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Seminário Internacional Fazendo Gênero 11& 13thWomen’s Worlds Congress(Anais Eletrônicos),
Florianópolis, 2017,ISSN 2179-510X
CENAS PLURAIS NO PIBID CIÊNCIAS SOCIAIS: GÊNERO E DIFERENÇAS NO
ENSINO DE SOCIOLOGIA
Marcela Amaral1
Resumo:o CENAS PLURAIS é uma ação vinculada ao projeto de pesquisa “Gênero e Diferenças na Educação –
desafios para a formação docente e o ensino de Sociologia”, integrado ao PIBID Ciências Sociais da UFG.
Caracterizando-se como uma ação bimestral, o CENAS PLURAIS objetiva a exibição de filmes e realização de rodas
de conversa na Universidade e nas escolas parceiras do PIBID, abordando temáticas relacionadas ao campo dos estudos
de gênero, sexualidade e diferenças na educação. Articulando atividades de ensino, pesquisa e extensão, o CENAS
PLURAIS apresenta-se como uma ação coletiva, envolvendo diferentes colaboradores (professora/es do ensino
superior, mas também da educação básica, bolsista de iniciação à docência, estudantes secundaristas, entre outras/os)
interessados/as no uso de obras fílmicas capazes de estimular debates acerca das performatividades de gênero e
sexualidade, relações étnico-raciais, violência e homofobia no campo da educação. O presente trabalho, como relato de
experiência, objetiva demonstrar os limites e potencialidades da experiência acumulada com as edições do CENAS
PLURAIS, tanto na formação docente, como no ensino de Sociologia em escolas públicas de Goiânia/GO. A
consolidação do CENAS PLURAIS como atividade do PIBID contribuiu para o aprofundamento da experiência
didática com o uso de recursos audiovisuais e também viabilizou de modo criativo que as temáticas de gênero,
sexualidade, raça e etnia fossem trabalhadas nas aulas de Sociologia.
Palavras-chave: gênero; sexualidade; diferenças; ensino de Sociologia.
INTRODUÇÃO
O debate de gênero e sexualidade na educação brasileira, embora já incorporado em
algumas políticas e documentos oficiais, tem sido objeto de grandes controvérsias no cenário
nacional. Recentemente, em 2015, assistimos à polêmica em torno da aprovação dos Projetos
Municipais e Estaduais de Educação, que foram objetos de diferentes campanhas e emendas,
oriundas de setores conservadores da sociedade, que reivindicaram a supressão do debate de gênero
e sexualidade nos referidos documentos. Este movimento emerge como resposta às recentes
políticas que construíram a agenda de gênero no âmbito educacional, visando uma educação não-
sexista, antirracista e que respeite as diferenças.
As resistências à inclusão do tema da sexualidade no currículo escolar e nas práticas
educativas, de um modo geral, não é de fato algo novo. Pelos diferentes aspectos inerentes à
sexualidade e suas implicações com questões religiosas, é difícil encontrar um consenso – entre
educadores/as – sobre a melhor forma de abordagem da sexualidade na educação formal. Frente a
tais dificuldades, a sexualidade acaba sendo tratada de forma reducionista e como sinônimo de sexo,
1Professora Adjunta II da Faculdade de Ciências Sociais da Universidade Federal de Goiás FCS/UFG. Pesquisadora do Ser-Tão –
Núcleo de Estudos e Pesquisas em Gênero e Sexualidade. Coordenadora do Subprojeto PIBID Ciências Sociais. E-mail:
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limitando-se à prevenção de doenças sexualmente transmissíveis e à gravidez precoce, excluindo-
se, por sua vez, as dimensões políticas, culturais e econômicas que a integram.
