Celeiro

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N ão, elas não querem crescer, inaugurar fi- liais, ampliar a margem de lucro. Também não estão interessadas em abrir as portas para clientes famintos no jantar, ou em abocanhar o gordo filão do almoço de domingo. O horário de funcionamento é de segunda a sábado, das 11h às 17h. E ponto. Há 28 anos, Rosa Lacombe Herz e suas filhas, Lucia e Bia, tocam a cozinha do Celeiro, uma diminuta casinha de madeira de pinho canaden- se, incrustada no quarteirão mais cobiçado do Rio de Janeiro: o número 199 da rua Dias Ferreira, no Leblon. Casinha essa que vive apinhada de globais como Malu Mader e Fernanda Torres, de homens e mulheres de negócios a exemplo de Armínio Fraga, e de descolados em geral. Todos em busca de uma receita que mais pa- rece a da vovó: saladas bem fresquinhas, como se tives- sem vindo de um sítio ali na esquina. A fila que se forma todo santo dia na porta do Celeiro atrai, além da clientela, um sem-número de empresários de olho na criação de estabelecimentos que reproduzam o sucesso do restaurante. Em vão. O trio faz questão de manter a exclusividade do negócio, pioneiro na venda de saladas por quilo em território carioca. Muito mais do que uma opção, para elas ser único é a garantia do alto padrão de qualidade tão prezado pela exigente freguesia que tem fome de receitas à base de folhas orgânicas, grãos germinados, ovos caipiras. Cliente das antigas, a atriz Carolina Ferraz foi a que esteve mais perto de abrir um segundo Celeiro, em São Paulo. “Chegamos a ver potenciais endereços, mas na hora ‘H’ desistimos. Precisávamos de alguém para ficar lá full time. Eu e minha irmã não iríamos sair do Rio e a car- reira da Carolina estava a mil, ela também não teria tem- Pioneiro na venda de saladas orgânicas por quilo e no quarteirão mais cobiçado da rua Dias Ferreira, o restaurante atrai clientes famosos, poderosos e descolados. E só funciona na hora do almoço. 30 PODER JOYCE PASCOWITCH PODER JOYCE PASCOWITCH 31 PRATO DO DIA Conheça a receita do sucesso das três mulheres que pilotam o restaurante Celeiro, no Rio de Janeiro – um cantinho do Leblon que vive abarrotado graças ao velho lema “menos é mais” por joana dale fotos daryan dornelles RÚCULA DE GRIFE

Transcript of Celeiro

N ão, elas não querem crescer, inaugurar fi-liais, ampliar a margem de lucro. Também não estão interessadas em abrir as portas para clientes famintos no jantar, ou em

abocanhar o gordo filão do almoço de domingo. O horário de funcionamento é de segunda a sábado, das 11h às 17h. E ponto. Há 28 anos, Rosa Lacombe Herz e suas filhas, Lucia e Bia, tocam a cozinha do Celeiro, uma diminuta casinha de madeira de pinho canaden-se, incrustada no quarteirão mais cobiçado do Rio de Janeiro: o número 199 da rua Dias Ferreira, no Leblon. Casinha essa que vive apinhada de globais como Malu Mader e Fernanda Torres, de homens e mulheres de negócios a exemplo de Armínio Fraga, e de descolados em geral. Todos em busca de uma receita que mais pa-rece a da vovó: saladas bem fresquinhas, como se tives-sem vindo de um sítio ali na esquina.

A fila que se forma todo santo dia na porta do Celeiro atrai, além da clientela, um sem-número de empresários de olho na criação de estabelecimentos que reproduzam o sucesso do restaurante. Em vão. O trio faz questão de manter a exclusividade do negócio, pioneiro na venda de saladas por quilo em território carioca. Muito mais do que uma opção, para elas ser único é a garantia do alto padrão de qualidade tão prezado pela exigente freguesia que tem fome de receitas à base de folhas orgânicas, grãos germinados, ovos caipiras.

