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Centro de Apoio Operacional das Promotorias de Justiça de Proteção aos Direitos Humanos NÚCLEO DE PROMOÇÃO E DEFESA DOS DIREITOS DOS POVOS E COMUNIDADES TRADICIONAIS Consulta S/N Objeto: Análise do Plano Diretor do Município de Guaratuba no tocante ao componente “povos e comunidades tradicionais” Interessado: Promotora de Justiça da Comarca de Guaratuba - Dr. Élcio Sartori. Documentos analisados : i) Revisão do Plano Diretor de Guaratuba, Vol. 1 - Leitura da Realidade Municipal - Diagnóstico Consolidado; ii) Revisão do Plano Diretor de Guaratuba, Vol. 2 - Leitura da Realidade Municipal; iii) Síntese das propostas – Revisão do Plano Diretor Vigente – Guaratuba/PR; iv) Agenda de Reuniões 1 . A presente Consulta refere-se à solicitação efetuada pela 2ª Promotoria de Justiça da Comarca de Guaratuba, por meio do Ofício n.º 162/2017-2º PJ, para que este Centro de Apoio Operacional das Promotorias de Justiça de Proteção aos Direitos humanos realizasse a “análise completa da proposta” de revisão do Plano Diretor de Guaratuba/PR, em especial no que se refere à participação popular e ao diagnóstico humano. A Promotoria de Justiça referida solicitou ainda, que a análise considerasse, dentre outros aspectos, “(i) a publicação de editais, pautas, realização de oficinas e audiências públicas, elaboração de atas de reunião e lista de presença; (ii) publicação destes instrumentos no site (transparência); (iii) participação dos diversos setores da sociedade (representatividade), como comunidades tradicionais, pescadores e indígenas (FUNAI) e qualquer outro esclarecimento que aponte eventuais irregularidades da proposta de Plano Diretor de Guaratuba ou que traga subsídios que contribuam para a sua formulação”. Assim, considerando o solicitado, foram os documentos submetidos à análise do Núcleo de Promoção e Defesa dos Direitos dos Povos e Comunidades Tradicionais do CAOPJDH. 1 Documentos disponibilizados no sítio eletrônico: http://www.guaratuba.pr.gov.br/novo/plano_diretor.php .

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TRADICIONAIS

Consulta S/N Objeto: Análise do Plano Diretor do Município de Guaratuba no tocante ao componente“povos e comunidades tradicionais”Interessado: Promotora de Justiça da Comarca de Guaratuba - Dr. Élcio Sartori.Documentos analisados: i) Revisão do Plano Diretor de Guaratuba, Vol. 1 - Leitura daRealidade Municipal - Diagnóstico Consolidado; ii) Revisão do Plano Diretor deGuaratuba, Vol. 2 - Leitura da Realidade Municipal; iii) Síntese das propostas – Revisão doPlano Diretor Vigente – Guaratuba/PR; iv) Agenda de Reuniões1.

A presente Consulta refere-se à solicitação efetuada pela 2ª Promotoria de

Justiça da Comarca de Guaratuba, por meio do Ofício n.º 162/2017-2º PJ, para que este

Centro de Apoio Operacional das Promotorias de Justiça de Proteção aos Direitos humanos

realizasse a “análise completa da proposta” de revisão do Plano Diretor de Guaratuba/PR,

em especial no que se refere à participação popular e ao diagnóstico humano.

A Promotoria de Justiça referida solicitou ainda, que a análise considerasse,

dentre outros aspectos, “(i) a publicação de editais, pautas, realização de oficinas e

audiências públicas, elaboração de atas de reunião e lista de presença; (ii) publicação destes

instrumentos no site (transparência); (iii) participação dos diversos setores da sociedade

(representatividade), como comunidades tradicionais, pescadores e indígenas (FUNAI) e

qualquer outro esclarecimento que aponte eventuais irregularidades da proposta de Plano

Diretor de Guaratuba ou que traga subsídios que contribuam para a sua formulação”.

Assim, considerando o solicitado, foram os documentos submetidos à análise

do Núcleo de Promoção e Defesa dos Direitos dos Povos e Comunidades Tradicionais do

CAOPJDH.

1 Documentos disponibilizados no sítio eletrônico: http://www.guaratuba.pr.gov.br/novo/plano_diretor.php.

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1 – CONSIDERAÇÕES INICIAIS

Inicialmente, ressalta-se que a construção deste documento, em especial no

tocante à indicação da existência de comunidades tradicionais no município de Guaratuba,

ocorreu com base em material esparso existente neste Centro de Apoio e em breve revisão

bibliográfica, o que não exclui a existência de outras comunidades tradicionais no

município de Guaratuba que não estão catalogadas em toda a documentação consultada.

Com relação ao reconhecimento de uma comunidade tradicional, ressalta-se,

desde logo, que a Convenção nº 169 da Organização Internacional do Trabalho, promulgada

pelo Decreto nº 5.051/2004, principal marco legal internacional existente no tocante aos

direitos dos povos e comunidades tradicionais, define, em seu artigo 1º, que é a

autoidentificação o critério que deve nortear a caracterização de uma comunidade como

sendo tradicional ou não.

Nesse contexto, o Núcleo de Promoção e Defesa dos Direitos dos Povos e

Comunidades Tradicionais do Centro de Apoio Operacional das Promotorias de Justiça de

Proteção aos Direitos Humanos – CAOPJDH compreende que a identidade de um povo não

é definida e não depende de qualquer validação externa a ele, e sim demanda somente que

determinada comunidade se reconheça nessa identidade e, portanto, o Poder Público não

possui atribuição para criar qualquer comunidade tradicional, mas somente, nos casos em

que a legislação específica assim estabelecer, certificar a declaração de autoidentificação de

determinada identidade coletiva.

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2. Povos e Comunidades Tradicionais em Guaratuba

De início, destaca-se a Informação n.º 003/2017 emitida pela Área das

Comunidades Indígenas deste CAOPJDH da onde se extrai a indicação da inexistência de

Comunidades Indígenas no Município de Guaratuba, motivo pelo qual o presente

documento não abordará questões relacionadas aos povos originários ou à FUNAI.

Da análise dos documentos existentes no Centro de Apoio Operacional das

Promotorias de Justiça de Proteção aos Direitos Humanos, verifica-se que a monografia de

autoria de Márcia Regina Ferreira, intitulada “Comunidades rurais de Guaratuba Paraná:

os limites e as possibilidades da opção extrativista como meio de vida no contexto do

desenvolvimento rural sustentável”, de 2010, apresentada no programa de pós-graduação

de Agronomia da Universidade Federal do Paraná – UFPR, menciona a concentração de

Povos e Comunidades Tradicionais em torno da Baía de Guaratuba, principalmente as

comunidades caiçaras como “comunidades rurais extrativistas do Sul2”.

