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DA FONSECA

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Ministrio da Educao | Fundao Joaquim Nabuco Coordenao executiva Carlos Alberto Ribeiro de Xavier e Isabela Cribari Comisso tcnica Carlos Alberto Ribeiro de Xavier (presidente) Antonio Carlos Caruso Ronca, Atade Alves, Carmen Lcia Bueno Valle, Clio da Cunha, Jane Cristina da Silva, Jos Carlos Wanderley Dias de Freitas, Justina Iva de Arajo Silva, Lcia Lodi, Maria de Lourdes de Albuquerque Fvero Reviso de contedo Carlos Alberto Ribeiro de Xavier, Clio da Cunha, Jder de Medeiros Britto, Jos Eustachio Romo, Larissa Vieira dos Santos, Suely Melo e Walter Garcia Secretaria executiva Ana Elizabete Negreiros Barroso Conceio Silva

Alceu Amoroso Lima | Almeida Jnior | Ansio Teixeira Aparecida Joly Gouveia | Armanda lvaro Alberto | Azeredo Coutinho Bertha Lutz | Ceclia Meireles | Celso Suckow da Fonseca | Darcy Ribeiro Durmeval Trigueiro Mendes | Fernando de Azevedo | Florestan Fernandes Frota Pessoa | Gilberto Freyre | Gustavo Capanema | Heitor Villa-Lobos Helena Antipoff | Humberto Mauro | Jos Mrio Pires Azanha Julio de Mesquita Filho | Loureno Filho | Manoel Bomfim Manuel da Nbrega | Nsia Floresta | Paschoal Lemme | Paulo Freire Roquette-Pinto | Rui Barbosa | Sampaio Dria | Valnir Chagas

Alfred Binet | Andrs Bello Anton Makarenko | Antonio Gramsci Bogdan Suchodolski | Carl Rogers | Clestin Freinet Domingo Sarmiento | douard Claparde | mile Durkheim Frederic Skinner | Friedrich Frbel | Friedrich Hegel Georg Kerschensteiner | Henri Wallon | Ivan Illich Jan Amos Comnio | Jean Piaget | Jean-Jacques Rousseau Jean-Ovide Decroly | Johann Herbart Johann Pestalozzi | John Dewey | Jos Mart | Lev Vygotsky Maria Montessori | Ortega y Gasset Pedro Varela | Roger Cousinet | Sigmund Freud

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DA FONSECAMaria Ciavatta e Zuleide Simas da Silveira

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ISBN 978-85-7019-528-9 2010 Coleo Educadores MEC | Fundao Joaquim Nabuco/Editora Massangana Esta publicao tem a cooperao da UNESCO no mbito do Acordo de Cooperao Tcnica MEC/UNESCO, o qual tem o objetivo a contribuio para a formulao e implementao de polticas integradas de melhoria da equidade e qualidade da educao em todos os nveis de ensino formal e no formal. Os autores so responsveis pela escolha e apresentao dos fatos contidos neste livro, bem como pelas opinies nele expressas, que no so necessariamente as da UNESCO, nem comprometem a Organizao. As indicaes de nomes e a apresentao do material ao longo desta publicao no implicam a manifestao de qualquer opinio por parte da UNESCO a respeito da condio jurdica de qualquer pas, territrio, cidade, regio ou de suas autoridades, tampouco da delimitao de suas fronteiras ou limites. A reproduo deste volume, em qualquer meio, sem autorizao prvia, estar sujeita s penalidades da Lei n 9.610 de 19/02/98. Editora Massangana Avenida 17 de Agosto, 2187 | Casa Forte | Recife | PE | CEP 52061-540 www.fundaj.gov.br Coleo Educadores Edio-geral Sidney Rocha Coordenao editorial Selma Corra Assessoria editorial Antonio Laurentino Patrcia Lima Reviso Sygma Comunicao Ilustraes Miguel Falco Foi feito depsito legal Impresso no Brasil Dados Internacionais de Catalogao na Publicao (CIP) (Fundao Joaquim Nabuco. Biblioteca) Ciavatta, Maria. Celso Sucow da Fonseca / Maria Ciavatta, Zuleide Simas da Silveira. Recife: Fundao Joaquim Nabuco, Editora Massangana, 2010. 164 p.: il. (Coleo Educadores) Inclui bibliografia. ISBN 978-85-7019-528-9 1. Fonseca, Celso Sucow da, 1905-1966. 2. Educao Brasil Histria. I. Silveira, Zuleide Simas da. II. Ttulo. CDU 37(81)

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SUMRIO

Apresentao, por Fernando Haddad, 7 Ensaio, por Maria Ciavatta e Zuleide Simas da Silveira, 11 Introduo, 11 Celso Sucow da Fonseca, vida e obra, 17 Formao escolar , 18 Atuao como engenheiro e educador , 19 Histria e historiografia de Celso Suckow da Fonseca, 36 A histria do ensino industrial no Brasil, 37 Histria e historiografia Alguns conceitos fundamentais, 38 A historicidade da relao trabalho e educao, 42 A histria escrita por Celso Suckow da Fonseca, 46 Suckow atual, 57 Sobre notas e textos selecionados, 59 Textos selecionados, 65 Histria do ensino industrial no Brasil,, 65 A influncia de D. Joo VI, 71 O ambiente no incio do Imprio, 78 A ao do governo imperial, 83 As primeiras providncias da Repblica, 88 As consequncias da Lei Orgnica do ensino industrial, 105

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O Senai, 118 Evoluo da filosofia do ensino industrial, 129 Cronologia, 151 Bibliografia, 153 Obras de Celso Suckow da Fonseca, 153 Obras sobre Celso Suckow da Fonseca, 153 Outras referncias bibliogrficas, 154

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APRESENTAO

O propsito de organizar uma coleo de livros sobre educadores e pensadores da educao surgiu da necessidade de se colocar disposio dos professores e dirigentes da educao de todo o pas obras de qualidade para mostrar o que pensaram e fizeram alguns dos principais expoentes da histria educacional, nos planos nacional e internacional. A disseminao de conhecimentos nessa rea, seguida de debates pblicos, constitui passo importante para o amadurecimento de ideias e de alternativas com vistas ao objetivo republicano de melhorar a qualidade das escolas e da prtica pedaggica em nosso pas. Para concretizar esse propsito, o Ministrio da Educao instituiu Comisso Tcnica em 2006, composta por representantes do MEC, de instituies educacionais, de universidades e da Unesco que, aps longas reunies, chegou a uma lista de trinta brasileiros e trinta estrangeiros, cuja escolha teve por critrios o reconhecimento histrico e o alcance de suas reflexes e contribuies para o avano da educao. No plano internacional, optou-se por aproveitar a coleo Penseurs de lducation, organizada pelo International Bureau of Education (IBE) da Unesco em Genebra, que rene alguns dos maiores pensadores da educao de todos os tempos e culturas. Para garantir o xito e a qualidade deste ambicioso projeto editorial, o MEC recorreu aos pesquisadores do Instituto Paulo Freire e de diversas universidades, em condies de cumprir os objetivos previstos pelo projeto.7

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Ao se iniciar a publicao da Coleo Educadores*, o MEC, em parceria com a Unesco e a Fundao Joaquim Nabuco, favorece o aprofundamento das polticas educacionais no Brasil, como tambm contribui para a unio indissocivel entre a teoria e a prtica, que o de que mais necessitamos nestes tempos de transio para cenrios mais promissores. importante sublinhar que o lanamento desta Coleo coincide com o 80 aniversrio de criao do Ministrio da Educao e sugere reflexes oportunas. Ao tempo em que ele foi criado, em novembro de 1930, a educao brasileira vivia um clima de esperanas e expectativas alentadoras em decorrncia das mudanas que se operavam nos campos poltico, econmico e cultural. A divulgao do Manifesto dos pioneiros em 1932, a fundao, em 1934, da Universidade de So Paulo e da Universidade do Distrito Federal, em 1935, so alguns dos exemplos anunciadores de novos tempos to bem sintetizados por Fernando de Azevedo no Manifesto dos pioneiros. Todavia, a imposio ao pas da Constituio de 1937 e do Estado Novo, haveria de interromper por vrios anos a luta auspiciosa do movimento educacional dos anos 1920 e 1930 do sculo passado, que s seria retomada com a redemocratizao do pas, em 1945. Os anos que se seguiram, em clima de maior liberdade, possibilitaram alguns avanos definitivos como as vrias campanhas educacionais nos anos 1950, a criao da Capes e do CNPq e a aprovao, aps muitos embates, da primeira Lei de Diretrizes e Bases no comeo da dcada de 1960. No entanto, as grandes esperanas e aspiraes retrabalhadas e reavivadas nessa fase e to bem sintetizadas pelo Manifesto dos Educadores de 1959, tambm redigido por Fernando de Azevedo, haveriam de ser novamente interrompidas em 1964 por uma nova ditadura de quase dois decnios.

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A relao completa dos educadores que integram a coleo encontra-se no incio deste volume.

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Assim, pode-se dizer que, em certo sentido, o atual estgio da educao brasileira representa uma retomada dos ideais dos manifestos de 1932 e de 1959, devidamente contextualizados com o tempo presente. Estou certo de que o lanamento, em 2007, do Plano de Desenvolvimento da Educao (PDE), como mecanismo de estado para a implementao do Plano Nacional da Educao comeou a resgatar muitos dos objetivos da poltica educacional presentes em ambos os manifestos. Acredito que no ser demais afirmar que o grande argumento do Manifesto de 1932, cuja reedio consta da presente Coleo, juntamente com o Manifesto de 1959, de impressionante atualidade: Na hierarquia dos problemas de uma nao, nenhum sobreleva em importncia, ao da educao. Esse lema inspira e d foras ao movimento de ideias e de aes a que hoje assistimos em todo o pas para fazer da educao uma prioridade de estado.

Fernando Haddad Ministro de Estado da Educao

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INTRODUOEm termos gerais, talvez a maior acusao sobre a ordem social dada que ela degrada o fardo inescapvel do tempo histrico significativo o tempo de vida tanto dos indivduos quanto da humanidade tirania do tempo reificado do capital, sem levar em conta as consequncias. Istvn Mszros1

Celso Suckow da Fonseca conviveu ativamente com seu tempo. Nascido no Rio de Janeiro, na Primeira Repblica, ao tempo da Revoluo de 1930, era um engenheiro recm-formado e ainda no tinha 30 anos de idade. Havia uma crise econmica mundial em curso, que tambm atingia o Brasil, com superproduo e estoques de produtos agrcolas e desemprego rural e urbano, acrescida de instabilidade poltica. Aps 1930 e a nova diviso de poder entre as classes oligrquicas, medidas governamentais trataram de beneficiar as classes produtoras e a economia mostrou sinais de recuperao Ao final da dcada, principalmente, durante os anos 1940 a 1960, a infraestrutura (de transportes, energia etc.), criada pelo governo federal, contribuiu para a expanso da produo industrial. As indstrias acolheram a mo de obra liberada pela agricultura, na passagem de uma economia de extrao de matrias-primas para a produo nacional de bens de produo e de consumo, na forma de substituio das importaes. Na organizao do trabalho no processo de constituio do sistema industrial no Rio de Janeiro, alm das questes de ordem econmica, estavam presentes as correntes tericas do sculo XIX como o pensamento positivista, as ideias darwinistas, o conservadorismo e a economia poltica clssica. Na sua histria das ideias

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Mszros, Istvn. O desafio e o fardo do tempo histrico. So Paulo: Boitempo, 2007, p. 33.