É neste cenário que a equipe do Programa Institucional de Bolsas de Iniciação à Docência
– PIBID/FCS/UFG, subprojeto PIBID Ciências Sociais, desenvolve ações voltadas à inclusão do
debate de gênero e sexualidade em escolas públicas de ensino médio, na cidade de Goiânia/GO. No
presente texto apresentamos os relatos de experiências das ações realizadas pelo PIBID, a partir do
uso de filmes e músicas como suporte dialógico entre os conteúdos previstos para o ensino de
Sociologia e as principais questões que inquietam professores/as e alunos/as nas escolas
pesquisadas, no que se refere às performatividades de gênero, à orientação sexual, às questões de
raça, entre outras. Por fim, entendemos que a Sociologia – antes componente curricular obrigatório
do ensino médio em escolas brasileiras, perdendo este status após a Reforma do Ensino Médio,
apresenta-se como um espaço de formação privilegiada em gênero e sexualidade, a partir de
metodologias alternativas, possibilitando uma maior aproximação entre as diretrizes curriculares e
os modos de vida.
1. Ensino de Sociologia e o Pibid Ciências Sociais
Com a inserção da Sociologia como disciplina obrigatória em todas as séries do Ensino
Médio, a partir da Lei nº 11.684/2008, nos defrontamos com um novo cenário para atuação de
professores/as nas escolas, além dos desafios postos no sentido de aperfeiçoar o processo de
formação docente nas Universidades. O redirecionamento do ensino secundário brasileiro, com a
introdução da Sociologia, mas também da Filosofia, foi fruto de importantes movimentações da
parte de professores/as e acadêmicos/as que desde a promulgação da Lei de Diretrizes e Bases da
Educação Nacional (Lei nº 9394/96) e, posteriormente, do veto do então Presidente da República
Fernando Henrique Cardoso2, em 2001, posicionaram-se em favor do retorno da Sociologia como
disciplina obrigatória no Ensino Médio.
Sem a pretensão de nos estendermos na contextualização histórica desta reinserção, é
preciso destacar, no entanto, que embora a obrigatoriedade da Sociologia tenha sido aprovada
nacionalmente em 2008, em diferentes Estados e no Distrito Federal a mesma já estava inserida nos
currículos escolares, a partir de decisões locais. Ainda assim, é preciso considerar que sua
2 Embora a LDB, de 1996, reconheça os conhecimentos de Filosofia e Sociologia (art. 36, § 1º, III) como parte importante de
formação para a cidadania, não as insere como parte das componentes curriculares obrigatórias. No ano de 2001, o ex-presidente
Fernando Henrique Cardoso vetou o Projeto de Lei do então Deputado Padre Roque (PT/RR), apontando que a inclusão das referidas
disciplinas implicaria em despesas para os Estados e Distrito Federal.
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obrigatoriedade em nível nacional tem grande impacto mesmo nos locais onde já havia aprovação
anterior, reiterando, assim, que fosse de fato implementada nas matrizes curriculares de todas as
escolas.
No Estado de Goiás, a Resolução CEE nº 291 de 16 de dezembro de 2005 é um marco para
a regulamentação do que preconizava o art. 35 da Lei Complementar nº 26, de 28 de dezembro de
1998, que incluía a disciplina de Sociologia no currículo do Ensino Médio, mas que na prática não
era ministrada nas escolas (Freitas, 2010). Passados mais de dez anos da referida Resolução, ainda
nos deparamos com muitas dificuldades para o ensino de Sociologia nas escolas de Goiás e para a
formação de Licenciandos/as em Ciências Sociais na Universidade. Mesmo hoje, parte significativa
de professores/as que lecionam Sociologia nas escolas não tem formação na área.
