CECíLIA DE ALMEIDA GOMES

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1199300557 , 1111111111111111111111111111111111111111 E~3COLADE ADMINISTRAÇÃO DE EHPRESAS DE SÃO PAULO DA FUNDAÇÃO GETúLIO VARGAS - EAESP-FGV \ )) CECíLIA DE ALMEIDA GOMES PóLOS TECNOLóGICOS: COMUNIDADES MODERNAS OU TRADICIONAIS? O caso de Santa Rita do Sapucai - MG COORDENADORlA - CPG' C .- ·· O \ RE ' t:.:. E::; I L.J T'm rr ~._ .. ./9.).. ....o-:-.-.V __ o \ I~ ,., ... ' .. '.,L,._ .. __.. .. _......_.... _.. _._-_·····_·_.,·~ ----- .~ Fundação Getulio Vargas Esc;.ola de Administração FG V de Empresas de Silo Paulo Biblioteca I~· : , Banca Examinadora Profa. Orientadora Dra. Lili Katsuco Kawamura Prof. Dr. Ruben Cesar Keinert Prof. Dr. Esdras Borges Costa

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1199300557, 1111111111111111111111111111111111111111

E~3COLADE ADMINISTRAÇÃO DE EHPRESAS DE SÃO PAULO DA FUNDAÇÃOGETúLIO VARGAS - EAESP-FGV \

))CECíLIA DE ALMEIDA GOMES

PóLOS TECNOLóGICOS: COMUNIDADES MODERNAS OU TRADICIONAIS?O caso de Santa Rita do Sapucai - MG

COORDENADORlA - CPG'C.- ·· O \RE ' t:.:. E::; I L.J

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FG V de Empresas de Silo PauloBiblioteca

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Banca Examinadora

Profa. Orientadora Dra. Lili Katsuco KawamuraProf. Dr. Ruben Cesar KeinertProf. Dr. Esdras Borges Costa

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Às minhas sobrinhas Juliana,Maira, Hanaí e Paula, para que:possam construir uma vaeao.aberta da realidade brasileirae colaborar na construção deuma sociedade mais justa.

Aos seus pais e avós. Quepossam transmitir-lhes asconcepções necessar1as paracolaborarem na construção deum mundo melhor.

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E~3COLA DE AI)~nNISTRAÇÃO DE EMPRESAS DE SÃO PAULO DA FUNDAÇÃOGETúLIO VARGAS - EAESP-FGV

CECíLIA DE ALMEIDA GOMES

P(JLOS 'I'ECNOL<JGICO:3: COt1UNIDADES t10DERNAS OU TRADICIONAIS?

o caso de Santa Rita do Sapucai - MG

Dissertação apresentada ao Cursode Pós Graduação da EAESP-FGVArea de Concentração: Adminis-tração e Planejamento Urbano,como requisito para obtençãode título de mestre em Adminis-tração.Orientador: Prof. Dra. Lili Katsuco Kawamura .',

São Paulo

1993

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Gomes, C. A.. Pólos tecnológicos: comunidades modernas outradicionais? O caso de Santa Rita do Sapucai MG(dissertação de mestrado), São Paulo, EAESP/FGV, 1993.

RESUMO: Esta dissertação trata do relacionamento dacomunidade de .Santa Rita do Sapucaí (MG), que tinha comoúnica atividade produtiva a agropecuária, com asinstituições de ensino e pesquisa na área de eletrônica eindústrias de produtos de tecnologia avançada, instaladas nomunicípio, na década de 80. O objetivo deste estudo de casoé averiguar as transformações que a instalação de um pólotecnológico pode gerar em uma comunidade rural.Para tanto, utiliza-se de uma análise crítica da teoria damodernização, tal como concebida nas políticas mais amplasde industrialização do Estado, e da visão dual da sociedadebrasileira. Também avalia a forma como se dá a introdução denovas tecnologias no pais e suas implicações na relaçãocidade-campo.

Palavras chaves: modernização, desenvolvimentismo,industrialização, tradicionalismo, pólo tecnológico,dependência, relação cidade-campo, tecnologia e hegemonia.

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Gomes, C.A., Pólos tecnológicos: comunidades modernas outradicionais? O caso de Santa Rita do Sapucai MG(dissertação de mestrado), São Paulo, EAESP/FGV, 1993.

SUMMARY: This essay is about the relationship of thecommunity of Santa Rita do Sapucaí (MG) with the teachingand research institutions in the field of electronics andwith the companies that make advanced technology industrialproducts that were installed in the city in the 80·s. Untilthen, agriculture was the only productive activity of thecity of Santa Rita do Sapucaí.The objective of this case study is to check the changesthat can happen in the rural community with the installationof a technological district nearby. For this we have used acriticaI analysis of modernization theory. according to thebroad industrialization policies of the State, and of thedual vision of the Brazilian society.We have also analysed the way the new technology isintroduced in the country and its implications on therelationship between city and countryside.

Keywords: modernization, development, industrialization,tradition, technological district, dependency, city-countryside relationship, technology, hegemony.

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ÍNDICE

INTRODUÇÃO ............................................. 1

1. Pólos tecnológicos 31.1. As experiências de polos tecnológicos no contexto

nacional e internacional 4

2. O objeto de estudo e sua abordagem 102.1. Posição do problema 102.2 - Hipóteses 172.3 - Metodologia 18

3. A apresentação do trabalho 24

CAPíTULO I - Santa Rita do Sapucai (MG): sua história. 26

1. As políticas de industrialização brasileirase o processo de modernização 26

1.1 - A modernização dos países periféricos 291.2 - Uma análise crítica à teoria da modernização 34

2 - Histórico de Santa Rita do Sapucaí .. 39

CAPíTULO 11 - O tradicionalismo em Santa Ritado Sapucaí (MG) " 54

~. O tradicionalismo em Santa Rita do Sapucaí 541. 1. O setor rural 551.1.1. O setor rural e suas transformações no contexto

nac ional ....................................... 551.1.2. O setor rural em Santa Rita do Sapucaí (MG) .... 591.2 - A economia local: Os comerciantes, profissionais

liberais e trabalhadores 661.3. A política local 671.4. Aspectos culturais 68

CAPíTULO 111 - A modernização de Santa Ritado Sapucai (MG) 71

1. A introdução de novas tecnologias no processoprodutivo e suas consequencias para a realidadebrasileira ' 71

2. A implantação do pólo tecnológico em Santa RitaJw Süpucai 75

2. 1 - Os Agi=!nti=!8 fm"mAdí!'Y'':;.=; r1\! Va 1e da Eletrônica 762.2 - A participação do Estado 81

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3. O vale da eletrônica: suas características 883.1 - As instituições de ensino e pesquisa 893.2 - As empresas 983.3 - A forte relação escola-empresa 105

CAPíTULO IV - Santa Rita do Sapucaí: Comunidademoderna ou tradicional? 111

1 - A comunidade como agente de viabilizaçãodo vale da eletrônica 111

A re Lac ão comunidade-escola 1203 - A relação comunidade-empresas ...... - . 1274 - Os impactos do surgimento das escolas e

das indústrias na comunidade _._ 134

5 - Comunidade moderna ou tradicional? _ 142

Cone 1usão _..... 149

Bibliografia _ " 157

Anexo I . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . _. . . . . . . . . . . . . . . . . . . 163

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Agradecimentos

Para a pessoa mais importante para a concretização destetrabalho, quero dedicar um especial agradecimento. A LiliKatsuco Kawamura que já há mais de cinco anos vêm não sóapoiando e orientando minhas iniciativas acadêmicas, comooferecendo sua amizade, quero agradecer pela "forca", pelos"empurrões"; pela oportunidade de uma visão mais aberta dosprocessos sociais; e, pelo carinho.

Agradeço ao meu irmão Alfredo de Almeida Gomes, sua esposaIrenisbete Martinez de HeLo Gomes e suas filhas Maira eHanai, por terem me dado a oportunidade de conhecer SantaRita do Sapucaí, tornando a idéia deste trabalho possivel; epelo acolhimento carinhoso dado em todas minhas viagens àSanta Rita.

Ao Alfredo, agradeço a paciência e interesse pelo meutrabalho traduzidos em discussões, na boa vontade de levar-me inúmeras vezes de Pouso Alegre-MG a Santa Rita doSapucaí, na espera paciente (muitas vezes no carro) enquantoeu realizava minhas pesquisas, na disposição em apresentar-me às pessoas da cidade,conhecia bem, na atençãobuscar algum. documento em

muitas das quais nem ele mesmodispensada quando era necessárioSanta Rita e na cerveja ao final

do dia, sempre deliciosa e relaxante.

Lembro ainda, o apoio dado pela minha irmã Dulce Maria deAlmeida Gomes e sua familia que tudo fez para viabilizar meucontato com minha orientadora, hospedando-me em sua casa emCampinas. levando-me inúmeras vezes aos lugares queprecisava ir e providenciando diversos documentos que eunecessitava da cidade.

Commuito carinho, quero agradecer a presença de meu irmãoIrineu de Almeida Gomes que, de um jeito especial, sempresoube estar ao meu lado em todas as minhas iniciativas edecisões.

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Ofereço uma menção especial aos meus pais que através de suacultura, força e visão puderam me oferecer a oportunidade deme aproximar do conhecimento. Agradeço pelo apoio moral,sentimental, intelectual e financeiro.

À Wilson de Oliveira quero agradecer por ter me dedicado seuamor por todos estes anos de trabalho e pelo apoio narealização de minha dissertação, que muitas vezes foiessencial na sua viabilização.

Agradeço à Gracília Moreira Arruda e Marlene Santana daConceição que não só mantiveram minha casa "funcionando"enquanto eu dedicava-me ao estudo, como deram toda atençãopara minhas observações com respeito ao meu trabalho e àminha vida.

Agradeço especialmente à Elenir Almeida Silva, minha prima,que além do imenso apoio dado como amiga e confidente,contribuiu no aperfeiçoamento de meu conhecimento de línguasestrangeiras, concedendo-me, inclusive, apoio financeiro.Lembro também, Daniela Almeida Silva, que com toda sua"energia", encheu-me de coragem para enfrentar quaisquerobstáculos.

Lembro dos amigos que estiveram presentessugestões e críticas desta dissertação epessoal, em especial Bete, Rosana, Selma,Tomzé.

em discussões,de minha vida

Valter, Mello e

Quero lembrar o apoio dado pelos amigos da EAESP-FGV, queestiveram ao meu lado durante todo o mestrado e em muitocolaboraram para a sua concretização. Agradeço aparticipação intensa neste processo de Tania MargareteMezzomo, Francisco Santana de Souza, Maria do Carmo ToledoCruz, Wilson, Elio Jardanovski, Ricardo e Fábio David Lopez.

Recordo dos amigos que não puderam estar presentes durante arealização deste trabalho, mas torceram pela suaconcretização. Lembro João Roberto Spotti Lopes, AndersonLobato, Maria Mercedes Martins, Cristina Kawata, Claudia

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Beltran do Valle, Eliza Yukie Inakake, Marcelo Aidar, SérgioCarneiro e Francisco Vianna.

Agradeço aos outros orientandos de Lili Kawamura queparticiparam comigo de um seminário especial de orientação,onde construimos juntos a base deste trabalho.

Um apoio especial que recebi durante todo o meu mestrado foio do Prof. José Ernesto Lima Gonçalves que tudo fez para queesta dissertação fosse viável e se concretizasse, nunca senegando a nada que lhe pedi, mesmo quando prejudicava suasatividades.

Lembro também José Otávio Lima Gonçalves que com suasgrandes idéias muitas vezes mostrou-me caminhos que eu nãopodia ver.

Agradeço a Valter Francini, seu irmão Willian e a Penha deOliveira Gomes, o apoio dado à digitação deste trabalho, semo qual seria inviável dar-lhe acabamento.

Não posso deixar de mencionar os professores e funcionáriosda EAESP-FGV que com seu trabalho, possibilitaram aconcretização de meu mestrado.

Agradeço â CAPES que viabilizou esta dissertação através deseu apoio financeiro.

Por fim, agradeço â toda comunidade de Santa Rita doSapucaí, onde sempre fui muito bem recebida, sem nunca tertido qualquer empecilho ao meu trabalho de pesquisa decampo.

Certamente há muitas outras pessoas que colaboraram paraeste trabalho, que é fruto de todo um processo de vida, doqual muitos participaram. Gostaria que ninguém se sentisseexcluído, por não mencionado nominalmente, pois o meusentimento de gratidão é a todos que durante toda minha vidamantiveram comigo um sentimento de carinho.

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Pólos tecnológicos: comunidades modernas ou tradicionais?O caso de Santa Rita do Sapucai - MG.

INTRODUÇAO

o objetivo deste trabalho é analisar os impactos dosurgimento de indústrias de produtos baseados em novastecnologias, além da interação destas empresas cominstituições de ensino e pesquisa, na comunidade de pequenoscentros urbanos de economia agrária.

A relevância do tema está em que o surgimento de diversasexperiências a nivel internacional de pólos tecnológicos, emcentros urbanos sem industrialização prévia, pode implicarem transformações relevantes nas sociedades locais. quepassam a conviver com uma nova realidade. Esta preocupaçãojá foi levantada por Allen J. Scott e Michael Storper (1),que apontam para a necessidade de serem estudadas,individualmente, as comunidades de cada um dos locais em quese localizam os centros de crescimento de alta tecnologia.

A análise, aqui apresentada, tem o interesse de apontar paraa necessidade de avaliação das implicações políticas,econômicas e sociais na comunidade, decorrentes da opçãopela industrialização em pequenos centros urbanos, atravésde pólos tecnológicos.

Foi escolhido o municipio de Santa Rita do Sapucai-MG para arealização desta pesquisa, pelo fato de ser um local, cujaeconomia baseou-se, exclusivamente, na atividade

(l)SCOTT, A.J. e STORPER, Michael. Indústria de altatecnologia e desenvolvimento regional: uma critica ereconstrução teórica. Espaco e Debates, Revista deEstudos Regionais e Urbanos, n. 25, 1988, p. 42.

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agropecuária, até o advento do pólo tecnológico. Este fatopermite que seja identificada mais profundamente umapossivel modernização da comunidade, gerada pelaindustrialização local, que somente foiinteração entre universidades/instituiçõesempresas e Estado.

possivel pelade pesquisa,

o interesse em identificar a comunidade de Santa Rita doSapucai como tradicional ou moderna fundamenta-se napercepção do autor, quanto a intenção das politicas públicasbrasileiras, durante os últimos 60 anos, de promover amodernização nacional.

A busca da modernização do Brasil, surge com o próprioadvento da sua industrialização - que se desenvolve após1930, por substituição de importações estando semprepresente nos objetivos do Estado.das principais preocupaçÕes do

DesdeEstado

aquela época,era dissipar

umada

realidFld~ nFlr:i.onFllÍl t.r.ad; cionalismo encontrado em r-eg í.õe satrasadas, na maioria das vezes identificadas como aquelasbaseadas na tradicional economia agrária(2).

Sob diferentes formas, a visão da modernização brasileirasempre esteve presente nas politicas de industrializaçãoimplementadas no Brasil. O advento do crescimento econômicoatravés da industrialização apoiada pelo Estado, teve comoconsequência o surgimento da necessidade de tambémmodernizar o setor agrário de forma que não representasse umempecilho ao desenvolvimento nacional.

(2) A identificação do setor rural como tradicional foianalisada por diversos autores, sob diferentes aabordagem da teoria da modernização e sob uma análisecrítica a esta teoria, como será demonstrado nodecorrer deste trabalho. Ver LAMBERT, Jacques. Os doisBrasis. São Paulo, Companhia Editora Nacional, 1986,13.edição. e OLIVEIRA, Francisco de. A economiabrasileira: crítica à razão dualista. São Paulo,Editora Brasiliense, 1977, 3. edição, respectivamente.

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Atualmente, soma-se à esta necessidade, a daindustrialização baseada nas tecnologias de ponta queprecisam ser desenvolvidas para que o país tenha condiçõesde enquadrar-se em um novo patamar na divisão internacionaldo trabalho. g neste contexto que surgem experiências depólos tecnológicos no pais.

1. POLOS TECNOLOGlCOS

No Brasil, atualmente, há uma tendência em se buscar amodernização da sociedade a partir da inovação tecnológicade seu parque industrial, que pode ser atingida através dacooperação entre instituições de ensino e pesquisa, governoe empresas, como ocorre nos pólos tecnológicos.

José Adelino Medeiros(3), define o conceito e os objetivosdos pólos tecnológicos brasileiros, a partir da colaboraçãodas empresas, instituições de pesquisa e ensino, e governo:

.....Portanto. o Pólo Tecnológico pode ser definido comouma iniciativa conjunta, planejada por esses trêsparceiros. Seu objetivo é agregar ações que permitamfacilitar e acelerar o surgimento de produtos,processos e serviços em que a tecnologia adquire ostatus de insumo de produção fundamental."

Neste trabalho, pólo tecnológico será entendido como umlocal onde há a concentração de instituições de ensino epesquisa e indústrias em uma mesma área de tecnologia, queatravés de sua interação e da colaboração do Estado, passama desenvolver produtos baseados em novas tecnologias. Serãoconsiderados quatro tipos de agentes importantes nos pólostecnológicos,definição: as

cujas relaçõesinstituições de

são essenciais em suaensino e pesquisa, as

(3)MEDEIROS, José Adelino et alii. Pólos tecnológicos enúcleos de inovação: lições do caso brasileiro. RAUSP.vol. 25 (4), out/dez 1990. p.4

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indústrias, o Estado e a comunidade. O presente trabalhoconcentra-se na análise da relação da comunidade com asindústrias e as instuições de ensino e pesquisa.

1.1. As experiências de polos tecnolÓgicos no contextonacional e internacional.

A proposta de desenvolvimento de pólos tecnológicos foiapresentada por autoridades governamentais, durante o

governo Collor, como capaz de solucionar os dois entraves àmodernização nacional, pois de um lado a interação escola-empresa poderia gerar o desenvolvimento de novas tecnologiasao pais, e por outro, a implantação de pólos em diversasregiões do Brasil acarretaria a modernização de suas regiõesatrasadas, onde o tradicionalismo ainda se impõe.

No Brasil, os pólos tecnológicos têm se caracterido pelapresença dominante de pequenas e médias empresas de um mesmoramo, agrupadas, em determinado municipio ou região eenvolvidas, em conjunto, com instituições de ensino epesquisa e agentes locais, num esforço coletivo demodernização, seguindo modelos de paises desenvolvidos.Nestes, a concentração de empresas de tecnologia de pontatem se dado em pequenos centros urbanos, muitas vezesdestituídos de uma industrialização prévia, e distantes dosgrandes centros industriais tradicionais, cuja principalcaracteristica é a localização de uma instituição de ensinoe pesquisa na área de trabalho das indústrias emergentes.Estes centros tem sido denominados de pólos tecnológicos.

Estudos nacionais e internacionais sobre os pólos (4)vinculam o seu surgimento à crise do capitalismo atual. Para(4)Podemos encontrar análises sobre o tema em autores

nacionais e internacionais, entre os quais ressaltamos:SCOTT, A.J .. Flexible production systems and regionaldevelopment the rise of new industrial spaces in NorthAmerica and Western Europe. International Journal of

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alguns, o surgimento das novas tecnologias tem comoconseguência uma reestruturação no modo de produçãücapitalista, com impactos sobre toda a sociedade.

Internacionalmente, a partir de 1970, uma das formas depossibilitar o rápido desenvolvimento tecnológico nos paísesdesenvolvidos foi o incentivo â associação entreuniversidades, empresas e Estado. Foram concentradosinstitutos de pesquisa e ensino e indústrias de tecnologiade ponta em centros urbanos, na maioria das vezes distantesdos antigos distritos industriais, que com o apoio dogoverno passaram a especializar-se em alguma áreatecnológica.

A concentração de indústrias de alta tecnologia nos USA sedeu sob duas tendências: a aglomeração em áreas dentro dosantigos centros industriais e a aglomeração em áreas deeconomia agrícola e com pouco contato com aindustrialização.

A segunda tendência é a mais marcante, tendo surgidoinúmeros novos centros industriais em regiões como estas emdiversos países.

Embora não haja um padrão de desenvolvimento destes centros,eles têm surgido a partir de iniciativas dos governos locaise federais dos diversos países e têm sido chamados de pólostecnológicos.

Urban and Regional Research, London, vol.12, jun. 1988;LIPIETZ, Alain. O pós-fordismo e seu espaço. Espaco eDebates. Reyista de Estudos Regionais e Urbanos, SãoPaulo, n.25, 1988; MARCOVITCH, Jacques. ParquesTecnológicos e o Desenvolvimento da América Latina.RAUSP, São Paulo, vo l. 23, n , 3, jul/set 1988; e,MEDEIROS, José Adelino et alíi. Pólos tecnológicos enúcleos de inovação: lições do caso brasileiro. BAUSP,São Paulo, vol. 25 (4), out/dez.1990.

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No caso das indústrias de componentes e equipamentoseletrônicos e softwares, pode-se encontrar na França (cidadecientífica na parte mais a sul da região da Grande Paris) ena Inglaterra (entre Londres e Reading) dois pólostecnológicos. Nos USA, é notável o exemplo do Vale doSilício que representa o mais dinâmico centro de indústriasde alta tecnologia no mundo atual. (5)

o que tem orientado a aglomeração das indústrias de aItatecnologia em centros urbanos distantes dos antigosdistritos industriais são vários fatores, como o mercado detrabalho, a busca de economias externas, o apoiogovernamental, a existência de um centro de desenvolvimentode pesquisas e outros. O papel que cada um destes fatoresdesempenhou no surgimento dos diferentes pólos tecnológicosdifere de país para país.

No caso das indústrias de equipamentos e componenteseletrônicos e de telecomunicações e de desenvolvimento desoftwares em Santa Clara Country (USA), a necessidade deobter mão de obra não sindicalizada e um mercado de trabalhoque oferecesse trabalhadores técnicos orientou o surgimentodas primeiras indústrias para o Vale do Silício. Anecessidade de diversos produtos na região atraiu outrasindústrias. As economias de aglomeração decorrentes destaconcentração responsabilizaram-se pelo crescimento docomplexo industrial do Vale. Na Inglaterra, as indústrias deeletrônica atualmente local idas entre Londres e Reading(corredor M4) tiveram como fator propulsivo para suaconcentração, a localização de estabelecimentosgovernamentais de pesquisa naquela região e a concentraçãode multinacionais americanas no corredor, que buscavam

(5)SCOTT, A.J .. Flexible production systems and regionaldevelopment the rise of new industrial spaces in NorthAmerica and Western Europe. International Journal ofJ.lU:..o.r.Joboi..liaioloo.4nUo..-......5iiIa..•..n~dll...-....IR""'e~g...•.i..l.ou.nA..la••..l""'---..I..lRoliiiec.Jis;ue;c.saiilo.rolo...l.cc~h, London , vo 1.12 , j un .1988. p.180

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desfrutar das economias de aglomeração com outras empresasnacionais; e da pro:dmidade com o aer-opo rt.o internacionalHeathrow. (6)

No Japão havia duas regiões de indústrias de aLtatecnologia: Tsukuba e Tokyo. Em 1982, o governo japonêselaborou um pr'ojetode construção de onze pólos tecnológicoscom o objetivo de criar condições de desenvolvimento detecnologia nacional e de extinguir sua importação. Esteprojeto tem como base o desenvolvimento de infra-estruturanestas cidades, que concentrarão centros de pesquisa, novasuniversidades e indústrias de alta tecnologia. (7)

No caso brasileiro, para enfrentar a crise, o governo,incorporando em suas políticas a busca de uma modernizaçãodo parque industrial, como forma de obter condições deconcorrência internacional para as empresas brasileiras,lançou em 26/06/90, na gestão do presidente Fernando Collorde Mello (1990-1992), a Política Industrial e de ComércioExterior. Esta Política teve como meio de implementação doisprogramas: o Programa Brasileiro de Qualidade eProdutividade PBQP e o Programa de CompetitividadeIndustrial - PCI. Ambos buscavam a maior competitividade dasindústrias brasileiras no mercado internacional, sendo que oPBQP teve por objetivo principal o aumento da produtividadee qualidade, e o PCI o desenvolvimento de tecnologiasavançadas.

(6)Ver SCOTT, A.J .. Flexible production systems and regionaldevelopment the rise of new industrial spaces in NorthAmerica and Western Europe. International Journal ofUrban and Regional Research, London, vol.12, jun.1988. e SCOTT, A.J. e STORPER Michael. Indústria dea1ta tecnologia e desenvolvimento regional: umacrítica e reconstrução teórica. Espaço e Debates,Revista de Estudos Regionais e Urbanos, n. 25, 1988.

(7)TATSUKO, Sheridan. The technopolis strategy. PrenticeHall Press, New York, 1986.

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A implementação do pcr tinha como base o investimento empesquisa e desenvolvimentc" que as empresae: brasileirasdificilmente irão adotar(8). Por esta razão, uma das formasde viabilizar o pcr seria através de políticas do governofederal que possibilitassem a adoção, por parte dasinstituições de ensino e pesquisa, de uma postura deatendimentc! às indústrias nacionais no desenvolvimento denovas tecnologias e na modernização das instalaçõesindustriais, para que pudessem obter condições deconcorrência internacional. A necessidade de garantir osucesso do programa somada à preocupação do governobrasileiro em difundir a modernização nas regiões at.r-aeadaedo país, trouxe uma nova perspectiva para o surgimento denovos pólos tecnológicos, que até o governo Collor somenteocorria através do investimento de estados e municípios. (9)

A concentração de empresas de tecnologia avançada no Brasiltem se dado em municípios onde já havia alguma universidadecom produção científica forte em determinada áreatecnológica. Com o apoio dos governos municipais e estaduaisforam concedidos benefícios aos interessados em abrirempresas com produtos de tecnologia avançada, que englobaramdesde diferimento de ICMS até doação de terrenos.

Através de diferentes mecanismos, surgiram no Brasil ospólos tecnológicos aos moldes dos países desenvolvidos, com(8)CAMPANARIO, Milton de Abreu. Considerações sobre as

premissas do Programa de Capacitação Tecnológica.InformacÕes FIPE, São Paulo, n. 124, p.18, novembro1990.

(9)De acordo com Hermes Magalhães Tavares, em 1991, haviainúmeros projetos de tecnopólos em andamento,envolvendo diversos órgãos públicos (CNPq,universidades, bancos de desenvolvimento estatais,governos estaduais e municipais). TAVARES, HermesMagalhães. Inovações Tecnológicas e suas ImplicaçõesTerritoriais. In: PIQUET, Rosélia e RIBEIRO, Ana C. T.,org. - Brasil: TerritÓrio da Desigualdade: Descaminhosda Modernização. Rio de Janeiro, Jorge Zahar Ed., 1991,p. 85.

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o objetivo de gerar uma capacitação tecnológica para oparque industrial nacional similar- õ. daqueles países, deforma a permitir a concorrência no mercado internacional.Além deste objetivo principal, cabe aos pólos tecnológicosque concentram-se em regiões de economia agrária aresponsabiIidade da modernização da comunidade local,levando à sociedade tradicional os elementos modernoscaracterísticos dos grandes centros urbanos.

Já existem, no Brasil, alguns pólos tecnológicos surgidos,na década de 80. com o apoio dos governos estaduais emunicipais. A maior parte está localizada em municípios nosquais se situavam instituições de ensino e pesquisa e quenão possuíam um parque industrial grande. Podemos citar comoexemplos os pólos de Santa Rita do Sapucaí MG), São José dosCampos (SP), São Carlos (SP), Campina Grande (PB) eFlorianópolis (SC) (10). Cada um destes possuemcaracterísticas específicas, apresentando forma deconstituição e realidades próprias.

Os pólos tecnológicos têm se dado em municípios com algumadas duas características:

em centros onde já havia um grande distrito industrial,como pode-se observar em São Paulo e Campinas (SP), porexemplo;em regiões que anteriormente tinham pouco ou nenhumcontato com a industrialização, como é o caso de SãoCarlos (SP), que tinha um pequeno centro industrial eSanta Rita do Sapucaí (MG), que tinha uma economia decaráter agrícola.

