de um rio são verdes e o

nome de Riobaldo é Rio­baldo. Então dialeticamente os olhos verdes de Diadorim

refletem permitindo que Rio­baldo mergulhe nas profundezas de si mesmo é o que

ele relata: “Mais em paz comigo mais, Diadorim foi me desinfluindo. Ao que eu

ainda não tinha prazo para entender o uso, que eu desconfiava de minha boca da

água e do copo, e que não sei em que mundo­de­lua eu entrava minhas idéias”

(GVS , p.138).

Parece que a palavra “desinfluindo” tem uma conotação de circularidade,

aquilo que sai e entra ao mesmo tempo. Como o rio de Heráclito de Éfeso, filósofo

Pré­Socrático, o rio (a pessoa é a mesma), porém as águas (experiências

vivenciadas) que circulam são cada vez renovadas. Para Monteiro (2007), o nome

Riobaldo tem origem latina e árabe, concorrendo para circularidade:

Riobaldo é conceituação em movimento. Conceituação: conceito mais ação. Tiro proveito da etimologia: Rio mais Baldo. Baldo evoca o latim, mas também evoca o árabe. Minas é latina e é árabe, mas não só... salve o filólogo Antônio Houaiss. Abrindo o dicionário dele, descubro: em latim, o radical Bald vem de batillum que gerou o substantivo balde, verbalizado em baldear: fazer baldeação, trafegar líquidos, ou ainda, trafegar nos líquidos. Riobaldo é então aquele que carrega o rio e é nele carregado. Baldear e ser baldeado. Cuidar e ser cuidado pelo rio. Mas baldo também vem do árabe báta, que gerou o advérbio debalde, traduzindo como: “inutilmente”, ou, ainda, por “estar em vão”, “em errância”. O conceito de riobaldo, a partir de sua faceta árabe, diz respeito a uma postura não teleológica (destituída de um fim útil e pré­ determinado) diante da travessia. Miscigenando o árabe e o latim temos riobaldo como aquele que cuida e é cuidado de errar e ser errado no e pelo rio. O rio de riobaldo é a palavra, com suas vidas impossíveis [...] (2007, p. 5­6)

Para Riobaldo, Diadorim o conduzia para as suas profundezas: ”Os afetos.

Doçura do olhar dele me transportou para os olhos de velhice da minha mãe. Então,

eu vi as cores do mundo. Como no tempo em que tudo era falante, ai, sei” (GSV,

p.115).

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Desde a primeira vez que viu o menino Reinaldo, Riobaldo relata traços do

feminino: “Achava que ele era muito diferente, gostei daquelas finas feições, a voz

mesma, muito leve, muito aprazível ” (GSV, p. 81).

O feminino é visualizado em pequenas ações e comportamentos que

Diadorim realizou no convívio com Riobaldo: o jeito que ele pegava em sua mão e o

beijava, o ciúme das mulheres dos bórdeis, a esquiva pelas mulheres, o lavar as

roupas, seus braços bem delineados, demonstrava afeto e paciência com crianças:

Mas quem vinha eram os meninos do lavrador, montados num cavalo magro, traziam feixes de cana, para vender para gente... Diadorim gostava deles, pegava um por cada mão, até carregava os menorzinhos, levava para mostrar a eles os pássaros das ilhas do rio (GSV, p.223).

São pequenos elementos que apenas foram vistos ao se distanciar, pois

faziam parte de um todo e criando um movimento de feminilidade que ele não

conseguia sustentar, pois escapava de sua visão tal qual neblina, porque a máscara

de jagunço de Diadorim era um escudo que não permitia que se vislumbrasse o

feminino completamente. Isso pode ser comparado com o barroquismo, ou melhor,

dizendo com as características barrocas analisadas por Wölfflin (2000) que foram

descritas no capítulo dois.

O todo da obra barroca quer seja na pintura, escultura e arquitetura somente

pode ser visualizado com ilusão de movimentação no jogo da sombra e luz, na

multiplicidade dos traçados e com uma certa distância do espectador com a obra,

além de ter a característica de que cada vez que se olha tem­se a impressão de

estar olhando o novo. O jogo que se forma é Diadorim, roupa de jagunço, trejeitos

femininos, homem valente.

