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AGOSTO — 1900
REVISTA
ESTABELEC IMENTO GRAPHICO C. WIEGANDT B E L E M - P A R A '
FASC. 3. AN NO E
CENÁCULO
L I T E ^ A R I A
SUMMARIO
E P U C A Ç Í O DA M P L H E R , de Bertoldo Nunes.
AO B O S Q P E ! de Alves de Souza.
' COLLOQPIO, de C, N.
CTBARDE, por Tecelino de Almeida.
MAIO, por Stella Chaves.
B B LONGE, por Antonio Silva.
O ÉBRIO, d e l l v e s de Soiaa.
S P P R E M O , f o r Tláxa Bibairo.. ^
E X C E R P T O (d'um romance" inédito), poi Lncid Albano.
A P R E A , por Luis Santos.
MOVIMENTO B I B L I O e ^ P H I C O , de A. de S.
FREDERICO BHOSSABD
C A P I T A I . ^ Numero avulso A n n o . . . . 1 2 $ 0 0 0 ^ 1$000 S e m e s t r e . 6 $ 0 0 0 '
Collaboração do Cenáculo.
A presente edição d'este magazine consagraniol-a á memoria gloriosa de Frederico Rhossard, cujo nome é um justo è honroscr orgulho .da terra de Santa Cruz e cujo .retrato illumina a capa do Cenáculo. Segue-se-lhe o substancial e criterioso artigo Educação da mulher, .de 7}ertoldo Jfuqes, tão proficiente educador da mocidade. Do sr. jflves de Souza o Cenáculo insére no presente numero a poesia — Ao bosque! Colloquio é o titulo de uma breve e sonora phantasia, com "que o mysterioso sr. Q. }{. briiidou-nos. JJntonio Silva, poeta de primeira plana, honra-nos sobremaneira com a publicação do soneto — De longe, que é um mimo, podemos affirmar. Também recebemos uma scintillante phantasia impressionista, sob o- titulo,— Maio —, que a mysteriosa poetisa sra. Stella Chaves teve. a extrema fineza de remetter á nossa .modesta revista. Publicamol-a com prazer e agradecemos a delicadesa da offerta. í)e Ceçelmo de jfilmeida, o nosso redactor-chefe,— publicamos n'este fascículo o soneto Cobarde. Ainda o sr. JJlves de-Squz? dá á publicidade o seu conto— O ébrio. De flêxa /fibéiro-,o ; ihtelligente edis t incto moço, que caminha a passos largos na seára dás letras, o Cenáculo publica ó soneto Supremo. Áurea é a denominação de um soneto magnifico, natural e singelo, da lavra do sr. Xuiz Sarjtos. Encerramos o presente fascículo com o Movimento bibliographico, que nada mais é senão um retrospecto iny.ompie.ío da vida passada do Pará literário e um estudo breve e despretencioso sobre .o futuro das letras amazonicas.
Director — Cantidiano J/unes
Redactor-chefe — Cecelino de jTlmeida
Eedactor-seeretario — Jflves de Souza
REDACÇÃO — Travessa Dr. Moraes, 26.
Tabella de assignatura: (Pagamento adeantado)
JT. de S.
CENÁCULO
FASC. Ill AGOSTO 1900 ANNO I
REVISTA LITTERARIA
CENÁCULO *Çaminhar, caminhar ainda, caminhar sempre l
Tal é a Lei. Evang. ALLAN KARDEC.
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Educação da mulher Oceupemo-nos hoje d'este assumpto olympioo a quéítke prende o futuro dos povos :
a educação da mulher. Proclamemos bem alto a sua emancipação pelo estudo, o santelmo que pôde enca-
minhal-a seguramente á conquista de1 seus direitos, alliados aos seus deveres; consagremos o seu consorcio eom a arte, a estrella que mais fulgurante pôde owteptaí-se no horisonte dos seus labores; procuremos -sobretudo attraíir a sua preferencia para o lar domestico, escrínio dos seus mais puros affectos, tabernáculo das mais severas virtudéi,: oásis no sahara da vida, palvario de onde pôde brotar a regeneração dos costumefi
Não a queiramos, entretanto, exclusivamente oçôupada nas lides da vida intima, nem tão pouco consintamos que se deixe dominar pelos bellicos sentimentos, que quasi sempre desvirtuam a sua missão.
