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CENTRO DE ENSINO SUPERIOR DE JUIZ DE FORA IRINEIDE SANTARÉM ANDRÉ HENRIQUES
LITERATURA E PSICANÁLISE; BARROCO E FEMININO EM GRANDE SERTÃO: VEREDAS
Juiz de Fora 2008
IRINEIDE SANTARÉM ANDRÉ HENRIQUES
LITERATURA E PSICANÁLISE; BARROCO E FEMININO EM GRANDE SERTÃO: VEREDAS
Dissertação apresentada ao Centro de Ensino Superior de Juiz de Fora, como requisito parcial para a conclusão do Curso de Mestrado em Letras, Área de Concentração: Literatura Brasileira. Linha de Pesquisa: Literatura de Minas: o regional e o universal.
Orientadora: Drª. Thereza da Conceição A. Domingues.
Juiz de Fora 2008
Ficha Catalográfica elaborada pela Biblioteca Esdeva – CES/JF Bibliotecária: Alessandra C. C. Rother de Souza – CRB61944
HENRIQUES, Irineide Santarém André. Literatura e psicanálise: barroco e feminino em Grande sertão:
veredas. [manuscrito] / Irineide Santarém André Henriques. – Juiz de Fora: Centro de Ensino Superior de Juiz de Fora, 2008.
129 f.
Dissertação (Mestrado em Letras) – Centro de Ensino Superior de Juiz de Fora (MG), Área de concentração: Literatura brasileira.
“Orientadora: Thereza da Conceição A. Domingues”
1. Literatura brasileira. 2. Literatura barroca 3. Ficção brasileira – História e crítica. 4. ROSA, Guimarães – 19081967. I. Centro de Ensino Superior de Juiz de Fora. II. Título.
CDD – B869.3
FOLHA DE APROVAÇÃO
HENRIQUES, Irineide Santarém André. Literatura e Psicanálise; Barroco e Feminino em Grande sertão: veredas. Disssertação, apresentada como requisito parcial à conclusão do curso de Mestrado em Letras, área de concentração Literatura brasileira, do Centro de Ensino Superior de Juiz de Fora, realizada no 1° semestre de 2008.
BANCA EXAMINADORA
Profª. Drª. Thereza da Conceição Apparecida Domingues Orientador
Prof. Dr. Carlos Eduardo Leal Vianna Soares Membro convidado 1
Profª. Drª. Nícea Helena Nogueira Membro convidado 2
Examinado (a) em: ____/____/______.
Dedico este trabalho a meus pais, Maurício e Irene e ao meu lindo filho, Luis Filipe, por serem meus incentivadores e amigos de todos os momentos.
AGRADECIMENTOS
Ao Criador do Universo, que faz pulsar a luz da sua criação em todo o cosmos,
assim como faz vibrar a inspiração na minha existência e neste trabalho, através de
seus mensageiros.
À Professora Doutora Thereza da Conceição Apparecida Domingues, orientadora
deste trabalho, que acolheu carinhosamente a proposta de minha pesquisa,
permitindo que adentrasse de forma profunda no labirinto rosiano pelo viés da
Psicanálise.
À Professora Doutora Nícea Helena Nogueira e ao Professor Doutor André Monteiro
Guimarães Dias Pires, pelas orientações e sugestões no exame de Qualificação.
Aos meus pais, Maurício e Irene, que me permitiram vivenciar na minha infância e
adolescência várias culturas do Brasil não por turismo, mas por moradia na média
de três a cinco anos: Minas Gerais, Mato Grosso, Rio Grande do Sul, Bahia, Paraná
o que me possibilitou conhecer o povo brasileiro na sua multiplicidade e assim,
descobrisse a unidade que existe no humano. Com eles também aprendi que o
“caboclo” tem uma grande sabedoria, por isso consegui adentrar no universo
rosiano.
RESUMO
HENRIQUES, Irineide Santarém André. Literatura e psicanálise; barroco e feminino em Grande sertão: veredas. 129 f. Dissertação (Mestrado em Letras). Centro de Ensino Superior de Juiz de Fora, Juiz de Fora, 2008.
Esta dissertação propõese a investigar se a obra Grande sertão: veredas de João
Guimarães Rosa faz ressonância com a arte barroca e a psicanálise em Sigmund
Freud e Jacques Lacan, no ponto em que estes dialogam com a arte e o feminino.
Feminino foi entendido como posição psíquica e sendo melhor representado pela
psicanalista Joan Rivière, em 1929, como a “Mascarada”. Este conceito foi acolhido
por Jacques Lacan. Procurouse analisar as personagens do romance sob este
olhar. Barroco foi entendido como estilo que ultrapassa os séculos XVII e XVIII,
conforme a proposta de Eugenio D’Ors e analisado com os parâmetros de arte de
Heirinch Wölfflin, a partir do século XIX. Uma vez que o texto literário de Guimarães
Rosa rompe com a linearidade da escrita, como acontece na arte barroca.
Palavraschave: Barroco; Feminino; Psicanálise; Guimarães Rosa; Máscara.
ABSTRACT
This dissertation aims to investigate if João Guimarães Rosa’s work: Grande sertão:
veredas, makes resonance with the barroque art and the psyschoanalysis in
Sigmund Freud and Jacques Lacan, at the point they intensify the dialogue about the
art and feminine. Feminine was well understood as psyche level and being better
represented by Joan Rivière, a famous psychoanalyst, in 1929, as “Masked woman”.
This concept was well accepted by Jacques Lacan and in our search we found it in
the personages of the romance above mentioned under this staring. Barroque was
well understood as a style which surpasses the centuries XVII and XVIII, as Eugene
D’Ors’ proposal and analised with the parameters of art of Heinrich Wölfflin, from the
century XIX ahead. Once Guimarães Rosa’s literary text breaks with the linearity of
the writing, as happens in the barroque art.
Keywords: Barroque; Feminine; Psychoanalysis; Guimarães Rosa; Mask.
.
LISTA DE ILUSTRAÇÕES
ILUSTRAÇÃO 1 Assunção da Virgem, de El Greco........................................... 119
ILUSTRAÇÃO 2 Capa de Grande sertão: veredas ........................................... 120
ILUSTRAÇÃO 3 As três graças, de Rubens......................................................... 121
ILUSTRAÇÃO 4 Santa Teresa, de Bernini........................................................... 122
ILUSTRAÇÃO 5 Santa Ana, Maria e o menino, de Leonardo da Vinci................ 123
ILUSTRAÇÃO 6 A morte e a jovem, de Hans Baldung Grien............................. 124
ILUSTRAÇÃO 7 A sagrada família, de Miguel Angelo........................................ 125
ILUSTRAÇÃO 8 Vênus, de Ticiano ..................................................................... 126
ILUSTRAÇÃO 9 Vênus, de Velasquez................................................................. 127
ILUSTRAÇÃO 10 Apolo e Dafne, de Bernini....................................................... 128
ILUSTRAÇÃO 11 Monalisa, de Leonardo daVinci................................................ 129
SUMÁRIO
1 INTRODUÇÃO ............................................................................................. 12
2 LITERATURA E ARTE BARROCA: RESSONÂNCIA COM GRANDE
SERTÃO: VEREDAS ...................................................................................
14
2.1 LITERATURA BARROCA............................................................................. 14
2.1.1 Renascimento e Maneirismo: antecedentes do barroco............................... 16
2.1.2 A arte barroca.................................................... ........................................... 18
2.2 BARROCO E MODERNISMO NO BRASIL.................................................. 22
2.2.1 Modernismo e barroco em Guimarães Rosa................................................ 25
2.2.2 Guimarães e o barroco além da temporalidade............................................ 27
2.3 GUIMARÃES: UMA RESSONÂNCIA BARROCA E PSICANALITICA......... 32
2.3.1 Música barroca ............................................................................................. 37
2.3.2 Música barroca no Grande sertão: veredas................................................. 40
2.3.3 O Labirinto barroco no sertão....................................................................... 41
3 A TRAVESSIA DO SERTÃO COMO PERCURSO ANALÍTICO.................. 46
3.1 ANÁLISE PSICANALÍTICA E VERDADE NO SERTÃO............................... 46
3.2 AMOR ENTRE RIOBALDO E DIADORIM: UMA ABORDAGEM
PSICANALÍTICA............................................................................................
52
4 MÁSCARA DE FEMININO EM DIADORIM.................................................. 68
4.1 ANDROGENIA EM FREUD.......................................................................... 70
4.2 COMPLEXO DE ÉDIPO FEMININO............................................................. 75
4.3 TORNARSE MULHER EM FREUD............................................................. 82
4.4 A MASCARADA FEMININA EM JOAN RIVIÈRE......................................... 89
4.5 O BARROCO COMO UMA EXPRESSÃO DA MÁSCARA FEMININA EM
DIADORIM....................................................................................................
93
5 CONCLUSÃO............................................................................................... 105
REFERÊNCIAS ....................................................................................................... 108
ANEXOS................................................................................................................... 118
APRESENTAÇÃO
O nosso interesse em estudar literatura e, principalmente, o barroco vem
desde a adolescência, quando fazíamos Conservatório de Música com ênfase em
piano. Tínhamos no currículo aulas de teoria musical e história da música.
Os autores com os quais nos identificamos foram os barrocos, pois eles
apresentavam uma característica marcante: os instrumentos “comunicavamse”
entre si de uma forma rebuscada, porém sincronizada, o que não existia em outros
estilos musicais. Nessa época, estávamos estudando estilos literários nas aulas de
literatura do segundo grau e aprofundamonos nas leituras dos escritores barrocos.
A professora de literatura tinha descendência espanhola e um dia fez uma palestra
sobre uma poetisa barroca mexicana de que ela gostava muito: a Sóror Juana Inês
de la Cruz, o que muito nos impressionou.
Passaramse os anos e quando fizemos o curso de Filosofia, na UFJF, o
professor Doutor Joel Neves trouxenos novamente o fascínio pelo barroco numa
linguagem diferente e reveladora da Estética. O seu livro intitulado: Idéias
filosóficas no barroco mineiro propiciou um vislumbramento totalmente novo do
estilo barroco: perpassar os tempos, podendo ser visto em várias etapas na história
da humanidade sem estar circunscrito nos séculos XVII e XVIII.
Neste momento, havíamos iniciado o Mestrado em Psicologia, no Centro de
Ensino Superior de Juiz de Fora, com a temática sobre o feminino e a menopausa
na psicanálise e também estávamos estudando uma disciplina sobre o feminino na
psicanálise, quando, em uma aula sobre o barroco, tivemos a compreensão de que
a mascarada feminina na psicanálise e a arte barroca convergiam.
O barroco parecia dar plasticidade ao que a psicanálise tentava dizer sobre o
feminino. Fomos investigar mais profundamente e percebemos que seria possível
explorar as analogias entre ambas as vertentes. Nesse momento, a nossa
investigação do projeto do mestrado havia se modificado de feminino e menopausa
para feminino e barroco.
Foi na expressão literária barroca que encontramos uma exemplaridade entre
feminino, barroco e psicanálise na figura de Sóror Juana Inês de la Cruz, poetisa
mexicana do século XVII, de que tivemos conhecimento na adolescência.
No desenvolver da dissertação em Psicologia, investigamos vários autores
que, segundo nossa proposta, poderiam ser denominados como barrocos, pois
trabalhamos com a fundamentação de Eugênio D’ors que classifica barroco como
um estilo que pode ser visualizado em várias etapas na história da humanidade, não
ficando circunscrito a uma determinada época. Assim, João Guimarães Rosa,
Lacan, Isaac Newton, entre outros, podem ser considerados barrocos dentro desta
fundamentação.
Embasada nesta proposta analisamos brevemente a obra Grande sertão:
veredas, de João Guimarães Rosa. Nas personagens de Riobaldo e Diadorim
encontramos uma expressão do enigma do feminino descrita de forma barroca com
várias figuras de linguagem e principalmente o jogo de palavras que alude à
máscara e metamorfose, tão visível no barroco em qualquer modalidade, seja
literatura, pintura, escultura entre outras.
Esta investigação nos suscitou alguns questionamentos sobre a possibilidade
do gozo na escrita em Guimarães Rosa, tal qual Lacan analisa no Seminário 20. A
linguagem, rebuscadamente barroca, ao nosso ver, cheia de neologismos e figuras
de linguagem feznos pensar a respeito de uma escrita barroca em Guimarães
Rosa.
Assim, começamos nossa busca no Mestrado em Letras do CES/JF,
investigando o gozo na escrita no romance Grande sertão: veredas. Ao longo do
caminho da investigação, o romance nos fez voltar para o enigma do feminino que é
um antigo objeto de estudo nosso que começou na graduação de psicologia, quando
muitas vezes tivemos a oportunidade de refletir acerca da feminilidade e da
sexualidade feminina.
A visão psicanalítica serviu de base para nossas reflexões mais profundas,
principalmente, quando estagiamos em uma instituição hospitalar no setor de
ginecologia. Lá escutamos muitas mulheres, algumas jovens, outras na menopausa
e outras na velhice. Diferenciadas pela idade cronológica, mas que traziam “queixas”
orgânicas e sofrimento psicológico semelhantes.
Com esta experiência lemos vários livros sobre sexualidade feminina,
menopausa e velhice. A partir disso elaboramos uma pesquisa para a conclusão da
Licenciatura Plena em Psicologia que foi intitulada “Climatério: Resultado de uma
vida”, embasada na Psicanálise. Após esse estudo, percebemos que realmente
estudar a menopausa é estudar a sexualidade feminina desde tenra idade, pois este
assunto nos remete ao ser mulher ao longo da existência.
Para a conclusão do Bacharelado e formação do psicólogo continuamos com
a mesma temática e a monografia foi intitulada “Mulher e Menopausa” também com
enfoque psicanalítico. Naquele estudo, verificamos que, por ser a menarca o oposto
orgânico da menopausa, psiquicamente estão intimamente relacionadas. Segundo
LANGER (1981) existem mulheres na menopausa que repetem os mesmos conflitos
psicológicos e somáticos vividos na menarca.
No mestrado, decidimos aprofundar esta temática, “A Mulher: da menarca à
menopausa à luz da Psicanálise,” este foi o nosso projeto para o ingresso no
Mestrado em Psicologia, do Centro de Ensino Superior de Juiz de Fora, como já foi
dito.
Neste momento, a hipótese que norteia nossa pesquisa é de que Guimarães
Rosa, em Grande sertão: veredas descreve o feminino de forma rebuscada, tal qual
a psicanálise em Freud e Lacan também escreveram. Assim, a escrita de ambos
pode ser comparada com a escrita barroca.
É interessante ressaltar que para o término do Bacharelado em Filosofia que
cursamos na UFJF, desenvolvemos uma monografia que se intitula “O diálogo
interdisciplinar como mediador do conhecimento”. E nesta chegamos à conclusão de
que se conhece mais uma temática quando se investigam outros “ângulos”, outros
“olhares” (disciplinas). Por isso, gostaríamos neste momento de investigar o universo
de João Guimarães Rosa, sob olhar barroco e da psicanálise para maior
compreensão desse autor na linha de pesquisa Literatura de Minas: o regional e o
universal, que parece atender as nossas atuais perspectivas de investigação.
1 INTRODUÇÃO
Esta dissertação tem por objetivo investigar a obra Grande sertão: veredas,
de João Guimarães Rosa, observando se a mesma apresenta ressonância com a
psicanálise e se apresenta elementos barrocos, tal qual o psicanalista Jacques
Lacan descreve no Seminário 20, quando trata da escrita.
A hipótese da presente pesquisa é de que Riobaldo, o narradorpersonagem,
percorre o sertão para descobrir o feminino em Diadorim de uma forma barroca,
labiríntica, tal qual o feminino em Freud e Lacan é investigado.
As questões que nortearam a pesquisa foram: A narrativa em Grande
sertão: veredas possui ressonância com o barroco e a psicanálise? Riobaldo
percorre o sertão na tentativa de visualizar o feminino em Diadorim? O método
interdisciplinar foi a base da investigação, uma vez que foi trabalhado psicanálise,
literatura e arte barroca.
No primeiro capítulo, com a finalidade de se entender o que foi designado
como barroco, fezse um rastreamento na história da literatura e arte barroca
chegando ao conceito de barroco que ultrapassa os séculos XVII e XVIII e pode ser
vislumbrado em qualquer época como fundamenta Eugênio D’Ors, porém, seguindo
as características barrocas propostas por Heirinch Wölfflin no século XIX.
Assim se pode entender como um escritor da contemporaneidade pode
escrever com característica desse estilo. A este fenômeno denominouse barroco
além da temporalidade e procurouse primeiramente visualizar escritores e pessoas
das artes que fizeram obras com elementos barrocos, principalmente no Brasil na
época do modernismo, entre muitos: Guimarães Rosa.
Constataramse vários elementos que aparecem na obra Grande sertão:
veredas que expressam a literatura e arte barroca. Uma das analogias encontradas
foi: o texto construído de forma labiríntica, apresentando prefixos, sufixos e
desinências que rimam fazendo um som como na música barroca.
Essa construção do texto rebuscado que rompe com a linearidade da escrita,
causando estranhamento ao leitor, por possuir neologismos, arcaísmos e muitas
figuras de linguagem, possibilitando várias leituras, sugeriu uma breve investigação
e um levantamento de hipóteses no estilo do autor e a escrita na psicanálise em
Freud e Lacan.
No segundo momento, atravessouse o sertão pelos olhos de Riobaldo, o
narradorpersonagem, como se a travessia pelo sertão representasse uma análise
psicanalítica onde o sujeito busca a sua verdade que é pessoal e intransferível. A
questão mítica foi abordada como uma expressão dessa movimentação tendo como
foco da investigação pessoal o amor, pois este é a preocupação de Riobaldo em
toda a narrativa, assim como para a psicanálise.
O processo analítico sempre conta uma história de amor travada entre o
sujeito e suas figuras parentais. Por isso, foi feito um rastreamento nos textos
freudianos que investigam os primeiros laços de amor que serão estruturantes para
a vivência dos outros amores que a pessoa terá na sua vida adulta, com a finalidade
de se procurar entender a movimentação psíquica das personagens.
No terceiro momento, o sertão foi analisado como possibilidade de investigar
androgenia como máscara do feminino na figura de Diadorim. O que norteou este
capítulo diz respeito ao desenvolvimento da sexualidade humana: O que é feminino?
O que é o masculino?
A tessitura da escrita em Grande sertão: veredas é rebuscada; numa
primeira leitura não se vê que está se descrevendo o enigma do feminino na figura
de Diadorim. Riobaldo questionase o tempo todo procurando entender ele e
Diadorim.
Mais ordenadamente trilharamse os textos em Freud sobre a sexualidade
feminina, partindo do desenvolvimento da sexualidade infantil até o conceito de
tornarse mulher. Nesse ponto da investigação, chegouse a um conceito de uma
psicanalista contemporânea de Freud, Joan Rivière, sobre o que ela considera
feminino. Para ela a melhor forma de se entender o feminino é através de máscaras.
A personagem Diadorim se esconde através de uma máscara masculina, um
jagunço. Uma das características mais marcantes do barroco é a máscara.
Desta forma, foi possível fazer uma analogia entre Diadorim e a arte barroca.
Assim, esta é uma dissertação teórica que faz diálogo interdisciplinar, a fim de
entender um pouco do universo tão vasto e profundo de Guimarães Rosa.
2 LITERATURA E ARTE BARROCA: RESSONÂNCIA COM GRANDE SERTÃO: VEREDAS
Observase que o barroco pode ser estudado sob várias perspectivas a saber:
enquanto história da arte no final do século XVI causando estranhamento não foi
considerado arte, aparece logo após o maneirismo que é uma denominação de arte
que se contrapõe ao ideal clássico. Outra forma de se visualizar o barroco é
enquanto estilo que perpassa os tempos podendo ser encontrada até mesmo em
obras de artistas plásticos, arquitetos, artesãos e escritores da literatura
contemporâneos. Este último aspecto é que será fundamental na presente pesquisa,
por isso primeiramente descreveremos um pouco da literatura e arte barroca e os
antecedentes que o nortearam a fim de ter subsídios necessários a entender o que
vem a ser o barroco na obra Grande sertão: veredas, de Guimarães Rosa.
2.1 LITERATURA BARROCA
A literatura barroca é considerada como dramática, obscura, difícil, pois
contém jogo de idéias e palavras, fusão do divino com o humano, paralelismos de
contrastes onde o belo e o grotesco, o claro e o escuro, a sombra e a luz se
encontram e provocam tensão. Há dificuldades lógicas com silogismos, retóricas que
confundem o leitor, além de metáforas, hipérboles, antíteses, paradoxos, metonímia,
anamorfose, alegorias eloqüentes. Por isso, os textos não são apreendidos numa
primeira leitura. Podese dizer que na leitura barroca há sempre um enigma para se
decifrar.
Essa expressão literária teve o seu inicio em uma fase que se denominou
maneirista. Os poetas começaram a escrever com alguns elementos que destoavam
da linearidade clássica, contendo certo erotismo e contrastes que não eram
característicos. Camões é um exemplo deste momento de transição e que rompe
com o classicismo, haja vista o seu poema que diz: “ O amor é um fogo que arde
sem se ver é ferida que dói e não se sente; é um contentamento descontente”
(CAMÕES, 1963, p. 270).
O amor na literatura barroca é retratado como sentimento sofrido e que traz
ao mesmo tempo muita felicidade, dramático e lírico ao mesmo tempo. Carnal, ele
arde e paradoxalmente a queimadura não é vista, é o encontro com a felicidade e a
desventura, tal como Camões já anuncia, no seu texto considerado como maneirista,
em que vemos alguns elementos barrocos. Sofrese intensamente pelo ser amado,
porém um amor muito intenso é vivenciado, nem que seja platonicamente, dor e
prazer fundemse. Não há um final feliz para os amantes, pois eles geralmente
morrem. É comum um dos amantes lutar em guerras como se fosse uma entrega
como nos romances, óperas e peças de teatro barrocas.
As novelas de Cervantes e o drama de Racine podem ser exemplos desse
movimento. Considerando a obra Grande sertão: veredas, de Guimarães Rosa,
como barroca, vêse que também apresenta esta característica: os amantes não têm
um final feliz, como será descrito no decorrer desta pesquisa.
A história da literatura barroca é marcante, principalmente na Espanha com o
cultismo também conhecido como gongorismo devido ao escritor espanhol Luís de
Góngora. Caracterizase por uma literatura e poesia com três artifícios; jogo de
palavras, jogo de imagens e jogo de construções. É uma linguagem rebuscada,
culta.
O Conceptismo de Quevedo também tornouse uma tendência da literatura
barroca. Caracterizase por um jogo de idéias ou conceitos seguindo um raciocínio
lógico que utiliza uma retórica aprimorada. Para tal, recorre a um conjunto de
artifícios estilísticos como comparações, metáforas e imagens de enorme ousadia,
ou ainda sinédoques e hipérboles, entre outros, que conduzem a tal densidade
conceitual que obscurece o seu conteúdo. Esses dois movimentos influenciaram
diversos autores em todo o mundo sendo usados na maioria das vezes juntos. No
México os gongoristas formaram um grupo:
Todavia, com revelar mais visível influência de cultistas e conceptistas espanhóis, a obra mais considerável mais inspirada que produziu na América o estilo barroco é a da monja mexicana Sor Juana Inés de la Cruz (16511695), cognominada pelos contemporâneos a Décima Musa, em verdade o maior poeta lírico da literatura espanhola na segunda metade do século XVII ( BANDEIRA, 1960, p. 60).
O cultismo e conceptismo tiveram ressonância em alguns escritores
contemporâneos como se verá descrever no item “Barroco além da temporalidade”.
2.1.1 Renascimento e maneirismo: antecedentes do barroco
O maneirismo, estilo literário e artístico que surge no final da Renascença,
fazendo um apelo em valorizar a carnalidade, vem apontar que a perfeição clássica
não fazia mais ressonância em um mundo cheio de transformações. Assim,
necessário se faz entender a conjuntura do renascimento para melhor compreender
o maneirismo e o barroco, enquanto estilo na literatura e nas artes.
A arte renascentista primava pela forma exata através da matemática e o
artista esmeravase em atingir a perfeição com o objetivo de exaltar o humano,
numa tentativa de esconder os contornos de angústias e faltas que a Idade Média
denunciara. Como afirma Neves, em Idéias filosóficas no barroco mineiro:
O classicismo renascentista criara uma visão de mundo sem rusgas destinado a uma Humanidade de “boa consciência” ou “feliz”. Todo apelo ou esforço destinavamse à edificação da universalização do conhecimento e conseqüentemente concordância das paixões humanas e da natureza às leis universais, o que legara ao homem e às artes o referencial do “padrão ideal ” (1986, p.100).
O renascimento foi caracterizado por uma visão multicultural como poucas
vezes foi visto na história da humanidade. Desenvolveuse um pensamento
instigante, na busca por um aperfeiçoamento nas diversas áreas do conhecimento,
onde a valorização do humano não descartava a divindade.
A ascensão da burguesia propiciou o desenvolvimento de técnicas que
possibilitaram as grandes navegações e a comercialização com outros povos. O
europeu sentiase com o poder de dominar o mundo, por isso essa fase é conhecida
como antropocentrismo. Porém, as novas descobertas científicas e geográficas
geraram insatisfações e não silenciavam as angústias da alma. Esse acontecimento
entre outros gerou a crise na Renascença e desencadeou a Reforma Protestante,
que foi a síntese de um protesto unificador entre o povo e parte do clero contra o
comando abusivo da Igreja Católica e de alguns nobres.
Com a Reforma Protestante é feita uma ruptura de paradigmas cristãos, uma
vez que o céu não é mais vendido e para se chegar a Deus não se precisa de
intermediários, como os anjos.
Segundo Peter Berger (1985) “é cortado o cordão umbilical entre o céu e a
terra”. E isto possibilita que os estudos sobre astronomia avancem, podendose
ratificar e retificar os experimentos de Copérnico e outros sobre a teoria
heliocêntrica, que causou grande revolução. Haja vista que para o homem medieval,
o cosmos era circular e a Terra constituía o centro do universo.
Esta explicação agradava à Igreja Católica que a tudo comandava, uma vez
que a maioria dos nobres era analfabeta, assim como os plebeus. Quando Kepler
(15711630) descobre que as órbitas são elípticas e não circulares, tem receio em
anunciar temendo a Inquisição, pois na concepção Católica Aristotélica, Deus era
perfeito e toda sua obra obedecia a uma retidão, como, Rocha comenta em sua obra
intitulada A menina de Lacan: um conto rosa:
Copérnico com o descentrar a Terra produz uma modificação, uma metonímia, um descentramento da atenção, um deslizar do olhar. A topologia simbólica mostranos uma metáfora: Galileu. E o homem toma o seu lugar. A metáfora de Galileu é a da corrupção. O sol não é um globo finamente polido, a lua não é plana. A Via Láctea não é um astro esplendoroso e contínuo. O espaço, como a Terra é corruptível (1996, p. 38).
Nessa conjuntura o artista maneirista consegue traduzir a situação sócio
políticoreligiosa, pois apresenta certa irreverência apesar de conservar algumas
formas clássicas, sendo definido como uma expressão intelectual, que tem a
pretensão de denunciar as angústias do homem renascentista.
Diante disso, podese concluir que a produção artística e literária de uma
determinada época é marcada por um estilo característico. Existem artistas que
possuem grande capacidade para revelar na obra de arte o que acontece com a
alma humana, em um período. Eles conseguem dar forma ao que perpassa de
maneira fantasmática os seres falantes de uma determinada época: ”Muitas vezes, o
artista é o porta voz de seus contemporâneos. Ele tem o poder de envenenar ou
elevar as massas, já que uma obra de arte irmana e influencia os homens”
(ANDRÉS, 1966, p. 32).
Nas artes plásticas o artista El Greco (15411614), foi um dos primeiros a
expressar a linguagem maneirista, com alguns elementos barrocos na sua produção
como em “Assunção da Virgem” (vide tela em anexo, ilustração 1). Segundo Wölfflin
(2000), as dobras que o artista retrata nos rios e nuvens parecem transbordar da
pintura como se fossem sair do quadro em desdobras infinitas, característica
fundamental do barroco. Neste a escultura e a arquitetura são plasticidades
continuadas do que acontece na pintura e literatura.
A modernidade anunciava um grito surdo do humano, querendo renovações.
Segundo Hauser (1976), a arte maneirista começou a expressar diversos elementos
em uma mesma pintura, quebrando com a harmonia da singularidade clássica e
mostrando já a multiplicidade na unidade, característica que se tornará marcante no
barroco. Os artistas criavam um mundo onde as formas traduziam um certo
erotismo. Por isso, expunham em locais privados como os palácios dos nobres.
2.1.2 A arte barroca
A arte plástica barroca rompe com os padrões de rigor científico que a arte
clássica exigia de forma avassaladora, por isso, foi denominada arte menor. Um dos
pontos fundamentais desta arte é a imoderação, exuberância, encontro dos
contrários.
A arte barroca em toda sua expressão, quer seja na escultura, arquitetura, como na literatura surge rompendo com os cânones clássicos, que exibiam retidão nas formas, com seus traçados irreverentes, visto que não obedecem a uma ordem matemática. Existe um rebuscamento no desenho e na escrita com dobras labirínticas que se desdobram em retas e curvas tentando presentificar um infinito. O desencontro é característico neste estilo, num jogo transgressor que não acontecia no clássico. Sobre isso Afrânio Coutinho, na sua obra Introdução à Literatura no Brasil, escreve:
O Renascimento caracterizouse pelo predomínio da linha reta e pura, pela clareza e nitidez de contornos. O Barroco tenta a conciliação, a incorporação, a fusão (o fusionismo é sua tendência dominante) do ideal medieval, espiritual, supraterreno, com os novos valores que o Renascimento pôs em voga: o humanismo, o gosto das coisas terrenas, as satisfações mundanas e carnais. A estratégia pertenceu à ContraReforma, no intuito, consciente ou inconsciente, de combater o moderno espírito absorvendoo no que tivesse de mais aceitável. Daí nasceu o Barroco, novo estilo de vida, que traduz em suas contradições e distorções o caráter, dilemático da época, na arte, filosofia, religião, literatura (1966, p. 93).