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polticas no Brasil, Cruz Costa2 destaca que, desde o Imprio, o modelo de desenvolvimento norte-americano era apontado como um exemplo, para o Brasil, de novas perspectivas para a vida nacional. Mas estas no estavam isentas da ambiguidade liberalismo/ autoritarismo que dominou a Primeira Repblica e se manteve aps a Revoluo de 1930. No temos muitos elementos sobre as ideias que orientaram o pensamento poltico-pedaggico e a historiografia de Celso Suckow da Fonseca, mas no podemos v-lo isolado das questes de seu tempo. No podemos esquecer de que foi contemporneo dos xitos e do autoritarismo do governo Vargas, da ideologia do progresso e da ordem que teriam na organizao do trabalho e da educao as bases para a formao da nacionalidade. O autor tambm homem de seu tempo, que foi de extremo conservadorismo e represso s ideias socialistas e comunistas, de escassa literatura sobre o capitalismo e a crtica economia poltica. Como engenheiro, formou-se dentro de um universo tcnico e literrio (seu pai, tambm engenheiro conceituado, da alta administrao da Estrada de Ferro Central do Brasil, era homem de letras). Celso Suckow da Fonseca foi um humanista que defendeu a ideia de uma sociedade na qual o trabalho manual deveria ser reconhecido como um valor e todos deveriam ter acesso ao conhecimento intelectual e o reconhecimento das atividades tcnico-industriais3. As ideias aqui esboadas em termos muito gerais pretendem ser um pano de fundo da obra que constitui o objeto especfico deste estudo, a histria do ensino industrial no Brasil, e da atuao2 Cruz Costa. Contribuio histria das ideias no Brasil. Rio de Janeiro: Civilizao Brasileira, 1967. 3

A partir da elaborao de um verbete para o Dicionrio de educadores no Brasil, publicado em 1999, retornamos pesquisa de novas fontes em arquivos e buscamos localizar novamente familiares do autor. Para tanto, consultamos os arquivos do Museu da Politecnia, na escola de Engenharia da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ); da Biblioteca da Rede Ferroviria Federal S.A. (RFFSA), alm do levantamento de 27 novos documentos no Arquivo Geral do Cefet/RJ e entrevistas com familiares do autor.

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de seu autor, historiador, engenheiro, educador e diretor da mais importante escola tcnica de sua poca. Na primeira parte, trazemos no primeiro captulo alguns elementos de sua vida e de sua obra como engenheiro e educador, seus traos biogrficos, as homenagens que lhe foram prestadas, bibliografia do autor e sobre o autor. A seguir, no segundo captulo, buscamos realizar uma anlise do contexto socioeconmico e poltico de seu tempo. No terceiro momento, traamos o contexto educacional de sua poca, as polticas educacionais e as leis que criaram o sistema de ensino profissional e tcnico que ele apresenta em seu livro. No quarto captulo, fazemos uma anlise cautelosa da histria e da historiografia que ele nos legou. Na segunda parte, transcrevemos alguns excertos selecionados de sua Histria do ensino industrial: os antigos Centros de Aprendizagem, o ambiente do incio do Imprio, a ao do governo imperial, as primeiras providncias da Repblica, as consequncias da Lei Orgnica do Ensino Industrial, o Senai e o captulo sntese, evoluo da Filosofia do Ensino Industrial. Em um de seus ltimos escritos, uma carta pessoal a seus filhos, ele assim se expressa:Considero-me um homem realizado, pois tudo que normalmente se deve fazer, eu fiz. Estudei, formei-me, casei, prosperei, ocupei todos os postos da carreira que abracei, fundei dez escolas profissionais ao longo das linhas da Central e por quatro vezes fui nomeado diretor da E.T.N., uma das quais pelo presidente da Repblica e trs por honrosas eleies sucessivas; escrevi um livro que por muitos anos ser a fonte de ensinamentos para quem quiser aprofundar-se no assunto (...)4

Neste trabalho, como em toda pesquisa, somos devedores a muitas pessoas que contriburam com trabalho e ideias. Em primeiro lugar, agradecemos a Zuleide Simas da Silveira, professora do atual Cefet-RJ, antiga Escola Tcnica Federal Celso Suckow da4

Celso Suckow da Fonseca. Documento ntimo, 21-10-1966. In: Homenagem da escola a seu patrono. Rio de Janeiro: [ETN], 1967, p. 2.

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Fonseca que divide comigo a autoria do livro e orientou o trabalho de Ana Carolina da Silva Gonalves, Bolsista de Iniciao Cientfica/Pibic-CNPq, no levantamento de documentos no Arquivo do Cefet-RJ, facilitado pela colaborao das arquivistas Maria Alice da Silva e Vera Lcia de Oliveira Firmo. Ao professor Eloi Moreira e arquivista Marly, ambos do Museu da Politecnia, pela cesso do dossi de aluno do autor. Tambm agradecemos a Rebeca Gontijo com quem dividimos as primeiras pesquisas de documentos sobre Celso Suckow da Fonseca ao elaborar o verbete para o Dicionrio de educadores no Brasil e pelos materiais de sua tese de doutorado sobre teoria da histria. Somos gratas famlia de Celso Suckow da Fonseca, particularmente, na pessoa de seu filho Luiz Carlos Bulhes da Fonseca, pela entrevista que nos concedeu e pelos documentos que providenciou, gentilmente, com sua neta Ceclia Pinheiro Bulhes Carvalho da Fonseca, que tambm participou da entrevista. Muito ainda teria a dizer para os silenciosos autores consultados, que nos instigaram atravs da memria legada em seus livros, da histria e da historiografia no Brasil e, de modo especial, a Celso Suckow da Fonseca, que, de forma pioneira, de modo acurado, como bom engenheiro, educador e historiador, nos permitiu acompanhar sculos de histria da educao e do trabalho no Brasil.Maria Ciavatta

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CELSO SUCKOW DA FONSECA (1905-1966)5Maria Ciavatta Zuleide Simas da Silveira

Vida e obra

Neste captulo, buscamos resgatar o perfil profissional de Celso Suckow da Fonseca, que consolidou sua memria na histria da educao brasileira por meio de sua obra maior, a Histria do ensino industrial no Brasil (FONSECA, 1961, dois volumes, e em 2. edio,1986, cinco volumes), e de sua expressiva atuao na criao do sistema de escolas tcnicas federais. Particularmente, sua memria est registrada na documentao produzida quando esteve frente da implantao e desenvolvimento da mais antiga e tradicional dessas escolas, a Escola Tcnica Nacional (1942-1965); Escola Tcnica Federal da Guanabara (1965-1967), atual Centro Federal de Educao Tecnolgica Celso Suckow da Fonseca (Cefet/RJ). So testemunhos valiosos desse trabalho, Histria, que ele escreveu e os documentos (relatrios, atas, resolues, correspondncias etc.) encontrados no Arquivo do Cefet/RJ.

5 Este texto recupera a pesquisa realizada por Maria Ciavatta e Rebeca Gontijo (Rio de Janeiro, Edit. UFRJ, 1999 e 2. ed. em 2002 verbete para o Dicionrio de educadores no Brasil Da Colnia aos dias atuais) com documentao do Arquivo do Cefet-RJ e da familia de Celso Suckow da Fonseca, atravs do Dr. Luiz Carlos Bulhes. Para a elaborao deste livro, no decorrer de 2007, foi feito novo levantamento e coleta de documentos por Ana Carolina Gonaves da Silva e Zuleide Simas da Silveira, no Arquivo do Cefet-RJ, no Museu da Politecnia da UFRJ e no Central Centro de Documentao da Rede Ferroviria Federal S.A.

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Trs so os aspectos marcantes de seu perfil profissional: engenheiro, educador (professor e administrador) e historiador. Destes, a obra mais divulgada e reconhecida seu pioneiro trabalho sobre a histria do ensino industrial, da Colnia at os anos de 1960. Em um pas de escasso cultivo da memria e onde o ensino da preparao para o trabalho manual um tema menor da educao, Celso Suckow da Fonseca deixou um trabalho indelvel, de consulta obrigatria para quantos escreveram sobre o tema, depois dele.6 Mas sobre sua atuao como historiador que temos menos informao, salvo o que nos permitiu sua prpria Histria do ensino industrial. sobre sua atuao como engenheiro e educador que podemos traar o perfil de sua atuao profissional.Formao escolar

Nada logramos saber de particular sobre Celso Suckow da Fonseca, exceto que nasceu em 20 de julho de 1905, na cidade do Rio de Janeiro, filho de Lus Carlos da Fonseca, engenheiro e diretor da Estrada de Ferro Central do Brasil nos anos de 1930, membro da Academia Brasileira de Letras; e de Gilcka de Suckow da Fonseca. Casou-se com a escritora Emi Bulhes Carvalho da Fonseca, tendo dois filhos, Lus Carlos e Celso Filho. Em dezembro de 1921, prestou os exames parcelados das matrias do curso gymnasial indispensvel inscrio para o exame vestibular7 no Colgio Pedro II. No ano seguinte, em abril de 1923, foi aprovado no exame vestibular, em primeira poca, matriculando-se no Curso de Engenharia Civil da antiga escola Polytechnica do Rio de Janeiro. Concluiu o Curso de Engenharia somente em 1929, haja visto que durante este percurso formativo, no ano de 1927, dedicou-se, exclusivamente, s disciplinas lecionadas no 3o ano do Curso de Engenharia Mecnica e Eletricidade.Entre outros, merece destaque, pela sua abrangncia e qualidade, o trabalho (livros e artigos) do prof. Luiz Antonio Cunha, que tambm nos serviu de fonte de consulta.7 6

Decreto no 11.530 de 18 de maro de 1915.

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Fez, tambm, o Curso Superior de Locomoo, no Centro Ferrovirio de Ensino e Seleo Profissional de So Paulo, tendo recebido o diploma em 1939. Talvez sua mais importante experincia acadmica, para o cargo de diretor que viria a exercer na Escola Tcnica Nacional, tenha sido o Curso de Administradores de Escolas Tcnicas, no State College, na Pensilvnia, EUA, no perodo de 1947 a 1948. Mais tarde, em 1963, diplomou-se pelo Curso da Escola Superior de Guerra, voltado para a formao de mo de obra qualificada.Atuao como engenheiro e educador

Celso Suckow da Fonseca integra uma gerao de engenheiros e educadores, dentre os quais se destacam Francisco Montojos, Joo Lderitz, talo Bologna e Roberto Mange, que conciliaram suas atividades nas principais ferrovias brasileiras, mais tarde unidas na Rede Ferroviria Federal Sociedade Annima (RFFSA), no Centro Ferrovirio de Ensino e Seleo Profissional (CFESP), no Instituto de Organizao Racional do Trabalho (Idort) e nas escolas tcnico-profissionais (Ciavatta Franco e Gontijo, 1999; Frigotto e Rodrigues, 2002). Engenheiro da Estrada de Ferro Central do Brasil (EFCB), durante 35 anos, ocupou vrios cargos, tendo sido chefe do Departamento de Relaes Pblicas; engenheiro chefe de Locomoo; chefe do Departamento de Ensino e Seleo Profissional. Nesse perodo, organizou e ps em funcionamento dez escolas profissionais, situadas nos estados do Rio de Janeiro e Minas Gerais, nas cidades de Barra do Pira, Trs Rios, Santos Dumont, Lafaiete, Belo Horizonte, Sete Lagoas, Corinto, Cachoeira Paulista, Governador Portela e Valena. Foi indicado duas vezes para vistoriar a fabricao de trilhos e acessrios de linha frrea na Europa. Presidiu, tambm, o Hospital Central dos Ferrovirios, localizado na cidade de Bauru, fundado em 1956.