Assim, abaixo segue breve descrição sobre o mencionado:

O estudo abrangeu as comunidades de Riozinho, São Joãozinho, Descoberto eRio Cedro/Empanturrado, localizadas no interior da baía de Guaratuba. Deacordo com SONDA (2002), as comunidades do interior da Baía de Guaratubapodem ser caracterizadas como tradicional caiçara, dado que praticamagricultura de subsistência empregando utensílios de trabalhos manuaissimples como foice, enxada e facão. Para as lavouras de mandioca e milho,cultivadas sem agrotóxicos, contam com a força de trabalho familiar, cooperaçãointerfamiliar e relações de compadrio. A homogeneidade entre comunidadescaiçaras é acompanhada por heterogeneidade em relação a conhecimento, a uso eà comercialização dos recursos naturais, verificando-se desigualdade social econflito em relação à posse da terra, também evidenciado em outras comunidadestradicionais descritas na literatura (e.g. DURHAM, 2004; WOLF, 2003,SANTILLI, 2005)3. (Sem grifos ao original)

2FERREIRA, Márcia Regina. Comunidades rurais de Guaratuba Paraná: os limites e as possibilidadesda opção extrativista como meio de vida no contexto do desenvolvimento rural sustentável. Disponívelem: <http://acervodigital.ufpr.br/bitstream/handle/1884/24153/TESE%20CORRIGIDA%202.pdf?sequence=1>. Acessado em 03/04/17, p. 24.3FERREIRA, Márcia Regina. Comunidades rurais de Guaratuba Paraná: os limites e as possibilidadesda opção extrativista como meio de vida no contexto do desenvolvimento rural sustentável. Disponívelem: <http://acervodigital.ufpr.br/bitstream/handle/1884/24153/TESE%20CORRIGIDA%202.pdf?sequence=1>. Acessado em 03/04/17, p. 24.

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Destaca-se também a tese de Doutorado em Ciências Florestais de 2002 da

autora Claudia Sonda “Comunidades rurais da área de proteção ambiental estadual de

Guaratuba: caracterização sócio-econômica e utilização dos recursos vegetais silvestres”,

a qual faz estudo sobre as comunidades existentes naquela localidade e de sua atividade,

caracterizada como “exploração agrícola familiar4”. As comunidades mencionadas no

Estudo são pertencentes à porção sul da Baía de Guaratuba - em especial, Rio do Cedro,

Empanturrado, Descoberto, Riozinho e São Joãzinho5- e à porção norte - Pedreira, Rio dos

Mero, Paraty, Rio das Ostras, Quilombo e Fincão.

Em relação às comunidades mencionadas, nota-se que, conforme estudo

supracitado, a maioria se autodenomina profissionalmente como lavrador, pescador ou estas

duas profissões juntas, o que sugere a existência de pescadores artesanais na região, o que

também é indicado em vista de se tratar de posição geográfica de baía. Somado a isso, a

tese referida também aponta a prática extração de cipó-preto por algumas comunidades da

região (notadamente a denominada Rasgadinho), sugerindo, da mesma forma, a

possibilidade de existência das comunidades denominadas cipozeiros e cipozeiras6 na

região, conforme será melhor detalhado a seguir.

No entanto, independentemente da denominação utilizada, a autora destaca

que essas comunidades possuem conhecimentos próprios de manejo e preservação da

região, conforme se depreende dos trechos abaixo:

No estudo em questão, tratavam-se de unidades de produção familiares, em queprevaleceu a condição de posseiros e de agricultores familiares de subsistência.

4“Este estudo direcionou-se às explorações agrícolas familiares de subsistência ou tradicionais, unidades, cujaprodução é estruturada pela família. A exploração camponesa é um conceito de análise que define um modelode funcionamento bem particular de exploração agrícola, muito bem descrito e analisado por CHAYANOV(1972), retomado mais tarde por TEPICHT (1973), MENDRAS (1976) e por muitos outros autores”. p. 545SONDA, Claudia. Comunidades rurais da área de proteção ambiental estadual de Guaratuba:caracterização sócio-econômica e utilização dos recursos vegetais silvestres. Disponível em:http://acervodigital.ufpr.br/bitstream/handle/1884/26777/T%20-%20SONDA,%20CLAUDIA.pdf?sequence=1. Acessado em 04/04/17, p. 147. 6 Ressalta-se que as chamadas comunidades cipozeiras possuem assento no Conselho Estadual de PovosIndígenas e Comunidades Tradicionais, conforme se depreende da Lei n.º 17425/2012.

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Praticamente todas as famílias nasceram e criaram-se nas próprias comunidadesonde vivem ou em comunidades próximas a elas7.

Essa análise contribuiu para ilustrar que as unidades de produção familiarestradicionais ou de subsistência,apesar de apresentarem lógicas de utilização dosrecursos vegetais mais ecológicas em relação às unidades de produçãoempresariais, também estão submetidas às relações econômicas que conduzem àdegradação ambiental8.

2.1 Cipozeiros e cipozeiras

Como mencionado no ponto 1., há estudos que identificam a utilização

extrativismo vegetal do cipó-preto por “comunidades tradicionais rurais”.

Atualmente, reconhece-se a existência de cipozeiros e cipozeiras no

Município de Guaratuba, inclusive via registros institucionais, como é demonstrado pelo

excertos extraído do sítio eletrônico do Ministério do Meio Ambiente:

A partir dos trabalhos de Mapeamento Situacional dos Cipozeiros, sob aresponsabilidade da Nova Cartografia Social, PNCS e MICI (MovimentoInterestadual de Cipozeiros e Cipozeiras), foi estimado em 2010 um total de cercade 10.000 pessoas que se autodefinem cipozeiras, espalhadas por cidades doNorte e Sul de Santa Catarina (nos municípios de Garuva, Joinville, Araquari,Itapoá), no Paraná (no município de Guaratuba) ao Norte do Estado de SãoPaulo9. (Grifos nossos)

7 SONDA, Claudia. Comunidades rurais da área de proteção ambiental estadual de Guaratuba:caracterização sócio-econômica e utilização dos recursos vegetais silvestres. Disponível em:http://acervodigital.ufpr.br/bitstream/handle/1884/26777/T%20-%20SONDA,%20CLAUDIA.pdf?sequence=1. Acessado em 04/04/17, p. 147. 8Ibidem, p. 109. 9PORTAL YAPADÊ. Disponível em: <http://portalypade.mma.gov.br/cipozeiros>. Acessado em: 11/04/17.

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Além desses apontamentos, também são relevantes os registros feitos pela

Rede Puxirão de Povos e Comunidades Tradicionais, os quais foram basilares para o

mapeamento feito pelo ITCG-PR e para a visibilização desse segmento frente a outros

agentes públicos e privados:

Nos dias 06 e 07 de fevereiro a Coordenação do Movimento Interestadual dosCipozeiros e Cipozeiras – MICI esteve reunida para realizar seu planejamentoanual para o período de 2010. Na pauta dois assuntos tiveram destaque: OMapeamento Social e o 1º Encontro Interestadual dos Cipozeiros e Cipozeiras ase realizar em agosto de 2010 em Garuva-SC.

Desde junho de 2009 está ocorrendo a pesquisa denominada “MapeamentoSituacional dos Cipozeiros” uma parceria entre o Projeto Nova Cartografia Social– PNCS e o MICI; Os pesquisadores Douglas Ladik e Roberto Martins quecoordenam a parte técnica do Mapeamento, informam que o mesmo abrange 5municípios: Garuva, Guaratuba, Itapoá, Joinville e Araquari; e deve serfinalizado em abril deste ano. Até o momento foram levantadas informaçõesrelativas à existência de cerca de 1.200 cipozeiros e cipozeiras nesta região,contrariando as informações oficiais de que este grupo social contabilizava nãomais do que 800 membros em área aproximada à pesquisa10. (Grifos nossos)

Também nesse sentido, a partir de informações prévias fornecidas pela Rede

Puxirão dos Povos e Comunidades Tradicionais, o Instituto de Terras, Cartografia e

Geologia do Paraná – ITCG, no ano de 2010, elaborou mapa no qual se pode ter um

panorama preliminar sobre a presença de Povos e Comunidades Tradicionais no Paraná,

com a indicação, de cipozeizas e cipozeiros no Município de Guaratuba:

10 REDE PUXIRÃO DE POVOS E COMUNIDADES TRADICIONAIS.http://redepuxirao.blogspot.com.br/2010/02/cipozeiros-em-fase-final-de-seu.html. Acesso em: 04/04/17.