(10)MEDEIROS , José Adelino et alii. Pólos tecnológicos enúcleos de inovação: lições do caso brasileiro. BAUSP,São Paulo, vol. 25 (4), out/dez.1990.

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2. O OBJETO DE ESTUDO E SUA ABORDAGEM.

Este trabalho pretende analisar as implicações daimplantação de um pólo tecnológico em uma cidade de economiaagrária, como proposta de modernização da sociedade local,procurando avaliar o relacionamento da comunidade com asinstituições de ensino e empresas modernas ali localizadas.A preocupação básica, portanto, está em entender quais asnovas car-act.er-íat.Lca s de uma comunidade agráriatradicional, após receber em seu meio, um conjunto deindustriais, corpo docente e discente das instituições deensino, comprometidos com uma proposta de modernizaçãotecnológica, nos moldes de países desenvolvidos, com 08

quais ela não está familiarizada, mas passa a conviver. Paraa realização deste trabalho, entre o início de 1991 e oprimeiro semestre de 1992, foi feita uma pesquisa em SantaRita do Sapucaí-MG, que consiste no estudo de caso escolhidopara esta análise.

2.1. Posição do problema

A preocupação central deste estudo está na análise dorelacionamento da comunidade de Santa Rita do Sapucaí (MG)- com atividade econômica básica a agropecuária - com asinstituições de ensino e pesquisa e as empresas que lá selocalizaram, com o apoio do Estado, formando um pólotecnológico de desenvolvimento e produção de tecnologia

I\.eletrônica e de telecomunicações, na década de 80. O objetode estudo consiste nas implicações da implantação de um pólotecnológico em uma cidade de economia agrária, como propostade modernização da comunidade local, através do estudo decaso de Santa Rita do Sapucaí - MG.

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Inicialmente, é essencial definir o conceito de comunidadeaqui utilizaào. Recorremos a Tonnies(ll), segundo o qual:

'.

"Tudo o que é confiante, íntimo, que viveexclusivamente junto, é compreendido como a vida emcomunidede (assim pensamos). A socieda.de é o que épúblico, é o mundo. Ao contrário, o homem se encontraem comunidade com os seu desde o nascimento. unido aeles tanto no bem como no mal. Entra-se na sociedadecomo em terra estrangeira.Segundo a teoria da sociedade, esta é um grupo dehomens, que, vivendo e permanecendo de maneira pacíficauns ao lado dos outros, como na comunidade, não estãoorganicamente unidos mas organicamente separados;enquanto que na comunidade estão unidos, apesar de todaseparação, na sociedade estão separados, apesar de todaligação."

A escolha do conceito de comunidade nesta análise justifica-se pelo fato de existir em Santa Rita do Sapucaí um grupo depessoas coesas por seus valores, modo de vida e sentimentos,que foram construídos, historicamente, durante quase umséculo. Com este grupo convive um conjunto de pessoas comoutros valores, que, entre si, também se mantêm coesos. Arelação entre ambos os grupos, entretanto, não se constitueem relação comunitária. Ela é regida por uma necessidade deconvívio, por interesses econômicos, sem o desenvolvimentodos laços informais, antes mencionados. Assim, entendemosser mais adequado chamar a cada grupo de comunidade,considerando o conjunto das pessoas que convivem na cidade,como a sociedade local.

o estudo da comunidade de Santa Rita do Sapucaí faz-se,'\ 'necessário para a compreensão das implicações que a prática ",

de desenvolvimento, através de pólos tecnológicos, gera paraa sociedade dos municípios nos quais este tipo de processose dá. Portanto, o contexto teórico em que este trabalho se

(ll)TONNIES, Ferdinand. Comunidade e sociedade comoentidades típico-ideais. In: FERNANDES, Florestan.COmunidade e Sociedade: leituras sobre os problemasconceituais, metodológicos e de aplicação, São Paulo,Editora Nacional e Editora da USP, 1973. p.97 e 106.

11

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fundamenta, está na percepção das influências da teoria damoder·nização nesta prática atual de de se nvoLv í.ment;o (1:2 j, o

que leva à retomada da discussão moderno/tradicional.

Em Santa Rita do Sapucaí há uma estreita interação entre asinstituições de ensino/pesquisa e as indústrias no

,\

\

desenvolvimento de produtos e processos de tecnologia.avançada. Esta ligação forte traz para a cidade umacomposição diferenciada, uma vez que a sociedade localpassou a ser dividida em dois grupos básicos: a comunidadelocal composta pelos trabalhadores urbanos, os comerciantese proprietários e trabalhadores rurais por um lado, e ocorpo docente e discente das escolas com os industriais poroutro.

II

1

\,

\I

I

Um aspecto importante deste relacionamento está em que nosdois grupos há uma dependência em relação ao mercadointernacional e ao mercado interno da metrópole de SãoPaulo. Para os proprietários rurais, esta dependênciatraduz-se na venda de seus produtos - o leite e o café - queé feita através de suas cooperativas, que tem como principaldestinatário a cidade de São Paulo. Para os industriais.tanto o mercado consumidor como seus fornecedoresconcentram-se na mesma cidade.

(12) g considerada teoria da modernização, a análise sobredesenvolvimento econom1CO, elaborada por diversosteóricos, mundialmente, que buscavam nas experiênciasde países mais avançados, o caminho a ser seguidopelas nações em fase de transição ousubdesenvolvimento. São representativos os seguintesestudos de autores desta teoria: ROSTOW, Walt Whitman.Etapas do desenvolvimento econÔmico. 6. ed. Rio deJaneiro, Zahar Editores, 1978., HOSELITZ, Bert"F..Aspectos sociológicos do crescimento econÔmico.Brasil-Portugal, Editora Fundo de Cultura, 1964.,GERMANI. Gino. Politica y Sociedad en una epoca detransicjon. Buenos Aires, Editorial PaidosS..A.I.C.F., 1968., e LAMBERT, Jacques. Os doisBrasjs. São Paulo, Companhia Editora Nacional, 1986,13.edição.

12

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o comércio im:.ernacional também tem para ambos uma

importância relevante, pois o café, muitas vezes tem seupreço definido pela possibilidade de exportação, e o leite,da importação, ao passo que os produtos eletrônicos tem como

paradigma e principais concorrentes os produtosestrangeiros.

A análise do relacionamento entre os dois grupos presentes

no município deve se dar sob uma perspectiva diferente deoutros casos, onde houve uma 'industrialização nos moldestradicionais. A cidade de Santa Rita do Sapucaí deve serentendida como um local onde foi instalado um pólotecnológico com o objetivo de possibilitar um

desenvolvimento na área eletrônica e de telecomunicações,LlOS padr'ões dos países desenvolvidos. Por isto, ascaracter-íst. icas de suas instituições de ensino e pesquisa e

das indústrias são diferenciadas dos sistemas de produçãotradicional. Esta especificidade de suas indústrias eescolas determina, aos seus agentes, uma concepçãovalorizadora do moderno, entendido como o padrão de vida dospaíses avançados.

Na comunidade, os valores e costumes estão extremamenteinfluenciados pelo capital agrário que manteve o domíniolocal por quase 100 anos. Foram os proprietários rurais quepossibilitaram a formação do centro urbano de Santa Rita doSapucaí, sendo reponsável por sua direção intelectual emoral.

Isto posto. a análise ,da industrialização de Santa Rita doSapucaí como geradora da modernização da comunidade localdeve se dar dentro de um contexto diferenciado, que precisaconsiderar as especificidades do tipo de industrialização láadotado no entendimento de sua relação com uma comunidaderural. lt necessário observar que há diferenças entre estas

13

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iniciativas e as experiências de parquestradicionais.

industriais

Já foram avaliados por vários autores diversos aspectos dospólos tecnológicos, em especial: a interação entre asinstituições de ensino e pesquisa, o governo e asindústrias; as características específicas das empresas e doensino nestes municípios; o tipo de contexto internacionalque gera o surgimento dos pólos; além do conteúdo dastecnologias neles desenvolvidas.

As consequências de instalação de centros de alta tecnologiaem locais onde não há um complexo industrial, como forma degerar o desenvolvimento da região é analisada por HermesMagalhães Tavares, que não acredita que seja possíve1 noBrasil, gerar um desenvolvimento regional equalitário apenae:através desta iniciativa:(13):

.....Pelo visto, as novas tecnologias, que têm como umde seus objetivos centrais flexibilizar a produção e ouso da força de trabalho, não constituem uma fórmulamágica para resolver problemas que se colocam no planosocial e territorial, pois a experiência aponta maispara as desigualdades.Essa constatação é válida para o Brasil, quando sepropaga a pretensão de estimular a criação de centrosde alta tecnologia, contando-se com isso deslocar aindústria das grandes metrópoles para centros"periféricos" menores e alcançar, desse modo, umdesenvolvimento regional mais equilibrado. Talestratégia não pode deixar de considerar, por outrolado, que, no Brasil, os complexos industriais pesados,como os pólos de desenvolvimento - ao contrário do queacontece nos países "centrais" cumpr-a.r-aoainda umsignificativo papel para a acumulação."

A discussão sobre pólos tecnológicos também tem sidoencarada do ponto de vista das características imprimidas àsuniversidades, quando passam a manter uma estreita relação

(13)TAVARES, Hermes Magalhães. Inovações tecnológicas e suasimplicações territoriais. In: Brasil: territÓ:r'iodadesigualdade: DeSCaminhos da Modernizacão, PIQUET,Rosélia e RIBEIRO, Ana Clara Torres - org. p.94.

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com as empresas. Santa Rita do Sapucaí (MG) foi estudo decaso de uma tese de doutcrado(14), que buscava compreenderos reflexos da automação de base microeletrônica no processoprodutivo, nas suas escolas. A autora faz uma análise sobreo conteúdo dos cursos de engenharia e técnico em eletrônica,com o objetivo de compreender qual o perfil educacionalpassado aos seus alunos, para que possam atuar em um mercadode trabalho, com constantes inovações tecnológicas.

Também Martha Demattos (15) baseou-se na experiência deSanta Rita do Sapucaí para realizar sua dissertação demestrado, que teve como objetivo avaliar o processo desurgimento de pólos tecnológicos no Brasil. Para tanto, fazuma análise do processo de surgimento destes pólos nospaíses centrais e no Brasil, através da observação daparticipação do Estado e da interação escola-empresa nestasexperiências.

Ainda,através

tem sido discutida a interação escola-empresa,da análise e observação das políticas de

industrialização adotadas no país, face à grande importânciado fator tecnologia a nível internacional. Em sua obra"Política Industrial Projeto Social", Henrique Rattner fazuma avaliação do contexto internacional e nacional, com oobjetivo de alertar para a necessidade de uma política deciência e tecnologia nacional, que considere as reaiscondições da sociedade brasileira. Entre outras propostas, oautor ressalta a necessidade da integração entreuniversidades e empresas no desenvolvimento de novastecnologias (16).

(14)PINTO, Ana Maria Rezende, O Mundo Capitalista e astransformacÕes do Fordismo: a Reabilitacão da EscolaClássica na Era das Máquinas Inteligentes. p.10

(15)DEMATTOS, Marta. PÓlos tecnolÓgicos: um estudo de caso.(16)RATTNER, Henrique. Política Industrial Projeto Social.

São Paulo, Editora Brasiliense, 1988, p. 99

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Por fim, o tema deste trabalho encaixa-se na discussão maisampla da desigualdade regional encontrada no Brasil,decorrente das políticas de industrialização adotadas peloEstado no último século.

Conforme já afirmado, os pólos tecnológicos resultam dainteração de quatro agentes básicos: as instituicÕes deensino e pesquisa, as indÚstrias, o Estado e a cOmunidade.Em Santa Rita do Sapucaí, as relações entre os trêsprimeiros agentes já foi avaliada em outros trabalhos. Aqui,será analisada a relação entre os dois primeiros e acomunidade.

Apesar de o Estado ser considerado um quarto agente, nosurgimento do pólo tecnológico, ele deve ser compreendidonão como uma instituição externa a um ou outro grupoexistente na sociedade, mas sim como uma instância de poder,onde estão representados os diversos interesses da classedominante e mesmo da classe dominada, mesmo queprecariamente. (17)

Esta análise da comunidade local de Santa Rita do Sapucaitem como princípio a aceitação de que tanto os proprietáriosrurais, como os industriais, possuem interesses empresariaisque acabaram por gerar um contexto sócio-cultural diferentepara o setor rural e industrial, necessários à acumulação decapital em cada um.

Assim, as contradições a serem percebidas não estão nosinteresses destes dois grupos, mas sim na forma de atingí-(17)Esta concepção do Estado está baseada no conceito

gramsciano, apontado por Hugues Portelli: "A estruturadefinitiva do Estado depende das características daatividade dos intelectuais, entendidos como "agentes"da classe dominante, para o exerC1C10 da direçãopolítica e cultural do bloco histórico." PORTELLI,Hugues. Gramsci e o Bloco HistÓrico. Rio de Janeiro,Paz e Terra, 1977, pg. 36

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los, pois cada um supõe um aparato institucionaldiferenciado para sua acumuLaç ào. Um exemplo concreto estána formação do trabalhador que os industriais necessitampara uma produção baseada em novas tecnologias que écompletamente diferente da pretendida pelo setor rural.

Isto posto, neste trabalho, pretende-se analisar, maisespecificamente, as relações existentes entre os agentes damodernização emergentes em Santa Rita do Sapucaí com acriação de um pólo tecnológico no municipio, com acomunidade local, cuja atividade econômica baseava-seexclusivamente na agricultura.especificamente na identificaçãoestes agentes para a comunidade.

A análise incide maisdo conteúdo trazido por

2.2 - Hipóteses

A hipótese principal deste trabalho está em que apenas ainstalação de um pólo tecnológico em Santa Rita do Sapucai(MG) não é suficiente para a modernização da comunidadelocal.

Para possibilitar esta análise, foram adotadas algumashipóteses básicas, necessárias à formulação do problema:1. Em Santa Rita do Sapucai foi instalado um pólo

tecnológico,indústrias de

consideradoprodutos de

como a concentraçãotecnologia avançada,

deque

interagindo com instituições de ensino e pesquisa locais,e com o apoio do governo, buscam a capacitaçãotecnológica na área de eletrónica e telecomunicações.

2. A comunidade de Santa Rita do Sapucaí não está integrada,havendo dois grupos que convivem dissociadamente nacidade: a comunidade local já existente, por um lado, eos industriais, corpo discente e docente das escolastecnológicas por outro.

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3. Os agentes sociais dos setores modernos, entendidos comoos ligados às indústrias e instituições de ensino epesquisa, não eram originários de Santa Rita do Sapucaí,tendo na sua grande maioria, vindo de outros centrosurbanos.

4. Houve uma modernização do setor agrário da cidade com acriação de cooperativas, com vistas ao mercado dacapital, a partir da década de 50.

5. A presença de escolas tecnológicas de peso na área daeletrônica e telecomunicações atraiu os investimentosindustriais da área no local.

6. Desde seu surgimento até os anos 80, os proprietáriosrurais detiveram o controle político local, tendo estesido pulverizado através da atuação de pessoasinteressadas ao desenvolvimento industrial no município,nesta década.

2.3 - Metodologia

Este trabalho não consiste em uma pesquisa quantitativa.Trata-se uma interpretação de uma realidade, a partir de umaconcepção teórica, procurando verificar o conteúdo darelação entre os agentes modernizantes de um pólotecnológico com a comunidade local, de economia anteriorbaseada na agropecuária.

Para tanto, foi escolhida a cidade de Santa Rita do Sapucaí(MG), que tem sido considerada como um pólo tecnológico eque tinha a agropecuária como atividade econômica básica.

A coleta de dados para a elaboração deste trabalho não foielaborada a partir apenas de uma técnica, como entrevistasou respostas a questionários. Para abranger a complexidadede uma comunidade, foi necessário não apenas levantar dadosem documentos,conviver algum

entrevistastempo com

e conversas informais, comoEstaparte da comunidade.

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convivência ocorreu não apenas nas quatro vezes que apesquisadora esteve trabalhando na cidade, como em outrasoportunidades. como na fest.n dn sant,a pi'l.droeiralocal, em1991, e em alguns fins de semana passados lá.

Inicialmente, foi realizada uma pesquisa nos diversos meiosde imprensa e universidades, na busca de materialbibliográfico que pudesse caracterizar a cidade comoadequada à realização do estudo. Foram identificadasdiversas reportagens nos mais variados meios de imprensa,que apresentavam Santa Rita do Sapucai (MG) como um pólotecnológico. Também foram identificadas duasdissertações(18), sendo uma de mestrado, outra de doutorado,que utilizaram o município como estudo de caso,caracterizando-o como um pólo tecnológico.

Após este levantamento inicial, foi realizado na cidade umlevantamento de documentos oficiais ou não, que trouxesseminformações sobre as caracteristicas gerais do município eseu histórico.Municipal, a

Para tanto,Biblioteca

foram visitadasdo Instituto

a BibliotecaNacional de

Telecomunicações e a Prefeitura Municipal.

Para compor uma amostra significativa do mun í.c Lp.ío,procurou-se montar uma classificação geral, que englobasseos. diversos agentes da comunidade local. Assim, buscou-seentrevistar pessoas das instituições de ensino e pesquisa -corpo docente e discente; pessoas ligadas à atividadeempresarial - trabalhadores e industriais; pessoas ligadasao setor agrário - proprietários rurais; e, representantesdo poder local.

(18)PINTO, Ana Maria Rezende, O Mundo Capitalista e astransformacÕes do Fordismo; a Reabilitacão da EscolaClássica na Era das Máquinas Inteligentes. e DEMATTOS,Marta. PÓlos tecnológicos; um estudo de caso.

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Dispondo destas informações básicas, foi realizado ummapeamento das principais pessoas que participaram doprocesso de implantação das escolas na cidade, da criação dopólo tecnológico e pessoas do setor agrário. Para isto, foirealizada uma entrevista inicial com um ex-estudante daescola de engenharia local, que lá residiu por mais de dezanos, tendo acompanhado todo o processo de implantação dopólo.

Embora este mapeamento tenha colaborado para a programaçãoinicial de entrevistas, ele foi inúmeras vezes alteradodevido às novas informações obtidas com os entrevistados.

Foram realizadas as seguintes entrevistas:uma entrevista com o prefeito da cidade, na época daimplantação do pólo tecnológico, realizada em 22-05-91;uma entrevita com o diretor do Instituto Nacional deTelecomunicações - INATEL, na época da implantação do pólotecnológico, em 22-05-91;uma entrevista com dois representantes da Faculdade deAdministração e Informática local, em 23-05-91;duas entrevistas com dois proprietários de indústriaslocais, sendo um ex-aluno da Escola Técnica de Eletrônicae do INATEL e sua indústria originária de Santa Rita, eoutro com indústria originária de São Paulo, em 23-05-91;

· duas entrevistas com dois ex-alunos do INATEL, em 18-08-91;

· uma entrevista com o responsável pelos cursos de extensãouniversitária do Instituto Nacional de Telecomunicações _CEDETEC, em 16-10-92;

· uma entrevista com o presidente da Associação dasIndústrias do município, em 17-10-91;

· uma entrevista com o presidente da Cooperativa local deleite e café, em 17-10-91;

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. uma entrevita com um proprietário rural antigo da cidade esua esposa, herdeira de um dos maiores latifundios daregião, em 23-10-91;uma entrevista com uma moradora antiga da cidade efuncionária do INATEL, em 30-03-92; e,três entrevistas com três trabalhadores de diferentesindústrias locais, em 30-03-92.

As entrevistas não contaram com um roteiro formal deperguntas, pois as pessoas entrevistadas tinham informacõesdiferenciadas a apresentar, decorrentes de suas atuacõesespecificas na comunidade. Assim, não foi possiveldesenvolver um único roteiro que abrangesse as entrevistascom trabalhadores e pessoas da comunidade, industriais,pessoas vinculadas ao setor agrário e pessoas vinculadas aosurgimento do pólo eletrônico através das escolas, ao mesmotempo.

Também foram realizadas algumas conversas informais compessoas do municipio, que colaboraram para o levantamento dedados:

uma conversa com um inventor de máquinas agricolas daregião;

· uma conversa com um dos herdeiros de um proprietário deterras da cidade;

· uma conversa com a ex-empregada doméstica de Dona SinháMoreira, figura essencial na implantacão do ensino técnicode eletrônica no local; e,

· uma conversa com um dos diretores atuais do INATEL.

Durante o periodo de levantamento de dados, além de visitasàs diversas empresas, escolas epresenciados os seguintes eventos:

instituicões, foram

· um Seminário para discussão de experiências de interacãouniversidades-empresas, do qual participaram industriais

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locais e .professores do INATEL e da Escola Técnica deEletrônica, professores da UFHG, da Universidade Federalde Itajubá, representantes do Estado de Minas Gerais eoutros, realizado em 13/11/91;a PROJETE - Feira de projetos elaborados por alunos daEscola Técnica de Eletrônica, realizada no período de 17 a19/10/91.

Também foi coletado, através do levantamento de fitascassetes, um debate realizado no INATEL, intitulado"Relacionamento escola e comunidade", em agosto de 1991, porocasião da Semana da Cultura, evento anual da instituição.

Durante o período da pesquisa foram levantados diversosdocumentos sobre o município, que posteriormente servirampara a composição de uma avaliação crítica sobre o objeto deestudo. Estes documentos estão arrolados no Anexo I.

Paralelamente ao levantamento de dados for~n feitos estudosbibliográficos sobre o processo de industrialização noBrasil, que resultou em um "paper" utilizado na redaçãofinal da dissertação.

Durante o segundo semestre defrequentou um seminário especialUniversidade Estadual de Campinas,

1991, a pesquisadorade orientação, na

coordenado pela Prof.Dra. Lili Katsuco Kawamura, onde foram realizadas diversasleituras, que culminaram na elaboração de mais três"papers", também aproveitados neste texto.

Ainda, no segundo semestre de 1990, foi elaborado um "paper"para a disciplina Urbanização e Desenvolvimento ministradapelo Prof. Dr·. Ruben Cesar Keinert, que está inserido nocorpo desta dissertação.

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A partir do material coletado na pesquisa de campo eutilizando a bibliografia existente e significativa sobre amodernização do país, industrialização, relação cidade-campoe tecnologia, buscou-se elaborar uma interpretação críticada realidade, aqui analisada.

Para elaborar tal interpretação. foi necessário compreenderos processos ocorridos em Santa Rita do Sapucaí, em relaçãoà realidade nacional, estabelecendo limiares e determinandoas influências maiores que existem no Brasil, no que serefere aos temas aqui abordados. Assim, para ser possívelcompreender se houve modernização da comunidade local, foipreciso observar o moderno e o tradicional de Santa Rita doSapucaí no contexto do moderno e tradicional mais amplo noBrasil.

Para a avaliação da relação entre moderno e tradicional, foiadotado o conceito de comunidade. A compreensão de quecoexistem duas comunidades diferentes convivendo no local.somente foi possível a partir da sua conceituação maisprecisa e da percepção da globalidade deste fenômeno, que jáfoi constatado em outros locais, como no estudo de MariaIsaura de Queiroz, no povoado de Santa Brigida(19).

Através deste tipo de análise, que foi possível escolher umobjeto de estudo que fosse capaz de apresentar umacomunidade com vida própria e demonstrar como ela contém ascaracterísticas da sociedade global em que está inserida,apresentando problemas que a própria sociedade nacional temque enfrentar.

(19)QUEIROZ. Maria Isaura de. O povoado de Santa Brigida.In: FERNANDES, Florestan, org. COmunidade e Sociedadeno Brasil: Leituras básicas de introducão ao estudomacro-sociológico do Brasil. 2. ed. São Paulo, EditoraNacional, 1975. p. 60-66.

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3. APRESENTAÇÃO DO TRABAIJIO

Para a realização da análise pretendidaforam elaborados cinco capítulos:1. O primeiro capítulo tem comohistórico de Santa Rita do Sapucai.

neste trabalho,

objetivo apresentar oPara tanto, apresenta

uma visão da teoria da modernização e de sua crítica, umavez que Santa Rita sofreu diversas transformaçõesdecorrentes das políticas mais ampLas do Estado, que t í ver-amcomo pano de fundo o objetivo de modernização, tal qualpreconizado por aquela teoria..2. O segundo capítulo tem por objetivo demonstrar osaspectos tradicionais na comunidade de Santa Rita doSapucaí. Para caracterizar o setor rural local, sãoavaliadas as diversas transformações que este setor sofreu,a nível nacional, neste século. Também são apresentadasneste Capítulo, as características gerais dos outros setoresda economia de Santa Rita do Sapucaí, com exceção doindustrial, da politica local e das e:~:pressõesculturaisencontradas no município.3. O Capitulo 111 tem o objetivo de demonstrar ascaracterísticas gerais da comunidade moderna de Santa Ritado Sapucaí. Para tanto, faz uma análise do processo deintrodução de tecnologia no processo produtivo brasileiro, ea partir daí demonstra como foi implantado o pólotecnológico no município. Após isto, é apresentada umacaracterização da comunidade moderna, ressaltando osdiversos aspectos de suas instituições de ensino e pesquisa,de suas indústrias e da relação entre ambas.4. O capítulo quatro traz a análise da realidade estudada,com c' objetivo de entender o relacionamento entre acomunidade de Santa Rita do Sapucai com os agentesmodernizantes, representados pelos industriais e pelosprofessores e alunos das escolas locais. Através da

percepção deste relacionamento, Santa Rita do Sapucai eanalisada eriquen t.c. estudo de case: para perceber as

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implicações da implantação de um pólo tecnológico em umacidade de economia agrária, como proposta de IYlodernizaçãodacomunidade local.5. Por fim, na coneLueão , é enquadrada a experiência deSanta Rita do Sapucaí, no contexto nacional, como um exemplodas implicações que as propostas de modernização de regiõesagrárias tradicionais através da implantação de pólostecnológicos, podem trazer. ~ ressaltado o fato de que, noBrasil, as experiências dos pólos já existentes apontam parauma série de problemas que o surgimento de empresas detecnologia avançada provocam na realidade dos municípios emque se concentram e no próprio desenvolvimento destasindústrias.

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CAPíTULO I

SANTA RITA DO SAPUCAí (MG): SUA HISTóRIA

Neste capítulo será apresentado um histórico e umacaracterização de Santa Rita do Sapucaí, com o objetivo desituar o leitor na realidade que este trabalho dispõe-se aanalisar. Os dados aqui apresentados foram coletados atravésde entrevistas e documentos. As análises relativas àspolíticas econômicas nacionais, são utilizadas apenas parademonstrar os contextos que geraram iniciativas diversas emSanta Rita do Sapucaí, uma vez que não constituem objeto deestudo deste trabalho, e que já foram amplamente estudadaspor diversos autores(20).

Para contextualizar o processo de desenvolvimento local,será exposta, em linhas gerais, a teoria da modernização esua crítica, já que em diversos momentos de sua história,Santa Rita do Sapucaí foi influenciada por políticaspúblicas nacionais, que tinham como objetivo a modernizaçãonacional, tal como preconizada por aquela teoria.

1 - AS POLíTICAS DE INDUSTRIALIZAÇ~O BRASILEIRAS E OPROCESSO DE MODERNIZAÇ~O

Dentro do contexto internacional, foi muito importante aindustrialização dos países subdesenvolvidos para atender àsdiversas necessidades que os países centrais tiveram para

(20)Para as observações apresentadas, foram utilizados,basicamente, as seguintes obras: SINGER, Paul. A crisedo milagre. Rio de Janeiro, Editora Paz e Terra,1976., O dia da lagarta. São Paulo,Editora Brasiliense, 1987, IANNI, Octávio. O ciclo dareyolução burguesa. Petrópolis, Editora Vozes, 1984.,

A ditadura do grandE: capital. Ed.Civilização Brasileira, 1981 e SANDRONI, Paulo (org.).Constituinte, Economia e Política da Noya RepÚblica.São Paulo, Cortez e EDUC, 1986.

