Celebração do Matrimônio

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A Celebração do Matrimónio cristão: da Liturgia à Teologia. – A perspectiva do Catecismo da Igreja Católica O CatIC inclui o Matrimónio entre os «Sacramentos ao serviço da Comunhão» (II Secção, cap. III, artigo 7, números 1601-1666 ). O sacramento do matrimónio é assim definido, no resumo final do artigo 7: «Sinal da união de Cristo e da Igreja. Confere aos esposos a graça de se amarem com o amor com que Cristo amou a sua Igreja; a graça do sacramento aperfeiçoa assim o amor humano dos esposos, dá firmeza à sua unidade indissolúvel e santifica-os no caminho da vida eterna» (CatIC 1661). O CatIC começa por afirmar a sacramentalidade do Matrimónio, reproduzindo o CIC, can. 1055, §1). Sabemos, pela História, que o Matrimónio só é assumido e reconhecido pela Igreja como Sacramento, entre os sete sacramentos, no Concílio de Trento (1545-1563). Na Igreja primitiva, mantém-se o apelo a viver santamente o matrimónio e a Igreja insiste que ele seja vivido «no Senhor», sobretudo pelo testemunho de fidelidade eterna. Os esposos recebem uma «bênção». No séc. IV Santo Agostinho olha para o casamento numa perspectiva algo pessimista, vendo-o como uma espécie de remédio para a concupiscência. No decurso da Baixa Idade Média, o enfraquecimento do poder civil conduz progressivamente a autoridade eclesiástica a garantir o controlo social das uniões matrimoniais. O casamento torna-se mais um contrato jurídico do que uma aliança. O Concílio de Trento define o matrimónio como sacramento. A questão do contrato ganha relevância, aprofundando-se as condições jurídicas para que ele seja válido. O Concílio Vaticano II acentua a perspectiva mais personalista e bíblica do matrimónio, insistindo na ideia de «aliança». Não é de estranhar que o Cat.Ig. faça um percurso bíblico, para situar o matrimónio no desígnio de Deus. I. O matrimónio no desígnio de Deus: «A S.E. começa pela criação do homem e da mulher, à imagem e semelhança de Deus (Gn 1, 26-27), e acaba pela visão das “núpcias do Cordeiro” (Ap 1, 7.9). Do princípio ao fim, a Escritura fala do matrimónio e do seu «mistério», da sua instituição e do sentido que Deus lhe deu, da sua origem e da sua finalidade, das suas diversas realizações ao longo da história da salvação, das dificuldades nascidas do pecado e da sua renovação “no Senhor” (1 Co 7, 39), na nova Aliança de Cristo e da Igreja (Ef 5, 31-32)» (CatIC 1602). Sucessivamente apresenta-se o matrimónio na ordem da criação, sob o regime do pecado, sob a pedagogia da Lei e, finalmente, contraído «no Senhor». 1. Na ordem da Criação (1603) Gén.1,26-28 (versão sacerdotal séc. VI) Disse Deus: Façamos o Homem à nossa imagem e semelhança. Domine sobre os peixes do mar, sobre as aves do céu, sobre os animais domésticos e sobre todos os répteis que rastejam pela terra. Deus criou o ser humano à sua imagem, criou-o à imagem de Deus; Ele o criou homem e mulher. Deus abençoou-os dizendo: Crescei e multiplicai-vos, enchei e dominai a terra. Dominai sobre os peixes do mar, sobre

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A Celebração do Matrimónio cristão: da Liturgia à Teologia. – A perspectiva do Catecismo da Igreja Católica

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A Celebração do Matrimónio cristão: da Liturgia à Teologia. – A perspectiva do Catecismo da Igreja Católica O CatIC inclui o Matrimónio entre os «Sacramentos ao serviço da Comunhão» (II Secção, cap. III, artigo 7, números 1601-1666 ). O sacramento do matrimónio é assim definido, no resumo final do artigo 7: «Sinal da união de Cristo e da Igreja. Confere aos esposos a graça de se amarem com o amor com que Cristo amou a sua Igreja; a graça do sacramento aperfeiçoa assim o amor humano dos esposos, dá firmeza à sua unidade