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Atuante, participou no apenas do Conselho Federal de Engenharia e Arquitetura e Agronomia (Crea), mas tambm da diretoria do referido conselho, desde 1946 at sua morte, em 1966, tendo sido reeleito cinco vezes, sendo que, por duas vezes, foi eleito tesoureiro. Foi membro do Conselho Tcnico do Sindicato dos Engenheiros, em 1962; vice-presidente, por dois mandatos, da Associao dos Engenheiros da Estrada de Ferro Central do Brasil; e, ainda, membro suplente do Conselho Fiscal da Eletrobrs.Em que pese a atuao em diversos espaos institucionais, notadamente a Estrada de Ferro Central do Brasil, onde instalou dez escolas profissionais, a trajetria desse engenheiro e educador est intimamente ligada histria da Escola Tcnica Nacional/Federal (ETN/ETF) (Rodrigues, 2002, p. 49)8.

Sua trajetria na Escola Tcnica Nacional9 coincide com o incio das atividades da prpria escola, em 1942. No ano seguinte, nomeado pelo presidente da Repblica, Getlio Vargas, para exercer o cargo de diretor10, permaneceu nesse mandato entre maio de 1943 e janeiro de 1951. Celso Suckow da Fonseca dirigiu, por mais trs vezes, a Escola Tcnica. Em 13 de abril de 1960, o corpo docente da escola elegeu, pela primeira vez, trs professores para constiturem a lista trplice,

8 Rodrigues (2002) analisa a obra de Celso Suckow da Fonseca, A histria do ensino industrial no Brasil, com a finalidade de desvelar o pensamento pedaggico desse engenheiro-educador. 9 A Escola Tcnica Nacional foi construda no lugar da escola Normal de Artes e Ofcios Wenceslau Braz. Para maiores detalhes ver Dias (1980) e Cefet/RJ (2007). 10

O primeiro diretor da Escola Tcnica Nacional foi Sebastio de Queiroz Couto (de 15/07/ 1942 a 18/08/1942), ocupante do cargo quando da extino da escola Normal de Artes e Ofcios Wenceslau Braz, sucedido por Fernando Nereu de Sampaio (19/09/1942 a 09/02/ 1943), que permaneceu no cargo at seu falecimento. Por esta ocasio, Francisco Montojos, ento diretor da Diviso de Ensino Industrial, passa a acumular o cargo de diretor da Escola Tcnica Nacional at 29/05/1943, quando Celso Suckow da Fonseca nomeado o novo diretor.

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com base na qual seria escolhido o diretor da escola, pelo presidente do Conselho de Representantes11. A escolha recaiu no professor Celso Suckow da Fonseca, que havia sido o mais votado, passando, assim, a dirigir o estabelecimento pela segunda vez. A terceira, eleito pelos Membros do Conselho de Representantes da mesma escola para o perodo de 1963 a 1966; e, finalmente, eleito pelo mesmo Conselho de Representantes para o mandato de 1966 a 1969, interrompido em virtude de seu falecimento, em 26/10/1966. As atividades na rea de engenharia foram articuladas s de educao. Em sala de aula, de 1951 a 1960, por concurso de provas e ttulos, foi professor da cadeira de Desenho Tcnico de aulas precisas, encantou seus alunos com divagaes culturais paralelas, abrangendo larga faixa do conhecimento humano, preparando-os para a vida.12 Celso Suckow buscou unir a escola ao mundo da produo, como bem mostram os relatrios de gesto da Escola Tcnica Nacional, produzidos por ocasio de sua posse no cargo de diretor da escola.

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Em 1959, a Lei n 3.552, regulamentada pelo Decreto n 47.038/59, instituiu autonomia para a aquisio de material destinado s oficinas e, tambm, para a contratao de professores para as escolas de ensino industrial da rede federal. Estipulou, entre outras medidas, a criao no apenas do Conselho de Representantes, dando assento ao empresariado industrial nas reunies internas das escolas, como tambm do Conselho de professores, permitindo maior participao de determinados setores da comunidade escolar na discusso de questes didtico-pedaggicas. Aos membros do Conselho de Representantes, nomeados por decreto do presidente da Repblica, competia a escolha do diretor da escola. Por fora da Lei n 6.545/78 que transformou as Escolas Tcnicas Federais do Rio de Janeiro, Minas Gerais e Paran em Centros Federais de Educao Tecnolgica, o rgo mximo da instituio, at ento denominado Conselho de Representantes passou a intitular-se Conselho diretor. Ramalho Ortigo, engenheiro-professor da Escola Tcnica, em discurso no ato, do dia 13 de maro de 1967, do Conselho de Representantes, que alterou a denominao da Escola Tcnica Federal da Guanabara para Escola Tcnica Federal Celso Suckow da Fonseca (Dias, 1980).

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Quando Celso Suckow da Fonseca assumiu a direo da Escola Tcnica Nacional13, em 1943, o cenrio era o de construo de um projeto de nacionalidade, no qual o Estado Novo assumia o processo de industrializao do pas e a entrada do Brasil no mundo capitalista de produo estava a exigir a formao de homens para a indstria nacional. Quase tudo era novo, quase tudo era novidade: a legislao do ensino, a escola, os cursos, os currculos e, tambm, a maior parte do corpo docente. Afinal, a escola havia sido instituda, h bem pouco tempo, pela Lei Orgnica no 4.127, de 25 de fevereiro de 1942, que estabeleceu as bases de organizao da rede federal de estabelecimentos de ensino industrial. Apesar de estar funcionando desde julho de 1942, a Escola Tcnica Nacional foi oficialmente inaugurada em 7 de outubro de 1944, com a presena do ento presidente da Repblica, Getlio Vargas, e do ministro Gustavo Capanema. Alguns professores eram oriundos da extinta escola Normal de Artes e Officios Wenceslau Braz e, outros, recm-contratados. Parte desses ltimos constitua-se de tcnicos suos e norte-americanos selecionados, diretamente, pelo Ministrio da Educao e Sade Pblica. Dos professores contratados no exterior, Celso Suckow da Fonseca relata:O ministro Gustavo Capanema incumbira, em 1941, o Engo Roberto Mange, ento diretor do Centro Ferrovirio de Ensino e Seleo Profissional de So Paulo, de ir Europa e aos Estados Unidos selecionar um grupo de tcnicos especializados, a fim de ensinar nas vrias escolas federais. Em novembro de 1941, eram assinados os contratos dos suos em Berna, e, em 1942, chegava a misso sua composta de 29 elementos, os quais ficaram inicialmente concentrados na Escola Tcnica Nacional, com o intuito de se familiarizarem

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No ano de 1965, passa a designar-se Escola Tcnica Federal da Guanabara. Dois anos mais tarde, passa a Escola Tcnica Federal Celso Suckow da Fonseca, em homenagem pstuma; e, em 30 de junho de 1978, transformada em Centro Federal de Educao Tecnolgica do Rio de Janeiro pela Lei n 6.545.

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com o idioma nacional, os hbitos e os costumes brasileiros, assim como com a nossa organizao do ensino. Os primeiros tempos foram difceis para os tcnicos suos e para as autoridades brasileiras que com eles trataram. A viagem fora feita antes das escolas estarem em condies de receb-los, de maneira que, ao aqui chegarem, no encontrando as instalaes j prontas e no estando a par das dificuldades burocrticas, pois vinham das indstrias, comearam a provocar questes e a criar problemas (...) (Fonseca, 1961, vol. 2, pp. 284-87).

Dos cursos oferecidos na poca de Celso Suckow da Fonseca, pode-se afirmar que eram cursos-pilotos, oferecidos em dois nveis de ensino: cursos industriais bsicos, equivalentes ao chamado curso ginasial (atual ensino fundamental de 5a 8a srie), e cursos industriais tcnicos. Os cursos industriais bsicos, quinze e com durao de quatro anos, eram ofertados queles que tivessem o curso primrio completo (atual ensino fundamental de 1a 4a srie), nas seguintes modalidades: alfaiataria; aparelhos eltricos e telecomunicaes; carpintaria; cermica; corte e costura; chapus, flores e ornatos; fundio; marcenaria; mquinas e instalaes eltricas; mecnica de mquinas; mecnica de preciso; mecnica de automveis; serralheria; tipografia e encadernao; e, ainda, pintura. J os cursos tcnicos, destinados aos portadores de certificado do antigo ginasial ou dos cursos industriais bsicos, refletiam o avano tecnolgico da poca, tinham durao de trs anos e eram em nmero de sete, abrangendo as modalidades: construo de mquinas e motores; eletrotcnica; edificaes; decorao de interiores; desenho tcnico e eletrotcnica; desenho tcnico de arquitetura e mveis; e, ainda, construo de aeronutica. A Escola Tcnica Nacional foi ainda incumbida pela Lei Orgnica do Ensino Industrial, Lei no 4.073/1942, de preparar professores e pessoal administrativo para atuar no ensino industrial, alm de formar artfices, mestres e tcnicos para a indstria. Em consonncia com a referida lei, foi criado o Ensino Pedaggico,

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com durao de um ano, abrangendo dois cursos: o de Didtica do Ensino Industrial e o de Administrao do Ensino Industrial, ambos destinados a candidatos portadores do certificado de mestria ou de curso tcnico, previstos na mesma lei. Entretanto, foi apenas dez anos mais tarde, de 1952 a 1953, que a ETN passou a oferecer o curso de Didtica do Ensino Industrial, tendo em seu currculo as disciplinas de: Psicologia Educacional; Orientao e Seleo Profissional; Histria da Indstria e do Ensino Industrial; e, ainda, Metodologia. O destaque no Jornal do Brasil de 1944, transcrito a seguir, bem reflete o interior da escola, o contexto de euforia com o ensino tcnico no qual se inseria, e expressa a louvao ao governo Vargas que patrocinava esse projeto educacional: convite do Sr. Gustavo Capanema, fomos, ontem, assistir inaugurao oficial da Escola Tcnica Nacional. O referido estabelecimento de ensino merece ser conhecido e louvado. E ns no temos nenhuma reserva em faz-lo, com entusiasmo, de que ele, de fato, uma obra de relevncia. Do mesmo modo que gostaramos de, livremente, criticar o que se nos afigura errado, ou antes, o que realmente est errado, temos prazer em aplaudir o que impe aplausos. O incondicionalismo, pr ou contra, sempre servido e baixeza. No raro temos discordado dos planos do Ministrio da Educao; hoje, louvamos a realizao do referido titular. A Escola Tcnica Nacional constitui uma das obras mais fecundas do atual governo. realizao tangvel. E, curioso, de pouca fachada. Quem a v, distncia, no a avalia em devida conta. Visitada, ela se revela na sua verdadeira amplitude e no seu real valor. Para se ter uma ideia do que ela , basta dizer que o Sr. Getlio Vargas, que ontem a inaugurou, percorreu, durante duas horas e quarenta minutos, as suas dependncias. H ali mltiplas oficinas, desde as dos trabalhos mais delicados at as de fundio. Cerca de 800 alunos, distribudos pelos vrios departamentos, recebem instruo terica e prtica.24