Preparemol-a para a vida -séria e activa 'sociedade, encaminhemol-a para as evo-luções intellectuaes, conciliando o util com &:iagradavel. A' mãe de Pausanias, insensível contribuindo para seu filho morrer á fome, prefiramos Barbara Uttmam, fundando uma fabrica de renda, para assegurar a sorte de suas conterrâneas, impulsionada poderosamente pelo influxo das salutares doutrinas do Nazarethno.
Eduquemos a mulher, para que f i la possa ser, como nos Estados-UnidosyYe já em algumas partes da Europa, a sócia economicà; e activa do esposo, contribuindo também para a manutenção dá familia.
A sra. Campam, a educadora por exeelleneia, refere ter conhecido uma moça de 18 annos que falava tão perfeitamente o allemâo e o inglez, como a. sua própria linguá; que pintava e tocava piano com arte e que j r a habilíssima em todos os trabalhos de agulha, desde o mais simples crochet até o mais difficil bordado.
Pois bem, accrescenta ella, ©àsa adoravej menina, quando ia para o campo, no .verão fazia queijos, compotas, vinhos, visitava a enfermaria, percorria a choça dos pobres, fisca-lisando o serviço domestico; è á noite lia em voz alta para a familia.
CENÁCULO
Ramalho Ortigão conheceu em Paris uma nossa MmpatEiota, madame Teixeira Lopes^ que acoui|iiinhav;i';s(:ii marido para o .éscripíorio (Himniereial, auxiliando-o em todos os ser-viços, ,d'e d'è,<ás 8 hora1- da manhã ás 5 horas da tsirde.
E' assim qué çomprehèndemos a educação da mulher,- é assim que queremos a sua emancipação:
— Sem a mulher-freira. que faz do Seu quarto uma sachristia e do trabalhe uma penitencia; nem a mulhcr-actriz, que tem a "cabeça despida dos assumptos sérios e que só pensa na sua nova tóillette; BÍm a mulher altivgy qpà|S8 arvóra, como insígnia de mérifog a rique® ou fidalguia da. sua estirpe.
Felizmejíte já não estamos mais naquella epocha íèm quÊa sra. Yienvillé prescrevia S philantropif» institituiçlo Cyro estes preceitos, altamente condemnaveis hoje:
- «E' preciso'^ que as meninas fidalgas falem bem o idioma patriJI devem-se re-pr§Jièndel-as todas as veies,"',que commetterem erros de igrammatica. — Quanto ás bur-guezas, ás .pobres aldí®, pouco importa qtíj^falem bom: <> que èe quer é que eèmpre-hendam o que sé lhfjl majida fazer.»
Hojfeteanctuario da sciencia é acessível a todas as classes, e mais distincta é Sempre aquêlla qèl mais trabalha, A .melhor riqueza nào consiste nos bens matériaegS mas no maior cãbÈSal de intélligencia fide virtudes. •
Assentemos Vibro estes princípios a educação da mulher, e os resultados liiàlhido» :Sf;ràd sazonados, a correcção monil será" rf iVírmiila dos pQvos hodiernos.
Tjertoldo J/unes.
AO BOSQUE!
Aqui, lio. seio (Peste. bosque ninliroso, livrc-s do fel (Festa infernal Matéria, •esqueçamos o prantu amarguroso, que rega a senda amarga da Miséria.
Cheg|j|tejgkqui. Vem despontando a aurora, vem resurgindo a luas da madrugada. Trinúl^ |e Cantaj viVida è; gonóra, :
a oicfifestra matinal:dàf'f>aíS:ârada.