O Renascimento e a Reforma Protestante foram alavancas propulsoras para
o desenvolvimento da arte barroca que surge nesta conjuntura políticosocial
religiosa de grande turbulência. Formaramse inúmeras ordens religiosas com o
objetivo de propagar o catolicismo, entre elas destacase a Companhia de Jesus,
criada por Inácio de Loyola (1534), cujos missionários dirigiamse para várias partes
do mundo, na tentativa de converter outras culturas ao catolicismo.
As novas leis da Igreja Católica tinham como foco principal valorizar a sua
imagem que ficou muito desgastada com a Reforma Protestante. Os idealizadores
deste projeto vêem na arte barroca a expressão de que precisavam para embelezar
seus templos, a fim de buscar o retorno dos fiéis afastados e confusos com as
reformas.
Deste modo, o apelo ao espetáculo visual é característica marcante na
arquitetura das igrejas, festas populares, velórios e nas procissões barrocas, com
andores e crucifixos, em tamanhos gigantescos, ornados em ouro e prata. Sobre
isso Bazin comenta:
Propenso à evasão, o artista barroco prefere “formas que alçam vôo às que são estáticas e densas; apaixonado pelo patético, capta sofrimentos e sentimentos, vida e morte nos extremos da violência, enquanto o artista clássico aspira a mostrar a figura humana em plena posse de seus poderes (1993, p. 2).
A Itália foi o país onde se deu a expressão mais forte do barroco, com
elementos ricos e originais. As estruturas das cidades italianas sofreram grandes
mudanças na ContraReforma, principalmente por Giovanni Lorenzo Bernini (1598
1680), considerado um dos maiores mestres da arquitetura barroca e outros
arquitetos. Sobre isso, Bazin afirma:
Os arquitetos italianos do século XVII viramse a braços com um grande volume de encomendas [...] A Itália seiscentista era um país de construtores e propiciou oportunidades para um grande número de arquitetos talentosos [...] e por mais de cinqüenta anos Bernini fez predominar seu estilo, caracterizado pelos efeitos de grandiosidade decorrentes da clara distribuição de massas poderosas e da rica ornamentação policromada dos interiores ( 1993, p.1417 ) .
Bernini foi protegido pelo Papa Urbano VIII e seus sucessores. Executou, ao
longo de sua vida, mais de cento e cinqüenta quadros, além das inúmeras
esculturas, estátuas, bustos, túmulos e fontes. Inventou técnicas com instrumentos
teatrais que possibilitavam um aspecto de ilusão e, com isso, ficaram famosas suas
esculturas, por exemplo, as que ele retratou Santa Tereza de Ávila. As curvas barrocas sem limites en abîme, tendendo ao infinito parecem querer esculpir a alma conclamando um arrebatamento. Esta característica faz menção ao deus grego
Dioníso cujo atributo principal era exibir exuberância e êxtase, por isso foi também
considerado deus da transformação. Nietzsche, em O nascimento da tragédia no espírito da música (1974), afirma que o dionisíaco é o assumir a
existência em sua totalidade de prazer e sofrimento. Vivese plenamente o êxtase da vida, sem esperar nada além do túmulo:
“É uma tradição incontestável que a tragédia grega em sua configuração mais antiga tinha por objeto somente a paixão de
Dioníso e que por muito tempo o único herói cênico que houve foi justamente Dioníso” (1974, p.17). Dioniso é a exaltação da
vida expressa na dança, arte plástica trabalhada rebuscadamente, na música que leva ao êxtase. Enfim, ele é o que
representa bem a estética barroca. Sobre esta explosão de sentimentos que o barroco convoca, Bazin assinala:
As artes figurativas do período barroco, especialmente na Itália, são regidas por uma estética que considerou a arte um meio de expressar as paixões da alma.[...] amor, sofrimento, raiva, ternura, alegria, fúria, ardor, bélico, ironia, medo, desdém, pânico, admiração, tranqüilidade, nostalgia, desespero, audácia, etc. Todos esses sentimentos tinham de ser retratados em sua forma extrema. Tendência que culminou nas explosões veementes das tragédias de Racine. Esses movimentos da alma eram exteriorizados por movimentos do corpo e do rosto, ou seja, pela ação. As manifestações exteriores de um estado de santidade converteramse nas de um transporte de paixão ( 1993, p. 23).
Obras da arte barroca eram revestidas de ouro a fim de seduzir, criar
surpresa, encantamento no público, mas, ao mesmo tempo, havia imagens de morte
para aterrorizar, mostrando que davam submissão a sua madrinha, a Igreja.
O papel da arte era o de promover um espetáculo, com a movimentação de
luzes e cores. Os templos caracterizados como a morada de Deus são suntuosos e
revestidos de ouro, anjos nus, santos que revelam êxtase na expressão artística. O
fiel tem a convicção de que está em um lugar paradisíaco, onde reina a purificação e
o belo : “O dionisíaco aparece com o disforme, o caótico, o noturno, o luxuriante, a
sedução tudo enfim que se refira à liberdade das paixões” (NEVES, 1986, p. 45).
Os tetos das igrejas são altíssimos, rebuscados, dando a impressão de
pequenez e submissão do humano ao divino. A basílica de São Pedro, que foi
reformada por Bernini, possuía dimensões gigantescas com mais de 25 metros de
altura. Giulio Carlo Argan, em sua obra intitulada Imagem e persuasão: ensaios
sobre o barroco, faz uma apreciação sobre esta conjuntura:
Os literatos e artistas do século XVII se davam conta de que, após os vértices atingidos em todos os campos pelos mestres do século XVI, ocorrera e persistia uma certa depressão, que no entanto não era decadência; ao contrário, após as clausuras rigoristas da ContraReforma, era uma retomada [...] Não espantava que, dirigindose ao divino, o discurso fosse bastante exaltado, hiperbólico, adulatório, limitado somente pelas capacidades da técnica do discurso ou pela operação artística. A técnica devia ser capaz de simular o milagre, aliás ela era o meio humano com que o divino miraculosamente se revelava [...] Uma técnica vigorosamente persuasiva, cujo objeto de persuasão não era certamente o conteúdo doutrinal da representação, mas sim o complexo movimento da alma, com sua alternância de evidências palmares e subentendidos, de trepidações e saltos. Todas as técnicas berninianas podem ser explicadas como recitação, e isso explica a centralidade do teatro no quadro de sua complexa poética que definitivamente, é uma grande dramaturgia (2004, p. 412).
Wölfflin (2000) tem um pensamento que vai ao encontro de Argan a respeito
do “complexo movimento da alma”, uma vez que afirma que: “ Há muito sabese que
todo pintor usa seu próprio sangue para pintar” (p. 2). Usar o próprio sangue
pressupõe uma metáfora para dizer do dramático movimento da alma na criação da
arte.
2.2 BARROCO E MODERNISMO NO BRASIL
Para Haroldo de Campos (1992), a literatura brasileira nasceu adulta, com
retórica, nunca foi infante, mas barroca. Afrânio Coutinho, em Introdução à
Literatura no Brasil, tem o mesmo parecer: “A literatura no Brasil colonial é
literatura barroca, e não clássica, como até há pouco era regra denominála. A
literatura nasceu no Brasil sob o signo do Barroco, pelas mãos barrocas dos
jesuítas” (1966, p. 113).
As peças de teatro barrocas eram encenadas a principio de uma forma muito
peculiar nos pátios dos seminários ou à beira da praia, onde o cenário era a própria
natureza, pois se tinha a preocupação de que a linguagem das peças fosse
entendida pelos nativos, pois o objetivo era levarlhes a religião cristã.
Padre Anchieta aprendeu a língua tupiguarani e fez poemas tanto em
português e espanhol como em tupiguarani. Padre Antônio Vieira, jesuíta, escreveu
mais de cem sermões e faz parte da nossa história literária colonial como o maior
vulto da expressão barroca.
É interessante observar que a criação literária não é algo que ocorre
matematicamente, não se pensa racionalmente: “vou fazer um poema ou conto”,
mas é um acontecimento que quase sempre ocorre inesperadamente, como relata a
maioria dos escritores dos diversos gêneros literários. Mesmo quando há intenção
de se fazer pode se dizer que a pessoa é acometida por um “a mais”, quando
começa o processo de criação, e assim, pode criar até mesmo na ciência
matemática.
Para a filosofia existencialista, o conceito que se aplica nesta situação é o de
intencionalidade, que pressupõe um movimento que permite uma abertura para (in
tendere= ir para); naquilo que se faz sempre, às vezes até repetidamente é possível
surgir o novo ser.
Evidenciamse semelhanças entre o estilo barroco e o estilo do movimento
modernista brasileiro no século XX. Estas semelhanças não se deram por acaso,
visto que ambas as manifestações são expressão da quebra de paradigmas. O
barroco histórico se consolidou apologeticamente na Reforma Protestante que
rompeu com um ideário de mundo, como já foi analisado nos itens anteriores.
O aparecimento do barroco no modernismo pode ser visto como símbolo do
anseio de reconstrução com o lado criativo, sensível, exuberante do que foi perdido
na sociedade capitalista racional.
Assim, observase que as produções artísticas no modernismo surgem com
torção e contorsão do discurso políticosocial vigente, não obedecendo a um
discurso linear, clássico, mas simplesmente expressão de um momento de angústia
e conflitos. Houve uma resignificação na literatura e nas artes tanto no estilo
barroco quanto no movimento modernista. A respeito disso, comenta Sant´Anna:
O Barroco, mais que um estilo de época, pode ser uma estratégia de representação e de organização do pensamento. Nesse sentido ele é intemporal. Transcende os séculos XVII e XVIII. O sociólogo português Boaventura de Souza Santos, dando também um sentido mais amplo ao termo, vê similitudes entre o Barroco e a pós modernidade, mas detendo se sobre o seu ethos latino americano clareia o debate ao dizer: Para mim, o ethos barroco é uma tarefa, uma aspiração, um projeto cultural por construir, que a experiência histórica nos dá (2000, p. 268).
De certa forma, a irreverência que se observa na expressão do modernismo
no Brasil pode ser analisada também, como uma tentativa de resgatar, de valorizar o
que é nacional, o que se perdeu, quando se menosprezou a cultura indígena,
sertaneja e arte barroca das Minas Gerais, querendo, somente, imitar o padrão de
dominação do europeu e do americano.
Tarsila do Amaral, Mário de Andrade, Oswald de Andrade, entre outros,
fizeram excursão às cidades mineiras barrocas em 1924 e ficaram altamente
influenciados e interessados na vida e obra de Aleijadinho, Antônio Francisco
Lisboa.
Em 1928, Mário de Andrade publicou um ensaio sobre este artista, em O
Jornal, em edição especial sobre Minas Gerais: ”O Aleijadinho não teve o
estrangeiro que [...] lhe desse gênio”. Anos antes de fazer a excursão com seus
amigos, Mário de Andrade esteve em Minas e voltou bastante impressionado por
tudo que viu. Por isso, escreveu uma série de artigos na Revista do Brasil
intitulados “Arte religiosa no Brasil” . Tarsila do Amaral (1939) também revela sua
inspiração barroca mineira como foi escrito na revista de “Arte Sacra Colonial :
barroco memória viva” por Omar Khouri:
Encontrei em Minas as cores que adorava em criança. Ensinaramme depois que eram feias e caipiras. Segui o ramerrão do gosto apurado... Mas depois vingueime da opressão, passandoas para as minhas telas. Pintura limpa, sobretudo sem medo de cânones convencionais (2005, p. 252) .
É importante ressaltar que o nome modernismo denota novidade, segundo o
dicionário de língua portuguesa: “Preferência por tudo quanto é moderno; tendência
para aceitar inovações. Facilidade em adotar idéias e práticas modernas que o uso
ainda não consagro “ (FERREIRA, 1986, p. 934). Parece que está se produzindo
algo que nunca foi realizado na literatura e nas artes.
Paradoxalmente, a proposta do movimento modernista, ao contrário do que
pode parecer no primeiro momento, é de um resgate da valorização da brasilidade,
saindo do que é clássico atual, para a tradição histórica barroca que foi sempre
desclassificada como arte menor, estranhamento. Esta é a inovação que os
modernistas propuseram: buscar inspiração na própria história e no movimento
cultural brasileiro. Tal qual a arte barroca que foi classificada como arte menor o
movimento modernista recebeu repúdio, sendo também vista como aberração por
eruditos e pelo grande público.
O modernismo, procurando a originalidade brasileira, consegue promover
uma arte singular, mas que se volta para sua história, como se os paulistas de 1920
quisessem recompensar o que os bandeirantes paulistas fizeram no passado
explorando as Minas Gerais. Oswald de Andrade escreve em Pau Brasil sobre essa
temática:
Ide a São João Del Rei
De trem
Como os paulistas foram
A pé de ferro (1990, p.177)
Observase que a produção do modernismo aconteceu dentro de uma
característica barroca que Gilles Deleuze descreve na sua obra, A dobra. Para este
autor, o que pode ser visto na pintura barroca pode ser visualizado também como
desdobramento na escultura, arquitetura e escrita barroca. Um movimento similar
aconteceu no modernismo com a pintora Tarsila do Amaral.
Esta expressava em suas telas formas que poderiam ser lidas nos poemas
de Oswald de Andrade, como exemplaridade o poema “ Longo da linha” em Pau
Brasil:
Coqueiros Aos dois Aos três Aos grupos Altos Baixos (1990, p.184).
O poema descreve exatamente a pintura vários coqueiros de distintos
tamanhos, tal qual se observa na natureza das Minas Gerais. A capa desse livro
também é uma tela de Tarsila, além de haver outras que podem ser vistas na
mesma obra. Há uma tentativa de dizer a mesma coisa de diversas formas, seja
através da arte plástica seja na literatura.
2.2.1 Modernismo e barroco em Guimarães Rosa
João Guimarães Rosa, pertencente à terceira geração modernista da literatura brasileira, escrevia barrocamente,
como se pretende descrever ao longo desta pesquisa. Ele estava circunscrito a uma época histórica em que o barroco
modernista era de certa forma fantasmagórico.
Talvez seja por isso que ele anuncia a temática do seu livro Grande sertão: veredas com uma das especificidades
da narrativa barroca: o enigma. As figuras que aparecem na capa precisam ser decodificadas (vide tela em anexo, ilustração
2): mulher, homem, boi com expressão humana, galinha, caveira, serpente, etc...Todas representam as personagens do
romance. O escuro do fundo contrasta com o laranja que se reflete nas figuras: a multiplicidade revela a unidade.
Na contracapa há um mapa do sertão que corta a Bahia, rio São Francisco, Minas, Urucuia, etc. Esses lugares são
percorridos pelas personagens do romance.
Há um ideograma de canoeiros, bois, coqueiros entre outros que somente poderá ser decifrado por quem ler o livro.
Sobre essa capa que mais parece uma carta enigmática, Affonso Romano de Sant´Anna faz uma decifração:
Podemse encontrar nos desenhos orientados dessa capa, “o sal hermético”, a terra, o ferro, a esfinge, o às de espadas, a chave, a cobra, os
símbolos de Júpiter, Netuno e Vênus ou, então, o símbolo representativo do infinito, colocado ao final do último parágrafo de Grande sertão: Veredas, como a reverberar toda a história para um plano infinito (2000, p. 124).
A obra Grande sertão: veredas 1 provocou grande estranhamento aos que conseguiram terminar a sua leitura na
época da sua publicação, pois rompeu com a tradição, inovando no vocabulário rebuscado, com presença de português
arcaico e figuras de linguagem de uma forma criativa, uma vez que Rosa trabalha com prefixos, sufixos, radicais gregos,
latinos, palavras do tupiguarani, africanas de uma forma tão inusitada fazendo parecer ao leitor que está lendo um idioma
diferente. Sobre a escrita trabalhada de Rosa, Sant´Anna argumenta:
Mas há um aspecto, além da linguagem requintadamente labiríntica de Rosa, que não apenas o aproxima mais do Barroco, mas o torna o mais bem acabado exemplo de um contemporâneo barroco: seu amor à cabala à numerologia e ao esoterismo. Isto se observa já nas capas de seus livros. Ele instruía o ilustrador Poty como fazêlas, preenchendoas de símbolos e desenhos que, como no caso de Grande sertão: Veredas, mais parecem uma “carta enigmática”. Na verdade, estava descrevendo um enorme labirinto, fazendo seus jagunços peregrinarem pelo seu sertão cósmico. (2000, p.123).
É interessante ressaltar uma nota da editora na contracapa do livro Grande sertão: veredas fazendo uma advertência quanto aos “erros” encontrados na publicação: “Em todos os seus escritos, João Guimarães Rosa fez questão de usar grafia própria, divergente em muitos pontos da ortografia oficial. Respeitando a vontade do autor, continuamos a publicar sua obra conforme o texto originalmente fixado” (1979).
Para muitos, Rosa foi considerado gênio, sendo denominado por alguns críticos como “James Joyce brasileiro”. Depois do impacto causado pela obra, foi imensamente lido, tendo sido traduzido para diversos idiomas com a ajuda indispensável do próprio autor.
2.2.2 Guimarães e o barroco além da temporalidade
1 ROSA, João Guimarães. Grande sertão: veredas. 13. ed. Rio de Janeiro: José Olympio, 1979. Esta obra será abreviada em toda a pesquisa por GSV, nas citações, seguida do número da página.
O estilo barroco não está somente circunscrito aos séculos XVII e XVIIII, foi
analisado, primeiramente, como uma degeneração da renascença, bizarro. No final
do século XVI, barroco, na Espanha, significou pérola irregular de um brilho
particular. Somente no século XIX, com Heinrich Wölfflin, grande historiador de arte,
o barroco foi valorizado como uma grande expressão artística. O autor generaliza a
questão do estilo da história da pintura do barroco italiano para a história da
escultura e da arquitetura.
Compartilhando esse mesmo ideário afirma Alfonso Méndez Plancarte, editor
das obras completas de Sór Juana Inés de la Cruz: “Englobando, somente como
um único fenômeno estético as variadas formas que, em todo o Ocidente e em todas
as artes, se vê a grande força do Renascimento, o Barroco se difunde a arte
pictórica de Rubens, o lírico de Góngora, o dramático de Cálderon” (1960, p. 9)
[Tradução nossa ] 2 .
Wölfflin, a fim de enaltecer a arte barroca propôs cinco características
fundamentais para diferenciar o estilo barroco de outros estilos. São eles : 1 o linear
e o pictórico; 2 Superfície e profundidade; 3 Forma fechada e forma aberta; 4
Pluralidade e unidade; 5 O claro e o indistinto. Para o autor Afrânio Coutinho em
sua obra intitulada A literatura no Brasil: era barroca, era neoclássica, considera
que estas características podem ser aplicadas tanto na arte plástica como na
literatura:
Essa teoria da definição dos estilos artísticos teve aplicação à literatura, e já o próprio Wölfflin sugeriu tal conseqüência ao contrastar o Orlando furioso de Ariosto à Jerusalém libertada de Tasso. Como as obras que exprimiam no plano literário a oposição entre Renascimento e o Barroco. Mas, como assinala René Wellek, só depois de 1914 o termo foi tendo divulgação na crítica literária para definir as obras do século XVII (2001, p.13).
Na renascença observase uma expressão de arte linear, buscando uma retidão nas formas, com bastante precisão
os traçados horizontais e verticais, por isso a sua forma é dita fechada. Assim, a visão que se tem é plana não levando o olho
2 Englobando, como um solo fenômeno estético, lás variadissímas formas que em todo el Occidente y em todas lãs artes cobra la sobremadurez del Renascimento, el Barroco se extiende “al arte pictórico de Rubens, al lírico de Góngora al dramático de Calderón (PLANCARTE,1960, p.9).
do espectador para um mais além, mas revelase claramente o que a cena quer dizer: “No séc.XVI o desenho encontrase
totalmente a serviço da clareza....em cada forma está presente o impulso de autorevelarse” (WÖLFFLIN, 2000, p.272). Na
literatura clássica, o texto não contém lacunas ou quando estas aparecem não evocam um mais além, por isso a escrita é dita
linear e a forma como na arte pode ser denominada fechada.
No barroco, o que se observa é o pictórico, as linhas desaparecem no sentido uniforme, há um rebuscamento com
profundidade que dá a ilusão de movimento como se fosse entrar na tela, por isso a sua forma é nominada de aberta, por
possibilitar várias visões a cada momento que se observa, há uma obscuridade. A literatura barroca possui linguagem
rebuscada, labiríntica, o que possibilita várias leituras interpretativas de um mesmo texto, assim a sua forma pode ser também
denominada aberta.
Cada elemento da obra barroca é importante para propiciar contar uma mesma história: da multiplicidade de
traçados temse a unidade como na pintura de Rubens intitulada ”As três graças” (vide tela em anexo, ilustração 3), o artista
retrata a sua esposa como se fossem três pessoas andando em um círculo:
[...] Rubens nos oferece os exemplos mais típicos do movimento unificante. Em toda parte, o estilo da multiplicidade e diferenciação dos elementos transformase num estilo que, suprimindo valores autônomos, isolados, funde as partes do todo, imprimindolhes movimento (WÖLFFLIN, 2000, p. 220).
A escrita barroca possui um estilo característico, como já foi descrito a
profusão de figuras de linguagem permite que haja um jogo transgressor que
acontece no exercício com a letra, possibilitando que deste jogo de múltiplos tenha
se a compreensão da unidade que está escondida no rebuscamento labiríntico do
texto.
Segundo Eugenio D’Ors (1968) não é necessário ter conhecimento prévio de
história da arte para se escrever no estilo barroco. É uma forma de expressar do
humano. Então, pode ser observado em várias etapas da história da humanidade,
como, por exemplo, nas artes dos povos etruscos, incas, maias, astecas, egípcios,
assim como correntes do pensamento e na ciência. Qualquer forma da linguagem,
falada ou escrita, rebuscada, com idas e vindas até chegar ao ponto em que se
almeja poderia ser caracterizada como barroca.
Para Eugenio D´Ors (1968), na era moderna foi possível visualizar este
fenômeno estético com mais clareza e abundância, uma vez que a sociedade
vivenciava um momento de alta tensão entre os desejos dionisíacos, o prazer, a
carnalidade e a razão apolínea que foi também um marco da modernidade.
Na tentativa de fugir da angústia que essa tensão gerava, a teatralidade
barroca aparece como um certo alívio, no jogo de imagem onde vai imperar a ilusão
e a máscara, a fim de não permitir que a pessoa caia em um abismo sem volta.
Thereza Domingues, em sua obra, O múltiplo Vieira: estudo dos sermões
indigenistas, considera sobre a máscara: “a pessoa ao se mascarar, adquire o direito
de ser outra, de alienarse da terrível coincidência consigo mesma” (2002, p. 27).
A psicanalista Rocha (1996) toma parte da tese de D’Ors e nomeia várias
celebridades de ramos diversos do conhecimento como pertencentes ao estilo
barroco, além das que já enumeramos: “Desse barroco que é também o pintor
Caravaggio, o cineasta Fellini, Guimarães Rosa e Lacan ... o que se diz é que Lacan
faz textos obscuros, de leitura difícil de ser decifrada até mesmo por especialistas”
(p. 36 ). Lacan, no Seminário 20, denomina seu estilo de barroco: ”Como alguém percebeu recentemente eu me alinhoquem
me alinha? Será que é ele ou será que sou eu? Finura da alíngua eu me alinho mais do lado do barroco” (LACAN,1985a,
p.145). Lacan tinha consciência que seu estilo traduzia uma obra de arte, deste modo, ele era atravessado por um discurso
artístico. O barroco, como Eugênio D’Ors propõe, não pressupõe um conhecimento de história da arte para o seu
acontecimento.
A respeito disso, Deleuze (2000) elucida: ”São os mesmos traços tomados em seu rigor, que devem dar conta da
especificidade do barroco e da possibilidade de estendêlo para fora dos limites históricos sem extensão arbitrária” (2000, p.
66). O exemplo disso são artistas renomados executarem obras barrocas, sem nenhuma pretensão, tal como aconteceu à
artista plástica Iole de Freitas, que relatou sua experiência no livro Palavra do artista:
O primeiro comentário que ouvi relacionando meu trabalho ao barroco foi de Sérgio Camargo, que entrando em meu ateliê em 1989, ao ver a escultura Balzac, só fez o seguinte comentário: “Mineira barroca”... Atualmente já posso identificar o que especificamente, me interessa no barroco mineiro: a idéia de transbordamento. De um movimento contínuo impulsionando a forma e seus desdobramentos compulsivos um dobrarse sobre si mesmo (1997, p. 22).
Otávio Paz (1988), pesquisador do barroco mexicano, afirma que a expressão
barroca diferenciase de todos os outros estilos pela exuberância que provoca
naquele que o vê ou lê:
Com efeito, a poesia da Nova Espanha, como toda arte imitativa, tratou de ir mais além de seus modelos e, assim, foi extremamente barroca: foi o cúmulo da estranheza. Esse caráter extremo é uma prova de sua autenticidade, alguma
coisa que não se pode dizer nem de nossa poesia neoclássica nem da romântica (p. 92).
Affonso Sant´Anna, na sua obra intitulada Barroco: do quadrado à elipse,
enumera vários escritores modernos cujas obras apresentam características do
estilo da escrita barroca que podem ser identificadas pelo leitor erudito. Assim, o
barroco corresponderia a um modo de ser que pode ser vislumbrado como
pertencente à individualidade de alguns artistas, escritores, cientistas como se
enumerará a seguir:
Para quem achava que o Barroco era apenas o império absolutista das curvas, irrompe, de repente, também a geometrização, o pensamento em linha reta. A linha reta articulando significados ou agindo contrastativamente com a linha curva, como se o artista e o pensador barrocos estivessem clamando: eu sou as minhas contradições e complementaridades. Sou a tensão entre o quadrado e a elipse, sou a espiral ascendendo sobre as plantas geométricas do edifício racionalizante. Sou, em síntese, a dramática dobradiça dessas duas articulações” ( 2000, p. 92).
Este modo de ser pode ser verificado em José Saramago, autor português contemporâneo em várias de suas obras, mas especialmente em: O memorial do
convento. Os recursos utilizados para contar essa história são da escrita barroca
com alegorias, jogo de anamorfose ótica, onde o leitor confunde o que é realidade e
aparência.
Neste jogo de ilusão, uma impressão que o leitor pode ter, é a de que o
cenário da narrativa acontece como alguém que olha de cima e observa a história se
desenrolar lá embaixo como descreve Sant´Anna: “E assim o autor vai descrevendo
panoramicamente sua época de um ponto de vista superior, fantástico, olhando de
cima o labirinto, mesclando realidade e ficção, num trompel´oeil narrativo,
ficcionalizando um autêntico homo viator barroco” (2000, p. 66).
O que impulsiona uma pessoa a escrever na atualidade sobre um tema que
não está em voga e que aparentemente não tem nada a ver com a cultura atual? A
escrita rebuscada, como já foi dito, não acontece simplesmente como um jogo de
métrica, mas porque o autor possui um desejo inconsciente, sente necessidade
psíquica de escrever de forma labiríntica, por exemplo.
Por isso, segundo Sant´Anna: “Saramago usa longos períodos, seu
pensamento descreve volutas, ramificase sobre a página, abrese em vários
núcleos ou conchas sem se fechar, antes continuando como se estivesse
passeando em um labirinto desenvolvendo o estilo de fugas e contrapontos” (2000,
p.64).
Um dos fortes personagens desse livro de Saramago pode ser considerado o
protótipo da personalidade dual barroca, uma vez que é padre, grande erudito e
inventor. Ele, paradoxalmente, sonha, inventa e tenta voar, sendo chamado Padre
voador. Mundo psicológico aparentemente contraditório, mas que se funde numa
multiplicidade criativa em uma mesma pessoa, pois voar significa alçar vôos rumo ao
céu, assim aproximarse ou chegar até a divindade.
Para Sant´Anna, o labirinto é uma constante nos escritores que escrevem
barrocamente, podendo mesmo ser entendido como conotação existencial e a
representação disso é o aparecimento nessas histórias da personagem peregrino
que parece peregrinar sem destino ou sem saber onde irá chegar. Assim, no parecer
de Sant´Anna, o labirinto dos heróis clássicos é físico e pode ser guiado por deuses
e senhas para conseguir decifrar o enigma diferindo dos heróis modernos que
encontram se presos em seus labirintos subjetivos:
O labirinto não existe apenas como desenho, como jogo, como enigma. Tem conotação existencial. Ele só existe, porque existe outro personagem que o percorre, que é esse peregrino, esse ser peripatético, que parece perdido, vagando daqui para ali, ora sob a forma de um pastor desolado entre rochedos, como em Cláudio Manuel da Costa e Góngora, carpindo suas desilusões amorosas ora como um crente à procura da salvação e dando seu testemunho, admoestando os incréus (2000, p. 6667).
Sant´Anna cita outras obras que trabalham com a temática do peregrino, tais
como: The Pilgrim’s Progresso (1678) de John Bunyan pertencente à literatura
inglesa, O peregrino querubínico (1627), do místico Ângelus Silesius da literatura
alemã. A “peregrinação” de Fernão Mendes Pinto e o livro de viagens de Marco Pólo
que descrevem peregrinações não só de uma pessoa, mas de um povo que saía em
busca de novas conquistas onde o labirinto era o mundo.