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E os prprios leigos veem e sentem que o estudo eficiente. As escolas tcnico-profissionais no se limitam, como outras, a preparar apenas a cultura pessoal e, por vezes, meramente individualista do educando. No. Cada diplomado pelos estabelecimentos desse gnero se transforma num elemento positivo e benfico de trabalho especializado, melhorando a nossa produo pela eficincia do seu artesanato. Elas [as escolas tcnico-profissionais] no preparam prias ou moos elegantes para criar dificuldades de trnsito nas ruas centrais da cidade ou disputar lugares, embora subalternos, nas reparties pblicas. Os tcnicos que saem dali vo cooperar para a nossa grandeza, como j esto cooperando, na Central do Brasil, em Volta Redonda, na Fbrica Nacional de Motores e outras reparties do governo, bem como na indstria privada. O Sr. Gustavo Capanema, saudando o chefe do Estado, revelou que a atual administrao j construra seis grandes escolas tcnicas: a ontem inaugurada e as de Manaus, So Lus, Vitria, Pelotas e Goinia, estando em incio de construo a de Belo Horizonte, e planejada a de So Paulo. Esclareceu ainda o ministro que nesse empreendimento foram alocados cerca de 53 milhes de cruzeiros, o que mostra o valor e a amplitude dos seis novos estabelecimentos agora concludos. Ao mesmo tempo esto sendo feitas obras de remodelao e ampliao das escolas industriais e escolas tcnicas federais existentes no pas. De outra parte, disse o Sr. Capanema: Obedecendo s exigncias da legislao nova, estabelecimentos de ensino industrial da prefeitura do Distrito Federal e vrios estados, assim como vrias escolas particulares, obtiveram equiparao e reconhecimento. Por esta forma, dezesseis escolas tcnicas e vinte e sete escolas industriais equiparadas e reconhecidas j vieram formar, com os estabelecimentos federais, uma rede nacional de sessenta e sete escolas de ensino industrial, frequentadas no corrente ano por mais de quinze mil alunos. preciso ainda fazer especial meno da obra do governo federal com relao s escolas de aprendizagem. Para organiz-las e mant-las, a legislao do ensino industrial criou o Servio Nacional de Aprendizagem Industrial (Senai), cuja obra,25

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realizada em pouco mais de dois anos, se traduz nestas cifras: 54 escolas j instaladas em vrios pontos do pas, com a matrcula neste ano, de quase sete de seis mil trabalhadores adultos. As cifras acima falam por si. O indispensvel que esse esforo no sofra colapsos. O necessrio que esse trabalho no seja demasiadamente tropical, no sentido simblico de uma grande e sbita florao seguida de esmorecimento, apatia e morte. A nossa versatilidade, de que no escapar por certo o titular da Educao, deve ser dominada. O rumo bom; prossigamos. A obra fecunda; intensifiquemo-la. Evitemos as reformas, as famosas e terrficas reformas... Encerrando sua saudao ao Sr. Getlio Vargas, afirmou o Sr. Capanema: Sr. presidente. Ponto cardeal do programa poltico de V. Exa. fazer do nosso pas uma grande potncia econmica. V. Exa., espiritualista experiente que , sabe que sem economia organizada no h cultura, no h poder, no h ordem nem liberdade, no h prestgio nacional nem bem-estar dos cidados. Talvez o ministro da Educao dissesse melhor se invertesse alguns termos do perodo transcrito, condicionando a economia liberdade e ordem, e no estas quelas. Que valeria a riqueza de um pas de escravos?!... No nos apeguemos, porm, a palavras ou construo de perodos. Bem melhor que construamos escolas... (A. Porto Silveira, 1944, apud Dias, 1980, pp. 143-45).

Em sntese, essa escola, a primeira da rede nacional de escolas tcnicas, que Celso Suckow da Fonseca estava dirigindo. Seu mpeto a destacaria como uma das principais instituies de ensino profissional no pas. Foi na prtica que Celso Suckow da Fonseca foi solucionando os problemas e as exigncias postos pelo novo quadro poltico e socioeconmico do pas para a formao de profissionais para a indstria. Destacamos alguns fatos histricos, ocorridos em seu primeiro mandato (1943 a 1951), que evidenciam essa afirmao. Primeiro, em 1943, seu empenho na criao dos chamados Cursos

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de Aperfeioamento ou Cursos de Continuao, de carga horria reduzida, oferecidos em trs ou seis meses, destinados a jovens e adultos sem escolaridade. Sempre atento s solicitaes dos estudantes, no ano seguinte, Celso Suckow da Fonseca ampliou a carga horria desses cursos por sugesto de alunos que pretendiam ampliar o conhecimento nas disciplinas de Matemtica e Desenho. Segundo, em 1944, o incentivo e a criao, nas dependncias da escola, da Associao dos Estudantes Tcnicos da Indstria (Aeti), que passou a responsabilizar-se pela organizao da parte recreativa da escola, tais como as apresentaes artstico-culturais e as prticas esportivas, bem como promover sob a orientao dos professores o desenvolvimento, a difuso e o aperfeioamento do ensino tcnico industrial, dentro e fora da escola; alm de fomentar exposies tcnico-cientficas e difundir o conhecimento relacionado s especificidades dos cursos industriais bsicos e industriais tcnicos, por meio de conferncias, jornais, rdio etc. Terceiro, ainda em 1944, fundou a Caixa Escolar com a finalidade de amparar financeiramente os alunos mais necessitados, realizando, porm, os benefcios dentro do maior sigilo, de forma a no humilhar aquelas que dela precisarem. No ano seguinte, a Caixa Escolar proporcionou a alunos carentes uniformes completos, blusas, casacos, macaces, fazendas, meias, sapatos, material escolar, passagens de bonde e trem, alm de emprstimos para compra de culos, livros tcnicos etc. (Fonseca, 1945, p. 56). Quarto: no tocante disciplina escolar, Celso Suckow da Fonseca afirmava a preocupao em eliminar a observncia de preceitos ou ordens escolares impostas por normas e regulamentos, concebidos nos velhos moldes e aplicados por Inspetores funcionando como agentes de polcia, que acabavam por ocasionar suspenses e repreenses aos alunos. Desse modo, procurou implantar, em seu lugar, a disciplina consciente, aquela que vem do

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ntimo para o exterior, a que leva obedincia por compreenso da noo de dever. (ibid, p. 66). Partindo dessa viso de disciplina escolar, o diretor da escola elaborou o Cdigo de tica Escolar que entrou em vigor em 29/ 05/1945. Compreende ele: a) discriminao dos deveres primordiais dos alunos; b) a indicao do que se consideram atos relevantes; c) as normas de recompensa aos alunos que distinguirem; d) a maneira de avaliar o merecimento; e) a criao de uma Comisso de tica Escolar. Buscando tornar concreta a ampla assistncia moral a todos os alunos e alunas dos Cursos Industriais, Celso Suckow da Fonseca apelou aos professores e professoras, Tcnicos de Educao e Inspetores, no sentido de se tornarem Conselheiros ou Conselheiras de um nmero limitado de alunos e alunas. No apelo, recomendava o diretor da escola:As conselheiras e conselheiros devero interar-se pelo grupo de alunos e alunas que lhes couberem como se seus filhos fossem, velando-lhes pela sade, acompanhando-lhes o desenvolvimento espiritual, estimulando-lhes as normas da boa educao, defendendo-lhes os direitos e lembrando-lhes os deveres, seguindo-lhes os estudos e esclarecendo-lhes as dvidas, mostrando-lhes a importncia e o valor dos trabalhos profissionais no conjunto da sociedade moderna, dando-lhes, enfim, os cuidados e conselhos que no podem ser prestados nas classes, de modo a permitir-lhes a expanso de suas individualidades ajustadas, entretanto, ao meio em que vivem e dirigidas no sentido da obteno da maior harmonia social (ibid, pp. 67 e 68).

Foi neste contexto que Celso Suckow da Fonseca lanou Uma experincia educativa no corredor de maior circulao de alunos, dentro da escola, colocando sobre uma mesa o seguinte material:Alunos da Escola Tcnica Nacional. Aqui sero expostos venda balas, biscoitos, chocolates, caramelos etc. O sistema no visa lucro, pois os preos de venda sero iguais queles por que foram compradas as mercadorias, o que pode ser comprovado comparando os preos daqui com os de qualquer outro lugar. As28

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importncias arrecadadas sero apenas para renovar os stocks. Tudo estar ao alcance da mo, e no haver ningum para vender. Se quiserem comprar alguma coisa, podero retirar o que desejarem e deixar a quantia correspondente ao preo. No haver ningum fiscalizando os pagamentos, pois tenho absoluta confiana na honestidade de vocs. O nico fiscal ser a conscincia de cada um, e para ela que apelo. Confio em vocs. Celso Suckow da Fonseca diretor. 14-07-1945 (Fonseca, 1945).

Quinto: no concernente ao aproveitamento escolar do corpo discente, Celso Suckow da Fonseca incumbiu a professora Nilza Arantes, de Lngua Portuguesa, do desempenho de funes de Orientao Educacional. Foram coletados dados junto aos professores, inspetores e chefes de disciplinas e elaborados grficos, com a finalidade de analisar o desenvolvimento dos alunos em cada disciplina. Em decorrncia dos resultados da pesquisa, foram feitos grupos de estudos, de maneira a auxiliar os alunos em suas dificuldades. Sexto: em 1945, Celso Suckow da Fonseca nomeia comisso, formada pelos professores Theodorino Rodrigues Pereira, Antnio F. D. Lima, Salvador M. C. Fres, Antnio Jos Chediak e, ainda, por Augusto Caetano vila e Alfredo H. de Moraes, ambos tcnicos administrativos, para elaborar o Regimento Interno da Escola Tcnica Nacional. O projeto de regimento foi encaminhado Diviso do Ensino Industrial (DEI) do Ministrio da Educao e Sade Pblica, sendo reestruturado e aprovado somente no ano de 1951. Segundo o referido projeto, a escola teria em sua estrutura a Sesso de Ensino; a Sesso de Orientao e Assistncia Escolar; a Sesso de Administrao; o Conselho Tcnico e Conselho Consultivo. Ao Conselho Tcnico competia auxiliar a diretoria nos problemas tcnico-pedaggicos. E ao Conselho Consultivo, competiria promover um atendimento direto com a indstria.