indissolúvel e santifica-os no caminho da vida eterna» (CatIC 1661). O CatIC começa por afirmar a sacramentalidade do Matrimónio, reproduzindo o CIC, can. 1055, §1). Sabemos, pela História, que o Matrimónio só é assumido e reconhecido pela Igreja como Sacramento, entre os sete sacramentos, no Concílio de Trento (1545-1563). Na Igreja primitiva, mantém-se o apelo a viver santamente o matrimónio e a Igreja insiste que ele seja vivido «no Senhor», sobretudo pelo testemunho de fidelidade eterna. Os esposos recebem uma «bênção». No séc. IV Santo Agostinho olha para o casamento numa perspectiva algo pessimista, vendo-o como uma espécie de remédio para a concupiscência. No decurso da Baixa Idade Média, o enfraquecimento do poder civil conduz progressivamente a autoridade eclesiástica a garantir o controlo social das uniões matrimoniais. O casamento torna-se mais um contrato jurídico do que uma aliança. O Concílio de Trento define o matrimónio como sacramento. A questão do contrato ganha relevância, aprofundando-se as condições jurídicas para que ele seja válido. O Concílio Vaticano II acentua a perspectiva mais personalista e bíblica do matrimónio, insistindo na ideia de «aliança». Não é de estranhar que o Cat.Ig. faça um percurso bíblico, para situar o matrimónio no desígnio de Deus. I. O matrimónio no desígnio de Deus: «A S.E. começa pela criação do homem e da mulher, à imagem e semelhança de Deus (Gn 1, 26-27), e acaba pela visão das “núpcias do Cordeiro” (Ap 1, 7.9). Do princípio ao fim, a Escritura fala do matrimónio e do seu «mistério», da sua instituição e do sentido que Deus lhe deu, da sua origem e da sua finalidade, das suas diversas realizações ao longo da história da salvação, das dificuldades nascidas do pecado e da sua renovação “no Senhor” (1 Co 7, 39), na nova Aliança de Cristo e da Igreja (Ef 5, 31-32)» (CatIC 1602). Sucessivamente apresenta-se o matrimónio na ordem da criação, sob o regime do pecado, sob a pedagogia da Lei e, finalmente, contraído «no Senhor». 1. Na ordem da Criação (1603) Gén.1,26-28 (versão sacerdotal séc. VI) Disse Deus: Façamos o Homem à nossa imagem e semelhança. Domine sobre os peixes do mar, sobre as aves do céu, sobre os animais domésticos e sobre todos os répteis que rastejam pela terra. Deus criou o ser humano à sua imagem, criou-o à imagem de Deus; Ele o criou homem e mulher. Deus abençoou-os dizendo: Crescei e multiplicai-vos, enchei e dominai a terra. Dominai sobre os peixes do mar, sobre

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as aves do céu e sobre todos os animais que se movem na terra. Deus viu tudo o que tinha feito: era tudo muito bom. Gén. 2, 7.18.22-24 (versão javista, séc. X) Então o Senhor Deus formou o homem do pó da terra e insuflou-lhe pelas narinas o sopro de vida e o homem transformou-se num ser vivente. Disse o Senhor Deus: «Não é bom que o homem esteja só. Vou dar-lhe uma auxiliar semelhante a ele». Então o Senhor Deus, depois de ter formado da terra todos os animais do campo e todas as aves do céu, conduzi-os até junto do homem para ver como ele os chamaria, a fim de que todos os seres vivos fossem conhecidos pelo nome que o homem lhe desse. O homem chamou pelos seus nomes todos os animais domésticos, todas as aves do céu e todos os animais do campo. Mas não encontrou uma auxiliar semelhante a ele. Então o Senhor deus fez descer sobre o homem um sono profundo e, enquanto ele dormia, tirou-lhe uma costela, fazendo crescer a carne em seu lugar. Da costela do homem, o Senhor Deus formou a mulher e apresentou-a ao homem. Ao vê-la o homem exclamou: Esta é realmente osso dos meus ossos e carne da minha carne. Chamar-se-á «mulher», porque foi tirada do homem. Por isso o homem deixará pai e mãe para se unir à sua esposa e os dois serão uma só carne. Deus Criador é o autor do matrimónio (GS 48 § 