Quero que sintas o Prazer vibrando a cavatina'.'augusta da ternura para serew-feliz e livre, quando ferir-te,o duro •espinho da amargura.
Deixa o conchego tépido do ninho j i vem, .cantando,; yer fc'luz do dia.
Paira eiii todgis as almas um Ij lpnho, unia profunda e limpida iffegria.
. . Nessa estrada alvadia é larga do Marco . . .
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Esqueçamos a magua, o pranto infindo, que várias vezes fomos derramando . . .
- Quero sorrir, quando te ver sorrindo; — quero cantar, quando te ouvir cantando!
Vê como o sol pomposo e rutilante, numa auréola de luz que igual não vi, segue do berço régio de Levante pela azulada senda do Zenith.
Vê como tudo cobre-se de gala! E estes riachos corno são cantantes ! A terra em flor, todo o arvoredo exhala uma effusão de aromas penetrantes!
Sob este matto protector c:, amigo, sob estas ramas onde a brisa passa, procuremos um doce e casto abrigo, para vivermos- livres, da Desgraça. .
Aqui o tempo em cânticos suaves passe, o ao meu lado veja-te, querida! — Ah! Quanta inveja tenho <l'estas aves.,, que vivem, sem saber o que é a vida!
Canta, divina, ri-te, idolatrada, eu sempre fui ca,ptivo. . .
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COLLOQUIO
ESPIRITO doentio, torturado por tantas abstracçSèg^ excitações agudíssimas, que só eram sua visadas pela pureza dVssa mulher ideal, que só tinha reacção prompta e effectiva, quando á doce o melodiosa voz de Maria, repassada d'essa suavidade adoravel, que só o amor grandioso pôde dar, infiltrava-se pela sua alma toda, òomo um balsamo: consolador, . como uma alegre e extrema doçura que o alentava.
— Tu és a minha vida, Maria, dizia-lhe carinhosamente o Mestre, penetrando fundo a luz radiante dó seu olhar na escuridão primitiva dos olhos da Peccadora.
g&^líabbi! Rabbi! volveu carinhosamente Maria, toda rendida pela pureza d'esse olhar profundo -è préscruptador.
Sim, sim, tu & a minha vida, continuou com uma doce entonação na voz; na tua alma se espelha a minha alma.
Tu, como eu, Maria, soras eterna. | H H A l i ! Si tu fogses da terra, como eu o sou...
— Sim... si eu o fosse . . E não continuou mais. Esta idéa saugrava-o intimamente, dolorosamente. E uma lagrima, complemento d'essa. expressão sublime, reflectio-se, grandiosa e
divina, aos raios do luar, como uma pérola ánissima, para depois rolar, scintillante, muda, rapida como uma esírella cadente, na clâmide; fulva dos cabellos de Maria...
C. N.
CENÁCULO 5
MAIO Blâra manhã radiosa de Maio flórido. Na folhagem do arvoredo as auras perfumadas; ciciam docemente. Um inebriante
perfume dos prados verdes nasce.' e o tapete flóreo da relva along-a-se, reverdecendo á luz gloriosa do «sol.
O cóo traja a cor irreprehensivel ,da turquesa. Nem um fragmento de nuvem perturba o azul do firmamento.
O mar, sereno è meigo,'èomo um Sbnho de créánça, tem scintillaçoes fulgentes, e as brt.3cáss#efâbs irradias seguem, lentamente, impellidas pela branda aragem matinal.
Dos prados marchetadÔS de flores agrestes eleva-se um levè perfume embriagante de lvrios o de rosás, è nas roupagens verdes da ramaria densp; a,s magnólias desabro-cham^'espiralando rio ar o seu magnético perfunie>: como um balsamo | | les te .
Rompe o concerto divinal da passaráda em festa, e os ninho Jpcobrem-se de galas rutilas, saudando a natureza que renasce e brilha na sua pomposa magestade, á luz auri-fulgente do déspota dos ares.