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Stimo: ainda, em 1945, Celso Suckow da Fonseca exara a Portaria n 36 de 28/05/1945 que cria o jornal dos alunos, intitulado Micron.Toda a direo do jornal foi entregue aos alunos, tendo, porm, como supervisores, os professores de Portugus, servindo, tambm, todo o professorado da escola como corpo conselheiro e orientador. Posteriormente, foi o Micron entregue Associao dos Estudantes Tcnicos da Indstria, uma vez que essa Associao representava mais de 75% do total de alunos da escola (Fonseca, 1945, p. 56).

Oitavo: em 1947, quando as atividades da Comisso BrasileiroAmericana de Educao Industrial (CBAI) iniciam-se oficialmente, na vigncia do Acordo assinado entre Brasil e Estados Unidos, Celso Suckow da Fonseca participou das referidas atividades tanto como diretor, quanto como cursista. Participou da reunio de diretores de estabelecimentos industriais e do curso oferecido a professores das escolas industriais federais, sediado pela Escola Tcnica Nacional. Esse curso14 dividia-se em duas etapas, sendo a primeira uma reviso dos conhecimentos gerais e tcnicos e estudo da lngua inglesa, e a segunda um curso de aperfeioamento nos Estados Unidos. Assim, Celso Suckow da Fonseca seguiu, depois, para os Estados Unidos da Amrica do Norte, Pensilvnia, com a finalidade de participar do curso de aperfeioamento Administrao de Escolas Tcnicas, realizado no State College. Mais tarde, no Brasil, foram realizados outros cursos, no perodo de 1958 a 1961, como Planejamento dos Currculos e Programas; Organizao e Administrao de Oficinas; e Prticas de Oficinas (Fonseca, 1961). Nono: em 1948, props alterao curricular dos cursos industriais bsicos e tcnicos e fez severas crticas baixa remunerao dos professores, o que poderia estar comprometendo a qualidade da educao. Neste contexto, podemos afirmar que as mudanas pelas quais passou a Escola Tcnica Nacional/Escola Tcnica Federal da

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Cf Fonseca (1961).

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Guanabara, em geral, muito se deve a Celso Suckow da Fonseca. Em particular, depois de 1959, quando o presidente da Repblica Juscelino Kubitschek encaminhou a reforma do ensino industrial em todo o pas, por meio da Lei no 3.552/59, regulamentada pelo Decreto no 47.038/59, que conferiu autonomia s escolas tcnicas. De escola que oferecia, majoritariamente, matrculas para os cursos industriais bsicos e iniciara as atividades, em 1942, com apenas 11 alunos matriculados nos cursos tcnicos de nvel mdio e 143 nos cursos industriais bsicos, Celso Suckow da Fonseca incrementou o nmero de matrculas no nvel mdio de ensino de 198, em 1960, para 2 mil e 90 alunos em 1965. Segundo Ata da 70 sesso do Conselho de Representantes da ETN, de 26 de setembro de 1962, neste ano, Celso Suckow da Fonseca tinha sob sua responsabilidade uma escola com mil matrculas distribudas em dez cursos (cursos industriais bsicos, cursos tcnicos e cursos de aperfeioamento) sendo que dois eram oferecidos no horrio noturno; 130 professores e 97 serventurios (Ata, 1962, p. 36). Em face do desenvolvimento das foras produtivas, expanso industrial no pas, e, ainda, necessidade de o parque industrial se adaptar s novas tecnologias, a poltica de formao profissional torna-se, cada vez mais, mediao no sentido de prover o Estado de mo de obra especializada. Por conseguinte, para que o desenvolvimento econmico do pas se tornasse realidade, o Estado provedor da industrializao estimulou a formao de mo de obra para a indstria, buscando incrementar a matrcula nas escolas tcnicas da rede pblica e privada. Foi neste contexto, j na vigncia de seus trs ltimos mandatos (1960-1969), que Celso Suckow da Fonseca optou por extinguir, gradativamente, os cursos industriais bsicos15, oferecidos nas seguintes modalidades: alfaiataria; aparelhos eltricos e telecomu15

O ltimo concurso para cursos industriais bsicos da Escola Tcnica Nacional foi realizado em 1960, tendo a ltima turma se formado em 1964.

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nicaes; carpintaria; cermica; corte e costura; chapus, flores e ornatos; fundio; marcenaria; mquinas e instalaes eltricas; mecnica de mquinas; mecnica de preciso; mecnica de automveis; serralheria; tipografia e encadernao; e, ainda, pintura, levando-o a enfrentar resistncias internas e externas escola. Internamente, a reao inicial do corpo docente extino do Ginsio Industrial deveu-se, principalmente, queles que no podiam lecionar no nvel mdio de ensino. No tocante comunidade externa, Celso Suckow da Fonseca buscou desenvolver nos pais e responsveis pelos alunos, a conscincia de sua participao nos processos educativos dos alunos. Neste sentido, fundou a Associao de Pais e Mestres, formando, assim, o consenso sobre a necessidade do fechamento paulatino do internato que havia na escola. A rea ocupada pelo internato que abrigava, poca, 36 alunos, cedeu espao para salas de aulas, com capacidade para 500 alunos. No que diz respeito estrutura administrativo-pedaggica, Celso Suckow da Fonseca, enquanto diretor da diretor da ETN, preocupou-se com esferas de aes quais sejam, a descentralizao de suas atribuies bem como a criao de um sistema de controle acadmico, realizado por meio de painis que ofereciam a viso global de todas as atividades docentes da escola; a consolidao do horrio noturno; o planejamento para aquisio do material de consumo usado nas aulas prticas de laboratrios e oficinas; e, ainda, o custo do aluno por curso. Quanto infraestrutura, ocupou-se em promover vrias melhorias no espao fsico para a adequao da escola ao ensino tcnico: reforma da biblioteca; implementao do laboratrio de ensaios de materiais; implantao do canteiro de obras no curso tcnico de edificaes; implantao e implementao do curso tcnico de eletrnica; instalao do vestirio para alunos, nas dependncias do setor de Educao Fsica; re-equipagem do refeitrio (Resoluo no 42 de 11/11/1961, da 45 sesso de 10/11/1961).32

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Foi nesse cenrio que a Escola Tcnica Nacional, em atendimento nova legislao, ampliou a durao de seus cursos tcnicos de trs para quatro anos. A partir desta reformulao curricular, passou a oferecer, em vez de sete, seis cursos: eletrotcnica; eletrnica; edificaes; estradas; mquinas e motores; e, ainda, meteorologia, este ltimo conveniado com o Ministrio da Agricultura. E assim, como diretor, Celso Suckow da Fonseca seguia na luta ininterrupta pela ampliao do nmero de vagas, oferecendo aos filhos dos trabalhadores educao pblica e de qualidade. Na poca de Celso Suckow da Fonseca, as publicaes de livros tcnicos da rea de engenharia eram, em geral, em lngua estrangeira (alemo, espanhol e ingls). Diante da necessidade de livros tcnicos para atender ao curso de estradas, o engenheiro e educador estabeleceu um convnio, em regime de colaborao, com o Departamento Nacional de Estradas e Rodagem (DNER), em 1960, com a finalidade de publicar a Caderneta de Campo. O objetivo era registrar o tipo de material utilizado, equipamentos e instrumentos, equipe e localizao geogrfica de atividades prticas. Desse modo, ter-se-ia uma publicao que serviria para alunos da Escola Tcnica Nacional e tcnicos formados, em geral. Com esse convnio, Celso Suckow da Fonseca deu incio ao desenvolvimento da estratgia de profissionalizao, buscando preparar jovens para ingressar no mundo do trabalho, por meio de atividades realizadas em condies reais de produo em empresas e supervisionadas pela escola. Essa iniciativa propiciou a criao do Sistema de Estgio, bem como da Ficha de Acompanhamento de Estgio, usados at os dias que correm, para avaliar o conhecimento adquirido pelo aluno no setor produtivo. Celso Suckow da Fonseca fez a primeira tentativa de estgio com alguns alunos de 1a srie, encaminhando-os ao DNER para estagiarem nos meses de dezembro e janeiro, perodo de frias. Mas no logrou xito: houve evaso do estgio devido pouca familiaridade dos alunos com o contedo das disciplinas tcnicas e33

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a pouca maturidade, eram alunos de 1a srie. Foi, ento, que o diretor da Escola Tcnica Nacional, lamentando o ocorrido, passou a indicar alunos de 2a e 3a sries e, depois, apenas os de 3a srie, munidos de uma ficha na qual o chefe de seo na empresa pudesse anotar data, local e atividades desenvolvidas pelo estagirio. Em dezembro de 1963, o governo Joo Goulart exara o Decreto no 3.325, instituindo o Programa de Expanso do Ensino Tecnolgico (Protec), com vistas expanso e melhoria do ensino tecnolgico, cuja finalidade era formar especialistas e tcnicos auxiliares nos diferentes ramos da engenharia e da tecnologia em geral e atender, em particular, demanda de alunos excedentes aprovados em concursos para ensino superior e no matriculados por falta de vagas. Tal decreto previa a criao de Centros de Formao Bsica conveniados com universidades e escolas de engenharia ou por ao direta e exclusiva. O programa, inseria-se no bojo da poltica da diretoria do Ensino Superior do MEC que criou, por meio do Parecer no 60/63, a modalidade de engenheiro denominada Engenheiro de Operao16. O Protec foi reeditado na segunda metade dos anos de 1980, denominado Programa de Expanso e Melhoria do Ensino Tcnico, no qual o governo brasileiro, a partir da consulta realizada no dia D do MEC, em mbito nacional, buscou expandir a rede federal de ensino tcnico de nvel mdio. A expanso da rede teve tambm como consequncia propiciar a consolidao do modelo Cefet. A pro-

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O Parecer CFE 25/65 instalou um dualismo estrutural no ensino superior brasileiro ao distinguir o ensino superior cientfico que formava o engenheiro graduado e o ensino superior tecnolgico, ou de curta durao, que formaria o engenheiro de operao. Pretendia-se a vinculao direta da educao com o mercado de trabalho, especificamente, o industrial. A resistncia ao modelo se fez pelos prprios engenheiros de operao que buscavam completar mais dois anos de estudos para chegar engenharia plena, e aos Conselhos Regionais de Engenharia e Arquitetura (Creas) que recusavam a concesso de registro profissional (CAMPELLO, 2005, p. 64 e ss.). Constituem verses atuais desse tipo de educao, os cursos de curta durao, a exemplo dos cursos superiores de tecnologia, que formam tecnlogos (RANGEL e GOMES, 2007).

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posta inicial era a de construir 100 novas escolas tcnicas, nmero logo ampliado para 200; entretanto, a opo foi criar um sistema de escolas tcnicas como Unidades de Ensino Descentralizadas (Uned) vinculadas aos Cefets e ETFs, sistema este inspirado na experincia dos campi universitrios. Foram construdas, tambm, escolas agrotcnicas.17 A partir de 1964, Celso Suckow da Fonseca participou como membro do Conselho de Administrao do Programa de Expanso do Ensino Tecnolgico (Protec), em atendimento ao decreto exarado pelo presidente da Repblica, o que propiciou sua atuao como coordenador e responsvel pela implantao do curso de engenharia de operao na ento Escola Tcnica Federal da Guanabara, vislumbrando na escola um locus da Universidade Tcnica. Os cursos eram realizados em convnio com a escola de Engenharia da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), para efeito de colaborao do corpo docente e expedio de diplomas, com a assessoria tcnica da Fundao Ford que, na poca, destinava parte das doaes para o ensino tcnico no Brasil. Os cursos abrangiam as seguintes especialidades: engenharia de operao eltrica, engenharia de operao eletrnica e engenharia de operao mecnica. Em 26 de outubro de 1966, quando a convite da Fundao Ford, visitava universidades e institutos tecnolgicos com a finalidade de analisar cursos de engenharia de curta durao na cidade de Stillwater, Oklahoma, nos Estados Unidos, Celso Suckow da Fonseca faleceu. Os restos mortais chegaram ao Brasil no dia 30 de outubro de 1966, sendo velado no saguo principal da Escola Tcnica Federal da Guanabara e sepultado no Cemitrio So Joo Batista.

