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CENTRO DE APOIO OPERACIONAL DAS PROMOTORIAS DE JUSTIÇA CÍVEIS FALIMENTARES, DE LIQUIDAÇÕES EXTRAJUDICIAIS, DAS FUNDAÇÕES E DO TERCEIRO SETOR Av. Mal. Deodoro. 1028 – Edifício Baracat – 4º andar – Centro – Curitiba/PR E-mails: [email protected]/[email protected] Fones: (41) 3250-4852/4848 1 CONSULTA N° 15/2015 – CAOP CÍVEL. Objeto: Direito das Sucessões – Pedido de Alvará Judicial para alienação de bem móvel (veículo) deixado por pessoa falecida – Autor da herança casado sob o regime da comunhão parcial de bens no momento da morte – Existência de descendentes – Herdeiros Necessários – Sucessão dos descendentes em concorrência com o cônjuge sobrevivente – Requisitos – Tratamento doutrinário e jurisprudencial divergente – Entendimento majoritário – Posicionamento do Centro de Apoio Cível. Interessada: 4ª Promotoria de Justiça do Foro Regional de São José dos Pinhais da Comarca da Região Metropolitana de Curitiba. CONSULTA N° 15/2015 1. Cuida-se de consulta encaminhada pelo Assessor Jurídico da 4ª Promotoria de Justiça do Foro Regional de São José dos Pinhais da Comarca da Região Metropolitana de Curitiba, Jairo Rafael de Lima, sob a orientação do d. Promotor de Justiça André Vieira Saraiva de Medeiros, via e-mail, em 13 de abril de 2015, versando acerca de pedido de alvará judicial para alienação de bem móvel (veículo) que compõe o patrimônio ativo da herança do de cujos G. J. G., o qual era casado no regime da comunhão parcial de bens no momento da morte e tinha 03 (três) filhos (G. M. G. – incapaz -, B. R. G. e C. D. D. G.), sendo C. D. D. G. falecido sem deixar descendentes.

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CENTRO DE APOIO OPERACIONAL DAS PROMOTORIAS DE JUSTIÇA CÍVEIS FALIMENTARES, DE LIQUIDAÇÕES EXTRAJUDICIAIS,

DAS FUNDAÇÕES E DO TERCEIRO SETOR

Av. Mal. Deodoro. 1028 – Edifício Baracat – 4º andar – Centro – Curitiba/PR E-mails: [email protected]/[email protected]

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CONSULTA N° 15/2015 – CAOP CÍVEL.

Objeto: Direito das Sucessões – Pedido de Alvará Judicial para alienação

de bem móvel (veículo) deixado por pessoa falecida – Autor da herança

casado sob o regime da comunhão parcial de bens no momento da morte –

Existência de descendentes – Herdeiros Necessários – Sucessão dos

descendentes em concorrência com o cônjuge sobrevivente – Requisitos –

Tratamento doutrinário e jurisprudencial divergente – Entendimento

majoritário – Posicionamento do Centro de Apoio Cível.

Interessada: 4ª Promotoria de Justiça do Foro Regional de São José dos

Pinhais da Comarca da Região Metropolitana de Curitiba.

CONSULTA N° 15/2015

1. Cuida-se de consulta encaminhada pelo Assessor

Jurídico da 4ª Promotoria de Justiça do Foro Regional de São José dos

Pinhais da Comarca da Região Metropolitana de Curitiba, Jairo Rafael de

Lima, sob a orientação do d. Promotor de Justiça André Vieira Saraiva

de Medeiros, via e-mail, em 13 de abril de 2015, versando acerca de

pedido de alvará judicial para alienação de bem móvel (veículo) que

compõe o patrimônio ativo da herança do de cujos G. J. G., o qual era casado no regime da comunhão parcial de bens no momento da

morte e tinha 03 (três) filhos (G. M. G. – incapaz -, B. R. G. e C. D. D.

G.), sendo C. D. D. G. falecido sem deixar descendentes.

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Em conferência ao arquivo que contém a cópia dos autos

do pedido de alvará judicial remetido pelo consulente, afere-se que o

feito foi julgado por sentença de mérito, na qual foi autorizada a venda

do bem, bem como determinada a partilha do produto da alienação nas

seguintes proporções: i) para o cônjuge sobrevivente: 50% (cinquenta por

cento) relativos à meação e 16% (dezesseis por cento) referentes à quota

parte da herança; ii) para G. M. G. (incapaz): 16% (dezesseis por cento)

referentes à quota parte da herança, a serem depositados em conta

judicial; e iii) para B. R. G.: 16% (dezesseis por cento) concernentes à

quota parte da herança.

Na sequência, houve a interposição de embargos de

declaração pelo Ministério Público, com o propósito de serem

esclarecidos os fundamentos pelos quais se entendeu que o cônjuge

supérstite é meeiro e herdeiro, em prejuízo da descendente incapaz, haja

vista a existência de entendimento de que, no regime da comunhão

parcial de bens, o cônjuge tem direito a herança apenas quando houver

bens particulares no monte hereditário.

Em resposta, o d. Juízo acolheu o recurso ministerial e

informou que reconhece que a matéria não está pacificada na

jurisprudência, mas que se filia à posição que milita pelos direitos

sucessórios do cônjuge sobre os bens comuns no regime da comunhão

parcial, considerando a opção escolhida em vida pelos nubentes de

comunicação dos bens sobrevindos ao casal durante a união.

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Frente a esse quadro fático, e enxergando que o assunto é

deveras embaraçado na doutrina e na jurisprudência, questionou-se na

consulta o entendimento deste Centro de Apoio.