Penetra a luz 110 seio adormecido das florestas, e os cabeços das arvores altaneiras cobrem-se de um brilho: diamantino e estranho. Nada perturba a quietitude religiosa das mattas seculares ; e os raios doirados do >jol invadem a Hífipula das florestas, derramando em tudo um suave mysticismo, um doce enleio inoffavel, na pompa irreprehensifel d'esta manha gloriosa. i; , . .
(V Natureza! Curvo-me, extasiado, e recebo uas faces o calor do teu beijo, o bafejo do teu hálito, d abro a minha alma doente n's emanações subtis (lo teu perfume, e do teu afago, acompanhado do ciciar das auras, «lo cântico das âveê, do rumorejar das hmphas eiystállinas, e da luz, da'victoriosa luz do grande SÓI eterno^ '
Avis, Naíurêzà! Stella/Chaves.
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DE LONGE
ara que não supponhas que te esqueço, na solidão do exilio dolorido, ,d'aqui te ÍHYÍO o coração fundido neste soneto pallido e sem preço.
J^íão mais eu julgarei que te mereço. Cornar a Yer-íe o olhar enternecido! sentir o som da tua YOZ no ouYido, são venturas demais . . . bem reconheço !
J)á-me ao n\enos que possa, neste dia, transpondo o ^Víar, S qual pomba fugidia que, voando, a sorrir, demanda o espaço, -
de rninha parte, este soneto pobre vá 'té junto de ti, formosa e nobre, de mil flores cobrir o teu regaço !
1894 Antonio Silva..
A O M E D E I R O S L I M A .
UANDO eu o via atirado, como um fardo, á porta das tascas, sentia nalma um ^Sentimento pungente de piedade por esse miserável sêr humano, que as próprias moscas desprezavam, fugindo, e cujo olhar profundo e baço parecia a luz pallida de um cirio afundada na orbita deserta de uma caveira.
Sérvia de troça aos garotos, e cada um que 0 via, atirava u m a pedrada ou proferia um motejo, que ia ferir aquelle espirito consumido ao frequente embate do mar insaciavel do Vicio.
Dias inteiros, ao sol e á chuva, eu ahi o encontrava, atirado á porta da tasca da esquina; e, quando as primeiras névoas da noite desciam, silenciosas, por cima das arvores, elle despertava d'esse mórbido lethargo, e. cambaleando, mal seguro nas pernas, ia cahir adiante, chagando o Corpo nas pedras impiedosas da calçada.
E ahi passava a noite, sob a cúpula azui do céo profundo, á sombra escura das mangueiras altas.
I I O desgraçado era pae de familia. 40 annos uevavam aquella fronte gasta na loucura
do viciQ., , Tinha tres filhos, um dos quaes — o mais velho gi- fôra o primeiro a expulsal-o de
«easa, como se, elle, fosse um magro cao vadio e importuno.
O ébrio
CENÁCULO 7
Aquelle lar, que elle construirá com .o impulso do seu trabalho e a força do seu braço, antes de cahir no abysmo em que se achava, era para ellê um paraizo vedado, onde não tentaria entrar, porque a sua miséria e a sua allucinação iriam macular a existencia tranquilla e doce d'esses entes amados.
O filho mais velho fizera-se guarda-livròs, e os dois menores frequentavam um collegio, alegres e joviaes, como.se a sombra tenebrosa de um crime duplo não* pairasse por sobre a sua vida descuidada.
A esposa do ébrio também vivia feliz ao lado dos filhos e odiava o marido,S que nunca mais poria os pés no solar de sua casa.»
E o desgraçado, iás vezes, recordando essa dolorosa vida que " levava, sentia o peso esmagador do seu crime opprimir- lhe o coração e o fel amáro das lagrimas saltar-lhe dos olhos cávos.
I I I
Um dia pensoii' na familia, e o desejo irresistível de vel-a apoderou-se do seu espirito.