Affonso Romano de Sant’Anna, em sua obra Barroco do quadrado à elipse

descreve sobre a bissexualidade do humano:

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Assim como na época barroca tradicional, às vezes, tornava­se difícil, senão impossível, distinguir se no palco estava mesmo um homem ou uma mulher, também na atualidade as vozes tidas como femininas podem partir de uma garganta masculina e as vozes tidas como masculinas virem do peito de uma mulher. As fantasias usadas no palco revelam a mesma ambigüidade, existindo aqueles cantores que fazem questão de mesmo fora da cena usarem esses trajes. Os requebros, a movimentação das ancas, os gestos delicados das mãos sinalizam a bissexualidade explicita (2000, p. 207).

Nesse sentido, Diadorim apresenta um movimento que pode ser comparado

com a “Monalisa” (vide tela em anexo, ilustração 11), pintura de Leonardo da Vinci,

inserida na Renascença, mas que analisaremos como barroca, uma vez que Wölfflin

conceituou o barroco enquanto arte com as cinco características, somente no século

XIX.

Esta obra possui um enigma quanto à questão de gênero: a pessoa que é

retratada é feminina ou masculina? É um auto­retrato de Leonardo? Então há uma

androgenia? Somente esta indistinção quanto ao sexo já seria suficiente para

considerá­la uma obra barroca ou com traços barrocos dentro da proposta da

presente pesquisa, pois uma das características que Wölfllin aponta como para se

conhecer uma obra enquanto barroca é a indistinção das formas, ou seja, sair da

linearidade para o pictórico.

Conforme o espectador olha o quadro, vê uma particularidade e de uma forma

totalmente diferente como a anamorfose, recurso muito utilizado nos textos barrocos

e que pode ser definida assim: “um rebatimento da imagem, que pode ser

recomposta em sua forma convencional, quando observada de outra perspectiva [...]

a lente deformadora que exige outro ponto de vista para ser decifrada”

(SANT´ANNA, 2000, p. 53).

Há um contraste entre a roupa simples de camponesa que a mulher usa e o

seu olhar dominante, altivo, seguro, próprio de uma nobre da época. Caso seja uma

mulher não possui nenhum adorno como colar ou anel. As mãos finas e delicadas

também contrastam com a roupa. Talvez este olhar seguro seja feito com a

intencionalidade de retratar o homem seguro da Renascença, que dominava o

mundo com suas descobertas cientificas e filosóficas.

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Convém evidenciar que Leonardo foi um artista polímata uma vez que a sua

genialidade conseguiu dar forma não só no campo das artes (pintura, escultura,

arquitetura), mas também na medicina, engenharia, entre outros. Esboçou o modelo

do avião, desenvolveu estudos na fisiologia humana.

Leonardo inaugura o “sfumato” que é o momento da perda da representação,

a técnica que permite que o linear desapareça dando lugar ao pictórico, ou seja, a

cada momento que o espectador olha encontra algo “novo”. Na “Monalisa” o fundo

do quadro é todo feito em cores que se desfazem em sombras, dando uma

continuidade para o que aparece na roupa. Para evidenciar a oposição entre o estilo

linear e o pictórico compararemos “Monalisa” com a “Dama com um arminho” do

mesmo autor. Utilizou neste uma técnica totalmente diferente, a do claro­escuro

escurece­se o fundo com a finalidade de ressaltar a figura. Dürer no seu nu “Eva”

também utiliza esta técnica. Entretanto, Da Vinci também faz uma inovação nesta

obra inclui um animal para dar um contraponto no olhar sereno da dama.

Para Riobaldo: “Diadorim é minha neblina” (GSV, p. 22). Na neblina a

pessoa pode se perder, como no encontro com o indizivel. Parece que era assim

que Riobaldo sentia no encontro com Diadorim.

Na densa neblina há possibilidade de não se enxergar nada. Riobaldo não

consegue ver direito Diadorim, pois, ora ele parece homem ora mulher, numa

metamorfose demoníaca a seu olhar. Ele não consegue apalpá­la, tal como a

neblina densa, nebulosa que passa lentamente e não se consegue segurar. Assim

também, Riobaldo não sustenta o feminino em Diadorim. Assusta­se com o

sentimento de atração por um homem e pensa ser o diabo lhe provocando.