É, em suma, o que se cumpre relatar. Passa-se à manifestação.

2. Partindo da leitura das referências normativas cabíveis para o estudo do caso em tela, observa-se que o Código Civil

de 2002, em seu art. 1.8451, elegeu o cônjuge supérstite herdeiro

necessário na vocação hereditária, ao lado dos descendentes e dos

ascendentes do autor da herança, atribuindo maior proteção à figura do

cônjuge após a morte do outro consorte em face daquela conferida pelo

regulamento privado anterior.

Todavia, o CC/02 também estabeleceu no art. 1.829 uma

ordem de chamamento dos herdeiros para a partilha do monte

hereditário, na qual estão previstas as hipóteses e condições para que o

cônjuge seja chamado a suceder na qualidade de herdeiro do de cujos.

A primeira situação na qual o cônjuge é convocado a

suceder nos bens da herança encontra-se prevista no inciso I do art.

1.829 do CC/02, que versa sobre a concorrência entre os descendentes e

o cônjuge sobrevivente.

1 Art. 1.845. São herdeiros necessários os descendentes, os ascendentes e o cônjuge.

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Ocorre, no entanto, que a referida concorrência é limitada

pelo CC/02, em outras palavras, não é em qualquer caso que o cônjuge será herdeiro quando concorrer com descendentes. Para

que se possa identificar se o cônjuge supérstite é herdeiro do

falecido, o Código orienta que se observe qual o regime de bens do casamento.

Apurando-se que se trata do regime da comunhão parcial,

o CC/02 ainda exige a superação de uma última etapa, que consiste na

averiguação da existência de bens particulares.

A interpretação literal do inc. I do art. 1.829 do CC/02, ao

contrário senso, permite concluir que, no regime da comunhão parcial de bens, o cônjuge sobrevivente somente será considerado herdeiro

em concorrência com os descendentes se o de cujos houver deixado

bens particulares. Não havendo bens particulares, o cônjuge supérstite não é herdeiro.

Isso ocorre porque um casamento no regime da comunhão

parcial sem bens particulares equivale a uma união na qual só existem

bens comuns ou, na prática, a um regime de comunhão universal, no

qual é vedada a concorrência com descendentes (inc. I do art. 1.829 do

CC/02), pois o cônjuge já tem direito a metade de todo o patrimônio do

de cujos por força da dissolução da sociedade conjugal (motivada pelo

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evento morte), não havendo necessidade de herdar ou se beneficiar

novamente sobre tais bens2.

Assim, por lógica interpretativa, apenas os bens

exclusivos do autor da herança, em relação aos quais o cônjuge não

têm direito a meação no regime da comunhão parcial, são divididos entre

o sobrevivente (por força da concorrência) e os descendentes do falecido,

em razão da sucessão causa mortis3.

Esse é o entendimento majoritário da doutrina e da jurisprudência nacional, conforme se demonstrará no tópico seguinte.

2.1. Veja-se o que dispõe o art. 1.829 do CC:

Art. 1.829. A sucessão legítima defere-se na ordem seguinte: I - aos descendentes, em concorrência com o cônjuge sobrevivente, salvo se casado este com o falecido no regime da comunhão universal, ou no da separação obrigatória de bens (art. 1.640, parágrafo único); ou se, no regime da comunhão parcial, o autor da herança não houver deixado bens particulares; II - aos ascendentes, em concorrência com o cônjuge; III - ao cônjuge sobrevivente; IV - aos colaterais. (Grifou-se).

Colhe-se da doutrina de Gustavo Rene Nicolau e Ana

Luiza Maia Nevares:

2 NICOLAU, Gustavo Rene. Sucessão Legítima no Novo Código Civil. Revista de Direito de Família n° 44 – Out-Nov/2007, p. 52. 3 HIRONAKA, Giselda Maria Fernandes. O Sistema de Vocação Concorrente do Cônjuge e/ou do Companheiro. Revista Brasileira de Direito de Família n° 29, p. 53.

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1 PREMISSA BÁSICA: MEAÇÃO E SUCESSÃO É comum ocorrer confusão entre estes dois institutos. (...). O substantivo meação (derivado do verbo mear) nada mais é do que a simples atribuição dos bens a cada um dos cônjuges que unidos trabalharam (em planos diferentes) para construir o patrimônio que – por ocasião da dissolução da sociedade conjugal – (divórcio, separação judicial, morte e anulação) deverá ser partido ao meio, meado. A confusão se dá porque uma das hipóteses de dissolução da sociedade conjugal coincide com a premissa básica da sucessão: o falecimento. Assim, quando o acaso irrompe para um dos cônjuges, o primeiro raciocínio jurídico que devemos elaborar (nos regimes que assim permitem) é que metade dos bens adquiridos na constância do casamento deverá ser entregue nas mãos dos seu verdadeiro proprietário, o cônjuge sobrevivente. Sobre a outra metade é que o instituto da sucessão encontra terreno fértil e é ali que concentramos nossos esforços nos próximos parágrafos. 2 ORDEM DE VOCAÇÃO HEREDITÁRIA (...) A ordem de vocação doravante apresenta-se nos seguintes moldes afirmados pelo art. 1.829: “I - aos descendentes, em concorrência com o cônjuge sobrevivente, salvo se casado este com o falecido no regime da comunhão universal, ou no da separação obrigatória de bens (art. 1.640, parágrafo único); ou se, no regime da comunhão parcial, o autor da herança não houver deixado bens particulares; II - aos ascendentes, em concorrência com o cônjuge; III - ao cônjuge sobrevivente; IV - aos colaterais”. 3 SUCESSÃO DO CÔNJUGE Como já dissemos alhures, o cônjuge foi alçado à categoria de herdeiro necessário e concorrerá (obedecidos alguns requisitos) com descendentes e (sem nenhum requisito) com ascendentes logo nas primeiras convocações hereditárias. (...) 3.1 Concorrência com descendentes Uma análise do inciso I do referido artigo já deixa claro que o tema não é dos mais simples. Não é em qualquer hipótese que o cônjuge terá o direito de concorrer com os descendentes do de cujos. A lei impõe – em péssima redação – uma série de requisitos e circunstâncias que tornam a hipótese da concorrência limitada. (...) 3.1.1 Concorrência no regime da comunhão parcial (...)