1); a vocação para o Matrimónio está inscrita na própria natureza: não se trata de uma mera instituição humana ou cultural. (CatIC 1603). A vocação ao amor é fundamental e inata em todo o ser humano. Deriva da peculiaridade do «ser» do homem, à imagem e semelhança de Deus que é Amor (1 Jo 4, 8.16) e que por amor o criou. «Tendo-os Deus criado homem e mulher, o amor mútuo dos dois torna-se imagem do amor absoluto e indefectivel com que Deus ama o homem. É bom, muito bom aos olhos do Criador…» E recebe de Deus uma bênção e uma missão (CatIC 1604). No n. 1605 o CatIC explicita a teologia do 2º relato genesíaco da criação, sublinhando a igualdade, reciprocidade, complementaridade dos esposos e o carácter indefectivel da sua unidade. 2. Sob o signo do pecado: (1606-1609) O pecado introduziu a desordem também no matrimónio. A desordem que experimentamos nas relações do homem com a mulher não derivam nem da natureza do homem e da mulher, nem da natureza das suas relações, mas exclusivamente do pecado. No entanto a ordem da Criação subsiste e, portanto, embora ofuscada a sacramentalidade natural do matrimónio não foi cancelada. Para curar as feridas do pecado, o homem e a mulher têm necessidade da graça de Deus. Com esta ajuda, poderão realizar a união das suas vidas, segundo o desígnio originário de Deus Criador. (CatIC 1606-1609). 3. Sob a pedagogia da Lei (1609-1611) Deus jamais abandonou o homem pecador. O matrimónio é, inclusive, uma das ajudas dadas à humanidade pecadora para a ajudar a sair do encerramento egoístico em si… No AT a poligamia dos patriarcas e a lei do divórcio correspondem à pedagogia de Deus que progressivamente prepara o Povo para a revelação e vivência das prerrogativas do matrimónio. Entretanto, a Lei também comportava vestígios da «dureza do coração» do homem.

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Os profetas ao apresentarem a Aliança de Deus com o seu povo sob a imagem do amor conjugal, fizeram progredir a consciência do povo. JER 31, 31-32a.33-34; Leccionário VIII, pág.373; Ritual do Matrimónio n.187; pág.110 Dias virão, diz o Senhor, em que estabelecerei com a casa de Israel e com a casa de Judá uma aliança nova. Não será como a aliança que firmei com os seus pais, no dia em que os tomei pela mão para os tirar da terra do Egipto. Esta é a aliança que estabelecerei com a casa de Israel, naqueles dias, diz o Senhor: Hei-de imprimir a minha lei no íntimo da sua alma e gravá-la-ei no seu coração. Eu serei o seu Deus e eles serão o meu povo. Já não terão de se instruir uns aos outros, nem de dizer cada um a seu irmão: «Aprende a conhecer o Senhor». Todos eles Me conhecerão , desde o maior ao mais pequeno, diz o Senhor. Os.2,16b.17b.21-22**Leccionário Dominical, VIII Domingo do Tempo Comum B Eis o que diz o Senhor: «Hei-de conduzir Israel ao deserto e falar-lhe ao coração. Ali corresponderá como nos dias da sua juventude, quando saiu da terra do Egipto. Farei de ti minha esposa para sempre, desposar-te-ei segundo a justiça e o direito, com amor e misericórdia. Desposar-te-ei com fidelidade. Exemplos do elevado sentido do amor conjugal no AT são os livros de Rute, Tobias e Cântico dos Cânticos» (cf. 1609-1611). CANT 2, 8-10.14.16a;8, 6-7ª Leccionário VIII, pág.370; Ritual do Matrimónio n.185; pág.108-109 Eis a voz do meu amado. Ele aí vem, transpondo os montes, saltando sobre as colinas. O meu amado é semelhante a uma gazela ou ao filhinho da corça. Ei-lo detrás do nosso muro, a olhar pela janela, a espreitar através das grades. O meu amado ergue a voz e diz-me: “Levanta-te, minha amada, formosa minha, e vem. Minha pomba, escondida nas fendas dos rochedos, ao abrigo das encostas escarpadas, mostra-me o teu rosto, deixa-me ouvir a tua voz. A tua voz é suave e o teu rosto encantador”. O meu amado é para mim e eu sou para ele.