— Sím. Antes de tudo, sou ainda Seu chefe! Se fugi ao caminho do dever, não maculei meu nome, nem tampouco deshonrei minha familia. Recebam-me, pois, e acatem-me, como chefe e como pae.
O ébrio disse estas palavras num tom acçentuado de duvida e de resolução, e limpado com a manga da camisa rôta o pranto que lhe;jrolava da face, tomou o caminho de casa, tropego, vacillante, cabisbaixo, triste. Nem sequer; pensou, no martyrio infame que o esperava.
Chegou e bateu. Veio abrir-lhe a porta uma loira menina de olhos azues, alva, radiante de belleza, Seus
olhos innocentes pareciam exprimir um sentimento de piedade por esse homem maltrapilho e vagabundo, que ella desconhecia e que, entretanto, era seu pae.
O desgraçado reconheceu naquelle anjo sua adorada filha, e, de joelhos, laerimejante,s
quiz tomal-a nos braços, mas a menina fugiu, gritando. Ao alarme da creança, acudiu toda a familia, e o filho mais velho, o guarda-livros,
que escrevia numa sala próxima, foi O primeiro a correr. Kncarando, (hV.stibilo, com o pae, retrocedeu, ao conliecel-o, e munido de uma tranca de ferro, o malvado vibrou-a contra a pobre victima indefeza, contra aquelle que O déra ao mundo•$ o encaminhára ao crime, com o seu exemplo:
E, tendo O atirado a calçada, num mar de sangue rubro, trancou a porta e desappareceuf allucinado.
O mísero pae, vendo-se repellido e ultrajado, levanum-se, a custo, e, batendo com a mão fechada na janella verde, rugiu, num impeto violento de dor e derlOucura :
— Malvado! E caminhou, cambaleando.
. IV,
Ao alvorecer dó: dia seguinte, o póvo agglomerou-se em frente á estação dfej-bonds. E eu, attrahido naturalmente pela curiosidade,; cheguei-me também.
Pairava em todos os" semblantes um mixto de magua e de repugnancia. Cbégiiei-me, cheguei-me, curioso. . . Era o miserável que a Loucura e o Vicio metamorphosearava numa pasta sanguinosa
de carhe. Era o ébrio da esquina, qué eu via todas às tardes, adormecido, á porta da tasca e
que fôra espedaçado pelo primeiro bond da manhã . . . Maio 1900. Alves de Souza.
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JJ essa que traz na luz serena do ol/jar a sagrada jftiblia- do meu futuro.
Os teus olhares feitos de carinho, de Extrem a-Uncção, de mysticos luares, têm na expressão> ó santa dos Altares, a velludosa maciez do arminho.
E no doce brilhar — áureo caminho — a profundeza intérmina dos mares . . . Têm na expressão, ó Santa, os teus olhares a velludosa maciez do arminho.
São puros como as Hóstias dos Sacrarios, têm o brilho divino de Stellarios, quando me fitam numa uncção extrema.
São rútilos santelmos guiadores, são as dhulias lithurgicas das dores, da minha Crença immâcula e suprema!
fléxa Rib eiro.
E X C E R P T O (d'um romance inédito)
UMA hora da madrugada, Roberto, fatigado e impressionado com a ideia de abandonar para sempre aquella que. lhe ia aos poucos sepultando o coração, tinha acabado de jogar em casa de Achylles e, com a palia do chapéo sobre os olhos;.- tomára o caminho da Castelhana.
Aquella hora, — pensava elle, a caminhar sosinho pela extensa estrada, - devia dormir a somno solto a abominavel creatura que o trahia, sonhando,
talvez, um. meio para destruir por uma vez todos os eastellos" que elle construirá no pas-sado, quando a existencia lhe sorria e quando tudo o convidava a amar. Ia entrar
CENÁCULO 9
n'aquell^'Bmferno.S Ia juntar-slfeinda arua vez áquella mulher qtjg idolatrára tanto. nunca suppoz odeiar, cot ao odeiava.