Mas ponho minha fiança: homem muito homem que fui, e homem por mulheres! – nunca tive inclinação pra vícios desencontrados. Repilo o que, o sem preceito. Então o senhor me perguntará o que era aquilo? Ah, lei ladra, o poder da vida. Direitinho declaro o que, durando todo tempo, sempre mais às vezes menos, comigo se passou. Aquela mandante amizade. Eu não pensava em adiação nenhuma, de pior propósito. Mas eu gostava dele, dia mais dia, mais gostava. Diga o senhor: como um feitiço? Isso. Feito coisa­feita. Era ele estar perto de mim, e nada me faltava (GSV, p.114).

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Riobaldo afirma que sempre gostou de mulheres nunca teve atração por

homens, porém com Diadorim era diferente, parecia que estava enfeitiçado.

O nome de Diadorim a princípio revela uma dualidade daí pode­se

empreender: deus e diabo, luz e trevas, homem e mulher. Ela mesma se nomina

dois Reinaldo­Diadorim e diz para Riobaldo que o seu nome Reinaldo (masculino) é

uma invenção e que seu nome verdadeiro é Diadorim (pode­se dizer que soa mais

como feminino apesar de ser dual) para Lacan as mulheres inventam um certo tipo

de mulher. A guerreira pode ser considerada um tipo de mulher. Reinaldo­Diadorim

encobre a sua passividade para não ser devorada no sertão, assim conta o seu

segredo para quem mais confia:

Riobaldo, pois tem um particular que eu careço de contar a você, e que esconder mais não posso [...] Escuta: eu não me chamo Reinaldo, de verdade.Este é nome apelativo, inventado por necessidade minha, carece de você não me perguntar por quê. Tenho meus fados. A vida da gente faz sete voltas se diz. A vida nem é da gente [...]” [...] “ Pois então: o meu nome, verdadeiro, é Diadorim... Guarda este meu segredo. Sempre, quando sozinhos a gente estiver, é de Diadorim que você deve me chamar, digo e peço, Riobaldo [...] (GSV, p.121)

Então se pode subentender que para ele Riobaldo ela/ele se revela feminina

ou quer ser chamada como feminina e que esta feminilidade é um segredo que não

poderá ser revelado em público. Riobaldo lembra dessa passagem emocionado de

saber que parece que foi amado pelo seu companheiro, pois pelo menos ele o

considerava muito especial por compartilhar o segredo. E relembra a cena com o

seu interlocutor:

Diadorim dirá o senhor: então, eu não notei viciice no modo dele me falar, me olhar, me querer­bem? Não, que não fio e digo. Há­de­o, outras coisas... O senhor duvida? Ara, mitilhas, o senhor é pessoa feliz, vou me rir [...] Era que ele gostava de mim com a alma: me entende? O Reinaldo. Diadorim, digo (GSV, p. 122).

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Em alguns afazeres é possível observar a passividade, o lado feminino de

Diadorim como lavar a roupa melhor que Riobaldo: “[...] as vezes eu lavava a roupa,

nossa; mas quase mais quem fazia isso era Diadorim. Porque eu achava tal serviço

pior de todos, e também Diadorim praticava com mais jeito, mão melhor ” (GSV,

p.29).

Diadorim não mascara o seu poder, mas o seu lado feminino ao contrário da

paciente de Joan Rivière ela incorpora a mulher guerreira com o poder (falo, phallus) na mão não permite a entrada de um homem, sexualmente, parece repudiar o sexo.

Certa vez, em que Riobaldo contava para ele/ela sobre suas conquistas amorosas e

alguns abusos sexuais que fez em mulheres Diadorim disse: “ Mulher é gente tão

infeliz ”(GSV, p. 133).

Talvez inconscientemente realizando o desejo de fazer igual ao pai, ser

jagunço, valente, nesse sentido ela/ele movimenta­se como a paciente de Joan

Rivière. Uma vez que sua identificação está atrelada a ele. Ela /ele não inventa um

tipo de mulher para esconder o seu poder, mas revela­o com toda a sua força e cria

um tipo de homem guerreiro ou será a guerreira uma invenção de certo tipo de

mulher?