Afora toda a problemática já conhecida em torno da formação de professores/as em
Ciências Sociais, comumente vista como algo menor em relação à formação de bacharéis, a atuação
profissional como professores/as em Goiás torna-se cada vez menos atrativa para os egressos da
UFG, como podemos concluir a partir do atual cenário de implementação das Organizações Sociais
e da militarização das escolas estaduais3. Como em geral as disciplinas de Estágio Curricular
Supervisionado são desenvolvidas, prioritariamente, no Colégio de Aplicação (CEPAE) da UFG –
um espaço privilegiado de formação reconhecido como escola modelo – e muitas das vezes os/as
próprios/as alunos/as destacavam a particularidade da experiência no CEPAE, frente à realidade das
escolas fora da UFG. Além disso, a carga horária de regência e acompanhamento das aulas, também
foram apontadas como insuficientes, o que não contribuía para o aperfeiçoamento das práticas
pedagógicas, exercício didático e demais atividades direcionadas à realização do Estágio.
Neste sentido é que destacamos o Programa Institucional de Bolsas de Iniciação à
Docência – PIBID, como uma iniciativa direcionada ao aperfeiçoamento e valorização de
professores/as para atuação na Educação Básica, instituído pela Portaria nº 72, de 09 de abril de
3 O estado de Goiás tem se destacado na transferência da gestão de escolas públicas para a administração da Polícia Militar.
Remetendo-se aos modelos de Colégios Militares implantados ainda no final da década de 1990, a partir de uma lógica herdeira do
Regime Militar, no ano de 2013, 12 colégios da rede estadual passaram a ser geridos pela PM/GO. No ano de 2014, a Lei º 18.556,
aprovou a transferência de gestão de mais 27 escolas, alcançando, em 2015, um total de 30 colégios militares (CPMG). Dados
disponíveis em: <http://www.gabinetecivil.goias.gov.br/leis_ordinarias/2001/lei_14050.htm>, com acesso em setembro de 2016. A
militarização das escolas gerou grandes resistência da parte de estudantes e docentes das escolas, tanto pelas mudanças empreendidas
no interior das escolas (nomeação de Direção da PM, uso de uniformes específicos, proibição de determinados cortes de cabelo e
formas de sociabilidade entre os/as alunos/as, cobrança de matrícula, entre outras coisas). Embora a militarização das escolas neste
estado não seja novidade, a acelerada transferência da gestão das escolas para a PM é uma marca das políticas de governo de
Marconi Periilo (PDSB), que, como Governador em uma fala pública em Salvador (BA), manifestou sua opinião acerca de seus
métodos para o enfrentamento do que chamou de “baderneiros”, confirmando que estas medidas seriam formas de retaliar
professores/as que participaram de um protesto contrário à sua gestão em Goiânia: “Para essas pessoas, a melhor coisa é a escola
militar. Há que se ter disciplina, hierarquia e respeito. [...] Fui num evento e tinha um grupo de professores me xingando. Eu disse:
tenho um remedinho pra vocês. Colégio Militar e Organização Social. Preparei um projeto de lei e em seguida militarizei essas oito
escolas”. Entrevista disponível em http://www.opopular.com.br/editorias/blogs/fabiana-pulcineli/blog-da-fabiana-pulcineli-
1.526/marconi-diz-ser-contra-estabilidade-do-servidor-p%C3%BAblico-1.995673, acessado em maio de 2017.
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2010. O Programa, criado no âmbito da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível
Superior – CAPES tem como finalidade, explicitada no Art. 1º da citada Portaria:
apoiar a iniciação à docência de estudantes de licenciatura plena das instituições de
educação superior federais, estaduais, municipais e comunitárias sem fins
lucrativos, visando aprimorar a formação dos docentes, valorizar o magistério e
contribuir para a elevação do padrão de qualidade da educação básica.