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atingir e manter o seu desenvolvimento, uma vez que adivisão internacional do trabalho sempre implicou em que asnações mais atrasadas subsidiassem, de diversas formas, oavanço dos países centrais.industrializaçãosempre adequados

nacional.No Brasil, para

foram escolhidosviabilizar acaminhos nem

à situação social e econômica, mas semdúvida, condizentes com os interesses internacionais e dasclasses dominantes do pais.(21)

A escolha dos meios para atingir a industrialização tevecomo paradigma a experiência dos países centrais,acreditando-se que traçando um caminho similar, era certoatingir o mesmo nível de desenvolvimento. Entretanto, aspolíticas de industrialização brasileiras, que foramorientadas neste sentido, não obtiveram os resultados queforam anunciados como esperados, pois ignoraram as reaiscondições sociais e econômicas da sociedade nacional e asconsequências de um desenvolvimento dependenteinternacionalmente.

Assim, as políticas de industrialização estiveram aliadas à

uma concepção de modernização da sociedade brasileira. Ateoria da modernização foi reformulada em diferentesmomentos históricos, mas continuamente teve como objetivoprincipal levar o país à uma posição de potência no mercadointernacional.

De acordo com esta visão, uma das condições necessárias paraatingir a modernização é, até hoje, romper com otradicionalismo de determinadas regiões mais atrasadas dopais, que se mantêm assim, por não participarem do sistema

(21)Ver CARDOSO, Fernando Henrique & FALETTO, Enzo.Dependência e desenvolvimento na América Latina. Rio deJaneiro, Zahar Editores, 1970 e RATTNER, Henrique.Política Industrial Projeto Social.

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econômico e social moderno, que surge com aindustrialização.

Esta concepção traz para o contexto nacional uma visãodistorcida da nossa realidade, que pretende ignorar aimportância que os setores, ditos tradicionais, tiveram naviabilização da industrialização do pais, e a relaçãoestreita existente entre eles o os setores modernos.

A expansão do parque industrial brasileiro apresenta-se comouma necessidade para o desenvolvimento econômico e social dopais, e tem sido pretendida pelas diversas políticas deindustrialização implementadas nos últimos sessenta anos.

A adoção dos pólos tecnológicos constitui mais uma políticade desenvolvimento, queassim como diversas

busca a modernização nacionalpolíticas de industrialização

brasileiras implantadas desde 1930 - e que foi formulada apartir da experiência internacional.

Esta análise é essencialrelacionamento entre a

para que secomunidade

possalocal

compreender ode um pólo

tecnológico, de economia anteriormente agrária, com asinstituições de ensino e empresas de tecnologia avançadalocalizadas no mesmo município, já que esta relação é

consequência de mais uma política de industrialização quevem sendo implementada pelo Estado a partir de uma concepçãode modernização a ser atingida nos moldes dos paísesadiantados.

(22)Este tipo de análise pode ser encontrado em LAMBERT,Jacgues. Os dois Brasis.

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1.1 A modernizacão dos países periféricos

A industrialização do Brasil deve ser entendida a partir daperspectiva modernizadora, presente nas análises docrescimento econômico no século atual, as quaisinfluenciaram as ações de organismos internacionais e ogoverno brasileiro, na busca do desenvolvimento econômico.

Com o advento das economias chamadas desenvo1vidas, muitosautores passaram a preocupar-se em compreender comoocorreram os processos de modernização destes paises. Paratanto, foram elaboradas diversas teorias que buscavamdelinear os passos necessários para uma nação, de economiaatrasada, atingir o desenvolvimento econômico.

o termo desenvolvimento econômico não possui uma concepçãoúnica, havendo autores que relacionam este estágio de umaeconomia ao nivel de distribuição de renda, outros ao graude absorção de tecnologias ou mesmo alguns, àscaracteristicas econômicas, sociais e culturais dos paisesanalisados. O ponto comum entre todos ê que o estágio dedesenvolvimento é aquele encontrado em paises da EuropaOcidental e nos Estados Unidos.

Todas as análises sobre desenvolvimento econômico partiam daaceitação da idéia de que haviam paises com um nivel dedesenvolvimento econômico avançado e outros em fase detransição ou subdesenvolvidos. Ainda, concordavam que dentrode uma nação em fase de transição, ou mesmo desenvolvida,poderiam encontrar-se regiões atrasadas. Este conceitoimplicava em uma visão dualista da sociedade e na busca deuma uniformização que seria necessária para odesenvolvimento.

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Para Rostow (23), as sociedades podem ser enquadradas emcinco categorias que indicam o seu estado de desenvolvimentoeconômico:1) as sociedades tradicionais: onde a produção per capita

era limitada pelo fato de a ciência e a tecnologia nãoserem utilizadas sistematicamente na produção ou nãoestarem disponíveis;

2) as pré-condições para o arranco: surgem as instituiçõescaracterísticas da sociedade moderna, como os bancos,educação, ...A sociedade tradicional passa a absorverestas mudanças, apesar de manter sua estrutura socialtradicional;

3 ) o arranco: oresistências

intervalo em que as antigas obstruções eao desenvolvimento regular são finalmente

superadas;4) a marcha para a maturidade: fase de progresso continuado,

quando a tecnologia moderna passa a ser aplicada naatividade econômica;

5) a era do consumo de massa: quando os setores líderes daatividade econômica passam a ser os produtos de consumoduráveis e os serviços.

A passagem de uma categoria para a outra é o caminho para ocrescimento econômico, que é medido de acordo com o grau deabsorção eficiente de tecnologias. A etapa, pré-condiçõespara o arranco, é o momento da transição da sociedadeagrícola para industrial.

Para muitos autores, a forma para modernização esteve aliadacom a transformação da sociedade não apenas em seu aspectoeconômico, mas também social e cultural, que deveria ocorreratravés do planejamento.

(23)ROSTOW, Walt Whitman. Etapas do desenvolvimentoeconÔmico.

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De acordo com Hoseli tz (24), era necessário criar teoriasamplas paró' diversas sociedades, ':;Lue dessem embasamento aoplanejamento dos países de economia atrasada e que pudessemgerar mudanças econômicas, culturais e sociais.

Foi amplamente difundida a idéia de que era necessário queas sociedades tradicionais pudessem ser modernizadas, deforma a atingir um estágio de desenvolvimento econômicosimilar ao das economias já evoluídas. A teoria damodernização no Brasil partiu desta concepção e orientou opaís na busca de seu desenvolvimento.

Outro ponto central nas análises da teoria dodesenvolvimento, era a relação cidade-campo, já que o campoera caracterizado como a sociedade tradicional que deveriaser ultrapassada, pois mantinha elementos limitadores docrescimento econômico.

Esta dualidade fica explícita nas idéias de Hoselitz(25):

A organização econômica da cidade representava a formapredominante da economia capitalista; a do campo, emcontraste, mantinha ainda muitos elementos próprios dasformas pré-capitalistas. Portanto, no plano puramenteeconômico, as divergências eram claramente apreciáveisnas instituições, nas formas de organização produtiva,na especialização profissional e na estrutura social namedida em que se referissem a grupos economicamentediferenciados ....O contraste, todavia, entre cidade e campo não seconfina somente na organização econômica. Embora sem oafirmarem expressamente, todos os escritores queassinalam este contraste sugerem que ele é maisdilatado do que seu mero reflexo nas diferenças daorganização produtiva e nas formas da atividadeeconômica ....Assim, o método escolhido nos impõe como umanecessidade, que conceituemos a cultura urbana como nãosendo uma cultura rural.

(24)HOSELITZ, Bert F .. Aspectos sociológicos do crescimentoeconômico.

(25)HOSELITZ, Bert F .. Aspectos sociológicos do crescimentoeconômico. p.174-176.

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Percebemos, então uma visão dual não somente no que serefere às diferenças econômicas entre cLdade e ti campo. mastambém às culturas de um e outro.

Jacques Lambert(26), adepto da teoria da modernização, aocomentar a existência de um Brasil arcaico e outrodesenvolvido, demonstra a necessidade de avanço do primeiropara que .o país possa desfrutar dos beneficios dodesenvolvimento econômico:

...A unificação dos dois Brasis constitui o grandeproblema econômico e social contemporâneo e osbrasileiros, em geral, têm plena consciência disso. Aunificação, naturalmente não se poderá efetuar a nãoser pela generalização a todo o pais dos modos e níveisde vida que prevalecem no Sul; trata-se menos deaumentar as vantagens de que gozam os habitantes doBrasil desenvolvido, que de integrar nesse Brasil, afim de que lhe desfrutem tais vantagens, os milhões dehabitantes do Brasil arcaico.

Esta idéia dualista do país, indicava que o país era formadopor um Brasil novo, onde havia prosperidade eindustrialização, e um Brasil velho, onde a sociedade,muitas vezes representada pelos agentes da agricultura, eraimóvel e miserável.

Considerando que a visão desenvolvimentista propagada nomundo neste século foi amplamente absorvida pelos países deeconomia periférica, temos que compreender os caminhosadotados no Brasil para sua industrialização, a partir destavisão modernizante que permeou as políticas do Estado nasúltimas décadas, especialmente após 1955.

Desde o final da década de 70, estando os países avançadosem uma etapa do desenvolvimento onde a criação e utilizaçãode tecnologias de ponta, no sistema capitalista de produção,são fatores essenciais ao crescimento econômico e àconcorrência internacional, impõe-se aos países periféricos,(26)LAMBERT, Jacques. Os dois Brasis. p.194.

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a necessidade de caminharem em direção à capacitaçãotecnológica.

Como a teoria do desenvolvimento influenciou as diversaspolíticas implementadas no Brasil durante todo o seuprocesso de industrialização, nos últimos anos, o conceitode modernização está acompanhado da preocupação tecnológica,já presente em diversas medidas adotadas pelo Estado,incluindo-se entre elas, a proposta de incentivo aosurgimento de pólos tecnológicos.

~ por esta razão querelacionamento entre a

consideramos, quecomunidade de um

a análise domunicípio com

economia agrária, onde se instala um pólo tecnológico, comas indústrias modernas e as instituições de ensino epesquisa tem que estar aliada à uma análise critica dateoria da modernização. Dois aspectos desta teoriacontribuem para a compreensão do processo deindustrialização de Santa Rita do Sapucaí, que foi escolhidacomo estudo de caso para esta dissertação:1) o fato de ser considerado como paradigma para o

desenvolvimento econômico, os países adiantados, levandoas economias periféricas a industrializarem-se em umabase apropriada principalmente, aos interesses e padrõesexternos;

2) o fato desta teoria ter uma visão dual da economia econsiderar necessário difundir a modernização nas regiõesagrárias, levando a industrialização e novos padrõesculturais e sociais para estas áreas.

Em Santa Rita podemos verificar duas características clarasresultantes da aplicação destes princípios nas politicasmais amplas de industrialização do Estado: ser uma economiae um sistema socialindustrialização, e,

básicamente agrário que sofreu certater tido um parque industrial baseado

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em produtos de tecnologia avançada, formado aos moldes dae~periência dos paises desenvolvidos.

1.2 - Uma análise crítica à teoria da modernizacão

Se por um lado é importante perceber que um processo demudança em uma cidade como Santa Rita do Sapucaí é resultadode um arcabouço teórico que permeou as diversas políticas doEstado nas últimas décadas, e que tem sua origem na teoriada modernização, por outro não podemos deixar de apontar asreais circunstâncias que levaram o país a atingir umdesenvolvimento nos moldes em que se deu (27).

Os modelos genéricos criados para as economias emdesenvolvimento não consideraram os aspectos internos dospaíses em transição e ignoraram que o desenvoIvimento é oresultado das interações dos diversos grupos e classessociais que possuem seus valores prõprios, e que sãotraduzidos em medidas econômicas especificas.

Ainda, não explicitaram que a existência dos paisessubdesenvolvidos estava relacionada com a função queexerciam no mercado internacional, que é regido segundo umsistema de poder de diversas nações. Assim, a questão dodesenvolvimento das economias atrasadas não está relacionadaexclusivamente com a existência de condições favoráveis paratal, mas também com o resultado das interações políticasinternas e externas. De acordo com Fernando Henrique Cardosoe Enzo Faletto (28):

(27)As críticas à teoria da modernização jã f'or-em amplamenteestudadas. Ver, por exemplo, os trabalhos de Octávioranni, Fernando Henrique Cardoso, Enzo Falleto eFrancisco de Oliveira. A apresentação destas críticasneste trabalho, tem por objetivo auxiliar nainterpretação do estudo de caso.

(28)CARDOSO, Fernando Henrique & FALETTO, Enzo. Dependênciae desenvolvimento na América Latina. p.28.

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...Para que tais estimulos ou mecanismos de defesa daeconomia subdesenvolvida possam dar inicio a umprocesso de industrialização que reestruture o sistemaeconômico e social, é necessário que se haja produzidono mesmo mercado internacional transformações oucondições que favoreçam o desenvolvimento, mas édecisivo que o jôgo político-social, nos países em viasde desenvolvimento, contenha em sua dinâmica elementosfavoráveis à obtenção de graus mais amplos deautonomia.

Esta visão mais crítica da teoria da modernização não foiadotada no país, que de acordo com as interações de gruposcontraditõrios que detiveram o poder, foram formulandopolíticas de industrialização, que ao invés de desencadearuma autonomia,dependência.

imprimia cada vez mais, um caráter de

A noção de dependência dos países periféricos, em relaçãoaos centrais deve ser entendida em termos econômicos,sociais e culturais.

Economicamente, é importante compreender que a dependênciaestá no fato de o nível e a forma do desenvolvimentoeconômico de um país subdesenvolvido, se dá de maneira aatender as necessidades que o conjunto dos países centraisapresentam para seu próprio crescimento. Historicamente,esta relação é claramente perceptível no Brasil, que cumpriueste papel no contexto internacional em diversos momentos,promovendo, inicialmente, a substituição de importações,posteriormente, desenvolvendo o seu setor de produção debens de capital, com o apoio dos países centrais, depoispermitindo a entrada de empresas daqueles países efinalmente, utilizando o apoio financeiro internacional.

Entretanto, foi o próprio contexto social e político internoque propiciou esta relação de dependência, uma vez que asdecisões relativas ao processo de modernização sempre foramtomadas pelas classes dominantes, que beneficiaram-se dotipo de desenvolvimento adotado. No Brasil, a composição de

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forças de diversos grupos da classe dominante no poderpermitiu que fossem aproveitadas as oportunidades oferecidaspelo mercado internacional para o desenvolvimento de algunssetores, e consequentemente atendidos os interesses dosgrupos no poder.

A orientação das políticasEstado no Brasil, desde

econômicas implementadas pelo1930, centralizou-se na sua

industrialização. Com o crescimento das indústrias no país,grande parte da população teve sua situação social ecultural afetada por mudanças, que foram sendo geradas pelonovo perfil da economia nacional. Entretanto, a participaçãoda maior parte da população nas àecisões econômicas nãoocorreu, e quando mostrou-se necessária acabou sendoreprimida por medidas populistas ou mesmo repressivas. Edentro deste contexto, que podemos compreender, como foipossível durante todos estes anos adotar medidas econômicasde caráter dependente, que beneficiaram as classesdominantes internas e externas e e:{cluíram as classesdominadas.

Por fim, é a relação de dependência que justifica umaindustrialização baseada, por exemplo, em uma aLtatecnologia que tem imprimido ao país a persistência de suacondição de pauperização, pela forma como ela se inseriu noprocesso produtivo, ao invés de uma industrialização voltadaàs reais condições sociais e econômicas nacionais.

Durante o período nacional-desenvolvimentista (1955-1964),ao mesmo tempo que uma burguesia industrial buscava ocrescimento da economia, nos moldes dos países avançados,necessitava compor com os setores oligárquicos, paraconservar a aliança desenvolvimentista e com a classetrabalhadora urbana que reivindicava oportunidades deemprego e de participação na estrutura do poder. Acomposição de interesses contraditórios no Estado contribuiu

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na geração de regiões atrasadas, conforme a visão dual dateoria da modernização.

A idéia dualista do Brasil vai estar presente em toda suahistória política, embora reformulada em alguns períodos.Esta visão, entretanto, negava que a agricultura exercia umpapel essencial no processo de acumulação global daeconomia, ã medida que seu setor exportador permitia ainversão de capitais para as indústrias e que oferecia mão-de-obra para compor um exército industrial de reserva paraos centros urbanos. Outro aspecto relevante nesta relação éo fato de que fornecendo alimentos produzidos com mão-de-obra rJF.1rnt,M pArFt (')~ c~nt.,.....('")s ur'lJUI1UG, a agricultura

restringia o custo da reprodução da força de trabalho.

Por outro lado, em muito foi favorecida a agricultura pelacriação de uma estrutura produtiva onde o trabalhador ruralnão incorporava nenhum benefício das leis trabalhistasurbanas, compondo uma mão-de-obra muito barata, que serviuao setor agro-exportador e ao agricultor interno.

A relação não dual entre o setor agrícola e industrial éanalisada por Francisco de Oliveira: (29)

"Assim, não é simplesmente o fato de que, em termos deprodutividade, os dois setores agricultura eindústria estejam distanciando-se, que autoriza aconstrução do modelo dual; por detrás dessa aparentedualidade, existe uma integração dialética. Aagricultura, nesse modelo, cumpre um papel vital paraas virtual idades de expansão do sistema: sejafornecendo os contigentes de força de trabalho, sejafornecendo os alimentos no esquema já descrito, ela temuma contribuição importante na compatibilização doprocesso de acumulação global da economia. De out.r-aparte, ainda que pouco represente como mercado para aindústria, esta, no seu crescimento, redefine ascondições estruturais daquela, introduzindo novas

(29)OLIVEIRA, Francisco de. A economia brasileira: critica àrazão dualista. 3.ed. São Paulo, Editora Brasiliente,1977. p.25.

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relações de produção no campo. gU6 torna viável aagricultura comercial de consumo interno e externo pel.9-formação de um proleta.riadorural."

Portanto, uma das maneiras de viabilizar o crescimento daacumulação capitalista no Brasil foi criar uma forma deacumulação primitiva na agricultura (de forma a garantir osbaixos custos da alimentação e não pressão da classetrabalhadora sobre a oligarquia rural).

A acumulação primitiva na agricultura é decorrênciaprincipalmente do interesse do setor industrial interno e domercado internacional sobre seus produtos, uma vez que asex.ísênc í ae destes impedem muitas vezes, que os produtoresrurais tenham a possibilidade de agir de forma empresarial.definindo os preços de seus produtos com base em seus custosou até mesmo na possibilidade de lucros. Normalmente, ospreços são definidos em função da necessidade do consumidorque é basicamente composto pelo setor industrial e o mercadointernacional.

Dentro de todo o contexto apresentado até agora, é quepretendemos entender como a cidade de Santa Rita do Sapucaíconvive com uma indústria baseada em uma tecnologia de pontaassociada às instituições de ensino e pesquisa locais, e aomesmo tempo mantém seu setor agrário presente na economialocal. Em outras palavras, pretendemos analisar como se dánaquela cidade a convivência do velho, entendido como asatividades agrárias, com o novo, entendido como o padrãotecnológico das economias desenvolvidas, e a interrelação,muitas vezes contraditórias, entre eles. Para

de Santatanto,

Rita dopassaremos aSapucaí.

apresentar o histórico

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2 - HISTóRICO DE SANTA RITA DO SAPUCAf

A cidade de Santa Rita do Sapucaí tem sua origem em 1825,com a construção da capela de Santa Rita, em terras doadaspor Manuel José Fonseca, proprietário do local. Foi elevadaa município em 1892. Localizada no sul do Estado de MinasGerais foi uma cidade que sempre teve como principalatividade económica a produção de café e leite.

Os representantes do setor agropecuário detiveramexclusivamente o poder local desde o surgimento do municípioaté a década de 1980. Também participaralfldo governo federale estadual diversos representantes da economia local,incluindo entre eles o ex-Presidente da República (1918-julho de 1919) Delfim Moreira, o ex-Embaixador e Ministro daJustiça (1970) Olavo Bilac Pinto e o Ministro do SupremoTribunal Federal José Francisco Rezek.

Santa Rita do Sapucaí, até 1937, era caminho obrigatório naligação entre Belo Horizonte e São Paulo ou Rio de Janeiro.Por esta razão, ela concentrava todo o comércio da região,possuindo grandes atacadistas, que serviam também à

população local. Até a construção da rodovia Fernão Dias,que desviou o fluxo para Pouso Alegre, era a cidade que maisse sobressaia na região, tendo inclusive, um ginásiointernato na época. Este colégio era particular, e ao surgirum ginásio do Estado na cidade, a demanda abaixou muito e oproprietário quis desfazer-se dele. Coube à Sociedade dosAmigos de Santa Rita comprá-lo, passando todo o patrimônio à

Fundação Educandário, que foi criada para este fim.Infelizmente. a iniciativa não foi suficiente para garantiro funcionamento do ginásio, pois não havia pessoas capazesde dirigir a escola, mantendo um bom nível de ensino.

Região produtora de café e leite, Santa Rita assim como todoo setor agropecuário brasileiro passou por períodos de

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expansão e recessão provocados pelas políticas econômicas doEstado. Até a década de 30. a cidade ~ermaneceu em intensodesenvolvimento econômico, já que constituia uma região ricade produção agropecuária. Com o processo de industrializaçãono Brasil, nos anos 30, quando inicia-se a formação de umaestrutura produtiva de base urbana industrial. a cidadepassa a ter que enfrentar as dificuldades que o contextonacional passou a imprimir ao setor rural.

A revolução de 1930 marcou uma nova fase na composição dasociedade dominante no Brasil: a crise da dominaçãooligárquica e a pressão dos setores urbanos-populares sobreos grupos no poder. Para criar as condições favoráveis à

acumulação capitalista, a participação do Estado, comoagente de produção, era essencial. A teoria da modernizaçãoconstituia o pano de fundo ideológico que justificava estaparticipação, bem como difundia a idéia de que eranecessário industrializar todo o país para atingir um estadode potência (conforme os padrões de países altamentedesenvolvidos).

Até 1950, participavam na composição de interessesrepresentados no Estado populista, novos segmentos daburguesia industrial. interessados na acumulação industriale financeira e, em menor força, os segmentos agro-exportadores e as classes populares. Dos conflitos deinteresses entre estas classes surgiram diversas políticasque proporcionaram ao país um processo de crescimentoeconômico baseado na industrialização interna.

Entre 1948 e 50, houve um aceleramento da acumulaçãoiniciada em 1930, acompanhado por políticas anti-inflacionárias. A base da política econômica do período eradiminuir o valor dos salários reais e, através do Estado,alocar divisas obtidas pelo setor agro-exportador. naindústria nacional, protegendo alguns setores da

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concorrência externa e permitindo a importação deequipamentos e matérias-primas. No períodobuscava a acumulação industrial de formadesenvolvimento de um mercado interno,substituição de importações.

50-55, o Brasila garantir opromovendo a

o fato de as políticas do Estado estarem orientadas para odesenvolvimento industrial, imprimiu à Santa Rita duasdificuldades, sofridas pelas regiões de economia baseada naatividade agropecuária em geral: 1) a necessidade deresguardarem seus interesses frente aos compradores de seusprodutos; e, 2) o grande volume de evasão da população paraos centros urbanos maiores, onde estavam se concentrando asnovas indústrias.

A primeira dificuldade pode ser compreendida pelo fato de apolítica econômica nacional alocar divisas obtidas pelosetor agroexportador para o desenvolvimento industrial. Aevasão da população justifica-se pela crescente urbanização.que era responsável por um volume de migração campo-cidadeacentuado. Entretanto, Santa Rita do Sapucaí soube reagir à

estas dificuldades através de duas iniciativas extremamenteimportantes na época para a não estagnação da cidade.

Em Santa Rita, a dependência dos produtores de leite dasempresas de laticinios, na década de 50, acabou levando àcriação da Cooperativa Regional Agro-Pecuária de Santa Ritado Sapucai, registrada no Ministério da Agricultura em 1959.A intenção era organizar os produtores para contrapor asexigências de preços definidos pelos laticínios, de forma aobter preços melhores pela produção leiteira local. Estaassociação dos produtores rurais, em especial de café eleite, vinha ocorrendo a nível nacional desde 1955 (30).

(30)De acordo com José de Souza Martins, as cooperativas,criadas por Lei Federal em 1945, tiveram dois momentosde grande impulso: 1955 e 1961. Ver MARTINS, José de

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Para tanto, a Cooperativa de Santa Rita filiou-se àCooperativa Central de São Paulo, reunindo o leite da regiãoe enviando-o para a cidade de São Paulo. Com a filiação, osprodutores de leite da região não apenas passaram a ter umaforça maior na determinacão dos preços de seus produtos,como ganharam poder politico para enfrentar a concorrênciainternacional que os amedronta até hoje, uma vez que aimportação do produto pode significar uma redução de preços(31). A cooperativa da produção do café foi incorporada à

de leite, no final da década de 70, e funcionam juntas atéhOje.

No mesmo ano de criação da Cooperativa, em Santa Rita doSapucaí, iniciaram-se as atividades da primeira EscolaTécnica de Eletrônica do país, criada através do decreto44.490 de 17 de setembro de 1958. A criação desta escola foiiniciativa de Luiza Rennó Moreira, de família tradicional dacidade e sobrinha do ex-presidente Delfim Moreira, quemantinha grande contato com os países da Europa e acreditavana necessidade de criar condições educacionais para amodernização do país. Luiza Rennó incorporava em suaconcepção do mundo a visão da teoria da modernização, quepreconizava a necessidade de os países atrasados percorreremo caminho dos países centrais para seu desenvolvimento.

Para viabilizar o projeto da Escola, Luiza Rennó Moreira nãosó utilizou das influências políticas, apesar de seu partido

Souza. Capitalismo e Tradicionalismo: estudos sobre ascontradiçÕes da sociedade agrarla no Brasil. SãoPaulo, Pioneira, 1975, p. 67.

(31)No ..Informativo mensal da Cooperativa Regional Agro-Pecuári.a Boletim do Criador de 16 de outubro de'1991, a Cooperativa de Santa Rita reconhece aimportânCia do trabalho da Cooperativa Central de SãoPaulo contra qualquer importação de produtos lácteos,ressaltando que esta atitude passa por cima de seuspróprios interesses, já que tal entidade tambémpoderia beneficiar-se do preço mais baixo do produto.

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ser oposicionista ao presidente •.1uscelLno Kubitechek, comodoou o terreno necessário à sua construção.

A visão da necessidade da modernização e um espíritofraterno são as principais características e causas destainiciativa de Luiza Rennó Moreira. Em todos os depoimentosdas pessoas que acompanharam o processo este perfil éressaltado.

o que se pode perceber é que a ETE Escola Técnica deEletrônica Francisco Moreira da Costa constituiu uma forçadinamizadora para a cidade, já que a mão-de-obra na área deeletrônica era essencial para a indústria nacional. Váriaspessoas de todo o Brasil passaram a procurar esta formaçãoem Santa Rita do Sapucaí. A demanda por este tipo de ensino,na época, justificou-se pelo intenso desenvolvimento. apartir de 55, das indústrias dos setores de bens de produçãoe de bens de consumo duráveis, que se deu através dosinvestimentos estrangeiros no país.

Considerando que na década de 50, as pequenas cidadestendiam à repulsão populacional para as grandes metrópoles,podemos perceber que a criação de uma escola necessária aocrescimento da indústria, em um centro urbano de economiaagrária, com poucos atrativos, teve um papel propulsor paraa cidade, reativando sua economia seja na atividadecomercial, imobiliária ou de serviços; e dando um papeldiferenciado para o local no contexto nacional.

De acordo com um antigo proprietário rural local, os jovensda cidade iam procurar outros centros urbanos assim quesaiam do ginásio, pois na cidade não havia a possibilidade

\de continuarem os estudos ou trabalhar. De acordo com seudepoimento, a situação era tão caótica, que somente haviabaile na cidade, se os estudantes da cidade vizinha deItajubá fossem participar, o que sempre acontecia, pois

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havia um trem de Itajubá até lá no início da noite, quevoltava na madrugada do dia seguinte.

A emigração para as metrópoles, em especial para São Paulo,

da população do estado de Minas Gerais é avaliada por Fausto

Alves de Brito, que considera o Estado como uma das regiõesmais repulsoras do Brasil naquela época(32):

No quadro I podemos observar, por exemplo, que MinasGerais Espírito Santo é a região que tem maiorprobabilidade de ter uma pessoa nela nascida eresidente em outras regiões (EMIGRAÇÃO)e São Paulo tema maior probabilidade de receber pessoas nascidas emoutras regiões (IMIGRAÇÃO).