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Para maiores detalhes, ver Frigotto, Franco e Magalhes (2006).

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HISTRIA E HISTORIOGRAFIA DE CELSO SUCKOW DA FONSECAMaria Ciavatta Franco

A histria do ensino industrial no Brasil

A histria acompanha a criao da prpria humanidade desde tempos imemoriais, apenas no temos documentos alm de um certo tempo histrico de alguns milhares de anos. Quanto mais antigos eles so, mais inextrincveis e misteriosos para os historiadores em cada perodo histrico. Mas no podemos concluir que documentos recentes so, necessariamente, mais fceis de serem compreendidos. Os fatos no existem isolados, esto sempre em relao com outros fatos e significados. E a compreenso dessa complexidade o grande desafio para quem escreve a histria. Para o historiador Carr (1978),A reconstituio na mente do historiador est na dependncia da evidncia emprica. Mas no em si mesmo um processo emprico e no pode consistir de uma mera narrao de fatos. Ao contrrio, o processo de reconstituio governa a seleo e interpretao dos fatos; isto, alis, que os faz fatos histricos (p. 22).

A humanidade percorreu um longo caminho, que no est todo documentado, nos termos que o entendemos hoje (atravs de objetos diversos desde as inscries na pedra, as litografias, os pergaminhos, textos manuais e impressos, os desenhos e pinturas, at as modernas tcnicas digitais e audiovisuais). Mas a histria

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veio sendo transmitida atravs dos relatos orais, da memria dos acontecimentos, das respostas s perguntas que foram sendo feitas pelas novas geraes. a presena do narrador e sua forma de relato, os fatos que destaca e a forma como os apresenta que do a fora e o colorido sua histria. Raymond Williams (2007, p. 201) explica o significado da palavra istoria que vem do grego e tem hoje significados de grande complexidade do ponto de vista das concepes que abriga e da complexidade dos fatos que relata. Para ele, indagao e relato so os sentidos originais da palavra histria. Em seus primeiros usos, a histria era uma exposio narrativa de acontecimentos relativos aos resultados de uma indagao. Assim, se buscamos conhecer como se escreve a histria e como se produz o conhecimento histrico sobre a relao trabalho e educao no texto de Celso Suckow da Fonseca (1986), sobre a histria do ensino industrial no Brasil, chegamos discusso da historiografia, um tema no apenas de moda entre os historiadores de ofcio, mas, principalmente, de amadurecimento do campo cientfico que pensa sobre seu prprio fazer. Neste breve texto introdutrio obra pioneira de Celso Suckow da Fonseca, em um primeiro momento, discutimos o sentido de histria e historiografia na relao trabalho e educao e seus conceitos fundamentais. Focalizamos alguns aspectos da obra do autor, buscando subsdios nas referncias de anlise crtica e teoria da histria de outros historiadores, para entender como ele reconstri a histria do ensino industrial no Brasil em seu tempo.Histria e historiografia Alguns conceitos fundamentais18

A historicidade da relao trabalho e educao consiste nas mltiplas relaes que se desenvolvem no mundo do trabalho e18

Originalmente, estas reflexes constam de Ciavatta, 2001.

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da escola. A questo terico-metodolgica fundamental de sua reconstruo histrica a concepo da histria como processo, a produo social da existncia humana, e a histria como mtodo a sua representao ao nvel do pensamento (Labastida, 1983), que se constitui, secularmente, em meio a controvrsias sobre o que so os relatos, as narrativas, o discurso que se elabora sobre a vida em sociedade. A aproximao com a realidade e seu reconhecimento como um saber tem gerado diferentes lgicas de construo do conhecimento. Historicamente, os pensadores dedicaram-se a tentar explicar o que a realidade, como o ser humano acolhe e incorpora em si a realidade, como o sujeito que conhece alcana o objeto que se d a conhecer. Tantas quanto as vises de mundo e de realidade, so os caminhos delineados ou estabelecidos para se chegar verdade, para desnudar o objeto na sua interioridade, na sua natureza, no seu desenvolvimento e nas suas relaes. Em geral, na produo do conhecimento reconhecido como cientfico, aceita-se que a explicitao do mtodo e o rigor na sua aplicao conferem ao conhecimento obtido a qualidade de cientfico ou verdadeiro. No entanto, o prprio alargamento das fronteiras da cincia e das novas formas do ser humano se relacionar com o mundo tm trazido luz a complexidade do conhecimento dito verdadeiro e os mltiplos saberes de que portadora a humanidade na sua histria milenar e, em grande parte, desconhecida. Quando falamos em aproximao da realidade atravs da reconstruo histrica, duas questes preliminares esto postas: primeiro, recusamos todo dogmatismo e as concepes evolucionistas da histria; segundo, recusamos toda viso ctica e fragmentada do mundo e o relativismo como ponto de partida. Aos sistemas explicativos fechados ou funcionais, a uma viso fragmentada da realidade propomos a busca das articulaes que explicam os nexos

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e significados do real e levam construo de totalidades sociais, relativas a determinados objetos de estudo. Neste sentido, a totalidade social, reconstruda ao nvel do pensamento, no uma racionalizao ou modelo explicativo, mas um conjunto dinmico de relaes que passam, necessariamente, pela ao de sujeitos sociais. No sendo apenas uma concepo mental, o conceito de totalidade social tem um referente histrico, material, social, moral ou afetivo de acordo com as relaes, das mediaes ou os processos sociais complexos articulados, que constituem determinada totalidade. Consequentemente, as totalidades so to heterogneas e to diversificadas quanto os aspectos da realidade.19 A esta lgica de construo do objeto cientfico denominamos lgica da reconstruo histrica. Ela pretende ser uma lgica sciocultural que supere a lgica economicista, a lgica ps-moderna e outras abordagens que buscam ignorar a histria como produo econmica e cultural da existncia humana. Nesta concepo, o objeto singular visto a partir de sua gnese nos processos sociais mais amplos, o que significa compreender a histria como processo; e reconstru-lo a partir de uma determinada realidade que sempre complexa, aberta s transformaes sob a ao dos sujeitos sociais, o que significa utilizar a histria como mtodo (Labastida, op. cit.) Mas compreender a histria como processo no apenas uma questo acadmica ou cientfica, mas tambm poltica, como a prpria questo do conhecimento e da cincia (Cardoso, 1988). A histria dos povos mostra que as diferentes concepes e os diferentes relatos que constituem sua histria tm, implcita ou explicitamente, posies poltico-ideolgicas de exaltao, de defesa ou de condenao a homens, aes e acontecimentos, atos esses que no esto confinados ao passado. Isto porque os relatos no so apenas narrativas cronolgicas ou lineares, histrias objetivas ou19

A exposio detalhada do tema consta de Ciavatta, 2001.

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verses subjetivas do passado. So descries, so notcias, so informaes e explicaes que relacionam uma coisa a outra, um momento a outro, um pensar e um agir a outro. So discursos prenhes de elementos de ao que se projetam do passado para o presente e instauram formas de ser do passado no presente, em direo ao futuro (Ciavatta Franco, 1990). Na rea trabalho e educao, a produo historiogrfica restrita a alguns grandes trabalhos, livros e artigos, produtos de teses, dissertaes. Qual o papel das fontes documentais?20 Em parte, talvez, s urgncias das questes do presente que envolvem o capital e a sobre-explorao do trabalho em sociedades desiguais como a brasileira, a dvida secular do pas para com a educao bsica de toda a populao destinada aos ensinamentos da preparao para o trabalho. Em parte, talvez, carncia de recursos e de tempo para a pesquisa documental nos arquivos e seus fascinantes labirintos. Ou ainda, porque, exceo de poucos, raros so os historiadores que se dedicam ao estudo da educao e, consequentemente, estudam o trabalho em suas diversas formas e temporalidades, mas no a relao entre o mundo do trabalho e a educao ou a escola. Outra questo importante na reconstruo histrica introduzida pelo historiador Sergio Bagu (1992), ao levantar a polmica: haveria um tempo dos fsicos e dos filsofos e um tempo dos historiadores, que seria um tempo social, cultural ou subjetivo? Os historiadores no esto todos de acordo sobre a resposta a esta ques-

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Ainda est em curso nossa pesquisa sobre histria e historiografia da relao trabalho e educao e a construo de critrios de anlise das obras. A dificuldade maior est no aspecto inseparvel entre a crtica economia poltica de Marx, que baliza grande parte dos trabalhos nessa rea temtica, e a histria, como conceito fundante da concepo marxista. Neste sentido, todos so trabalhos de histria. Mas a generalidade do tratamento do tema a partir de fontes secundrias e a ausncia de fontes documentais primrias ou de poca dificulta sua classificao na historiografia. De modo preliminar e incompleto, citamos apenas alguns trabalhos que utilizam tambm fontes documentais primrias e/ou documentao arquivstica, a exemplo de Fonseca, 1986; Cunha, 2000; 2000a; 2000b; Machado, 1982; Ciavatta Franco, 1990; 1993; 2002; Manfredi, 2002; Moraes, 2003.

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to, embora muitos concordem que o tempo de que se ocupam os historiadores o dos seres humanos organizados em sociedade. A histria tradicional, factual, trabalha com a ideia de tempo na sua suposta linearidade. A ideia da uniformidade do tempo dominou largamente a histria no estabelecimento da sequncia temporal dos acontecimentos, na periodizao. Ainda hoje, esta a noo que domina a percepo imediata no tempo do senso comum, to bem apropriada pela civilizao industrial em mximas como tempo ouro, tempo dinheiro, isto , um tempo reificado que se torna coisas. A superao da concepo tradicional de um tempo absoluto, matemtico, newtoniano fundamental na localizao dos fenmenos e implica uma nova forma de periodizao. Zemelman (1987) fala no trabalho analtico aberto a novas determinaes que emergem dos fatos e permitem o reexame da teoria utilizada, que no cabem em modelos, nem tm datas e limites rgidos. Odlia (1965) alerta que periodizar no significa simplesmente datar. Periodizar , tambm, dividir a histria em termos de contedos, do resgate dos acontecimentos considerados relevantes e significativos. Uma poro de tempo no apenas uma ordenao arbitrria, uma determinada poro da histria. Em resumo, nesta breve introduo terico-metodolgica, queremos explicitar alguns critrios de anlise do trabalho de Celso Suckow da Fonseca, historiador: a documentao utilizada, a questo do tempo e da periodizao; o tratamento dos fatos e a vinculao dos aspectos educacionais aos demais fatos sociais, polticos, econmicos; a questo das classes sociais na sociedade brasileira.A historicidade da relao trabalho e educao21

As relaes, tenses, conflitos entre as mudanas conjunturais e a materialidade estrutural de uma determinada sociedade que21

Sobre este tema, ver Ciavatta, 2006.