O atual Subprojeto PIBID Ciências Sociais, da UFG, vigora desde 2014 e tem, como
principal objetivo o aperfeiçoamento da formação inicial docente por meio da inserção de
estudantes de licenciatura da UFG em escolas públicas de educação básica do estado de Goiás. Ao
submeter-se ao Edital, foi evidenciado o problema da evasão e a desvalorização do curso de
Licenciatura em Ciências Sociais, como uma das justificativas para a implantação do PIBID, uma
vez que tanto poderíamos sanar a ausência de bolsas voltadas para a Licenciatura e que contribuem
para a permanência discente na Universidade, como também poderíamos trabalhar no
aperfeiçoamento da formação, o que influencia diretamente a valorização do curso e da carreira do
magistério. Diante disso, foram apontados como objetivos específicos do PIBID Ciências Sociais:
incentivar a formação de docentes para a educação básica; contribuir para a valorização do
magistério; elevar a qualidade da formação inicial de professores; inserir os/as licenciandos/as no
cotidiano de escolas, por meio de experiências metodológicas, tecnológicas e práticas docentes de
caráter inovador; incentivar escolas públicas, mobilizando seus/suas professores/as como co-
formadores/as; contribuir para a articulação entre teoria e prática nos cursos de licenciatura;
contribuir para que os/as estudantes de licenciatura se insiram na cultura escolar do magistério;
contribuir para a redução das taxas de reprovação por frequência e de retenção dos/das estudantes;
estimular o desenvolvimento de metodologias de ensino na FCS e na educação básica.
Para o desenvolvimento das ações no PIBID, faz-se necessário estabelecer parcerias com
escolas – no caso das Ciências Sociais, escolas que ofertem o ensino médio – , nas quais são
selecionados/as professores supervisores que lecionem a disciplina de Sociologia4. Entre os anos de
2014 e 2017 contamos com quatro supervisores, lotados/as em quatro escolas diferentes, todas na
cidade de Goiânia-GO, onde os/as bolsistas, sob orientação, acompanham as aulas de Sociologia em
diferentes turmas, desenvolvem oficinas e planejam atividades didáticas.
4 Interessante notar que o PIBID Ciências Sociais contou, neste período, com professores supervisores que também foram alunos/as
da Licenciatura em Ciências Sociais durante a graduação e/ou pós-graduação. Este demonstrou ser um ponto positivo e que merece
ser destacado, tanto em razão de acompanharmos a inserção de nossos/as discentes no mercado de trabalho, como também pela
referência que se tornam para os/as nossos/as atuais alunos/as.
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Uma vez estabelecidas as parcerias com as escolas e a seleção dos/das professores
supervisores, os/as bolsistas foram divididos em dois grupos, sob coordenação de dois
professores/as da UFG. No grupo sob minha coordenação, embora tenhamos que seguir os
conteúdos e calendários das escolas, estabelecemos, a partir da linha de pesquisa em que atuamos e
das áreas de interesses dos/das bolsistas, que seria privilegiada a área dos estudos de gênero,
sexualidade e diferenças. Para tanto, foi criado um Grupo de Estudos em Gênero e Diferenças na
Educação, em que nos reunimos quinzenalmente para leitura e discussão de referências
bibliográficas que subsidiam tanto as ações do PIBID nas escolas e na UFG, como também
contribuíram para a elaboração de trabalhos de conclusão de concurso defendidos ao longo deste
período.
2. Gênero, sexualidade e ensino de Sociologia
Embora pudéssemos considerar que o Brasil avançou significativamente na agenda de
gênero relacionada à educação, sobretudo nos dez anos que antecedem a 2016, ainda são muitas as
resistências à inclusão do tema da sexualidade no currículo escolar e nas práticas educativas5. Mas
não é apenas o tabu que envolve a temática da sexualidade ou a resistência de setores conservadores
da sociedade que tornam esta tarefa tão complexa. A sexualidade é um conceito em disputa,
abordado por diferentes campos do saber e que envolve não apenas aspectos relacionados à
regulação da reprodução biológica (HEILBORN, 1999), como também as performatividades de
gênero, a orientação sexual, os desejos, as crenças, o prazer, entre outros (ABRAMOVAY et. al.,
2006). Para além daquilo que se materializa no corpo, a sexualidade se relaciona com a história,
com os modos de vida, projetando-se também como um elemento de cultura.