Este processo de emigração esteve relacionado com aconcentração das atividades industriais em alguns centrosurbanos, que tinham condições de oferecer- um setor deserviços, comércio e proximidade com indústrias, além deoutros benefícios.

Para Octávio Ianni (33) , entre 1955 e 60 a produçãoindustrial brasileira dobrou e para cobrir a necessidadecrescente de mão-de-obra, houve emigração da população deregiões menos dinâmicas para centros urbanos e industriais.

Santa Ri ta, entretanto, soube resguardar-se da estagnaçãovivida por outros pequenos centros urbanos, graças à atuaçãodo setor agrário local, que soube criar condições para adinamização da região. através do investimento provenientedo setor agrário, em escolas que visavam formar a mão-de-obra necessária para as indústrias nacionais, como ocorreuna área de telecomunicações. A participação do setor agrárionestas iniciativas está relacionada ao interesse em dotar o

(32 )BRITO. Fausto Alves de. Migrações inter-regionais n~Brasil. In: CEDEPLAR. MigracÕes internas e,. ,Desenvolvimento Regional. Volume 11. p.154. 1·.

(33) IANNI, Octávio. Estado e Capitalismo. Estrutura Social e!'Industrializacão no Brasil. Rio de Janeiro , Editora'Civilização Brasileira S.A., 1965. n. 147-148. :}

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município de condições adequadas para a formação de seusfilhos, a'tr-avé s da educação adequada à integração em ummercado de trabalho e da atração de estudantes de outrasregiões com a criação de uma demanda para o comércio local,além de criar possibilidades matrimoniais para as mulheres.

Com o apoio do setor agrário, foi fundada em 1965, nacidade: a primeira escola de engenharia em telecomunicaçõesdo pais, o INATEL - Instituto Nacional de Telecomunicações.A criação desta faculdade esteve relacionada com o fato de oProfessor José Nogueira Leite da Escola Federal deEngenharia de Itajubá, ter tido a iniciativa de criar umaescola de formação de mão-de-obra para o setor detelecomunicações, no qual o governo federal estava porinvestir de forma mais decisiva.

Aliado a um grupo de professores de Itajubá, José NogueiraLeite teve como idéia inicial criar lá mesmo a escola detelecomunicações. Segundo um ex-diretor do INATEL, aaprovação governamental do projeto de criação da escolaesteve parada por volta da revolução de 1964. A ligação dealguns professores do grupo de José Leite com Santa Ritalevou o caso até' as lideranças políticas da cidade quepodiam oferecer apoio político. De acordo um proprietáriorural e membro da Sociedade dos Amigos de Santa Rita doSapucaí, na época, cujo presidente era Joaquim Inácio, asociedade ofereceu apoio ao Prof. José Leite, tendo mandadoseu presidente com ele, até Brasília, pressionar o governofederal para a criação da escola.

o fato de já existir no local a Escola Técnica de Eletrônicaque podia oferecer um apoio inicial, principalmente no quese referia a laboratórios foi importante para a mudança delocal da idéia original.

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Em seu depoimento, um ex-diretor do Instituto ressalta queem 1965, iniciaram-se as atividades do INATEL. No mesmo ano,foi criada a EMBRATEL, em 1967 o Ministério dasTelecomunicações (ano em que se formava a pr'imeira turma,pois inicialmente o curso era de três anos), e em 1972 aTELEBRAS.

o impacto do INATEL na realidade da cidade sem dúvidas teveo mesmo efeito dinamizador que o da criação da ETE. Muitosalunos provenientes de todo o Brasil procuravam o curso detelecomunicações e após formados obtinham emprego comfacilidade nos diversos órgãos estatais de telecomunicaçõesde todo o país.

Uma terceira iniciativa do setor agrário local para adinamização da cidade foi a criação da Faculdade deAdministração e Informática - FAI, em 1971, com capitalinicial proveniente das atividades agropecuárias. A FAIintegrou em 1978 o Curso Superior de Tecnologia emProcessamento de dados.

Embora não houvesse integração entre a comunidade e osalunos das escolas locais, a sua presença na cidadesignificou uma fonte de renda para muitas famílias edivulgou para todo o país o nome do município, o queconstituiu um retorno ao setor agrário, que mais uma vezempenhou-se em dinamizar a cidade.

Desde seu surgimento, até a década de 70, Santa Rita doSapucaí sofreu diversas modificações geradas pelas condiçõeseconômicas, sociais e políticas pelas quais o paísatravessava. Durante o período do nacional-desenvolvimentismo, a cidade sofreu as consequências dapolítica de industrialização do governo federal, que setraduziram na emigração de seus jovens para os centrosurbanos, na necessidade de os proprietários rurais unirem-se

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frente aos interesses internacionais e na criação de doiscursos nas áreas de especialização de muitas multinacionaisque se instalaram no pais.

Estas iniciativas podem ser interpretadas como decorrênciaspositivas da modernização que as politicas públicas estavamgerando para a realidade nacional. Porém, ao analisarmossuas consequências para Santa Rita do Sapucai - MG, podemosperceber que os representantes do setor rural empreenderam-nas como forma de resistência às condições que taispoliticas poderiam imprimir aos seus interesses econômicos.Assim, os proprietários rurais necessitaram criar umacooperativa para resguardar seus interesses econômicos, alémde garantir a existência de mão-de-obra local, ameaçada pelaemigração. e ao mesmo tempo, criar novas áreas de atividadeseconômicas locais e garantirem que seus filhos pudessem teracesso a um conhecimento que possibilitasse sua incorporaçãonas indústrias emergentes.

Por esta mesma razão a criação do INATEL. durante a décadade 60, contou com o apoio dos proprietários rurais, quetomaram esta iniciativa, em decorrência da intenção dogoverno de desenvolver o setor de telecomunicações, em suafunção de apoiar o desenvolvimento industrial, através deinvestimentos do Estado.

g importante compreender que Santa Rita do Sapucaí passoupor todas estas transformações a partir da iniciativa dosetor rural, que é encarado pela teoria da modernização,como obstáculo ao desenvolvimento, uma vez que étradicional. Observa-se claramente uma forte relação entresetor agrícola e industrial. Em conjunto com outros centrosurbanos, aquela cidade forneceu ao setor industrial mão-de-obra, através da emigração, e, divisas, através daexportação. Mais ainda. Santa Rita forneceu mão-de-obraqualificada na área de eletrônica e telecomunicações para

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todo o país, o que era essencial para o crescimentoindustrial brasileiro. Por outro lado, o setor rural tambémteve seus interesses atendidos nestes processos, como foimencionado acima.

Na década de oitenta, a crise económica nacional de 81 a 83causou uma situação de desemprego para os engenheiros etécnicos recém-formados de Santa Rita do Sapucaí. A nívelnacional, entre 81 e 83, é implementada uma política anti-inflacionária recessiva que tem como base o desestímulo aosinvestimentos, restrição ao crédito, elevação dos preços dasimportações e aumento das exportações.

São os resultados obtidos pela política anti-inflacionáriaque proporcionam um período de crescimento econômico em1984, voltado para o mercado externo, já que a demandainterna não o absorvia. A burguesia, ligada à exportação,passa a ser hegemônica neste período em que as importaçõessão restritas graças ao processo dena década anterior. Ainda, em 1984,agrícolas tem papel fundamental nopor produtos industrializados, jámáquinas e implementos.

substituição iniciadoso aumento dos preços

crescimento da demandaque passa a consumir

Nesta nova fase é a burguesia industrial que detém ah~gemonjF.ina composição do poder, caracterizando um novoperíodo desenvolvimentista a nível nacional.

o ano de 1985 foi caracterizado por um crescimento daeconomia voltado para o mercado interno. O governo optou pormedidas que favoreciam a classe industrial e osassalariados. Houve recuperação salarial, aumento do nívelde empregos, retomada dos investimentos e reativação dademanda interna. O último trimestre de 85, entretanto, foicaracterizado por uma inflação altíssima decorrente daelevação dos salários e repasse aos preços. Foi esta

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situação que levou à implementação do Plano Cruzado emfevereiro de 1986, que gerou uma nova aceleração docrescimento econômico.

Foi em meio ao cenário econômico nacional desenvolvimentista(85-86), que o município de Santa Rita do Sapucaí passou ater um novo impulso modernizador, sô que desta vez geradopor um setor moderno, representado pelas escolas e seus ex-alunos. na maioria envolvidos com atividades industriaisfora daquele centro urbano, que tinham como um de seusobjetivos, a criação de condições de absorção desta mão-de-obra na cidade.

o vice-prefeito da época em associação com representantes daETE e INATEL, pretendiam trazer para o município, indústriascaracterizadas por produtos ou processos com tecnologiaavançada, em especial com atuação na área de eletrônica etelecomunicações, que era o campo de formação da ETE e doINATEL. Assim, nos moldes dos países desenvolvidos, criaram-se em Santa Rita condições para a formação de um pólotecnológico que teve como princípio básico a cooperaçãoentre empresas,industrialização

escolas e governo.(34) o projeto deda cidade foi chamado de Vale da

Eletrônica, em alusão ao Vale do Silício nos EUA.

A idéia de industrialização de Santa Rita nasceu dosinteresses de alguns formandos do INATEL, aliados ao vice-prefeito na época, um profissional liberal (dentista), queconseguiu obter junto um publicitário da cidade de São Paulo

(34)De acordo com José Adelino Medeiros e outros autores, ..Tanto os pólos como os Núcleos foram inspirados naexperiência internacional, mas pode-se afirmar que oBrasil pr'eocupou-se em adotar sistemáticas ajustadasàs necessidades do pais....Ver MEDEIROS, José Adelinoet alli. Pólos tecnológicos e núcleos de inovação:lições do caso brasileiro. BAUSP, São Paulo, vaI. 25(4), out/dez, 1990. p. 5.

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um projeto de marketing para viabilizar a industrializaçãona cidade.

A cooperação empresa, escola e governo na formação do Valeda Eletrônica contou por um lado com algumas indústrias jáexistentes na região, out.r-as que se mudaram para a cidade eoutras que foram criadas sob a iniciativa, principalmente deex-alunos do INATEL e da ETE. Do lado das escolas,participaram do processo intensamente o INATEL e a ETE. Pelogoverno, houve incentivos da esfera estadual e municipal.

A simbiose poder municipal e escola é apontada pelo entãoprefeito, como um dos fatores essenciais para a efetivaçãoda industrialização da cidade. De fato, a atuação conjuntaentre docentes e o ex-prefeito foi essencial na obtenção doapoio do governo estadual na experiência e na efetivaimplantação do pólo. Além do apoio político que aparticipação dos docentes representava, a nível municipal, oINATEL colaborou com o 'projeto dando assistência ao prefeitonos assuntos relacionados à tecnologia.

Para o sistema de ensino local era muito importante ainiciativa, já que proporcionaria não apenas a divulgação donome das escolas trazendo mais alunos, como ampliaria suaqualidade através da interação empresa-escola.

o projeto do Vale da Eletrônica acabou por de fato gerar umgrande desenvolvimento para a região. Foram instaladas nacidade mais de 40 empresas com produtos ou processosbaseados na tecnologia eletrônica e de telecomunicações eeste número somente não foi além, devido à falta de infra-estrutura da cidade.

A partir de 1988, com as eleições municipais, aadministração local passou a dar mais atenção aos problemassociais da população do municipio, diminuindo os

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investimentos destinados ao processo de industrialização,que ficou a cargo, principalmente, dos representantes dasempresas através de sua associação local e dosrepresentantes das escolas, em especial, o INATEL.

Na leitura do histórico do município de Santa Rita doSapucaí, pode-se perceber como a sociedade local estevesempre reagindo às diversas dificuldades que a economianacional gerava para sua realidade. A iniciativa deindustrialização, na década de 80, foi essencial para omunicípio, já que dinamizou o mercado de trabalho local, eintensificou sua produção econômica. Porém, esta iniciativanão contou com o apoio expresso dos proprietários rurais,embora, indiretamente, eles tenham propiciado a base para aviabilização do pólo, quando criaram a ETE e o INATEL.

Mesmo transformando-se em pólo tecnológico, não se podedizer que Santa Rita do Sapucai passou a ter característicasde um centro urbano moderno, até porque o setor rur-alpermaneceu forte não somente a nivel econômico, comopolítico na cidade. Apesar de incorporar escolas modernas emsua realidade, de introduzir a cooperativa na organizaçãodos interesses dos proprietários rurais, e receberindústrias de alta tecnologia, a cidade manteve expressõesculturais(35) típicas da vida no campo, reproduzidas durantequase um século naquela comunidade, caracterizando uma

(35) O conceito de expressões culturais é utilizado comoforma de demonstrar que não apenas o econômico éelemento capaz de caracterizar uma sociedade, mastambém sua cultura. Este conceito é discutido porOctávio Ianni: "A cultura não é inocente. Todas asexpressões culturais, compreendendo valores e padrões,maneiras de pensar e dizer, modos de viver e trabalharcriam-se e recriam-se na trama das relações sociais.As diversidades e os antagonismos sociais, políticos eeconômicos manifestam-se também no âmbito da cultura.IANNI, Octávio. A idéia de Brasil Moderno. São Paulo,Editora Brasiliense, 1992, p. 61.

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cultura mais facilmente identificável no meio rural(36). Deacordo com Maria Isaura de Queiroz(37), a falta de recursoseconômicos em certos meios rurais, para participar dasoportunidades de consumo oferecidas pelos centros urbanos,ao lado da valorização do moderno, identificado como amentalidade urbana, são fatores responsáveis pelacaracterização do mundo rural como tradicional e atrasado.

o que ocorre em Santa Rita do Sapucaí é que os proprietáriosrurais e os industriais que possuem condições econômicas,utilizam-se de outros centros urbanos para atenderem suasdemandas e realizarem seus negócios, absorvendo padrões evalores dos mesmos em seu cotidiano. Por outro lado, otrabalhador permanece dissociado destes padrões e valores. gpor esta razão que em Santa Rita do Sapucaí, o footing aindaé divertimento de muitos trabalhadores, que não sãoencontrados grandes magazines ou lojas de departamentos eque a festa religiosa da Santa Padroeira da cidade é oevento principal do ano.

Assim, a cidade agrária, tradicional, passou a ser em parte,moderna, através de suas escolas, cooperativas e indústriasde alta tecnologia, o que demonstra a falsa dualidadedicotômica apresentada pela teoria da modernização entretradicional e moderno. De acordo com Octávio Ianni(38):

O Brasil Moderno parece um caleidoscópio de muitaeépocas, formas de vida e trabalho, modos de ser epensar .... As comunidades indígenas, afro-brasileirase camponesas (estas de base cabocla e imigrante) tambémestão muito presentes no interior da formação socialbrasileira no século XX. As culturas gaúcha, caipira,mineira, baiana, amazônica e outras parecem relembrar

(36)Ver IANNI, Octávio. A idéia de Brasil Moderno.146 e QUEIROZ, Maria Isaura Pereira de.sociedade rural. sociedade urbana no Brasil:

p. 143-Cultura.Ensaios.p.266

(37)QUEIROZ, Har-í,a Isaura Pereira de. Cultura. sociedaderural. sociedade urbana no Brasil' Ensaios., p. 56-64.

(38)IANNI, Octávio. A idéia de Brasil Moderno. p. 61

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"ciclos" de açucar, ouro, tabaco, gado, borracha, caféSubsistem e impregnam o modo de ser urbano,moderno da cultura brasileira, dominante,

e outros.burguês,oficial.

A coexistência do tradicional e moderno não é característicaexclusiva do Brasil, mas sim uma realidade gerada pelosistema capitalista, que pode ser observado em diversospaíses. Assim, em uma sociedade como a nossa convive em ummesmo espaço geográfico o tradicional e o moderno. Isto sedá devido ao caráter histórico das relações sociais eeconômicas, que embora possam ser alteradas em períodosrelativamente rápidos, não são capazes de transformar aforma de pensamento e comportamento do homem (39). Por outrolado, formas tradicionais e precárias de organização socialsão geradas pelas prõprias condiçõee do proceeeomodernizador (40).

(39)Ver QUEIROZ, Maria Isaura Pereira de. Cu~~ sociedaderural. sociedade urbana no Brasil: __--.:-=-.:._8,IANNI,Octávio. A idéia de Bra8il Moderno. e MAYER, Arno J.A forca da tradicão: a persistência do Antigo Regime,1848-1914. São Paulo, companhia das Letras, 1987.

(40)Ver OLIVEIRA, Francisco. A economia brasileira: críticaà razão dualista.

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CAPíTULO II

o TRADICIONALISMO EM SANTA RITA DO SAPUCAí (MG)

Neste capítulo será apresentada uma análise da comunidadelocal de Santa Rita do Sapucaí, através da exposição dosdados levantados durante a pesquisa e de sua interpretação,à luz de conceitos teóricos. O objetivo é apresentar osaspectos tradicionais da comunidade de Santa Rita doSapucaí.

1. O TRADICIONALISMO EM SANTA RITA DO SAPUCAí

Inicialmente, será analisado o tradicionalismo em Santa Ritado Sapucai a partir da comunidade local, que aqui écompreendida como formada pelos proprietários rurais,trabalhadores urbanos e do campo, profissionais liberais e

que vem semantendo coesas, através de laços fraternos, valores,concepção de mundo e formas de pensamento, durante quase umséculo, caracteriza uma comunidade tradicional na cidade,embora aspectos de uma comunidade moderna possam seridentificados em seu cotidiano.

Para não haver problemas de interpretação, foi adotada aexpressão agentes modernizantes, para a comunidade moderna,entendida como a formada pelos industriais e docentes dasinstituições de ensino, ficando a tradicional referenciadaatravés do termo comunidade apenas. Passaremos agora acaracterizar mais pormenorizadamente os diversos aspectostradicionais da comunidade de Santa Rita.

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1.1. O setor ruralO setor rural em Santa Rita do Sapucai passou portransformações nos últimos 90 anos, decorrentes das diversaspolíticas públicas nacionais relativas ao próprio setor e àindustrialização brasileira. Para compreender cada processode mudança por qual passou a atividade agropecuária em SantaRita do Sapucaí, preliminarmente, será realizada uma análisedo setor a nível nacional.

1.1.1. O setor rural e suas transformacões no contextonacional

Ao avaliarmos o desenvolvimento econômico brasileiro, doponto de vista das políticas de industrializaçãoimplementadas pelo Estado, e do conteúdo ideológico quepermeou a modernização da sociedade, percebemos que o setorrural está sempre em uma situação de exclusão, do ponto devista dos representantes da burguesia industrial no poder edos benefícios gerados por suas políticas.

Entretanto, historicamente ele sempre manteve uma forteligação com o setor industrial, tendo sido responsável porsua viabilidade e manutenção. Somente através da análisedesta forte relação entre os dois setores, é que se podecompreender as transformações que o setor rural sofreu nosúltimos anos.

o setor agro-exportador teve durante oacumulação capitalista no Brasil a funçãodivisas e recursos para a industrialização.

processo dede gerar as

Também foi otrabalhador rural que passou a dirigir-se aos centrosurbanos, formando um exército industrial de reservanecessário para a manutenção de pessoal e salários adequadosnas empresas. For~n também os proprietários rurais quearcaram com a produção de alimentos para os centros urbanos,em um nível de preços ideais para a reprodução da força de

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trabalho, que muitas vezes eram inadequados aos seue custosreais. Por fim, até a modernização do setor rural se deu deforma a atender os interesses do setor industrial, no finalda década de 70, comprando máquinas e implementos que as.í.ndúst r-Lae , por falta de demanda para outros bens, passarama produzir. (41)

Octávio Tanni reafirma esta relação de subordinação entre acidade e o campo: (42)

A agricultura tanto produz divisas que são postas àdisposição das importações industriais, ou outrosnegócios do capital financeiro, como produz matérias-primas para a indústria. Além disso, a agricultura foitransformada em um mercado importante e crescente paraa produção do setor industrial, principalmentemáquinas, implementos agrícolas, fertilizantes edefensivos. Ao mesmo tempo o capital industrial aindase beneficia da produção agrícola devido aosfornecimentos de gêneros alimentícios aos assalariadosurbanos, em geral, e ao proletariado industrial, emespecial. Dessa forma, principalmente o campesinato éexpropriado pelo capital industrial.

A partir desta avaliação, é necessário compreender que,embora os precursores da modernização encarem o setor ruralcomo atrasado, e tenham presente em suas avaliações anecessidade de romper com o tradicionalismo encontrado nasregiões agrárias, esta característica encarada comolimitadora do desenvolvimento nacional foi imprimida aosetor através da composição de interesses das classes

poder, no período de desenvolvimentodominantes noindustrial brasileiro. Nesta composição eempr-e estevepresente a burguesia industrial, e em menor peso os própriosrepresentantes do setor rural.

Principalmente até a década de 70, o atraso encontrado nasregiões agrárias está muito menos relacionado ao caráter(41)Ver SINGER, Paul. O dia da lagarta. p.224 e OLIVEIRA,

Francisco de. A economia brasileira: crítica à razãodualista. p. 14-36

(42)IANNI, Octávio. A ditadura do grande capital. p.90

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individual da população lá residente, do que à falta de umarelação de trabalho baseada em mecanismos capitalistas. Deacordo com José Martins de Souza (43):

...A fonte básica desses dilemas está na indefiniçãodas relações sociais de produção que não se apresentamclaramente formuladas em termos de compra e venda deforça de trabalho. Tipos intermediários de inserção noprocesso produtivo, como o parceiro, o colono, oagregado e o arrendatário, não configuram liminarmentea existência de um mercado livre de trabalho nem umaclasse de propr'ietár'ios dos meios de produçãocompradora de força de trabalho.

Para os proprietários de terras, era necessária a manutençãode uma relação de trabalho, onde o trabalhador nãotivesse os direitos encontrados nos centros industriais,para que fosse viável a sua produção, e consequentemente,pudesse atender seu papel na viabilização da reprodução daforça de trabalho no meio urbano e na manutenção de baixocusto de matéria-prima para indústrias. Evidentemente, istopressupõe que faltava aos proprietários também apossibilidade de agir de acordo com princípios capitalistasna viabilização do retorno de seus investimentos. Isto sedeu exatamente porque os seus consumidores, na maior parterepresentados pelos centros urbanos e indústrias queutilizam seus produtos como matéria-prima, eram osresponsáveis pela definição dos preços, e não o proprietáriorural.

De 1955 para cá, esta realidade modificou-se para parte dosproprietários rurais, como produtores de café e leite, umavez que eles desenvolveram diversas formas de organizaçãoque permitiram uma inversão nesta situação. As cooperativassão o exemplo mais forte destas formas, pois permitem que a

(43)MARTINS, José de ;30uza. CapitalismcJ e tradicionalismo;estudos sobre as contradiçÕes da soçiedade agrária~oBrasil. São Paulo, Pioneira, 1975. p.16

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definição de preços dos produtos agropecuários ocorra com aparticipação dos próprios cooperados. (44)

As cooperativas permitiram ao setor agropecuário proteger-sedo monopólio de indústrias que utilizavam seus produtos comomatéria-prima e intermediários dos produtos alimentícios,criando uma relação de cunho capitalista com seusconsumidores.

Mudaram também os próprios proprietários com a entrada degrandes empresas, algumas de capital estrangeiro, naexploração das atividades agropecuárias, como os produtosalimentícios, por exemplo. Estas empresas trouxeram aspráticas capitalistas para o campo, que passou a orientar-separa o desenvolvimento de outros produtos, além dosdestinados à alimentação.

Este redirecionamento que o setor rural passou a ter para oatendimento de uma demanda de matérias primas para asindústrias e para o plantio de produtos exportáveis,diminuindo a produção destinada à alimentação, teve como umade suas consequências a proletarização do trabalhador rural.

Além disto, a modernização na atividade agropecuáriatransformou-se em fator repulsivo de trabalhadores agráriospara os centros urbanos. Iniciou-se um processo deproletarização dos trabalhadores rurais, que passaram a seraceitos nas indústrias, mesmo quando suas produções erambaseadas em processos tecnológicos. Os trabalhadores quepermaneceram no atividade agrária, por sua vez, com aintrodução de novas máquinas, implementas e diversos novosprodutos no campo, sofreram uma redefinição no trabalho

(44)MARTINS, José de Souza. Capitalismo e tradicionalt:~~estudos sobre as contradicÕes da sociedade agrár'.Brasil. p. 17-42 e 66-72.

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rural e na forma de produção, que alterou a relação capital-trabalho em algumas regiões do pais.

A partir da compreensão de como se deu a modernização nosetor rural, a nível nacional. é que se pode perceber asorigens das mudanças sofridas pelo setor rural de Santa Ritado Sapucai.

1.1.2. Q setor rural em Santa Rita do Sapucai (MG)

Até 1937, a atividade comercial era intensa em Santa Rita doSapuoa í , embora a agropecuária fosse a principal fonte derecursos da região. Com a construção da rodovia Fernão Dias,a cidade perdeu seu dinamismo na atividade comercial, que

retornou em 1958 com a criação da ETE, e teve um maiorimpulso na década de 80, com a criação do Vale daEletrônica.

Na década de 50, apesar de ter sido criada no local aprimeira Escola Técnica de Eletrônica nacional,intensificando o comércio, a atividade econômica mais fortelá desenvolvida continuou sendo a agropecuária. Mesmo com aposterior criação de duas faculdades (Instituto Nacional deTelecomunicações - INATEL e Faculdade de Administração eInformática FAI) não houve alterações profundas naeconomia local, a não ser pelo fato de a cidade passar aconviver com os alunos e professores destas escolas queprovinham de outros centros urbanos, o que intensificou ocomércio local.

Até hOje, o café e o leite são os principais produtosdaquele centro urbano e são produzidos nas fazendas locais.A região por muito tempo foi caracterizada por possuirgrandes latifundios. De acor·do com o Presidente daCooperativa local, nas últimas duas décadas, esta situaçãomodificou-se, já que as principais grandes propriedades

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foram divididas através da sucessão de herdeiros. Segundo oentrevistado, o perfil das propriedades de Santa Rita écaracterizado por 20% dos produtores produzirem 80% dovolume. Apesar da proporção de pequenos produtores serelevada, sua produção é menor. Isto justifica-se pelo fatode os grandes produtores possuírem máquinas prõprias, eLI.!L'UUl wm.l Eo r-Lo !>L'uvuuvaç5o com a produtividade.

'Ri t,A <"l" é possível detectar, a níveleconômico. aspectos no setor rural que sãocaracteristicamente modernos. Entre os proprietários ruraise trabalhadores, o moderno está expresso na introdução depráticas empresariais no campo, que pode ser percebida nacriação da Cooperativa. De acordo com José de Souza Martins,embora as Cooperativas não sejam consideradas, por certosautores, como um tipo de associação rural com carátercapitalista e empresarial, elas assim se constituem devidoao fato de terem permitido, aos proprietários rurais,passarem a deter a capacidade de obter lucratividade,através da racionalização de seus custos, e do controlesobre a comercialização de seus produtos. Segundo o autor(45,) :

"Embora tenha tratado de cooperativas, às quais algunsautores opõem o caráter empresarial e capitalista, ocerto é que funcionalmente elas são verdadeirassociedades anônimas, produto de um gigantesco esforçoempresarial para contornar a dicotomia prevalescente nopaís, desde o predomínio da economia exportadora, entreprodução e comercialização dos produtos agropecuários.""O cooperativismo constituiu-se na técnica econômicacapaz de permitir ao produtor rural ampliar a retençãoda sua parcela no preço final do produto ou, ao menos,atenuar a descapitalização no plano do estabelecimentorural."

(45)HARTINS, José de Souza, C~p~talism~ e.Tradi=t:~:Estudos sobre as contradlcoes da wocledade p oBrasil. p. 18-19 e 66.