E eâtas e outras eonjecturaçõés passavam-Ihe pela mente jmmultanéando-se ,n'uma corrente veloz B já desaparecendo umas, já nascendo outras para desapparecerem logo djépoi% como n'um redomoinho de vagas, qw<56e átropellam, rápidas. A'èaminhar por .sob as: CÓpaS. das mangueiras, ..ora éftcôberto pela sombra da folhagem/ ora appareee.ndo nos claros que a lua fazia pelos espaços abertos entre as arvores, l;í ia aquella pob||j ahiaaj§ àquelle martvr da sua própria loucura. quebrando a - silencio da nqfte com o ruido sin-gular d#s sâpatópíqué rangiam, esmigalhando a areia.
Vinte, minutos, depois batiá elle á porta d'uma pequena casa azul-esbran quiçá da, quasi ao fim da estrada.
Ao seu bater fallaram na alcova&e-^com uns passinhos leves» de quem traz iÉ| píf l descalços, alguém atravessou a sala e veio abrir-lhe a porta.
Mal pozêra o pó sobre a soleira, já uma voz o interpollavn com arrogancia; E' a festas horas que o penhor entra em casa".'
•• ÍTmá. mòça de vinte.;;® doí§i' annoaglbaixá,- magra,Aorenaj dedlllios grandes, rosfà «ig-, nalado de variola e ares atrevidos, jachava-Se diante de Roberto, a espera da resposta, sobraçando: a colcha que a envolvia.
, Roberto acabava de. encarar com sua mulher. Não lhe respondeu logo. Levou a mão á eliavtV fechou a porta, e, volíando-se entfw chegou bem junto d'ella, inclinou-se um pou«ó'-#idisse - com voz austera,Surdamente'comprimindo raiva:
Sabi: de. uma cousa?. tenho quês ljie darHatisfaçÕès. A mulher que abusfe da bondade do seu marido, que cospe n<> seu. amor, para atirar o s.eu nome á porta de todas as tascas e á bocca de todos. qs^TnalevoloSgínão- tem o direito dê fazer a pergunta qué a senhora me fe iVí i
^^Hlndign^^E-iíetorquio a moça, tocada pelo violento choque que essas palavras lhe; produziram .-^ «sotóttes-te do que me fizeste, e do ijiie continuas a fazer-meiEsqueces-te de que és tu a Hgsa de tudo'.'
Si a minha honestidade teve manchas, si o ieu nome anda bocea em bocca, como 11111 trapo, anda de monturo , cm montufi4i"líorque assim & quizeste.. E's o único; culpado. Já te. esqueceste de Lúcia, ja não corres nmife :í <'Sisa dessa tua nmantii, indigna como tu, para te lançares nos í i ius braços, descaradamente ? Pérfido !
^ B Cale-se,í senhora ! — bradou fortemente Roberto. Prohibo-lhe expressamente tocar no nome dessa infeliz qué'a senhora insulta todos
os dias, injustamente. : Hão macúle o nome de uma mulher á^ujo® pés nunca a senr.0 poderá chegar!
— E' uma infame porque é tua amante. — $Sale-se, "gritou Roberto cada vé% mais indignado." Oale-stf porque não quero
explodir de raiva. Não -possa mais supportar semelhantes forças de tão requintado çynismo. Não pense que o seu fingido amor #.olgeu bem ensaiado poderão demover-me dos;
meus fins. E saiba que dé-amanhã/em diante; vou tratar do divorci<||porqiie sobram-ine provas para patentear ao Tribunal e Ao'publico o seu crime de adultério. Bòa noite. E reiirou-se.
. '-^'-Seja feliz, responde%i a moça com irãnia olhando. íobrançéiramente atraz <lo seu marido,.cujo vultií sumiu-se por um corredor esguio e. escuro.
Lucio Albano.