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No regime da comunhão parcial, o supérstite só concorrerá com os descendentes na hipótese de o de cujos ter deixado bens particulares [Entenda-se: bens que só a ele pertencem, como, v.g., aqueles que trouxe ao casamento oriundos de herança, ou que se sub-rogaram no lugar daqueles, que recebeu com cláusula de incomunicabilidade etc.]. A intenção da lei também é flagrante: uma comunhão parcial sem bens particulares significa que todos os bens são “comuns” e por isso estamos – na prática – diante de um regime de comunhão universal. Logo, metade de tudo que o casal possui já pertence ao cônjuge supérstite, por direito próprio de meação, não havendo necessidade de herdar sobre tais bens. Com essa redação, o legislador dividiu o patrimônio do de cujos em duas partes: a primeira constitui-se de bens particulares. São aqueles excluídos da comunhão (art. 1.659). Um típico exemplo de bem particular é o adquirido por força de herança, ainda que na constância do casamento. A segunda parte do patrimônio do de cujos é constituída de “bens comuns”, correspondente à parte que lhe caiba nos bens amealhados onerosamente na constância do casamento com o esforço do casal (ainda que esse esforço seja presumido). O Código sustentou que – havendo bens particulares – o cônjuge casado sob comunhão parcial concorreria com os descendentes do de cujos. A pergunta que surge é: qual a base de cálculo desta concorrência? A divisão da herança com os descendentes do de cujos ocorrerá sobre todos os bens? Ou apenas sobre os particulares? A dúvida procede em face da imperdoável omissão legislativa. A resposta mais justa seria a de que, em virtude da mens legis, em uma interpretação teleológica, poderia se deduzir que o cônjuge já fez sua meação sobre os bens “comuns” e ali não precisaria mais herdar. O equânime seria que o sobrevivente herdasse apenas sobre os bens particulares. Em uma expressão – pouco sonora e muito didática -, o Professor da Faculdade de Direito da FAAP Cláudio Luis Bueno de Godoy define: “Onde o cônjuge herda não meia; onde meia não herda”. Esta é hoje a opinião da maioria da doutrina. (...). (NICOLAU, Gustavo Rene. Sucessão Legítima no Novo Código Civil. Revista de Direito de Família n° 44 – Out-Nov/2007, p. 49-52). (Grifou-se). 2 Os Direitos Sucessórios do Cônjuge no Código Civil de 2002 No Código Civil de 2002, o cônjuge integra a categoria de herdeiros necessários, juntamente com os ascendentes e os descendentes, conforme disposição do art. 1.845.

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(...) Na concorrência com os descendentes, deve-se analisar o regime de bens do matrimônio para verificar o direito sucessório do cônjuge (CC/2002, art. 1.829, I). Como afirmado, é possível graduar a tutela sucessória do cônjuge a partir do regime de bens do casamento. (...). Sendo o regime da comunhão parcial, a sucessão do cônjuge só terá lugar se o falecido houver deixado bens particulares. Desse modo, excluindo-se da sucessão aquelas hipóteses em que a situação patrimonial dos cônjuges, em que pese o regime da comunhão parcial, é similar àquela do regime da comunhão universal. (...). (NEVARES, Ana Luiza Maia. Os Direitos Sucessórios do Cônjuge e do Companheiro. Revista Brasileira de Direito de Família n° 36, p. 145-147.). (Grifou-se).

Sobredita opinião também é defendida pelos renomados

autores Christiano Cassettari, Eduardo de Oliveira Leite, Flávio Tartuce,

Giselda Maria Fernandes Hironaka, Jorge Shiguemitsu Fujita, José

Fernando Simão, Maria Helena Marques Braceiro Daneluzzi, Mário

Delgado, Rodrigo da Cunha Pereira, Rolf Madaleno, Zeno Veloso, dentre

outros.

Na mesma linha de raciocínio, localizam-se diversas

decisões recentes do Tribunal de Justiça do Estado do Paraná:

AGRAVO DE INSTRUMENTO - INVESTIGAÇÃO DE PATERNIDADE POST MORTEM - DECISÃO QUE DECLAROU A ILEGITIMIDADE PASSIVA DA VIÚVA. IRRESIGNAÇÃO DO AGRAVANTE - VIÚVA E DE CUJUS CASADOS PELO REGIME DA COMUNHÃO PARCIAL DE BENS - NECESSIDADE DE VERIFICAR SE O DE CUJUS DEIXOU BENS PARTICULARES - INTELIGÊNCIA DO ART.1.829 DO CÓDIGO CIVIL. RECURSO CONHECIDO E PARCIALMENTE PROVIDO. (...) O Código Civil de 2002 trouxe importante modificação na ordem de vocação hereditária ao incluir o cônjuge como herdeiro necessário, concorrendo com os descendentes e ascendentes.