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Com a criação da Cooperativa em Santa Rita do Sapucaí, operfil dos proprietários rurais mOdificou-se, tendo havido ainserção de um espírito empresarial em suas atividades, queantes não era disseminado. O contato com a agroindústriacolaborou muito para esta mudança, assim como a posterioraIteração do perfil das suas propriedades, que deixaram deser latifúndios. O surgimento de cooperativas ocorreu, anível nacional, a partir de 55, graças à necessidade de osprodutores, em especial de café e leite, terem que manteruma postura mais empresarial frente aos preços aplicados naexportação de seus produtos.

De acordo com o Presidente da Cooperativa de Santa Rita doSapucai, a idéia de constitui-la tem como origem anecessidade de fortalecer a região produtora de leite, quevivia na dependência dos compradores. Para combater- odomínio que os laticinios exerciam sobre as condições decomercialização do leite, os proprietários rurais da região,associaram-se, criando a Cooperativa.

Apesar da Cooperativa constituir-se em uma agroindústria, asua produção é incipiente, estando restrita a produtos comoqueijo, doce de leite e manteiga. O maior esforço daCooperativa está em oferecer condições aos proprietáriosrurais, de modernizarem sua produção. Para tanto, contam comuma estrutura de apoio técnico ao produtor: asuperintendência destinada à parte técnica, que prestaserviço ao proprietário rural, cedendo maqUinário; e aassistência agronômica, que tem por objetivo orientar oplantio, garantir a qualidade do leite e buscar condições demaior produtividade.

De acordo com a Cooperativa local, a produção de leite nosúltimos anos tem atingido entre 35 e 40 milhões de litros.Deve-se observar, entretanto, que estes dados não se referemapenas a Santa Rita do Sapucaí, pois a Cooperativa capta

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leite em mais três cidades Carmo de Minas, Careaçu eConceição do Rio Verde - e recebem leite de produtores de 46municípios. Através do Boletim do Criador Informativomensal da Cooperativa, foi possível saber que entre setembrode 1991 e fevereiro de 1892, a produção de leite de SantaRita do Sapucaí, em relação ao total da cooperativa, variouentre 36.5% e 40..5%. O número de produtores, por sua vez,variou de 50.5% e 52.6%, em relação ao total da Cooperativa.

Os produtos agrários da cidade são distribuídos pelaCooperativa Regional de Agro-pecuária de Santa Rita, que nosúltimos anos tem tido uma média de 1700 associados. NaTabela 1, podemos perceber a evolução da produção de café,leite e do número de associados da Cooperativa, de 1973 até1990. Embora os dados não sejam exclusivos do município deSanta Rita do Sapucaí, dão uma noção do volume da produçãoda Cooperativa local, demonstrando a evolução de suaparticipação na renda gerada no município.

De acordo com o Presidente da Cooperativa, a produção docafé é cíclica, alterando-se com a variação do preço. Issoocorre porque entre a defasagem de preço do café e suamelhoria, a lavoura é abandonada. Como o tempo de suarecuperação é longo, a falta de oferta do produto acaba porgerar nova elevação do preço, e portanto, a produção. Emrelação ao leite, o entrevistado afirmou que a produção vemaumentando lentamente, o que se pode observar pela Tabela 1,pois apesar da diminuição do número de associados quechegou a 2459 em 1987 e em 1990 a 1434 - a produção aumentouconsideravelmente no período.Outro aspecto importante no setor rural de Santa Rita doSapucai, consiste no fato de a mão-de-obra no campo estartornando-se muito onerosa, devido aos encargos sociais. Deacordo com o Presidente da Cooperativa local, a tendência é

a modernização do setor, utilizando mais máquinas. Oentrevistado afirmou, ainda, que os proprietários rurais

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Tabela 1

Evolução da produção de leite (em milhões de litros), café(sacas de 60 kg - escala em mil) e do numero de associadosda Cooperativa Regional Agro-Pecuária de Santa Rita doSapucaí Limitada.

ANO NUMERO DEASSOCIADOS

ENTRADA DELEITE

ENTRADA DECAFE

1973

197427.065.340

25.599.786

26.091.857

3.609 1.357

1.329

1.352

1.398

1.522

1.5811.673

22.429

23.9971975

1976 25.518.976 22.0061977 28.390.909 44.330

50.488

52.577

1978

197932.725.499

31.660.6401980

1981

1982

1983

1984

1985

1986

27.946.688 25.889 1.73527.938.459 95.739 1.78529.538.603 25.604 1.878

2.16332.622.666 74.16233.335.708 41.901 2.23134.135.891

34.903.501

39.414.085

122.882 2.325

2.36540.1801987

1988134.533

88.1642.459

39.326.725 1.796

1.7071989

199036.070.151 107.32440.353.688 66.052 1.434

Dados fornecidos pela Cooperativa Regional Agro-Pecuária deSanta Rita do Sapucaí Limitada em 18 de outubro de 1991.

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estão buscando trabalhadores de outras regiões, sendo que nacolheita de 1991. mais de 200 trabalhadores vieram de fora.Desde o início da década de 80, somente de 1989 a 1991ocorreu esta importação da mão-de-obra, que também édecorrente do aumento da produção.

Considerando a busca de uma visão mais empresarial por partedos proprietários rurais locais, pode-se perceber porqueSanta Rita do Sapucaí tende a utilizar bóias-frias em suascolheitas, mesmo que trazidos de outras regiões. Este tipode mão-de-obra tem como principal característica o fato depoder ser utilizada, a baixo custo, para tarefasespecíficas, sendo remunerada por tarefa ou por dia, o queelimina o problema dos encargos sociais. De acordo com MariaConceição D'Incao(46), que realizou uma pesquisa sobre osbóias-frias na região da Alta Sorocabana, a utilização destetipo de mão-de-obra oferece ao empresário rural apossibilidade de "minimizar o capital variável de seuempreendimento, atrav'és dEI. dim.i nui ç âo da remuneração daforça de trabalho empregada".

Além dos encargos sociais, outra razão pela qual se podeprever uma intensificação deste tipo de mão-de-obra está nofato, assinalado por dois entrevistados - o Presidente daCooperativa Local e o Presidente da Associação dasIndústrias do Municipio - de que os filhos dos trabalhadoresrurais tendem a deslocarem-se para a cidade para trabalharemnas indústrias. Além disto. a produção agrícola local temaumentado gradativamente, o que acabará por gerar uma forteredução da mão-de-obra local e aumento de sua demanda nospróximos anos.

Se para os proprietários rurais a utilização dos bóias-friasapresenta-se como uma solução para a obtenção de maiores(46)INCAO, Maria Conceição de. O bÓia fria: acumulacão e

miséria. Petrópolis, Vozes, 9. ed., 1983, p. 87.

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rendimentos, para os trabalhadores isto significa aintensificação da exploração de seu trabalho, uma vez quepassam a ser destituídos de seus direitos trabalhistas,garantidos constitucionalmente, e que passam a ter que sedispôr a qualquer tipo de trabalho para garantir suasobrevivência, ao menos em épocas de colheita.

o tradicionalismo no setor rural em Santa Rita do Sapucaíestá em que ao mesmo tempo que os proprietários ruraismodernizam-se, em busca de uma maior lucratividade, mantêmrelações de produção extremamente tradicionais, garantindo acontinuidade de sua acumulação através da exploraçãointensiva do trabalhador rural.

Como em todo o setor rural nacional, em Santa Rita doSapucai ocorreram transformações intensas na atividadeagropecuária. A modernização no setor ocorreu a partir danecessidade de manter uma prática mais empresarial por partedos proprietários rurais, que se traduziu na criação daCooperativa local, e atualmente na sua intenção demodernizar a produção, através de tecnologia, o que gera umademanda por máquinas e implementos produzidos pelaindústria. A mudança na relação entre proprietários rurais etrabalhadores também colaborou para a intensificação dosrendimentos do capital, obtida através da prática deutilização dos bóias-frias na produção. Todas estastransformações, como vimos, não são exclusivas da realidadede Santa Rita do Sapucai, mas também podem ser percebidas emtodo o setor rural nacional.

Das transformações genéricas ocorridas no setor agrárionacional, em especial após os anos 70, em Santa Rita doSapucai somente não ocorreu a mudança dos proprietáriosrurais de pessoas físicas para grandes empresas, destinadasao atendimento de matérias primas para as indústrias e aoplantio de produtos exportáveis. Isto porque a produção

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básica da região permaneceu inalterada - café e leite - quesão produtos destinados basicamente à alimentação, que nãoconstitue a área de especialização deste tipo de empresa.

1.2 A economia local: Os comerciantes. profissionaisliberais e trabalhadores

Os comerciantes e profissionais liberais não sãosignificativos na cidade, pois são em pequeno número e nãochegam a compor uma categoria organizada em torno de seusinteresses.

Os comerciantes locais são pequenos proprietários, na suamaioria. Em Santa Rita do Sapucaí não há grandes magazinesou filiais de grandes cadeias de lojas. O que houve foi umaexpansão no número de estabelecimentos devido ao aumento dapopulação local, gerado pela instalação das escolas e dasindústrias. De acordo com o boletim do InstitutoLiberal(47), de 1981 a 1988 o número de supermercados nacidade passou de 1 para 10.

O setor de serviços não sofreu grandes alterações, mesmo coma implantação das indústrias na cidade. Com as empresas.aumentaram apenas os escritórios de contabilidade e serviçosde manutenção de equipamentos eletrônicos. Segundo oPresidente da Associação Industrial de Santa Rita doSapucaí, o comércio local conta com 12 ou 13 empresas quevendem antenas parabólicas, sendo uma das atividades quemais vêm crescendo, o que está relacionado à existência deindústrias deste produto no local.

o entrevistado também afirmou que o ee t or- de serviços e (I

comércio precisam evoluir. de forma a aproveitar as

(47)INSTITITUTOS LIBERAIS DO BRASIL. A idéia liberal. Umapublicação dos Institutos Liberais do Brasil parapromover os ideais do liberallismo, n. 5, outubro/88.

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possibilidades geradas pela industrialização local. Segundoele, o comércio está melhorando lentamente, devido aosestabelecimentos de outras cidades que têm se instalado emSanta Rita.

Os profissionais liberais dos setores de saúde, justiça eoutros, permaneceram em números constantes, e bastantereduzidos, embora suficientes para a demanda local. SantaRita não possui problemas de atendimento médico ou legal,mas sim de infra-estrutura, como a água e luz, por exemplo.

Os trabalhadores de Santa Rita do Sapucaí são na sua maioriade origem rural, embora a maior parte dos que estãoatualmente nas Lndúat.r-Laa , trabalhassem anteriormente nocomércio ou em serviços domésticos. Em entrevistas com trêstrabalhadores das indústrias locais, dois haviam concluídocursado o primeiro grau em uma das escolas locais, e outropossuía curso técnico agrícola, feito em outro município.

1.3, A política local

Os proprietários. rurais constituem o grupo que deteve opoder local até a década de 80. Por quase um século foram osúnicos detentores do capital em Santa Rita. e colocaram aseu serviço praticamente todas as instituições da cidade.

Santa Rita do Sapucai tem sofrido muitas mudanças nacomposição do poder local. Até o final da década de 70, osetor rural detinha exclusivamente a representação naprefeitura, que foi sendo quebrada por prefeitosoposicionistas. A grande ruptura se deu com a renúncia de umprefeito em 1985, que levou seu vice-prefeito ao cargo. Esteprefeito foi o responsável pelo surgimento do Vale daEletrônica.

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Entretanto, seu sucessor natural não foi reeleito, tendosido preterido por um candidato que mantinha sua baseeleitoral em medidas bastante populistas. Um dos pontosbásicos de sua plataforma política era a construção de casaspopulares para a população carente. Pela pesquisa de campo,foi possível identificar que este candidato não tem o setorrural como seu sustentáculo, mas sim a população local. Masse por um lado, ele não satisfaz este setor, por outro, nãolevou avante, com a mesma intensidade, o projetodesenvolvimentista.

Percebe-se, portanto, em Santa Rita do Sapucaí, um processoque também se deu a nível nacional, com a industrializaçãodo país. Com a atenção do Estado para os interesses daacumulação capitalista, os trabalhadores passam a requererum espaço nas políticas do Estado, que precisa serintermediado. Para tanto, medidas populistas são de grandevalia, mantendo a pressão popular bastante restrita.

Pello exposto, pode-se perceber que a comunidade de SantaRita do Sapucaí tem ainda vários traços característicos daépoca da hegemonia do setor agrário. Entretanto, a novarealidade do município imprime à maioria da população ~ovasposturas, decorrentes das necessidades que surgem para avida do trabalhador industrial. Ainda, embora não se possafalar em coronelismo ou grandes latifundios em Santa Ritaatualmente, são os proprietários rurais que mantêm a direçãomoral e intelectual da comunidade local.

1.4. Aspectos culturais

Do ponto de vista de suas expressões culturais, a comunidadede Santa Rita é bastante tradicional, com um forte traçoreligioso e uma estrutura de classes bastante rígida. Nasmanifestações culturais da cidade, as famílias tradicionaismantêm o patrocínio e disputam entre si para obter prêmios e

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reconhecimento social. Dois exemplos significativos são afesta anual de Santa Rita e o carnaval na cidade.

Em torno do carnaval, há uma grande disputa na cidade, quese divide entre dois blocos carnavalescos. Para muitos, estadivisão é mais forte que a disputa política na cidade.

Como já foi citado, o setor de serviços é bastanteincipiente no município. Segundo o President~ da AssociaçãoIndustrial local, faltam na cidade bares, restaurantes ehotéis. Apesar disto, em entrevista com trabalhadoreslocais, t.odos foram unânimes em que a diversão maiscomumente encontrada na cidade é o footing na praça central,que somente é substituído por bailes, que podem serfrequentados sem um dispêndio significativo. A falta derecursu::;0(":U!luul.Í.(..:u~doe t.l.'aLalhadoreslocais restringe cmercadi")p<"lraempreendimentos como 08 c:i t,Ftd();-: 1",-:1.) PJ"l~0.l.denteda Associação, que se destinariam a atender apenasindustriais, estudantes e trabalhadores mais qualificadosdas indústrias.

Uma característica muito forte de Santa Rita do Sapucai é ofato de as famílias mais tradicionais da cidade, na maioriado setor rural, envolverem-se, frequentemente, em atividadesassistenciais. Pode-se encontrar no município instituiçõescomo a Sociedade Amigos de Santa Rita, o Clube Feminino daAmizade, o Lions Club, a maçonaria e a Sociedade Assistenteda Criança Carente, todas com programas destinados àassistência da população carente. Mesmo durante os anos 50,esta característica podia ser observada pelo comportamentode D. Sinhã Moreira que, além de ser responsável pelacriação da Escola Técnica de Eletrônica na cidade, construiucasas populares para serem vendidas à população mais carentee ofereceu bolsas de estudos para muitos jovens. Aimportância deste fato está em que ele demonstra como eacentuado o relacionamento entre os proprietários rurais e a

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população local, o que não ocorre em relação aosindustriais.

De acordo com a entrevista de uma funcionária do INATEL,responsável pelas atividades culturais, em Santa Ri ta doSapucaí, é difícil a promoção de eventos que não sejampopulares. Segundo ela a realização de concertos de músicaclássica não atrai a população local, nem tampouco osestudantes. Porém, quando houve um festival de músicapopular brasileira na cidade, compareceu um grande número depessoas da comunidade, bem como de éstudantes.

A análise das expressões culturais em Santa Rita do Sapucaídemonstra que a comunidade local não segue padrões doscentros urbanos modernos. Porém, é importante ressaltar que

as condiçõee: econômicae: de boa parte da população nãoproporcionam o acesso aos bens de consumo modernos. Umexemplo disto está na própria alimentação das familias detrabalhadores em Santa Rita do Sapucaí. Nas visitasrealizadas durante a pesquisa, foi possivel observar que nascasas dos trabalhadores não são comuns produtosindustrializados, e mesmo nos supermercados locais, a ofertadestes produtos não são tão abundantes como em centrosurbanos mais modernos.

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CAPíTULO IIIA HODERNIZAÇXO DE SANTA RITA DO SAPUCAí (HG)

Neste capítulo, será realizada uma análise da introdução dastecnologias no processo produtivo brasileiro, para a partirdaí ser possível compreender como, em Santa Rita do Sapucaí,formou-se um pólo tecnológico com o objetivo de desenvolverprodutos de tecnologia avançada em telecomunicações eeletrônica.

1. A INTRODUÇÃO DE NOVAS TECNOLOGIAS NO PROCESSO PRODUTIVO ESUAS CONSEQU2NCIAS PARA A REALIDADE BRASILEIRA

Considerando que o objeto de estudo deste trabalho consisteno relacionamento entre a comunidade de um município, deeconomia agrária, onde foi instalado um pólo tecnológico,com as indústrias e as instituições de ensino e pesquisalocais, é de ext.r-eme importância analisar como se deu aintrodução da tecnologia no processo produtivo brasileiro,já que as empresas e escolas destes pólos sãocaracterizadas pela utilização e desenvolvimento de novastecnologias.

A introdução de novas tecnologias no processo produtivobrasileiro tem origem na necessidade de promover acapacitação da indústria brasileira para a concorrênciainternacional. Embora no Brasil esta preocupação seja maisacentuada, devido ao próprio estágio de desenvolvimento emque se encontra, os países mais adiantados vêm,constantemente, desenvolvendo políticas para garantirem ascondições de competição a nível internacional.

A observação do desenvolvimento dos diversos países centraisno mercado internacional, demonstra que a economia mundial

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está passando por uma crise desde o final da década de70.(48) Nestes países, o desenvolvimento tecnológico temsido um ponto primordial na manutenção do crescimentoeconômico, para o qual é necessário garantir condições deconcorrência internacional para seus produtos. Para tanto,acompanhando o emprego de novas tecnologias nos processosprodutivos, os países centrais implantaram novas formas deadministração e gerência, de forma a possibilitar um maiorrendimento das atividades produtivas.

Este contexto gerou a exclusão dos países subdesenvolvidosnade

participação do mercado externo,atração e benefício que

pois o principal pontoofereciam ao capital

internacional, que er-3 a mão-de-obr'~ barata e produção dematérias primas, deixa de ter importância já que atecnologia substitui muitas vezes grandes contigentes demão-de-obra e permite a produção de materiais sintéticos,substitutivos de muitos produtos naturais.

Ainda, a necessidade de garantir um desenvolvimento interno,apesar da concorrência estrangeira, leva à adoção de medidasprotecionistas nos países desenvolvidos, restringindoimportações de produtos internacionais.

Para os países periféricos, com uma industrializaçãoorientada para a exportação, como vinha fazendo o Brasil nosúltimos anos, a incorporação no mercado internacional torna-se muito dificil, principalmente considerando a forma deintrodução da tecnologia em seus processos produtivos.Nestes países, ultrapassado o período inicial da expansãoindustrial, surgiram aspectos da industrialização que nafase desenvolvimentista não haviam sido considerados. Em umarelação de dependência, passam a ser instalados no mercadointerno os setores dinâmicos da economia moderna, que

(48)RATTNER, Henrique. Política Industrial projeto social.

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pressupõem a utilização de tecnologia e formas deorganização empresarial que somente as economias centraisdispõem. Isto acaba por elevar o grau de dependência e geramudanças estruturais na economia nacional. Fernando HenriqueCardoso e Enzo Falletto ressaltam este aspecto (49):

"O tipo de concorrência econômica imposto pelo "mercadoaberto", as normas de qualidade industrial e daprodutividade, a magnitude dos investimentos requeridos(pense-se na instalação, por exemplo da indústriapetroquimica), os padrões àe consumo criados, obrigam adeterminadas formas de organização e controle daprodução cujas repercussões afetam o conjunto daeconomia. Nesse sentido, através dos capitais, datécnica e da organização transferidos do exteriorinaugura-sE; um novo eixo de ordenamento da economianacional."

Este contexto demonstra a conotação política que teve atecnologia no mercado internacional, pois os países queforam capazes de desenvolver novos produtos e processos deprodução passaram a deter um poder na definição da divisãointernacional do trabalho, que subordina as outras naçõesaos seus interesses e padrões.

No Brasil. a partir de 64, o Estado, baseado na ideologiatecnocrática, apoia um desenvolvimento associado ao capitalestrangeiro. onde a transferência de tecnologia passa a serelemento primordial à modernização do país. ° Brasil passa autilizar tecnologias desenvolvidas nos países centrais.importando produtos de eLta tecnologia e produzindo outrosde maior demanda externa. (50)

As consequências deste processo foram diversas. A introduçãode tecnologia em um país. onde há:um grande contigente demão-de-obra como o Brasil, gerou um desemprego para uma boaparte da população, que passou a viver em piores condições.Por outro lado. não houve um investimento nacional no(49)CARDOSO, Fernando Henrique e FALETTO, Enzo. Dependência

e desenvolvimento na América Latina. p.129(50)SINGER. Paul. A crise do milagre. p.92-93

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desenvolvimento de novas tecnologias. estando o pais muitodistante do padrão tecnológico internacional. Ainda, asituação de dívida externa, que foi sendo gerada pelosinúmeros empréstimos estrangeiros ao país, tornou-selimitador de recursos estatais que poderiam ser aplicados nodesenvolvimento tecnológico.

A partir de 70, o governo passa a elaborar políticas para odesenvolvimento tecnológico nacional. através de incentivose financiamentos como, por exemplo, na área demicroinformática.(51) Apesar disto, as empresas brasileirasnão têm condições e não se interessam em arcar com osinvestimentos que a alta tecnologia requer, e de concorrercom as multinacinais. Assim, ólas ac abarr, impor·tant.:.tecnologia de outros países, ao invés de investiremmaciçamente em pesquisa e desenvolvimento, pois a importaçãomostra-se mais lucrativa.

Procurando competitividade no contexto internacional, oEstado brasileiro, principalmente a partir de 1970 (52),passou a formular políticas de desenvolvimento econômico combase na capacitação tecnológica do parque industrial.Entretanto. as iniciativas tomadas tem sido baseadas em umdiscurso modernizante, que atribui ao Estado e aotradicionalismo das regiões atrasadas, a responsabilidade doatraso tecnológico nacional, e tem como parâmetro dedesenvolvimento os paises centrais.

(51)RATTNER, Henrique. Informática e Sociedade. Ed.Brasiliense, São Paulo, 1985. p. 110-111.

(52)Foram formulados o I, 11 e 111 Plano Nacional deDesenvolvimento (PBDC) de 1973, 1974 e 1980respectivamente. Em 86, o Governo Sarney lançou oPlano de Ciência e Tecnologia para o período de 86/89e o governo Collor lançou, em 90, sua PolíticaIndustrial e de Comércio Exterior. Também houveramdiversas iniciativas dos governos estaduais emunicipais. como nos casos de Santa Rita do Sapucaí(MG) •

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E: neet.c '_~'')HLe.'.L. 1..1 'lW..! :";UL'/5L:U"I ao !-'l'u!-'ostasde desenvolvimentotecnológ í co !1 p81"t,i 1" ria associação entre universidades eempresas. A partir de 1980, o Estado passa a oferecercondições para a realização de pesquisas baseadas em eItatecnologia em suas universidades, o que acabou por permitira geração de industrias cujos produtos eram desenvolvidos emcentros de pesquisas estatais.

Foi assim que se deu a industrialização de Santa Rita doSapucai (MG), que especializou-se no desenvolvimento deprodutos com base em novas tecnologias, da área deeletrônica e telecomunicações, através da interação entreinstituições de ensino e pesquisa e industrias, a partir doapoio do governo estadual e municipal.

Como demonstra o caso de Santa Rita do Sapucaí, as áreas dedesenvolvimento tecnológico não estão dirigidas às condiçõessociais, econômicas e políticas locais ou nacionais. Amodernização do parque industrial, está sendo concebida deforma a capacitar-se para a concorrência estrangeira nasáreas de especialização dos países centrais, sob aargumentação, da burguesia industrial, de que assim serápossível gerar o desenvolvimento nacional, e solucionar ascondições de pauperização por que passa a populaçãobrasileira.

2. A IMPLANTAÇÃO 00 P6LO TECNOLóGICO EM SANTA RITA 00SAPUCAf

A caracterização do pólo tecnológico de Santa Rita doSapucaí será realizada a partir de dados obtidos nasentrevistas e nos documentos levantados durante a pesquisade campo.

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2.1 - Os agentes formadores do Vale da Eletr6nica

Em Santa Rita do Sapucai, a industrialização foi viabilizadapela atuação mais intensa do governo municipal e dasescolas, em especial a ETE e o INATEL.

Nos moldesalunos etecnológico

dos países avançados, industriais, docentes,prefeito uniram-se para implantar um póloque fosse capaz de contar com indústrias de

ponta e desenvolver pesquisas que capacitassem suas empresaspara a concorrência internacional. Em uma época (1985) emque a economia acabava de recuperar-se de um período decrise (1981-1983) e que os setores industriais foram

pela visão da modernização, estes agentes buscaram naexperiência internacional um modelo de desenvolvimento,instalando um conjunto de empresas modernas em uma regiãotradicionalmente de economia agrária.

Assim como na criação de escolas e da Cooperativa local,novamente a cidade passa a adotar medidas em busca de umamodernização, porém agora, não mais a partir da iniciativados proprietários rurais, mas sim dos ex-alunos, docentes,empresários e o prefeito da época. A relação entre a criaçãodo pólo e as iniciativas modernizadoras do setor ruralanteriores, é extremamente forte, pois foi a criação dasescolas, que estes empreenderam, que permitiu que Santa Ritado Sapucai passasse a reunir as condições para o projeto doVale da Eletrônica.

As condições em que se desenvolveu o Vale da Eletr·ônica,noentanto, não foram similares às encontradas pelos pólostecnológicos de países avançados. Em Santa Rita do Sapucaí,a existência de uma comunidade local com expressõesculturais características de uma região agrícola, geroucontradições no desenvolvimento do parque industrial

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avançado. As empresas instaladas na cidade, através dainteração escola-empresa, puderam contar com um dos aspectoscaracterísticos da revolução técnico-científica, que se deua nivel internacional, que foi a aplicação mais instantâneada ciência na produção.(53) Entretanto, para

foram aproveitados os diversoso seudesenvolvimento aspectos

tradicionais que a cidade apresentava, em especial, aexploração de uma mão-de-obra barata, ao contrário dasexperiências internacionais, que buscam cada vez mais aflexibilidade na organização do trabalho. da qual provêmsuas condições de concorrência. Neste sentido, o modernorepresentado em Santa Rita do Sapucai pelo Vale daEletrônica, conta com práticas tradicionais, o que tambémdesmistifica a dualidade moderno-tradicional.

Para criar condições atrativas para as indústrias locais, aprefeitura utilizou um projeto de marketing, que consistiuem divulgar em diversos meios da imprensa os beneficios quea cidade poderia oferecer para os empresários que desejasseminstalar-:-selá. A prefeitura municipal, em conjunto com ogoverno estadual, ofereceu diversos incentivos paraviabilizar o projeto. Para obter os recursos necessáriospara estes incentivos, o prefeito da época, ofereceu à umaempresa de formulários continuos a oportunidade de instalar-se na cidade com uma taxa de ISS muito inferior à domunicípio em que ela pretendia localizar-se. Com a ida daempresa para Santa Rita, a arrecadação da prefeituraaumentou substancialmente, e assim, ela pode realizar osgastos necessários para a implantação do vale.

o projeto tinha como objetivo chamar indústrias que tivessemuma atuação voltada para a eletrônica e telecomunicações,

(53)SANTOS, Theotônio dos. O processo de trabalho no modo deprodução capitalista e a questão daprofissionalização. Cadernos CEDES. n. 20, São Paulo,Ed. Cortez, 1988. p. 56-63.