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Ele disse-me: “Grava-me como um selo no teu coração, como um selo no teu braço, porque o amor é forte como a morte e a paixão é violenta como o abismo. Os seus ardores são setas de fogo, são chamas do Senhor. As águas torrenciais não podem apagar o amor, nem os rios o podem submergir”. 4. Em Cristo Senhor (1612-1616) Os textos fundamentais que a partir dos quais se radica em Cristo a sacramentalidade do Matrimónio são, para além de Mt 19, 3-6 (e Mc 10, 6-9), Jo 2, 1-11 e Ef 5, 21-33. a) Jo 2, 1-11 1Ao terceiro dia, celebrava-se uma boda em Caná da Galileia e a mãe de Jesus estava lá. 2Jesus e os seus discípulos também foram convidados para a boda. 3Como viesse a faltar o vinho, a mãe de Jesus disse-lhe: «Não têm vinho!» 4Jesus respondeu-lhe: «Mulher, que tem isso a ver contigo e comigo? Ainda não chegou a minha hora.» 5Sua mãe disse aos serventes: «Fazei o que Ele vos disser!» 6Ora, havia ali seis vasilhas de pedra preparadas para os ritos de purificação dos judeus, com capacidade de duas ou três medidas cada uma. 7Disse-lhes Jesus: «Enchei as vasilhas de água.» 8Eles encheram-nas até cima. Então ordenou-lhes: «Tirai agora e levai ao chefe de mesa.» 9E eles assim fizeram. O chefe de mesa provou a água transformada em vinho, sem saber de onde era - se bem que o soubessem os serventes que tinham tirado a água; chamou o noivo 10e disse-lhe: «Toda a gente serve primeiro o vinho melhor e, depois de terem bebido bem, é que serve o pior. Tu, porém, guardaste o melhor vinho até agora!» 11Assim, em Caná da Galileia, Jesus realizou o primeiro dos seus sinais miraculosos, com o qual manifestou a sua glória, e os discípulos creram nele. «Com a sua presença, o Senhor trouxe a bênção e a alegria às bodas de Caná; mudando a água em vinho, pre-anunciou a Hora da nova e eterna aliança: “Assim como outrora Deus veio ao encontro do seu povo com uma aliança de amor e fidelidade, assim agora o Salvador dos homens” [cf. GS 48] se apresenta como esposo da Igreja, firmando uma aliança com ela no seu mistério pascal.» (RCM, Prel. 6 ) No sinal de Caná a Igreja vê «a confirmação do princípio de que o Matrimónio é bom, e o anúncio de que, dali em diante, o matrimónio será um sinal eficaz da presença de Cristo» (CatIC 1613). «A aliança nupcial entre Deus e Israel, seu povo, tinha preparado a Aliança nova e eterna, na qual o Filho de Deus, incarnando e dando a sua vida, uniu a Si, de certo modo, toda a humanidade por Ele salva (cf. GS 22), preparando assim as “núpcias do Cordeiro” (Ap 19, 7.9)» (CatIC 1612). Neste sentido se entende o «sinal» de Caná (Jo 2, 1-11), ao qual a Igreja atribui grande importância: a Igreja vê nesse facto «a confirmação do princípio de que o Matrimónio é bom, e o anúncio de que, dali em diante, o matrimónio será um sinal eficaz da presença de Cristo» (CatIC 1613). b) Mt 19,3-6 (Mc.10,6-9) 1Quando acabou de dizer estas palavras, Jesus partiu da Galileia e veio para a região da Judeia, na outra margem do Jordão. 2Era seguido por grandes multidões

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e curou ali os seus doentes. 3Alguns fariseus, para o experimentarem, aproximaram-se dele e disseram-lhe: «É permitido a um homem divorciar-se da sua mulher por qualquer motivo?» 4Ele respondeu: «Não lestes que o Criador, desde o princípio, fê-los homem e mulher, 5e disse: Por isso, o homem deixará o pai e a mãe e se unirá à sua mulher, e serão os dois um só? 6Portanto, já não são dois, mas um só. Pois bem, o que Deus uniu não o separe o homem.» Na sua pregação Jesus repropõe o desígnio originário do Criador, como «no princípio», insistindo de forma inequívoca na indissolubilidade do vínculo matrimonial. Jesus, porém, não vem impor aos esposos um fardo impossível de levar: «Tendo vindo restabelecer a ordem original da Criação, perturbada pelo pecado, Ele próprio dá força e graça para viver o matrimónio na dimensão nova do Reino de Deus. É seguindo a Cristo na renúncia a si próprios e tomando a sua Cruz que os esposos poderão “compreender” (cf. Mt 19, 11) o sentido original do matrimónio e vivê-lo com a ajuda de Cristo. Esta graça do matrimónio cristão é um fruto da Cruz de Cristo, fonte de toda a vida cristã» (CatIC 1615). Cristo reconduziu o matrimónio à sua primitiva forma e santidade, a fim de que o homem não separe o que Deus uniu. Mas o próprio Cristo elevou esta indissolúvel aliança conjugal à dignidade de sacramento para que ela mais claramente significasse e mais facilmente aparecesse como sinal da sua aliança nupcial com a Igreja (Cf. RCM, Prel. 5). c) Ef 5, 21-33 21Submetei-vos uns aos outros, no respeito que tendes a Cristo: 22as mulheres, aos seus maridos como ao Senhor, 23porque o marido é a cabeça da mulher, como também Cristo é a cabeça da Igreja - Ele, o salvador do Corpo. 