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O cônjuge sobrevivente é o terceiro lugar na ordem de vocação hereditária, porém, concorre em igualdade de condições com os descendentes do de cujus, salvo quando já tenha direito à meação em face do regime de comunhão de bens do casamento. A ordem de sucessão hereditária encontra-se estabelecida no art. 1829 do Código Civil: Art. 1.829. A sucessão legítima defere-se na ordem seguinte: I - aos descendentes, em concorrência com o cônjuge sobrevivente, salvo se casado este com o falecido no regime da comunhão universal, ou no da separação obrigatória de bens (art. 1.640, parágrafo único); ou se, no regime da comunhão parcial, o autor da herança não houver deixado bens particulares; II - aos ascendentes, em concorrência com o cônjuge; III - ao cônjuge sobrevivente; IV - aos colaterais. (grifei). O inciso I do aludido dispositivo estabelece, como regra, a concorrência com os descendentes e, em seguida, as exceções. Assim, para a correta indicação do destinatário da herança, é preciso, num primeiro momento, verificar o estado civil do falecido, depois qual o regime de comunhão de bens. Se for casado no regime de comunhão universal ou no de separação obrigatória não concorrerá com os descendentes. Mas, se for casado no regime de comunhão parcial é preciso verificar mais uma situação, se o autor da herança deixou ou não bens particulares, porque se deixou bens particulares o cônjuge sobrevivente concorrerá com os descendentes. Esta câmara já teve oportunidade de analisar caso semelhante, vejamos: AGRAVO DE INSTRUMENTO. INVESTIGAÇÃO DE PATERNIDADE POST MORTEM. DECISÃO QUE DECLAROU A ILEGITIMIDADE PASSIVA DA VIÚVA MEEIRA. IRRESIGNAÇÃO DO AGRAVANTE. VIÚVA E DE CUJUS CASADOS PELO REGIME DA COMUNHÃO PARCIAL DE BENS. COMPROVAÇÃO PELO AGRAVANTE DA EXISTÊNCIA DE BEM PARTICULAR DO FALECIDO. No regime da comunhão parcial de bens, o cônjuge virago não é herdeira, mas sim meeira, caso o de cujus não deixe bens particulares. RECURSO PROVIDO. (TJPR - 11ª C. Cível - AI - 1169498-7 - Região Metropolitana de Londrina - Foro Regional de Cambé - Rel.: Vilma Régia Ramos de Rezende - Unânime - J. 20.08.2014) (grifei). A decisão está em desacordo com o disposto no art. 1.829, do Código Civil, porque só se baseou no fato do falecido ter sido casado no regime de comunhão parcial, mas sem verificar se o autor da herança deixou ou não bens particulares. No caso dos autos, não há informação de que o de cujus possuía pelo menos um bem particular, pelo que é necessário que se de parcial provimento ao presente recurso a fim de que a decisão agravada seja reformada e que o Juízo a quo verifique a existência de bens particulares e emita nova

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decisão sobre a permanência ou não da Senhora M.L.A. no polo passivo da presente demanda. (...). (TJPR - 11ª C. Cível - AI - 1247194-2 - Região Metropolitana de Londrina - Foro Regional de Cambé - Rel.: Maria Roseli Guiessmann - Unânime - J. 01.04.2015). (Grifou-se). APELAÇÃO CÍVEL - AÇÃO DE INVENTÁRIO - CONJUGE SUPÉRSTITE - REGIME DE COMUNHÃO PARCIAL DE BENS - ARTIGO 1829, I DO CÓDIGO CIVIL - CONCORRÊNCIA COM OS DESCENDENTES - INOCORRÊNCIA - AUSÊNCIA DE BENS PARTICULARES - RECURSO PROVIDO. (TJPR - 12ª C. Cível - AC - 1052618-6 - Coronel Vivida - Rel.: Joeci Machado Camargo - Unânime - - J. 19.03.2014). (Grifou-se). AGRAVO DE INSTRUMENTO - AÇÃO DE INVENTÁRIO - CÔNJUGE SUPÉRSTITE - REGIME DE COMUNHÃO PARCIAL DE BENS - HERDEIRA NECESSÁRIA - CONCORRÊNCIA COM OS DESCENDENTES EM RELAÇÃO AOS BENS PARTICULARES - ARTIGO 1829, INCISO I, DO CÓDIGO CIVIL - RECURSO PROVIDO. Deve ser reconhecida a condição de herdeira necessária de cônjuge supérstite, quando, casada com o de cujus sob o regime da comunhão parcial de bens, existirem bens particulares a ser partilhados. Inteligência do artigo 1.829, inciso I, do Código Civil. RECURSO CONHECIDO E PROVIDO." (TJPR, 12ª C.Cível, AI 1004327-3, Rel. Desa. Rosana Amara Girardi Fachin, j. em 24.07.2013). (Grifou-se).

Aliado a essas referências, tem-se que o Conselho da Justiça Federal na III Jornada de Direito Civil firmou o

posicionamento de que, no regime da comunhão parcial de bens, só

é assegurado ao cônjuge sobrevivente o direito de concorrência com os descendentes do autor da herança se o falecido possuir bens

particulares, situação na qual a concorrência se limita a estes bens.

Confira-se o teor do Enunciado n° 270:

270 – Art. 1.829: O art. 1.829, inc. I, só assegura ao cônjuge sobrevivente o direito de concorrência com os descendentes do autor da herança quando casados no regime da separação

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convencional de bens ou, se casados nos regimes da comunhão parcial ou participação final nos aqüestos, o falecido possuísse bens particulares, hipóteses em que a concorrência se restringe a tais bens, devendo os bens comuns (meação) ser partilhados exclusivamente entre os descendentes. (Grifou-se).