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pois assim seria possível absorver a mão-de-obra formada naETE e no INATEL. Por outro lado, estas instituições poderiamoferecer às empresas uma assistência na área de pesquisa edesenvolvimento, constituindo mais um atrativo para aindustrialização local. Com o crescente desenvolvimentotecnológico mundial. a especialização do Vale em Eletrônicaproporcionou ao Estado de Minas Gerais uma posição maisrelevante na busca do país pelo desenvolvimento de umpatamar tecnológico que o capacitasse para a concorrênciainternacional,empresas-Estado.

proporcionado pela interação escolas-

A Faculdade de Administração e Informática. não teve umaatuação ativa na formação do pólo, embora tenha sido um dosatrativos oferecidos para as indús"Crias interessadas emlocalizar-se em Santa Rita. Esta postura, apesar de parecercontraditória, revela uma característica importante do Valeda Eletrônica. o atual cenário de concorrênciainternacional, tem como base não apenas a inovaçãotecnológica de produtos e processos de produção, como tambémnovas técnicas de gerenciamento (54). Na constituição doVale da Eletrônica, os seus agentes formadores, aocomprometerem-se a fornecer mão-de-obra qualificada para asempresas, não garantiram o comprometimento da FAI naespecialização de profissionais de administração com umaformação adequada para atuar no ambiente em que asindústrias pretendiam concorrer.

Na seleção das empresas que poderiam localizar-se nomunicípio, atuaram conjuntamente o prefeito municipal daépoca e o então diretor do INATEL. Havendo iniciativa dealguma empresa neste sentido, eram realizadas reuniões comseus dirigentes, para que fosse avaliado o potencial da

(54 )WOOD, Stephen. The ,japanization ofjapanization of the labour processSchool of EconomicB, mimeo. p.23-29

fardismdebate?

or theLondon

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indústria na área tecnológica. Um dos critérios importantesna seleção das empresas era a exigência de não serembeneficiadas com os incentivos oferecidos, empresas deatividades concorrentes. Foi tentado atrair empresas quepudessem atuar- em mercados diferentes, ou que viessem atrabalhar em conjunto com outras, na qualidade defornecedoras ou consumidoras.

Muitas empresas surgiram em Santa Rita do Sapucai, poriniciativa de ex-alunos do INATEL e da ETE. As escolasofereciam a possibilidade de os alunos desenvolverem em seuslaboratórios produtos de tecnologia eletrônica, que eramapresentados nas feiras anuais realizadas nas instituições.Muitos projetos de alunos foram vendidos para empresasnestas feiras. mas também muitos acabaram por ser produzidose comercializados por seus inventores, que abriam suasprõprias indústrias. Algumas destas indústrias iniciaramsuas atividades dentro das próprias escolas, com um pequenovolume de produção efetuado apenas para atender as vendasrealizadas. Posteriormente, sairam da escola, indo instalar-se em outros locais da cidade. Este processo desencadeou osurgimento de diversas pequenas empresas em fundos dequintal, que apenas produziam os produtos vendidos. Algumasdelas não puderam sustentar-se, principalmente, frente atantas crises na economia nacional.

Um dos problemas enfrentados pelos novos empresários, quesaiam das escolas, era a falta de espírito empreendedor ecapacidade gerencial. Muitas das empresas que surgiram emSanta Rita, através de seus ex-alunos, contaram comproprietários com um perfil destinado à pesquisa, associadosa outros com capacidade gerencial mais aguçada.

Anteriormente ao projeto do Vale, Santa Rita do Sapucaí jácontava com 14 empresas. Entretanto, apenas três eram maisexpressivas, e mesmo assim não podiam ser consideradas

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empresas com grandes negócios. Com os incentivos oferecidosna época da constituição do pólo tecnológico em Santa Rita,algumas empresas não foram beneficiadas, o que gerou umcerto ressentimento de seus empresários. Apesar disto, houveUIIi benefício indireto para todos, pois o Vale da Eletrónicacontou com uma publicidade a nível nacional, e houve eventospara divulgação dos produtos das indústrias da cidade, dosquais todos podiam participar.

Para a concretização do pólo tecnológico, participaramdiretamente a Prefeitura Municipal, o Governo do Estado deMinas Gerais, o INATEL, a ETE e os empresários.Indiretamente, colaboraram para a concretização do projeto aFAI, a imprensa nacional, e um publicitário de São Paulo(que elaborou o projeto de marketing para o Vale), e acomunidade.

Não se pode afirmar que a instalação do Vale contou com oconsenso de toda a população. Apesar disto, a colaboração dacomunidade é inegável, pois através de diversas iniciativassuas foram sendo criadas em Santa Rita as condiçõesnecessárias ao sucesso do pólo tecnológico.

A relação agrário-industrial que permitiu o surgimento doVale da Eletrônica, mostra que o setor moderno - formadopeloo agentes modp.'Y'rdz~nt;p.F:,nu Flp.ja,ind'u;;l.r·lulue corpodocente e discente das instituições de ensino e pesquisa _mais uma vez buscou no tradicional formado pelosproprietários rurais e trabalhadores as condiçõesnecessárias para o seu desenvolvimento.

Passaremos a analisar agora, as iniciativas tomadas peloEstado para a concretização do Vale da Eletrônica.

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2,2 - A participacão do Estado

A análise da participação do Estado na implantação de umpólo tecnológico em Santa Rita do Sapucaí deve ser precedidade considerações gerais sobre as possibilidades das diversasesferas do governo para tomar iniciativas dedesenvolvimento.

Já foi ressaltado que o governo estadual de Minas Gerais e aPrefe!tura Municipal foram as esferas que participaram doprocesso. Anteriormente à constituição de 1988, quando foirealizado o projeto do Vale da Eletrônica (1985), o governoda Nova República contava com uma organização centralizada,que não oferecia aos municípios condições de implementarseus próprios projetos. Segundo Ladislaw Dowbor (55):

Um terceiro problema resulta da organizaçãocentralizada da própria máquina do Estado. Liquidou-sea instância municipal de decisão, privada de poderpolítico e de meios financeiros, enfraqueceu-seimpressionantemente o espaço de decisão dos Estados.Com isso ficou muito mais forte o governo central.Implantou-se a "tele-gestão", gestão à distância,necessariamente baseada em critérios gerais e amplo usoda informática, substituindo assim o controlequalitativo da comunidade, que conhece a sua realidade,sobre a aplicação dos fundos públicos, pelo controlequantitativo e distante da administração central.

Considerando a fragilidade do governo estadual e municipalpara a viabilização de um projeto desenvolvimentista, foiessencial o momento político em que a experiência se deu e aatuação de outros agentes na sua concretização.

Nos anos após a crise de 1981 a 1983, estiveram à frente doEstado, representantes de uma burguesia desenvolvimentista,que tinha como objetivo a volta ao crescimento econômico nopaís. Experiências como a de Santa Rita do Sapucaí

(55)DOtVBOR, Ladislau. A encruzilhada. econõm'í.ca . In:SANDRONI, Paulo. org. Constituinte. Economia ePolítica da Noya RepÚblica. p. 126.

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consti tuiam um caminho para a continuidade de acumulação,além de gerar a oportunidade para o país de capacitar-setecnologicamente, de forma a permitir que seus produtospudessem concorrer internacionalmente.

Apesar disto, o governo federal não ofereceu nenhum apoio à

experiência, tendo, entretanto, tentado absorver saldospolíticos de sua efetivação. Assim, se por um lado o pr'ojetodo vale não obteve apoio, também não encontrou resistênciae:ao seu desenvolvimento.

o governo estadual de Minas Gerais teve participaçãoimportante na viabilização da industrialização de Santa Ritado Sapucai, oferecendo benefícios tributários,financiamento3 e demanda para as indústrias, gerada porempresas estatais. O interesse do governo era de promover amodernização do Estado e o aumento da arrecadaçãotributária. Ainda, a experiência de Santa Rita não só trazianovas empresas para o Estado, como produzia um patamartecnológico novo, já que Minas Gerais não possuia um parqueindustrial de tecnologia eletrônica ou de telecomunicaçõesexpressivo.

Jã em 1980, em publicação da Fundação João Pinheiro, ogoverno de Minas Gerais demonstra seu interesse nacapacitação do Estado na área de eletrõnica(56):

Conforme ficou demonstrado no desenvolvimento dosestudos, Minas Gerais é uma opção viável para aimplantação de um pólo eletrônico, desde que possui nocontexto de sua economia os requisitos básicos para oacolhimento deste tipo de indústria, que , por sua vez,desempenhará um significativo papel quanto àdescentralização e diversificação de nosso parque

(56)REIS, 'I'e Lxe í.r-aEquipamentos eJOÃO PINHEIRO.1980. p. 247

Mário e MATTOS, Marcos Arniseaut.Componentes Eletrônicos. In: FUNDAÇÃOAnálise e conjuntura. vol.10, n. 4, abr

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industrial, bem como na fixação de mão-de-obraespecializada aqui formada........Cumpre destacar ainda seu impacto positi vo sobre aeconomia das cidaàes de porte médio, através da geraçãode renda local e da fixação de mão-de-obraespecializada.

De acordo r'epor'tagemda R.evista Br-ae í.Le í r-a de Tecnologia(57) de 1988, a criação do pólo tecnológico de Santa Rita doSapucaí teve como consequência um representativo aumento daarrecadação de ICMS, beneficiando também a prefeituramunicipal:

Em 1986, de um total de 723 munic~p~os, Santa Ritaocupava o 207. lugar em arrecadação de ICM. No anopassado, pulou para o 72. lugar, graças à injeçãoproporcionada pelas novas empreas que transformaram acidade no único pólo eletr6nico do Estado.

Outro aspecto importante para o governo estadual era aoportunidade de empregos criada para um grupo detrabalhadores empobrecidos, enaltecendo o poder político poratender às classes populares, objetivo que se inseria nodiscurso dos dirigentes da Nova República.

Muito mais expressiva foi a participação do governomunicipal, principalmente se consideradas as limitaçõesdesta esfera do governo para incentivar tais iniciativas.

Historicamente, no Brasil, o poder local temas condições de vidaresponsabilizado-se apenas por gerar

para a população de seus municípios, cabendo ao poderpolítico central a atribuição de estimular o crescimentoeconômico através do apoio ao capital industrial. Estaconcepção é bem explorada por Celso Daniel (58):

(57)LACAVA, Ulisses. Um vale fértil de idéias. ReyistaBrasileira de Tecnologia. vol. 19, n. 7, julho 1988.p.11

(58)DANIEL, Celso. Poder local no Brasil urbano. Espaco &Debates, Revista de Estudos Regionais e Urbanos. AnoVIII, n. 24, 1988. p. 26.

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o poder político local cujos lugares de exercícioconsistem no governo e administração local e Câmaramunicipal corresponde a uma esfera do Estadocapitalista. Este desempenha suas funções de acumulaçãoe dominação através de diversos aparelhos e também pormeio de distintas esferas: federal (União), regional(Estadoe j e local (Municipios,).E:,:isteuma divisão detarefas entre essas esferas do Estado que delimita ospapéis de cada uma com respeito à acumulação e àdominação.Uma listagem não exaustiva das atribuições municipaisno Brasil a despeito de eventuais alteraçõesconstitucionais - revela que a ação do poder políticolocal se concentra muito mais nas condições para areprodução da força de trabalho do que nas condiçõespara a reprodução do capital. Enquanto isso, opoder político central tem se encarregado muito maisdas tarefas referentes à reprodução do capital.

Pode-se afirmar que todo o processo de industrialização dacidade surgiu a partir da iniciativa do poder local, apesarde haver resistências políticas no governo. Anteriormente à

administração na qual foi implantado o Vale, o podermunicipal tinha sempre se destinado a dar atenção aosinteresses do setor agrário na cidade. Evidentemente, aperda de espaço por este setor em favor de um grupodesenvolvimentista ocasionouexpressou, principalmente,

uma reaçãodentro do

negativa, que sepoder legislativo.

Entretanto, a oposição não foi suficiente para impedir aconcretização do pólo tecnológico na cidade.

Foi de grande importáncia para as empresas que foraminstalar-se em Santa Rita do Sapucai, os incentivosoferecidos pelo governo estadual e municipal, quesignificaram para algumas delas a possibilidade demanutenção de sua estrutura, bem como de um crescimento maisrápido.

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o projeto do Vale da Eletrônica tinha por base oferecer àsindústrias que se instalassem em Santa Rita do Sapucaí osseguintes benefícios (59):doação de terrenos pela prefeitura;isenção de IPTU por dez anos;deferimento de ICMS durante cinco anos;mão-de-obra qualificada proveniente do sistema de ensinolocal e de uma escola de soldagem da prefeitura criadapara o fim específico de qualificar operários;

. a possibilidade de utilizar laboratórios e professores doINATEL e da ETE na elaboração de novos projetos, semqualquer custo para as empresas;colaboração na obtenção de financiamentos do BDMG (Bancode Desenvolvimento de Minas Gerais órgão do BNDS)através do FINAME para a construção de prédios;

. ausência de movimentos reivindicatórios de trabalhadores,decorrente da inexistência de atuação sindical na região;baixo custo da reprodução da mão-de-obra, possibilitadopela alimentação barata, a construção de moradia pelaprefeitura e a inexistência da necessidade de transporte;demanda gerada pelas empresas estatais de Minas Gerais,corno a Cemig e Telemig que tinham a filosofia de teremapenas fornecedores mineiros, enquanto possível;

. apoio técnico do INDI (Instituto de desenvolvimentoindustrial), que é gerido pela CEMIG e BDMG e tem comoobjetivo canalizar indústrias nacionais e estrangeiraspara Minas Gerais, contando com técnicos de diversasáreas.

A instalação das novas empresas em Santa Rita do Sapucaí sedeu em terrenos desapropriados pela Prefeitura Municipal edoados à elas. Para a construção de seus prédios, muitasindústrias utilizaram o FINAME cornofonte de financiamento.Assim, ao andar no bairro industrial de Santa Rita do(59)Informaç5es obtidas nas diversas entrevistas realizadas

no município, durante a pesquisa de campo.

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Sapucaí, encontra-se empresas com grandes terrenos ebarracões, com as placas do BDMG-FINAME.

Na época da concepção do Vale da Eletrônica foi realizado umprojeto d~ criação de um distrito industrial em Santa Ritado Sapucaí. Este projeto não chegou a ser viabilizadonaquela gestão, e com a mudança do governo muní.cLpaI, osrecursos da prefeitura foram dirigidos para a construção decasas populares, o que retardou sua execução.

Já foi ressaltada a limitação do poder municipal enquantoinstância capaz de gerar a acumulação do capital. Em SantaRita do Sapucaí (MG), foi depois da instalação na cidade dopólo tecnológico que esta limitação se fe3 sentir.

A infra-estrutura existente no município não foi suficientepara garantir o desenvolvimento do pólo tecnológico. HOje

pode-se dizer que não se concentraram mais empresas nacidade devido aos problemas que foram surgindo com ainstalação do novo parque industrial. Sarlta Rita já tinhaproblemas graves de infra-estrutura, como o de tratamento deágua, extremamente carente como em todo o sul de MinasGerais. Com o crescimento da população, decorrente daindustrialização local, este problema ficou realçado,principalmente considerando que a giardia é muito frequentena população local.

Outro aspecto que tomou proporções maiores com a instalaçãodas empresas foi o fornecimento de luz, que não é constanteno município. Para as empresas que trabalham com produtoseletrônicos, muitas vezes, a falta de luz pode representarperdas econômicas significativas. Fato ilustrativo desteaspecto é a aquisição por parte destas indústrias do no-breaks para seus computadores, que são utilizados na área dedesenvolvimento. Este tipo de equipamento tem como f-u.nção

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manter resguardados os dados não gravados que estejam namemória de um computador, quando há interrupção de energia.

A habitação é outro fator problemático na cidade. Mesmo paraos empresários que foram morar em Santa Rita do Sapucai,houve dificuldades em encontrar residências. Para ocontingente de trabalhadores que passou a morar na cidade, oproblema foi mais grave, ao ponto de o governo municipalestar construindo casas populares, para a população maiscarente. Também os alunos do INATEL sofrem este tipo deproblema, pois necessitam residir na cidade por pelo menoscinco anos, tempo de duração do curso. Atualmente o INATELestá construindo uma vila paraminimizar a falta de moradia.

seus alunos. como forma dePara os alunos da ETE a

habitação é garantida, pois a escola possui alojamentopróprio.

Todas estas questões fazem parte da preocupação atual dogoverno municipal, que não tem como resolvê-las apenas comos recursos provenientes de sua arrecadação. A consequênciadisto é o Iimite que Santa Rita encontra para seudesenvolvimento enquanto pólo tecnológico, pois de acordocom as experiências internacionais, a tendência de um pólo é

ir crescendo, conforme empresas fornecedoras e consumidorasumas das outras forem concentrando-se no local.

Pode-se afirmar, portanto, que embora o poder local tenhatido a capacidade de gerar uma acumulação industrialinicial, não tem a possibilidade de manter seu crescimento,nem tampouco de gerar todas as condições necessárias àreprodução da força de trabalho.

No que se refere à atuação do governo estadual, esta foilimitada sensivelmente após o impulso inicial oferecido aoVale. Atualmente, Santa Rita j á não conta mais com muitosrecursos desta esfera do governo, embora os inàustriais e

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professores do INATEL e ETE estejam frequentemente lutandopelos mesmos.

Uma colaboração indireta de todas as esferas do governo estáno fate de muitas empr-esas de Santa Rita terem comoconsumidores empresas estatais, já que muitas delas tem comoatividade básica a produção de equipamentos detelecomunicações,públicas.

setor que é dominado por empresas

Esta relação, no entanto, já não é tão segura no momentopolitico atual. com a nova onda de liberalismo propagada emdiversos setores sociais, que teve como uma de suasconsequências a propagação da necessidade de privatizaçãodas empresas estatais.

Assim, ao contrário do titulo da reportagem divulgada peloInstituto Liberal em sua publicação (60) - "Santa Rita provaque o liberalismo dá certo. A iniciativa espontânea dejovens empresários fez nascer um pólo de tecnologia numapequena cidade de Minas Gerais" - o surgimento do Vale daEletrônica está intimamente ligado à participação do governoestadual e municipal; e somentedesenvolver-se a partir- da criação

poderá continuar ade infra-estrutura

adequada para a cidade, a ser realizada com recursosgovernamentais.

3. O VALE DA ELETRONICA: SUAS CARACTERíSTICAS

A caracterização do pólo tecnológico de Santa Rita doSapucai é essencial para a percepção dos aspectos modernosda sociedade local. Como o pólo tecnológico envolve as

(60)INSTITITUTOS LIBERAIS DO BRASIL. A idéia liberal. Umapublicação dos Institutos Liberais do Brasil parapromover os ideais do liberallismo, n. 5, outubro/88.

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indústrias e as instituições de ensino e pesquisa, seráapresentada uma caracterização de ambos, e da relação quemantém entre si.

3.1 - As instituicÕes de ensino e pesquisa

De acordo com o Informativo Municipal de Santa Rita doSapucaí, o sistema de ensino local é formado por (61):

REDE ESCOLARquatorze escolas municipais (primeira a quarta série)

· sete escolas estaduais (primeira a quarta série)· duas ~scolas estaduais (primeiro grau)

uma escola estadual (primeiro e segundo graus),magistério e colegialuma escola particular de primeiro e segundo graus _Curso Tecnológico de Contabilidade

· uma escola de ensino especializado - APAE· vários cursos de linguas estrangeirasFrancês, Espanhol e Inglês)

ESCOLAS ESPECIAISETE Escola Técnica de Eletrônica, pioneira no

(Alemão,

ensino da eletrônica. Foi criada em 1958 e formatécnicos de eletrônica de nivel médio.INATEL - Instituto Nacional de Telecomunicações _Fundado em 1965, é um estabelecimento de ensinoeuper-í.or- e pesquisa. Pioneiro no setor dastelecomunicações, ministra o Curso de EngenhariaElétrica (ênfase em eletrônica e telecomunicaçaões),com duração de 5 anos.FAI - Faculdade de Administração e Informática - AFaculdade de Administração teve seu início em 1971 eo Curso Superior de Tecnologia em Processamento de

(61)Santa Rita do Sapucai Vale da Eletrônica DADOSBASICOS E OBJETIVOS, 1987, Adm. Paulo FredericoToledo, Departamento de Relações públicó.s, Turismo,Esportes e Cultura da Prefeitura.

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Dados em 1978. O curso de Informática é o únicoautorizado no Estado de Minas Gerais, nestaespecialidade.

Para uma cidadE:de 40.000 habitantes, Santa Rita possui umconjunto de escolas de primeiro e segundo grau suficientepara o atendimento de sua população. Os problemas que sãoencontrados para o estudo na região estão atrelados mais àscondições económicas e sociais das famílias, do que à faltade escolas, já que boa parte da população local é residentena zona rural.

Para este estudo, entretanto, as instituições de ensino epesquisa que precisam ser analisadas são as chamadas"escolas especiais", ou seja, a ETE, a FAI e, em especial, oINATEL, que foi a instituição mais participativa naconstituição e continuidade do pólo tecnológico.

A Escola Técnica de Eletrônica "Francisco Moreira da Costa"tem como ênfase oferecer aos seus alunos o conhecimento naárea de sua especialidade, que aliado à uma formação geral,possa capacitá-los a adequarem-se ao trabalho com diferentestecnologias específicas.

A ETE passa por um período de·reflexão sobre o conteúdo aser aplicado em seu ensino. Com as diversas áreas deespecialização da eletrônica, é impossível oferecer aosalunos um estudo profundo em todas elas, o que poderia levara uma postura de ensino mais direcionada para algumas áreas.Segundo Theotõnio dos Santos(62):

Não é possivel pensar que vamos conseguir um tipo deconhecimento que não se desatualize. Temos que formar

(62)SANTOS, Theotõnio dos. O procésso de trabalho no modo deprodução capitalista e a questão daprofissionalização. Cadernos CEDES. n. 20, São Paulo,Ed. Cortez, 1988. p. 62 e63.

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gente que se atualize por si mesma, capaz dedesenvolver sua capacidade de raciocínio própria....A respeito das escolas técnicas neste contexto, tenho adizer que uma formação demasiadamente específica nessemundo é uma loucura e a relação desse setor com osistema produtivo não pode ser feita dentro de umaperspectiva 11mitada...:g nec.essário pensa~' uma escolatécnica para um Brasil diferente :livre, emancipado ejusto. Moderno e adequado à época da revolução técnico-científica.

Assim, a ETE vem buscando atingir um ensino que dê condiçõesaos seus alunos de atualizarem-se continuamente, ao invés deformar especialistas em áreas especificas. Este tipo depostura é essencial para que o Brasil possa inserir-se no

internacional, pois para tanto necessita demercadotrabalhadores capazes de acompanhar a constante inovaçãotecnológica, ou seja, de trabalhadores flexíveis.

A ETE é instalada em um grande terreno, pr'óximoao centro dacidade, quepatrocinadora.

foi doado porAlém desta

Dona Sinhá Moreira, suaque engloba

laboratórios, salas de aula e alOjamentos, a ETE possuioutras propriedades que compõem a grande herança deixada porSinhá Moreira para a escola.

instalação

Esta escola técnica mantém uma relação íntima com asind~strias do pólo eletrônico através de iniciativas como autilização pelas empresas de seus laboratórios para arealização de pesquisas.

A FAI é uma faculdade de administração e informáticarecente, que tem como maior objetivo formar trabalhadorespara as indústrias da região na sua área de especialização.

Esta Faculdade tem o projeto de abrir um curso deadministração pública, com o objetivo de oferecer formaçãoaos funcionários das prefeituras locais e dos órgãosestaduais. Entretanto, não há, ainda, indícios daviabilização rápida deste projeto.

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Não existe na FAItampouco projeto

nenhum curso dede implantá-los.

pós-graduação, nemTodos os cursos

ministrados nesta escola são particulares. Aparentemente,esta faculdade não está engajada na busca de formarprofissionais adequados para um mercado capacitado par-a aconcorrência internacional, pois mantêm uma formação muitomais voltada para às atividades operacionais que aogerenciamento. (63)

A escola que mais participou do surgimento do pólotecnológico e que até hoje mantém uma relação forte com asempresas lucai8 & o INATEL. estabelecimento privado mantidopela Fundação Instituto Nacional de TelecomunicaçõesFinatel.

o Instituto oferece o curso de graduação em engenhariaelétrica, com ênfase em telecomunicações ou eletrônica.Também oferece, através do CEDETEC Centro deDesenvolvimento e Tecnologia, um organismo do INATEL, cursosde extensão universitária para empresas fechadas ouinteressados.

Em 1991, o INATEL tinha o projeto de implantar em curtopra~o, um curso de pós-graduação na área de eletrônica, cujocurrículo ainda estava sendo planejado. Paralelamente a

(63) Maria de Lourdes Manzini Covre demonstra em seutrabalho que a formação do administrador que a Escolade Administração de Empresas da Fundação GetúlioVargas mantém tende para um tipo de formação integral,com matérias humanas, que permite fornecer ao alunouma visão global da sociedade, preparando-o para tomardecisões mais seguras, o que vem sendo requerido pelomercado atual. Entretanto, há escolas de administraçãoque tendem para a formação do tipo conservadora, ondeo ensino tem um caráter mais técnico e as ciênciashumanas mostra-se inútil. COVRE, Maria de LourdesManzini. A formacão e a ideologia do administrador deempresa. 3. ed. São Paulo, Cortez, 1991, p.182 e 188.

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isto, estavam começando a atuar na área da opto-eletrônica,que será o futuro das telecomunicações(64). Para tanto,contrataram um professor PHD na área, que está formando umgrupo de pesquisa em opto-eletrônica e estão encaminhandoprojetos de financiamento ao CNPq, FINEP e Conselho Estadualde Ciência e Tecnologia.

o curso de graduação tem como principal ênfase formar o"homem engenheiro", isto é, dar ao aluno uma formaçãohumanística que o capacite para o relacionamento no trabalhoe na sociedade. Como será demonstrado a seguir, estaformação tem origem na necessidade de preparar osengenheiros para a atividade de gerenciamento e paraassumirem o papel de empresários. Este tipo de formaçãocoincide com a identificada por Lili Katsuco Kawamura, emsua pesquisa sobre a categoria. Segundo a autora(65) :

Ainda podemos destacar, nessa mesma linha, asmanifestações de responsáveis dir·etos pelo ensino daengenharia, procurando orientar os formandos quanto aos·preceitos éticos que deveriam norteá-Ios enquantoprofissionais. Nesse último aspecto, ressalta-nos apreocupação existente em incutir no futuro engenheiroseu papel de dirigente no exercício de suas funções e aimportância da formação específica, para ocupar aquelaposição. Esse fato está manifesto não só na importânciadada aos estudos científicos (teóricos e práticos) quepossibilitariam ao profissional dirigir projetos eempreendimentos técnicos e tecnológicos, masprincipalmente no ensino das idéias de organizaçãoracional do trabalho e na definição dos comportamentosadequados, especialmente em relação ao operário, parasaber mandar. Os conhecimentos referentes a aspectoshumanos, que eram colocados como necessários para suaposição de mando na divisão social do trabalho,restringiam-se a normas e técnicas específicas de

(64)A opto eletrônica consiste em todas as formas deeletrônica que está relacionada à luz. ~ encarada comoo futuro das telecomunicações porque é ela que estudaa fibra óptica, que consiste na transmissão de sinaisatravés de energia luminosa. A fibra óptica vem sendoutilizada na substituição dos fios de telefone.

(65)KAWAMURA, Lili. Engenheiro: Trabalho e Ideologia. 2. ed.São Paulo, Atica, 1981, p. 68 e 69.

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administração, sem atingir áreas que possibilitassemuma compreensão da realidade econõmica, social epolítica na qual ele iria atuar como dirigente.

No INATEL, a preocupação com uma formação humanística surgiua partir de uma pesquisa com os ex-alunos que revelou que emuma média de quatro anos, os engenheiros do HMTEL ocupamcargos de gerenciamento, quesubordinados. Para tanto. o

chegam a ter de 800 a 900instituto possui diversas

atividades extra-curricular'es, que visam desenvolver noaluno, este lado. Embora esta postura do INATEL pudessecobrir a defasagem do pólo na formação do gerente, o intuitonão é este, mas sim fornecer mão-de-obra para grandesempresas localizadas em outros centros urbanos.

No que se refere ao acompanhamento das inovaçõestecnológicas, a postura do INATEL é fornecer aos seus alunoso conhecimento aprofundado de disciplinas básicas, como amatemática, por exemplo. O objetivo é que os alunos possam,a partir deste conhecimento apreender as inovações quesurgirem no mercado, assim como ocorre nas escolas técnicas.