24Ora, como a Igreja se submete a Cristo, assim as mulheres, aos maridos, em tudo. 25Maridos, amai as vossas mulheres, como Cristo amou a Igreja e se entregou por ela, 26para a santificar, purificando-a, no banho da água, pela palavra. 27Ele quis apresentá-la esplêndida, como Igreja sem mancha nem ruga, nem coisa alguma semelhante, mas santa e imaculada. 28Assim devem também os maridos amar as suas mulheres, como o seu próprio corpo. Quem ama a sua mulher, ama-se a si mesmo. 29De facto, ninguém jamais odiou o seu próprio corpo; pelo contrário, alimenta-o e cuida dele, como Cristo faz à Igreja; 30porque nós somos membros do seu Corpo. 31Por isso, o homem deixará o pai e a mãe, unir-se-á à sua mulher e serão os dois uma só carne. 32Grande é este mistério; mas eu interpreto-o em relação a Cristo e à Igreja. 33De qualquer modo, também vós: cada um ame a sua mulher como a si mesmo; e a mulher respeite o seu marido. «Toda a vida cristã é marcada pelo amor esponsal de Cristo e da Igreja. Já o Baptismo, entrada no Povo de Deus, é um mistério nupcial; é, por assim dizer, o banho de núpcias (cf. Ef 5, 26-27) que precede o banquete nupcial, a Eucaristia. O Matrimónio cristão, por sua vez, torna-se sinal eficaz, sacramento da aliança de Cristo e da Igreja. E uma vez que significa e comunica a graça desta aliança, o matrimónio entre baptizados é um verdadeiro sacramento da Nova Aliança» (Concílio de Trento: DS 1800; CIC can. 1055 § 2). Neste contexto tem particular importância a referência do Matrimónio ao Baptismo e à Eucaristia. «Toda a vida cristã é marcada pelo amor esponsal de Cristo e da Igreja. Já o

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Baptismo, entrada no Povo de Deus, é um mistério nupcial; é, por assim dizer, o banho de núpcias (cf. Ef 5, 26-27) que precede o banquete nupcial, a Eucaristia. O Matrimónio cristão, por sua vez, torna-se sinal eficaz, sacramento da aliança de Cristo e da Igreja. E uma vez que significa e comunica a graça desta aliança, o matrimónio entre baptizados é um verdadeiro sacramento da Nova Aliança» (Concílio de Trento: DS 1800; CIC can. 1055 § 2). «Pelo Baptismo, chamado precisamente o sacramento da fé, o homem e a mulher inserem-se, uma vez por todas e para sempre, na aliança de Cristo com a Igreja, de modo que a comunidade conjugal que eles formam é assumida [não apenas associada] na caridade de Cristo e enriquecida pela virtude do seu sacrifício. Esta nova condição que faz com que o Matrimónio válido dos baptizados seja sempre Sacramento [cf. CIC 1055, § 2]» (RCM, Prel. 7). «Na Eucaristia realiza-se o memorial da Nova Aliança, na qual Cristo se uniu para sempre à Igreja, sua esposa bem-amada, por quem se entregou (LG 6). Por isso, é conveniente que os esposos selem o seu consentimento à doação mútua pela oferenda das próprias vidas, unindo-a à oblação de Cristo pela sua Igreja, tornada presente no sacrifício eucarístico, e recebendo a Eucaristia, para que, comungando no mesmo Corpo e no mesmo Sangue de Cristo, “formem um só Corpo” em Cristo (1 Cor 10, 17)» (CatIC 1621). É também à luz de uma teologia «nupcial» que se deve compreender a Virgindade por amor do Reino. Ambos os estados – matrimónio e virgindade – vêm do Senhor e dele recebem sentido e graça. II. A celebração do Matrimónio No rito latino a celebração do matrimónio insere-se, em princípio, na Eucaristia. Assim se exprime a ligação de todos os sacramentos com o mistério pascal de Cristo: «Na Eucaristia realiza-se o memorial da Nova Aliança, na qual Cristo se uniu para sempre à Igreja, sua esposa bem-amada, por quem se entregou (LG 6). Por isso, é conveniente que os esposos selem o seu consentimento