Dos Tribunais de Justiça de Minas Gerais, do Rio Grande

do Sul e de Santa Catarina ressaltam-se os seguintes arestos no mesmo

viés:

AGRAVO DE INSTRUMENTO. ABERTURA DE INVENTÁRIO. BENS PARTICULARES. CÔNJUGE SOBREVIVENTE. DIREITO À PARTILHA. RECURSO DESPROVIDO. "Tendo sido o casamento celebrado no regime de comunhão parcial, deixando o falecido bens particulares, receberá o cônjuge supérstite a sua meação nos bens comuns adquiridos na constância do casamento e concorrerá com os descendentes na partilha dos bens particulares" (AC 1.0024.03.182553-2/001, 1ª CCív/TJMG, rel. Des. Geraldo Augusto). (TJMG - Agravo de Instrumento-Cv 1.0701.10.025765-1/004, Relator(a): Des.(a) Peixoto Henriques , 7ª CÂMARA CÍVEL, julgamento em 25/11/2014, publicação da súmula em 28/11/2014). (Grifou-se). AGRAVO DE INSTRUMENTO. INVENTÁRIO. MORTE DE HERDEIRO CASADO NO REGIME DE COMUNHÃO PARCIAL DE BENS. QUOTA-PARTE. BEM PARTICULAR. CÔNJUGE HERDEIRO. - Os bens que tocam a um dos cônjuges por sucessão, na constância do casamento sob o regime de comunhão parcial de bens, são considerados particulares, de forma que o outro, no caso da morte do primeiro, herdará tais bens em concorrência com os demais herdeiros do falecido, caso haja. - Recurso não provido. (TJMG - Agravo de Instrumento-Cv 1.0105.08.272889-7/001, Relator(a): Des.(a) Alyrio Ramos , 8ª CÂMARA CÍVEL, julgamento em 29/01/2015, publicação da súmula em 09/02/2015). (Grifou-se). AGRAVO DE INSTRUMENTO. SUCESSÕES. INVENTÁRIO. INCLUSÃO DA VIÚVA, CASADA PELO REGIME DA COMUNHÃOPARCIAL DE BENS, NO ROL DE HERDEIROS

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EM CONCORRÊNCIA COM OS FILHOS RELATIVAMENTE AO PATRIMÔNIO PARTICULAR DO DE CUJUS. PREVISÃO DO ART. 1.829, I, DO CC. O art. 1.829, inciso I, do Código Civil é claro ao determinar que o cônjuge supérstite, casado pelo regime da comunhão parcial de bens, será excluído do rol de herdeiros, tão somente, se o cônjuge falecido não deixar bens particulares: NEGARAM PROVIMENTO AO AGRAVO DE INSTRUMENTO. (Agravo de Instrumento Nº 70063122485, Oitava Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Alzir Felippe Schmitz, Julgado em 09/04/2015). (Grifou-se). AGRAVO DE INSTRUMENTO. INVENTÁRIO. SUCESSÃO DO CÔNJUGE. ARTIGO 1.829, I, DO CÓDIGO CIVIL. CASAMENTO SOB O REGIME DA COMUNHÃO PARCIAL DE BENS. PRECEDENTES. No regime da comunhão parcial de bens, o cônjuge sobrevivente concorre com os descendentes apenas em relação aos bens particulares do de cujus, tendo em vista que sobre os bens comuns lhe caberá a meação. Inteligência do art. 1.829, I, do Código Civil. Decisão agravada mantida. AGRAVO DE INSTRUMENTO DESPROVIDO. (Agravo de Instrumento Nº 70059615369, Sétima Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Sandra Brisolara Medeiros, Julgado em 05/05/2014). (Grifou-se). AGRAVO DE INSTRUMENTO. INVENTÁRIO. CÔNJUGE SOBREVIVENTE. REGIME DA COMUNHÃO PARCIAL DE BENS. BENS PARTICULARES. HERDEIRO NECESSÁRIO. ARTIGO 1.829, I, DO CÓDIGO CIVIL E ENUNCIADO N. 270 DA III JORNADA DE DIREITO CIVIL. RECURSO PARCIALMENTE PROVIDO. "O art. 1.829, inciso I, só assegura ao cônjuge sobrevivente o direito de concorrência com os descendentes do autor da herança quando casados no regime da separação convencional de bens ou, se casados nos regimes da comunhão parcial ou participação final nos aquestos, o falecido possuísse bens particulares, hipóteses em que a concorrência se restringe a tais bens, devendo os bens comuns (meação) ser partilhados exclusivamente entre os descendentes" (Enunciado 270 da III Jornada de Direito Civil). (TJSC, Agravo de Instrumento n. 2013.045959-5, de Pomerode, rel. Des. Fernando Carioni, j. 15-04-2014). (Grifou-se).

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2.2. No caso do pedido de alvará judicial objeto da

consulta em apreço, ficou demonstrado que o patrimônio deixado pelo

de cujos consiste tão somente em um veículo adquirido na constância do

casamento, sob o regime da comunhão parcial, o que o caracteriza como

bem comum.

Sendo assim, e conjecturando-se a aplicação do

entendimento majoritário exposto nos itens “2” e “2.1”, em primeiro

lugar, o montante auferido com a alienação do veículo deverá ser

repartido na metade para fins de reserva da meação do cônjuge

sobrevivente (arts. 1.658 e 1.660, inc. I, do CC).