Assim, a obra de Saramago apresenta elementos de ficção que se mesclam a
fatos verídicos: “A imagem do peregrino está geminada a outras imagens barrocas
que indicam movimento, trânsito, peripécia, instabilidade. É assim que saindo do
sentido místico e mágico, o peregrino chega a ter sentido social, na figura do
personagem pícaro, que nessa época ganha consistência” (p. 67).
Esta temática será trabalhada posteriormente nesta pesquisa na personagem
Riobaldo, uma vez que o sertão será o labirinto e o peregrino o próprio Riobaldo.
2.3 GUIMARÃES: UMA RESSONÂNCIA BARROCA E PSICANALÍTICA
Enquanto história da literatura Rosa está inserido no modernismo, na terceira fase regionalista, como já foi comentado; apesar de dissertar sobre o sertão, que é regional, inova ao tratar o assunto de uma forma totalmente singular. Em Grande sertão: veredas ele escreve de uma forma que causa estranhamento devido às diversas figuras de linguagem. Porém, se for lido com lentes barrocas o estranhamento se transformará em exuberância e poderá ser melhor compreendido, como assinala Sant´Anna:
Mas impossível se torna falar do sertão e do barroquismo sem estabelecer uma ponte com Guimarães Rosa, atualizador do barroco, que pode ser qualificado ao mesmo tempo de cultista com revérberos conceitistas, e que teria na sua obra mestra Grande sertão: Veredas (1956) muitos exemplos a fornecer da utilização de um estilo precioso, rebuscado, onde funde seu conhecimento de uma dezena de línguas com a sonoridade de uma construída linguagem do jagunço do norte de Minas (2000, p. 123).
A escolha por retratar o sertão, tendo como protagonistas jagunços, matutos,
já era característica do autor, porém, os recursos utilizados surpreenderam nessa
obra. Sant’Anna, considera: “...Guimarães Rosa, na verdade um autêntico exemplo
do barroco moderno, tanto em sua forma cultista quanto conceitista, tanto no
rebuscamento da frase e reivenção de palavras, quanto na montagem labiríntica dos
grandes planos de sua narrativa” (2000, p. 77).
Rosa ao ser indagado a respeito da sua irreverência na escrita posicionase
em entrevista com o jornalista alemão Günther Lorenz publicado por Rocha:
A língua e eu somos um casal de amantes que juntos procriam apaixonadamente, mas a quem até hoje foi negada a bênção eclesiástica e científica. Entretanto, como sou sertanejo, a falta de tais formalidades não me preocupa. Minha amante é mais importante para mim (2007, p. 3).
Guimarães Rosa trata a língua como “minha amante”, na qual ele investe
todo o seu potencial de invenção. E não tem a pretensão de oficializar sua relação
amorosa com a norma culta, pois diz que é um sertanejo e o seu poder de criar é
mais importante do que passar por um processo de normatização. Com esta
afirmação do autor é possível dizer que ele expressou o que a psicanálise em
Sigmund Freud e Jacques Lacan investiga sobre a capacidade que o artista tem de
dizer sobre a manifestação do inconsciente. Para Freud (1976g) em Escritores
criativos e devaneio, a criança e o artista têm algo em comum, levam a sério suas
fantasias e conseguem criar.
Freud relata, na conferência sobre “Leonardo da Vinci”, que a vida intelectual
propicia um prazer, tal qual Guimarães relatou. Ele disserta sobre a questão do
prazer intelectual assemelharse ao prazer sexual:
Num segundo tipo, o desenvolvimento intelectual é suficientemente forte para resistir a repressão sexual que o domina. [...] e as suprimidas atividades sexuais de pesquisa emergem do inconsciente sob a forma de uma preocupação pesquisadora compulsiva naturalmente sob uma forma destorcida e nãolivre, mas suficientemente forte para sexualizar o próprio pensamento e colorir as operações intelectuais, com o prazer e a ansiedade características dos processos sexuais. Neste caso, a pesquisa tornase uma atividade sexual, muitas vezes a única e o sentimento que advém da intelectualização e explicação das coisas substitui a satisfação sexual (1970a [1908], p. 74).
Jacques Lacan, no Seminário 20, denomina o conceito de gozo na escrita que seria
aquele para além do sexual, possível de ser atingido. O psiquismo “cobra” uma
satisfação a mais que poucos conseguem atingir, porque é da ordem da exsistência
e que é nominado como: gozo Outro, gozo a mais, indizível, que, apesar destas
nominações, não tem relação com sexuado, dividido, muito pelo contrário, pois
corresponde à plenitude, totalidade esta que alguns poetas e artistas plásticos
revelam em suas obras pela exuberância da sua manifestação artística.
Nos místicos visualizase que o gozo a mais é indizível, porque o dizer já
pressupõe uma perda do gozo todo. Quando se escreve, já existe uma perda, pois a
letra mata a possibilidade de dizer. Mesmo assim, ele ganha certa forma com a
escrita poética, como em San Juan de la Cruz, Santa Teresa de Jesus também
conhecida por Santa Teresa de Ávila, entre outros.
A psicanalista Maia (1999), em sua obra, As máscaras d´A mulher, ao
analisar a poetisa mexicana Sóror Juana Inés de la Cruz 3 , chega à conclusão de
que: “Juana Inés experimenta o arrebatamento pela escrita ao tentar fazer borda ao
gozo inominável.” O mesmo parecer pode se aplicar a Guimarães Rosa, pois ele
revela que ele e a língua são amantes. Os amantes sentem um gozo no encontro,
por isso procuramse sempre na tentativa de sempre usufruir um pouco mais.
Os místicos escrevem sobre o amor numa tentativa de dizer sobre a união
com o Outro absoluto, o gozo a mais. É o gozo Outro que eles procuram e insistem
em presentificar com o ato da escrita. Santa Teresa de Jesus escreve sua angústia
em tentar dizer deste gozo não como poesia, mas apenas para dar o testemunho
para seus superiores: Não me parece outra coisa senão um morrer quase totalmente a todas as coisas do mundo e ficar gozando em Deus. Não conheço outros termos para expressar. Não sabe a alma o que fazer: se fala, se fica em silêncio, se ri, se chora. É um glorioso desatino, uma celestial loucura onde se aprende a verdadeira sabedoria. Para alma é uma maneira muito deliciosa de gozar (JESUS, 2003, p.12).
Lacan, ao ler este escrito de Santa Teresa de Ávila, fica maravilhado com a clareza com que ela expressa o que a
psicanálise tenta dizer sobre o gozo a mais e afirma no Seminário 20: “Essas jaculações místicas, não é lorota nem falação, é
em suma o que se pode ler de melhor. Podem pôr em rodapé, nota. Acrescentar os Escritos de Jacques Lacan, porque é da
mesma ordem” (1985a, p.103).
Santa Teresa (vide tela em anexo, ilustração 4) descreve que um anjo lhe apareceu, em sonho, atravessandolhe o
peito com uma flecha, e ela sentiu um gozo profundo que a fez desmaiar. Esta visão, foi representada na escultura de Bernini,
está em Roma, na Capela Cornaro.
3 Sobre Sóror Juana Inês de La Cruz e o arrabatamento na escrita a autora da presente pesquisa possui artigo intitulado: Psicanálise e barr oco na poesia de Sóror J uana Inês de la Cruz publicado em duas revistas eletrônicas: Psicanálise e Barroco www.psicanaliseebarroco.pro.br e Revista Ética e Filosofia Política www.eticaefilosofia.ufjf.br/indice_de _artigos.htm
Segundo Hautecceur, a ilusão dos movimentos que essa escultura dá são característicos do que se vê em toda obra
barroca: ”Seus heróis parecem estar em cena, gesticulam, abrem as mãos, a própria morte esboça um pano de dança” (1963,
p.43). As colunas contêm linhas que dão aspecto de movimentos côncavos e convexos. Tal entrelaçamento dá passagem a
raios luminosos que caem sobre a escultura, como se fosse um projetor. Por cima do altar, a escultura em que Santa Tereza
desfalece em um êxtase que se confunde com a imagem de um orgasmo físico. Podese dizer que é o protótipo da fusão do
sagrado e profano, tão comuns na obra barroca como comenta Mahler, em sua obra História mundial da arte: do barroco ao
romantismo,
Esta visão foi tão literalmente materializada que o visitante tem a impressão de que os atores estão a interpretála a sua frente. Ele vê a pele a textura do tecido e do metal: estas figuras carnais acordam os seus sentidos.O sorriso delicioso do anjo e o sofrimento extático da Santa que desfalece num branco de nuvens fazemnos acreditar que se trata de um acontecimento real, no próprio instante passado. Esta obra exprime plenamente a arte barroca (1966, p. 22).
A figura desfalecida da santa caracteriza que o encontro com o gozo a mais é
da ordem do impossível ou uma entrega da pulsão de vida com a pulsão de morte
na qual há um atravessamento no psiquismo de tal forma, que o sujeito não dá conta
de vivenciar conscientemente. A declaração de Rosa que estamos comentando pressupõe pelo menos um gozo fálico, o possível no dizer
lacaniano, mas, ao analisar a sua escrita, vêse que ele se debruça demasiadamente, trabalhando de uma forma tão inusitada
e exuberante que se pode supor que ele tem um gozo a mais, uma vez que ele nunca está satisfeito com sua obra e procura
sempre trabalhar mais.
A necessidade de se escrever muito e dentro de um determinado estilo
literário não acontece aleatoriamente. Podese dizer que algo escapa à
representação do “real” e se tem uma obrigação de criar no “simbólico” escrevendo,
por exemplo, rebuscado numa repetição que parece buscar algo diferente, como
quem escreve barrocamente.
Por isso, ele busca termos do folclore brasileiro e mistura com radicais latinos e gregos em um rebuscamento que
torna a sua escrita ininteligível na primeira leitura, precisando que o leitor seja também um pesquisador e procure o significado
das palavras para prosseguir com a leitura, como, por exemplo, tutaméia que significa pouco dinheiro. Freud, no livro: Três
ensaios sobre a teoria da sexualidade escreve que o querer saber está relacionado com a questão do desenvolvimento
sexual na infância:
Quase na mesma época em que a vida sexual das crianças atinge seu primeiro ápice, entre as idades de três e cinco anos, elas também começam a mostrar sinais da atividade que pode ser atribuída ao instinto do saber e da pesquisa. Este instinto não pode ser ele classificado como pertencente exclusivamente a sexualidade. Sua atividade corresponde de um lado, a uma maneira sublimada de obter domínio, ao passo que, de outro, ele utiliza a energia da escopofilia. Suas relações com a vida sexual, contudo são de particular importância, já que aprendemos através da psicanálise que o instinto do saber nas crianças é atraído inesperadamente cedo e intensamente para os problemas sexuais e é, na realidade, possivelmente despertado de início por eles (1972 [1905], p.199 ).
O querer saber não é fortuito, mas tem causas, inconscientes, por isso nem todas as
crianças mostram a mesma intensidade e interesse em conhecer a língua escrita. Talvez, esta
argumentação freudiana seja uma explicação do motivo que leva certas pessoas a se
debruçarem tanto nos livros, independentemente, do meio no qual nasceram. Uma vez que
existem pessoas que nascem no meio dos livros e nenhum interesse desperta e outros que
nascem desprovidos deles e sentemse atraídos. Guimarães Rosa, segundo a sua biografia,
nasceu no meio dos livros e sempre se sentiu muito atraído por eles. O propósito da escrita
rosiana não seria para captar leitores, mas simplesmente para buscar um êxtase em cada
palavra formada, um gozo. Rosa escreve criando um estilo único sem seguidores. Lacan, no
Seminár io 5, afirma: “Parece que para alguns é, digamos, meu estilo que barra a entrada
desse artigo. Lamento, não há nada que eu possa fazer meu estilo é o que é“ (1999, p. 33).
Assim, podese empreender que o seu estilo é uma manifestação psíquica que precisa ganhar
um transbordamento em letra bastante trabalhada, barrocamente. Algo similar parece
acontecer com Rosa.
Ao investigar a produção rosiana, o leitor surpreendese em muitos momentos, pois
parece que as palavras estão colocadas no texto aleatoriamente, e não têm sentido, porém,
para Rosa as palavras apresentam um sentido além e ganham corporeidade. É um corpo de
amante.
Na sua obra posterior ao Grande ser tão: veredas, Tutaméia, Rosa discute o direito
que o escritor tem de criar palavras, fazer neologismos. Criar palavras é uma tentativa de
concretizar aquilo que escapa da possibilidade de dizer, é tentar apreender o inapreensível. O
vocabulário é insuficiente para dizer o que perpassa em seu pensamento. Assim como a
criança que não tem medo da criação, criamse palavras é o que o autor afirma em sua obra
Tutaméia: “Dito seja, a demais, que o vezo de criar novas palavras invade muitas vezes o
criador como imperial mania” (2001, p.109).
2.3.1 Música barroca
A música barroca, surgida enquanto história da música no século XVII causou
certo estranhamento e foi repudiada pelos críticos musicais da época que a
designaram como extravagante nas suas modulações, repetições e flutuações
métricas, barulhenta.
Assim, apresenta algumas particularidades que a diferenciam do estilo
renascentista, entre elas podemos destacar, principalmente, a comunicação dos
instrumentos em uma orquestra. Isso acontece da seguinte forma: tocase ao piano
como se estivesse perguntando e respondese no violino, violoncelo, entre outros
instrumentos ou ainda se repete o mesmo movimento em vários instrumentos, ou
uma voz canta e há acompanhamento de um instrumento, tal como se fosse um eco.
Esta música fala muito à sensibilidade de quem a toca e de quem a escuta,
podese dizer que há um arrebatamento nos movimentos com a introdução de:
allegro, adagio, allegreto, que propiciam um som dramático que muito foi utilizado
nas encenações das óperas.
A música cantada acompanhada por um instrumento diz a mesma coisa duas
vezes. Isso aparece no barroco, principalmente nas óperas. Esta inovação na
música barroca foi comentada por Sant´Anna:
Inovador nas ciências, na arquitetura, na pintura e na literatura, o Barroco se torna um período musicalmente inovador não apenas nas partituras, mas na própria confecção dos instrumentos. É como se houvesse sido descoberto um perspectivismo musical, linhas de fuga e contraponto expandindo o horizonte sonoro. [...] O violino deixa de ser um instrumento para acompanhamento de dança e passa a ser privilegiado nas sonatas (2000, p.142).
Segundo a proposta da presente pesquisa, os elementos da música barroca
somente serão considerados enquanto estilo que perpassa os tempos, assim
poderíamos encontrar fora dos séculos XVII e XVIII esta expressão.
A classificação da voz humana em diferentes timbres musicais proporcionou
que se organizassem de forma sistemática os corais. Ao se observar a música de
outros povos e civilizações tal qual as indígenas astecas, incas, maias e as
brasileiras podese verificar que o batuque dos instrumentos revela uma harmonia
barroca como se fosse uma conversa entre tambores.
A música barroca mexicana é uma expressão da miscigenação da cultura
dos negros, indígenas e brancos espanhóis, pois se verifica que as flautas, violões,
harpas entre outros instrumentos mesclam os seus sons numa orquestra onde as
diferentes culturas unemse havendo presentificação do sagrado e do profano.
A música de Antonio Vivaldi (16781741) consegue introduzir certos elementos tradicionais e apreciados da ópera barroca tal como os cenários de montes e florestas, o murmúrio dos riachos e o trinar dos pássaros. A música por si só contava uma história com riquezas de detalhes. Nesta época os intelectuais da música primavam por uma abstração musical com uma razão matemática.
No bolero composto por Maurice Ravel observase um crescendo musical nos
movimentos e os vários instrumentos utilizados mesclando o clássico com bolero
espanhol entre outros arranjos musicais vão diferenciando o som num crescendo
nas diversas escalas musicais podendo levar quem o escuta a um êxtase.
Johann Sebastian Bach revolucionou o sistema musical de sua época quando
propôs que houvesse intervalos sempre iguais entre notas igualando todos os
semitons. Em 1722, foi publicado o primeiro volume de sua obra: Cravo bem
temperado. Mesmo ano em que Rameau publicou seu Tratado de Harmonia. Mais
tarde, no Brasil, VillaLobos faz uma inovação inspirado em Bach introduzindo ritmos
brasileiros sertanejos com a técnica deste a que ele denominou: “Bachianas
brasileiras”.
A arte renascentista buscava com suas retas uma perfeição e a exaltação do
humano, a música foi toda composta em arranjos matemáticos perfeitos e a ciência
desenvolveu de maneira sistemática. No oriente não havia uma organização
metódica prédeterminada na elaboração da ciência, arte, música; a linguagem era
cheia de mistérios e magia. A música barroca tem métrica, porém é de uma forma
rebuscada, com oscilações nos movimentos como o que aparece nos concertos de
óperas, orquestras.
Vivaldi consegue romper com a tradição e com uma expressividade sugestiva
de imagens e palavras consegue eliminar o preconceito da incomunicabilidade da
música instrumental. Sua obra “As quatro estações”, que é uma série de quatro
concertos pode ser um exemplo significativo da nova música que criava narrando
através de sons o passar do ano e fazendo sucederemse a primavera, o verão, o
outono e o inverno, com variações de allegro, allegro non molto, adagio, presto, adagiopresto. A obra sugere diferentes estados de ânimo. Esta música teve grande
aceitação dos nobres que financiaram muito bem o musicista.
Podese dizer que a música barroca com seu dinamismo conquistou a nobreza da época que abrilhantava e disputava os salões de seus palácios com espetáculos de óperas. As orquestras de câmara (conjunto de poucos intérpretes) tornaramse comuns.
2.3.2 Música barroca no Grande sertão: veredas
Na música existe um recurso para fazer um som diferencial, uma variação,
que se chama sustenido. É a mesma nota em outro tom como se fosse um eco, que
muito se assemelha com a palavra que se repete, porém com “uma quebra” que
possibilita um contraste, como ocorre na obra Grande sertão: veredas e pode ser
visto ao longo do romance, porém, se destacarão algumas páginas: (p. 13) de
essezinho, essezim. (p. 14) “de pouquinho em pouquim, (p. 15) desendoidecer,
desdoidar, (p.19) Até que, atéque, (p. 19) só mole, moleza (p. 22) menino menino,
(p. 27) creio e não creio. Tem coisa e cousa, se segue, segue, chapada, chapadão,
(p. 33) Não sei, não sei, (p. 39) mangabaranas e mangabeirinhas, (p. 39) capins
assins, (p. 40) a igual, igualmente, (p. 41) Desarreei, peei, (p. 42) Água não havia.
Capim não havia. (p. 42) tábua suante, padecente, (p. 43) só gostava de mim, de
mim ! (p. 46) viemos vindo, (p. 46) Estivesse, esperasse. Escapulíamos,
esquipávamos, (p. 49) Só se queria e não queria, (p. 51) não queria o que de certo
queria, (p. 52) Constante eu puder, meu suor não esfria, (p. 52) repetido, o repetido,
(p. 226) Teremos de ir... Teremos de ir... (p. 454) Aqui a estória se acabou. Aqui, a
estória acabada. Aqui a estória acaba. Ecoa na (p. 460) Agora estou aqui. Nonada
(p. 9) primeira palavra do romance ecoa em toda a narrativa na (p. 319) há um eco,
Não nada, e no final na (p. 460) Nonada, entre outros tantos.
As palavras repetidas que o narradorpersonagem faz de forma ecoante, ora
com palavras iguais, ora com variações de desinências ou sufixos podem ser vistas
como se fossem sons com redundâncias sonoras. Há reverberações, tal qual
acontece na música barroca onde os compassos da música apresentam tons e
semitons, movimentos com variação que podem propiciar um êxtase. Essas
variações tanto na escrita rosiana como na música barroca possibilitam a formação
de imagens na tela mental do leitor como de quem escuta a música, pois as
variações fazem pensar em algo a mais do que diz a primeira palavra ou a primeira
nota musical.
Observase que a repetição acontece como um coral barroco onde há uma
repetição em duas vozes ou mais, fazendo eco. Como numa ópera, há uma
narrativa com musicalidade que se desdobra em várias imagens: a verdade do
sujeito, feminino, masculino, a busca pelo Pai, Lei, morte, vida, tragédia a eterna
“luta” entre Eros e Tanatos. Porém, como o refrão de uma música, aparece sempre
Diadorim, que dá uma suavidade na descrição do sertão, como eco de uma ninfa,
Riobaldo rebuscadamente disserta sobre ele/ela, sendo este o foco principal da
narrativa.
2.3.3 O Labirinto barroco no sertão
A narrativa em Grande sertão: veredas é em primeira pessoa, construída
com contornos e rebuscamento, como um labirinto barroco onde o leitor pega ou não
o fio de Ariadne como no Mito de Teseu e decifra ou não o mito do sertão.
Riobaldo, o narradorpersonagem, define o sertão para o seu interlocutor:
“Sabe o senhor: sertão é onde o pensamento da gente se forma mais forte do que o
poder do lugar. Viver é muito perigoso...” (GSV, p. 22).
Podese dizer que aqueles leitores que não conseguem chegar até o final da
narrativa labiríntica são como os moços que foram comidos pelo Minotauro, que
pode ser visto como a representação das dificuldades que o ser humano passa
quando quer decifrar a sua verdade, pode também ser considerado a personificação
do mal aquele que perturba a ordem estabelecida, uma preocupação constante de
Riobaldo é o demônio e o mal em todos as suas nuances, principalmente a pessoa
de “Hermógenes mor maldito”, jagunço que ele teme. Para Sant'Anna, este pode
representar o Minotauro para ambos os protagonistas: Riobaldo e Diadorim,
Ou pode darse como nessa obraprima do barroquismo ficcional moderno brasileiro Grande sertão: veredas, que se refaça a tradição e que essas veredas sejam o desenho do enorme labirinto onde Diadorim e Riobaldo têm que enfrentar o Grande Cão, o Minotauro, que é o “ Hermógenes mór maldito”. Do liso do Sussuarão ao rodopio do duelo no meio da rua, o arrebatamento labiríntico da alma barroca entre o bem e o mal, o amor e a morte (2000, p. 73).
Observase que o narradorpersonagem Riobaldo consegue percorrer o
sertão que é labiríntico e cheio de dificuldades a serem vencidas, tal como Teseu,
porém, no término da narrativa ainda continua no “nonada”, pois a dor de saber que
esteve tão perto de seu amor e não vivenciou este sentimento na carnalidade o
enluta. E o conhecimento que adquiriu sobre o humano na travessia do sertão não é
suficiente para encobrir a sua dor.
Esse mito grego segundo Brandão (1989b) relata que Minos, rei dos
cretenses, foi vencedor de uma guerra contra a cidade de Atenas e como castigo os
perdedores atenienses teriam que enviar todos os anos uma oferenda de catorze
adolescentes ao Minotauro, monstro com cabeça de touro e corpo de homem, que
morava em um labirinto. Estes jovens viajavam em um navio de vela negra, que
sempre voltava vazio, pois ninguém conseguia derrotar o Minotauro.
Teseu, filho de Egeu, rei de Atenas, decide que aquele horror iria acabar e
que não seria mais necessário enviar os jovens para a morte, o que causava muita
tristeza para todos, mas principalmente para o seu velho pai. Para que isso não
fosse mais necessário era preciso que o Minotauro fosse derrotado para sempre;
assim, Teseu se oferece para ir derrotálo indo no lugar de um jovem.
Ariadne, filha do rei Minos, fica sabendo da valentia do jovem príncipe,
encantase por ele e vai procurálo com o intuito de ajudálo e de lhe fazer uma
proposta. Na conversa que trava com Teseu, Ariadne diz que mesmo que consiga
derrotar o minotauro ainda assim ficará preso no labirinto, ele concorda e revela que
não havia pensado nisso, por isso ela lhe oferece um novelo que contém um fio
mágico que lhe permitirá não só procurar o Minotauro, mas também encontrar a
saída.
Ariadne propõe a Teseu que se case com ela e a leve para morar em Atenas
depois de vencer o monstro. Teseu consegue vencer o monstro e sair do labirinto,
pois marca o caminho com o fio de Ariadne. Este feito faz dele um grande herói,
porém a felicidade não é completa, pois ele esquece de tirar a vela negra do navio e
colocar uma branca, conforme havia prometido ao pai, caso derrotasse o monstro.
O rei Egeu, ao ver que o navio volta com a vela negra, desesperase
achando que o filho e os outros jovens estão mortos e jogase no mar, morrendo
afogado. Em homenagem a este rei é que o mar que banha a Grécia foi denominado
de mar Egeu. Teseu desembarca radiante de felicidade, ao saber do acontecido com
o pai culpase por sua irresponsabilidade e cai em grande luto. Passado um tempo,
vê que não há mais nada a fazer e assim, reina como um grande soberano, porém
em seu coração permanece a dor da perda do pai.
Para Affonso Romano de Sant’Ana: “Mas, em seu sentido original, o labirinto
tem uma conotação iniciática. Conduz a um centro e quem o percorre realiza uma
“viagem” ou “prova”, que o leva (como no caso de Teseu ao enfrentar o Minotauro)
a um certo poder.” (2000, p.69). Só que estas provas não possuem um fim. Há
sempre algo novo para ser desvendado como no inconsciente humano. Assim, o
sertão fica como indecifrável. A respeito disso, Riobaldo descreve: “Vou lhe falar.
Lhe falo do sertão. Do que não sei. Um grande sertão. Não sei. Ninguém ainda não
sabe. Só umas raríssimas pessoas e só essas poucas veredas, veredazinhas” (GSV,
p. 79). São várias imagens descritas nas histórias de Riobaldo que refletem a
existência humana.
Nos vários casos que Riobaldo relata estão contidas nuances de sua própria
vida, como por exemplo: mortes. Ele próprio teve pelo menos duas perdas grandes,
a morte de sua mãe e a morte de Diadorim. Como na obra barroca que do múltiplo
temse a unidade. Os vários elementos são as histórias do sertão que dizem da sua
própria vida e da vida humana, do particular para o universal (dor, amor, morte,
sexo, tragédia).
Podese dizer que o texto é um espelho onde as imagens são refletidas à
medida que Riobaldo e o leitor vão fazendo a travessia na narrativa, pois ambos
percorrem o caminho: aquele que lê também percorre um caminho, faz uma
travessia, em busca de entender a si mesmo: “O espelho ou o reconhecimento do
próximo permite que se afirme a idéia da totalidade e da sua finitude, no local onde
sua presença irrefletida permanece irreconhecível, a não ser pelas vias do prazer e
do sofrimento” (POMMIER, 1987, 123).
A proposta da presente pesquisa não é a de decifrar a etimologia das
palavras em Guimarães Rosa, mas a de investigar o romance procurando imagens,
expressões da arte barroca e da psicanálise. O título do romance sugere várias
dicotomias sertão = aridez, veredas = lugar aprazível ou ainda veredas = verdade =
verdaes que significa o caminho, estreito rumo, direção, mesmo de verdade,
enveredar. Assim, o grande sertão pode ser entendido como espaço físico
(IMAGINÁRIO) situado entre Minas, Goiás, Bahia e enquanto espaço mítico
(SIMBÓLICO) possibilitando diferentes leituras. A história é narrada como uma
grande tessitura, um tecer continuo, sem cansaço, pois não é subdividido em
capítulos.
Quando Riobaldo conta um caso/“causo” os verbos estão no passado, porém
nesse relatar ele se dirige ao seu interlocutor, homem culto, no presente. Evidencia
se que no relatar o caso passado ele dá uma parada e faz uma apreciação pessoal
de temáticas que apareceram do seu próprio relato, Riobaldo indaga a seu
interlocutor sobre a temática e ele mesmo responde. A voz do seu interlocutor não
aparece em nenhum momento da narrativa, porém o parecer deste sim, como se
pode verificar neste trecho da narrativa:
Explico ao senhor: o diabo vige dentro do homem, os crespos do homem ou é o homem arruinado, ou o homem dos avessos [...] Mas não diga que o senhor, assisado e instruído, que acredita na pessoa dele?! Não? Lhe agradeço! Sua alta opinião compõe minha valia [grifo nosso] (GSV, p. 11).
O narradorpersonagem descreve sem medo de conhecer a sua verdade, principalmente no que se refere ao seu
relacionamento com Diadorim seu companheiro de lutas. Riobaldo apresenta uma característica de máscara, uma vez que a
sua aparência de exjagunço, homem do sertão, que não teve acesso a muitas letras, mas ao mesmo tempo tornouse
professor com o que sabia. Sem muito conhecimento das letras consegue falar rebuscadamente, fazendo metáforas,
metonímias, jogos de palavras. Sobre esta irreverência na fala de Riobaldo, Affonso Romano comenta:
Quando sua obra surgiu em 1946 (Sagarana) e se firmou em 1956 (Grande sertão: Veredas e Corpo de baile) indagavase ingenuamente se os vaqueiros mineiros falavam da fato daquela forma. Seria o mesmo que indagar se as figuras dos quadros de El Greco eram realistas ou se os espanhóis falavam como Góngora escrevia (2000, p.123).
A ignorância de Riobaldo é apenas superficial, pois basta adentrar em seu discurso que se descobre um homem
muito culto, não só para o meio em que ele se movimentava como universalmente. Ele representa o inesperado, pois, do
homem do sertão não se espera que vá ter um discurso filosófico a respeito da existência.