10 CENÁCULO
Áurea, o teu nome é o divinal harpejò dó ciciar terníssimo de um beijo. . .
H- Mares... terras. . . e ceus... teu nome é tudo !
Luiz Santos.
M O V I M E N T O B I B L I O G R A P H I C O
Muitíssimo, gratos, nos confessamos a todos os illustres con-frades da imprensa do paiz pelo fidalgo e honroso acolhimento que dispensaram ao nosso modesto magazine, já noticiando à sua appa-ri<;ào, já permutando comnoseo.
Isto sobremaneira nos captiva .e: ufana, é é profundamente reconhecidos que testemunhamos aqui o nosso agradecimento a essas corajosas e brilhantes vozes da opinião publica nacional.
Aurea, o teu nome é um poema santo, canção dolente, doce melodia, j l ^ j f r 1 a r ' a ce'es'e 1ue me "caricia ^tâst^" e extingue de minh'alma todo o pranto.
¥ ' Áurea, o teu nome é o conste/lado manto
do azul sidereo, d'onde a poesia refulge, e brilha, e esplendida irradia, aos accordes d'um hymno sacrosanto. . .
Quando o teu nome vibra, harmonioso, o rasto mundo ingente e magestoso carva-se fraco e humilde. . . e fica mudo !
AUREA
CENÁCULO 11
Já podemos dizer com orgulho, aliás justificável, que o Pará marcha para um futuro literário cheio de alsperanças e de glorias.
Tom-se' desenvolvido nestes últimos tempos uma verdadeira febre intellectual, publi-candò-se livros sobre quasi todos- ois' ramos do saber humano.
Candido Costã, fá historiador criteriosòTÇinfatigavel, acaba de dar á éitampa a sua notável obra /Is duas Américas, paginas, histtóôás?ide valor incontestável. E ' digno de acurada leitura èste utilissimo livro, que elle teve a gentileza de offereeer á redacção do Cenáculo.
Paulino de Brito é um nome bastante conhecido em todo o Brasil. Publicou ultima-mente os Cantos amasonkos, volume de versos repassados do um sentimentalismo sadio, por vezes alegre, por vezes triste, f |mo nesse adoravel soneto | H Adeus á Amasonia.
Tem muitos livros publicados e promette para breve , os Romancetos, oolleeçào de contos e outras manifestações do seu bello espirito de poeta e prosador.
Ovidio Filho, o bardo das Escravonetas, deu á publicidade o seu romance Maria Luiza, livro que muito deixa a desejar, comquanto denote um certo esforço do roman-cista na confecção da sua obra.
Ovidio ê, entretanto, um bom prosador o um bom poeta, de quem as lettras do Norte ainda devem esperar muito.
J. Marques de Carvalho, o mais fecundo, o mais brilhante prosador das plagas ama-zonicas, atirou ao mercado -literário os Contejs do Norte, um elegante voluinesinho, todo cheio de arte e de naturalidade. O gracioso: livro,.encerra oito contos magnificai onde o estylo fluente e sóbrio deslisa a par de uma expressiva naturalidade, que encanta e agrada immensaments; Um caso da cabanada% a mais acertada justificativa do que avançamos. O festejado e conhecido romancista da Hortência X\-\\\ já uma volumosa bagagem literaria, e promette para brev|g C/m livro alegre. Nós' Míc i t amS vivamente o n o s ^ illustrado coestadano por mais esta brilhante manifestação do seu exhuberante talento, a qual veio definitivamente firmar-lhe a reputação honrosa de primeiro prosador do Extremo-Norte.
Theodoro Rodrigues, um parnasiano de raça, um artista meticuloso^ e correcto do verso, angaria ítfssignaturas para as- suas Canções do Norte, a appareeir brevemente.