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Por fim, ressalta-se a Lei n.º 17425/2012, a qual estabelece, em seu artigo 7º,

inc. III, assento para 1 membro titular e 1 membro suplente representando as cipozeiras e

cipozeiros do Estado do Paraná.

2.2. Comunidades Caiçaras e Pescadores e pescadores artesanais

Como já indicado, a posição geográfica de Guaratuba, é um importante indicativo

da existência de pescadores artesanais na região.

11MAPA ITCG: Terras e Territórios Quilombolas, Indígenas, Faxinais, Ilhéus e Cipozeiras no Estado doParaná - 2010. Disponível em: <http://www.direito.mppr.mp.br/arquivos/File/MapaTerraeTerritorio2010.pdf>.Acessado em: 05/04/2017.

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Nesse sentido, os estudos de José Milton Andriguetto Filho em relação aos povos e

comunidades tradicionais existentes no Litoral do Paraná são bastante importantes. Destaca-se,

assim, o artigo, produzido por aquele autor em parceria com outros co-autores, intitulado

“Diagnóstico da Pesca do Litoral do Paraná”12.

No artigo mencionado destaca-se o trecho no qual se menciona a existência de

cerca de 60 vilas de pescadores, rurais ou urbanas, no interior das baías e na frente oceânica do

litoral paranaense, que é constituído pelos Municípios de Antonina, Guaraqueçaba, Guaratuba,

Matinhos, Morretes, Pontal do Paraná e Paranaguá. Segundo o autor, essas “vilas podem se

apresentar de várias formas, desde pequenos povoados exclusivamente pesqueiros, acessíveis

somente por água, até bairros urbanos”13.

12ANDRIGUETTO FILHO, J.M; CHAVES, Paulo de Tarso; SANTOS, César; LIBERATI, Sidney Antonio.Diagnóstico da Pesca do Litoral do Paraná. Disponível em:<https://issuu.com/litoralpr/docs/name9b0024>. Acessado em: 06/04/2017. 13Ibidem, p. 3.

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Em relação à localização dessas chamadas “vilas” de pescadores, acosta-se o mapa

abaixo extraído do artigo em tela, da onde se verifica a indicação da existência dessas vilas no

município de Guaratuba, vejamos:

“Litoral do estado do Paraná: zonas marítimas e vilas pesqueiras.Fontes: SUCAM – Superintendência de Campanhas contra a Malária,da FUNASA – Fundação Nacional de Saúde, dados de 1994;Andriguetto Filho, 1999, 2002; Chaves et al., 2002”.14

Andrigueto, ao tecer considerações sobre as características da pesca no

litoral paranaense, descreve a atividade da pesca artesanal na região, a exemplo:

14 Ibidem, p. 4.

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A pesca paranaense é também caracterizada por um grande número de pescadoresnão ou subapetrechados, que trabalham para os apetrechados em troca de umaparte da captura ou quinhão. No interior da baía, os quinhoeiros freqüentementepossuem um conjunto de apetrechos simples para a pesca de subsistência ealguma complementação de renda. Esse conjunto consiste em uma canoa a remo(“de um pau só” ou piroga, termo não usado localmente), conjuntos de linha eanzol, um ou mais gerivais e/ou pelo menos um pano de rede (20 m) de malha de4,5 a 5 cm para a pesca de caceio. Em mar aberto, os quinhoeiros parecem não terapetrechos, trabalhando sempre como empregados15.

Às fls. 12, o estudo em tela indica a existência de 900 pescadores registrados

no DPA/MAPA-PR, até aquele momento, no Município de Guaratuba, destacando que

“registro ainda está em processo, assim, os números para Antonina e Guaratuba são

estimados”16.

No sítio do MDS – Ministério de Desenvolvimento Social, especificamente

sobre o CadÚnico do município de Guaratuba, com referência a março de 2017, foram

cadastradas 143 (cento e quarenta e três) famílias de pescadores artesanais, sendo que, 82

(oitenta e duas) são beneficiárias do Bolsa Família.17

Em relação aos tipos de embarcações utilizadas pelos pescadores de

Guaratuba, menciona-se o número de 140 (cento e quarenta) bateiras, 10 (cem) canoas a

remo, 80 (oitenta) canoas a motor e 55 (cinquenta e cinco barcos), somando um total de 375

(trezentos e setenta e cinco) embarcações, conforme dados da Emater/PR, no ano de 199518.

Ainda, em relação ao artigo em análise, cumpre destacar trecho em que o

autor menciona conflitos existentes nas chamadas vilas de pescadores ocasionados pela

pressão fundiária, cujo resultado é o abandono da pesca no Paraná, destacando, inclusive, o

papel do Plano Diretor nesses casos:

15Ibidem p. 10.16 Ibidem, p. 12.17http://aplicacoes.mds.gov.br/sagi/RIv3/geral/index.php?relatorio=153&file=entrada # (acesso em15.05.2017)18 Ibidem p. 13.

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Uma outra ordem de conflitos se expressa na pressão fundiária exercida sobre ospescadores em áreas urbanas, seja pela simples evolução do preço da terra(especulação imobiliária) e omissão governamental, seja por iniciativas dosgovernos municipais para atender aos interesses imobiliários e turísticos (e.g.mediante aumento de impostos). Como resultado, os pescadores acabam porabandonar as áreas tradicionalmente ocupadas na orla marítima. É precisolembrar que nas áreas urbanas os terrenos de marinha podem passar do Serviço dePatrimônio da União para a jurisdição do município e serem regidos pelo PlanoDiretor Municipal. O desalojamento tem sido um dos fatores para o abandono dapesca no Paraná. De qualquer forma, os desalojados freqüentemente acabam porocupar posses em áreas marginais de mangue e restinga, gerando problemas defavelização e infra-estrutura urbana19.

Outro efeito da chamada urbanização, segundo Andrigueto, é a “perda dos

“portos” pesqueiros, ou seja, do acesso à orla pelos pescadores, problema particularmente

grave no bairro de Piçarras, em Guaratuba”.

Neste panorama geral apontado, também é preciso destacar conflitos

chamados “internos” enfrentados pelos pescadores do litoral paranaense, e possivelmente

também de Guaratuba, as quais, segundo os autores, “resultam da competição pelos

recursos entre diferentes grupos de interesse ou escalas de pesca”, ou seja, tratar-se-ia do

conflito entre a pesca industrial e artesanal20.

Destaca-se também, em relação à atividade pesqueira no município de

Guaratuba, que no ano de 2009, a Secretaria de Estado do Meio Ambiente (Sema), por meio

da Resolução nº 16/200921, e o Instituto Ambiental do Paraná (IAP), por meio da Portaria nº

86/2009, regulamentaram a pesca de caceio na baía de Guaratuba depois um acordo entre

pescadores esportivos e artesanais.

Por fim, cumpre ressaltar especificamente a existência da Comunidade

Caiçara Rural de São Joãozinho, que se autoidentifica como comunidade tradicional e que

está pleiteando, junto ao ITCG a regularização fundiária de seu território e das famílias

localizadas na APA de Guaratuba22, conforme documento em anexo.