Entre as contribuições relevantes para a consolidação dos estudos da sexualidade nas
ciências sociais, destacam-se as análises de Michel Foucault (1988) que, ao longo de sua trajetória,
em busca de constituir uma história dos discursos de verdade ou dos pensamentos que compuseram
uma história da verdade, verifica que a sexualidade é um dos campos de inscrição de práticas
discursivas e não-discursivas que produzem verdades normativas. Intentando traçar linhas de
compreensão sobre como se processa historicamente a sexualidade e a relação entre a conversão do
sexo em objeto de verdade e a produção do sujeito, Foucault depara-se com alguns questionamentos
5 Há que se destacar que parte das ações desenvolvidas pelo PIBID Ciências Sociais/UFG foram desenvolvidas pautando-se nos
parâmetros legais que orientavam a educação básica, anteriormente ao golpe de 2016, que retirou a Presidenta Dilma do Governo. O
cenário posterior a 2016 em muito se difere e as dificuldades para o desenvolvimento de ações voltadas ao debate de gênero
tornaram-se ainda mais complexas.
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ao que denomina como “hipótese repressiva”. O filósofo reitera a falsidade desta hipótese, por não
se constituir como uma característica atemporal da sexualidade em diferentes contextos históricos,
desenvolvendo, assim, uma análise histórico-cultural e apontando o século XIX como marca de sua
invenção e colocação do sexo em discurso. Sobre as considerações de Foucault acerca da relação
entre a emergência da sexualidade como instância de verdade do sujeito moderno, Duarte (2004, p.
60) reitera que “sexo e poder não seriam antípodas [...], as sociedades ocidentais modernas apenas
superficialmente poderiam ser classificadas de anti-sexuais”. Em uma articulação entre o individual
e o coletivo, o dispositivo da sexualidade teria as crianças como um dos seus principais alvos,
fazendo da família um lugar de observação e controle da sexualidade, o que pode, nestes termos, ser
também estendido ao espaço escolar contemporaneamente.
Louro (2014) afirma que várias teóricas feministas dedicaram-se à leitura de Foucault para
relacionar sexualidade e poder, sob a analítica proposta pelo filósofo francês. Apoiando-se na ideia
de que o poder deva ser observado como uma “rede de relações”, demonstra a utilidade destas
referências para os estudos feministas e de gênero, na medida em que homens e mulheres estariam
também em negociação permanente, com avanços e retrocessos, ainda que não se possa perder de
vista o fato de que as mulheres tenham sido historicamente submetidas. Mas a submissão das
mulheres, por sua vez, não as anulariam como sujeitos, já que o poder não apenas nega e submete,
mas também produz.
No que tange à articulação entre gênero e sexualidade, não é incomum que, embora
caracterizem-se distintamente, estejam correlacionadas em boa parte dos discursos de gênero. Em
um esforço de distingui-las, Louro (2014) nomeia as identidades sexuais como aquelas constituídas
a partir da vivência da sexualidade e as identidades de gênero definidas pelas identificações
históricas e sociais dos sujeitos como masculino ou feminino. Reforça, ainda, que embora seja
difícil pensa-las distintivamente, “sujeitos masculino ou femininos podem ser heterossexuais,
homossexuais, bissexuais” e, ao mesmo tempo, negros, brancos, indígenas etc.. Porém, em qualquer
uma de suas faces, seja de gênero ou sexual, “as identidades são sempre construídas, elas não são
dadas ou acabadas num determinado momento” (2014, p. 31).
Judith Butler, em sua obra Problemas de Gênero (2014) defende a conexão entre gênero e
sexualidade, mas também evidencia que devem ser tratadas distintamente para que se possa escapar
de um redutivismo. Na perspectiva da filósofa, sexo apresenta-se como um construto ideal
materializado no decorrer do tempo, em processo no qual “as normas regulatórias do sexo” atuam
performativamente na construção da materialidade dos corpos. Neste sentido, assim como gênero
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foi pensado a partir de uma matriz heterossexual, a diferença sexual estaria a serviço do imperativo
da heteronormatividade (Butler, 2001).