Riobaldo é um “jagunço filósofo”, que se questiona filosoficamente sobre a existência humana ao longo da narrativa:
“Você agüenta o existir?” (GSV, p. 72). Sempre afirmando que as coisas podem ser e não ser ao mesmo tempo, faz intertexto
com Shaskespeare em Hamlet (1603): “Ser ou não ser, eis a questão”, porém, afirma que é possível os contrários existirem ao
mesmo tempo: “É, e não é. O senhor ache e não ache. Tudo é e não é” (GSV, p.12). Tal qual na obra barroca o claro e
escuro, sombra e luz, bem e mal são vistos como pertencentes a uma unidade, é o que Wölfflin (2000) afirma. Os dois
antagônicos podem existir ao mesmo tempo como expressa o quadro de “Os embaixadores” beleza, poder e morte todos
unidos em um só espaço. “No Sertão até enterro simples é festa ” (p. 47).
Na arte plástica existe a característica denominada plana para o que se
visualiza logo que se olha para o quadro, é o esperado não precisa procurar muito
para visualizar: ”O plano é o elemento da linha, a justaposição em um único plano
sendo a forma de maior clareza” (WÖLFFLIN, 2000, p.19). Este é encontrado com
mais freqüência na arte clássica. O contraponto é a profundidade encontrada no
barroco e em Riobaldo, pois a roupa de jagunço é somente superfície plana que
num primeiro olhar não se vê o filósofo. A expressão disso pode ser observada no
artista Rembrandt na tela “Paisagem com caçador” . Sobre isso, Wölfflin considera:
[...] o desenho de Rembrandt está tão impregnado de motivos de profundidade, que o observador certamente percebe a presença material do plano, mas é levado a considerála apenas como um substrato mais ou menos casual de um quadro concebido de maneira totalmente diferente (2000, p. 129).
Logo na primeira palavra do romance, o leitor, que é o observador, verifica
que a leitura exigirá mais dos seus conhecimentos: “Nonada”. Assim, o plano, roupa
de jagunço é realmente substrato, recurso da narrativa para levar o seu observador
a aprofundar nonada que o narradorpersonagem convoca logo de início, a
peregrinar no labirinto de um quadro (narrativa) que é “concebido de maneira
totalmente diferente”, como citado acima.
No próximo capitulo o sertão percorrido por Riobaldo, o narradorpersonagem,
será analisado como se ele estivesse fazendo uma análise psicanalítica.
3 A TRAVESSIA DO SERTÃO COMO PERCURSO ANALÍTICO
Travessia pressupõe ir de um lugar para outro. Riobaldo percorre, atravessa o
sertão duas vezes: a primeira vez na vivência, depois rememorando tudo o que
viveu. Esta introspecção lembra Édipo, rei diante da esfinge de Delfos: “Conhece–te
a ti mesmo”.
Para a psicanálise, conhecer um pouco de si pressupõe estar diante de um
outro, a fim de que este outro possa ser um espelho, onde suas imagens possam
ser vistas refletidas. Nesse sentido, este percurso corre um grande risco. A pessoa
pode não agüentar ver o que reflete nesse jogo entre o outro (o analista) que torna
se o espelho, e as imagens que vão se formando ao longo da travessia
conscientemente. Possibilitando até mesmo que o sujeito se afunde no mar de si
mesmo, como nos relata o mito de Narciso que diante de sua imagem refletida se
enamorou e afundouse. Riobaldo correu este risco e percorreu o sertão de si
mesmo.
O sertão é árido, porém às vezes revela veredas, lugares que são
agradáveis. Na narrativa de Riobaldo o amor por Diadorim pode ser visto como as
veredas que amenizam as tribulações, a aridez do sertão. Este capítulo investigará a
travessia de Riobaldo como uma análise psicanalítica e a busca de entendimento de
seu amor por Diadorim como núcleo central de sua travessia.
3.1 ANÁLISE PSICANALÍTICA E VERDADE NO SERTÃO
O romance de Guimarães Rosa, Grande sertão: veredas pode ser lido
também como percurso de uma análise psicanalítica onde se atravessa o masculino
e “chegase” ao feminino, pois Riobaldo parece alguém que se encontra em um divã
com seu analista, uma vez que tem vários questionamentos sobre a existência, mas,
principalmente, uma questão o atormenta profundamente: Diadorim. Quer saber o
por quê de ele ter encontrado Diadorim, ainda menino, e terse encantado por ele. A
importância do encontro é revelada também na escrita da palavra “Menino” em
maiúscula, deixando claro para o leitor que não foi qualquer menino, mas, alguém
muito especial que nem todos os mortais têm oportunidade de encontrar em suas
vidas. Um encontro como este é um divisor de águas na vida da pessoa, uma marca
profunda que não cicatrizará jamais, pelo que ele relata:
Nem sabia o nome dele. Mas não carecia. Dele nunca me esqueci, depois, tantos anos todos. Agora que o senhor ouviu, perguntas faço. Por que foi que eu precisei encontrar aquele Menino? Toleima, eu sei. Dou, de. O senhor não me responda. Mas, onde é bobice a qualquer resposta, é aí que a pergunta se pergunta. Por que foi que eu conheci aquele Menino? O senhor não conheceu o compadre Quelemém não conheceu milhões de milhares de pessoas não conheceram. O senhor pense outra vez, repense o bem pensado: para que foi que tive de atravessar o rio, defronte com o Menino? (GVS, p. 86)
O grande sertão pode representar o deserto que existe no humano em busca
da sua verdade que é sempre árida e grande. Depois que se atravessa a aridez,
chegase a veredas, talvez outros caminhos, outras possibilidades se abram: “Sertão
é o sozinho. Compadre meu Quelemém diz: que eu sou muito do sertão? Sertão é
dentro da gente” (GSV, p. 235).
O inconsciente freudiano tem seus contornos e mensagens enviadas ao
consciente através dos chistes, sonhos, atosfalhos, associações livres em análise.
Lacan, no Seminário 20 considera: “Se o inconsciente é mesmo o que eu digo, por
ser estruturado como linguagem” (1985a, p. 91). Assim, o caminho para o
inconsciente não é reto, mas cheio de curvas e dobras que se desdobram. Existe
sempre um a mais a se dizer, algo que não se alcançou e “espera” uma
ultrapassagem. Nesse sentido no dizer lacaniano o inconsciente é nãotodo.
Por isso, a narrativa começa com Riobaldo nonada e termina também com
nonada, apesar de percorrer o sertão de si mesmo, permanece não sabendo nada
da sua verdade conscientemente, porém inconscientemente ele adquiriu muito e
consegue revelar no discorrer da narrativa como se verá neste trabalho. Riobaldo
afirma o “Sertão é onde o pensamento da gente se forma mais forte do que o poder
do lugar. Viver é muito perigoso” (p. 22).
Desse modo, observase que só se pode chegar à verdade pela “metade”, pois, ela
“TODA” é impossível de se revelar, porque pode ofuscar a visão de quem for o herói e
conseguir vislumbrála. Como nos mitos gregos de Sófocles: Édipo e Tirésias, que diante da
VERDADE TODA, ficaram cegos, literalmente. “Digo sempre a verdade: não toda, porque
dizêla toda não se consegue. Dizêla toda é impossível materialmente: faltam palavras”
(LACAN, 1993, p.11). Mas, os que tentam e têm coragem heróica para mergulhar em si
mesmos como Riobaldo, esbarram na verdade:
O senhor sabe? Não aceito no contar, porque estou remexendo o vivido longe alto, com pouco caroço, querendo esquentar, demear, de feito, meu coração, naquelas lembranças. Ou quero enfiar a idéia, achar o rumozinho forte das coisas, caminho do que houve e do que não houve. Às vezes não é fácil. Fé que não é (GSV, p.135).
Riobaldo afirma que não é nada fácil pensar no passado para entendêlo, porém ele
não desiste. Apesar de ser difícil mexer nas lembranças ao mesmo tempo elas esquentam o
seu coração. Podese empreender que a travessia pela segunda vez tornase necessária. 4
O humano busca um caminho reto para explicações nas artes, ciências e religião.
Todavia o que o inconsciente revela são respostas retorcidas, com metáforas, metonímias,
4 Como Riobaldo não se preocupa em conhecer a sua verdade toda, mas em fazer a travessia pelo sertão, o taoísmo também considera que o mais importante é o atravessar. A palavra tao designa justamente isso via. Riobaldo fez uma grande travessia pela via Diadorim e considerase que não chegou a lugar algum. (Ver mais a respeito, em Lacan, Seminário 20,passim)
num jogo bem elaborado, por isso não tem como se conceber a verdade toda. A análise remete
a levantar os véus, sendo assim remete o sujeito às cenas edípicas e à castração, uma busca
pela VERDADE TODA onde se procura saber da causa do desejo que orienta. Este sempre
remete à diferença e é na diferença que se tem o reconhecimento da castração.
Para Freud, em seu texto “Análise terminável e interminável” (1977), o final de
análise não existe, chegase até um ponto suportável, pois romper a castração é
como mover uma rocha, um continente negro desconhecido: “Isso implica em que a
trajetória analítica deve prosseguir até interrogar suas próprias verdades, ou os
conceitos que nela pareçam funcionar como verdades” (ANDRÉ, 1987, p. 205).
André (1987) questiona se devemos, pela análise, levantar este véu da
feminilidade? Visto que, se a análise remete à castração, o final de análise pode ser
comparado ao atravessamento da posição masculina para a posição feminina?
Freud (1974) ainda, em “Análise terminável e interminável”, escreve sobre o repúdio
de homens e mulheres pela feminilidade.
Por isso, tudo que remete a esse percurso, esbarra em algo que parece
intransponível. O “Ato analítico” será fundamental nessa ultrapassagem como
Lacan, Seminário XV, explana que a atuação do analista é que faz toda a diferença
na análise. Sobre isso Baldiz também afirma: “Ocupar o lugar de semblante é ocupar
o lugar do ser, mas fazendo algo do não ter, que é justamente o que vincula a
posição do analista. Fazer algo com o não ter é um modo de referirse tanto à
operação analítica quanto à posição feminina” (2001, p. 17).
O processo mental do sujeito analisando já existe, porém tem de haver um
momento que propicie o “ acontecimento ”. O analista tem de ser capaz de escutar o
que reverbera do analisando além das palavras. Riobaldo enxerga esta capacidade
em seu possível analista:
Compadre meu Quelemém me hospedou, deixou meu contar minha história inteira. Como vi que ele me olhava com aquela enorme paciência calma de que minha dor passasse; e que podia esperar muito longo tempo. O que vendo, tive vergonha, assaz (GSV, p. 460).
Riobaldo no final se dá conta de que falou tudo que tinha vontade e que o
doutor escutou tudo com uma paciência diferente, talvez esperando que através da
fala ele curasse a sua dor. Ao perceber a posição do seu interlocutor Riobaldo se
envergonha. Curar a dor da alma pelo processo da fala, sem quase ou nunca ser
interrompido diz respeito à psicanálise.
A posição do analista é daquele que consegue penetrar na dor do outro sem
colar nela, por isso a escuta é imprescindível no processo do tratamento. E
desenvolver essa capacidade só é possível no percurso da análise do analista.
Freud, em “Análise terminável e interminável”, escreve que todo analista deveria
passar pela análise, de cinco em cinco anos, pois todo humano sempre tem algo a
ser trabalhado, visto que o inconsciente é um universo inesgotável:
Os analistas são pessoas que aprenderam a praticar uma arte específica a par disso, podese concederlhes que são seres humanos como quaisquer outros. Afinal de contas, ninguém sustenta que um médico será incapaz de tratar doenças internas se seus próprios órgãos internos não forem sadios, ao contrário, podese argumentar que há certas vantagens no fato de um homem que foi, ele próprio ameaçado pela tuberculose, se especializar no tratamento de pessoas que sofrem desta doença. Os casos, porém não são absolutamente idênticos. Enquanto for capaz de clinicar, um médico que sofre de uma doença dos pulmões ou do coração não se acha em desvantagem para diagnosticar ou tratar queixas internas, ao passo que as condições especiais do trabalho analítico fazem realmente com que os próprios defeitos do analista interfiram em sua efetivação de uma avaliação correta do estados de coisas em seu paciente e em sua reação a elas de maneira útil (1977 [1937], p. 281282).
Entretanto, não é necessário que a pessoa, num momento de possível término de análise, vá ser um analista
propriamente dito, mas vai ser um sujeito que conseguiu alcançar certas regiões psíquicas que possibilitarão vivenciar
momentos de criação na sociedade na qual está inserido. Riobaldo no término da narrativa parece uma pessoa aliviada, como
num possível término de análise, como se tivesse decifrado um pouco do seu enigma:
Cerro. O senhor vê. Contei tudo. Agora estou aqui, quase barranqueiro. Para a velhice vou, com ordem e trabalho. Sei de mim? Cumpro. O Rio de São Francisco que de tão grande se comparece parece é um pau grosso, em pé, enorme [...] Amável o senhor me ouviu, minha idéia confirmou: que o Diabo não existe. Pois não? O senhor é um homem soberano, circunspecto. Amigos somos. Nonada.O diabo não há! É o que eu digo, se for [...] Existe é homem humano. Travessia (GSV, p. 460).
Riobaldo diz que a sua preocupação era entender se o diabo existe ou não, pois ao longo de toda a narrativa ele
julga que este interferiu no seu relacionamento com Diadorim. Entretanto, chega à conclusão de que o que existe é o ser
humano, travessia. É interessante observar que quando ele afirma que o diabo não existe primeiramente ele dá importância a
este e escreve com letra maiúscula, e quando ratifica a sua confirmação ele já escreve com letra minúscula exclamando com
grande alivio: “O diabo não há!”.
Para Freud, o término da análise pressupõe “amar bem e trabalhar bem”. Assim: O que a análise deve revelar ao
sujeito é que a verdade jamais pode ser dita toda. Vêse que esta afirmativa é um paradoxo, pois, a priori, o analista “sabe” que
a experiência analítica é de confronto com o indizível, mas, mesmo assim, convoca o analisando: “Diga tudo que lhe vem à
mente”. Sabendo que tudo é indizível. Riobaldo afirma que contou tudo ao seu interlocutor, que segundo a proposta da
presente pesquisa é um analista, e que agora seguirá a sua vida com ordem e trabalho.
O “destino” da análise é a captura dos significantes onde o gozo está. A fala toda de Riobaldo com seu interlocutor é
uma tentativa de capturar todos os momentos vividos com Diadorim que são para ele os seus significantes, a fim de gozar de
novo. Para Lacan no Seminário 20: “o gozo é um limite” (1985a, p.124) e o sujeito chega somente a certo conhecimento de
sua verdade, como aconteceu com Riobaldo. O limite dele foi não saber o porquê que Diadorim não se entregou ao amor
sexual, pois a descrição da narrativa apresenta várias pistas que parece que ela sentia atração por ele, como será descrito no
item 3.2.
André (1987) assegura que o percurso da análise pressupõe uma revelação que se pode assinalar: revelação do
enigma do sujeito. Entretanto, segundo Lacan, enigma decifrado somente pela metade é o meiodizer da verdade, como na
posição feminina.
O sujeito é estruturado tendo como base ilusões ou cenas fantasísticas. No
movimento da relação edípica estruturada por Freud tanto para o menino quanto
para a menina existe algo que escapa à simbolização no triângulo com a mãe e o
pai. Mas, imaginariamente, tudo se realiza numa concretude que só é mítica.
Lacan, em sua obra Televisão (1993), referese ao mito como uma forma
épica estruturante. Não pode ser questionável, pois só quer dizer alguma coisa de
indizível, como se fosse uma modalidade de “demonstrar” a VERDADE, porque o
mito “toca” em verdades universais, que são criadas pela palavra, que é arbitrária: “
“Müthos”, conforme esclarece Detiene, são narrativas que têm uma aparência ilusória. Nascem do rumor e alteram o brilho do que se enraíza na voz da verdade.
São simultaneamente, a ilusão e o enredo” (POLLO, 2001, p. 97).
O humano não “sabe” verbalizar a Verdade do inconsciente, aí inventa estórias que
fazem parte de histórias representadas pelos mitos. Muitos mitos cosmogônicos gregos e
hindus foram ratificados pela ciência na modernidade e no mundo contemporâneo
exemplifica:
Já 18 séculos antes de Copérnico, Aristarco de Samos aventuravase a uma teoria que hoje sabemos era verdadeira; a de que a Terra é um planeta como os outros e não só gira sobre si mesma como também ao redor do sol (ROCHA, 1996, p. 38).
E o interessante é que ambos dizem de uma estrutura triádica. A imagem mítica traz
consigo um conceito que recolhe o impossível de dizer. Remete a um acontecimento
primordial. Na cultura indiana, na religião Hinduísta, dentro da tradição dos vedas existe Purusha (o homem cósmico) de onde surgiram o céu e a terra e conseqüentemente os demais seres. Escolástica (1995) faz uma analogia do mito de Origem grego de Hesíodo com o
enigma do feminino dentro do viés freudiano e lacaniano. Para ela:
No panteão dos deuses a feminilidade apresentase pois, já dividida substancialmente, e seus atributos secundários são derivados de sua origem: Uma nascida do gozo; outra, da dor.”(...) dos salpicos sangrentos caídos sobre a terra (surgem) as Erínias e, de outra parte, da espuma ejaculada e caída no Mar, Afrodite. As Erínias vêm do sangue que se derruba no chão como Afrodite vem do esperma que docemente bóia do Mar. As Erínias vingadoras de todas as transgressões, têm uma natureza ctônica e próxima da Terra tanto quanto Afrodite, cheia de sorrisos e de enganos,tem a natureza mutável e manhosa como a do mar (p. 149150).
Freud verificou que existe uma VERDADE, que é a do inconsciente, e que se
contradiz com as verdades conscientes. Esta verificação permitiu que ele estabelecesse a
existência de uma realidade psíquica que, quando verbalizada, parece ilusória, apenas uma
imagem fugidia que se contradiz ou que não diz nada mas no processo analítico o analista tem
que estar atento a estes dizeres que têm uma aparência “mentirosa”, mas, revelam a verdade
do sujeito.
Riobaldo disserta sobre os mitos do sertão na tentativa de se conhecer e entender o
seu relacionamento com Diadorim. Na morte de Diadorim ele consegue vislumbrar: “Ela
tinha amor em mim. E aquela era a hora do mais tarde. O céu vem abaixando. Narrei ao
senhor. No que narrei, o senhor talvez até ache mais do que eu, a minha verdade” (GSV, p.
454). Riobaldo delega ao seu interlocutor, analista o suposto saber do conhecimento da sua
verdade.
3.2 AMOR ENTRE RIOBALDO E DIADORIM: UMA ABORDAGEM PSICANALÍTICA
Para a psicanálise, em Freud e Lacan, uma das formas de se conhecer uma
pessoa é como ela vivencia o amor. Nesse sentido podemse ter algumas suspeitas
da movimentação psíquica de Riobaldo que num primeiro momento parece aceitar o
seu desejo homossexual com naturalidade:
Primeiro fiquei sabendo que gostava de Diadorim de amor mesmo amor, mal encoberto em amizade. Me a mim, foi de repente, que aquilo se esclareceu: falei comigo. Não tive assombro, não achei ruim, não me reprovei na hora. [...] Como é que, dum mesmo jeito, se podia mandar o amor? (GSV, p. 220).
A verdade do inconsciente não se “manifesta” toda e o sujeito só chega à
“metade” de sua verdade. Nunca ninguém sabe tudo sobre si mesmo ou tem
coragem de revelar as suas verdades. Riobaldo consegue em alguns momentos não
sentir vergonha ou medo de se atrair por um homem, porém ao longo de sua
travessia em vários momentos ele se envergonha deste sentimento e deseja e
procura mulheres bonitas, revelando que possui capacidade para amar em
multiplicidade. Porém, todo o seu movimento é para esconder de si mesmo o seu
verdadeiro sentimento que é o de atração por um homem:
Ao cada dia mais distante, eu mais Diadorim, mire veja. O senhor saiba Diadorim: que, bastava ele me olhar com os olhos verdes tão em sonhos, e, por mesmo de minha vergonha, escondido de mim mesmo eu gostava do cheiro dele, do existir dele, do morno que a mão dele passava para a minha mão. O senhor vai ver. Eu era dois, diversos? O que não entendo hoje, naquele tempo eu não sabia (GSV, p. 369).
Riobaldo diz que sentia fortemente desejo pelo amigo tudo nele o atraia; os
olhos, o cheiro do corpo, o toque das suas mãos. Aí nesses momentos sentiase
confuso com vontade de se esconder de si mesmo, porém agora na sua
introspecção revela para si mesmo e indagase: “Eu era dois, diversos“? Quer dizer
múltiplo para amar? Tal como se fossem duas pessoas (desejo de amar como
homem e desejo de amar como mulher) em uma só.
Jorge (2000), psicanalista, escreve que a paixão amorosa traz a ilusão da
completude (uma plenitude) como se tivesse encontrado o gozo primordial que
“acha” que vivenciou em tenra idade.
O ser humano possui uma fragilidade maior do que outros animais, pois, caso
não haja alguém que lhe dê os necessários cuidados no devido tempo ele pode vir a
morrer. Por isso, ele pode ser nominado como um animal “incompleto”, apenas um
projeto de humano.
As tartarugas marinhas, por exemplo, logo ao nascerem correm para o mar,
ligeiramente, capacidade que a criança só irá adquirir com cerca de um ano e meio a
dois anos de idade, conforme o seu organismo psíquicofísico. Um gato com
sessenta dias de nascido já se tornou independente da sua mãe, já desmamou,
enquanto o bebê humano é completamente indefeso.
A fragilidade humana que demora a conquistar sua independência
diferenciada dos animais que já nascem quase independentes é analisada desde os
Présocráticos. Anaximandro, filósofo grego é um exemplo disso:
O homem não surgiu, no começo, nessa forma acabada como o vemos hoje. Tal é a sua fragilidade, manifestada numa longa infância, inteiramente dependente de seus progenitores e carente de tantos cuidados indispensáveis que, se assim o fosse, não teria a mínima possibilidade de garantir, sozinho, a sua sobrevivência. Essa concepção de Anaximandro garantelhe o titulo de precursor da moderna teoria da evolução, ainda que de forma incipiente, ingênua e sem os conceitos de mutações em vista de progressivas adaptações e novas condições de vida (SANTOS, 2001, p. 35).
Peter Berger que faz uma sociologia da religião também argumenta sobre
isso na sua obra Dossel Sagrado:
A diferença dos outros mamíferos superiores, que nascem com um organismo essencialmente completo, o homem é curiosamente ”inacabado” ao nascer. Passos essenciais do processo de “acabamento” do desenvolvimento do homem, que já se verificaram no período fetal para os outros mamíferos superiores, ocorrem, no caso do homem, durante o primeiro ano após o nascimento. Isto é, o processo biológico de “tornarse homem” ocorre num tempo em que o infante humano se encontra em interação com um ambiente exterior ao seu organismo, e que inclui o mundo físico e o mundo humano da criança (BERGER, 1985, p.17).
Os primeiros cuidados com o recémnascido são de fundamental importância
para o seu desenvolvimento físico, psíquico e sexual. Para a psicanálise o ser
humano aprende a amar na relação que estabelece com o outro que o cuida. A mãe,
ao cuidar do bebê, nomeia o seu corpo anatômico através da linguagem, e, assim,
possibilita a sua constituição como sujeito.
A mãe ou a pessoa que desempenha o papel desta constitui o primeiro objeto
de amor para o bebê de ambos os sexos. A pulsão sexual no bebê está centrada
somente a tudo que organicamente o mantenha vivo. A zona oral é inicialmente
estimulada no processo de nutrição através da amamentação.
A princípio o bebê não percebe que a satisfação para as suas necessidades
partem de um outro. Com o tempo, verifica que algo de fora o nutre. Esta visão será
a primeira marca mnêmica e possibilitará que o “eu” se constitua. Para que isso
ocorra, o sujeito terá uma alucinação de objeto que acontecerá quando ele estiver
na ausência do objeto (seio).
A experiência só existe a posteriori e tem uma aparência mítica porque é
evocada. Sugar o seio materno obtendo o alimento, assim como sugar o dedo ou
chupeta, são movimentos que possibilitam ao bebê sentir prazer independente da
nutrição. A zona anal pode ser considerada a segunda a ser desenvolvida no bebê.
A pulsão é deslocada para as sensações prazerosas nos cuidados higiênicos e, no
próprio ato de expelir as fezes, pode ocasionar sensações de prazer e desprazer. A
fase fálica é aquela em que a concentração se mantém nos órgãos genitais. Estas
fases não acontecem de forma estanque; podem repetirse ao longo do
desenvolvimento.
Observase que haverá danos para um sujeito que não for investido por uma
mãe quer seja ela biológica ou não. É importante verificar que estas fases de
desenvolvimento não acontecem uma após a outra, mas que se entrelaçam,
podendo acontecer regressões de fases anteriores. Esses impulsos sexuais infantis
passarão pelo recalque (Verdrängung), nome dado por Freud a todas as
informações, tais como: imagens, pensamentos, lembranças que passam ao
inconsciente como uma das formas de defesa a investimentos da pulsão que
poderiam levar a um desprazer.
Para Freud, as pulsões sexuais constituem o cerne do desenvolvimento da
vida humana. Elas podem ter como destino, as seguintes vicissitudes: a reversão ao
seu oposto, retorno em direção ao próprio eu do indivíduo, recalque e sublimação. O
que leva alguém a querer cuidar de um bebê? Freud primeiramente, responde que
um bebê para uma mulher representa um substituto do falo, e na conferência sobre
“Feminilidade”, ratifica esta operação quando propõe a troca do pênis por um bebê.
Um bebê pode representar, também, para uma mulher a metáfora do amor de
um homem por ela. Para Lacan um filho pode oferecer a uma mulher algo que não é
dado ao homem: encontrar o seu objeto de desejo na figura do filho. É como se o
falo imaginário ganhasse corpo.
Caso a mãe não permita a entrada do outro (pai), o sujeito poderá ficar
aprisionado nesta relação, o que poderá leválo a patologias. Uma pessoa cuidará
de um bebê, ou não, de acordo com as elaborações de seus conflitos edípicos, pois,
as estruturas neuróticas, psicóticas e perversas surgem como resposta ao
investimento pulsional na relação com o outro semelhante.
Com a entrada na linguagem, o humano “perde” o gozo todo ou a
possibilidade de obtêlo. É o que Lacan explana nos Escritos no texto intitulado:
“Subversão do sujeito e dialética do desejo no inconsciente freudiano”: “Aquilo que
é preciso nos atermos é que o gozo está vedado a quem fala como tal, ou ainda,
que ele só pode ser dito nas entrelinhas por quem quer que seja sujeito da Lei, já
que a lei se funda justamente nesta proibição” (1998b, p. 836). Isso é que se
procurará o resto da vida, através do movimento pulsional investido, libidinalmente
em diversos objetos que, por vezes, darão a ilusão de ter resgatado o gozo
primordial, como o encontro amoroso do homem perfeito ou da mulher perfeita.
Freud escreve duas escolhas de amor possíveis: por apoio (anaclitíca) é
aquela em que o sujeito se apóia nas primeiras relações libidinais com a mãe. É a
escolha heterossexual onde o sujeito se posiciona como aquele que ama uma
mulher: a mãe. Esta escolha adquire a forma masculina e feminina de amar.
A posição masculina é aquela em que o investimento da libido é deslocado
para o objeto. Com isso, há uma super valorização do objeto sexual, onde o eu
empobrece ficando vulnerável e o objeto fica maravilhoso.
A outra escolha é aquela em que o sujeito ama um outro à imagem e
semelhança do eu. É o caso do homossexualismo masculino em que se ama nos
rapazes o menino que ele foi no amor da mãe, como o caso de “Leonardo da Vinci”
(14521519). Freud (1970a) analisou esta história, posteriormente, em 1910, no
artigo intitulado Leonardo da Vinci, sem conhecer tantos detalhes da infância do
ilustre pintor, elaborou uma teoria, com base na investigação de suas obras,
principalmente no quadro de “Santa Ana, Maria, e o menino” (vide tela em anexo,
ilustração 5). Pelo que se sabe, a história de vida dele revela que foi muito amado
por duas mães: a biológica, uma camponesa com que seu pai teve uma relação
antes do casamento e a mulher de seu pai que o criou desde a infância, e assim ele
foi capturado por esse amor.
Lacan, nos Escritos (1998a), no artigo intitulado “Diretrizes para um
Congresso sobre a sexualidade feminina”, fazendo a leitura de Freud, nomeia a
forma de amar masculina de fetichista, pois o homem goza com uma parte do corpo
da mulher. Já a posição feminina de amar é erotomaníaca. Amase aquele que está
marcado pela falta, castração.
Uma mulher que ama na posição feminina precisa inventar que é amada.
Atribui ao outro um desejo que é seu. Investigar a pulsão e libido, em Freud é
fundamental para o entendimento da constituição do sujeito e sua relação com o
mundo, principalmente em tenra idade, onde o sujeito vivencia suas primeiras
relações que são estruturantes.
Quando Lacan afirma que não existe relação sexual, é que na verdade os
sexos não se relacionam, pois o homem ama de uma forma e a mulher de outra.
Para o homem, a relação sexual é totalmente fálica. Por isso, após o ato
sexual ele quer dormir já que se sente realizado, enquanto a mulher se sente ainda
em falta, querendo falar, conversar, principalmente, para indagar ao companheiro se
ele a ama. Ela necessita de algo que tampone a falta.
Dentro da leitura lacaniana, podese dizer que o amor encobre a falta diante
da impossibilidade de se fazer Um: o amor une o homem e a mulher. A união dos
corpos na relação sexual dá a ilusão para o casal de uma completude, uma fusão,
como se os dois corpos fossem “um só”, mesmo que momentaneamente, tal qual
Platão expressa no “Banquete” sobre o mito do amor que um dia, no passado
remoto, as almas eram gêmeas e tinham seus corpos colados um no outro.