Após, a porção que restar a título de meação do de cujos

(outra metade), a qual compõe o patrimônio ativo da herança do falecido,

deverá ser distribuída unicamente entre os seus dois descendentes (G. e

B.) – o que é, sem dúvida, mais favorável à filha do autor da herança que

ainda é incapaz (G.) e não terá que dividir o monte hereditário apenas

com o irmão B -, cabendo a cada um deles 25% (vinte e cinco por cento)

do produto da venda, consoante argumentado pelo d. Promotor de

Justiça no corpo dos embargos de declaração interpostos contra a

sentença.

2.3. Cabe salientar, entrementes, que a interpretação

do inc. I do art. 1.829 do CC é, de fato, bastante polêmica na

doutrina e na jurisprudência nacional, difundindo-se inúmeras teorias

a respeito da sua aplicabilidade.

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Não por acaso, muitos doutrinadores articulam que a

melhor saída para contornar os embates seria a alteração legislativa,

com vista a atrelar maior clareza ao propósito da norma.

O ponto de conflito mais debatido diz respeito à base

de cálculo da herança do cônjuge sobrevivente quando ele é

considerado herdeiro, ou seja, quando o autor da herança deixou bens

particulares.

Nessas circunstâncias, discute-se se o cônjuge deve

receber quinhões apenas sobre os bens particulares ou em relação à

totalidade do monte da herança (bens comuns e particulares).

Acredita-se, porém, que essa controvérsia não se

aplica ao caso da consulta formulada, na medida em que se está diante de um espólio composto apenas por um veículo adquirido

pelo falecido durante a vigência do casamento (bem comum), não

havendo notícia da existência de bens particulares.

Por esse motivo, não se fará uma abordagem esmiuçada

no tocante a essa nuance da discussão, pontuando-se apenas que

parcela minoritária da doutrina e da jurisprudência é a favor do direito

hereditário do cônjuge de participar da divisão dos bens comuns e

particulares, em concorrência com os descendentes.

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Por outro lado, no seio dessa ampla controvérsia que

permeia o tema, também surgiu uma teoria que reconhece o direito do cônjuge supérstite sobre os bens comuns da herança do de cujos, independentemente da averiguação da existência de bens

particulares, cuja partilha caberia apenas aos descendentes.

Refere-se ao acórdão proferido no julgamento do REsp n°

992.749/MS - primeiro precedente do Superior Tribunal de Justiça acerca da matéria -, de relatoria da Ministra Nancy Andrighi, publicado

no Diário da Justiça em 05 de fevereiro de 2010, no qual se fez uma

interessante apresentação de todas as correntes havidas em razão da

leitura ambígua do inc. I do art. 1.829 do CC.

Nele, a Relatora reconhece que o entendimento

majoritário é aquele que defende que “se o cônjuge pré-morto não

tiver deixado bens particulares, o sobrevivente não recebe nada, a título de herança. Contudo, se o autor da herança tiver deixado

bens particulares, o cônjuge herda, nas proporções fixadas pela Lei

(arts. 1.830, 1.832 e 1.837)”. A mesma conclusão foi exposta nos itens

“2” e “2.1” do presente parecer.

Entretanto, muito embora a Relatora admita de forma

clara a posição predominante entre os operadores do Direito, no mesmo

julgamento reportado no parágrafo anterior, a Ministra Nancy Andrighi

inaugura uma linha pioneira de interpretação - que se apõe a todas as outras já lançadas até então pela doutrina e pela jurisprudência -,

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segundo a qual, havendo ou não bens particulares, o cônjuge herda

em concorrência com os descendentes nos bens comuns, tendo em

vista o entendimento de que se deve primar pela valorização da vontade

das partes na escolha do regime de bens, mantendo-a intacta, assim na

vida como na morte dos cônjuges.

Nas palavras da Ministra, “não se pode ter após a morte o

que não se queria em vida”, leia-se: a partilha dos bens particulares dos

cônjuges.

Essa tese foi reproduzida pelo STJ em outros julgamentos.

Cita-se, por exemplo, o REsp n° 1117563/SP, REsp n° 1377084/MG e

REsp n° 992749/MS, todos de relatoria da Ministra Nancy Andrighi.

No TJMG também se visualiza o acolhimento da corrente

encabeçada pela Ministra Nancy Andrighi, em duas decisões:

SUCESSÕES - UNIÃO ESTÁVEL - COMPANHEIRA - CONCORRÊNCIA COM OS DESCENDENTES - ART. 1.790, I E II, DO CÓDIGO CIVIL - SUCESSÃO QUANTO AOS BENS COMUNS - CONCORRÊNCIA DO CÔNJUGE COM DESCENDENTES - ART. 1.829, I, CC - PRECENTE DO STJ - ELIMINAÇÃO DAS DIFERENÇAS ENTRE UNIÃO ESTÁVEL E CASAMENTO SOB O REGIME DA COMUNHÃO PARCIAL. - De acordo com o entendimento do Superior Tribunal de Justiça no REsp 1117563/SP, a concorrência do cônjuge sobrevivente, casado sob o regime de comunhão parcial de bens, com os descendentes do autor da herança (art. 1.829, I, do CC) deve ocorrer em relação aos bens comuns do casal e não em relação aos particulares do falecido, como se dá com o companheiro, nos termos do art. 1.790, incisos I e II, do CC. - A adoção dessa linha de pensamento põe fim à argumentação quanto à inconstitucionalidade do art. 1.790,