19 Ibidem, p. 20.20 Ibidem, p. 19.21Resolução nº 16/2009 da Secretaria de Estado do Meio Ambiente. Disponível em:<http://www.portosdoparana.pr.gov.br/arquivos/File/RESOLUCAO_SEMA_16_2009.pdf>. Acessado em:05/04/2017. 22 Informação extraída de documentos encaminhados a este CAOPJDH pela 1ª de Justiça de Guaratubareferente a conflitos que estão afetando a comunidade caiçara de São Joãozinho.

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Assim, verifica-se que o município de Guaratuba possui uma gama de

comunidades tradicionais pesqueiras que precisam ser levadas em consideração na

elaboração e aprovação da revisão do novo plano diretor do Município.

3. Da análise da Revisão do Plano Diretor de Guaratuba em relação ao

componente “povos e comunidades tradicionais”.

Pela análise dos documentos disponibilizados no sítio eletrônico

http://www.guaratuba.pr.gov.br/novo/plano_diretor.php, observa-se que não há diagnóstico

de comunidades de pescadores artesanais, caiçaras, cipozeiras ou extrativistas de

Guaratuba.

No referido site, verificou-se a existência de um documento entitulado

“agenda de reuniões abertas ao público” que será analisado no tópico 3.2.

3.1 Diagnóstico Consolidado, Propostas e Povos e Comunidades

Tradicionais

O “Diagnóstico Consolidado” para a revisão do Plano Diretor do Município

de Guaratuba foi dividido em 2 volumes e, apesar de mencionar de forma bastante esparsa a

existência de comunidades tradicionais e da pesca artesanal, não foi realizado qualquer

diagnóstico sobre as comunidades/vilas pesqueiras, caiçaras e de cipozeiros existentes.

O Vol. 1 do documento em tela estabelece algumas condicionantes

territoriais e legais da Região para a elaboração do Diagnóstico e da Revisão do Plano

Diretor daquele município, dentre as quais se encontram (fls. 32 e 33):

• 1º condicionante territorial da região: Frente de Mar – existência docomplexo insular-estaurino, qual seja, “Lagamar”, complexo estaurino lagunarIguape-Paranaguá.• 2º condicionante territorial: porção continental marcada pela Serra do Marque possui muitas áreas protegidas

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• 3º condicionante territorial: Porto de Paranaguá (essa atividade portuária seestende ao município de Antonina e tem continuidade a partir do município deItapoá, lindeiro a Guaratuba) enquanto elemento econômico de escoamento externoda produção• 4º condicionante territorial da Região: conjunto demobilidade/acessibilidade• 5º condicionante regional da região: O turismo de balneário: “as grandesplanícies litorâneas, espremidas entre a beira-mar e os contrafortes da Serra do Mar,levaram ao surgimento de assentamentos urbanos com vocação de balneário,residências secundárias de veraneio, incluindo algumas colônias de pescadoresque vêm perdendo sua importância relativa no conjunto das atividadeseconômicas locais, embora permanecendo ativas o ano todo, independentemente dasazonalidade turística que afeta a ocupação urbana em meses específicos do ano, achamada temporada”. (sem grifos no original)• 6º condicionante territorial da Região: Baía de Guaratuba.

Cumpre destacar que, apesar de praticamente todas as condicionantes se

relacionarem com a existência de comunidades tradicionais pesqueiras e caiçaras, o

documento não as considera de forma determinante. Ao contrário, a condicionante número

5, qual seja, o turismo de balneário, apenas menciona a existência de “algumas colônias de

pescadores que vêm perdendo sua importância relativa no conjunto das atividades

econômicas locais, embora permanecendo ativas o ano todo”.

Assim, observa-se que o diagnóstico elaborado não contemplou as

comunidades tradicionais de modo específico, sendo que a superficialidade com a qual

estas foram nele consideradas, sugere uma suposta desimportância desses sujeitos no

contexto municipal local.

Ao falar da Dimensão Ambiental e da sustentabilidade nos Planos Diretores,

na página 54, o projeto da Organização das Nações Unidas para Alimentação e Agricultura

em relação à importância da água foi ressaltado:

A Food and Agriculture Organization (FAO) está implementando um projetopiloto para melhor visualizar os impactos econômicos e desenvolvimento deinvestimentos relacionados com a água em 13 países, em que são apresentados eavaliados o perfil da água nacional, os fluxos de investimentos relacionados coma água e a evidência e análise sobre o status da agricultura irrigada, suprimentosde água potável e sanitária, meio ambie nte e saúde, indústria e rastreamento dagovernança da água. A falta de dados quantitativos confiáveis torna as decisõessobre investimentos em água mais complexas e os investimentos mais arriscadospara os investidores (ONU, 2013).

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Centro de Apoio Operacional das Promotorias de Justiça de Proteção aos Direitos HumanosNÚCLEO DE PROMOÇÃO E DEFESA DOS DIREITOS DOS POVOS E COMUNIDADES

TRADICIONAIS

Todavia, apesar de mencionar a FAO, o Diagnóstico em tela omite as

recomendações desse mesmo órgão no sentido que a pesca artesanal desempenha um

importante papel na efetivação da segurança alimentar e nutricional da população, na

erradicação da pobreza, assim como na utilização sustentável dos recursos pesqueiros23

Às fls. 66, o documento dispõe que a “região em que se insere o Município

de Guaratuba é classificada como uma Área de Proteção Ambiental (APA), portanto

incluída no grupo das Unidades de Uso Sustentável e denominada APA de Guaratuba”,

afirmando ainda que, segundo o Decreto n.º 1.234/92, a referida Unidade de Conservação

tem o objetivo de:

“Compatibilizar o uso racional dos recursos ambientais da região, e a ocupaçãoordenada do solo, proteger a rede hídrica, o remanescentes da floresta atlântica ede manguezais, os sítios arqueológicos e a diversidade faunística, bem comodisciplinar o uso turístico e garantir a qualidade de vida das comunidades caiçarase da população local” (PARANÁ, 1992).

Ou seja, explicita-se, ao citar o artigo do Decreto suprarreferido, que um dos

objetivos da APA de Guaratuba é, dentre outros, garantir a qualidade de vida das

comunidades caiçaras, inclusive discorrendo, por meio de nota de rodapé o significado

desse conceito, mas se omite em todos os documentos elaborados sobre qualquer

diagnóstico ou proposta para tais comunidades.

Nesse ponto, vale ainda destacar a conceituação do termo caiçara trazida na

nota do documento em tela:

O termo caiçara tem origem no vocábulo Tupi-Guarani caá-içara, utilizado paranomear as estacas colocadas em torno das aldeias, e o curral feito de galhos deárvores fincados na água para cercar peixes. Hoje refere-se a todos osindivíduos e comunidades do litoral dos Estados do Paraná, São Paulo e Riode Janeiro (ADAMS, 2000). (sem grifos no original).

Em fls. 91, ao discorrer sobre as atividades realizadas na região da Baía de

Guaratuba, tem-se:

23 FAO. Organização das Nações Unidas para Alimentação e Agricultura. Directrices voluntarias paralograr la sostenibilidad de la pesca en pequeña escala en el contexto de la seguridad alimentaria y laerradicación de la pobreza. 2015. Disponível em: http://www.fao.org/3/a-i4356s.pdf. Acesso: Abril de 2017.