Segundo um ex-diretor do INATEL, em sua entrevista: "Ainstituição de ensino é uma empresa industrial. O produto ea matéria prima é o ser humano. A instituição tem que teruma estratégia de colocar o profissional nos moldes que omercado quer e dar a ele condições de ser um agentemodificador deste mercado. A chave que abre o mercado para oaluno é a competência tecnológica. As chaves quepossibilitam sua progressão são as outras coisas que vocêagrega a esta primeira chave. Você só modifica se está.noápice da pirámide e por isto você precisa ter mais jogo decintura que tecnologia."

Ainda de acordo com o ex-diretor do INATEL, a escola estáprocurando formar um engenheiro com espírito empreendedor,

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para que possam ter a iniciativa de abrir suas própriasempresas. Nas palavras do professor: "Nós começamos a fazerum trabalho interno de incentivar os alunos à criação deempresas. O engenheiro é considerado um profissional liberalno papel, mas se vocé olhar o mercado, ele é um empregado.Começamos a criar uma mentalidade de que já que ele éconsiderado um profissional liberal, que ele tenha essavisão e que possa sê-lo. Então começamos a incentivar oaluno, a pôr na cabeça dele que ele tem potencial, aindaenquanto aluno de ter uma idéia que possa se transformar emum produto e que seja o agente de criação de uma empresa."

Esta visão do ex-diretor do INATEL tem fundamento no fato deque, a partir dos anos 60, observa-se uma tendência aoassalariamento e mesmo proletarização do engenheiro noBrasil, fugindo da condição de profissional liberal dosperiodos anteriores (66).

Criado com o objetivo de oferecer mão-de-obra especializadapara o emergente setor de telecomunicações. inicialmente oINATEL oferecia um curso de engenharia de operação emTelecomunicações que tinha apenas três anos de duração. Osurgimento deste tipo de curso é apontado por Lili Kawamuracomo responsável por uma hierarquizaçãoengenharia, que passou também a formardestinados ao trabalho no próprio processoSegundo a autora(67):

no ensino deprofissionaisde produção.

Nesse contexto, vém se instalando cursos de curtaduração para a formação técnica especializada ematividades diretamente ligadas ao processo de produção,como manutenção, controle de qualidade do produto,condução do processo de trabalho, dentre outras....

(66)KAWAMURA. Lili. Engenheiro: Trabalho________, Tecnologia e políticaEngenheiros. reivindicações e poder.

(67)Y~WAMURA, Lili. Engenheiro: Trabalho e79

e Ideologia. ena sociedade.

p. 125Ideologia. p. 78-

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A inclusão de cursos de curta duração, de um lado, e ade cursos de pós-graduaoão, de outro, estabeleceu umahierarquização dos cursos de engenharia e até mesmo deescolas. O próprio fundamento ideológico para suacriação estabelece a priori uma distinção hierárquica,na medida em que se propala a importância da formaçãodo técnico específico para as atividades de oper-ac ão .Estas, como vimos, inserem-se nos escalões inferioresda hierarquia ocupacional das organizações econômicas.

A absorção pelo mercado de trabalho dos primeiros formandostrouxe um problema para seus alunos, pois eles não eramaceitos pelos outros engenheiros de formação tradicional,que haviam feito um curso de cinco anos. Além disto, pelalegislação da época, o engenheiro de operações não podiaassinar projetos. Para resolver a questão, foi extinto ocurso de operações, que foi substituído pelo de EngenhariaElétrica - Opção eletrônica, com duração de quatro anos,também reformulado em 77 para Engenharia Elétrica - ênfaseem Eletrônica e Telecomunicações, com duração de cinco anos.Aos alunos formados na época da engenharia de operação, foioferecida a complementação do curso.

Apesar de ter as duas ênfases, o n~ATEL é direcionado maisdiretamente à telecomunicações. Foi o primeiro curso da áreana América Latina, e no Brasil foi amplamente reconhecido,uma vez que a maior parte dos ensenhe í r-os das empresasestatais de telecomunicações são ex-alunos de lá.

Os professores do INATEL muitas vezes também lecionam naETE. Com exceção das áreas de química e física, o resto dosprofessores são engenheiros. Os professores mais novos estãofrequentando cursos de pós-graduação no ITA, UNICAMP e EFEI- Escola Federal de Engenharia de Itajubá. Os professoresmais antigos são normalmente responsáveis pelas cadeiras deformação básica, pois não conseguem acompanhar as inovaçõestecnológicas. Mesmo os mais novos têm esta dificuldade, maso fato de estarem cursando a pós-graduação ajuda naatualização.

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A atividade de pesquisa no INATEL não tem as característicasde um instituto ou núcleo de uma universidade estatal. OINATEL tem desenvolvido pesquisas, na maioria das vezes, emassociação com empresas, e tem se especializado mais emdesenvolvimento de projetos. Em março de 1991, o INATELcriou um Centro de Projetos PRODEP com o objetivo dedesenvolver pesquisa aplicada para as indústrias. Outroórgão criado pelo INATEL foi o Centro de Competência eQualidade do Vale da Eletrônica - CCQVE, que tem o objetivode estabelecer uma ponte entre as empresas locais e oinstituto. O CEDETEC, órgão responsável pelos cursos deextensão universitária surgiu antes do Vale da Eletrônica,através do pedido de um ex-aluno, funcionário da Companhiado Vale do Rio Doce para o treinamento de algunstrabalhadores. O objetivo de criar o órgão proveio danecessidade de troca de experiências entre a escola eempreuas f..! de reCU!':';;(JBPw.!'o.u lut5tltuto.Para o ano de 1992,o CEDETEC tinhR mais de 40 cursos previstos, todos na áreade telecomunicações ou eletrônica.

O CEDETEC e o PRODEP mantém uma estreita relação entre si.Os projetos desenvolvidos no PRODEP são utilizados noscursos oferecidos pelo CEDETEC, e os cursos muitas vezestrazem pedidos de projetos a serem desenvolvidos.

O INATEL mantém, ainda, convênios com diversas entidades. Deacordo com os folhetos de apresentação dos cursos do CEDETECpara 1992, são as' seguintes as relações do instituto comoutros organismos:

credenciamento no DENTEL e GEICOM para homologação deequipamentos de Telecomunicações;

. colaboração técnico-científica com a TELEHIG, através dediversas linhas de ação;

. Intercâmbio técnico-científico de docentes com o Centro deEstudos em Telecomunicações da Pontifícia UniversidadeCatólica do Rio de Janeiro - CETUC/PUC/RJ

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. convênio com o Departamento estadual de Telecomunicaçõesde Minas Gerais - DETEL - MG - para a instalação. reparoe manutenção do Link Sul de Minas de TV;cooperação técnico-científica com a CEMIG. através devárias linhas de ação;convênio para o desenvolvimento de projetos com a LinearEquipamentos Eletrônicos Ltda, FINI Minas Indústria eComércio Ltda e Sense Eletrónica Ltda (todas empresas dovale) ;Assessoria em treinamento de pessoal, na área de automaçãobancária, para o Banco do Brasil S.A.;

. promoção de eventos diversos pelo Instituto LatinoAmericano de Tecnologia da IBM Brasil Ltda. - ILAT, com oobjetivo de ter um programa permanente de competência emqualidade para o Vale da Eletrônica; e,

. contrato para execução de diversos projetos com o Centrode Pesquisa e Desenvolvimento da Telebrás CPqDTELEBRÃS.

3.2 - As empresas

As empresas instaladas em Santa Rita do Sapucaí (MG) temcomo atividade básica a fabricação de produtos baseados natecnologia microeletrônica e de telecomunicações (usualmenteclassificadas como empresas de tecnologia avançada).

Todas as indústrias locais podem ser classificadas comomédias ou pequenas, com exceção de uma empresa multinacionalde formulários contínuos, que foi instalada na cidade com oobjetivo de gerar recursos para a viabilização do Vale daEletrônica. De acordo com o Presidente da AssociaçãoIndustrial local, apenas uma empresa possui mais de 200funcionários, duas possuem entre 150 e 200 funcionários, umaentre 50 e 100 e o restante abaixo de 50.

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De acordo com Elias Kallas (68). no conjunto essasindústrias faturam algo entre 80 a 90 milhões de dólaresanualmente. Estão gerando perto de 2000 empregos diretos,pagam salários de aproximadamente US$ 25 milhões e recolhemperto de US$ 20 milhões em impostos ao ano".

Os empresários de Santa Rita do Sapucaí são, na sua maioria,originários de outras cidades, que foram estudar na ETE ouno INATEL e com o advento do Vale da Eletrônica instalaramsuas empresas no município.

Muitos deles trabalhavam como funcionários de outrasempresas, mas com os incentivos oferecidos partiram para aimplantação de seus próprios negócios.

Na maioria dos casos, as empresas contam com mais de umsócio, havendo sempre um mais dedicado à pesquisa edesenvolvimento e outro ao gerenciamento do negócio.

Algumas das empresas desenvolvem produtos, cujos projetosforam elaborados por seus sócios durante seus estudos na ETEou no INATEL. As duas escolas oferecem aos seus alunos aoportunidade de realizarem projetos próprios, com aorientação de professores e com materiais e equipamentos daspróprias instituições. Estas iniciativas são reforçadas pelaperspectiva de demonstrar seus inventos nas feiras anuaisrealizadas pelas escolas, onde mais de uma vez, houve acompra de projetos de alunos por empresas interessadas. Umexemp Lo é o "sterilair", produto desenvolvido por um alunoda ETE.

(68)KALLAS. ELIAS. Uma visão do Pólo Tecnológico de SantaRi ta do Sapucaí e do Papel que reserva aoAdministrador Profissional. palestra proferida no liEncontro Nacional dos Cursos de Graduacão emAdministracão. realizado pela Fundação Instituto deAdministração da FEA-USP, Set/91. mimeo. p.5.

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A maioria das indústrias instaladas em Santa Rita do Sapucaínão possuem linha de produção automatizada. Nas visitasrealizadas a algumas empresas durante a pesquisa de campo,foi possível detectar que há a intenção de utilizarprocessos automatizados no futuro, mas as empresas ainda naopossuem maturidade econômica para tanto. A automação ê

comumente encontrada apenas no desenvolvimento de projetos,sendo que em todas as empresas visitadas havia um setor emque utilizava-se CAD/CAM ou CAE para novos projetos.

o fato de ser pouco automatizada a linha de produção permiteàs empresasespecífica,trabalhadores

utilizar uma mão-de-obrasendo possivel incorporarinclusive de origem rural.

sem formaçãoao processo,

Para tanto, asempresas utilizam de treinamento, que ê realizado no prõpriotrabalho, uma vez que não há programas para este fim.

Este aspecto ê essencial no entendimento do moderno em SantaRita do Sapucaí. A utilização desta mão-de-obra maiscomumente adotada no modo de produção tradicional demonstraque nem todas as características da nova organização dotrabalho e do processo de produção típicos da Revoluçãotécnico científica são adotadas em Santa Rita. Em uma épocaem que o contexto internacional busca cada vez mais umacompetitividade baseada em alta tecnologia, que substitue osbenefícios da mão-de-obra barata, o Brasil permaneceutilizando-a, mesmo nas empresas que se propõem a concorrernaquele mercado.

o quadro de pessoal das indústrias do Vale também é compostopor técnicos e engenheiros. De acordo com a pesquisarealizada por Martha Demattos (69), 16% dos trabalhadores dopólo são técnicos e 10~~possuem formação superior. Em umadas empresas entrevistadas, 40% do pessoal possuía curso(69)DEMATTOS, Marta. PÓlos tecnológicos; um estudo de caso.p.118

BIBLIOTECA f{ARl A& BOEDE.CKER 100

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técnico ou superior completo ou em andamento, sendo que aescolaridade mínima para o restante era a sétima sériecompleta. De acordo com o Presidente da Associação dasIndústrias local, apesar de haver um número razoável de"técnicos e engenheiros nas indústrias da cidade, a maiorparte dos funcionários não possuem qualificação.

Em entrevista com alguns funcionários das empresas, foipossível identificar que a maior parte dos trabalhadoresreside na cidade, sendo que anteriormente dedicavam-se aotrabalho no comércio, no setor rural ou doméstico.

Os fornecedores e consumidores das indústrias estão,majoritáriamente, localizados em São Paulo. Foi identificadaapenas uma empresa que utiliza matéria prima importadadiretamente. mas mesmo assim, como exceção. Isto se dáporque mesmo quando as empresas utilizam componentesimportados. a compra se dá através de fornecedores de SãoPaulo que fazem a importação.

Das cinquenta e quatro empresas alocadas no município,quinze desenvolvem produtos de tecnologia avançada das áreasde microeletrônica e telecomunicações, e realizam constantesinovações em seus produtos, geradas pelas pesquisas de seussócios, geralmente. Esta postura tem permitido às empresaslocais situar-se entre as indústrias de tecnologia avançadano Brasil. No quadro 1, relacionamos estas quinze empresas eos produtos que desenvolvem. A classificação como empresasde tecnologia avançada está relacionada às constantesinovações de seus produtos, em alguns casos, e aodesenvolvimento de novos produtos, em outros.

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Quadro 1: indústrias de tecnologia avançada em Santa Rita doSapucaí

EMPRESAS PRODUTOS FABRICADOS

Control Vale projetos de equipamentos para automacao

Farm Telec. radio monocanal para telefonia rural

Fini Minas antenas parabolicas (projeto proprio)Leucotron micro PABX, PABX

Lider equipamentos para porteiros e controleseletronicos

Linear retransmissor de TVreceptores de satelite profissionais

Logica paineis em policarbonato para equipamentoseletronicos

MCM perifericos para microinformatica

PWM fontes chaveadas para equipamentoseletronicos

Sense sensores de proximidade indutivo, capacita-tivo e otico. Terminal fono-telegrafico.

Sigma terminal de video para microcomputador

TKN perifericos para microinformaticaIntraco radios para telecomunicacoesPulsonic sensores

CPT pesquisas tecnologicasFonte: ver nota (70)

(70)Dados das empresas obtidos na Associação Industrial deSanta Rita do Sapucaí. A classificação foi elaboradade acordo com diversas entrevistas realizadas comgerentes e industriais locais, a partir do critério deinovação e/ou criação de seus produtos.

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Atualmente, as empresas de Santa Rita do Sapucaí estãopassando por problemas decorrentes da crise financeirainstalada no país. As políticas econômicas adotadas peloGoverno Collor tem abalado profundamente as pequenas emédias empresas, que na maioria das vezes não possuemcapital de giro para poderem sobreviver em fases de crise.Ainda, algumas das empresas lá instaladas tem sofridoconsequências da poli tica de privatização implantada pelogoverno, j á que mui tos de seus consumidores são empresasestatais.

o INATEL tem tentado obter apoio das diversas instituiçõesgovernamentais para a manutenção do pólo tecnológico, o quenão tem sido muito fácil. A Política Industrial e deComércio Exterior do governo Collor chegou a demonstrar umaesperança de investimento do governo federal, que não chegoua efetivar-se.

Durante a pesquisa, cada visita à cidade de Santa Ritatrazia uma notícia de alguma empresa que estava comproblemas decorrentes das políticas mais amplas do Estado.Apesar disto, as indústrias com maior sustentação econômicanão deixaram de investir em projetos e lançar novosprodutos.

Isto nos remete à preocupação atual de todos os empresáriosdo Vale com a abertura do mercado de informática, o queafetará boa parte das indústrias do setor. Mui tasprovidências vêm sendo tomadas para que os seus produtospossam competir com os estrangeiros. As empresas que possuempoder econômico estão enviando para o exterior alguns deseus pesquisadores, com o objetivo de manter contato com asinovações tecnológicas que estão sendo Lariç ada s nos paísesadiantados.

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Uma das empresas de Santa Rita do Sapucaí, já há alguns anosmantém um escritório em Miami, o que lhe possibilita encararcom menor preocupação a questão da concorrênciainternacional.

Na avaliação de Elias KeLlae, diretor do INATEL, (71), asempresas de Santa Rita poderão associar-se de diversasformas com indústrias estrangeiras, uma vez;(~uepossuem umaexperiência de constantes inovações tecnológicas epesquisas. Segundo ele:

o pólo tecnológico de Santa Rita do Sapucai e asempresas que ali atuam, na avaliação mais objetiva quese pode fazer, oferecem condições atraentes para essasassociações.... f1as, familiarizadas com o trato dasquestões tecnológicas, possuidoras de estruturas fabrisbastante adequadas, conhecedoras do mercado nacional e.~detentoras de uma boa rede de vendas, assistência e ./manutenção de produtos e serviços de tecnologiasofisticada, e ainda, com experiências bem sucedidas naconquista de mercados externos e com uma estrutura depessoal técnico especializado dos melhores no pais,elas têm muito a oferecer. A expectativa que se faz éque as parcerias que porventura ocorrerem serãofestejadas dos dois lados.

A visão de Elias Kallas reflete em muito a dos empresáriosde Santa Rita do Sapucaí, uma vez que o INATEL e as empresastem mantido uma forte interação que pressupõe interessescomuns. Assim, é possivel prever uma expectativa positiva dopólo em relação à abertura do mercado, mesmo em condiçõestão desfavoráveis, o que revela que há confiança naspoliticas modernizadoras implantadas no país, aos moldes daseconomias avançadas.

(71)KALLAS, Elias. Uma visão do Pólo Tecnológico de SantaRita do Sapucai e do Pape1 que reserva aoAdministrador Profissional. palestra proferida no liEncQntrQ NaciQnal dQS CursQs de Graduacão emAdministração, realizadQ pela Fundação Instituto deAdministracão da FEA-USP, Set/91, mimeo. p. 10

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3.3 - A forte relacão escola-empresa

Em todas as análises sobre o pólo tecnológico de Santa Ritado Sapucai, é consensual que o seu surgimento e manutençãosomente foi possível em decorrencia da interação entre asempresas de eletrônica e telecomunicações com o INATEL e aETE.

A interaçãc entre escola-empresa em Santa Rita. se dá sobdiversas formas, sendo que nem sempre estão oficializadas. Amais frequente colaboração entre eles está na permissão dasescolas em que as empresas utilizem seus laboratórios para odesenvolvimento de projetos, podendo contar com a orientaçãode seu corpo docente. Tanto a ETE quanto o INATEL possuemeste tipo de postura..

Mas a utilização de equipamentos da escola não se dá somentedesta maneira. Para as empresas com quem o INATEL possuirelacionamento intimo, muitas vezes ele empresta máquinas esalas. Quando a relação com o interessado não é forte, aescola cobra o aluguel pela utilização de seus ativos.

Com a criação do PRODEP e do CCQVE, o INATEL passou aprestar serviços para as empresas do Vale, pois o primeiroórgão destina-se a elaborar projetos encomendados porempresas (não somente do Vale), e o segundo tem a finalidadede cuidar dos assuntos relacionados às empresas do vale.

o INATEL mantém corrvé n í.o para desenvolvimento de projetoscom três empresas significativas de Santa Rita do Sapucaí: aLinear, a Fini Minas e a Sense. O cont.eúdo de cada um édescrito no folheto de cursos do CEDETEC para o ano de 1992:. Linear EqUipamentos Eletrónicos Ltda: desenvolvimento, porprofessores e alunos do INATEL, de produtos aplicáveis à

linha de receptores de sinais de TV via satélite,retransmissores e repetidores de sinais de TV.

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Sense Eletrônica telefonia e Teleprocessamento Ltda.:desenvolvimento de produtos destinados à sua linha deprodução (sensoramento elétrico, magnético e eletrônicoaplicado à indústria) por alunos e professores do INATEL.Fini Minas Indústria e Comércio Ltda.: desenvolvimento etestes, por professores e alunos do INATEL, de produtosdestinados à sua linha de antenas para sinais de TV emVHF, UHF, SFH.

Um dos problemas encontrados pelo INATEL para colaborar nodesenvolvimento de projetos para as indústrias, está nafalta de equipamentos adequados. A escola não possuirecursos para adquirir estes equipamentos, que muitas vezespoderiam permitir o desenvolvimento de alta tecnologia, nosmoldes dos países avançados. Este fato revela umacontradição na proposta do Vale da Eletrônica. que pretendeque instituições de ensino sem recursos adequados possamdesenvolver tecnologias avançadas, de competitividadeinternacional.

Outro aspecto a ser considerado aqui, é que muitas vezes nãoé possível à escola desenvolver um projeto encomendado poruma empresa, pois esta tem como interesse primordial aindustrialização de produtos para o mercado, sem considerara viabilidade do que se pretende. Em alguns casos, o projetoé impossível, independente do quanto se possa utilizar detecnologia ou recurso para desenvolvê-lo. Esta visão datecnologia, as empresas não possuem.

Os professores do INATEL tem ume visão positiva sobre aexperiência de desenvolver projetos para as indústrias, poispara eles esta é uma oportunidade de aproximarem-se daprática, e acostumarem-se com a visão da viabilidadecomercial de um projeto, que nos laboratórios universitáriosnem sempre é essencial.

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o CEDETEC também tem como alunos para seus cursos deextensão universi tár La , alguns trabalhadores e empresáriosdo Vale, mas sua maior clientela está nas empresas de outrosmunicípios, em especial, grandes empresas.

A forma de remuneração dos ser'viços prestados para asempresas não é clara, pois muitas vezes ela não e;.•iste. Emalguns casos, as empresas beneficiadas fazem doação aoinstitut.c, j:i. que na sua maioria, industriali:::amprodutos daárea de especialização da escola. Um exemplo foi a doação deuma antena parabólica para o INATEL, por uma empresa local.

Em um seminário sobre a interação escola-empresa realizadono Instituto no ano de 1991, um dos empresários afirmou que"devia" ao INATEL, por seus serviços prestados. A observaçãogerou uma reação negativa por parte dos professores doINATEL e de um representante do Instituto de DesenvolvimentoIndustrial que estava presente. Este purismo revela um tipode visão pouco empreendedora para dirigentes de umainstituição de ensino que se propõe a desenvolver pesquisasde novas tecnologias, e que necessitam, par'a tanto, adquirirrecursos de custo bastante elevado. Esta postura, apesar decondigna com o papel de uma instituição de ensino ':;!uedeveservir à comunidade em geral, é contraditória com arealidade de lá, pois o INATEL j á deixou explícito que umdos benefícios maiores que pode gerar para a sociedade, estáno atendimento das necessidades das empresas do Vale.

Nos moldes dos países desenvolvidos, o INATEL passou aconceder espaço par'a que alunos que tivessem projetosdesenvolvidos e se interessem em abrir empresas, pudesseminstalá-las temporáriamente. Este tipo de procedimento temsido denominado de encubadeira e no Brasil já existe emoutros pólos eletrônicos, como, por exemplo, em São Carlos(SP). Nas encubadeiras, as empresas nascentes podem utilizar

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toda a infra-estrutura da escola, dividindo os seus custosdiretos, como telefonista, por exemplo.

Ainda não foram elaboradas as regras para as empresas queinstalam-se nas encubadeiras. Normalmente, após algum tempoas empresas devem sair da escola para suas própriasinstalações. Condições como esta, por exemplo, ainda riãc

foram definidas pelo INATEL, que mais urna vez custa acolocar-se em uma posture, mais condizente com sel12~

interesses.

Urna relação existente entre as empresas e as escolas é aformação de mão-de-obra especializada pare o trabalho naárea tecnológica. Esta foi urna das grandes atrações que asempresas que foram instalar-se no pólo encontraram e vem aoencontro do objetivo de gerar mercado de trabalho para ex-alunos a que se propõe o projeto do Vale. Além da mão-de-obra, as escolas fornecem ainda, para o Vale da Eletrônica,os próprios empresários formados em seus cursos e que passama atuar na lniciativa privada.

As empresas, por sua vez contratam os alunos do INATEL comoestagiários, possibilitando urna formação mais completa, j ã

que antes do Vale da Eletrônica, a única alternativa erasair de Santa Rita para realizar um estágio.

Mas a grande interação escola-empresa é realmente sentidaquando analisamos as expectativas de empresários erepresentantes das escolas.

Um dos aspectos que chama mui to a atenção é a concepçãocomum para todos da necessidade da modernização da sociedadelocal e nacional. Conversando tanto com empresários, quantocom professores do INATEL e da ETE, percebe-se que paraambos a questão tecnológica apresenta-se como vital para odesenvolvimento brasileiro. De certa forma, eles acreditam

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que estão na ponta de um processo de modernizaçãoirreversível, e que a manutenção do pólo tecnológico serávital para a capacitação nacional em vista da concorrênciados países avançados.

Com as inúmeras dificuldades que foram surgindo para a

manutenção do pólo, os professores, em especial do INATEL,passaram a representar os interesses dos empresários, frenteao governo e~:tadual e feder·al. Na realidade não há mais uma

distinção muito clara no discurso das duas partes sobre osinteresses de cada um. Na interação que se propuseram, elesse confundiram, nÓ. crença de que o crescimento dasindústrias do vale gerará benefícios para as escolas e vice-versa.

Assim, em todas as iniciativasexpansão do Vale da Eletrônica,

relativas à manutenção eempresários e escolas tem

atuação conjunta, e geralmente posturas bastante entrosadas.Como foi observado, estas pessoas têm constantemente seunido para obter as condições de continuidade e expansão doVale da Eletrônica, na busca de atingir uma competitividadea nível internacional. Assim, realizam seminários,discussões, trocas de favores e aLiam-se nas demandas aogoverno a todo momento, buscando atingir, através dosobjetivos de um, as suas próprias necessidades, que sãoexpressas no crescimento do Vale da Eletrônica. Assim, aoatender necessidades da indústria, as escolas caminham emdireção também aos seus interesses, e as indústrias, aoapoiarem as escolas em suas iniciativas, também es~ãogarantindo um retorno para elas mesmas. g esta relação fortede inter'esses diversos e concepção de mundo similar, quecaracteriza uma comunidade moderna na sociedade de SantaRita do Sapucaí. Porém, é necessário lembrar que nestacomunidade moderna há práticas tradicionais, cc.mo já citadoanteriormente.

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Nas indústrias locais, o tradicional caracteriza-se pelautilização de uma mão-de-obra barata, e não qualificada queos industriais utilizam em suas linhas de produção. e omoderno consiste nos

dosvalorespólosfoi

e padrões reconhecidos comocaracterísticosdesenvolvidos,desenvolvimento.

tecnológicos dos paísesonde inspirada esta prática de

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CAPíTULO IV

SANTA RITA DO SAPUCAí: COMUNIDADE MODERNA OU TRADICIONAL?

Neste capitulo far-emoe uma avaliação do relacionamento entrea comunidade de Santa Rita do Sapucai e os agentes damodernização, compreendidos como os representantes dasinstituições de ensino e pesquisa e empresários. OE:~ dadosaqui apresentados foram levantados na pesquisa, através deentrevistas e coleta de documentos.

1. A COMUNIDADE COMO AGENTE DE VIABILIZAÇAO DO VALE DAELETRONICA

Como já foi exposto no capítulo anterior, para a realizaçãodeste trabalho, a comunidade de Santa Rita do Sapucaí écomposta pelos proprietários rurais, trabalhador'esurbanos erurais, comerciantes e profissionais liberais. Docentes,alunos e empresáriosmodernizantes, e nãocidade.

são denominados aquicompoem a comunidade

como agentestradicional da

Em Santa Rita do Sapucaí, até 1960, a estrutura social localera caracterizada pelo coronelismo, aqui entendido como adominação, por um grande latifundiário, de toda acomunidade. Na década de 50, a figura do coronel erarepresentada na pessoa de Francisco Moreira da Costa, pai deLuiza Rennó Moreira, patrocinadora da criação da ETE.

De acordo com o depoimento de uma antiga moradora da cidade,naquela época não entravam indústrias na cidade. porqueFrancisco Moreira não deixava. Este tipo de postura tem comojustificativa a necessidade de Francisco Moreira de manter odomínio local, através de seu poder econõmico, o que poderia

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não ser garantido caso houvesse um processo deindustrialização local.

A alteração desta característica básica na cidade esteverelacionada com dois fatores básicos: a organização dosproprietários rurais em torno da cooperativa, como forma deincorporar aos seus negócios um perfil mais empresarial e odesmantelamento das grandes propriedades gerado pelasdiversas divisões de heranças. Este segundo fato gera umatransformação no grupo detentor do poder local, que passa aser composto por pequenos proprietários rurais, quenecessitam de posturas mais firmes para enfrentar o grandecapital representado pela agro-indústria e o mercadointernacional. com os quais se relacionam.