Sobre esta fusão do amor e a tentativa de o humano tentar resgatar a
possível união que já teve com uma alma semelhante, Lacan considera que é da
ordem do impossível:
O amor, será que é fazer um só? Eros, será ele para tensão para o Um? [...] O amor é impotente, ainda que seja recíproco, porque ele ignora que é apenas o desejo de ser Um, o que nos conduz ao impossível de estabelecer a relação dos [...] A relação dos quem?dois sexos.[...] Nós dois somos um só. [grifo nosso] Todo mundo sabe, com certeza, que jamais aconteceu, entre dois, que eles sejam só um, mas, enfim, nós dois somos um só [grifo nosso]. É daí que parte a idéia do amor. É verdadeiramente a idéia mais grosseira de dar à relação sexual, a esse termo que manifestamente escapa, o seu significado. [...] Esse Um de que todo mundo tem a boca cheia, é primeiro, da natureza dessa miragem do Um que a gente acredita ser (LACAN, 1985a, p. 13146465).
Existe a ilusão de que dois corpos unidos estão formando um corpo, como
se uma pessoa fosse a metade da outra pessoa. O dizer popular ratifica esta
afirmativa quando propaga que cada pessoa tem “a metade da sua laranja” ou “a
tampa da sua panela”. Entretanto, não há como estabelecer uma proposição lógica
entre os dois sexos.
Riobaldo e Diadorim nunca se encontraram como homem e mulher,
carnalmente, expressando esta impossibilidade de encontro entre os sexos.
Segundo a psicanalista Ribeiro (2001), no encontro de um homem com uma
prostituta, o dinheiro encobre a falta no lugar do amor. Com Riobaldo e Diadorim não
havia vida sexual. E na falta da vivência amorosa o que havia era uma amizade:
Amigo, para mim, é só isto: é a pessoa com quem a gente gosta de conversar, do igual o igual, desarmado. O de que um tira prazer de estar próximo. Só isto, quase; e os todos sacrifícios. Ou amigo é que a gente seja, mas sem precisar de saber o por quê é que é. Amigo meu era Diadorim; Fafafa; o Alaripe, Sesfrêdo (GSV, p. 139).
Platonicamente Riobaldo “separa” os desejos da carne com os do coração e
os vivencia somente no mundo das idéias. O que a carne convoca ele fica confuso,
por isso se esquiva de um investimento maior no companheiro. Cartesianamente o
mundo dos sentidos o perturba de se livrar desse sentimento pelo companheiro e ele
confessa que quando ficava envolvido com as guerras o seu amor por Diadorim
ficava latente, porém ao avistálo e abraçálo o sentimento todo acendia:
O que sei, tinha sido o que foi: no durar daqueles antes meses, de estropelias e guerras, no meio de tantos jagunços, e quase sem espairecimento nenhum, o sentir tinha estado sempre em mim, mas empobrecido, rebuçado. Eu tinha gostado em dormência de Diadorim, sem mais perceber, no fofo dum costume. Mas, agora, manava em hora, o claro que rompia, rebentava. Era e era. Sobrestive um momento, fechado os olhos, sufruía aquilo, com outras minhas forças. Daí, levantei (GSV, p. 221).
A lembrança remanescente da infância, quando Diadorim repudiou um
investimento homossexual com a ponta de uma faca sangrando a pessoa que o
investiu, talvez tenha impedido que Riobaldo declarasse o seu amor por temor de
ser agredido. Nessa ocasião o homem que tentou molestar Diadorim insinuou que
eles estariam fazendo algo sexual, e que ele também queria desfrutar daquele
prazer, com um ar debochado segundo relato de Riobaldo; ele disse:
“Vocês dois, uê , hem ?! Que é que estão fazendo ? [...]” Aduzido fungou, e, mão no fechado da outra, bateu um figurado indecente. Olhei para o menino. Esse não semelhava ter tomado nenhum espanto, surdo sentado ficou, social com seu prático sorriso.___” Hem, hem? E eu? Também quero ! “___o mulato veio insistindo. E, por aí, eu consegui falar alto, contestando, que não estávamos fazendo sujice nenhuma, estávamos era espreitando as distâncias do rio e o parado das coisas. Mas, o que eu menos esperava, ouvi a bonita voz do menino dizer :___ “ Você meu nego? Está certo, chega aqui...”A fala, o jeito dele, imitavam de mulher. Então, era aquilo? E o mulato satisfeito, caminhou para se sentar juntinho dele. Ah, tem lances, esses se riscam tão depressa, olhar da gente não acompanha. Urutu dá e já deu o bote? Só foi assim. Mulato pulou para trás, ô de um grito, gemido urro. Varou o mato, em fuga, se ouvia aquela corredoura. O menino abanava a faquinha nua na mão, e nem se ria. Tinha embebido ferro na coxa do mulato,a ponta rasgando fundo. A lâmina estava escorrida de sangue ruim. Mas o menino não se aluía do lugar. E limpou a faca no capim, com todo capricho.” Quicé que corta [...]” foi só o que disse, a si dizendo. Tornou a pôr na bainha (GSV , p. 85).
A atitude de Diadorim é de uma valentia muito grande para uma criança, pois
o agressor era mais velho, e poderia, como pensou Riobaldo, voltar com outros
companheiros para se vingar. Parece que ao mesmo tempo que Riobaldo se
esquiva da tentativa de aproximarse do seu amor se enamora cada vez mais pela
coragem do amado. Essa contradição de emoções é uma constante em toda a
narrativa: é o querer e não querer. Dualidade paradoxalmente tão constante não só
em Riobaldo, mas em todo humano. E ele diz ao seu interlocutor:
Diga ao senhor: nem em Diadorim mesmo eu não firmava o pensar. Naqueles dias, então, eu não gostava dele? Em pardo. Gostava e não gostava. Sei, sei que, no meu, eu gostava, permanecente. Mas a natureza da gente é muito segundasesabados. Tem dia e tem noite, versáveis, em amizade de amor ( GSV, p. 139).
E quando o reencontra moço pensa que nunca mais iria se afastar dele
expressando o conceito da psicanálise sobre o gozo primordial. Riobaldo sente
como se tivesse achado a felicidade total e que esta não iria escorrer de sua vida
nunca mais:
E desde que ele apareceu, moço e igual no portal, eu não podia mais, por meu próprio querer, ir me separar da companhia dele, por lei nenhuma; podia? O que entendi em mim: direito como se, no reencontrando aquela hora aquele Menino – Moço, eu tivesse acertado de encontrar, para o todo sempre, as regências de uma alguma a minha família. Sem peso e sem paz, sei, sim. Mas, assim como sendo, o amor podia vir mandado do Dê? Desminto (GSV, p. 109).
Riobaldo descreve como não se importasse com as leis da sociedade que
não aceita com naturalidade o homossexualismo, pois ele diz: “por lei nenhuma“ ele
iria renunciar o seu sentimento e a companhia do companheiro. E como a
psicanálise analisa, ele desabafa que sente como se tivesse encontrado alguém
familiar, um sentimento familiar na pessoa de ReinaldoDiadorim.
Todavia, ao mesmo tempo em que aceita tudo como se fosse natural, sente
uma necessidade de buscar um outro amor e tamponar a falta de vivenciar o amor
com o mesmo gênero, Riobaldo busca as mulheres dos bordéis e Otacília entra em
sua vida para silenciar um pouco o seu desejo ou deslocálo momentaneamente:
Sofreado de minha soberba, e o amor afirmante, eu senti o que queria, conforme declarado: que, no fim,eu casava desposado com Otacília sol dos rios...Casava, mas que nem um rei. Queria, quis. E Diadorim? O senhor cuida. Ingratidão é o defeito que a gente menos reconhece em si? Diadorim ele ia para uma banda, eu para outra, diferente; que em, dos brejos do gerais, sai uma vereda para o nascente e outra para o poente, riachinhos que se apartam de vez, mas correndo, claramente, na sombra de seus buritizais... Outras horas, eu renovava a idéia: que essa lembrança de Otacília era muito legal e intruja; e que de Diadorim eu gostava com amor, que era impossível [ grifo nosso] ( GSV, p. 412).
Contudo, os cuidados dos verdadeiros amantes ele revela: “E, no singular de
meu coração, dou dito: o que eu gostava tanto de Diadorim, tinha um escrúpulo
queria que ele permanecesse longe de toda confusão e perigos” (GSV, p.316).
Em muitos momentos da narrativa pode ser observado a situação de
Diadorim e Riobaldo como um casal: “Alegria minha era Diadorim. Soprávamos o
fogo, juntos, ajoelhados um frenteante o ao outro. A fumaça vinha, engasgava e
enlagrimava. A gente ria” (GSV, p. 238). Ele gostava de sair para passear com
Diadorim (GSV, p. 25), “E veja: eu vinha tanto tempo me relutando, contra o querer
gostar de Diadorim mais do que, a claro, de um amigo se pertence gostar; e, agora
aquela hora, eu não apurava vergonha de se me entender um ciúme amargoso”.
“Pois minha vida em amizade com Diadorim correu por muito tempo desse jeito. Foi
melhorando, foi. Ele gostava, destinado, de mim. E eu como é que posso explicar ao
senhor o poder de amor que eu criei? Minha vida o diga. Se amor? Era aquele
latifúndio . Eu ia com ele até o rio Jordão [...] Diadorim tomou conta de mim.” (GSV,
p. 148)” E de repente eu estava gostando dele, num descomum, gostando ainda
mais do que antes, com meu coração nos pés, por pisável; e dele o tempo todo eu
tinha gostado. Amor que amei daí então acreditei. A pois, o que sempre não é
assim?” (GSV, p. 182)
Riobaldo também revela na narrativa que parece que seu amor por Diadorim
é correspondido, talvez seja apenas uma ilusão do narradorpersonagem. Como já
foi descrito, para a psicanálise há pessoas que amam e precisam inventar que são
amadas.
O que faz Riobaldo suspeitar que seja amado são algumas atitudes de
Diadorim tal como, revelar para Riobaldo que na sua vida só tem três pessoas, uma
delas é ele, Riobaldo: “Só tenho Deus, Joca Ramiro e você Riobaldo... ele declarou”
(GSV, p.140).
Riobaldo diz que após escutar esta declaração não se conteve de felicidades:
“Hê de medo, coração bate solto no peito; mas de alegria ele bate inteiro, e duro,
que até dói, rompe para diante na parede” (GSV, p.140).
Ao mesmo tempo que Riobaldo imagina ser amado e valoriza o seu objeto de
amor desfavorecendo a si mesmo, ele também sente vontade de cuidar de Diadorim,
dar proteção, mostrando na narrativa uma circularidade na posição masculina e
feminina de amar: “ E eu gostava dele, gostava, gostava. Aí tive o fervor de que ele
carecesse de minha proteção toda a vida: eu treçando, garantindo, punindo por ele.
Ao mais os olhos me perturbavam: mas sendo que não me enfraqueciam. Diadorim”
(GSV, p.121).
Riobaldo que vive uma tensão constante de seu amor proibido descreve o
seu sentimento como uma profusão barroca: sente medo, coração solto e inteiro
paradoxalmente. Sente alegria, inteireza e dor, emoções antagônicas vividas ao
mesmo tempo. Podese dizer que faz intertexto com Camões que diz que o amor é
ferida que arde e não se sente, como foi descrito no capítulo dois. Riobaldo também
suspeita que Diadorim sente ciúmes dele. Ora, só existem ciúmes se existe amor,
assim ele argumenta:
Que Diadorim tinha ciúme de mim com qualquer mulher, eu já sabia, fazia tempo, até. Quase desde o princípio. E, naqueles meses todos, a gente vivendo em par a par, por altos e baixos, amarguras e perigos, o roer daquilo ele não conseguia esconder, bem que se esforçava. Vai e vem, me intimou a um trato: que, enquanto a gente estivesse em oficio de bando, que nenhum de nós dois não botasse mão em nenhuma mulher. Afiançado, falou: __”Promete que temos de cumprir isso Riobaldo, feito jurado nos SantosEvangelhos! Servergonhice e airado avejo servem só para tirar da gente o poder da coragem [...] Você cruza e jura?!” Jurei (GSV, p. 147).
Nesse momento o personagemnarrador aproveita para relatar um grande
mito do sertão de que o sexo atrapalha aquele que luta como se tirasse a energia
vital, por isso os homens que se abstêm do sexo são os mais valentes. Diadorim
apresentase como o prótotipo deste, uma vez que não é visto nunca com uma
mulher e mostrase muito valente.
Em muitos momentos é descrito o “namoro” entre Riobaldo e Diadorim ou
pelo menos uma cumplicidade que somente os verdadeiros amantes possuem aos
olhos de Riobaldo: “Diadorim, duro sério, tão bonito, no relume das brasas. Quase
que a gente não abria a boca, mas era um delém que me tirava para ele o
irremediável extenso da vida (GSV, p. 25) Adélia Prado estabelece intertexto com
Guimarães quando escreve a poesia intitulada “Casamento” que ela e o marido
estão limpando peixe e o silêncio os unia. Riobaldo revela um desejo intenso de
amar carnalmente seu companheiro:
De um aceso, de mim eu sabia: o que compunha minha opinião era que eu, às loucas, gostasse de Diadorim, e também, recesso dum modo, a raiva incerta, ponto de não ser possível dele gostar como queria, no honrado e no final. Ouvido meu retorcia a voz dele. Que mesmo, no fim de tanta exaltação, meu amor inchou, de empapar todas as folhagens, e eu ambicionando de pegar em Diadorim, carregar Diadorim nos meus braços, beijar, as muitas demais vezes, sempre (GSV, p. 3233).
Riobaldo percorre o caminho do sertão para entender porque não se
entregou ao amor com Diadorim e porque Diadorim não se entregou a ele. Por isso,
consegue enxergar no momento em que descreve ao seu interlocutor como eram
cúmplices de um sentimento. Uma vez que Diadorim fica triste quando Riobaldo
procura mulher no bordel: “Diadorim firme triste, apartado da gente, naquele arraial,
me lembro. Saí alegre do bordel, acinte” (GSV, p.148).
Revelar para si mesmo um desejo homossexual não é uma tarefa fácil, assim
Riobaldo fica alegre, quando vai ao bordel e consegue ficar com uma mulher
provando para si mesmo que é “macho”. Porém a sua possível homossexualidade é
projetada naquele que para ele é o demônio em pessoa, Hermógenes, ele pensa
que talvez este não goste de mulher: ”Será, o Hermógenes também gosta de
mulher’s?” ― eu careci de saber, perguntei. ― ”Eh. Aprecêia não” (GSV, p.180).
A cumplicidade do sentimento também foi expressa quando Diadorim viajou
sem Riobaldo e este pressentiu a sua volta, pois sentiu uma alegria muito grande em
seu coração; ouviu um som de um pássaro e pensou que alguma coisa boa iria
acontecer,
De repente, dei, fé, e avistei: era Diadorim que chegando, ele já parava perto de mim. Ele mesmo me disse, com o sorriso sentido: ― ”Como passou, Riobaldo? Não está contente por me ver?” A boa surpresa, Diadorim vindo feito um milagre alvo. Ao que pele pancada do meu coração. Aí, mas um resto de dúvida: a inteira dúvida, que me embaraçava real, em a minha satisfação. Eu era o que tinha, ele o que devia. Retente, então, permaneci; não fiz mostra nenhuma. Esperei as primeiras palavras dele. Mais falasse; retardei, limpei a goela. ― ”A pois. Por onde andou, se mal pergunto?” ― aí falei (GSV, p.181).
Somente a posteriori tudo parece fazer sentido, mas quando ele vivia sentia se envolvido em uma energia demoníaca como se estivesse em um encantamento e
assim ele afirma:
Diadorim veio para perto de mim, falou coisas de admiração, muito de afeto leal. Ouvi, ouvi, aquilo, copos a fora, mel de melhor. Eu precisava. Tem horas em que penso que a gente carecia, de repente, de acordar de alguma espécie de encanto [grifo nosso]. As pessoas, e as coisas, não são de verdade (GSV, p. 66) !
Talvez seria melhor que “as coisas” não fossem de verdade, ou seja, como
num conto de fadas ele poderia sair do encanto e ver que Diadorim era uma bela
mulher. Quando ele a visualizou morta e feminina era como se o encanto houvesse
acabado e ao mesmo tempo tornadose real. Por isso ele parecia não acreditar na
cena que via:
Eu estendi as mãos para tocar naquele corpo,e estremeci,retirando as mãos para trás, incendiável: abaixei meus olhos. E a Mulher estendeu a toalha, recobrindo as partes. Mas aqueles olhos eu beijei, e as faces, a boca. Adivinhava os cabelos. Cabelos que cortou com tesoura de prata [...] Cabelos que, no só ser, haviam de dar para baixo da cintura [...] E eu não sabia por que nome chamar; eu exclamei me doendo: “Meu amor! [...]” (GSV, p. 454).
A mulher que lava o corpo de Diadorim não se assusta ao ver que ele é
mulher, pelo contrário ela tenta esconder as partes e Riobaldo em outro momento da
narrativa diz que a Mulher não lhe mostrou o corpo de propósito, ela suspirou ao ver
Diadorim morto: “A Deus dada. Pobrezinha [...]” (GSV, p. 453). Ela age como se
tivesse conhecimento da sexualidade feminina de Diadorim. Cuida amorosamente
do corpo do inimigo mortal de seu marido, pois surpreendentemente quem revela
para Riobaldo que Diadorim era feminino é a mulher de Hermógenes, considerado
por ele o diabo em pessoa.
Riobaldo dá muita importância a esta mulher, uma vez que Mulher está
escrito com letra maiúscula para dizer que ela não é uma pessoa qualquer, mas
aquela que lhe revelou parte de seu enigma.
A descrição do corpo da mulher, Diadorim, não surpreendeu Riobaldo, pois
ele diz que os cabelos longos dela ele já adivinhava, dando a entender que ele
imaginava ele/ela de cabelos compridos. Não conseguiu nominar o companheiro
numa veste feminina, simplesmente conseguiu exteriorizar o seu sentimento
dizendo: “Meu amor”! [...]
A morte eliminou a possibilidade da possível história de amor entre Riobaldo
e ReinaldoDiadorim. Como um conto de fadas às avessas ou uma verdadeira
tragédia barroca, os protagonistas não foram felizes para sempre, porque na
realidade nunca se encontraram como um homem e uma mulher, nunca tiveram
coragem de assumir o amor homossexual para ele e heterossexual para ela, pois ela
sabia que poderiam viver como homem e mulher, porém algo a mais a impedia que
se entregasse a esse amor. Assim, ele conclui tristemente que ela/ele lhe negou a
vivência do amor total, a concretude sexual:
E, o pobre de mim, minha tristeza me atrasava, consumindo. Eu não tinha competência de querer viver, tão acabadiço, até o cumprimento de respirar me sacava. E, Diadorim, às vezes conheci que a saudade dele não me desse repouso; nem o nele imaginar. Porque eu, em tanto viver de tempo, tinha negado em mim aquele amor, e a amizade desde agora estava amarga falseada; e o amor, e a pessoa dela, mesma, ela tinha me negado [grifo nosso] Para quê eu ia conseguir viver (GSV, p. 458)?
Para Diadorim talvez a ânsia de encontrar o assassino e vingar O Nome do
Pai fosse maior que vivenciar um amor. Uma vez revelado o seu segredo diante dos
jagunços perderia a consideração e não poderia mais viver com eles como igual.
Não sabia se Riobaldo guardaria o segredo e assim sentirseia impotente para
continuar sua busca. Uma das leituras da psicanálise para mulher que fica só:
[...] escolhe a solidão para manter vivo o sonho d’O homem. Ela não quer abrir mão daquele que em seu sonho a completaria, daquele que a transformaria em A mulher. Por isso, recusa os homens que dela se aproximam. Em outras palavras, ela deixa vazio o lugar do parceiro sexual em nome do sonho d’O homem, que na verdade é o sonho de uma relação sexual possível... a mulher só acredita na relação sexual e fica sozinha para não ter que se deparar com o horror da castração (MAIA, 1999, p. 79).
Diadorim não permitiu a entrada do homem sexualmente, talvez para se sentir
“Toda”, completa com sua máscara de jagunço. Por outro lado, Riobaldo também
“encontra” a mulher tão desejada em Diadorim na morte.
A morte (Thanatos) é um tema bastante dissertado pelo personagem – narrador, uma vez que vivencia muitas guerras distanciandose do seu amor (Eros)
em virtude destas e de viagens: “Agora eu tinha Diadorim assim perto de afeto, o
que ainda valia mais no meio desses perigos de fato. Sendo que a sorte também
prevalecia do nosso lado, aí vi: a morte é para os que morrem. Será?” (GSV, p.182)
Sigmund Freud (1974f) no seu artigo intitulado “O tema dos três escrínios”
cuja temática é tirada de duas cenas de Shakespeare que retratam a comédia e a
tragédia são inspiração para o Pai da psicanálise investigar sobre as formas de amar
do homem e da mulher. Nesse artigo ele relata que a Deusa do Amor da Beleza um
dia foi Deusa da Morte quer dizer o amor, a beleza e a morte como uma só entidade.
No final do artigo ele chega à conclusão de que o homem encontrará o verdadeiro
amor somente quando encontrar a silenciosa Deusa da Morte. Nesse sentido,
Riobaldo encontrou seu verdadeiro amor:
Que Diadorim era corpo de uma mulher, moça perfeita [...] Estarreci. A dor não pode mais do que a surpresa. A coice d´arma, de coronha [...]
Ela era.Tal que assim se desencantava, num encanto tão terrível; [grifo nosso] e levantei mão para me benzer__mas com ela tapei foi um soluçar, e enxuguei as lágrimas maiores. Uivei. Diadorim! Diadorim era uma mulher. Diadorim era mulher como o sol não acende a água do rio Urucúia, como eu solucei meu desespero. (GSV, p. 454)
Riobaldo descreve que Diadorim era corpo. Enfatiza corpo, moça perfeita.
Não tinha anomalias no corpo apesar da dualidade que sua personalidade tantas
vezes lhe apresentou, como se fizesse parte de um feitiço.
Caso todas as impressões fizessem parte de um feitiço era possível que seu
corpo pudesse apresentar alguma deformidade, entretanto a cena lhe revelava algo
diferente. Intimamente parecia saber que a alma do “amigo” fosse de mulher, porém
o que lhe era oculto é que o corpo também era feminino.
Diante da revelação deste enigma o “amigo” tão desejado sexualmente
revelandose mulher na morte, Riobaldo parece sentirse realmente envolvido,
participante de um feitiço, como ele suspeitou em toda a narrativa. E, na tentativa de
se proteger pensa em se benzer diante do belo corpo de mulher que seu amigo
revelou. O seu desejo secreto que era ver o amigo mulher tornouse real, porém de
uma forma macabra: na morte.
Todavia, ele é atravessado pela dor desta revelação e com as mãos que
levantou para se benzer ele tapa o seu soluço. A dor da verdade vence o temor do
medo do feitiço e o coloca diante de uma condição muito humana: a finitude. Assim,
esta dor fere o seu corpo de tal forma que ele uiva de dor.
Lacan alerta ao longo de sua obra que não há a inscrição do significante da
mulher e da morte no inconsciente. Isto foi representado na pintura “A jovem e a
morte” (vide tela em anexo, ilustração 6) no final da Idade Média, em 1512, pelo
artista alemão Hans Baldung Grien. O artista colocou lado a lado o retrato de uma
jovem bela e um esqueleto representando a morte. O feminino fica como o
inalcançável, um enigma que a morte acolhe.
Diadorim, uma mulher que, para se defender da violência do cangaço e descobrir quem foi o assassino de seu pai,
um grande chefe de jagunços temido e muito considerado, conhecido como Joca Ramiro, se transveste de homem e age como
tal de uma forma bastante convincente:
Riobaldo, hojeemdia eu nem sei o que sei, e, o que soubesse,deixei de saber o que sabia [...] ”Demorei que ele mesmo por si pudesse pôr explicação. E foi ele disse: “Por vingar a morte de Joca Ramiro, vou e vou e faço, consoante devo [grifo nosso] Só, e Deus que me passe por esta, que indo vou não com meu coração que bate agora presente, mas com coração de tempo passado [...] E digo [...] (GSV, p. 403)
A leitura, em Freud e Lacan, sobre o masculino e o feminino, demonstra que existe um desejo inconsciente nesta
personagem para viver como homem, não é uma questão somente social, de vingança, mas algo do que diz respeito ao
enigma do feminino, por isso, ela se mascara de jagunço para obter um gozo que está além de saber sobre o Pai, como se
verá no capítulo quatro.
4 MÁSCARA DE FEMININO EM DIADORIM
Freud tenta explicar o que vem a ser o feminino, tendo, como fundamentação,
a noção de bissexualidade do ser humano e o atravessamento da menina pelo
complexo de Édipo. Para o autor este processo é longo e inacabado. Assim, o
tornarse mulher, feminina, constitui um enigma que, para Freud no texto
“Feminilidade”, quem descreve melhor são os poetas. Ele revela que após estudar
tanto a alma feminina, consegue dizer pouco sobre ela.
A tentativa freudiana em entender e explicar a mulher feminina é traçada por
um estilo característico, que, segundo nossa hipótese, corresponde a um dizer que
acontece de forma irregular, rebuscada, uma vez que a menina, para se dizer
feminina vivencia várias elaborações pulsionais com investimento da libido diante
das figuras parentais, como se descreverá.
Este estilo, segundo a proposta desta pesquisa, pode ser comparado à
expressão característica da arte barroca em qualquer modalidade. Por que arte
barroca? O barroco que surge no século XVII tem como característica marcante o
desdobramento de suas curvas quer seja na literatura, arquitetura, pintura, escultura.
Entretanto, os historiadores da arte viam isso com depreciação não mesmo
reconhecendo como arte. O Barroco na literatura é conhecido pelos leitores como
leitura difícil, rebuscada, somente para grandes amantes do saber, como já foi
descrito no capítulo dois.
O feminino em Freud também é visto como depreciativo, uma vez que parte
do pressuposto que a menina possui uma inveja do pênis. Na realidade a inveja
remete à representação ao phallus (falo), poder, que na cultura grega significava
bem aventurança, era colocado na porta das casas como proteção. O corpo do
homem tem a representação palpável deste, enquanto a mulher possui este órgão
atrofiado no dizer freudiano. Teoria que causou repúdio das feministas e público em
geral para com a psicanálise. Entretanto, ambos os sexos buscam o poder, phallus.
Não havendo superioridade de um nem menos valia de outro. No dizer lacaniano é o
signo do desejo que remete à falta de algo que os seres falantes sempre buscam
independente dos gêneros. Sobre isto a psicanalista Denise Maurano escreve em
sua obra A face oculta do amor: a tragédia à luz da psicanálise:
O phallus, esse símbolo da plena turgência vital, testemunhao enquanto o que empresta seu brilho singular a todos os objetos, ou melhor, a todas as fantasias do desejo. Mas é preciso sublinhar que ele está como o que empresta o brilho, e não como o que faz consistir algo (2001, p.176).
Assim, o que existe é um jogo psíquico inconsciente entre o masculino e
feminino, tal qual um jogo de luz, sombra e máscara expressas na arte barroca e
que pode ser visualizado na literatura contemporânea em Grande sertão: veredas.
Riobaldo se envereda pelo sertão querendo entender o feminino. A narrativa
é construída barrocamente e o foco principal são as máscaras usadas por Riobaldo,
e principalmente, a máscara dos sexos usada por ReinaldoDiadorim.
A nossa pretensão em aproximar o barroco ao feminino na psicanálise e
Grande sertão: veredas considera principalmente essas duas características:
desdobramento e não reconhecimento. O que é desdobrar? O que é não
reconhecer?
Em Diadorim não há reconhecimento do feminino, da posição passiva, em um
primeiro momento, parece que ela ficou mesmo atrelada à figura do pai e à
identificação deste, uma vez que escolhe exercer o seu papel plenamente não
aceitando a sua “castração”, de forma, resignada como se irá descrever no item
complexo de Édipo feminino em Freud. Somente em alguns momentos aos olhos de
Riobaldo é visualizada a sua passividade. Nesse sentido a arte barroca e a
mascarada de Joan Rivière expressam o movimento da feminilidade de Diadorim.
Então, haveria uma circularidade na sexualidade ora ativa, ora passiva.
Com isso, a explicação freudiana para o tornarse mulher em Diadorim seria
melhor entendida pela mascarada feminina como se verá a seguir, visto que ela usa
a máscara de jagunço.
Entender o feminino na psicanálise, em Freud ou Lacan, só é possível
observandose várias faces. Esta imprecisão para se afirmar onde está o feminino
remete a um deciframento, um enigma cujo sentido não é fácil de vislumbrar. A
trajetória de Riobaldo pelo sertão vai ao encontro da busca pelo feminino na
psicanálise.
Por isso, nos atrevemos a dizer que o feminino na psicanálise é plural, ou
como diz Adélia Prado, em “Licença Poética”: “Mulher é desdobrável. Eu sou”. Ser
plural é colocar várias máscaras, buscando uma identificação ou uma afirmação:
dona de casa, profissional, amante, mãe, mística, feiticeira, tecelã... e muito mais...
Para uma mulher, circular nestes espaços consolidados como tão diferentes, exige
um desdobramento psíquico: usar máscaras que ela mesma nem percebe que usa.
O barroco parece concorrer com este artifício de máscaras; por isso ele
desenvolve uma expressão alegórica para revelar o feminino. Walter Benjamin
escreve sobre alegoria e barroco: “Falar alegoricamente significa, pelo uso de uma
linguagem literal, acessível a todos, remeter a outro nível de significação: dizer uma
coisa para significar outra.” É dentro deste contexto que estamos associando o
barroco e feminino na psicanálise e procurando investigar a expressão de ambos em
Diadorim.