Apoiando-se no exposto até aqui, pode-se afirmar que regimes discursivos materializam a
concepção de sexo impactando na produção de sujeitos – humano –, alimentando o que é
legitimamente aceito ou produzindo o que autora denomina como “corpos abjetos”. A homofobia
seria um exemplo de como se atribui à pessoa homossexual a carga de um gênero errado ou
inválido, pelo fato de a orientação sexual ser fadada à dúvida ou confirmação de ter o gênero
legitimamente reconhecido. A sexualidade, seria, diante disso, regulada pelo gênero.
A problemática da homofobia foi problematizada em diferentes momentos da atuação do
PIBID, nas escolas e na Universidade. Pensando nas questões inerentes ao debate de gênero e
sexualidade na educação, em pesquisa realizada entre os anos de 2007 e 2009, Eliane Gonçalves et.
al. (2013) analisou livros didáticos direcionados ao ensino médio buscando identificar marcas
linguísticas e imagéticas de gênero e sexualidade, relacionando-as ao preconceito contra LGBTTs.
As pesquisadoras concluíram que "muitos trechos do livro didático articulam a homofobia e o
sexismo, evidenciando o dispositivo de gênero como integrante central da heterossexualidade
compulsória”. Relacionando os dados desta pesquisa com o estudo empreendido por
ABROMOVAY et. al. (2006), são apresentados dados de pesquisa da UNESCO em que foi
perguntado aos/às alunos/as sobre que pessoas não gostariam de ter como colega na sala, cerca de ¼
afirmou que não queriam ter um/a colega homossexual. No total de participantes, a maior rejeição
em ter colegas homossexuais é de homens, realidade que se repete em todas as cidades pesquisadas.
Em Goiânia o percentual de rejeição é de 40,9% entre homens e 20,1% entre mulheres. Quando a
mesma pergunta foi feita aos pais e mães destes/as alunos/as, em Goiânia 37,1% dos pais e 31,7%
das mães não gostariam que seus/as filhos/as tivessem um/a colega homossexual.
Interessante observar que a diferença percentual de rejeição entre homens e mulheres e,
consequentemente, no modo em que a homofobia é vivenciada nas escolas em Goiânia, também
pode ser verificada em oficinas e atividades pedagógicas desenvolvidas pelo PIBID Ciências
Sociais, da UFG. Em duas escolas distintas, localizadas em regiões diferentes da cidade, a equipe
do PIBID exibiu o filme Hoje eu Quero Voltar Sozinho (2014)6 ,que trata da temática da
homossexualidade entre jovens adolescente em idade escolar. Em ambas as escolas, no debate que
6 O filme, dirigido por Daniel Ribeiro, narra a história de um adolescente cego que, ao mesmo tempo em que precisa lidar com questões comuns aos jovens que buscam ser independentes e autônomos, enfrentando situações diferenciadas em razão de sua deficiência visual, vive um sentimento de afeto que abre as portas para a descoberta de sua sexualidade.
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se sucedeu ao filme, os alunos demonstraram maior rejeição e homofobia do que as alunas, que em
diferentes momentos fizeram falas em defesa da liberdade sexual.
A sexualidade na escola tem sido comumente tratada sob duas perspectivas: orientação e
assepsia dos corpos, direcionada ao controle e prevenção de doenças, em geral inserida no conteúdo
de ciências/biologia; abordagem plural e interdisciplinar, desenvolvendo nexos não apenas entre
sexualidade e ciência, mas também com as componentes curriculares das humanidades. Na prática,
por ser tema transversal e não indicada como conteúdo curricular obrigatório de dada componente
curricular, a sexualidade na educação restringe-se aos conteúdos de ciências e biologia, sob o
enfoque do que seria uma “educação sexual”, mas com pouco ou quase nenhum alcance naquilo que
ultrapassa a perspectiva higienista acima referendada. Tal constatação revela como a escola e as
práticas educativas podem aprofundar os preconceitos e reforçar os estereótipos de gênero.