Quase no término da narrativa, o leitor fica sabendo que na realidade

Reinaldo­Diadorim é também Maria Deodorina, nome de batismo. Desta forma,

ele/ela não é dual, mas triádico como nos mitos cosmogônicos, como uma figura

andrógina, polimorfa parecendo que não faz parte do real, mas somente do

imaginário do narrador­personagem. Riobaldo, quando sabe por Reinaldo que é

também Diadorim fica vaidoso de compartilhar tamanho segredo e tem a impressão

de já saber de tamanha revelação:

Reinaldo, Diadorim, me dizendo que este era real o nome dele foi como dissesse noticia do que em terras longes se passava. Era um nome, ver o que. Que é que é um nome? Nome não dá: nome recebe. Da razão desse encoberto, nem resumi curiosidades. Caso de algum crime arrependido, fosse, fuga de alguma outra parte; ou devoção a um santo­forte. Mas havendo o ele querer que só eu soubesse, e que só eu esse nome verdadeiro pronunciasse. Entendi aquele valor (GSV, p.121)

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.

Riobaldo descreve que no momento que soube da revelação do nome do

amado/a não teve curiosidade de saber o porquê ele/ela queria segredo.

Simplesmente gostou de sentir a cumplicidade, o segredo os unia. Somente a ele

Riobaldo foi permitido chamá­lo com um som que evoca o feminino: Dia­dorim. O

nome da pessoa é como um eco, os outros chamam, a própria pessoa não se

chama, só é chamada, posição passiva.

O percurso de Diadorim em buscar entender e vingar a morte do pai termina

na sua própria morte. Se a morte do pai for pensada para além do sociológico, mas

como uma expressão da movimentação do inconsciente pode ser visto como a

busca para tornar­se mulher. Como “A jovem e a morte” retratada por Hans Grien é

assim que Diadorim aparece feminina na narrativa de Guimarães Rosa. Somente

mostrou a sua passividade e beleza feminina com o véu da morte. Mesmo antes de

saber que Diadorim era mulher, Riobaldo o vê morto e acha que este usa ainda uma

máscara e assim ele descreve:

Constante o que a Mulher disse: carecia de se lavar e vestir e vestir o corpo. Piedade, como que ela mesma, embebendo toalha, limpou as faces de Diadorim, casca de tão grosso sangue, repisado. E a beleza dele permanecia, só permanecia, mais impossivelmente. Mesmo como jazendo assim, nesse pó de palidez, feito a coisa e máscara, [grifo nosso] sem gota nenhuma (GSV, p. 453).

As palavras “permanecia” e “impossivelmente” pronunciadas pelo narrador­

personagem revelam o contraste dos sentimentos que o atravessaram na hora que encontrou

seu amado num corpo feminino e não pôde vivenciar a sua paixão. A morte sobrepujou a luz

do amor como nos quadros de Rembrandt. Fazendo analogia às peças de teatro barrocas o

trágico está presente em ambas.

No desfecho da história de amor entre Riobaldo e Diadorim como em Romeu e

Julieta, de Shakespeare, há morte e nas duas há vingança, crueldade, flagelação. No barroco

ergue­se um altar para a morte, os túmulos são suntuosos, ornados de grande arte com anjos

esculpidos em mármore. Sant´Anna expressa este parecer da seguinte forma:

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Se o herói clássico era aquele que se igualava aos deuses, exercendo fisicamente todas as suas potencialidades humanas e sobre humanas, no Barroco será o mártir, execrando seu cadavérico corpo, num conluio com os vermes, interessando­se pela epopéia celestial da alma peregrinando, extático, em busca da ressurreição (2000, p. 222).

Diadorim morre como mártir em uma guerra, a fim de vingar o pai e mostra­se linda

como uma deusa guerreira: cabelos abaixo da cintura, pele alva, olhos verdes revelando toda a

sua feminilidade: “De Maria Deodorina da Fé Bettancourt Marins que nasceu para o dever de

guerrear e nunca ter medo, e mais para muito amar, sem gozo de amor [...] Reze o senhor por

essa minha alma” (GVS, p. 458).

5 CONCLUSÃO

Em Grande sertão: veredas a narrativa é construída com cenas grotescas: as

guerras entre os jagunços com muitas mortes, sexo e feitiçaria. Tudo é feito como se

retratasse um épico, mas é acompanhado numa contrapontística lírica bem suave:

uma história de amor entre Riobaldo e Diadorim. A narrativa acontece num

crescendo e complexidades graduais e termina nonada.