à doação mútua pela oferenda das próprias vidas, unindo-a à oblação de Cristo pela sua Igreja, tornada presente no sacrifício eucarístico, e recebendo a Eucaristia, para que, comungando no mesmo Corpo e no mesmo Sangue de Cristo, “formem um só Corpo” em Cristo (1 Cor 10, 17)» (CatIC 1621). A celebração litúrgica do matrimónio deve ser por si mesma válida, digna e frutuosa. Requer para tal uma conveniente preparação, nomeadamente mediante o Sacramento da Penitência (CatIC 1622). Os Esposos são os ministros da graça de Cristo um para o outro. São eles que mutuamente se conferem o sacramento do matrimónio ao exprimirem em face da Igreja o seu consentimento. (CatIC 1623). Particular importância nesta celebração tem a «oração de bênção e de epiclese». «Na epiclese deste sacramento, os esposos recebem o Espírito Santo como comunhão de amor de Cristo e da Igreja. É Ele o selo da aliança de ambos, a fonte sempre aberta do seu amor, a força em que se renovará a sua fidelidade» (CatIC 1624) Em seguida o CatIC fala do

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III. Consentimento Matrimonial (CatIC 1625-1637) A Igreja considera a permuta dos consentimentos entre os esposos como o elemento indispensável “que constitui o Matrimónio” (CIC, can. 1057 § 1). Se falta o consentimento, não há matrimónio. O consentimento consiste num acto pelo qual os esposos se dão e se recebem mutuamente como esposo e esposa, passando o ficar unidos como «uma só carne». O sacerdote (ou diácono) que assiste à celebração do matrimónio recebe o consentimento dos esposos em nome da Igreja e dá a bênção da Igreja. A presença do ministro da Igreja (bem como das testemunhas) exprime visivelmente que o matrimónio é uma realidade eclesial. É por esse motivo que, em princípio, os fiéis estão obrigados a celebrar na Igreja o seu matrimónio («forma eclesiástica). De facto, (1631) – o matrimónio é um acto litúrgico – introduz num ordo eclesial, criando direitos e deveres na Igreja entre os esposos e para com os filhos; – sendo um estado de vida, é necessário que haja certeza acerca dele – o carácter público do consentimento protege o «sim» e ajuda a permanecer-lhe fiel. IV. Os efeitos do Sacramento do Matrimónio (CatIC 1638-1642) 1. O vínculo matrimonial, que tem o selo de Deus (GS 48 § 1 e § 2). O vínculo que resulta do acto humano livre dos esposos, sendo estabelecido pelo próprio Deus, é irrevogável e permanente: «dá origem a uma aliança garantida pela fidelidade de Deus». Sobre ele a Igreja não tem qualquer poder. 2. A graça do sacramento: aperfeiçoa o amor dos cônjuges e fortalece a sua unidade indissolúvel. Por meio desta graça, os esposos «auxiliam-se mutuamente em ordem à santidade, pela vida conjugal e pela procriação e educação dos filhos» (LG 11). Cristo é a fonte da graça do Sacramento: o Salvador dos homens e Esposo da Igreja vem ao encontro dos esposos cristãos com o sacramento do matrimónio, fica com eles, dá-lhes coragem para o seguirem tomando a sua cruz, para se levantarem depois das quedas, para se amarem com um amor sobrenatural, delicado e fecundo… Nas alegrias do seu amor e da sua vida familiar, Ele dá-lhes, já neste mundo, um antegosto do festim das núpcias do Cordeiro. (1642) V. Os bens e as exigências do amor conjugal (CatIC 1643-1654) Sumário: Familiaris Consortio 13 = CatIC 1643: «O amor conjugal comporta um todo em que entram todas as componentes da pessoa – apelo do corpo e do instinto, força do sentimento e da afectividade, aspiração do espírito e da vontade –; visa uma unidade profundamente pessoal – aquela que, para além da união numa só carne, conduz à formação dum só coração e duma só alma –; exige a indissolubilidade e a fidelidade na doação recíproca definitiva; e abre-se para a fecundidade. Trata-se, é claro, das características normais de todo o amor conjugal natural, mas com um significado novo que não só as purifica e consolida, mas as eleva ao ponto de fazer delas a expressão de valores especificamente cristãos». 1. Unidade e indissolubilidade (1644-1645): a comunhão humana é confirmada, purificada e aperfeiçoada pela comunhão em Jesus Cristo, conferida pelo sacramento do matrimónio; e aprofunda-se pela vida da fé comum e pela Eucaristia recebida em comum.