Se o debate em torno das questões de gênero e sexualidade é controverso nas práticas
pedagógicas cotidianas das escolas, o interesse dos/das estudantes pela temática revela a
importância de que tais temáticas sejam abordadas. Em geral, a recepção dos/das estudantes às
oficinas e rodas de conversa mediadas pelos/as estudantes/bolsistas do PIBID contaram com ampla
participação dos/das estudantes das escolas e com total apoio dos/das professores/as
supervisores/as. Contudo, em experiência pontual, enfrentamos resistência da parte da escola para
exibição de um dos filmes que integravam o programa das ações. Em 2015, frente à militarização de
uma das escolas que desenvolvíamos nossas ações, a equipe foi impedida de exibir o filme e
realizar a roda de conversa com os/as estudantes. O desgaste decorrente desta censura teve como
consequência a saída do PIBID Ciências Sociais desta escola.
3. CENAS PLURAIS, a prática e os desafios futuros
A dinâmica de funcionamento do CENAS PLURAIS é um exemplo de concretização da
articulação do ensino, pesquisa e extensão almejada pelos princípios da Universidade. A partir das
leituras e discussões realizadas no Grupo de Estudos em Gênero e Diferenças na Educação são
desenvolvidas pesquisas, seja orientada para o aprofundamento de uma temática específica a ser
trabalhada nos filmes, seja para a produção de trabalhos de conclusão de curso e artigos científicos.
Uma vez escolhida a temática, a primeira parte da ação é desenvolvida na Universidade, com
evento aberto à comunidade acadêmica e participação de um/a professor/a convidado/a especialista,
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que contribui, principalmente, elencando os aspectos relevantes da obra para o desenvolvimento de
conteúdos pertinentes ao ensino de Sociologia.
Figura 1
Cartaz referente à edição do CENAS PLURAIS na FCS em setembro de 2016.
A partir da ação realizada na Universidade, a equipe de bolsistas é habilitada para
reproduzir os mesmos filmes no âmbito das escolas e nestas protagonizam a mediação do debate,
com vistas ao desenvolvimento do conteúdo nas aulas de Sociologias, mas também em atividades
externas à sala de aula, desenvolvidas em horário alternado. O projeto tem como proposta a
realização bimestral em duas edições, sendo uma na Universidade e outra na escola. Embora em
cada espaço seja necessária a adaptação ao nível de profundidade em que a temática poderá ser
exibida e debatida, a exibição dos filmes no projeto Cenas Plurais tem possibilitado, como é próprio
do cinema, processos de identificação. O encontro com o potencial educativo existente em curtas ou
longas alcança não apenas o nível da informação sobre uma realidade desconhecida, como também
transforma determinadas percepções sobre aquilo que já se conhece, ressignificando experiências
em diálogo com expressões das subjetividades.
Assim, a edição apresentadana Figura 1 foi realizada em 3 sessões tratando das temáticas
de gênero, sexualidade e questões étnico-raciais. No debate com enfoque em questões de gênero,
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exibimos o filme Pequena Miss Sunshine, discutindo estética, corporeidade e erotização da infância.