Chegamos à conclusão de que para se viver no sertão necessário se faz

colocar várias máscaras. E o que é o sertão? Concluímos que o sertão representa o

inominável enigma da vida do ser humano. Algumas poucas pessoas ao longo de

suas existências têm coragem em enfrentar o sertão e poucas conseguem sair dele

sabendo mais da sua verdade e com alguma sabedoria.

O percurso analítico convoca o sujeito a percorrer o labirinto de si mesmo, e

quando possui um interlocutor que sabe escutar com paciência, como no caso de

Riobaldo, a análise torna­se como o fio de Ariadne que possibilita ao sujeito

conhecer a si mesmo e viver melhor em sociedade. As máscaras são necessárias

para esta travessia, pois elas não são entendidas como fuga da vida, muito pelo

contrário, as máscaras dão coragem e afirmação ao sujeito para vivenciar situações

que, sem elas não daria conta.

As personagens principais de Grande sertão: veredas são uma perfeita

exemplaridade deste movimento. Riobaldo e Reinaldo­Diadorim são mascarados.

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Riobaldo coloca a máscara de guerreiro, pois na maioria das vezes é um pouco

medroso, máscara de homem viril, quando busca várias mulheres, máscara de

homossexual, quando se encanta por Reinaldo­Diadorim, máscara de feiticeiro, pois

tem vários pressentimentos que se confirmam ao longo da narrativa e até parece

que fez pacto com o demônio. Máscara de filósofo, com as suas indagações da

vida.

Reinaldo­Diadorim­Deodorina é anatomicamente uma mulher, porém se

mascara de guerreiro com dois objetivos aparentes: para literalmente não ser

devorada no sertão e para vingar a morte do pai.

Porém, no decorrer desta investigação verificou­se através do diálogo com os

textos freudianos e lacanianos, no que diz respeito ao feminino, que a máscara de

guerreiro era apenas uma invenção para se dizer feminina. É interessante observar

que o nome múltiplo dele/dela soa mais feminino do que masculino.

A musicalidade é uma constante nesta obra, só que a forma que aparece na

narrativa não é linear, o que nos permitiu fazer uma comparação com o som de

música barroca.

Assim, gostaríamos de em trabalhos futuros fazer um mapeamento desta

obra a fim de investigar esta musicalidade. Pelo que verificamos existe uma

repetição nas palavras que ecoam em outros sons, o que pode ser observado em

palavras subseqüentes, frases e parágrafos inteiros. Como se fosse uma orquestra

barroca com seus inúmeros instrumentos que trabalham rebuscadamente

procurando contar uma estória através da música.

As palavras construídas com radicais gregos, latinos, tupi­guarani, folclore

brasileiro, arcaísmos também possuem uma melodia e contam várias estórias do

sertão que podem ser investigadas decifrando a etimologia destas palavras.

Existem pessoas que conseguem fazer certas ultrapassagens psíquicas ao

longo de suas vidas. Com isso, suas manifestações na Literatura, nas Artes, Ciência

e Religião são exuberantes de tal modo, que são objeto de estudo para a

psicanálise. Do mesmo modo, consideramos Guimarães Rosa neste trabalho.

Partindo de Freud a Lacan, verificamos que Rosa revela um gozo a mais na escrita

de forma barroca, em Grande sertão: veredas. Como Lacan descreve no Seminário

20, existem pessoas que escrevem barrocamente não por intenção, mas porque isso

faz parte da movimentação do seu psiquismo.

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Assim, abre­se a possibilidade de se investigar se a obra toda de Rosa

apresenta esta característica que conseguimos vislumbrar em Grande sertão:

veredas com a finalidade de também comprovar, ou não, a teoria lacaniana no que

diz respeito à escrita.

Começamos a presente pesquisa com as seguintes questões: A narrativa em

Grande sertão: veredas possui ressonância com o barroco e a psicanálise?

Riobaldo percorre o sertão na tentativa de visualizar o feminino em Diadorim?

Concluímos que a obra investigada possui ressonância com a psicanálise e contém

uma profusão barroca de tal forma que poderia ser denominada barroca.

No decorrer da investigação se vislumbrou que o narrador–personagem,

Riobaldo, busca a narrativa toda não só visualizar o feminino em Diadorim, mas

também entender o enigma do feminino e masculino que ele sente oscilar em si

mesmo, pois ora ele se vê atraído pelo companheiro, ora ele busca mulheres. No

final da narrativa tudo parece fazer sentido quando ele contempla o corpo de mulher

no companheiro. Aí a estória termina como ele mesmo coloca.