Theodoro tem prompto um livro de contos e phantasias. Antonio:,;Silva éstá a publicar a. sua collocçào tio versos ly ricos, que trará no frontis-
pício 0 despretenciôso titulo. de, Fogos-fatuos,: om cujas paginas que o autor teve a gentileza de .confiar á nossa leitura 9 transparece o adorável e oaricioso lyrismo de uma alma cheia dé Sonhcgí de um . espirito privilegiado e visionário.
João, de D| | | | |d |êRegpj o dolS, ò meloâio'|i lyíico das Primeiras rimas, SsÁ. bella alma utopista que uma impiedosa enfermidade vac lentamente, dolorosamente invalidando, tem promptas a entrar para o prélo as Revoadas, que virão firmar eertamonfe 1jli|||ybuÈj foros de poeta, ná mais adequada 'significação d'if£:e vocábulo.
Bertoldo Nune4||o emerito e infatigavel preceptor da mocidade, o jornalista criterioso — que muito bóm jornalista elle éfgSS pretende dar á ®tampa, ^Sreunindo òs seus co-piosos artigo» esparsos nas folha» diares, ^ os livros Estudos e criticas ,e Esboços e apreciações.
Cantidiano Nunes é um coStistá de primeira piana, èscrevendo com muita naturalidade, muitaSexpressão, tudo àquillo qtie-èente e que o extasia.
Publicou dois livros: no bom tempo dl* adoípjiente: Sonhos azues' v. Eléctricos. Acaba de sahir do prélo a sua Meteorologia, livro didaticò de incontestável merecimento, acompanhado de um magnifico mappa mêteorologico. Pretende publicar também Elementos
12 CENÁCULO
de cosmographia e Mappas Geometricos, estes approvados pelo Conselho Superior de Instrucção Publica.
Tem mais. dois livros de'contoJtlS Orientaes e Guajarinos, os dramas Revolução Paraense e Amor... Amor..., f a comediaS! Apuros de um poeta.
Vilhena A l v e s / o reputado e . criterioso philologo que todos admiram S além das auás numerosas obras didaticas, tem mais alguns livros; a publicar, ós quaes virão certa-mente": provar mais uma. vez o talento e o perseverante trabalho''do cantor dos Enlevos poéticos.
Arthur Vianna acaba de publicar os Pontos de Historia do Pará, muito neceSsarios á mocidade que sé dedica ardorosamente ás luctas do espirito;' Vianna deii-nos uma obra notável e aliás reclamada justamente pelos .estudantes primários;
Antonio Macedo um dos mais modestos membros do professorado primário e ao mesmo tempo um d«íi mais salientes, e distimxtos. Acaba de dar á pubiicidadéf os Porítos de Historia do Brasil e do Pará, ;^ue são uni volume didatico de grande aproveitamento para os alumnos que-se destinam aos exames de|certificados primários.
Agostinho Vianna ê um delicado lanfasisía, Um adoravel conteur, a '©Oelho Notto, natural e expressivo. Publicará brevemente as Mentiras côr de rosa, collecções dê contos e phantasias.
Revelações ê o titulo de um livro de versos com que Guilherme dePf Miranda, — poeta « prosador de raça — enriquecerá o stok literário da Amasonia..
; Medeiros Lima ê um obscuro, porqu® a excessiva modéstia qdg; o distingue, não permitte que as fulgurações do seu talehtQ. appareçam e se manifestem. Entretanto, paroce-nos que publicará o livro Noitadas, livro esperançoso de um bohemio incorrigível e estudioso. •
Olavo Nunes tem promptas as Larvas, e. é um dos mais distinctós talentos, poéticos do ExtremO-Norte.
Euclydes Dias tem o Vislumbre, versos lyricos, é um livro de contos. E' um bom poeta, um meticuloso artista da palavra èscripta.
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Também nestes ultimO|; tempos tem apparecido uma promettedora phalange de moços estudiosos e esperançados, e com o seu auxilio; com todos esses 'elementos intellectuaes, é claro que o Pará marcha a passos vertiginosos, para um futuro literário cheio de espe-ranças e de glorias.
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