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Das atividades realizadas na região da Baía de Guaratuba, as principais são, oturismo, a pesca artesanal e esportiva, maricultura e a agricultura(principalmente lavoura de banana e cítricos na Serra do Mar). “Tais atividadescaracterizam o crescente desenvolvimento urbano das regiões costeiras, como ouso e ocupação do solo e da coluna d’água, interferindo na dinâmica natural dosistema estuarino” (ZEM, PATCHINEELAM, MARONE, 2005, p.1). (Grifosnossos)A pesca de arrasto de camarão, também praticada na região e que ocorre ao longode toda a costa, é o único segmento considerado como pescaria especializada eque possui inserção no mercado (SEMA, 2006). Considera-se também deimportância fundamental a questão da exploração pesqueira predatória, com usode redes, que praticamente eliminou a pesca esportiva, grande atividade turísticado município. De fato a pesca esportiva ao robalo, que promovia campeonatos,está muito prejudicada pois não se encontra mais esta espécie na baía, a não seresporadicamente. A maricultura praticada na região apresenta uma cadeia produtiva bemestruturada porém ainda em desenvolvimento. Contando com incentivogovernamental, apoio à produção pela presença do Centro de Produção ePropagação de Organismos Marinhos (CPPOM) mantido pela PrefeituraMunicipal, e facilidade à comercialização pela presença de boa rede viária e deempresas de beneficiamento e comércio, a atividade configura uma oportunidadeeconômica para o município. O segmento da ostreicultura é o mais estável, onde as unidades produtivasestabelecidas a partir do envolvimento de populações tradicionais e tambémde empresários familiares encontram-se em processo de estruturação (SEMA,2006). (sem grifos no original)

Ainda no volume 1, às fls. 110, encontra-se menção à APA de Guaratuba, na

qual se sabe, apesar de não mencionada nesse diagnóstico, estar localizada, ao menos, a

Comunidade Caiçara rural de São Joãozinho. Além de não citar a existência da referida

comunidade caiçara, o diagnóstico indica a existência de conflitos relacionados à caça e

pesca, loteamentos irregulares e ocupação desordenada sem, contudo, propor soluções para

tanto. Vejamos:

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A Unidade da Baía de Guaratuba abrange áreas como a Lagoa do Parado e duasunidades de conservação de proteção integral: o Parque Nacional Saint-Hilaire/Lange (24.267,914 ha) e o Parque Estadual do Boguaçú (6.052 ha), alémda própria baía de Guaratuba. Essa unidade, por integrar importantes UCs e porsua proximidade ao perímetro urbano do município, possui peculiaridades que asdiferem das demais unidades, sendo apontadas pelo Plano de Manejo da APA deGuaratuba como áreas de intensos conflitos relacionados à práticasesportivas, caça e pesca indiscriminadas,loteamentos irregulares, ocupaçãodesordenada, degradação de sítios arqueológicos e degradação das áreas deproteção permanentes devido à extração de florestas nativas (SEMA; IAP,2006).

(sem grifos ao original)

Ainda em relação ao Volume 1 do Diagnóstico Consolidado, no tópico

“Estudo da rede de escolas e demais equipamentos de ensino”, na p. 97, menciona-se a

existência da Escola Rural Municipal Paulo Saporski, de ensino fundamental, no chamado

bairro São Joãozinho. Além disso, às fls. 102, ao identificar as rotas de transporte escolar

em 2015, também é mencionada a rota “Descoberto/Riozinho/São

Joãozinho/Empanturrado”, sem a indicação que se trata de comunidade caiçara.

Por fim, nesse mesmo volume, vale destacar a síntese dos comentários

trazidos às fls. 189, nos quais verifica-se a menção bastante superficial da necessidade de

propostas de mais e melhores equipamentos diferenciados de corte cultural que

valorizassem a identidade territorial local, sendo que um dos exemplos seria a cultura

caiçara:

Nao ha dúvida de que Guaratuba tem vocação e tendência para se consolidarcomo uma cidade-turistica de medio porte, nao apenas um balneário ocasional;porem, essa vocação precisa ser apoiada e estar sustentada em propostas de maise melhores equipamentos diferenciados, como locais de eventos, centros deconvenção, estruturas de lazer e entretenimento (teatro, cinema, etc.),equipamentos de corte cultural que valorizem a identidade territorial local(museus interativos sobre sambaquis, cultura caiçara, etc.); além disso, a presençade mar aberto e baia tranquila oferece a oportunidade de esportes náuticos,marinas publicas e privadas, economia com base em fazendas aquáticas, etc.

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Apesar de não haver diagnóstico das comunidades tradicionais existentes

nos documentos que compõem a revisão do plano diretor de Guaratuba, supõe-se (deve o

diagnóstico localizá-las geograficamente) que grande parte dessas coletividades estejam

localizadas na área rural do município. Todavia, este fato não pode servir de argumento

para não realizar o diagnostico, conforme dispõe o próprio documento denominado

“Síntese das Propostas – Revisão do Plano Diretor Vigente” (fls. 9):

Plano Diretor é uma lei municipal que deve ser elaborada com a participaçãode toda a sociedade. Ele organiza o crescimento e o funcionamento domunicípio. No Plano está o projeto de cidade que queremos. Ele planeja o futuroda cidade decidido por todos (INSTITUTO PÓLIS, 2005). (sem grifos nooriginal)

O Plano vale para todo o município, ou seja, para as áreas urbanas etambém para as rurais. Deve dizer qual é o destino de cada parte domunicípio, sem esquecer, é claro, que essas partes formam um todo(INSTITUTO PÓLIS, 2005). (sem grifos no original)

Novas zonas a serem criadas foram propostas pela revisão do Plano Diretor,

dentre elas, a chamada “Setor de Beneficiamento de Pescados e Indústria Náutica” e “Zona

Rural”, segundo dispõe o documento “Síntese das Propostas – Revisão do Plano Diretor

Vigente”.

Como já amplamente abordado, não há diagnóstico sobre as comunidades

tradicionais de Guaratuba na descrição da zona rural. E em relação à proposta de na nova

Zona denominada “Setor de Beneficiamento de Pescados e Indústria Náutica”24, menciona-

se a criação de três Setores de Beneficiamento de Pescados e Indústria Náutica: SP1 no

bairro Caieiras, SP2 na Barra do Saí e SP3 no bairro Piçarras. Segundo o documento, a

“implantação dos setores visa impulsionar a atividade pesqueira em conjunto com a geração

emprego e renda para a população, através de divulgação e da realização de cursos de

aperfeiçoamento. Nas áreas consolidadas os usos existentes serão tolerados”.

24 Documento “Síntese das Propostas – Revisão do Plano Diretor Vigente”, p. 29.

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Assim, verifica-se que o “Setor de Beneficiamento de Pescados e Indústria

Náutica” tem a função apenas de estimular a atividade pesqueira simplesmente no tocante

ao viés profissional da atividade, ou seja, não se menciona propostas referentes à

tradicionalidade ou à identidade coletiva dos pescadores artesanais que lá residem.

Ou seja, apesar dos documentos que compõem a revisão do plano diretor de

Guaratuba mencionarem em alguns momentos elementos que indicam a presença de

comunidades tradicionais, em especial as caiçaras, naquele Município, em nenhum deles é

realizado o diagnóstico dessas coletividades, tampouco são propostas medidas para a sua

proteção.