Esta sessão teve participação de discentes do curso da Licenciatura em Educação Física que,
embora não estivessem integrados ao nosso Subprojeto do PIBID, estavam cursando Sociologia do
Corpo, e puderam ter contato com um debate sobre questões relacionadas aos padrões de beleza,
mas a partir da Sociologia, motivados pelo filme. Na segunda sessão, exibimos o filme Minha Vida
em Cor de Rosa, que também tem um contexto infantil, com um protagonista que questiona sua
identidade de gênero, onde o foco do debate foi assentado em questões de sexualidade. Nas duas
primeiras sessões trabalhamos com longa metragens, mas na terceira sessão foram exibidos três
curtas metragens a respeito da vida e obra de Carolina de Jesus, que também possibilitou um debate
de gênero, mas principalmente sobre a mulher negra na produção de conhecimento7.
Figura 2
Obras de referência relativas à produção de Carolina de Jesus.
Por fim, frente aos importantes desafios colocados para todos que se dedicam ao ensino de
humanidades e à formação docente, o fortalecimento de ações como o PIBID nas escolas e sua
visibilidade na Universidade, no caso específico a partir das ações do CENAS PLURAIS, tem se
mostrado como uma ação positiva tanto no que se refere à valorização da Sociologia como
componente curricular no ensino médio, como na qualificação da formação docente. A
consolidação do CENAS PLURAIS tem contribuído, assim, para o aprofundamento de uma
experiência didática interdisciplinar e apoiada em recursos audiovisuais, viabilizando, de modo
criativo, que as temáticas de gênero, sexualidade, raça e etnia sejam abordadas em sala de aula.
7A exibição de longas e curtas também é algo pensado juntamente com os professores/as nas escolas, sobretudo em razão do tempo
disponível para o desenvolvimento das atividades nas escolas, mas também para que os/as estudantes possam ter contato com
diferentes modelos de obras fílmicas.
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Considerando a retirada da Sociologia como componente obrigatória do ensino médio e o
desmonte da educação que ameaça o ensino de humanidades atualmente, o desafio ainda maior é
que se possa desenvolver estratégias de articulação entre as diferentes áreas das humanidades, para
que numa perspectiva interdisciplinar, sejam consolidados estes lugares de resistência aos
retrocessos que estamos testemunhando hoje. Neste sentido, acreditamos que o caminho a seguir
pode vir a ser o de integração entre as diferentes áreas das humanidades na construção desta
resistência, seja na defesa da permanência das disciplinas, individualmente, seja no
desenvolvimento de práticas pedagógicas que alcancem as temáticas de gênero, sexualidade e
diferenças na educação.
PLURAL SCENES IN PIBID SOCIAL SCIENCES: GENDER AND DIFFERENCES IN
TEACHING SOCIOLOGY
Astract:the Plural Scenes isanactionlinkedtotheresearchproject "Genderanddifferences in education
- challenges for teacher training andtheteachingofSociology", integratedwith PIBID Social
Sciencesof UFG. It ischaracterized as a bimonthlyaction, the Plural Scenes aimsatshowingfilmsand
holding discussionattheuniversityand in partnerschoolsofthe PIBID,
addressingissuesrelatedtothefieldofgenderstudies, sexualityanddifferences in education.
Articulatingactivitiesofteaching, researchandextension, the Plural Scenepresentsitself as a
collectiveaction, involvingdifferentcollaborators (teachersofuniversity, butalsoofbasiceducation,
studentsofinitiationtoteaching, schoolstudents, amongothers) concernedthe use
offilmsthatstimulatediscussionsontheperformatividadesofgenderandsexuality, ethnic-racial relations,
violenceandhomophobia in thefieldofeducation. The presentwork, as experiencereport,
aimstodemonstratethelimitsandpossibilitiesofexperienceaccumulatedwitheditionsofthe Plural
Scenes, both in teacher training, as in teachingsociologyatpublicschools in Goiânia/GO. The
consolidationofthe Plural Scenes as anactivityof PIBID
hascontributedtothedeepeningofexperienceteachingwiththe use of audiovisual
resourcesandalsomade it socreativethattheissuesofgender, sexuality, raceandethnicitywereworked in
classofSociology.
Keywords: gender; sexuality; differences; teaching Sociology.
REFERÊNCIAS
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