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nos permite apreender, de forma dialtica, o sentido e a natureza das alteraes de um determinado momento histrico. A complexidade da apreenso do sentido e natureza destas mudanas se amplia quando o tecido estrutural da sociedade, em suas mltiplas dimenses, apresenta tenses e mudanas abruptas e profundas, sem, todavia, haver uma ruptura do modo de produo. Assim se apresenta a produo da existncia em sociedades profundamente desiguais como a brasileira, em um pas, secularmente, com alto nvel de sobre-explorao do trabalho (Marini, 2000), que permite aos bancos lucros inimaginveis em outros lugares (Pochmann, 2007), pas tragicamente caricaturado na imagem do ornitorrinco (Oliveira, 2003). Na histria da humanidade, o trabalho um valor intrnseco sobrevivncia, e o conhecimento que ele proporciona na relao com a natureza e com os demais um princpio de cidadania, no sentido de participao legtima nos benefcios da riqueza social. O conceito de mundo de trabalho inclui tanto as atividades materiais, produtivas, como todos os processos de criao cultural que se geram em torno da reproduo da vida (Lukcs, 1978 e 1981; Antunes, 1999; Lessa, 2002). Queremos, com isso, evocar o universo complexo que, s custas de enorme simplificao, reduzimos a uma das suas formas histricas aparentes, tais como a profisso, o produto do trabalho, as atividades laborais, fora da complexidade das relaes sociais que esto na base dessas aes. Apenas enfocando o trabalho na sua particularidade histrica, nas mediaes especficas que lhe do forma e sentido no tempo e no espao, podemos apreend-lo ou apreender o mundo do trabalho na sua historicidade, seja como atividade criadora, que anima e enobrece o homem, ou como atividade aviltante, penosa ou que aliena o ser humano de si mesmo e dos produtos de seu trabalho (Lukcs, 1978, Mszros, 1981). No contexto da produo urbana industrial, Hobsbawn (1987)

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historiciza e amplia a noo de classe trabalhadora, de um contedo meramente econmico (proprietrios e no proprietrios dos meios de produo), para suas dimenses sociais e culturais. O autor prope caracterizar a classe operria, observando as especificidades do contexto ao qual pertencem. Identifica algumas foras que contribuem para a especificao do conceito: a economia nacional, o Estado, as leis, as instituies, as prticas e a cultura de um pas. Alm disso, o pertencimento a um grupo social, poltico ou religioso pode se constituir em elemento importante desta especificao. Aponta, ainda, a existncia, dentro da classe operria, de identificaes mltiplas, no excludentes, e que variam no tempo e no espao, de acordo com o contexto histrico (pp. 79-98). E. P. Thompson (1981), atravs do conceito de experincia, concorreu largamente para uma melhor compreenso da totalidade social pertinente condio de classe. A escola tradicional, de que se ocupa a histria do ensino industrial de Celso Suckow da Fonseca, sempre pretendeu preparar as classes22 populares para o trabalho, separando os futuros dirigentes dos produtores, os que estavam destinados ao conhecimento da natureza e da produo, daqueles a quem eram entregues as tarefas de execuo. Para Gramsci, muitos sculos se passaram at que se recuperasse, pelo menos, teoricamente, a perspectiva unitria da formao do homem poltico e produtor ao mesmo tempo em que, liberado da unilateralidade e restrio de seu ofcio particular, se tornasse, de novo, o homem poltico (Manacorda, 1991, p. 112 e ss.).23 E isto somente foi possvel quando o trabalho produtivo alcanou uma dimenso intelectual, quando essa perspectiva foi se concretizando pelo desenvolvimento das foras produtivas ou seja, do conhecimento, da cincia como uma fora produtiva.22 23

Ver, entre outros, Hobsbawn, op. cit.; Thompson, 1981. Parte dessas reflexes consta de Ciavatta Franco, 1993.

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Foi a que se originou o grande sonho de uma formao completa para todos conforme queriam os utopistas do Renascimento, Comnio com seu grande sonho de regenerao social, e, principalmente, os socialistas utpicos da primeira metade do sculo XIX. De modo especial, foram Saint-Simon, Robert Owen e Fourier que levantaram o problema de uma formao completa para os produtores. Finalmente, Karl Marx extrai das prprias contradies da produo social a necessidade de uma formao cientfico-tecnolgica. O sculo XX presencia a vitria do modelo taylorista-fordista na indstria moderna, colocando o trabalhador no interior de uma produo que foi incorporando a alta cincia ao mesmo tempo em que, pela simplificao operacional do processo de trabalho, o reduz a simples operador da mquina. O parcelamento e a fragmentao da atividade fabril no lhe deixam, sequer, o conhecimento gerado em nvel dos ofcios da produo artesanal, que pode ser um conhecimento bem menos complexo, mas global. A ela ope-se uma viso do trabalho como princpio educativo, isto , de produtores omnilateralmente desenvolvidos, capazes de transformar a natureza, dominar o conhecimento do processo de trabalho e decidir sobre seu uso social (Manacorda, op. cit. p. 13). , pois, esta relao entre poltica e educao ou sociedade e educao, entre produtores e dirigentes, entre trabalho e educao ou entre trabalho e conhecimento que deve ser o eixo de compreenso do trabalho como princpio educativo, que sempre foi negada aos brasileiros pobres como bem relata Fonseca em sua obra, desde os tempos da Colnia. Mas este processo no se d apenas na escola, nem, basicamente, na escola. A escola somente uma de suas mediaes. nas relaes imediatas do trabalho produtivo e nas relaes mediatas da poltica que ocorrem os embates entre o capital e o trabalho e o fazer-se trabalhador (Thompson, 1979). Quer nos parecer

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que esse o locus mais visvel da educao pelo trabalho, seja no sentido tcnico e tecnolgico, seja no sentido poltico, como movimento que oscila nas duas direes: quer como educao pelo trabalho na sua negatividade, enquanto submisso e expropriao do trabalho, como na sua positividade, enquanto espao de luta, conhecimento e transformao das mesmas condies. O que se observa, pelo livro de Fonseca, mesmo assumindo o trabalho no seu sentido liberal de atividade produtiva, que o pas nunca teve um projeto de formao manual e intelectual para a populao. Houve iniciativas isoladas que no progrediram ou foram abortadas no mbito da poltica e da economia. medida que a escola adquire a finalidade de preparar para as exigncias da produo capitalista, ela assume, tambm, as exigncias da ordem social desenvolvida nos processos de trabalho, tais como disciplina, exatido, submisso fsica, tcnica e moral, cumprimento estrito dos deveres, pontualidade, conteno corporal e afetiva.A histria escrita por Celso Suckow da Fonseca24

Ao tentar compreender a histria escrita por Celso Suckow da Fonseca, nossa primeira preocupao foi conhecer seu tempo conforme apresentamos nos captulos II e III deste trabalho. Fonseca parte de um tempo em que um grupo pioneiro de engenheiros, como Francisco Montojos, Joo Luderitz, talo Bologna, Roberto Mange, atuando junto s estradas de ferro, s indstrias e s escolas profissionais e tcnicas, viam a preparao de mo de obra qualificada para a indstria como uma questo prioritria do ponto de vista econmico e educacional. O quadro poltico-econmico principal de sua atuao, em um primeiro momento, a industrializao do eixo So Paulo-Rio de Janeiro, promovida pelo governo Vargas, primeiro, durante o go24

Parte desta seo tem por base o verbete que redigimos para o Dicionrio de educadores no Brasil (CIAVATTA e GONTIJO, 1999).

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verno provisrio iniciado com a Revoluo de 1930 e, depois, com a ditadura do Estado Novo e a insero do Brasil na Segunda Guerra Mundial. Um segundo momento sem que este ramo do ensino sofra soluo de continuidade, ao contrrio, adaptando-se e expandindo-se de acordo com as poltica governamentais o da poltica de desenvolvimento econmico do governo Kubitscheck e a expanso capitalista, intensificada pela internacionalizao da economia, iniciada com a ditadura militar a partir de 1964. A obra desses engenheiros e educadores, ativos e construtores de uma nacionalidade que se pretendia racional, civilizada e industrial, convive com a ambiguidade de uma cultura tcnica supostamente neutra, isenta de elementos poltico-ideolgicos. Integra-se ruptura havida do sistema democrtico representativo e ao privilegiamento das polticas de preparao de mo de obra para a indstria, a agroindstria, a cincia e a tecnologia, tendo o autoritarismo e a represso poltica como pano de fundo para toda a sociedade. No obstante o interesse de suas iniciativas para os fins a que se destinavam, a necessria preparao de mo de obra, sua poltica passa ao largo das necessidades educativas da grande massa de trabalhadores analfabetos, do baixo nvel de escolaridade da populao e de suas condies de vida e de trabalho. No esto em discusso o trabalho e os trabalhadores como parte da sociedade capitalista prevalece a contradio entre as necessidades de reproduo e acumulao do capital, pela extrao de um excedente do tempo de trabalho do trabalhador, apropriado pelo empregador. Predomina a ideologia varguista do valor supremo do trabalho, da ordem e da disciplina como caminhos para o progresso do trabalho e da educao como temas de salvao nacional (Ciavatta Franco e Simon, 1987). Fonseca teria sido um liberal progressista mas, sobretudo, um humanista. No se ocupa de anlises crticas, econmico-sociais

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marxistas. Preocupado em estabelecer relaes entre a aprendizagem de ofcios e os processos de educao, mais especificamente, entre o ensino industrial e tcnico e o ensino intelectual, ele descreve e critica os processos discriminadores da formao da sociedade brasileira, as diferenas de classe e de etnia, o desprezo pelo trabalho manual e sua destinao aos escravos, aos negros e aos pobres. Reitera a crtica s restries de acesso aos melhores valores da educao e a antiga filosofia que mantm a mesma mentalidade, o mesmo pensamento de destinar aquele ramo de ensino aos humildes, aos pobres, aos desvalidos (1986, 1 vol., cap. V, p. 11). Como historiador, ele sbrio no julgamento dos acontecimentos, mas no deixa de registrar a permanncia das desigualdades sociais e suas consequncias na sociedade de classes de ricos e de pobres. Revela sua utopia sobre a importncia da educao industrial, sua influncia para a harmonia social do Pas, a miscigenao das classes, o equilbrio das massas e uma melhor compreenso na sociedade. Defende no somente a instruo profissional mas a educao no seu sentido mais amplo, como elemento de aproximao entre as classes e as recomenda aos governos verdadeiramente democrticos. Essas ideias no esto presentes como simples preceitos morais, mas como resultantes de anlises contextualizadas dos fatos relatados, de sua permanente preocupao sobre a relao entre as questes econmicas, o trabalho e sua viso humanista da formao para o trabalho. Embora no teorize sobre conceitos e metodologias, seu texto revela uma extrema acuidade no uso dos termos, na organizao do tempo e dos acontecimentos. Fonseca anuncia no incio de seu texto que busca narrar a histria do ensino industrial de maneira metdica e de acordo com a documentao existente (op. cit., 1 vol., pp. 7 e 8). Temos escassas informaes sobre essa documentao. Mas ela se evidencia pela cronologia detalhada que acompanha cada captulo do livro e pela bibliografia no final do ltimo volume da obra.