Cliente das antigas, a atriz Carolina Ferraz foi a que esteve mais perto de abrir um segundo Celeiro, em São Paulo. “Chegamos a ver potenciais endereços, mas na hora ‘H’ desistimos. Precisávamos de alguém para ficar lá full time. Eu e minha irmã não iríamos sair do Rio e a car-reira da Carolina estava a mil, ela também não teria tem-

Pioneiro na venda de saladas orgânicas por quilo e no quarteirão mais cobiçado da rua Dias Ferreira, o restaurante atrai clientes famosos, poderosos e descolados. E só funciona na hora do almoço.

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Prato do dia

Conheça a receita do sucesso das três mulheres que pilotam o restaurante Celeiro, no Rio de

Janeiro – um cantinho do Leblon que vive abarrotado graças ao velho lema “menos é mais”

p o r jo ana dal e fo t o s dar yan do r nelles

RúCuLa de gRife

são 40 opções de saLadas e uma dupLa

de pRatos queNtes veNdidos a R$ 87,60

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sil, gastar gasolina, emitir uma quantidade excessiva de gás carbônico, para chegar aqui com uma rúcula amare-la. Sítios próximos dão a possibilidade de a banana ama-durecer no pé. E nós temos esse cuidado”, explica Lucia, psicóloga por formação e restaurateur por adoração.

Nessas quase três décadas de funcionamento, foram tantos os “causos” que saíram daquelas mesas que Bia planeja escrever um livro de memórias do Celeiro. Será o terceiro, já que o trio produziu outras duas obras com suas receitas: Saladas: Celeiro (Nova Fronteira) e Celeiro: Culinária (Senac). Um capítulo que já tem espaço re-servado no futuro livro é o dos “bebês-Celeiro”, como as donas carinhosamente apelidam os filhos de clientes que elas conhecem desde a barriga da mãe. Foi assim, por exemplo, com Vicente, o filho mais velho da artista plás-tica Maria Klabin e do cineasta Walter Salles. Já grandi-

po”, conta Bia, a responsável pela área administrativa, que desce do escritório para orquestrar o movimento da casa quando dona Rosa ou Lucia não estão no restaurante por algum motivo. Os olhos das proprietárias são onipresen-tes. “Imagina um Celeiro sem nós por perto? Mesmo com uma na cozinha e outra no salão, às vezes, as coisas desan-dam”, revela Lucia.

O pulso firme para tocar o negócio começa por dona Rosa, sempre a primeira a chegar ao Celeiro, às 6h30 em ponto, para abrir a casa e receber fornecedores. Aparen-temente, ela passa a impressão de uma senhorinha muito simpática com todo mundo. Mas ai do entregador que vier com um caixote de rúcula murcha a tiracolo. O sujeito terá que dar meia-volta e retornar com produtos frescos. Cria-

da na fazenda da avó em Itatiaia, município do Estado do Rio de Janeiro, ela aprendeu cedo a apreciar (e respeitar) a natureza. “Trabalhamos apenas com produtos sazonais. Não aguento quando alguém me diz que quer comer bró-colis em janeiro!”.

As filhas aprenderam a lição na cozinha da casa da famí-lia. Lucia diz, com orgulho, que pelo menos 50% do bufê é composto de produtos orgânicos, muito antes de eles se tornarem coqueluche. Por dia, são 40 opções de saladas e uma dupla de pratos quentes vendidos a R$ 87,60, o quilo. O preço salgado – dizem que é a folha de alface mais cara da cidade – é justificado pela qualidade do conjunto da obra. “Os nossos fornecedores são de sítios o mais próximo pos-sível do Rio. Não faz sentido o caminhão atravessar o Bra-

O lugar não abre aos domingos. As proprietárias consideram o dia de folga fundamental para manter a qualidade de vida: delas e dos seus 33 funcionários

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Prato do dia Dona Rosa, à frente das filhas, Bia (à esq.) e Lucia: o trio toca

pessoalmente a cozinha e o salão

nho, ele vive lá com a mãe e é paparicado por todo o staff da casa. Muitos comem a primeira rúcula no restaurante, e sem espernear. “As crianças que vêm desde muito pe-quenas se servem de salada ou pedem uma sopinha de espinafre naturalmente”, conta Bia. Depois do almoço, os bolinhos e outras delícias caseiras arrumados do outro lado do balcão costumam encher os olhos dos pequenos (e dos marmanjos também, claro).