É interessante observar que quando Riobaldo começa a relatar a sua história

de vida já sabia que Diadorim era mulher. Talvez por isso ele conta a sua atração

pelo companheiro com ênfase, como desabafo para si mesmo, pois a sua posição é

de alguém que já conhece a verdade.

O feminino já lhe tinha sido revelado. A questão que o perturba é entender o

porquê não se entregou nos braços de seu amor, pois a posteriori tudo fazia sentido: os dois se desejavam e poderiam ter vivenciado tudo carnalmente. A decifração do

mistério sobre a sexualidade feminina em Reinaldo­Diadorm fica para o leitor.

Assim, a hipótese inicial da pesquisa de que Riobaldo, o narrador­

personagem, percorre o sertão para descobrir o feminino em Diadorim de uma forma

barroca, labiríntica, tal qual o feminino em Freud e Lacan é investigado, foi verificada

como verdadeira.

Constatamos quão vasto e instigante é o universo literário de Guimarães

Rosa. A disputa pelo poder no sertão, principalmente nas figuras de Joca Ramiro e

Hermógenes; banalização da morte, as mães que permitiam a prostituição das

filhas, as mulheres casadas que traíam os maridos.

Deus e o demônio aparecem o tempo todo disputando espaço no coração de

Riobaldo e nos casos que ele conta que aconteceram com as pessoas com que

conviveu. As rezadeiras que fazem curas pelo sertão, os pressentimentos de

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Riobaldo que se confirmam ao longo da narrativa, dando um aspecto místico ao

personagem; a morte e a vida entrelaçadas.

Esta movimentação mística que vislumbramos nas personagens dá

oportunidade de se investigar o universo místico em Grande sertão: veredas que se

mistura numa tentativa de tentar suavizar a dor de existir.

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ANEXOS

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ILUSTRAÇÃO 1­ Assunção da Virgem, de El Greco Fonte: VALSECCHI, Mário. Galeria delta da pintura universal. Rio de Janeiro: Delta, 1972.p. 85

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ILUSTRAÇÃO 2­ Capa de Grande sertão: veredas Fonte: ROSA, João Guimarães. Grande sertão: veredas. 13. ed. Rio de Janeiro: José Olympio, 1979.

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ILUSTRAÇÃO 3 ­ As três graças, de Rubens Fonte: Disponível em: <www.ed­dolmen.com.> Acesso em: 20 jun.2004

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ILUSTRAÇÃO 4 ­ Santa Teresa, de Bernini Fonte: VALSECCHI, Mário. Galeria delta da pintura universal. Rio de Janeiro: Delta, 1972.p.154

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ILUSTRAÇÃO 5 ­ Santa Ana, Maria e o menino, de Leonardo da Vinci Fonte: VALSECCHI ,Mário. Galeria delta da pintura universal. Rio de Janeiro: Delta, 1972. p.105

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ILUSTRAÇÃO 6 – A jovem e a morte, de Hans Baldung Grien Fonte: VALSECCHI,Mário. Galeria delta da pintura universal. Rio de Janeiro: Delta, 1972. p. 40.

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ILUSTRAÇÃO 7­ A sagrada família, de Miguel Ângelo Fonte: VALSECCHI, Mário. Galeria delta da pintura universal. Rio de janeiro: Delta, 1972. p. 65.

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ILUSTRAÇÃO 8 – Vênus, de Ticiano Fonte: VALSECCHI, Mário. Galeria delta da pintura universal. Rio de Janeiro: Delta, 1972. p. 75.

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ILUSTRAÇÃO 9 – Vênus, de Velasquez Fonte: Disponível em: < www.ed­ dólmen.com> Acesso em: 20 jun. 2004

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LUSTRAÇÃO 10 ­ Apolo e Dafne, de Bernini Fonte: VALSECCHI, Mário. Galeria delta da pintura universal. Rio de Janeiro: Delta, 1972. p.150

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ILUSTRAÇÃO 11­ Monalisa, de Leonardo da Vinci Fonte: VALSECCHI, Mário. Galeria delta da pintura universal. Rio de Janeiro: Delta, 1972. p. 107