Com a finalidade de se investigar e procurar entender o que perpassa com a
sexualidade em Diadorim se fará um percurso nos textos freudianos no que diz
respeito ao feminino, porque ela mesma diz que é uma pessoa diferente, pois seu
pai a denominou assim. Para a psicanálise a sexualidade feminina é uma construção
que se faz com as figuras parentais pai e mãe que cuidam da criança: “Sou
diferente de todo mundo. Meu pai disse que eu careço de ser diferente, muito
diferente...” (GSV, p. 86).
Assim se descreverá a mascarada feminina em Joan Rivière e em seguida o
feminino em Diadorim visto pelo viés da arte barroca. O conceito de androgenia ou
bissexualidade constitutiva em Freud será primordial, a fim de se entender a
movimentação psíquica e escolha sexual da personagem. 5
4.1 ANDROGENIA EM FREUD
Sigmund Freud no seu livro Três ensaios sobre a teoria da sexualidade rompe com preconceitos da área científica de sua época, quando se propõe a dizer com sistematização que existe uma sexualidade infantil e, a partir da vivência desta, é que o homem e a mulher desempenharão o seu papel na sociedade. Uma característica da idéia popular sobre a pulsão sexual é que ela está ausente na infância e só desperta no período da vida descrito como puberdade. Isto, contudo, não é puramente um erro simples, mas um erro que tem tido graves conseqüências, pois é principalmente a esta idéia que devemos nossa atual ignorância das condições fundamentais da vida sexual.
Freud chegou a esta conclusão em 1897, quando, ao fazer sua autoanálise, descobriu que as crianças desenvolviam impulsos sexuais independentes de estímulos de fora. Até esta época a comunidade científica tinha como conhecimento que as crianças possuíam uma sexualidade latente e que poderia ser despertada de uma maneira dolorosa por um adulto com traços perversos. Freud, em suas investigações, chegou a suspeitar de que haveria uma sedução perversa
5 Este capítulo foi trabalhado, com algumas alterações, primeiramente em outra dissertação da autora da presente pesquisa para o Mestrado de Psicologia do CES/JF intitulada: “O barroco como uma das expressões da mascarada feminina” (7 de agosto de 2004).
generalizada por parte de quem cuidava da criança, pois, nos relatos de seus pacientes, era freqüente aparecer cenas da infância que denunciavam uma possível sedução.
Com sua autoanálise é que Freud compreende que esta sedução ocorre
somente na fantasia inconsciente e faz parte de um movimento do psiquismo na
relação com as figuras parentais. Este processo foi visualizado por Freud no mito de
Sófocles que conta uma tragédia grega em forma de peça teatral encenada,
provavelmente, em 430 a.C.
Muitos, quando abordam o trabalho de Freud, o fazem como se ele
introduzisse juízo de valor nas verificações de suas pesquisas. Deste modo, dizem,
pejorativamente, que as mulheres são histéricas ou que certa mulher está nervosa
por precisar de sexo, “embasandose” nos escritos do Pai da psicanálise. Observa
se que vários campos do saber, meios de comunicação, senso comum, empregam o
termo sexualidade feminina para as manifestações biológicas, tais como:
menstruação, gravidez, relação sexual, amamentação e o aparelho genital
propriamente dito.
A sexualidade humana em Freud contraria o “instinto” biológico não
acontecendo de forma cíclica somente para a reprodução. Isto não quer dizer que
ele desconsidere o orgânico. Ele faz afirmação de que existem impulsos situados na
fronteira do psíquico e somático que almejam uma satisfação o que ele denominou
Pulsão. Este termo em alemão quer dizer Trieb, mas foi erroneamente traduzido para o inglês como instinct o que gerou certa confusão com a noção de instinto biológico. Segundo Maurano (1999) o significado mais preciso de trieb seria drive (impulso) ou urge (ânsia).
A pulsão seria uma força constante e insistente que procura adquirir forma
através de uma energia chamada libido, desde o nascimento até a morte. Assim, ela
pode ser entendida primeiramente como “força” dualista: as de auto preservação e
as “Pulsões Sexuais”, as de preservação da espécie. Estes enunciados sofrem
modificações ao longo da obra freudiana.
No artigo “As duas classes de instintos” (1976a) Freud enuncia uma
importante definição sobre pulsão que é a existência das pulsões de vida (Eros) e as pulsões de morte (Thanatos). Investigar a sexualidade feminina na psicanálise é também estudar o inconsciente e suas manifestações, o que se deve traduzir por um
dizer inesgotável. É comum escutar nos meios de comunicação e no senso comum
que Freud aconselha ou acredita que [...] ou se enganou [...] Sobre isto Catherine
Clément escreve em artigo da revista Magazine Littérarie 6 :
A lei da entropia, inspirada na degradação da energia no campo da termo dinâmica, deseja que uma palavra se degrade à medida que se a utilize. A este respeito, vêse que uma parte importante da psicanálise se perdeu, muito utilizado o seu sentido primordial perdeu o poder de análise [...] Os conceitos, as palavras e as idéias de Freud fazem parte do patrimônio nacional francês, quiçá europeu. Quem sofre? (2004, p. 22) [“Tradução nossa”].
Freud (1972) em seu livro Três ensaios sobre a teoria da sexualidade
investiga a possibilidade de a bissexualidade ser própria do organismo humano,
salientando que estes órgãos nos dois sexos já tiveram suas funções no organismo,
mas as mutações, dentro da seleção funcional dos órgãos, deixaram apenas que
eles permanecessem como vestigiais, não desempenhando a função que, no
passado da evolução, lhes era característica.
Esta constatação freudiana sobre a bissexualidade vai ao encontro do
pensamento Taoísta encontrado no sul da Índia por volta do século XI, mas na
realidade essa tradição já existia há mais de cinco mil anos tendo sido representada
em uma escultura de bronze onde se vê metade homem (Shiva) metade mulher
(Shakti), como menciona o livro Tao: o curso do rio de Alan Watts. Também na
antigüidade o mito grego de Tirésias expressa a afirmação freudiana de que o
organismo humano já possui dois sexos, realizando ambas as funções, Brandão, em
sua obra Mitologia Grega disserta:
Tirésias escalou o monte Citerão e viu duas serpentes que se acoplavam num ato de amor. O jovem Tirésias as separou, ou, consoante outras fontes, matou a serpente fêmea. O resultado dessa intervenção foi desastroso: o jovem se tornou mulher. Sete anos mais tarde subiu o mesmo Citerão e, encontrando cena idêntica, repetiu a intervenção anterior, matando a serpente macho, e recuperou seu sexo masculino. Tirésias era, portanto, alguém que tinha experiência dos dois sexos. Sua desventura o
6 La loi de I’entropie,inspirée de la dégradation de I’énergie dans le champ de la thermodynamique, veut qu’un mot se degrade à proportion de la fréquence de son utilisation. A ce compte, on voit comment une part importante de la psychanalyse s’est perdue: trop utilise, son lexique n’a plus aucun sens [...] Les concspts, les set et les idées de Freud font parne du patrimoine national français, peut ètre européen. Ca souffre? (CLÉMENT, 2004, p. 22)
tornou célebre: um dia em que lá no Olimpo, Zeus, que terminara a consolidação do poder e se tornara deus otiosus, discutia acaloradamente com sua esposa Hera. O objeto da polêmica era deveras sério e complicado. Girava em torno do amor : “ quem teria maior prazer num ato de amor, o homem ou a mulher?” Para dirimir dúvidas, foi chamado aquele que tinha experiência de ambos os sexos. Tirésias respondeu, sem hesitar, que, se um ato de amor pudesse ser fracionado em dez parcelas, a mulher teria nove e o homem apenas uma. Hera furiosa o cegou, porque havia revelado o grande segredo feminino e sobretudo, porque no fundo, Tirésias estava decretando a superioridade do homem, causa eficiente dos nove décimos do prazer feminino. Hera compreendeu a resposta patriarcal do adivinho tebano: ao darlhe a “vitória”, nove décimos de prazer, estava, na realidade, traçando um perfil da superioridade masculina, da potência de Zeus, simbolizando todos os homens, únicos capazes de proporcionar tanto prazer à mulher (1989b, p. 175).
Observase que o senso comum designa ativo o masculino e passivo o
feminino. Freud, no texto “ Feminilidade” salienta que em certas atividades
humanas, uma pessoa do sexo feminino pode comportarse de maneira ativa: “Uma
mãe é ativa para com seu filho em todos os sentidos. A própria amamentação pode
ser descrita como a mãe dando o seio ao bebê, ou ela sendo sugada por este”
(FREUD, 1976h, p. 142).
Com isso, não se pode dizer que ativo é igual a masculino e passivo igual a
feminino. Serge André no seu livro O que quer uma mulher considera: “Na
realidade a trajetória freudiana se baseia, desde seus primeiros passos, numa
constatação implícita: uma vez saídos da anatomia, não sabemos o que encobrem
os termos “masculino” e “feminino”, ou só temos aproximações deles (1987, p. 86).
Esta citação de Serge vai ao encontro da concepção taoísta sobre o feminino e
masculino denominados yin (feminino) e yang (masculino) como se fossem pólos de
uma mesma face, tal como a polaridade da energia elétrica: positivo e negativo.
Uma não é maior do que a outra, simplesmente é.
Muitas vezes, para se ficar na passividade, necessário se faz reter grande
atividade. Freud (1974g) no texto “Sexualidade Feminina”, ao analisar o
comportamento ativo, se refere à criança abrindo a boca para o médico olhar a
garganta de uma forma muito passiva. Todavia, ao chegar a casa brinca com o
irmão(a) ou amigo(a) de médico(a) e, por isso, olhará a garganta destes de uma
maneira bastante ativa. Em “As pulsões e suas vicissitudes”, Freud escreve:
A antítese ativopassivo fundese depois com a antítese masculino feminino, a qual, até que isso tenha ocorrido, não possui qualquer significado psicológico. A junção da atividade com a masculinidade e da passividade com a feminilidade nos defronta, na realidade, com um fato biológico, mas não é de forma alguma tão invariavelmente completa e exclusiva como tendemos a presumir (1974b [1915], p. 155).
No livro Além do principio do prazer, Freud relata ter descoberto uma
importante definição quanto ao prazer e desprazer que irá fazer um diferencial para
o entendimento de diversos conceitos que o autor investigava. Ele relata ao
observar uma criança de um ano e meio brincar, com um brinquedo, após a saída de
sua mãe:
O menino tinha um carretel de madeira com um pedaço de cordão amarrado em volta dele. Nunca lhe ocorrera puxálo pelo chão atrás de si, por exemplo, e brincar com o carretel como se fosse um carro. O que ele fazia, era segurar o carretel pelo cordão e com muita perícia arremessálo por sobre a borda de sua caminha encortinada, de maneira que aquele desaparecia por entre as cortinas, ao mesmo tempo que o menino proferia seu expressivo ‘oooó. Puxava então o carretel para fora da cama novamente, por meio do cordão, e saudava o seu reaparecimento com um alegre ‘da’(ali). Essa, então era a brincadeira completa: desaparecimento e retorno. Via de regra, assistiase apenas a seu primeiro ato, que era incansavelmente repetido como um jogo em si mesmo, embora não haja dúvida de que o prazer maior se ligava ao segundo ato (1974a [1920], p. 26).
Para Freud, a criança reproduzia na brincadeira o seu estado psíquico, sua
mãe havia saído e através do carretel e do barbante, ela brincava de ir embora e
voltar. Era a maneira pela qual a criança, por intermédio do brinquedo, tentava
controlar a angústia da ausência da mãe. Então na realidade, o carretel amarrado no
barbante não era um simples carretel, mas representava a mãe que ia embora, mas
que ele podia controlar e trazer de volta quando quisesse. O que mais intrigou Freud
foi a cena da partida da mãe ser reproduzida como algo mais prazeroso. Assim, ele
chega à conclusão de que: ”No início, achavase numa situação passiva, [grifo nosso] era dominada pela experiência; repetindoa, porém, por mais desagradável
que fosse, como jogo, assumia papel ativo” [ grifo nosso] (FREUD, 1974a, p. 27).
Especificamente estudando as meninas, é comum observar que elas, através
dos brinquedos ou brincadeiras, principalmente com bonecas, representam seus
desejos ativos, colocandose elas, por exemplo, no papel de mãe e as boneca(s) no
de filhas(s).
Para o senso comum a preferência das meninas pelas bonecas é um aviso
de que a feminilidade está despertada. Freud no texto “Sexualidade feminina”
contraria esta afirmativa dizendo que, na realidade, a brincadeira expressa “o lado
ativo da feminilidade e que a preferência por bonecas provavelmente constitui prova
da exclusividade de sua ligação à mãe com negligência completa do objeto paterno”
(1974g, p. 272). Para a psicanálise a libido é única e possui formas de obter
satisfação que podem ser passivas ou ativas o que se pode empreender como
formas de gozo. No livro Três ensaios sobre a teoria da sexualidade Freud
escreve sobre a libido:
A atividade auto erótica das zonas erógenas é contudo, a mesma em ambos os sexos e, devido a esta uniformidade, não há possibilidade de distinção entre os dois sexos como a que ocorre após a puberdade. No que diz respeito às manifestações eróticas e masturbatórias da sexualidade, poderíamos estabelecer que a sexualidade das mocinhas é de caráter inteiramente masculino” (1972 [1905], p. 225).
4.2 COMPLEXO DE ÉDIPO FEMININO
O desenvolvimento da sexualidade feminina é representado pela mudança de
objeto (da mãe para o pai) e pelo deslocamento da zona erógena (passar do clitóris
para a vagina). Estas duas passagens estão intimamente vinculadas e permitem que
a mulher desenvolva a feminilidade. Freud (1974g) afirma, no texto “Sexualidade
feminina”, que existem mulheres que não conseguem desligarse do pai. Entretanto,
isto não caracteriza se serão, ou não, neuróticas. Segundo a observação do autor,
as suas analisandas mulheres que desenvolveram forte ligação com o pai tiveram
antes uma relação muito forte também com a mãe.
Muitas mulheres conservamse ligadas ao primeiro amor da mãe e nunca se
dirigem aos homens. Freud estabelece, nesse momento, a importância da fase pré
edipiana e reconhece uma grande dificuldade em explicála. Entretanto, analistas
femininas, tal como Helene Deutsch (1932), Ruth Mack Brunswick (1928), Jeanne
Lamplde Groot (1927) perceberam estes fatos relatados com bastante clareza em
suas analisandas. Freud chegou a concluir que o fato das analistas serem mulheres
permitiu que as analisandas se identificassem com elas maternalmente
possibilitando um “acesso” à fase préedipiana de forma mais “fácil”.
A descoberta de Helene Deutsch e suas companheiras contribuiu, de maneira
decisiva, para os estudos de Freud sobre a sexualidade feminina. Ele concluiu que
a fase préedipiana é muito mais relevante no desenvolvimento das meninas,
enfatizando no texto “Feminilidade”: “A fase da ligação afetuosa préedipiana,
contudo é decisiva para o futuro de uma mulher: durante esta fase são feitos os
preparativos para aquisição das características com que mais tarde exercerá seu
papel na função sexual e realizará suas inestimáveis tarefas sociais” (FREUD,
1976h, p. 164). Esta descoberta foi comparada (1974g) no texto “Sexualidade
feminina” com a importância da descoberta da civilização minóicomiceniana antes
da civilização grega. Sobre isso Assoun comenta: “Ora se a língua edipiana é o
grego do inconscientelíngua de certo modo civilizada, a língua préedipiana é como
o miceniano: a promessa de civilização resplandecente, mas também uma suspeita
de inteligibilidade” (ASSOUN, 1993, p. 102).
A menina se afastará da mãe pelo menos por duas razões: achar que esta lhe
negou o pênis e também pelo fato de sentir que não foi amamentada como deveria.
Freud assinala que, na civilização moderna, esta última cobrança pode ter um fundo
de verdade devido às mães desmamarem os filhos mais cedo (6 a 9 meses) do que
as culturas primevas (2 a 3 anos). Sobre isso o autor afirma no texto “Sexualidade
feminina”:
É como se nossos filhos tivessem permanecido para sempre insaciados como se nunca tivessem sugado por tempo suficiente o seio da sua mãe. Contudo, não estou seguro de que, se analisássemos crianças que tivessem sido amamentadas por tanto tempo quanto dos povos primitivos não nos depararíamos com a mesma queixa, tão grande é a voracidade da libido de uma criança (1974g [1931], p. 269).
O amor que as mães manifestam aos filhos pode lhes parecer insuficiente. E
a criança se revoltar dizendo que foi preterida por outro, seja este irmão(a), primo(a)
ou qualquer pessoa próxima. Estes fatores contribuem de certo modo para levar a
menina a afastarse da mãe. A menina carrega, no psiquismo, as marcas do seu
intenso objeto de amor e para algumas é difícil ou impossível desvencilharse disso.
Isto aparece de algum modo nas relações sociais, principalmente naquelas ocasiões
em que for evocado o lugar de mãe ou de pai.
A menina, em tenra idade, é impedida pela mãe, ou aquela neste lugar, de
conhecer e tocar no seu corpo, através do ato de masturbarse. Este impedimento
cria uma grande hostilidade da menina para com a mãe favorecendo o desligamento
entre elas, pois foi a mãe que também, despertou as primeiras sensações nas zonas
erógenas através dos cuidados. Freud escreve nos Três Ensaios sobre a teoria da
Sexualidade:
A relação de uma criança com quem quer que seja responsável por seu cuidado proporcionalhe uma fonte infindável de excitação sexual e de satisfação de suas zonas erógenas. Isto é especialmente verdadeiro, já que a pessoa que cuida dela, que, afinal de contas, em geral é sua mãe, olhaa mesma com sentimentos que se originam de sua própria vida sexual: ela a acaricia, beijaa, embalaa e muito claramente a trata como um substituto de um objeto sexual completo (1972 [1905], p. 229).
Em sua clínica, o autor observou que muitas mulheres repetem na escolha do
marido a trama edípica, elas se colocam no lugar da mãe escolhendo um homem
cujo modelo psíquico se assemelha ao seu pai. Contudo, na verdade, isso é uma
busca inconsciente da repetição dos seus maus relacionamentos com suas mães.
O casamento é uma oportunidade para que apareça o “material” mais
importante do desenvolvimento da menina, pois neste momento é evocada a fase
mais importante na elaboração da sexualidade feminina constituindose na
mudança de objeto da mãe para o pai. O deslocamento do amor e depois do ódio
que a menina sente pela mãe também pode ser observado na relação amorosa
entre um homem e uma mulher, é o que Freud verifica no texto “Sexualidade
feminina”: “Com muitas mulheres temos a impressão de que seus anos de
maturidade são ocupados por uma luta com os maridos, tal como suas juventudes
se dissiparam numa luta com suas mães” (FREUD, 1974g, p. 265).
Para o autor, estas mulheres, geralmente jovens em um primeiro casamento,
mostramse muito amorosas com os maridos, mas depois de algum tempo se
revelam agressivas e hostis com os mesmos, como acontecera na sua relação com
a mãe. Geralmente se comportam de maneira mais harmoniosa num segundo
casamento. Serge André, no livro O que quer uma mulher (1987), escreve:
Assim uma mulher escolherá um homem, seja segundo o modelo paterno (escolha objetal) seja segundo o modelo narcísico (escolha narcísica). Neste segundo caso, que é o mais freqüente, segundo Freud o homem eleito será semelhante àquele que a menina teria desejado ser no período préedipiano. Mas se a escolha se faz segundo o modelo paterno, constata se que ela não tarda em deixar reaparecer a mãe através do pai: “o marido que anteriormente só herdara do pai assume com o tempo o papel de sucessor da mãe” e recebe, em conseqüência, toda a hostilidade que a filha tinha outrora experimentado com relação a sua mãe (ANDRÉ, 1987, p. 201).
Segundo observações relatadas por Freud, existe primeiramente uma
percepção do clitóris por parte da menina. A vagina não aparece como órgão de
excitação nos primeiros anos de vida, somente na puberdade é que a menina
começa a sentir as primeiras sensações. Estudos de Ernest Jones e Karen Horney
contrariam a verificação freudiana, pois apontam que o aparecimento de impulsos na
vagina acontecem desde os primeiros anos. Freud não desconsidera de todo esses
estudos, entretanto, ratifica que, de qualquer modo, as mulheres percebem
efetivamente o clitóris primeiro e esta relação tem um caráter masculino. Somente a
segunda relação com a vagina é que Freud considera feminina.
O sentimento hostil da menina com relação à mãe desaparece na latência,
retornando, novamente, na puberdade onde a figura materna se coloca de novo
como guardiã da castidade da filha. A puberdade é o momento em que os conflitos
edípicos reaparecem de outra forma, pois existe uma necessidade psíquica de
repetir as primeiras elaborações.
Podese dizer que a menarca evidencia, para a mãe, que o corpo da filha não
é mais infantil, uma vez que já está capacitado a gerar outra vida. Este
acontecimento levará a mãe a tecer conselhos, tais como: “você agora é mocinha;
tome cuidado com os rapazes; moça de família permanece virgem até o
casamento”.
No texto “O Tabu da Virgindade” (1970b) Freud relata que tribos primitivas
associavam a defloração de uma virgem com a menstruação pela questão do
sangue, uma vez que a maioria das moças sangra na primeira relação sexual. A
menstruação 7 , nestas culturas, especialmente na primeira vez que aparece, é
interpretada como a mordedura do espírito de um animal, talvez como um sinal de
relação sexual com este espírito. Esta associação do tabu da virgindade com o tabu
da menstruação que os povos primevos cultuavam foram, universalmente,
incorporados na história da humanidade.
Na antiga cultura judaica por exemplo, a mulher era totalmente excluída da
vida em sociedade nos dias da menstruação e era denominada Nidah (a excluída) . Para retornar ao convívio social havia necessidade de passar por um banho de
purificação, o Micvah. Esta cultura influenciou muitos povos, mas principalmente os cristãos. Por isso, ainda perdura a preocupação da mãe, quando a menina tem a
sua menarca.
Existe uma interessante analogia dos contos de fadas no que diz respeito
à relação de mãe e filha à luz da psicanálise: A princesa dos contos de fadas é
jovem e linda, a bruxa má é velha e feia. Por isso, a bruxa é temida e a princesa é
adorada.
A mãe que sofre demasiadamente na frente do espelho pelo surgimento de
cada ruga, em seu inconsciente sente transformarse de “menina boa” em bruxa feia
e temida. Sentese culpada por não saber como preservar sua beleza e está de luto
pela perda de seus atrativos físicos como parte integrante de sua identidade, o que a
incomoda é a impossibilidade de se reconhecer como era antes.
No conto da Branca de Neve, a madrasta só aparece má e feia, quando sua
enteada menina, fezse mulher e superoua em beleza. A bruxa é a imagem interna
da mãe, transformada em má por ter sido vencida pela filha e despojada do pai
príncipe e de todo atrativo sexual feminino.
7 Este temor ao sangue é encontrado no Antigo Testamento : “Quando uma mulher tiver um fluxo de seu corpo, permanecerá durante sete dias de impureza das suas regras. Quem a tocar ficará impuro até a tarde. Toda a cama sobre a qual se deitar com o seu fluxo ficará impuro até a tarde “ (LEVÍTICO XV, 1925).
A bruxa está dotada de atributos fálicos como nariz grande e a escova que representam sua união com o pênis “mau”
do pai. A mulher mais velha reconhece, frente ao espelho, bruscamente, a bruxa em seu próprio rosto e sentese tão odiada,
como odiou internamente sua mãe. É por esta razão que:
O espelho mágico parece falar com a voz da filha e não da mãe. A menina pequena acha a mãe a mulher mais linda do mundo, e é assim que o espelho fala inicialmente com a rainha. Mas como a menina mais velha considerase muito mais bonita do que a mãe, isto é o que o espelho diz mais adiante. A mãe pode se desencorajar quando se compara com a filha num espelho e pode pensar: “Minha filha é mais bonita do que eu”, mas o espelho diz: “Ela é mil vezes mais linda” (BETTLHEIM, 1992, p. 246).
O autor diz que isto explica o motivo da adolescente aumentar suas
vantagens a fim de que as dúvidas internas sejam silenciadas. É por retratar a luta
edípica existente entre PaiMãe e filha que a rainha do conto de Branca de Neve não
consegue envelhecer sem se preocupar. Esta preocupação chega ao ponto máximo
quando a rainha pede ao caçador que mate sua enteada e lhe traga os pulmões e o
fígado para que ela os coma. Bruno Bettelheim (1992) explica que, de acordo com
os costumes e pensamentos primitivos, adquirimos os poderes e características
daquilo que comemos.
O autor analisa, também, que as relações entre Branca de Neve e a rainha
simbolizam algumas dificuldades que ocorrem entre mãe e filha.
Mas são também projeções, em figuras separadas, das tendências incompatíveis dentro de uma pessoa. Freqüentemente estas contradições internas originamse no relacionamento da criança com os pais. Por isso, no conto de fadas, a projeção de um dos lados do conflito interno numa figura parental também representa uma verdade histórica: é onde ele se originou. Isto é sugerido, quando a vida calma e sem acontecimentos que Branca de Neve leva com os anões se interrompe (BETTLHEIM, 1992, p. 250).
Esta elaboração contribuirá para que a pessoa viva a vida adulta de maneira
plena, possibilitando que a maternidade e a paternidade sejam vivenciadas sem os
conflitos internos. Dentro da abordagem psicanalítica, a menarca possibilita uma
oportunidade psíquica da menina elaborar conflitos edípicos que não foram bem
resolvidos em tenra idade, como acabamos de mencionar. Na menopausa, a mulher
terá oportunidade de reviver estes conflitos que não ficaram bem elaborados nas
suas lutas edipianas: ”Os conflitos psicológicos que comovem a menina púbere são
uma reedição de suas lutas edípicas. Segundo Helene Deustsh, também a mulher
climatérica repete os mesmos conflitos” (LANGER, 1981, p. 239).
Nos meninos púberes a primeira ejaculação é vista como sinônimo de poder e
virilidade sendo grandemente festejada. Os conselhos para eles são completamente
diferentes: “agora, você é um homem e está pronto para conhecer as mulheres e o
mundo”. Este comportamento diferenciado para as descobertas do corpo é
verificado em diversas culturas e em diferentes épocas na história da humanidade.
Elizabeth Roudinesco em A família em desordem distingue sexo e gênero: “De um
ponto de vista antropológico, é possível classificar as sociedades humanas em duas
categorias em função da maneira como pensam as relações entre o sexo social
(gênero) e o sexo biológico (sexo) “ (2003, p. 115119).
Roudinesco (2003) esclarece que em numerosos trabalhos contemporâneos
designase por “sexo” o que deriva do corpo sexuado (masculino ou feminino) e por
“gênero” o que se reporta à significação sexual do corpo na sociedade
(masculinidade ou feminilidade).
Crescer fisicamente, para as meninas representa precisar ter cuidados para
ser respeitada socialmente. A menarca pode remeter ao complexo de castração,
podendo ser considerada no início um castigo. Existem meninas que vivenciam este
momento dolorosamente segundo observações da psicanalista Marie Langer (1986)
no livro Maternidade e sexo, visto que as suas mães também não vivenciaram este
momento naturalmente.
A menina púbere tenta, ativamente, separarse de seus objetos incestuosos:
os pais. Por isso, é tão comum o conflito entre pais e filhos nesta fase. Freud, no
final desta conferência escreve que o deslocamento do amor e, depois, do ódio que
a menina sente pela mãe, também, pode ser observado na relação amorosa entre
um homem e uma mulher, como foi descrito anteriormente.
Helene Deutsch (1952), psicanalista, contemporânea de Freud, não concorda
com a tese deste, no que diz respeito à inveja do pênis como o ponto central da
construção da sexualidade feminina. Deutsch analisa que o clitóris é um órgão
diminuto para ser considerado pela menina, psiquicamente, um pênis, uma vez que
ele é incapaz de penetrar e obter “satisfação de impulsos ativos agressivos:” Quanto
à vagina, ela também considera órgão funcionalmente passivo, pois, a menina
demora para percebêlo. O despertar da vagina, para um funcionamento sexual
completo, depende totalmente da atividade do homem, e a ausência de atividade
vaginal espontânea constitui a base fisiológica da passividade feminina.
Karen Horney supunha a percepção precoce da vagina com representações
psíquicas a ela correspondentes, sendo os destinos dados a estas percepções
responsáveis pelo poder do complexo masculino na menina. É interessante observar
que esta tese contraria a teoria freudiana que concede à vagina um caráter feminino
após a percepção do clitóris como pequeno pênis e órgão masculino.
4.3 TORNARSE MULHER, EM FREUD
De acordo com Freud, a sexualidade feminina é o resultado do que a mulher
vivenciou em tenra idade, nas suas lutas edípicas. Estudar o feminino é também
discursar sobre as figuras parentais (aqueles que sendo, ou não, pais biológicos
desempenham tal função). Aqueles que cuidam de um bebê elaboraram seus
conflitos, ou não, com suas respectivas figuras parentais e estas vivências serão
fundantes na sua posição com relação aos seus filhos.
Para Freud existe um processo no tornarse mulher, que acontece a partir da
sexualidade infantil. O processo deste desenvolvimento com as figuras parentais é
que possibilitará que a menina seja feminina ou não. Como se descreverá a seguir.
A princípio tanto a criança do sexo masculino, quanto do sexo feminino não
percebe, psiquicamente a diferença anatômica entre os seus sexos. A menina “vive”
como se tivesse um pênis, e ela sente que o tem (clitóris). Este órgão tornase sede
de excitação para ela. Conferese ao clitóris um caráter masculino durante a
atividade sexual (práticas masturbatórias). Neste momento, no dizer freudiano, é
como se existisse apenas um único sexo, o masculino.