3.2 Realização de consulta às comunidades tradicionais do Município

Em atendimento à solicitação da 2ª Promotoria de Justiça da Comarca de

Guaratuba no tocante à obediência ao devido processo participativo quando da elaboração

dos documentos que compõem a revisão do Plano Diretor de Guaratuba, em especial em

relação aos seguintes aspectos:

(i) publicação de editais, pautas, realização de oficinas e audiências públicas,

elaboração de atas de reunião e lista de presença;

(ii) publicação destes instrumentos no site (transparência);

(iii) participação dos diversos setores da sociedade (representatividade), como

comunidades tradicionais, pescadores e indígenas (FUNAI).

Conforme indicado no Ofício n.º 162/2017-2º PJ, utilizou-se o endereço

eletrônico http://www.guaratuba.pr.gov.br/novo/plano_diretor.php para analisar os aspectos

solicitados acima.

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Naquele endereço consta documento denominado “Agenda de reuniões

abertas ao público”, no qual é indicada a proposta de realização de diversas reuniões entre o

período de 03/03/2017 a 09/05/2017. Ao total, elencou-se um total de 12 (doze) reuniões

realizadas e/ou a serem realizadas num total de 9 (nove) dias, ocorrendo, inclusive, em

alguns casos, duas reuniões por dia.

No documento em tela verifica-se, além da data, local e horário da realização

das reuniões, o público ao qual ela se destinou. Vejamos:

03/03/17 9h - Instituto Guajú e demais interessados14h – Associação dos Surfistas e demais interessadosLocal: Auditório da Prefeitura Municipal. Rua Dr João Cândido, 380 – Centro

06/03/179h - Associação dos Engenheiros, Arquitetos e Agrônomos do Paraná e demaisinteressados.14h - Associação dos pescadores e demais interessados.Local: Auditório da Prefeitura Municipal. Rua Dr João Cândido, 380 – Centro

10/03/17 14h - ISEPE, ACIG e demais interessadosLocal: Auditório da Prefeitura Municipal. Rua Dr João Cândido, 380 – Centro

14/03/1714h - IAP, ICMBio, UFPR Litoral, Ministério Público do Paraná, Corpo deBombeiros, Associação de Pescadores e demais interessados.Local: Auditório da Prefeitura Municipal. Rua Dr João Cândido, 380 – Centro

16/03/179h - Associação dos Corretores, Associação dos Moradores da Caieiras, Associaçãodos Maricultores, SANEPAR e demais interessados.Local: Auditório da Prefeitura Municipal. Rua Dr João Cândido, 380 – Centro

20/03/179h - Associação dos Skatistas e demais interessados 14h - Associação dos moradores do Cabaraquara, da Prainha e demais interessadosLocal: Auditório da Prefeitura Municipal. Rua Dr João Cândido, 380 – Centro

21/03/17 10h - Associação dos moradores da área rural e demais interessados.

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Local: Sede da Prefeitura na área rural.

28/03/1714h - Local: Auditório da Prefeitura Municipal. Rua Dr João Cândido, 380 –Centro.

09/05/1714h - Reunião técnica sobre a revisão do Plano Diretor Municipal. Assunto:Apresentação de estudo para regularização de licenciamento ambiental deloteamentos parcialmente implantados.Local: Auditório da Prefeitura Municipal. Rua Dr João Cândido, 380 – Centro.

Em relação ao público indicado no documento, no que se refere às

comunidades tradicionais, verifica-se que a reunião do dia 14/03/17 teria incluído

“Associação de Pescadores”, além do IAP, ICMBio, UFPR Litoral, Ministério Público e

Corpo de Bombeiros; a reunião do dia 16/03/17 teria incluído a Associação dos

Maricultores e a do dia 21/03/17, a Associação dos moradores da área rural.

As reuniões foram indicadas sem a respectiva pauta, formato das atividades

(se mediante oficinas, audiências públicas, etc), nem lista de presença dos participantes, o

que impossibilita, inclusive, a verificação da presença de pescadores artesanais e demais

comunidades tradicionais (cipozeiros, por exemplo).

Observa-se, por sua vez, que a maioria das reuniões, com exceção da

realizada no dia 21/03/17, realizada na sede da Prefeitura na área rural, ocorreu no

auditório da Prefeitura Municipal, no Centro de Guaratuba. Fato este que pode indicar

eventual dificuldade de participação dos representantes das comunidades tradicionais do

Município.

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Além disso, as referidas reuniões ocorreram após a elaboração do

diagnóstico consolidado da realidade do município de Guaratuba o que já viola, como será

debatido abaixo, o artigo 6º da Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho,

que dispõe que aos povos e comunidades tradicionais deve ser efetivado o direito à

consulta prévia, livre e informada anteriormente à tomada da decisão que poderá, de modo

direto ou indireto, afetá-las.

Desta feita, a partir da análise dos documentos disponibilizados no sítio

eletrônico http://www.guaratuba.pr.gov.br/novo/plano_diretor.php não é possível afirmar a

regularidade ou a efetividade da participação das comunidades tradicionais do município

de Guaratuba durante a realização das reuniões indicadas no documento “agenda de

reuniões abertas ao público”, tampouco para a elaboração dos documentos que subsidiarão

a revisão do novo plano diretor.

4 . Plano Diretor e Comunidades Tradicionais

Conforme verificado nos tópicos acima, a despeito da existência de

comunidades tradicionais no Município de Guaratuba, o diagnóstico da revisão do plano

diretor daquele Município foi omisso a esse respeito, em desatendimento a diversos

comandos legais atinentes à matéria.

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O entendimento segundo o qual é imperioso considerar as comunidades

tradicionais nos planos diretores municipais pode ser verificado na Resolução n° 34, de

1/7/2005, do Conselho Nacional das Cidades (CNC), a qual emite as orientações e

recomendações quanto ao conteúdo mínimo do Plano Diretor, em seu artigo 5°, inciso II,

prevê que a instituição das Zonas Especiais, considerando o interesse local, “deverá

demarcar os territórios ocupados pelas comunidades tradicionais, tais como as

indígenas, quilombolas, ribeirinhas e extrativistas, de modo a garantir a proteção de

seus direitos”:

Art. 5º. A instituição das Zonas Especiais, considerando o interesse local, deverá: I - destinar áreas para assentamentos e empreendimentos urbanos e rurais deinteresse social; II - demarcar os territórios ocupados pelas comunidades tradicionais, tais como asindígenas, quilombolas, ribeirinhas e extrativistas, de modo a garantir a proteçãode seus direitos; III – demarcar as áreas sujeitas a inundações e deslizamentos, bem como as áreasque apresentem risco à vida e à saúde; IV - demarcar os assentamentos irregulares ocupados por população de baixarenda para a implementação da política de regularização fundiária; V - definir normas especiais de uso, ocupação e edificação adequadas àregularização fundiária, à titulação de assentamentos informais de baixa renda e àprodução de habitação de interesse social, onde couber; VI - definir os instrumentos de regularização fundiária, de produção de habitaçãode interesse social e de participação das comunidades na gestão das áreas; VII – demarcar as áreas de proteção, preservação e recuperação do meioambiente natural e construído, do patrimônio cultural, histórico, artístico, paisagístico e arqueológico.

Observando o documento síntese das propostas da revisão do Plano Diretor

verifica-se o estabelecimento de novas zonas propostas, dentre as quais, a zona especial de

turismo do Cabaraquara, Zona Especial de Serviços, Zona Rural e o Setor de

Beneficiamento de Pescados e Indústria Náutica.