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2. Fidelidade (1646-1651): É uma exigência do amor autêntico e é também postulada pelo bem dos filhos. Mas o seu motivo mais profundo encontra-se na fidelidade de Deus à sua aliança, de Cristo à sua Igreja. Pelo sacramento do matrimónio, os esposos são habilitados a representar esta fidelidade e a dar testemunho dela. pelo sacramento, a indissolubilidade do matrimónio recebe um sentido novo e mais profundo. 3. Abertura à fecundidade (1652-1654): cf. GS 48 § 1: a procriação e educação dos filhos fazem parte da natureza da instituição matrimonial e constituem o ponto alto da sua missão. VI. A Igreja doméstica (CatIC 1655-1658) Paradigma: a Sagrada Família; a Igreja é a «família de Deus»; a família é o núcleo aglutinador e gerador da comunidade eclesial; A LG 11 chama à família «Igreja doméstica». Nela os pais, «pela palavra e pelo exemplo, são para os seus filhos os primeiros arautos da fé, ao serviço da vocação própria de cada um e muito especialmente da vocação consagrada». É na família que se exerce de modo privilegiado o sacerdócio baptismal do pai, mãe, filhos… quer na recepção dos sacramentos, na oração e acção de graças, no testemunho da santidade de vida, na abnegação e na caridade efectiva (LG 10)… É a primeira escola de vida cristã e de enriquecimento humano: «O lar cristão é o lugar onde os filhos recebem o primeiro anúncio da fé. É por isso que a casa de família se chama, com razão, “a igreja doméstica”, comunidade de graça e de oração, escola de virtudes humanas e de caridade cristã» (CatIC 1666). Apêndice: IMPEDIMENTOS QUE INVALIDAM O MATRIMÓNIO Quais são os impedimentos? Existem doze. 1. A idade: o matrimónio não é válido se o homem não tiver 16 anos cumpridos e a mulher 14. As Conferências episcopais podem estabelecer uma idade mais avançada (cân. 1083); A Conferência Episcopal Portuguesa fixou a idade dos 16 anos tanto para o homem como para a mulher. Trata-se de um impedimento de direito humano. Daí que haja lugar para a sua dispensa. 2. A impotência para realizar o acto conjugal (e não a esterilidade), se ela for antecedente e perpétua. Em caso de dúvida, não se pode impedir o matrimónio (cân. 1084). 3. O vínculo de um matrimónio anterior, mesmo não consumado (cân. 1085). 4. A disparidade de culto: quer dizer que é nulo o matrimónio entre duas pessoas das quais uma não é baptizada e a outra foi baptizada na Igreja católica ou nela recebida e não a tenha formalmente abandonado (cân. 1086). Como o não baptizado continua a ter um direito fundamental a contrair matrimónio, há a possibilidade de dispensa, se se cumprem determinadas condições. (cf. Catecismo da Igreja Católica 1633-1677) 5. A Ordem sagrada (cân. 1087), após a recepção do diaconado. Este impedimento aplica-se também ao diácono permanente que tenha enviuvado. A dispensa está reservada à Santa Sé. 6. Os votos religiosos, quando se trata de voto público e perpétuo de castidade

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num instituto religioso (cân. 1088). A dispensa está reservada à Santa Sé. 7. O rapto: nenhum matrimónio pode existir entre o homem que rapta e a mulher raptada ou apenas detida, até que, libertada, ela consinta espontaneamente nessa união (cân. 1089). 8. O conjugicídio ou assassínio do cônjuge... incómodo, perpetrado por um só ou por entendimento dos dois futuros cônjuges (cân. 1090). 9. A consanguinidade ou parentesco natural, torna nulo qualquer matrimónio em linha recta e, na linha colateral, até ao 4.º grau, o que, na nova maneira de contar os graus de parentesco, se aplica aos primos-irmãos ou ao caso menos provável de um casamento entre tio-avô e sobrinha- neta (tia-avó e sobrinho-neto) (cân. 1091). É sempre impedimento na linha recta (pais, filhos, netos, bisnetos...); na linha colateral, até ao quarto grau inclusivé (primos direitos): existe sempre impedimento entre irmãos (2º grau), entre tios e sobrinhos (3º grau), entre primos direitos (4º grau); a dispensa compete ao Ordinário, mas não se dispensa nunca na linha recta nem em segundo grau da linha colateral (irmãos). 