Com o passar do tempo, o menino chega a descobrir que o pênis não é
comum a todas as crianças. Isto acontece numa visão acidental dos órgãos genitais
de uma irmãzinha ou amiga. A menina, quando percebe que não é igual ao menino,
julga, ainda assim, que vê um pênis em seu corpo, só que é pequeno, mas chegará
um dia em que ficará maior. Paulatinamente, a menina “concorda” que não possui o
pênis, entretanto já o possuiu um dia, só que lhe foi retirado. Sentese, com isso,
desfavorecida, aceitando somente a posição de ter sido castrada. As psicanalistas
Kristeva e Clément (2001), no livro intitulado O feminino e o sagrado, discutem esta
questão freudiana:
A menina que ama o pai e se compara a seu irmão, não se furta a esse encontro fálico. Ela o constata, confrontada com o corpo do macho, pai ou irmão, e com o seio, mas tendo como único equivalente do pênis o seu clitóris ao mesmo tempo em desvantagem porque menor, e misteriosamente íntimo, porque invisível. A fase fálica é estrutural, pois, para os dois sexos, mas de forma diferente para a menina e para o menino. Cada um se defronta com o poder (fálico) e com o sentido (paternal, distante do elo sensível com a mãe), poder e sentido ao mesmo tempo erótico e simbólico; mas o menino experimenta essa confrontação com a convicção de “pertencer” e a menina com a impressão de uma estranheza. Uma vez que vai adquirir e consolidar sua capacidade de falar, sua capacidade de se avaliar de acordo com a lei dos outros, sua capacidade de entrar na ordem (do pensamento e da sociedade), a moça tomará parte da ordem fálica. Mas, pelo fato de continuar estrangeira, vai conservar um sentimento de inferioridade, de exclusão ou, na melhor das hipóteses, de ironia.”Eu pertenço, mas não de verdade, desempenho o papel, faço de conta [...]” (2001, p. 76)
A criança não generaliza que todas as mulheres foram castradas como ela.
Somente foramno aquelas que tiveram impulsos inadmissíveis semelhantes ao seu
próprio. Para ela, ser mulher não significa ainda não ter pênis. Mulheres
respeitáveis, como a sua mãe, continuam possuindo um pênis por muito tempo.
Na latência, período que corresponde ao declínio da sexualidade infantil dos
cinco ou seis anos até o início da puberdade, dáse uma pausa na evolução da
sexualidade. Observase, deste ponto de vista, uma diminuição das atividades
sexuais, a dessexualização das relações de objeto e dos sentimentos e,
especialmente, a predominância da ternura sobre os objetos sexuais, o
aparecimento de sentimentos como o pudor ou a repugnância, e de aspirações
morais e estéticas.
Segundo a teoria psicanalítica, o período de latência tem origem no declínio
do complexo de Édipo; corresponde a uma intensificação do recalque que tem como
efeito uma amnésia que cobre os primeiros anos, havendo uma transformação dos
investimentos de objetos em identificações com os pais e a um desenvolvimento das
sublimações. A criança retoma as questões a respeito da sua origem e,
conseqüentemente, do nascimento dos bebês. Conclui depois de certo tempo que
apenas as mulheres dão à luz a uma criança e aceitam que suas mães percam o
pênis e recebam um bebê em troca. Podese dizer que a castração adquire formas
diferentes para meninos e meninas.
O menino sente a ameaça de ser castrado ao manipular seus órgãos
genitais, sendo reprovado pelos adultos com palavras como: “vão cortálo” ou “se
tocar vai cair”, “o gato vai comer”... As ameaças, inicialmente, não fazem sentido
para o menino. Elas assumem significação somente quando ele observa o órgão
genital de uma menina e vê que ela não possui pênis. É neste momento que a
ameaça de castração passa a ter efeito, pois o menino vê a menina como o seu
igual. Ao vêla “castrada”, acredita que ela perdeu o pênis por punição. Assim, existe
uma “aceitação” na ameaça de castração.
O menino acha que, realmente, pode vir a perder o pênis, se continuar
desejando sua mãe. Ele pára de obter satisfação no complexo de Édipo com medo
de ser castrado. A destituição do complexo de Édipo no menino dáse pela ameaça
de castração. A menina, também, desenvolve um complexo de Édipo e um
complexo de castração, entretanto, de maneira diferente do menino. Para ela, o
clitóris é seu pênis e, ao comparálo com o do menino, sentese inferiorizada por ser
tão pequeno. Mesmo assim, acredita que já possuiu um tão grande, quanto o sexo
oposto, mas que o perdeu pela castração. Abandona, neste momento, o clitóris.
Observase que o desenvolvimento sexual feminino se dá quando existe a
visualização do pênis do menino, pois, neste momento, ela sente inveja por não
possuir um órgão do mesmo tamanho. Este sentimento, é compensado pelo desejo
de receber um bebê, que assume o lugar do pênis, numa equivalência simbólica, o
que Freud esclarece no texto “Feminilidade” : “a situação feminina só se estabelece
se o desejo do pênis for substituído pelo desejo de um bebê, isto é, se um bebê
assume o lugar de pênis consoante uma primitiva equivalência simbólica ” (FREUD,
1976h , p.157).
A inveja do pênis, com a descoberta da castração, pode acarretar três
conseqüências psíquicas, dependendo do psiquismo de cada mulher: o complexo de
masculinidade, a neurose e a feminilidade. O sentimento de inferioridade da menina
deriva da idéia de que é inferior ao menino e, para se “compensar”, insistirá em ser
como um homem. Freud (1976d) em “Algumas conseqüências psíquicas da
distinção anatômica entre os sexos” escreve que as analistas femininas não iriam
concordar com esta proposição dele sobre o complexo de masculinidade:
Quando ultrapassou sua primeira tentativa de explicar sua falta de pênis como uma punição pessoal para si mesma, e compreendeu que esse caráter sexual é universal, ela começa a partilhar do desprezo sentido pelos homens por um sexo que é inferior em tão importante aspecto, e pelo menos no sustentar dessa opinião, insiste em ser como um homem (p. 315).
Para Horney a menina decepciona se com o pai. Esta decepção ocorre após o deslocamento que ela faz da mãe para o pai. Assim, podese afirmar a existência de uma regressão no Édipo feminino que faz parte da movimentação do inconsciente freudiano que trabalha com as sucessivas repetições. Onde podem acontecer hiatos propiciativos a possíveis elaborações naquilo que parece regressão. ANDRÉ (1987) comenta esta elucidação de Horney:
A autora observou, assim, que as mulheres que manifestam um forte complexo de masculinidade “tentaram inicialmente resolver o complexo de Édipo normalmente, conservando sua identificação primitiva com a mãe e, como esta tomando o pai como objeto de amor”. Como Freud descobria com estupefação no final de ”Uma criança é espancada”, complexo de masculinidade e fixação no pai não são antinômicos (1987, p. 199).
Para Horney, “o abandono do pai enquanto objeto de amor é acompanhado
por uma identificação com ele” entretanto, isto não caracteriza que o processo
identificatório chegue necessariamente a uma saída de objeto homossexual
completo. Esta identificação caracterizase pelo desejo de “desempenhar o papel do
pai”: andar como ele, escolher a mesma profissão dele, etc.
Esta observação de Horney é posterior à análise do caso da jovem
homossexual onde Freud demonstra que, mesmo tendo chegado à fase edipiana, a
menina pode chegar a “regredir” para a fase préedipiana onde o filho tão esperado
pelo pai simbolicamente “apareça” para outra mulher, sua mãe, de uma forma real.
Aí se tem a possibilidade dentro desta base conceitual da menina estruturar
se com uma decepção em relação ao pai, pois este deveria proporcionarlhe o filho
simbólico. Com a possível decepção com o pai a jovem vai buscar no amor da Dama
a tentativa de mostrar ao pai como se ama, pois, para ela: “papai não soube me
amar”.
A jovem usa a Dama para através dela interrogar sobre o desejo da mulher.
A respeito disso, Ribeiro (2001) escreve o que vem a ser actingout, passagem ao
ato e ato sintomático.
Tanto no ato sintomático quanto no actingout há uma verdade em questão: uma verdade do sujeito, desconhecida dele próprio e revelada ao outro a que o ato é endereçado. Freud o revela no caso da jovem homossexual. Desfilando com sua dama de péssima reputação sob o olhar de censura do pai, ela demonstra, dá a ver no ato, como este deveria amála e cortejála (p. 109).
O ato a que Ribeiro se refere no texto freudiano é que ao sentir o olhar de
reprovação do pai e o descaso da dama, a jovem separase desta e se joga nos
trilhos do trem, tal qual um objeto ou um dejetoniederkommeen (cair, deixarse
parir). Este acontecimento permitiu que Freud decifrasse o enigma da jovem. Ela
não suportou ver o pai dar à mãe um filho, que segundo a sua concepção seria dela.
Ao cair a jovem tenta resgatar a sua história de amor edípico, mas, o retorno à mãe
está impedido, uma vez que esta não se encontra dividida, mas possui o objeto
(filho), no real que seria dela simbolicamente. A entrada do outro simbolicamente
possibilita a criação.
O sujeito dividido está sempre a procura de um a mais que o complete.
Quando a fantasia edípica tornase concretude de alguma forma leva o sujeito a um
sofrimento que ele não dá conta de vivenciar. A jovem não aceitou um outro na
relação, pois o triângulo amoroso ficou impedido com um outro.
A escolha da neurose tem como conseqüência a inveja do pênis que parece
ser um afrouxamento da relação afetuosa com a mãe, considerada como a
responsável por têla colocada no mundo sem um órgão tão importante. Com o
abandono do clitóris, a libido da menina deslizará para uma nova posição, expressa
pela equação simbólica: pênis criança. Ela abandona seu desejo de um pênis e
coloca em seu lugar o desejo de um filho, tomando assim o pai como objeto de seu
ciúme. Tal ciúme é devido ao fato de a menina passar a culpar sua mãe de têla
colocado no mundo em desvantagem. Encontrará o caminho onde alcançará a
atitude feminina do complexo de Édipo.
Este atravessamento é que a torna feminina e destas elaborações
vivenciadas é que se dá o surgimento do superego. Criando uma expressão
duradoura da influência dos pais, o superego eterniza a existência daqueles
momentos a que deve sua origem.
A mulher tem que suportar ser objeto da causa de desejo do outro. É o que
Freud escreve em “A Dissolução do Complexo de Édipo” (1976b) Por isso, para ele
a mulher feminina é aquela que aceita sua castração de forma resignada.
Este processo è longo e inacabado existindo situações em que o sujeito
vivenciará este temor novamente. Como se visto no desenrolar desta pesquisa.
Assim, Freud diferencia a dissolução do complexo de Édipo na menina do menino:
Enquanto nos meninos, o complexo de Édipo é destituído pelo complexo de castração, nas meninas ele se faz possível e é introduzido através do complexo de castração. Essa contradição se esclarece se refletimos que o complexo de castração sempre opera no sentido implícito em seu conteúdo: ele inibe e limita a masculinidade e incentiva a feminilidade (1976b [1924], p. 318).
Podese dizer que, mesmo na neurose histérica, há uma indagação do que é
uma mulher. Porque a questão do desejo na histeria diz respeito a um desejo
enigmático. Um desejo que não se destrincha facilmente porque é um desejo de um
desejo. Como Freud (1976c) relata no livro Interpretação dos Sonhos, “o sonho da
Bela Açougueira” em que a protagonista diz que teve um sonho cujo desejo não se
realizou o que para ela é um enigma, pois segundo a teoria do doutor Freud os
desejos mais escondidos se realizam nos sonhos. Eis o texto do sonho:
Queria dar uma reunião onde fosse servida uma ceia, mas não tinha nada em casa senão um pequeno salmão defumado. Pensei em sair e comprar alguma coisa, me lembrei que era domingo de tarde e que todas as casas comerciais estavam fechadas. Em seguida, tentei telefonar para alguns fornecedores, mas o telefone estava defeituoso. Assim, tive que abandonar meu desejo de dar uma refeição (FREUD 1976c [1900], p. 156).
Freud, a principio, parece concordar que, realmente este foi um sonho onde o
desejo não se realizou e, mesmo assim, indaga: Se você teve um sonho onde
aparecia um desejo insatisfeito é porque deve ter um tal desejo? Após algumas
sessões de análise com as associações livres, a açougueira começa a descrever o
marido dizendo que ele está muito gordo e que estava precisando fazer um regime.
Para alcançar tal empreendimento ele não aceitaria mais convites para jantar.
Ela relata, também, que certa vez, o marido em tom de brincadeira, disse a
um pintor que desejaria fazer seu retrato mas que preferiria no lugar de sua figura o
traseiro de uma bela jovem. Contudo, o desejo da açougueira parece mais
enigmático, porque ela revela que gosta de comer caviar todas as manhãs, mas
pede ao marido que não sirva como prova de seu amor por ela.
No desenrolar das sessões de análise vão aparecendo outros elementos que
permitirão a Freud entender a causa que leva a açougueira a criar um desejo
insatisfeito. Como a figura de outra mulher, sua amiga, que certo dia, encontra e
reclama que está muito magra e sente vontade de engordar mais, por isso a
questiona sobre os jantares na sua casa: “quando você vai nos convidar de novo,
comese muito bem em sua casa.”
Para Freud, a entrada desta amiga permite um entendimento na indagação
inicial de sua paciente e possibilita uma amarração entre o desejo do marido que
quer emagrecer e a amiga que deseja engordar e espera que a açougueira a
convide para jantar. Quanto a isso André (1987) afirma que: “[...] no ponto de
cruzamento entre esses dois desejos, no espírito da açougueira, colocase um
enigma, que é o da verdade do desejo” ( p.141).
Segundo Freud, aparentemente, o sonho poderia ser diagnosticado como um
ciúme da Açougueira pela amiga, pois, segundo relatos dela, o marido parece ter um
interesse por esta, apesar dele já ter confessado que tinha preferência pelas “formas
cheias”. Assim, poderia parecer que a paciente estaria impedindo que a amiga
engordasse não lhe oferecendo jantares. Mas, ainda existe um enigma que fica sem
solução: o salmão defumado. Quando Freud lhe pergunta a este respeito a paciente
revela ser este o prato predileto de sua amiga. Mas que esta também recusa em se
satisfazer, como ela mesma recusa o caviar. Sobre esta movimentação Serge André
comenta:
Na sucessão desses três tempos de questionamento, vêse bem a colocação bissexual própria da histérica. Por um lado, a açougueira se alinha do lado de sua amiga, na qual ela busca captar a encarnação de uma misteriosa feminilidade à qual seu marido seria sensível e, por outro lado, ela adota a posição masculina própria ao açougueiro para formular sua questão referente a amiga: quem é ela, para que ele a ame? Ela se põe então no lugar de seu marido para questionar a feminilidade de sua amiga (posição masculina), porque ela desejaria que seu marido a amasse como ele ama a amiga em questão (posição feminina) (ANDRÉ, 1987, p. 143).
A histérica se interessa pelo homem para, através dele, interrogar a outra
mulher sobre o mistério da feminilidade. Ela usa o homem apenas como conector,
partindo da imagem da outra mulher para indagar: O que é uma mulher?
Será que a imagem do homem também pode ser uma conexão para se
chegar ao poder, phallus (atividade), sobre o mistério da feminilidade (passividade)? Para Freud não há esta representação no inconsciente.
Diadorim usa a imagem de jagunço, porém atrás do véu deste aparece na
morte, uma linda mulher. Talvez tenha aparecido como aquela que possui o falo,
(guerrear, acabar com o mal, Hermógenes) para melhor entender o que lhe faltava e
que buscava: a feminilidade. É interessante observar que ela não cortou os cabelos
para se assemelhar ao homem, corporalmente, eles são abaixo da cintura como
para encobrir o que ela não quer aceitar: a castração, a falta.
4.4 A MASCARADA FEMININA EM JOAN RIVIÈRE
Joan Rivière escreve que o feminino é máscara. Ela chegou a esta conclusão, com uma analisanda que apresentava
um comportamento muito peculiar: Era uma mulher que executava muito bem sua tarefa profissional (propagandista militante,
que consistia em essência falar e escrever) e se relacionava plenamente com o marido e os filhos, entretanto, quando realizava
alguma brilhante conferência, sentia uma angústia como se tivesse cometido algo errado. Para compensar este sentimento,
procurava um certo tipo de homens na platéia com intuito de conquistálos. Ficou evidente durante o tratamento, que os
homens eleitos por ela representavam figuras paternas. Após as “conquistas”, sentiase muito frustrada e angustiada e não
entendia porque havia se comportado de tal forma:
A análise mostrou que a rivalidade edipiana, com a mãe havia sido extremamente intensa e nunca fora resolvida de forma satisfatória. Eu voltarei a isso mais adiante. No entanto, paralelamente ao conflito que consistia sobretudo em falar e escrever era fundado sobre uma identificação evidente ao pai, o qual tinha iniciado a vida como escritor e havia, em seguida, escolhido uma carreira política. A adolescência dessa mulher havia sido marcada por uma revolta consciente contra seu pai, feita de rivalidade e desprezo para com ele (RIVIÈRE, 1999, p. 30).
No percurso analítico, Rivière chegou a concluir que esta analisanda escolheu a profissão de propagandista, porque
esta atividade consistia em falar em público, tal qual o pai, possibilitando revelar que “possuía” o pênis deste, após têlo
castrado. Rivière concluiu que o disfarce de mulher castrada assegurava que não sofreria represálias dos homens, ficando
impune. Desta forma, esta paciente transitava em atividades masculinas e femininas, sem ser descoberta:
A feminilidade poderia então ser assumida e carregada como uma máscara, ao mesmo tempo para dissimular a existência da masculinidade e evitar as represálias que ela temia, caso viesse a ser descoberto o que estava em sua posse; exatamente como um ladrão que vira seus bolsos e exige que ele não tem os objetos roubados (RIVIÈRE,1999, p. 31).
Diadorim também escolheu a “profissão“ do pai: ser jagunço. E não sofreria represálias dos homens, pois ao
contrário da paciente de Rivière, a sua máscara era masculina e de jagunço e esta estava grudada em seu corpo e não se
permitia ser vista totalmente em uma posição passiva. Seu corpo estava resguardado por uma bela máscara aos olhos de
Riobaldo:
Guardei os olhos, meio momento, na beleza dele, guapo tão aposto surgido sempre com jaleco, que ele tirava nunca, e com as calças de vaqueiro, em couro de veado macho, curtido com aroeirabrava e campestre (GSV, p.135).
Diadorim usava sempre um “jaleco”, um escudo para encobrir seu corpo de mulher, porém adornava ainda mais sua
máscara de homem.
Mascarar é cobrirse de um disfarce para proteger o rosto ou o corpo, por isso diz respeito à teatralidade. Lacan
ratifica Joan Rivière no que ela afirma sobre a mascarada feminina que não deixa de ser uma construção do feminino, pois
para ele não existe uma essência feminina é nesse sentido que ele escreveu que “A mulher não existe”, aforismo que não
denota depreciação ao feminino, mas enfatiza a dimensão de impossível apreensão do que seja, em último termo, a
feminilidade. Dentro da proposta desta pesquisa entendese que “A mulher não existe” implica portanto, inventála partindo da
posição masculina para a feminina. Esta tarefa se alcança através de máscaras, sobre isso Lacan afirma no Seminário 11:
Essa representação do Outro falta, precisamente entre esses dois mundos opostos que a sexualidade nos designa no masculino e no feminino. Levando as coisas ao máximo, podese dizer mesmo que o ideal viril e o ideal feminino são figurados no psiquismo por outra coisa que não essa oposição atividade passividade de que eu falava há pouco. Eles saem propriamente de um termo que não fui eu que introduzi, mas com que uma psicanalista rotulou a atitude sexual feminina é a mascarada. A mascarada não é o que entra em jogo na ostentação necessária, no nível dos animais, ao acasalamento, bem como o enfeite se revela aí, geralmente, do lado do macho. A mascarada tem outro sentido no domínio humano, é precisamente de funcionar no nível não mais imaginário, mas simbólico (1985b, p.183).
Os gregos antigos colocavam máscaras no rosto e outras partes do corpo quando queriam representar seus dramas
clássicos que se desenvolviam a partir de cerimônias religiosas. Cantores e dançarinos mascarados representavam deuses e
heróis mitológicos. As máscaras eram caracterizadas de diversas formas e expressavam: raiva, carinho, amor, nervosismo,
poder, entre outras manifestações humanas, permitindo que se fizessem ações que sem elas não se conseguiria realizar.
Para Rivière, o ser humano para “sair” da posição masculina, ativa e tornarse
feminina passiva, tem de mascararse como se fosse alguém carente de poder e
saber, porém, conseguindo uma afirmação. A mulher pode recusar mostrar o seu
saber ao outro semelhante a fim de obter um ganho. Sobre isso esta autora
considera:
Na vida cotidiana, a máscara da feminilidade pode tomar os aspectos mais curiosos. Conheço uma dona de casa inteligente e capaz de conduzir bem certas tarefas tipicamente masculinas. No entanto, por exemplo, se ela precisa de um construtor ou de um estofador, ela se sente obrigada a dissimular todos os seus conhecimentos técnicos e se mostrar cheia de deficiência para com o profissional, fazendo sugestões com um ar ingênuo e inocente como se tratasse de sugestões fortuitas (1999, p. 31).
Cada mulher “descobre”, inventa o que fazer com a faltaaser de uma
maneira única, criativa. Com isso, entendese que dentro desta leitura não se pode
generalizar como no dizer popular: “As mulheres são todas iguais”[...] Estas segundo
Lacan não fazem conjunto, pois cada uma mascara sua mulher de uma forma
diferente e única. Por isso, só podem ser analisadas uma a uma, como o
inconsciente. Sobre esta teoria lacaniana Maia considera:
Lacan diz que a mulher está na posição do nãotodo. Isso traz conseqüências para a mulher, como a falta de uma identidade feminina. Daí ela recorre as máscaras, se faz de fato denunciando que para além do véu, do batom, do esmalte há o que se constitui como o seu maior mistério: gozo feminino. Não existindo a mulher como modelo feminino de identificação, é preciso que cada uma procure criar uma imagem de mulher para si ( 1995, p.191).
A mascarada parece ser alguém que se angustia diante de seus conflitos
edípicos e precisa encobrir esta angústia usando um véu. Diadorim usa o véu de
jagunço.
Entretanto, não se pode colocála em conjunto dizendo: “todas as mulheres
mascaram a feminilidade” da mesma maneira. Não é condição necessária que a
linha de desenvolvimento de uma mulher mascarada seja igual ao da analisanda de
Rivière (1999), pois o conjunto de mulheres na visão lacaniana não existe, podendo
ser analisadas somente uma a uma. Mascarar o feminino é uma das maneiras de
inventar “A Mulher”.
Por isso, Rivière não difere feminilidade “verdadeira” da mascarada. “De fato,
eu não pretendo que uma tal diferença exista. Que a feminilidade seja superficial ou
fundamental, ela é sempre a mesma coisa” (1999, p. 31). No filme 8 “Orlando: A
mulher imortal”, baseado na obra de Virgínia Wolf O/A protagonista passa pela
experiência dos dois sexos. Primeiro ele/ela vivencia o masculino depois o feminino
e no término, quando ele (o humano que se manifesta de diversas formas) se liberta
do passado pela maternidade aparece olhando uma imagem mascarada dele
próprio, porém no corpo feminino e conclui: “Nem mulher nem homem estamos
juntos somos um só com um rosto humano”.
8 Apesar de existir o livro de Virginia Wolf que trata desta temática estamos seguindo a orientação de Umberto Eco no livro Pós escrito a O nome da Rosa (1985, p. 52), quando relata que o filme é uma narrativa e que o livro é outra narrativa diferente, mesmo se tratando da mesma história. Assim, concluímos que a narrativa do filme vai ao encontro da nossa proposta de pesquisa.
E esta liberdade propiciou que ele/ela descobrisse que sua vida estivesse
apenas começando. Podemos dizer que ele/ela libertouse da trama edípica, seus
conflitos de angústias foram elaborados até aquele “limite”. O ele/ela diz: “neste
momento de unidade tenho sentido um êxtase”.
Serge André (1987) referindose à mascarada de Rivière elucida que: “Fazer
se de Mulher, ou revestirse de suas aparências pode ser então em modo desviado
de afirmar sua masculinidade” (p.276). Mas isso não implica uma
homossexualidade, pois mesmo nesta Rivière considera que haja uma feminilidade
latente.
Mascarar uma imagem é um artifício que alguns seres humanos elaboram
para se dizer feminina: “A mascarada realiza uma encenação imaginária do não
todo: a representação da mulher castrada funciona aí como signo que protege
contra a falta de significante da feminilidade” (ANDRÉ, 1987, p. 283). Para Freud, a
feminilidade revela algo obscuro, o “continente negro”.
Em “Algumas conseqüências psíquicas da distinção anatômica entre os
sexos” (1976d), Freud afirma que a masculinidade e a feminilidade puras
permanecem sendo construções teóricas de conteúdo incerto. Dentro da base
conceitual desta pesquisa a mascarada feminina é que mais nos revela sobre o
grande enigma da feminilidade a que Freud e Lacan debruçaramse tanto para
decifrar.
4.5 O BARROCO COMO UMA EXPRESSÃO DA MÁSCARA FEMININA EM
DIADORIM
Para a menina atingir a feminilidade passa por uma construção complexa de deslocamento da mãe para o pai, como
objeto de amor, e um retorno à mãe, como a busca para a identificação. A tela de Miguel Ângelo “A Sagrada Família” (vide tela
em anexo, ilustração 7) consegue expressar o triângulo edípico freudiano, uma vez que a visão da tela insinua a divisão que a
criança vivencia entre os pais em tenra idade. Não fica claro se é a criança que se inclina ora para um, ora para outro ou se
são os pais que perseguem o filho com o olhar (função escópica) pretendendo “seduzilo”.
No entanto, é a mãe que tem que permitir que o pai entre na relação. Ela tem que se dividir ao dizer “NãoToda”
para possibilitar a entrada do Outro, da Lei, a fim de tornála inventiva, possibilitando que se faça produções na vida
posteriormente. No fundo da tela, vêemse corpos adultos: não se distingue se são masculinos ou femininos, representando
segundo nossa proposta que o enigma da sexualidade humana só pode ser entendido como posições: ora masculina ora
feminina.
Cada momento, nesta relação, é crucial para desenvolver a feminilidade. Na arte barroca, o mesmo se dá, e cada
dobra, luz, sombra, rebuscamento diz de um momento único da obra de arte: “E vêse, de fato, a pertinência desse propósito
para os diversos objetos da arte barroca que fazem de cada momento uma pequena festa, mesmo que minúscula”
(MAFFESOLI, 1999, p.194).
Os vários elementos que compõem uma obra barroca não podem ser analisados ou vistos isoladamente, pois, cada
traçado só faz sentido no conjunto. Wölfflin (2000) analisa a pluralidade dos elementos barrocos que levam a uma unidade da
obra. Ele compara a “Vênus de Ticiano” (vide tela em anexo, ilustração 8), obra enquadrada como renascentista pelos
historiadores da arte, com a “Vênus de Velásquez” (vide tela em anexo, ilustração 9), obra considerada barroca. Conclui que,
se tirar qualquer acessório desta, o quadro não poderá ser compreendido, ao contrário do que acontece na “Vênus de Ticiano”
uma vez retirado qualquer elemento, não fará diferença na compreensão pela exatidão nas formas ser fundamental na obra
renascentista.
A posição feminina, em Freud e Lacan, também só se compreende analisando as várias fases que descrevemos no
item anterior, posto que isoladamente nunca se conseguirá vislumbrála. A mulher, uma vez feminina, tem que inventar fazer
algo com o NADA, encobrir de alguma forma a FALTA, porque ela é NÃOTODA.
A mulher, na posição feminina, está no lugar de objeto causa do desejo relacionandose com o significante da falta
do Outro. Segundo Assoun (1993): “O caminho da feminilidade é aprender a fazer algo com o nada”.
A posição feminina implica construir um caminho com sombras, rebuscamentos, ausência, completude,
mascaramento, luz, falta, dobras num ir e vir, tal qual na arte barroca em qualquer expressão: pintura, escultura, literatura,
artesanato... Estas características relatadas aparecem como se fossem uma imagem ilusória tanto para o feminino quanto para
a arte barroca como descreveremos a seguir.
Para Freud (1976h) e Simone Beauvoir (1949a), ninguém nasce mulher, mas,
tornase como já foi descrito. Um dos momentos desta vivência é visualizado na
escultura de Bernini “Apolo e Dafne” (vide tela em anexo, ilustração 10), pois em
vários momentos, o jogo da ilusão é retratado.
Segundo Hautecceur (1963), historiador da arte, Dafne passa por várias
metamorfoses para fugir de Apolo. Metamorforseiase em loureiro, ficando sua
imagem confusa entre vegetal e mulher.
Observase que a menina, na puberdade, apresenta um corpo físico que se
metamorforseia ora em menina, ora em mulher. Diadorim no olhar de Riobaldo
passa por esse processo de metamorfose ora ele a vê homem (ativo, valente,
grande guerreiro): “Você é valente sempre? Em hora eu lhe perguntei” (GSV, p. 85)
Em outro momento, Riobaldo afirma que Diadorim sabia ser homem:
Era que ele gostava de mim com a alma: me entende? O Reinaldo. Diadorim, digo. Eh, ele sabia ser homem terrível. Suspa! O senhor viu onça: boca de lado e lado, raivável, pelos filhos? Viu rusgo de touro no alto campo, brabejendo; cobra jararacussu emendando sete botes estalados; bando doido de queixadas se passantes, dando febre no mato? E o senhor não viu o Reinaldo guerrear!... Essas coisas se acreditam (GSV, p.122).