Todavia, nenhuma dessas novas zonas se propõe ao que determina a

Resolução n.º 34/2005 do CNC, ou seja, à demarcação dos territórios ocupados pelas

comunidades de pescadores, caiçaras e extrativistas de Guaratuba, ao contrário, sequer há

diagnóstico sobre tais grupos nos volumes 1 e 2 do documento de Revisão do Plano Diretor

que versa sobre a realidade municipal.

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Nesse aspecto, no que se refere ao papel do Plano Diretor para a defesa dos

direitos dos povos e comunidades tradicionais do município, vale ressaltar o contido no

documento intitulado “Territórios de Povos e Comunidades Tradicionais e as Unidades de

Conservação de Proteção Integral”, produzido pela 6ª Câmara de Coordenação e Revisão

do Ministério Público Federal. Segundo esse documento, os Planos Diretores Municipais,

por serem instrumentos de ordenamento territorial em escala municipal são

excelentes ferramentas a favor do reconhecimento de direitos dos povostradicionais e da formalização de acordos de uso do solo e do território, tendoem vista a autonomia municipal atribuída pelo Estatuto das Cidades. (sem grifosno original).25

Ainda, cabe mencionar que o referido documento produzido pela 6ª Câmara

de Coordenação e Revisão do Ministério Público Federal, ao considerar comunidades

tradicionais cujos territórios são afetados por unidades de conservação de proteção integral,

sugere também a condução de procedimentos no sentido da averiguação da efetiva

interação tanto quanto à construção dos planos de manejo dessas áreas protegidas, como

também dos Planos Diretores com a necessária proteção dos direitos dos povos e

comunidades tradicionais. Vejamos:

Verificar a existência de Planos Diretores Municipais, leis e normativas municipaisincidentes na área de abrangência da Unidade, a tipologia de zoneamento e ainserção da Unidade de Conservação, com ênfase no tratamento dispensado àspopulações tradicionais, em especial, a compatibilidade das zonas e normasprevistas com o Plano de Manejo da Unidade de Conservação e/ou com asdiretrizes previstas para as comunidades.

Verificar os elementos que reconhecem e fortalecem as demandas dos povostradicionais, identificando possíveis interfaces positivas ou lacunas, com o objetivode diagnosticar a necessidade de alinhamento. Em caso da inexistência de Plano deManejo, verificar se a equipe de gestão da Unidade de Conservação participou doprocesso de elaboração do Plano Diretor, assim como as representações dascomunidades tradicionais. Em caso negativo, solicitar formalmente a participaçãoda Unidade e dos representantes comunitários no processo e impugnar Planos

25 BRASIL.Territórios de povos e comunidades tradicionais e as unidades de conservação de proteçãointegral: alternativas para o asseguramento de direitos socioambientais. 6. Câmara de Coordenação eRevisão ; coordenação Maria Luiza Grabner ; redação Eliane Simões, Débora Stucchi. – Brasília : MPF, 2014Página 84.

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Diretores que não tenham contemplado adequadamente a Unidade e ascomunidades tradicionais em seu regramento. 26 (sem grifos no original)

Nesse sentido, observa-se a recomendação da 6ª Câmara de Coordenação e

Revisão do MPF para que os membros do Ministério Público impugnem Planos Diretores

que não tenham contemplado adequadamente as comunidades tradicionais em seu

regramento, com a qual comunga este Núcleo de Promoção e Defesa dos Direitos dos

Povos e Comunidades Tradicionais do Ministério Público do Estado do Paraná.

4.1 A necessária consulta prévia, livre e informada aos povos e comunidades

tradicionais para a revisão do Plano Diretor de Guaratuba

Ainda, em relação não apenas à menção à existência das comunidades

tradicionais nos Planos Diretores, bem como ao estabelecimento de zonas especiais nas

quais se proponha a demarcação de seus territórios, faz-se mister a realização de consulta

prévia, livre e informada a esses grupos tanto para a construção do diagnóstico sobre elas

como para que sejam realizadas as proposições de ações em seu favor.

Nesse aspecto, destaca-se o artigo 2º, inciso II, do Estatuto das Cidades:

Art. 2o A política urbana tem por objetivo ordenar o pleno desenvolvimento dasfunções sociais da cidade e da propriedade urbana, mediante as seguintesdiretrizes gerais:II – gestão democrática por meio da participação da população e de associaçõesrepresentativas dos vários segmentos da comunidade na formulação, execução eacompanhamento de planos, programas e projetos de desenvolvimento urbano.27

26 Idem, p. 87.27BRASIL. Estatuto da Cidade. Disponível em:<http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/LEIS_2001/L10257.htm>. Acesso em 15 dez.2015.

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Com relação à forma de efetivação da participação dos povos e comunidades

tradicionais na elaboração do Plano Diretor Municipal, o modo de operacionalização da

participação popular prevista no Estatuto da Cidade expõe a necessidade de verdadeira

exposição do Poder Público às propostas e reivindicações dos setores que se pretende

consultar, como apontado no campo da Ação Direta de Inconstitucionalidade n. 184.449-

0/2-00 no âmbito do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo:

Cumpre ressaltar que a participação popular na criação de leis versando sobrepolítica urbana local não pode ser concebida como mera formalidade ritual passívelde convalidação. Trata-se de instrumento democrático onde o móvel dolegislador ordinário é exposto e contrastado com ideias opostas que, se nãovinculam a vontade dos representantes eleitos no momento da votação, ao menoslhes expõem os interesses envolvidos e as consequências práticas advindas daaprovação ou rejeição da norma, tal como proposta (TJSP, ADIn n., rel. Des. ArturMarques).(sem grifo

Ademais, no tocante ao devido processo participativo para a elaboração da

revisão do Plano Diretor de Guaratuba, além do comando mencionado, por se tratar de

segmentos de povos e comunidades tradicionais, exige-se a realização da Consulta Prévia,

Livre e Informada, prevista no artigo 6º, da Convenção 169 da Organização Internacional

do Trabalho – OIT:

1. Na aplicação das disposições da presente convenção, os governos deverão:a) consultar os povos interessados, por meio de procedimentos adequados e, emparticular, de suas instituições representativas, sempre que sejam previstasmedidas legislativas ou administrativas suscetíveis de afetá-los diretamente; b) criar meios pelos quais esses povos possam participar livremente, ou pelomenos na mesma medida assegurada aos demais cidadãos, em todos os níveisdecisórios de instituições eletivas ou órgãos administrativos responsáveis porpolíticas e programas que lhes afetem;c) estabelecer meios adequados para o pleno desenvolvimento dasinstituições e iniciativas próprias desses povos e, quando necessário,disponibilizar os recursos necessários para esse fim.2. As consultas realizadas em conformidade com o previsto na presenteConvenção deverão ser conduzidas de boa-fé e de uma maneira adequada àscircunstâncias, no sentido de que um acordo ou consentimento em torno dasmedidas propostas possa ser alcançado. (sem grifos no original)

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Nesse aspecto, a Convenção 169 da OIT elenca, de forma não taxativa,

algumas circunstâncias nas quais os Estados deve garantir o direito de consulta aos povos e

comunidades tradicionais, dentre elas quando houver a possibilidade destes grupos serem

retirados de seus territórios (art. 16) e quando alguma lei ou decreto alterar sua capacidade

de alienar suas terras ou de outra maneira de transmitir seus direitos fora de suas

comunidades (art. 17).