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incisos I e II, do CC, pois elimina as diferenças sucessórias decorrentes da opção entre a união estável e o casamento sob o regime da comunhão parcial de bens. V.V. DIREITO PROCESSUAL CIVIL - APELAÇÃO - ILEGITIMIDADE ATIVA CONFIGURADA - EXTINÇÃO DO PROCESSO - RECURSO PREJUDICADO. - Quando do requerimento de alvará judicial para levantamento de saldos bancários de falecido, a apelante não possuía vínculo matrimonial ou decorrente de união estável judicialmente reconhecida, restando configurada, portanto, sua ilegitimidade ativa. (TJMG - Apelação Cível 1.0024.07.587262-2/001, Relator(a): Des.(a) Ana Paula Caixeta , 4ª CÂMARA CÍVEL, julgamento em 20/02/2014, publicação da súmula em 26/02/2014). (Grifou-se). SUCESSÃO. CONJUGE SUPÉRSTITE. MEAÇÃO. CONCORRÊNCIA SUCESSÓRIA. REGIME DA COMUNHÃO PARCIAL DE BENS. DESCENDENTES. SOBREPARTILHA. MEAÇÃO. BENS COMUNS. BENS PARTICULARES. EXCLUSÃO. PRECEDENTE DO STJ. - Inobstante as celeumas que se formaram em torno da concorrência sucessória, disciplinada pelo art. 1829, I, do Código Civil, entre o cônjuge supérstite, casado com o falecido pelo regime da comunhão parcial de bens, e os descendentes do autor da herança o STJ fixou o entendimento de que a sucessão, por ser uma projeção do regime patrimonial vigente na vida do casal, incide justamente sobre os bens comuns e não sobre os particulares. (TJMG - Apelação Cível 1.0024.03.040496-6/001, Relator(a): Des.(a) Selma Marques , 6ª CÂMARA CÍVEL, julgamento em 03/09/2013, publicação da súmula em 13/09/2013). (Grifou-se).

Muito embora se trate de posição respeitada, é

importante sopesar que no próprio STJ a matéria é controvertida,

como destacou o consulente por meio do envio das decisões encontradas

na sua pesquisa (vide REsp n° 974.241/DF, de Relatoria do Ministro

Honildo Amaral de Mello Castro, e REsp n° 1.472.945/RJ, de Relatoria

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do Ministro Ricardo Villas Bôas Cueva4). Não é correto afirmar, pois,

que o STJ tem um posicionamento tranquilo a respeito do assunto.

4 CIVIL. SUCESSÃO. CÔNJUGE SOBREVIVENTE E FILHA DO FALECIDO. CONCORRÊNCIA. CASAMENTO. COMUNHÃO PARCIAL DE BENS. BENS PARTICULARES. CÓDIGO CIVIL, ART. 1829, INC. I. DISSÍDIO NÃO CONFIGURADO. 1. No regime da comunhão parcial de bens, o cônjuge sobrevivente não concorre com os descendentes em relação aos bens integrantes da meação do falecido. Interpretação do art. 1829, inc. I, do Código Civil. 2. Tendo em vista as circunstâncias da causa, restaura-se a decisão que determinou a partilha, entre o cônjuge sobrevivente e a descendente, apenas dos bens particulares do falecido. 3. Recurso especial conhecido em parte e, nesta parte, provido. (REsp 974.241/DF, Rel. Ministro HONILDO AMARAL DE MELLO CASTRO (DESEMBARGADOR CONVOCADO DO TJ/AP), Rel. p/ Acórdão Ministra MARIA ISABEL GALLOTTI, QUARTA TURMA, julgado em 07/06/2011, DJe 05/10/2011). (Grifou-se). RECURSO ESPECIAL. DIREITO DAS SUCESSÕES. INVENTÁRIO E PARTILHA. REGIME DE BENS. SEPARAÇÃO CONVENCIONAL. PACTO ANTENUPCIAL POR ESCRITURA PÚBLICA. CÔNJUGE SOBREVIVENTE. CONCORRÊNCIA NA SUCESSÃO HEREDITÁRIA COM DESCENDENTES. CONDIÇÃO DE HERDEIRO. RECONHECIMENTO. EXEGESE DO ART. 1.829, I, DO CC/02. AVANÇO NO CAMPO SUCESSÓRIO DO CÓDIGO CIVIL DE 2002. PRINCÍPIO DA VEDAÇÃO AO RETROCESSO SOCIAL. 1. O art. 1.829, I, do Código Civil de 2002 confere ao cônjuge casado sob a égide do regime de separação convencional a condição de herdeiro necessário, que concorre com os descendentes do falecido independentemente do período de duração do casamento, com vistas a garantir-lhe o mínimo necessário para uma sobrevivência digna. 2. O intuito de plena comunhão de vida entre os cônjuges (art. 1.511 do Código Civil) conduziu o legislador a incluir o cônjuge sobrevivente no rol dos herdeiros necessários (art. 1.845), o que reflete irrefutável avanço do Código Civil de 2002 no campo sucessório, à luz do princípio da vedação ao retrocesso social. 3. O pacto antenupcial celebrado no regime de separação convencional somente dispõe acerca da incomunicabilidade de bens e o seu modo de administração no curso do casamento, não produzindo efeitos após a morte por inexistir no ordenamento pátrio previsão de ultratividade do regime patrimonial apta a emprestar eficácia póstuma ao regime matrimonial. 4. O fato gerador no direito sucessório é a morte de um dos cônjuges e não, como cediço no direito de família, a vida em comum. As situações, porquanto distintas, não comportam tratamento homogêneo, à luz do princípio da especificidade, motivo pelo qual a intransmissibilidade patrimonial não se perpetua post mortem. 5. O concurso hereditário na separação convencional impõe-se como norma de ordem pública, sendo nula qualquer convenção em sentido contrário, especialmente porque o referido regime não foi arrolado como exceção à regra da concorrência posta no art. 1.829, I, do Código Civil. 6. O regime da separação convencional de bens escolhido livremente pelos nubentes à luz do princípio da autonomia de vontade (por meio do pacto antenupcial), não se confunde com o regime

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Além disso, há severa critica doutrinária em relação ao posicionamento defendido pela Ministra Nancy Andrighi.