Em tempos de gastronomia molecular, fumaça disso e espuma daquilo, a preservação do sabor natural dos ali-mentos, cozinhados o mínimo possível, é o carro-chefe da cozinha do restaurante. “Não queremos camuflar o sabor. Pelo contrário: essa simplicidade é o nosso segre-do. Lembra a infância. É um pouco comfort food”, revela Lucia. Se vai uma, duas ou três vezes por semana, o cirur-gião plástico Paulo Müller não cansa de repetir o tempe-ro. “Mas agora tenho que ir para almoçar muito cedo ou muito tarde, pois se chegar às 13h, a fila é impossível. É impressionante como um restaurante de 28 anos de ida-de está mais na moda do que nunca”, avalia.

Sábado, todavia, é o dia mais frenético, quando rodam em média 300 pessoas pelas 60 cadeiras divididas entre o salão com ar-condicionado e a calçada de pedrinhas portuguesas. E o domingo, enfim, é folga coletiva para os 33 funcionários e as três proprietárias. “Não abrir aos do-mingos faz parte da qualidade de vida que prezamos. Te-mos filhos e família assim como os nossos funcionários. Não importa só o negócio, temos de respeitar também a nossa felicidade”, ressalta Lucia.

Tudo começou com um famoso bolinho de cenoura. Nos idos dos anos 80, as irmãs Herz vendiam o quitu-te na praia de São Conrado. Fazia tanto sucesso entre a juventude dourada que elas resolveram profissionalizar a venda. O local escolhido foi a rua Dias Ferreira, em uma portinha entre uma casa de chá e uma sorveteria. “Tínhamos um balcão com cinco opções de saladas e os bolinhos. No começo foi difícil. As pessoas não ‘en-tendiam’ beterraba, pepino com iogurte”, lembra dona Rosa, que demorou mais de uma década para incluir os refrigerantes no cardápio de bebidas, mas acabou cedendo. Em poucos anos, elas compraram os dois es-

tabelecimentos vizinhos para ampliar o Celeiro e dar a forma que a casa tem hoje.

Vale ressaltar que a escolha do endereço, então alea-tória, foi bem antes de a rua se transformar no badalo que é hoje – o Celeiro divide a calçada com outros con-corridíssimos restaurantes da cidade, como Sushi Le-blon, Zuka, Quadrucci e Carlota, e com lojinhas das gri-fes Isabela Capeto e Adriana Barra e o ateliê da designer de joias Julia Monteiro de Carvalho. Aliás, não é exagero dizer que a carteira de clientes chiques e famosos de dona Rosa e suas filhas é em grande parte responsável pela fama que a Dias Ferreira ganhou nos últimos anos.

“Não queRemos CamufLaR o saboR.

peLo CoNtRáRio: essa simpLiCidade

é o Nosso segRedo. LembRa a iNfâNCia”,

ReveLa LuCia

Houve apenas uma única vez em que a matriarca pen-sou em ampliar seus domínios. Foi quando paquerou o casarão em frente ao Celeiro – que, anos depois, acabou virando um edifício moderníssimo onde fica a Gávea Investimentos, de seu assíduo cliente Armínio Fraga. “Sonhei em crescer o restaurante e transferi-lo para lá, já que tinha um jardim muito grande”, confessa. E logo desistiu da ideia: “A gente tem que se guardar em um ta-manho que possa administrar sem muitos tropeços. E ainda tem de ter tempo para ler, estudar... Temos de pre-servar certos valores, senão um lado da vida fica caren-te”. Taí a fórmula de dona Rosa, testada e aprovada. n

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Prato do dia

Sábado, em média, 300 pessoas almoçam no pequeno restaurante, que tem 60 cadeiras divididas entre o salão com ar-condionado e a calçada de pedrinhas portuguesas