10. A afinidade ou parentesco por aliança: torna nulo o matrimónio em todos os graus da linha recta (cân. 1092). Só é impedimento na linha recta. Na colateral, até se pode aceitar pois «com muita frequência o casamento entre afins é a melhor solução para a prole que porventura se tenha tido no primeiro casamento». A dispensa compete ao Ordinário. 11. A honestidade pública, que nasce de um matrimónio inválido após instauração da vida comum ou de um concubinato público ou notório, torna nulo o matrimónio no 1.º grau da linha recta entre o homem e as consanguíneas da mulher (sua mãe ou sua filha e vice-versa (cân. 1093). Pode ser dispensada pelo Ordinário, tendo em conta o cân.1091§4: nunca se permita o matrimónio, enquanto subsistir dúvida sobre se as partes são conssanguíneas em algum grau da linha recta ou em segundo grau da linha colateral. 12. O parentesco legal originado pela adopção torna nulo o matrimónio em linha recta (por exemplo, adoptando e adoptada) ou no segundo grau da linha colateral (por exemplo, entre filhos adaptados ou filho legítimo com filho adoptado). Apêndice: CAUSAS PELA QUAL UM MATRIMÓNIO PODE SER NULO Visto que o matrimónio assenta no consentimento das partes, são incapazes de contrair matrimónio: - aqueles que não gozam de suficiente uso da razão;. - aqueles que sofrem de grave falta de discernimento para apreciarem os direitos e os deveres essenciais do matrimónio, que os cônjuges devem dar e receber mutuamente; - aqueles que, por motivos de natureza psíquica, não podem assumir as obrigações essenciais do matrimónio (cân. 1095). Carece da posse ou domínio de si necessários para encarregar-se e responder das obrigações matrimoniais essenciais. A validade do consentimento matrimonial pode ser afectada: - pela ignorância que incide sobre a própria natureza do matrimónio, sociedade

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permanente entre o homem e a mulher, com vista à procriação de filhos por uma cooperação carnal. Esta ignorância não se presume depois da puberdade (cân. 1096); - pelo erro, quer acerca da pessoa (quando o contraente, querendo casar-se com uma pessoa certa e determinada, se casa por erro com outra distinta) quer acerca de uma qualidade da pessoa que tenha sido directa e principalmente pretendida (cân. 1097). - pelo dolo ou engano, perpetrados para obter o consentimento e incidindo sobre uma qualidade que pela sua natureza comprometa gravemente a comunidade de vida conjugal (cân. 1098); Por exemplo, a esterilidade, que foi ocultada propositadamente, ainda que essa qualidade não fosse pretendida directa e principalmente. - pela exclusão voluntária de um elemento essencial ou de uma propriedade essencial do matrimónio, por exemplo a exclusão da fidelidade, unidade ou da indissolubilidade (mas não o simples erro que não determinasse a vontade) e a exclusão da prole (quando se exclui para sempre). - por uma condição aposta ao consentimento (cân. 1102); não se pode contrair validamente matrimónio sob condição de um facto futuro. Pode haver condições quanto ao passado e presente. Esta condição não se pode apôr licitamente a não ser com licença do Ordinário do lugar, dada por escrito. O matrimónio é válido ou nulo segundo se verifique ou não a existência ou não do facto ou acontecimento que é objecto da condição. - pela violência ou medo que impõem o matrimónio (cân. 1103); O consentimento deve ser expresso oralmente pelos esposos, ou por sinais equivalentes, se eles não puderem falar (cân. 1104, § 2). Há casos em que o consentimento pode ser dado por procuração ou por meio de um intérprete (cân. 1105 e 1106). Em todos os casos, o consentimento interno da alma presume-se conforme com as palavras ou sinais empregados na celebração do matrimónio (cân. 1101, § 1), e presume-se que o consentimento dado persevera até prova da sua revogação, mesmo se o matrimónio for inválido devido a um impedimento ou defeito de forma (cân. 1107);