Mauro Antonini, na obra Código Civil Comentado

Doutrina e Jurisprudência, sob a Coordenação do Ministro Cezar Peluso,

argumenta que:

Respeitado esse primeiro precedente da jurisprudência do STJ, parece acarretar incoerência sistemática de estabelecer concorrência nos bens comuns na comunhão parcial, privilégio que, segundo quadro comparativo constante da fundamentação do julgado, não se estenderia à comunhão universal. Tal orientação jurisprudencial, caso venha a se consolidar, acarretará tratamento mais favorecido ao casado pela comunhão parcial do que pela universal, o que, como antes salientado, parece absurdo. Contrariará o claro princípio que se evidencia do dispositivo legal, de reputar dispensável proteção sucessória em relação a bens em face dos quais o cônjuge já está protegido pela meação. (...). Além disso, a conclusão de que o cônjuge sobrevivente, na comunhão parcial, não herda em concorrência com descendentes nos bens particulares parece afrontar o expresso texto do inciso I deste art. 1.829, pois a exceção legal, em que não há concorrência, como está claramente expresso, é do regime da comunhão parcial em que não há bens particulares, tornando-se evidente, a contrário senso,

da separação legal ou obrigatória de bens, que é imposto de forma cogente pela legislação (art. 1.641 do Código Civil), e no qual efetivamente não há concorrência do cônjuge com o descendente. 7. Aplicação da máxima de hermenêutica de que não pode o intérprete restringir onde a lei não excepcionou, sob pena de violação do dogma da separação dos Poderes (art. 2º da Constituição Federal de 1988). 8. O novo Código Civil, ao ampliar os direitos do cônjuge sobrevivente, assegurou ao casado pela comunhão parcial cota na herança dos bens particulares, ainda que os únicos deixados pelo falecido, direito que pelas mesmas razões deve ser conferido ao casado pela separação convencional, cujo patrimônio é, inexoravelmente, composto somente por acervo particular. 9. Recurso especial não provido. (REsp 1472945/RJ, Rel. Ministro RICARDO VILLAS BÔAS CUEVA, TERCEIRA TURMA, julgado em 23/10/2014, DJe 19/11/2014). (Destacou-se).

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a existência de concorrência quando há bens dessa natureza. A interpretação conferida pelo acórdão resulta em retrocesso ao sistema do Código Civil de 1916 anterior ao advento do Estatuto da Mulher Casada (Lei n. 4.121/62), pois, de acordo com o § 1° do art. 1.611 do Código Civil de 1916, com redação do Estatuto da Mulher Casada, o cônjuge sobrevivente, casado por regime diverso do da comunhão universal, tinha direito ao usufruto vidual de um quarto dos bens deixados pelo cônjuge se houvesse descendentes e de metade se o de cujos só tivesse deixado ascendentes. Pela interpretação do julgado do STJ, no sistema atual, o cônjuge não concorreria mais em propriedade plena com os descendentes nos bens particulares, mas também não teria o usufruto vidual, pois não mais previsto no atual Código Civil. A interpretação adotada nesse julgado do STJ cria o paradoxo de piorar consideravelmente a posição do cônjuge sobrevivente quando o intuito do Código Civil de 2002 foi de melhorá-la. Confere máxima eficácia à autonomia da vontade, projetando os efeitos do regime de bens para além da morte de um dos cônjuges, quando parece ter sido intuito do legislador não deixar o viúvo desamparado em face de patrimônio composto em parte ou exclusivamente por bens particulares. (ANTONINI, Mauro. Coordenador PELUSO, Ministro Cezar. Código Civil Comentado Doutrina e Jurisprudência. 5 ed. Barueri, SP: Manole, 2011, p. 2224-2225). (Grifou-se).

3. Com base em todo o exposto, e após examinar com

atenção ambos os lados da matéria, este Centro de Apoio perfilha-se à

corrente majoritária da doutrina e da jurisprudência, posicionando-

se pela garantia dos direitos sucessórios do cônjuge supérstite no regime da comunhão parcial, em concorrência com descendentes,

somente quando o autor da herança houver deixado bens

particulares e, sendo esse o caso, pela restrição da concorrência a estes bens, de modo que o patrimônio comum que coube somente

ao falecido após a reserva da meação seja divido exclusivamente entre os descendentes, nos termos da explanação desenvolvida nos

itens “2”, “2.1” e “2.2”.

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4. Frente ao questionamento formulado e aos dados

fornecidos a este Centro de Apoio Cível, são essas as informações que se

julga adequadas. Persistindo dúvidas ou havendo novos

questionamentos, este Centro de Apoio permanece à disposição.

Espera-se que o material enviado auxilie no deslinde do

caso sob os cuidados do Ministério Público.

Curitiba, 24 de abril de 2015.

Terezinha de Jesus Souza Signorini Procuradora de Justiça – Coordenadora

Samantha K. Muniz Assessoria Jurídica