Por se tratar de segmentos de povos e comunidades tradicionais que

deveriam ser consultados para a elaboração do Plano Diretor de Guaratuba, deve-se

considerar os direitos especiais que tais comunidades possuem, em especial no tocante ao

direito à consulta prévia, livre e informada.

Assim, a consulta junto àquelas coletividades deve ser conduzida através da

instauração de um procedimento formal adequado, livre, prévio, informado e de boa fé.

A consulta deve ocorrer antes da tomada de qualquer decisão, livre de

qualquer pressão política, econômica ou moral, garantindo aos povos e às comunidades

acesso a informações e documentos que integrem a medida que irão afetá-la. Ou seja, não

se trata simplesmente de realização de eventual audiência pública para fins de referendum

do Plano Diretor já construído, mas sim de garantia de participação na construção deste

documento.

Neste aspecto, é mister ressaltar recente decisão proferida pela 1ª Vara

Federal de Paranaguá, nos autos de Ação Civil Pública n.º 5000742-88.2015.4.04.7008/PR,

proposta pela Defensoria Pública da União em face do Instituto Chico Mandes de

Conservação da Biodiversidade – ICMBIO, determinando ao órgão ambiental que:

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a) disponibilize às Defensorias Públicas e aos pescadores os documentos eestudos do Plano de Manejo, notadamente, aqueles produzidos após outubro de2013, bem como, os que vierem a ser produzidos; b) garanta a efetivaparticipação dos pescadores integrantes do MOPEAR (Movimento dePescadores e Pescadoras Artesanais do Litoral do Paraná) na elaboração doPlano de Manejo do Parque Nacional do Superagui; e iii) observe, naelaboração do Plano de Manejo, as diretrizes da Convenção n.º 169 da OITno que diz respeito à consulta às populações tradicionais e produção deestudos técnicos pautados em metodologias condizentes com a complexidadesocial local. (sem grifos no original)

A decisão acima mencionada demonstra que, portanto, a consulta não deve ser

apenas “formal”, pois o Estado deve estar efetivamente disposto a escutar a opinião dos

povos e comunidades consultados e a mudar sua posição frente aos temas que forem

submetidos a esse processo. O simples ato de informar a comunidade tradicional sobre

decisões administrativas e legislativas que lhes afetem não é o bastante para a garantia do

direito à consulta prévia.

Além disso, o Centro de Apoio Operacional das Promotorias de Justiça de

Proteção aos Direitos Humanos também entende que esse direito não pode ser confundido

com a realização de mero evento, reunião ou encontro para tratativa do objeto da consulta,

ele deve ser garantido por meio de processo mutuamente acordado, que pode compreender

vários atos, tais como realização de reuniões, oficinas, assembleias etc.

Por fim, o poder público não pode delegar ao particular interessado na obra,

projeto ou atividade a execução do processo de consulta prévia, haja vista se tratar de

interesses constitucionais coletivos, ou seja, deve o membro do Ministério Público, quando

for analisar a legalidade e eficácia de suposta consulta, verificar quem conduziu esse

processo.

5. Considerações Finais e Sugestão de medidas a serem tomadas pela Promotoria de

Justiça da Comarca de Guaratuba

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TRADICIONAIS

Conforme acima exposto verificou-se, e diante dos documentos analisados

por este Centro de Apoio:

i) existência de comunidades pesqueiras e caiçaras, cipozeiros e cipozeiras e de

comunidades extrativistas no município de Guaratuba, conforme pesquisa

bibliográfica e documentos de posse deste Centro de Apoio;

ii) ausência de diagnóstico acerca dessas comunidades, assim como de sua

localização;

iii) ausência de documentos no sítio eletrônico

http://www.guaratuba.pr.gov.br/novo/plano_diretor.php que comprovassem a

efetiva participação daquelas comunidades tradicionais nas reuniões abertas ao

público realizadas no mês de março, tais como pauta e ata das reuniões, lista de

presença, documentos prévios, etc.;

iv) ausência de documentos que comprovem a devida realização de Consulta

Prévia Livre e Informada junto a àquelas coletividades para a construção do

novo Plano Diretor do Município de Guaratuba, e para a análise das propostas

nele presentes, o que ofende, em tese, os artigos 6º e 17 da Convenção 169 da

Organização Internacional do Trabalho, artigo 2º do Estatuto da Cidade e a

Resolução;

iii) menção breve e superficial sobre pescadores e pescadoras, comunidades

extrativistas e caiçaras, cipozeiros e cipozeiras, existentes no Município de

Guaratuba no diagnóstico para a elaboração do Plano Diretor do Município de

Pontal do Paraná;

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iv) ausência nos documentos que compõem o plano diretor de propostas para os

grupos mencionados no item iii, assim como completa omissão quando à

determinação do artigo 5º, da Resolução n.º 34, do Conselho Nacional das

Cidades no tocante à previsão de proposta de instituição de zonas especiais para

demarcação dos territórios ocupados pelas comunidades tradicionais, tais como

as indígenas, quilombolas, ribeirinhas e extrativistas, de modo a garantir a

proteção de seus direitos;

vii) ofensa aos artigos 6º e 17 da Convenção 169 da Organização Internacional

do Trabalho, artigo 2º do Estatuto da Cidade e a Resolução n° 34, de 1/7/2005,

do Conselho Nacional das Cidades (CNC).

Em vista das observações acima que indicam a violação aos direitos das

comunidades tradicionais existentes no município de Guaratuba, neste primeiro momento,

sugere-se ao d. Promotor de Justiça o seguinte:

a – a obtenção junto à Prefeitura Municipal de Guaratuba das cópias das atas

das reuniões realizadas no mês de março a fim de verificar a pauta e

participantes, atentando-se especialmente para a presença de representantes de

comunidades pesqueiras, caiçaras extrativistas (a exemplo da comunidade de

São Joãozinho) e de cipozeiros;

b - eventual expedição de Recomendação Administrativa, ou outra providência

extrajudicial que essa Promotoria de Justiça atender mais adequada, à Prefeitura

Municipal de Guaratuba para que

b.1) Identifique as comunidades tradicionais existentes no Município de

Guaratuba;

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b.2) elabore diagnóstico sobre o componente “comunidades tradicionais de

Guaratuba”, diante da existência de comunidades de pescadores artesanais,

caiçaras extrativistas (a exemplo da comunidade de São Joãozinho) e de

cipozeiros;

b.3) proponha zonas especiais nos locais nos quais tais comunidades estão

localizadas, sugerindo formas de demarcação de seus territórios;

a.3) Instaure Procedimento Administrativo próprio, no âmbito daquela

municipalidade, para, previamente à elaboração do diagnóstico e propostas

indicadas nos itens b.2 e b.3, efetuar a Consulta Prévia, Livre e Informada

junto a tais coletividades;

Assim, diante dos questionamentos formulados e dos dados fornecidos a

este Núcleo de Promoção e Defesa dos Direitos dos Povos e Comunidades Tradicionais do

CAOPJDH, são estes os esclarecimentos se entendem adequados.

Persistindo quaisquer dúvidas, coloca-se este Núcleo à disposição para novos

esclarecimentos que se fizerem necessários.

Curitiba, 15 de maio de 2017.

Ana Paula Pina Gaio

Promotora de Justiça

Coordenadora do Núcleo de Promoção e Defesa dos Direitos dos Povos e ComunidadesTradicionais

Ana Carolina Brolo de AlmeidaAssessora Jurídica