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Sendo ele prprio um dos atores mais importantes desse processo, estando no centro dos acontecimentos na sua fase mais dinmica, a partir dos anos 1930, o autor revela notvel domnio das informaes, expondo sua viso dos fatos de forma direta e clara. Como explica (ibid.), o trabalho produto de uma pesquisa de mais de dez anos, exatamente, 17 anos segundo sua esposa,25 aps um sem nmero de consultas Biblioteca Nacional, ex-Biblioteca Municipal, ao Arquivo Nacional, Biblioteca da Cmara dos Deputados, a Ministrios, extinta Cmara dos Vereadores do antigo Distrito Federal, assim como s Cmaras, Secretarias de Educao, autoridades educacionais civis e militares dos estados, visitas s escolas, cartas de pedidos de esclarecimentos, entrevistas com antigos professores e dirigentes, leitura de relatrios e de material bibliogrfico. Alm de cuidadosa cronologia ao fim de cada captulo, a obra traz, em anexo, a transcrio de muitas leis, decretos, regulamentos, regimentos, instrues e grficos com dados estatsticos (ibid.). Dada a ausncia de indicaes textuais sobre as bases tericas de sua historiografia, nos ateremos a algumas hipteses de trabalho26. Seu texto pode ser situado dentro do paradigma da histria tradicional, segundo o qual a histria diz respeito, essencialmente, poltica; uma narrativa de acontecimentos; oferece uma viso de cima, concentrada na ao dos grandes homens; est baseado em documentos, entendidos como registros oficiais, emanados do governo e preservados em arquivos. Teria por base um modelo de explicao causal; objetiva, sendo a tarefa do historiador apre25

O retorno aos arquivos de instituies s quais ele pertenceu e a entrevista com seu filho, o Eng. Lus Carlos Bulhes Carvalho da Fonseca (Fonseca, 2007) no nos permitiu obter mais informaes sobre a documentao por ele utilizada e um livro sobre Ensino Tcnico Comparado que Celso no chegou a ver publicado (Ortigo, 1967, p. 41). A famlia mudou-se de casa aps sua morte (1966) e os filhos no sabem informar sobre o que foi feito de sua biblioteca. Segundo o entrevistado (op. cit.), ele no levava os problemas profissionais para casa. Apenas uma informao importante recolhemos do livro escrito por Emi Bulhes Carvalho da Fonseca, sua esposa, j falecida: a de que Celso Suckow trabalhou por dezessete anos na elaborao do livro que ela chama de A Histria das Indstrias (Fonseca, 1968, p. 37).

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sentar aos leitores os fatos, dizer como eles realmente aconteceram (Burke, 1992, pp. 7-37). Uma vertente possvel de seu pensamento o iluminismo do sculo XVIII. A eroso da autoridade religiosa havia criado a necessidade de uma nova explicao dos fatos sociais, e o progresso das cincias naturais, em particular com a obra de Isaac Newton no sculo XVII, indicava a possibilidade de se chegar a essa explicao usando os mtodos da cincia.(Bottomore, 1988, p. 118). Adam Smith (1723-1790), importante clssico do liberalismo, que postula o conceito de economia como uma esfera autnoma, autorregulada, designada pela expresso sociedade civil (no sentido econmico), percebeu a importncia crucial da Revoluo Industrial. A diviso do trabalho na produo industrial tornava possvel um crescimento sem precedentes da produo e da produtividade. Seu pensamento situava-se no nascente liberalismo segundo o qual necessrio deixar que as pessoas atuem de acordo com seus interesses sem restries de natureza poltica (op. cit., p. 119). Sem negar a existncia da competio e da rivalidade motivadas pelo egosmo irrestrito dos homens em uma economia de mercado, os economistas liberais afirmavam que essas relaes de competio eram benficas tanto para os indivduos quanto para a sociedade como um todo, o que Smith vai defende na sua obra clssica do liberalismo, A riqueza das naes, publicada em 1776. O mercado agiria, segundo Adam Smith, como uma mo invisvel, canalizando as motivaes egostas e interesseiras dos homens para atividades mutuamente complementares, que promoveriam de forma harmoniosa o bem--estar de toda a sociedade (Hunt e Sherman, 1990, p. 61).

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No plano da interpretao da realidade, um autor muito conceituado no tempo de Celso Suckow da Fonseca foi o filsofo francs Augusto Comte (1798-1857),27 que teria declarado a influncia de seu predecessor (assim a ele se refere), Condorcet (17431794), em sua obra Esboo de um quadro histrico dos progressos do esprito humano na qual est presente a ideia de que o progresso uma lei da histria da humanidade que, na medida em que adquire mais conhecimentos, em que aperfeioa seus meios tcnicos, adquire tambm mais riquezas, mais felicidade e mais segurana.. Tambm aparece a ideia da crena na eficcia das cincias da natureza e de uma possvel cincia da sociedade(Simon, 1986, p. 65).Do ponto de vista das relaes sociais, todas as relaes sociais se estabelecem, pouco a pouco, sobre bases industriais e a atividade da produo torna-se o nico e permanente objetivo. essa idade instaurada pelo positivismo, idade pacfica e industrial idade em que a cincia, com a descoberta das leis naturais se empenha em realizar a total submisso da natureza ao homem: saber para prever, prever para poder. (ibid., p. 69).

No pensamento positivista, sujeito e objeto, so tomados como duas entidades diferentes e, por natureza, intrinsicamente separadas (ibid., p. 74). O que coerente com a aparente ausncia de protagonismo do autor em fatos dos quais ele foi um participante insigne pela sua posio de diretor da Escola Tcnica Nacional e pela sua relao estreita com a definio das polticas junto ao Ministrio da Educao. Sua obra expressa uma teoria da cincia positiva que prescinde de colocar a pergunta pelo sujeito que conhece, uma vez que os sujeitos, que atuam de acordo com tais regras, perdem seu senti27

Embora Celso Suckow da Fonseca tenha visitado mais de uma vez os Estados Unidos, ele no menciona os tericos americanos (CIAVATTA e GONTIJO, 1999, p. 135). Nos 53 ttulos da bibliografia (FONSECA, 1986, v. 5, pp. 317-319), h apenas trs ttulos em ingls, sobre vocational education e dois em francs, sobre travail, travailleurs, lenseignement technique. Os demais so de autores nacionais: catorze relativos aos ofcios, ao ensino profissional, industrial e tcnico e seis relativos histria (econmica, social, da educao e outras). No conjunto, so autores liberais ou conservadores, alm dos pioneiros da educao Fernando de Azevedo e Loureno Filho.

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do para uma explicao que se limita metodologia. Nesse sentido, o sujeito que conhece irrelevante para a elucidao imanente do processo cognitivo (ibid., p. 75). Ao nos voltarmos para os historiadores da poca (dos anos 1920 dcada de 1950), buscamos subsdios de compreenso de seu trabalho em dois importantes historiadores, Jos Honrio Rodrigues (5. ed., 1978) que trata da teoria da histria do Brasil e Jos Gabriel de Lemos Brito (3. ed., 1980), estudioso da histria econmica do Brasil, citado por Fonseca em sua bibliografia. Lemos Brito28 tem como referncia Tocqueville, para quem para compreender o presente preciso estudar o passado. s datas ele d uma importncia relativa. A questo das datas pequeno interesse desperta nos estudo desse feitio, a no ser aquelas que assinalam as grandes linhas divisrias entre pocas e reformas capitais (op. cit., pp. XVII e XVIII). Apenas nos prefcios das trs edies ele se ocupa de algumas poucas questes metodolgicas. Como Fonseca, o texto que trata da histria da Colnia, tem um sumrio inicial dos assuntos tratados e comea diretamente com o tema que objeto do captulo. O que, para ns outros que escrevemos a histria sob a luz da moderna orientao, tem uma importncia capital a observao dos fatos desdobrados no Brasil, com especialidade no perodo colonial, e dos que por essa poca, e ao curso dos sculos precedentes, se desdobraram na metrpole. a articulao de uns fatos a outros, como de uns fios a outros, que permite as explicaes do pesquisador, de modo a no deixar dvidas quanto naturalidade dos fenmenos econmicos verificados no Brasil (p. XVII).

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Lemos Brito (1907-1963) foi contemporneo de Fonseca. Seus livros e escritos tratam, principalmente, sobre questes de histria, poltica e direito. O livro em questo era parte do projeto de histria da civilizao de Pedro Calmon. Alm de historiador, Lemos Brito atuou na imprensa e no magistrio como professor de direito na Universidade Federal do Rio de Janeiro. Este livro foi publicado, pela primeira vez, em 1923; a 2 edio de 1938; a 3 edio foi publicada pelo Inep em 1980.

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Preocupa-se em escrever claro para que o povo o entenda. No promio da 2. edio diz: O povo, isto , as classes que constituem a massa operante e ativa da sociedade econmica, refratrio, seno hostil, s sutilezas e s mincias. O que ele quer, o que ele entende, o que ele compreende e assimila so os planos gerais, as leis gerais, os fenmenos no seu conjunto (p. XVIII). Sem declarar a mesma inteno, Fonseca tambm um autor claro e direto nas afirmaes, e tem o povo brasileiro e sua situao de inferioridade social muito presentes em suas anlises. Estudando a escrita da histria e o ofcio de historiador atravs das cartas de Capistrano de Abreu, Gontijo (2006) observa queNo Brasil, no incio do sculo XX prevalecia o ideal de uma obra de conjunto: uma histria geral da nao plena de sentido, uma sntese a ser escrita em um ou muitos volumes. Essa obra deveria ser sustentada por fontes fidedignas, cuidadosamente reunidas, de modo a possibilitar o acesso verdade. Sendo assim, qualquer observao acerca da relatividade dos testemunhos histricos ou a respeito dos conceitos ou referenciais tericos que guiavam o historiador podia causar espanto (p. 11).

Jos Honrio Rodrigues (1913-1987)29 tem uma obra extensa publicada no Brasil e no exterior. O livro em questo trata, especificamente, sobre teoria da histria. Dada a natureza deste texto, nossas referncias sero muito sumrias, tendo em vista a ampla e significativa obra do autor. Tambm no podemos fazer ilaes diretas entre a histria de Fonseca e a teoria de Rodrigues, mas um autor de seu tempo que pode no lhe ter passado despercebido.29

O livro de Jos Honrio Rodrigues fruto dos estudos desenvolvidos nos Estados Unidos com uma bolsa da Fundao Rockefeller, e de seu contato permanente com os estudos na Europa. Um de seus objetivos era estudar a crtica histrica e a metodologia da histria que, na atividade de professor do Instituto Rio Branco, ele desenvolveu para a historiografia brasileira. Portanto, o valor de uma exposio do mtodo histrico aplicado ao Brasil torna-se evidente, pelo simples fato de que nada existe sobre a matria na historiografia de lngua portuguesa. (RODRIGUE