Riobaldo confundese com os nomes do amigo. Primeiro chamao de
Reinaldo, nome masculino e depois de Diadorim que tem a sonoridade de feminino,
para contar que ele/ela sabia ser homem, quer dizer esse não era o seu estado
permanente, mas colocava uma máscara de homem terrível e exercia o seu papel,
revelando uma dualidade aos olhos de Riobaldo, assim, ora a/o vê mulher: passiva,
carinhosa, alguém que quer cuidar do outro:” A fala, o jeito dele, imitavam de mulher [grifo nosso] Então, era aquilo? “ (GSV, p. 85)
Em outro momento da narrativa, Riobaldo assinala outra característica
correspondente à atitude feminina em Reinaldo: “Diadorim estava perto de mim, vivo
como pessoa, com aquela forte meiguice [grifo nosso] que ele denotava” (GSV, p. 305). Quer dizer a característica meiguice que lhe era particular contrastava com o
homem guerreiro, dualidade própria das personagens da literatura barroca.
É comum, em tenra idade, meninas serem confundidas com meninos e viceversa. Por
isso, foi “fácil” Diadorim se passar pelo menino Reinaldo e nunca ser descoberta:
“Você era menino, eu era menino... Atravessamos o rio na canoa... Nos topamos naquele
porto. Desde aquele dia é que somos amigos” (GSV, p. 121) .
No dizer freudiano é como se existisse um único sexo: o masculino. E, neste
momento, as brincadeiras são compartilhadas. Somente quando há diferenciação no corpo
físico, é que surgem os clubinhos da Luluzinha (meninas) e do Bolinha (meninos), não sendo
permitida a entrada do sexo oposto. Na escultura de Bernini, ele não consegue diferenciar,
com perfeição, o corpo do homem e da mulher. As peles de ambos são idênticas, assim como
o rosto, e fazem um contraste com a textura do tecido, tronco e das folhas. Cada traço dá a
ilusão do real. Os genitais que poderiam revelar quem é o homem e a mulher estão
encobertos.
As duas figuras expressam, com os gestos e olhar, uma forma dinâmica que
dá a impressão de movimento, levando a uma transcendência. A escultura de Apolo
e Dafne pode ilustrar a questão da bissexualidade do humano constatada por Freud
(1976d) onde a anatomia dos corpos não revela se estamos, psiquicamente, diante
de um homem ou uma mulher, sendo possível mascarar estas posições. Maffesoli
referindose ao mundo das aparências escreve que: “A teatralidade favorece o que é
vivido “hic et nunc” (1999, p. 192)”. E para este autor o ambiente barroco concorre
para este artifício de máscara. Diadorim em nenhum momento deixava que
observassem o seu corpo com medo da revelação:
Caiu tão pálido como cera do reino, feito um morto estava. Ele todo apertado em seus couros e roupas, eu corri para ajudar. A vez de ser um desespero. O Paspe pegou uma cuia d’água, que com os dedos espriçou nas faces do meu amigo. Mas eu nem pude dar auxílio: mal ia pondo a mão para desamarrar o coletejaleco, e Diadorim voltou a seu si, num alerta e me repeliu muito feroz. Não quis apoio de ninguém, sozinho se sentou, se levantou (GSV, p. 225).
Riobaldo descreve Diadorim como aquela que mascara sua feminilidade não
permitindo que a vejam na posição passiva. A passividade é visualizada em uma
forma rebuscada. Este parecer acontece somente aos olhos do narrador
personagem de uma forma muito peculiar: em seus flashbacks depois de um
distanciamento dos fatos ocorridos: “mesmo o que estou contando, depois é que eu
pude reunir relembrado e verdadeiramente entendido ” (GVS, p.108).
Como a movimentação do dia em que amanhece com densa neblina,
somente após a passagem desta é que o dia fica claro, luminoso foi assim que o
entendimento sobre Reinaldo, Diadorim chegou para Riobaldo. Enquanto viviam
juntos a neblina era densa e tudo parecia nebuloso para ele. Somente após a morte
de Diadorim que ele vislumbrou a claridade que tanto almejava: ver o feminino no
amado/a. Agora ele entendia o porquê de Diadorim gostar de tomar banho longe dos
companheiros, por exemplo:
Depois, o Reinaldo disse: eu fosse lavar corpo, no rio. Ele não ia. Só, por acostumação ele tomava banho era sozinho no escuro, me disse, no final da madrugada. Sempre eu sabia tal crendice, como alguns procediam assim esquisito os caborjudos, sujeitos de corpofechado. No que era verdade não me espantei (GSV, p.113).
Para Riobaldo, a atitude até que se justificava, uma vez que esse
procedimento era comum nas pessoas ditas especiais, com “corpo fechado”, porém
considerava tal atitude esquisita.
A figura de Diadorim aos olhos de Riobaldo transitava entre o masculino e o
feminino. Os olhos verdes de Diadorim que o perturbavam têm uma conotação
feminina: “Mas os olhos verdes sendo os de Diadorim. Meu amor de prata e meu
amor de ouro. De doer, minhas vistas bestavam de renúvem, e não achei acabar
para olhar para o céu” ( GSV, p. 42).
Para o Taoísmo a cor verde está relacionada ao yin (feminino) o que é
profundo. É interessante observar que as profundezas de um rio são verdes e o
nome de Riobaldo é Riobaldo. Então dialeticamente os olhos verdes de Diadorim
refletem permitindo que Riobaldo mergulhe nas profundezas de si mesmo é o que
ele relata: “Mais em paz comigo mais, Diadorim foi me desinfluindo. Ao que eu
ainda não tinha prazo para entender o uso, que eu desconfiava de minha boca da
água e do copo, e que não sei em que mundodelua eu entrava minhas idéias”
(GVS , p.138).
Parece que a palavra “desinfluindo” tem uma conotação de circularidade,
aquilo que sai e entra ao mesmo tempo. Como o rio de Heráclito de Éfeso, filósofo
PréSocrático, o rio (a pessoa é a mesma), porém as águas (experiências
vivenciadas) que circulam são cada vez renovadas. Para Monteiro (2007), o nome
Riobaldo tem origem latina e árabe, concorrendo para circularidade:
Riobaldo é conceituação em movimento. Conceituação: conceito mais ação. Tiro proveito da etimologia: Rio mais Baldo. Baldo evoca o latim, mas também evoca o árabe. Minas é latina e é árabe, mas não só... salve o filólogo Antônio Houaiss. Abrindo o dicionário dele, descubro: em latim, o radical Bald vem de batillum que gerou o substantivo balde, verbalizado em baldear: fazer baldeação, trafegar líquidos, ou ainda, trafegar nos líquidos. Riobaldo é então aquele que carrega o rio e é nele carregado. Baldear e ser baldeado. Cuidar e ser cuidado pelo rio. Mas baldo também vem do árabe báta, que gerou o advérbio debalde, traduzindo como: “inutilmente”, ou, ainda, por “estar em vão”, “em errância”. O conceito de riobaldo, a partir de sua faceta árabe, diz respeito a uma postura não teleológica (destituída de um fim útil e pré determinado) diante da travessia. Miscigenando o árabe e o latim temos riobaldo como aquele que cuida e é cuidado de errar e ser errado no e pelo rio. O rio de riobaldo é a palavra, com suas vidas impossíveis [...] (2007, p. 56)
Para Riobaldo, Diadorim o conduzia para as suas profundezas: ”Os afetos.
Doçura do olhar dele me transportou para os olhos de velhice da minha mãe. Então,
eu vi as cores do mundo. Como no tempo em que tudo era falante, ai, sei” (GSV,
p.115).
Desde a primeira vez que viu o menino Reinaldo, Riobaldo relata traços do
feminino: “Achava que ele era muito diferente, gostei daquelas finas feições, a voz
mesma, muito leve, muito aprazível ” (GSV, p. 81).
O feminino é visualizado em pequenas ações e comportamentos que
Diadorim realizou no convívio com Riobaldo: o jeito que ele pegava em sua mão e o
beijava, o ciúme das mulheres dos bórdeis, a esquiva pelas mulheres, o lavar as
roupas, seus braços bem delineados, demonstrava afeto e paciência com crianças:
Mas quem vinha eram os meninos do lavrador, montados num cavalo magro, traziam feixes de cana, para vender para gente... Diadorim gostava deles, pegava um por cada mão, até carregava os menorzinhos, levava para mostrar a eles os pássaros das ilhas do rio (GSV, p.223).
São pequenos elementos que apenas foram vistos ao se distanciar, pois
faziam parte de um todo e criando um movimento de feminilidade que ele não
conseguia sustentar, pois escapava de sua visão tal qual neblina, porque a máscara
de jagunço de Diadorim era um escudo que não permitia que se vislumbrasse o
feminino completamente. Isso pode ser comparado com o barroquismo, ou melhor,
dizendo com as características barrocas analisadas por Wölfflin (2000) que foram
descritas no capítulo dois.
O todo da obra barroca quer seja na pintura, escultura e arquitetura somente
pode ser visualizado com ilusão de movimentação no jogo da sombra e luz, na
multiplicidade dos traçados e com uma certa distância do espectador com a obra,
além de ter a característica de que cada vez que se olha temse a impressão de
estar olhando o novo. O jogo que se forma é Diadorim, roupa de jagunço, trejeitos
femininos, homem valente.
Affonso Romano de Sant’Anna, em sua obra Barroco do quadrado à elipse
descreve sobre a bissexualidade do humano:
Assim como na época barroca tradicional, às vezes, tornavase difícil, senão impossível, distinguir se no palco estava mesmo um homem ou uma mulher, também na atualidade as vozes tidas como femininas podem partir de uma garganta masculina e as vozes tidas como masculinas virem do peito de uma mulher. As fantasias usadas no palco revelam a mesma ambigüidade, existindo aqueles cantores que fazem questão de mesmo fora da cena usarem esses trajes. Os requebros, a movimentação das ancas, os gestos delicados das mãos sinalizam a bissexualidade explicita (2000, p. 207).
Nesse sentido, Diadorim apresenta um movimento que pode ser comparado
com a “Monalisa” (vide tela em anexo, ilustração 11), pintura de Leonardo da Vinci,
inserida na Renascença, mas que analisaremos como barroca, uma vez que Wölfflin
conceituou o barroco enquanto arte com as cinco características, somente no século
XIX.
Esta obra possui um enigma quanto à questão de gênero: a pessoa que é
retratada é feminina ou masculina? É um autoretrato de Leonardo? Então há uma
androgenia? Somente esta indistinção quanto ao sexo já seria suficiente para
considerála uma obra barroca ou com traços barrocos dentro da proposta da
presente pesquisa, pois uma das características que Wölfllin aponta como para se
conhecer uma obra enquanto barroca é a indistinção das formas, ou seja, sair da
linearidade para o pictórico.
Conforme o espectador olha o quadro, vê uma particularidade e de uma forma
totalmente diferente como a anamorfose, recurso muito utilizado nos textos barrocos
e que pode ser definida assim: “um rebatimento da imagem, que pode ser
recomposta em sua forma convencional, quando observada de outra perspectiva [...]
a lente deformadora que exige outro ponto de vista para ser decifrada”
(SANT´ANNA, 2000, p. 53).
Há um contraste entre a roupa simples de camponesa que a mulher usa e o
seu olhar dominante, altivo, seguro, próprio de uma nobre da época. Caso seja uma
mulher não possui nenhum adorno como colar ou anel. As mãos finas e delicadas
também contrastam com a roupa. Talvez este olhar seguro seja feito com a
intencionalidade de retratar o homem seguro da Renascença, que dominava o
mundo com suas descobertas cientificas e filosóficas.
Convém evidenciar que Leonardo foi um artista polímata uma vez que a sua
genialidade conseguiu dar forma não só no campo das artes (pintura, escultura,
arquitetura), mas também na medicina, engenharia, entre outros. Esboçou o modelo
do avião, desenvolveu estudos na fisiologia humana.
Leonardo inaugura o “sfumato” que é o momento da perda da representação,
a técnica que permite que o linear desapareça dando lugar ao pictórico, ou seja, a
cada momento que o espectador olha encontra algo “novo”. Na “Monalisa” o fundo
do quadro é todo feito em cores que se desfazem em sombras, dando uma
continuidade para o que aparece na roupa. Para evidenciar a oposição entre o estilo
linear e o pictórico compararemos “Monalisa” com a “Dama com um arminho” do
mesmo autor. Utilizou neste uma técnica totalmente diferente, a do claroescuro
escurecese o fundo com a finalidade de ressaltar a figura. Dürer no seu nu “Eva”
também utiliza esta técnica. Entretanto, Da Vinci também faz uma inovação nesta
obra inclui um animal para dar um contraponto no olhar sereno da dama.
Para Riobaldo: “Diadorim é minha neblina” (GSV, p. 22). Na neblina a
pessoa pode se perder, como no encontro com o indizivel. Parece que era assim
que Riobaldo sentia no encontro com Diadorim.
Na densa neblina há possibilidade de não se enxergar nada. Riobaldo não
consegue ver direito Diadorim, pois, ora ele parece homem ora mulher, numa
metamorfose demoníaca a seu olhar. Ele não consegue apalpála, tal como a
neblina densa, nebulosa que passa lentamente e não se consegue segurar. Assim
também, Riobaldo não sustenta o feminino em Diadorim. Assustase com o
sentimento de atração por um homem e pensa ser o diabo lhe provocando.
Mas ponho minha fiança: homem muito homem que fui, e homem por mulheres! – nunca tive inclinação pra vícios desencontrados. Repilo o que, o sem preceito. Então o senhor me perguntará o que era aquilo? Ah, lei ladra, o poder da vida. Direitinho declaro o que, durando todo tempo, sempre mais às vezes menos, comigo se passou. Aquela mandante amizade. Eu não pensava em adiação nenhuma, de pior propósito. Mas eu gostava dele, dia mais dia, mais gostava. Diga o senhor: como um feitiço? Isso. Feito coisafeita. Era ele estar perto de mim, e nada me faltava (GSV, p.114).
Riobaldo afirma que sempre gostou de mulheres nunca teve atração por
homens, porém com Diadorim era diferente, parecia que estava enfeitiçado.
O nome de Diadorim a princípio revela uma dualidade daí podese
empreender: deus e diabo, luz e trevas, homem e mulher. Ela mesma se nomina
dois ReinaldoDiadorim e diz para Riobaldo que o seu nome Reinaldo (masculino) é
uma invenção e que seu nome verdadeiro é Diadorim (podese dizer que soa mais
como feminino apesar de ser dual) para Lacan as mulheres inventam um certo tipo
de mulher. A guerreira pode ser considerada um tipo de mulher. ReinaldoDiadorim
encobre a sua passividade para não ser devorada no sertão, assim conta o seu
segredo para quem mais confia:
Riobaldo, pois tem um particular que eu careço de contar a você, e que esconder mais não posso [...] Escuta: eu não me chamo Reinaldo, de verdade.Este é nome apelativo, inventado por necessidade minha, carece de você não me perguntar por quê. Tenho meus fados. A vida da gente faz sete voltas se diz. A vida nem é da gente [...]” [...] “ Pois então: o meu nome, verdadeiro, é Diadorim... Guarda este meu segredo. Sempre, quando sozinhos a gente estiver, é de Diadorim que você deve me chamar, digo e peço, Riobaldo [...] (GSV, p.121)
Então se pode subentender que para ele Riobaldo ela/ele se revela feminina
ou quer ser chamada como feminina e que esta feminilidade é um segredo que não
poderá ser revelado em público. Riobaldo lembra dessa passagem emocionado de
saber que parece que foi amado pelo seu companheiro, pois pelo menos ele o
considerava muito especial por compartilhar o segredo. E relembra a cena com o
seu interlocutor:
Diadorim dirá o senhor: então, eu não notei viciice no modo dele me falar, me olhar, me quererbem? Não, que não fio e digo. Hádeo, outras coisas... O senhor duvida? Ara, mitilhas, o senhor é pessoa feliz, vou me rir [...] Era que ele gostava de mim com a alma: me entende? O Reinaldo. Diadorim, digo (GSV, p. 122).
Em alguns afazeres é possível observar a passividade, o lado feminino de
Diadorim como lavar a roupa melhor que Riobaldo: “[...] as vezes eu lavava a roupa,
nossa; mas quase mais quem fazia isso era Diadorim. Porque eu achava tal serviço
pior de todos, e também Diadorim praticava com mais jeito, mão melhor ” (GSV,
p.29).
Diadorim não mascara o seu poder, mas o seu lado feminino ao contrário da
paciente de Joan Rivière ela incorpora a mulher guerreira com o poder (falo, phallus) na mão não permite a entrada de um homem, sexualmente, parece repudiar o sexo.
Certa vez, em que Riobaldo contava para ele/ela sobre suas conquistas amorosas e
alguns abusos sexuais que fez em mulheres Diadorim disse: “ Mulher é gente tão
infeliz ”(GSV, p. 133).
Talvez inconscientemente realizando o desejo de fazer igual ao pai, ser
jagunço, valente, nesse sentido ela/ele movimentase como a paciente de Joan
Rivière. Uma vez que sua identificação está atrelada a ele. Ela /ele não inventa um
tipo de mulher para esconder o seu poder, mas revelao com toda a sua força e cria
um tipo de homem guerreiro ou será a guerreira uma invenção de certo tipo de
mulher?
Quase no término da narrativa, o leitor fica sabendo que na realidade
ReinaldoDiadorim é também Maria Deodorina, nome de batismo. Desta forma,
ele/ela não é dual, mas triádico como nos mitos cosmogônicos, como uma figura
andrógina, polimorfa parecendo que não faz parte do real, mas somente do
imaginário do narradorpersonagem. Riobaldo, quando sabe por Reinaldo que é
também Diadorim fica vaidoso de compartilhar tamanho segredo e tem a impressão
de já saber de tamanha revelação:
Reinaldo, Diadorim, me dizendo que este era real o nome dele foi como dissesse noticia do que em terras longes se passava. Era um nome, ver o que. Que é que é um nome? Nome não dá: nome recebe. Da razão desse encoberto, nem resumi curiosidades. Caso de algum crime arrependido, fosse, fuga de alguma outra parte; ou devoção a um santoforte. Mas havendo o ele querer que só eu soubesse, e que só eu esse nome verdadeiro pronunciasse. Entendi aquele valor (GSV, p.121)
.
Riobaldo descreve que no momento que soube da revelação do nome do
amado/a não teve curiosidade de saber o porquê ele/ela queria segredo.
Simplesmente gostou de sentir a cumplicidade, o segredo os unia. Somente a ele
Riobaldo foi permitido chamálo com um som que evoca o feminino: Diadorim. O
nome da pessoa é como um eco, os outros chamam, a própria pessoa não se
chama, só é chamada, posição passiva.
O percurso de Diadorim em buscar entender e vingar a morte do pai termina
na sua própria morte. Se a morte do pai for pensada para além do sociológico, mas
como uma expressão da movimentação do inconsciente pode ser visto como a
busca para tornarse mulher. Como “A jovem e a morte” retratada por Hans Grien é
assim que Diadorim aparece feminina na narrativa de Guimarães Rosa. Somente
mostrou a sua passividade e beleza feminina com o véu da morte. Mesmo antes de
saber que Diadorim era mulher, Riobaldo o vê morto e acha que este usa ainda uma
máscara e assim ele descreve:
Constante o que a Mulher disse: carecia de se lavar e vestir e vestir o corpo. Piedade, como que ela mesma, embebendo toalha, limpou as faces de Diadorim, casca de tão grosso sangue, repisado. E a beleza dele permanecia, só permanecia, mais impossivelmente. Mesmo como jazendo assim, nesse pó de palidez, feito a coisa e máscara, [grifo nosso] sem gota nenhuma (GSV, p. 453).
As palavras “permanecia” e “impossivelmente” pronunciadas pelo narrador
personagem revelam o contraste dos sentimentos que o atravessaram na hora que encontrou
seu amado num corpo feminino e não pôde vivenciar a sua paixão. A morte sobrepujou a luz
do amor como nos quadros de Rembrandt. Fazendo analogia às peças de teatro barrocas o
trágico está presente em ambas.
No desfecho da história de amor entre Riobaldo e Diadorim como em Romeu e
Julieta, de Shakespeare, há morte e nas duas há vingança, crueldade, flagelação. No barroco
erguese um altar para a morte, os túmulos são suntuosos, ornados de grande arte com anjos
esculpidos em mármore. Sant´Anna expressa este parecer da seguinte forma:
Se o herói clássico era aquele que se igualava aos deuses, exercendo fisicamente todas as suas potencialidades humanas e sobre humanas, no Barroco será o mártir, execrando seu cadavérico corpo, num conluio com os vermes, interessandose pela epopéia celestial da alma peregrinando, extático, em busca da ressurreição (2000, p. 222).
Diadorim morre como mártir em uma guerra, a fim de vingar o pai e mostrase linda
como uma deusa guerreira: cabelos abaixo da cintura, pele alva, olhos verdes revelando toda a
sua feminilidade: “De Maria Deodorina da Fé Bettancourt Marins que nasceu para o dever de
guerrear e nunca ter medo, e mais para muito amar, sem gozo de amor [...] Reze o senhor por
essa minha alma” (GVS, p. 458).
5 CONCLUSÃO
Em Grande sertão: veredas a narrativa é construída com cenas grotescas: as
guerras entre os jagunços com muitas mortes, sexo e feitiçaria. Tudo é feito como se
retratasse um épico, mas é acompanhado numa contrapontística lírica bem suave:
uma história de amor entre Riobaldo e Diadorim. A narrativa acontece num
crescendo e complexidades graduais e termina nonada.
Chegamos à conclusão de que para se viver no sertão necessário se faz
colocar várias máscaras. E o que é o sertão? Concluímos que o sertão representa o
inominável enigma da vida do ser humano. Algumas poucas pessoas ao longo de
suas existências têm coragem em enfrentar o sertão e poucas conseguem sair dele
sabendo mais da sua verdade e com alguma sabedoria.
O percurso analítico convoca o sujeito a percorrer o labirinto de si mesmo, e
quando possui um interlocutor que sabe escutar com paciência, como no caso de
Riobaldo, a análise tornase como o fio de Ariadne que possibilita ao sujeito
conhecer a si mesmo e viver melhor em sociedade. As máscaras são necessárias
para esta travessia, pois elas não são entendidas como fuga da vida, muito pelo
contrário, as máscaras dão coragem e afirmação ao sujeito para vivenciar situações
que, sem elas não daria conta.
As personagens principais de Grande sertão: veredas são uma perfeita
exemplaridade deste movimento. Riobaldo e ReinaldoDiadorim são mascarados.
Riobaldo coloca a máscara de guerreiro, pois na maioria das vezes é um pouco
medroso, máscara de homem viril, quando busca várias mulheres, máscara de
homossexual, quando se encanta por ReinaldoDiadorim, máscara de feiticeiro, pois
tem vários pressentimentos que se confirmam ao longo da narrativa e até parece
que fez pacto com o demônio. Máscara de filósofo, com as suas indagações da
vida.
ReinaldoDiadorimDeodorina é anatomicamente uma mulher, porém se
mascara de guerreiro com dois objetivos aparentes: para literalmente não ser
devorada no sertão e para vingar a morte do pai.
Porém, no decorrer desta investigação verificouse através do diálogo com os
textos freudianos e lacanianos, no que diz respeito ao feminino, que a máscara de
guerreiro era apenas uma invenção para se dizer feminina. É interessante observar
que o nome múltiplo dele/dela soa mais feminino do que masculino.
A musicalidade é uma constante nesta obra, só que a forma que aparece na
narrativa não é linear, o que nos permitiu fazer uma comparação com o som de
música barroca.
Assim, gostaríamos de em trabalhos futuros fazer um mapeamento desta
obra a fim de investigar esta musicalidade. Pelo que verificamos existe uma
repetição nas palavras que ecoam em outros sons, o que pode ser observado em
palavras subseqüentes, frases e parágrafos inteiros. Como se fosse uma orquestra
barroca com seus inúmeros instrumentos que trabalham rebuscadamente
procurando contar uma estória através da música.
As palavras construídas com radicais gregos, latinos, tupiguarani, folclore
brasileiro, arcaísmos também possuem uma melodia e contam várias estórias do
sertão que podem ser investigadas decifrando a etimologia destas palavras.
Existem pessoas que conseguem fazer certas ultrapassagens psíquicas ao
longo de suas vidas. Com isso, suas manifestações na Literatura, nas Artes, Ciência
e Religião são exuberantes de tal modo, que são objeto de estudo para a
psicanálise. Do mesmo modo, consideramos Guimarães Rosa neste trabalho.
Partindo de Freud a Lacan, verificamos que Rosa revela um gozo a mais na escrita
de forma barroca, em Grande sertão: veredas. Como Lacan descreve no Seminário
20, existem pessoas que escrevem barrocamente não por intenção, mas porque isso
faz parte da movimentação do seu psiquismo.
Assim, abrese a possibilidade de se investigar se a obra toda de Rosa
apresenta esta característica que conseguimos vislumbrar em Grande sertão:
veredas com a finalidade de também comprovar, ou não, a teoria lacaniana no que
diz respeito à escrita.
Começamos a presente pesquisa com as seguintes questões: A narrativa em
Grande sertão: veredas possui ressonância com o barroco e a psicanálise?
Riobaldo percorre o sertão na tentativa de visualizar o feminino em Diadorim?
Concluímos que a obra investigada possui ressonância com a psicanálise e contém
uma profusão barroca de tal forma que poderia ser denominada barroca.
No decorrer da investigação se vislumbrou que o narrador–personagem,
Riobaldo, busca a narrativa toda não só visualizar o feminino em Diadorim, mas
também entender o enigma do feminino e masculino que ele sente oscilar em si
mesmo, pois ora ele se vê atraído pelo companheiro, ora ele busca mulheres. No
final da narrativa tudo parece fazer sentido quando ele contempla o corpo de mulher
no companheiro. Aí a estória termina como ele mesmo coloca.
É interessante observar que quando Riobaldo começa a relatar a sua história
de vida já sabia que Diadorim era mulher. Talvez por isso ele conta a sua atração
pelo companheiro com ênfase, como desabafo para si mesmo, pois a sua posição é
de alguém que já conhece a verdade.
O feminino já lhe tinha sido revelado. A questão que o perturba é entender o
porquê não se entregou nos braços de seu amor, pois a posteriori tudo fazia sentido: os dois se desejavam e poderiam ter vivenciado tudo carnalmente. A decifração do
mistério sobre a sexualidade feminina em ReinaldoDiadorm fica para o leitor.
Assim, a hipótese inicial da pesquisa de que Riobaldo, o narrador
personagem, percorre o sertão para descobrir o feminino em Diadorim de uma forma
barroca, labiríntica, tal qual o feminino em Freud e Lacan é investigado, foi verificada
como verdadeira.
Constatamos quão vasto e instigante é o universo literário de Guimarães
Rosa. A disputa pelo poder no sertão, principalmente nas figuras de Joca Ramiro e
Hermógenes; banalização da morte, as mães que permitiam a prostituição das
filhas, as mulheres casadas que traíam os maridos.
Deus e o demônio aparecem o tempo todo disputando espaço no coração de
Riobaldo e nos casos que ele conta que aconteceram com as pessoas com que
conviveu. As rezadeiras que fazem curas pelo sertão, os pressentimentos de
Riobaldo que se confirmam ao longo da narrativa, dando um aspecto místico ao
personagem; a morte e a vida entrelaçadas.
Esta movimentação mística que vislumbramos nas personagens dá
oportunidade de se investigar o universo místico em Grande sertão: veredas que se
mistura numa tentativa de tentar suavizar a dor de existir.
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ANEXOS
ILUSTRAÇÃO 1 Assunção da Virgem, de El Greco Fonte: VALSECCHI, Mário. Galeria delta da pintura universal. Rio de Janeiro: Delta, 1972.p. 85
ILUSTRAÇÃO 2 Capa de Grande sertão: veredas Fonte: ROSA, João Guimarães. Grande sertão: veredas. 13. ed. Rio de Janeiro: José Olympio, 1979.
ILUSTRAÇÃO 3 As três graças, de Rubens Fonte: Disponível em: <www.eddolmen.com.> Acesso em: 20 jun.2004
ILUSTRAÇÃO 4 Santa Teresa, de Bernini Fonte: VALSECCHI, Mário. Galeria delta da pintura universal. Rio de Janeiro: Delta, 1972.p.154
ILUSTRAÇÃO 5 Santa Ana, Maria e o menino, de Leonardo da Vinci Fonte: VALSECCHI ,Mário. Galeria delta da pintura universal. Rio de Janeiro: Delta, 1972. p.105
ILUSTRAÇÃO 6 – A jovem e a morte, de Hans Baldung Grien Fonte: VALSECCHI,Mário. Galeria delta da pintura universal. Rio de Janeiro: Delta, 1972. p. 40.
ILUSTRAÇÃO 7 A sagrada família, de Miguel Ângelo Fonte: VALSECCHI, Mário. Galeria delta da pintura universal. Rio de janeiro: Delta, 1972. p. 65.
ILUSTRAÇÃO 8 – Vênus, de Ticiano Fonte: VALSECCHI, Mário. Galeria delta da pintura universal. Rio de Janeiro: Delta, 1972. p. 75.
ILUSTRAÇÃO 9 – Vênus, de Velasquez Fonte: Disponível em: < www.ed dólmen.com> Acesso em: 20 jun. 2004
LUSTRAÇÃO 10 Apolo e Dafne, de Bernini Fonte: VALSECCHI, Mário. Galeria delta da pintura universal. Rio de Janeiro: Delta, 1972. p.150
ILUSTRAÇÃO 11 Monalisa, de Leonardo da Vinci Fonte: VALSECCHI, Mário. Galeria delta da pintura universal. Rio de Janeiro: Delta, 1972. p. 107