Os proprietários rurais, apesar disto, sempre estiveramreunidos em diversas associações, com o objetivo de tomariniciativas que beneficiassem a cidade, segundo seuspróprios critérios. A educação sempre foi uma de suasprincipais preocupações, sendo que diversas iniciativasforam tomadas para que o sistema de ensino local fosse cadavez maior e melhor.

Nestas iniciativas, a Sociedade Amigos de Santa Rita e oClube Feminino da Amizade foram as mais representativas,sendo o primeiro composto pelos proprietários rurais até ainicio da década de 80 e o segundo por suas esposas. Tambémhá na cidade outras instituições como o Lions Club, amaçonaria e a Sociedade Assistente da Criança Carente,formada por representantes de diversas entidades.

A comunidade local teve uma participação indireta noprocesso de formação do pólo eletrônico emergente na cidadena década de 80, através de diversas iniciativas. Passaremosa avaliar agora, em que moldes se deu tal participação.

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A referência aos proprietários rurais como parte dacomunidade neste trabalho, está baseada no fato de que elesdetiveram, através das diversas instituições e do poderlocal, a direção intelectual e moral das pessoas queresidiam em Santa Rita, por quase um século. Assim, aoanalisarmos Santa Rita do Sapucai, percebemos que ascaracteristicas da cidade no último século estirevamdeterminadas pelos interesses dos proprietários rurais, queatrs.vês das escoLe e, d . .a 19reJé. e nas pré·priaE:relações deprodução difundia~ sua concepção de mundo que passou a ser apredominante e se recriou de geração a geração.

De acordo com Hugues Portelli(72):

A sociedade civil é um conjunto complexo: seu campo émuito extenso, e sua vocação para dirigir todo o blocohistórico implica uma adaptação de seu conteúdo,segundo as categorias sociais que atinge. Assim, asociedade civil pode ser considerada sob três aspectoscomplementares:- como ideologia da classe dirigente, ela abrange todos08 ramos da ideologia, da arte à ciência, incluindo aeconomia, o direito, etc.:

como concepção do mundo, difundida emcamadas sociais para vinculá-las à classeela se adapta a todos os grupos; advémdiferentes graus qualitativos: filosofia,senso comum, folclore;- como direção ideológica da sociedade, articula-se emtrês níveis essenciais: a ideologia propriamente dita,a "estrutura ideológica" - isto é, as organizações quea criam e difundem -, e o "material" ideológico, istoé: os instrumentos técnicos de difusão da ideologia(sistema escolar, mass media, bibliotecas etc.).

todas asdirigente,daí seusreligião,

Podemos perceber em Santa Rita que os proprietários ruraisinfluenciaram a comunidade nestes três aspectos, ou seja,na formação da ideologia da classe dirigente, na difusão daconcepção de mundo em todas as camadas sociais e na direçãoideológica da su~ledade. Aos trabalhadores rurais do local,somente foi possível manter sua sobrevivência a partir da

(72)PORTELLI. Hugues. Gramsci e Q bloco histÓrico. p. 22

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aceitação dos conceitos divulgados pelos proprietáriosrurais. g possivel perceber este aspecto na não observaçãoda legislação trabalhista aplicada aos trabalhadores rurais;nas atividades de lazer praticadas, de acordo com aspossibilidades que o campo apresentava e assim por diante.

Ainda, em Santa Rita é extremamente presente na vidacotidiana do trabalhador, por exemplo, a religião católica eé comum encontrar entre eles os conceitos tipicos dosproprietários rurais, como a crença no beneficio geradopelos fazendeiros aos colonos, quando oferecem casa epossibilidade de plantio às suas famílias.

Por fim, os interesses dos proprietários ruraisestiveram impressos em todas as instituições locais.as escolas até as festas realizadas anualmente.

sempredesde

o fato de a sociedade local de Santa Rita do Sapucaí ter semantido impregnada por conceitos caracteristicos dosinteresses de uma oligarquia rural, não significa que olocal tenha ficado isolado em relação aos novos valores quea modernização do país trazia para sua população. O setorrural manteve-se tradicional não por ignorância ou atrasodos proprietários rurais, mas sim em decorrência da relaçãoentre o moderno e o tradicional.

Como a burguesia industrial necessitou, durante os últimos60 anos, do capital gerado pelas atividades agrárias parasua acumulação, foi importante manter os trabalhadoresrurais distantes dos benefícios recebidos pelos urbanos, deforma a garantir aos proprietários rurais condições deexpansão no setor. Assim, o atraso em Santa Rita, assim comonas outras regiões agrárias era consequência de um padrão dedesenvolvimento adotado pelas politicas do Estado.

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A partir desta característica da comunidade de Santa Rita doSapuo a í , é possível compreender as várias iniciativas porela tomadas, que resultaram em condições adequadas para aviabilização do Vale da Eletrônica.

Considerando as condições apresentadas pela cidade para asobrevivência de sua população, a classe dirigente sempreteve como preocupação básica a educação, que por um ladodeveria eet.ar- controlada, come; forme, de garant ir .S,.

manutenção de seu poder diretivo, e por outro, deveria criarcondições para a inserção de seus filhos em algum tipo deatividade econômica.

Foi dentro deste contexto que a Sociedade Amigos de SantaRita do Sapucai preocupou-se em comprar o colégio internatoexistente na cidade na primeira metade do século. O ginásioera particular e tinha como clientela os filhos dosproprietários rurais da região. Com a concorrência de umaescola estadual, houve uma queda na demanda, que levou oproprietário a promover a venda do colégio. O capital para aaquisição proveio da atividade agropecuária, através dosproprietários rurais, que após a compra tiveram que criar aFundação Educandário, pois não havia uma pessoa que pudessealegar uma participação significativa na propriedade. Adiretoria desta Fundação, entretanto, confundia-se com aSociedade dos Amigos de Santa Rita do Sapucaí.

A iniciativa somente não obteve êxito porque o jesuítacontratado para a condução do colégio não teve a capacidadede promover um nível de ensino adequado para as eli teelocais.

As trés outras iniciativas locais na área da educação,também tiveram intensa participação do setor agropecuário. AETE foi J;·atrocinadaenquanto projeto e instalação por Lu i zaRennõ Moreira, cujo pai era um grande latifundiário local, e

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mantinha a condução intelectual e política da comunidade.Foi a herança deixada por ela que compôs o grande capital daescola.

o surgimento do INATEL teve um f'crt.a apoio do aet cr- rural,que vendeu para a escola o prédio do antigo ginásio, a preçosimbólico, A Fundação Educandário, cuja diretoria eracomposta por proprietários rurais, mantinha os direitosreais sobre o imóvel, e assim pode reali=ar a sua venda a0

INATEL, que até hoje tem parte de suas instalações naqueleprédio. Alguns fazendeiros também colaboraram com a escola,através da hospedagem de seus alunos, em suas própriascasas.

Por fim, a FAI foi criada exclusivamente com capitaloriginário do setor agropecuário, e até hoje é dirigida porrepresentantes deste setor.

Considerando que a existência destas escolas foi essencial à

viabilização do Vale da Eletrônica, não é possivel deixar deatribuir à comunidade a oportunidade gerada para suaconcretização.

Para a comunidade local,representou problemas. A

a instalação das escolas nãocomunidade soube aproveitar os

beneficios econômicos decorrentes da concentração de alunose professor'es na cidade, e não teve uma influência culturalforte trazida por estas pessoas,entre famílias santaritenses

uma vez que ae comunidade

integraçãoacadêmica

manteve-se limitada. Ainda, para algumas familias com maiorpoder econômico, as escolas representaram urna opção deestudo para seus filhos e até mesmo a possibilidade de umbom casamento para suas filhas, como é ressaltado por umaantiga proprietária rural em sua entrevista.

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A coexistência entre uma comunidade tradicional e pessoas deoutros centros urbanos não gerou uma dualidade, masconfigurou uma sociedade local, onde os interesseseconômicos de cada grupo garantiram uma relação entre eles,embora as concepções dE: mundo e formas de pensamento fossemdiferentes.

Mas a participação da comunidade local não se limita a esteaspecto. O início da Nova Repúbli~a foi caracteri::ado porgrandes movimentos grevistas e pressões populares. Aausência de qualquer atividade sindical na cidade era degrande relevância, principalmente considerando-se que asempresas que lá se instalaram eram de pequeno e médio porte(a maior parte micro-empresa).

Durante todo o processo de industrialização no Brasil, ostrabalhadores urbanos foram obtendo conquistas, que na suamaioria não foram repassadas ao setor rural. Ainda, nascidades, o trabalhador passou a ter a possibilidade deorganizar-se em torno de reivindicações diversas. aocontrário do que ocorria nas regiões agrárias. Embora osindicalismo rural tenha conquistado vitórias em diversoslocais no Brasil, em Santa Rita do Sapucaí, ele sequerexiste.

Assim, as indústrias que foram implantar-se no Vale daEletrOnica podiam contar com trabalhadores que não estavamhabituados à organização sindical, nem sequer à

reivindicação de quaisquer direitos. Estas empresas puderaminstalar-se na região sem preocupar-se com estas questões.,além de terem a oportunidade de contar com uma mão-de-obraque facilmente adaptava-se aos valores do capital. Esteaspecto é ressaltado pela valorização do trabalhoindustrial, em detrimento ao rural, que os empresáriospassaram a difundir na classe operária.

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A partir deste contexto, os empresários puderam praticar asmais variadas formas de exploração ao trabalhador, poisunidos em torno dos seus interesses, criaram um mercado detrabalho controlado, onde questões como salários, beneficiose rotatividade de mão-de-obra podiam serdeflnidas por eles,sem haver resistências.

Nos anos de 1985 e 86, com a atuação sindical extremamenteforte nos grandes centros urbanos, o setor agY'ário pedeoferecer aos empresários santaritenses um dos maioresatrativos para sua concentração no local. Isto somente foipossível graças à direção intelectual e moral mantida pelosproprietários rurais na cidade durante quase um século, queatravés do controle social e econômico da classe operária,excluía a possibilidade de modificar as relações de compra evenda da força de trabalho.

Outro aspecto essencial para a viabilização do Vale daEletrônica proporcionado pelo setor agropeCUário. é o baixo.custo da reprodução da mão-de-obra, que se apresenta dediversas formas.

A alimentação é um dos pontos mais importantes nesteaspecto. Sendo Santa Rita do Sapucaí uma região de extensaárea rural, a plantação de produtos alimentícios ésuficiente para o abastecimento do município. Este fatoelimina boa parte dos gastos do trabalhador com os produtosbásicos para alimentação, uma vez que no custo final dosprodutos muitas vezes não há grandes intermediários e anecessidade de transporte.

Em entrevista com um empresário local, tendo perguntadosobre beneficios no setor da alimentação, a resposta obtidafoi de que este ítem não constituía problema na cidade, já

que a região era agrária e o trabalhador, na hora do almoço,ia até sua casa para fazer a refeição. Assim, de acordo com

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ele, não há a necessidade de conceder cestas b~sicas ou atémesmo vale-refeição.

No que se refere aos produtos industrializados, podemosper'ceber um out.r-o aspecto importante da colaboração dacomunidade na viabilização do Vale da Eletrônica, que é

decorrente da expressão cultural dos trabalhadores locais.

Os trabalhadores em Santa Rita do Sapucaí não possuem ocostume de consumir produtos industrializados. Suaalimentação é composta, na maior parte, por produtos básicosnão industrializados. Isto está relacionado ã própria origemrural das famílias destes trabalhadores, onde os hábitosalimentares constituem-se a partir do consumo dos produtosplantados em seus quintais.

Em Santa Rita, também não se encontra o costume devestuário, lazer ou qualquer outro ítem que envolva um custoelevado. Em entrevista com trabalhador'es locais, todos foramunânimes em que a principal atividade de lazer local era iraté a praça da matriz, onde se realiza o "footing".

No que se refere ao vestuário, as lojes locais nãoapresentam opções de marcas ou de qualidade que justifiquemum custo alto, e ainda é comum na cidade atribuir àscostureiras locais a confecção de roupas.

Na pesquisa de campo ficou bastante marcado o fato de que asprincipais preocupações dos trabalhadores com relação aoconsumo estão relacionadas ao cotidiano de sobrevivência desuas casas, envolvendo basicamente alimentação, educação,aluguel e construção ou reforma de casa própria. Este últimoítem, entretanto, está sendo bastante amenizado pelainiciativa do poder local em construir casas populares.

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Concluindo, na direção intelectual e moral da sociedadelocal, os proprietários rurais foram constituindo umacomunidade com características que significaram para osempresários a possibilidade de manter uma intensa acumulaçãode capital. Isto pressupõe, é cl.ar-o , uma distribuição derenda concentrada e acabará por um dia gerar contradiçõessociais e econômicas que deixarão de ser tão controláveis.Mas para as indústrias que se instalaram no Vale, compequeno capital , , , ,lnlCla .•., o baixo custo da mão-de-obra e afácil adaptação dos trabalhadores aos interesses dasempresas, em especial, foram benefícios que a comunidadetradicional ofereceu-lhes e que foram essenciais naviabilização de seus negócios.

2 - A RELAÇÃO COMUNI DADE- ESCOLA

A relação comunidade-escola precisa ser analisada a partirde três grupos: o corpo docente, o C01'pO discente e osfuncionários das escolas.

Para esta análise, consideraremos a ETE e o INATEL, emespecial este último, devido ao papel primordial que ele vemexercendo na manutenção do Vale da Eletrônica.

o corpo docente do INATEL é formado, na maioria, porengenheiros, como já foi ressaltado no capitulo anterior.Muitos deles foram alunos do próprio INATEL e depoisdedicaram-se à carreira acadêmica dentro da escola e na ETE.

Ao todo, a escola conta com mais ou menos quarentaprofessores, sendo que 16 estão sob regime de tempointegral. Estando a maior parte do tempo ocupados com asatividades acadêmicas no INATEL, ETE ou em outrasuniversidades, a r-e lação dos professores com a comunidadenão é muito intensa.

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Isto é ressaltado pelo fato de que os professores, na maiorparte das vezes, estão relacionados com as ind~striaslocais, o que gera uma convi vênc ia mais forte com o setorempresarial, como já foi dito.

Apesar disto, a preocupação da escola com a convivência dacomunidade acadêmica com a local é muito grande, o que temsido demonstrado através d;::. di ve rea s iniciativas da e ec o Le

para a discussão deste tema. Foi criado no INATEL, um setorpara assuntos comunitários, que em agosto de 1991, durante asemana de cultura realizada pela instituição, promoveu umasérie de debates eobr-s esse r'elacionamentc.

A prinCipal razão desta preocupação está em dois pontos

básicos: o INATEL, ao ser confundido com as indústrias, jáque foi responsável pelo seu surgimento, é tratado pelacomunidade como parte de um grupo desenvolvimentista; e osestudantes, por serem fonte de renda pe 1.3. comunidade, tendem

a ser mais explorados pelos comerciantes que a populaçãolocal. Esta exploração dos estudantes dá-se através de umtratamento diferenciado, como por exemplo, na cobrança dealuguéis mais caros.

Na realidade, o INATELtem nos professores que trabalharamem função da viabilidade do Vale da Eletrônica, seusprincipais representantes. Na visão destas pessoas, o fatode a comunidade manter uma cultura típica de uma r'egiãoagrária limita o impulso modernizador que o Vale poderiatrazer.

Assim, todas ee posturas tomadas pela comunidade, querepresentem uma indiferença ao espíri to modernizante, sãoencaradas como provincianas. Isto está extremamenterelacionado ao paradigma internacional que orientaatividades das escolas, no sentido de promover em Santa Rita

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do Sapucaí o desenvolvimento de uma capacitação tecnológica,necessária ao desenvolvimento da sociedade brasileira.

Na maioria engenheiros, estes professores lutam dentro dainstituição pela não proletarização da categoriaprofissional, através de uma formação direcionada aodesenvolvimento de um espirito empreendedor. Neste sentido,entendem a tecnologia como uma das formas de viabilização daacumulação de capital, em favor dó. própria };!".:,fissão. Nos

moldes em que os empresários engenheiros do INATEL têm sedesenvolvido, a concepção e a execução no processo detrabalho não estão separadas, pois eles participam, atravésde suas pequenas e médias empresas de todo o processo.

Ainda, o fato de as empresas em Santa Rita do Sapucaí nãoutilizarem processos produtivos automatizados ourobotizados, exclui a preocupação das consequências que atecnologia poderia trazer para a classe trabalhadora. Osengenheiros formados no INATEL não possuem uma visão críticado processo de introdução de tecnologias no Brasil, pois aencaram como uma questão benéfica a todos, à medida quepoderá gerar o desenvolvimento econômico nacional.

Esta acriticidade é percebida no fato de a escola conceberum conceito de pesquisa direcionado para os interesses dasempresas, independente do conteúdo que as tecnologiasdesenvolvidas possam trazer para a comunidade. Esta posturacoincide com a proposta governamental para a ciência etecnologia, que vem propagando a necessidade de auniversidade trabalhar em favor dos interesses das empresas,como forma de o país atingir a modernização. H. MoysésNussenzveig comenta criticamente esta política do Estado, emseu artigo no jornal "Folha de São Paulo" (73):

(73)NUSSENZVEIG, H. Hoysés. O governo federal liquida aolencia. Folha de São Paulo - Tendências e Debates, 13de abril de 1992.

1~J';'

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Ao recomendar à universidade que adapte seus currículosde pesquisa a projetos industriais, o governo estáfornecendo uma receita de mediocrização. O papelcentral de mna boa universidade é formar recursoshumanos de alto nível: este é de longe o maior serviço..;tueela r.-odeprestar à comunidade. A formação de um bompesquisador, tanto em áreas básicas como aplicadas,faz-se em projetos de pesquisa fundamental: projetosindustriais, sujeitos a pressões de mercado e deprazos, não são adequados para isso ....A ciência brasileira vai sendo tragada no abismo entrea ret6rica e & realidade deste governo nefastc. Aretórica: "O programa de ciência e tecnologia éabsolutamente central na conquista da modernidade quedesejamos"(presidente Fernando Collor, 6/02/92). O reique desfila com as roupas novas da modernidade, como noconto de Andersen, está nu.

Apesar destes engenheiros não se organizarem em torno demovimentos sociais, como os analisados por Lili Kawamura,eles também mantém uma postura em relação à tecnologia queestá aliada à questão da dependência tecnológica. Segundo aautora (74):

A tendência predominante no posicionamento dosengenheiros em face da questão tecnológica consiste nadefesa da tecnologia nacional, à medida ';tuedetectam adependência tecnológica como o problema central ....Essa posição não questiona o conteúdo da tecnologia,enquanto instrumento de subordinação das classesdominadas, uma vez que as criticas não se colocam emtermos do seu controle pelas classes dominantes, masapenas quanto ao seu dominio pelos segmentos ligados aocapital estrangeiro em detrimento dos nacionais.

Sendo realidade a abertura do mercado de informática, paraos professores do INATEL, a associação entre as empresas doVale e internacionais passa a apresentar-se como uma

(74)KAWAt1URA, Lili, Tecnologia e política na sociedade.Engenheiros. reiyindicacôes e poder. p. 126-127

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alternativa possível. É para isto que dirigiram suasatividades. Estão buscando cada vez mais a produção de novastecnologias no Vale, como forma de capacitar suas empresas ãuma associação.

Um dos pontos primordiais neste aspecto, e possibilitar amanutenção e crescimento do pólo tecnológicú, que pressupõea concentração de outras empresas além de investimentosgovernamentais para a realização de pesquisas.

Com esta perspectiva, as escolas locais passam a esbarrar emproblemas básicos que a expressão cultural tradicional dacomunidade local traz para suas iniciativas. Apesar de terse tornado um pólo tecnológico, que conta com empresas deprodutos de tecnologia avançada, Santa Rita não possui umacomunidade que tenha um espirito modernizante. A situaçàotorna-se pior, à medida que os problemas de expansão que opólo possui somente poderão ser ultrapassados com a atuaçãoconjunta da comunidade e escola.

Em uma época e~ que os recursos orçamentários do governo nãosão suficientes para atender às necessidades de seusdiversos setores de atuação, a obtenção de apoio financeiropara infra-estrutura na cidade e para pesquisa torna-seextremamente dificil. Assim, a aliança com a comunidade comoforma de pressão às autoridades governamentais torna-se aalternativa para a manutenção do Vale.

A falta de apoio financeiro do governo Collor à ciência.torna quase inviável para o INATEL, que é uma faculdadeparticular, a obtenção de recursos. Em seu artigo na Folhade São Paulo, H. Moysés Nussenzveig ressalta a falta de

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atenção do governo federal às atividades de pesquisa nasuniversidades (75):

A realidade:1) Nos dois anos do atual governo, o Fundo Nacional deDesenvolvimento Cientifico e Tecnológico. principalfonte financiadora da pesquisa nas universidades, caiuaos niveis mais baixos de sua história. Reduziu-se a umvalor dez vezes menor do que aqueles atingidos há duasdécadas! A rigor, bastaria este número paracaracterizar nossa marcha acelerada para a modernidadeda Idade da Pedra ....5) (I conceito do governo federal junto à comunidadecientífica pode ser aferido pelas manifestaçõesrecentes do Conselho de Ciência e Tecnologia (órgão decúpula da secretaria de Ciência e Tecnologia), que vê"um quadro desesperador", "uma crise sem precedentes,que atinge o conjunto das instituições de pesquisa",dos Comitês Assessores do CNPq, para quem "o colapso éiminente", e das sociedades científicas, segundo asquais "a sociedade brasileira assiste G desmantelamentodo sistema de ciência e tecnologia no pais",

Em um debate sobre o relacionamento comunidade-escola,realizado pelo INATEL em agosto de 1991, a discussãodesviou-se da exploração econômica dos alunos pelo comérciolocal, par'a a questão do tratamento da água, O espaço dediscussão passa a ser um momento de buscar o apoio dacomunidade na pressão das autoridades locais para a soluçãode problemas que afetam o crescimento do Vale da Eletrônica.

Neste debate, foi chamado um representante do poder localpara responder às diversas reivindicações que foram surgindodUL'a!iLf_' ':.:.:..; J.i.:";i_~ULi:..:;:k::..:l.' (lUL: Le.n Ll.J afetam a comunidade,quantu ()f; entendidos comoempresár'ios, docentes e corpo discente das escolas. Ao mesmopasso que este apoio é' buscado. um dos representantes daescola coloca a cidade de Santa Rita do Sapucaí comoprovinciana, com caracteristicas conservadoras e bairristas.

(75)NUSSENZVEIG, H. Moysés. O governo federal liquida aclencia. Folha de São Paulo - Tendências e Debates, 13de abril de 1992.

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A conclusão do referido debate foi exatamente a constituiçãode uma comissão, da qual participassem representantes dasdiversas instituições locais, que deveria ter a função depressionar os governantes a nível estadual e municipal pararesolver os problemas da cidade. Entretanto, a proposta nãofoi levada adiante, e a comissão passou a preocupar-se comquestões assistencialistas.

o segundo aspecto do relacionamento das escolas com acomunidade está na incorporação dos estudantes na sociedadelocal. Os alunos das escolas representam para a comunidadeuma forma de sobrevivência, já que muitas famílias, atravésdo comércio e dos aluguéis vivem da renda dos estudantes.

Apesar disto, não há uma integração entre alunos ecomunidade, do ponto de vista de suas expressões culturais,uma vez que elas diferem. Assim, estes são encarados como"baderneiros" e são muitas vezes responsabilizados porproblemas ocorridos na cidade.

Se parte da comunidade mantém um comportamento de exclusãoem relação aos estudantes, o mesmo ocorre do outro lado.Para o conceito dos alunos do INATEL, na maioria filhos defamílias abastadas, a comunidade de Santa Rita do Sapucaínão apresenta as possibilidades de relacionamento a queestão acostumados.

Assim, estes alunos chegam na cidade com a expectativa deencontrar apenas trabalhadores rurais ou fazendeiros, quenão possuem os conhecimentos gerais a que estãofamiliarizados. Isto fica claro, quando os alunos colocam afalta de alternativas de lazer, esporte e cultura na cidade,nos moldes dos centros urbanos maiores.

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Em Santa Rita não há estas opções,a comunidade como responsável poranteriormente o caráter utilitário

e os estudantes enxergamisto. Já foi colocadopara o .setor moderno

desta característica da comunidade local, que deve preservarseu tradicionalismo, em função do atendimento dasnecessidades da acumulação do capital.

Por fim, os funcionários das escolas representam uma pontede ligação entre comunidade e insti tUiçôes de ensino, ume.

vez que, na sua maioria são originários de Santa Rita. Com aforte ligação que passam a ter com os professores e alunos,que trazem uma nova concepção de mundo, impregnada peloespírito da modernidade, os funcionários acabam por assumiruma postura de defesa dos interesses das escolas, emdetrimente· de sua própria comunidade. Ao mesmo tempo, nãopossuem um espaço concreto dentro das escolas, pois sãoapenas trabalhadores da instituição, e como tal não tem afunção de gerar internamente novos valores e formas depensamento.

A partir de todo o exposto, pode-se concluir que orelacionamento entre a comunidade e as escolas é baseado naexclusão da convivência de um pelo outro. Apesar disto, fi:

impossível negar a interrelação entre os dois, poisconvivendo no mesmo local, necessitam muitas vezes aliar-seem busca de seus interesses. Esta iniciativa fi: clara napostur"a do INATEL, mas nem tanto na da comunidade.

3 - A RELAÇÃO COMUNIDADE-EMPRESAS

Durante todo o processo de industrialização de Santa Rita doSapucaí, houve uma grande imigração para a cidade não apenasdos donos das indústrias locais, como de mão-de-obrautilizada por elas.

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Apesar disto, a comunidade não se integrou com osindustriais locais. Em Santa Rita do Sapucai durante adécada de 80, criaram-se dois grupos diferentes: a do setortradicional local e a do setor moderno, composto porindustriais na E;Uó. maioria provenientes do Estado de SãoPaulo.

Esta dicotomia, entretanto, traz em seu seio urnacaracterística comum aos dois setores que CO!1vi vem em um

mantendo diferentesmesmo local, mas não se integram,expressões culturais.

o setor tradicional, como já foi ressaltado tem cornoprincipais compradores os grandes laticínios, em especial,os da cidade de São Paulo. Há uma dependência local domercado paulistano representada principalmente pela filiaçãoda Cooperativa local à Cooperativa Central de São Paulo.Ainda, este setor tem uma forte relação de dependência com omercadO internacional, uma vez que é essencia.l para a suasobrevivência a não c importação do leite que em outros paísespossui condições de produção que permitem um preço maisbaixo.

o setor moderno industrial, por sua ve::, também apresentauma forte dependência da cidade de São Paulo e do setorinternacional. Em relação à São Paulo a dependência está nofato de a maior parte dos compradores e fornecedores dasindústrias do Vale estarem localizados nesta metrópole. Noque se refere à dependência internacional, as indústrias deSanta Rita do Sapucai são de tecnologia eletrônica e detelecomunicações, que na maioria das vezes dependem deinsumos internacionais que são importados diretamente oucomprados de empresas de São Paulo. Em visita a uma dasmaiores empresas do Vale, o seu gerente afirmou que apenasum dos componentes para a produção de sensores eletrônicos,

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era importado dos EUA, sendo todo o resto adquirido em SãoPaulo.

Uma das especificidades do processo de modernização de SantaRita do Sapucai, foi o fato de ser gerada inicialmente porum setor considerado atrasado, o qual foi exc Lu í do por umgrupo desenvolvimentista posteriormente, criando aconvi vência em um mesmo local do tradicional e do moderno.Apesar disto, os dois setores mantém relação de dependênciacom mercados comuns: o da metrópole eo internacional.

~ importante entendermos esta dependência dentro da análisedos impactos que as políticas mais amplas do Estado para amodernização do pais, acabaram por gerar na realidade dediversos municípios brasileiros e no perfil dependente dasatividades econômicas nacionais.

A concentração de indústrias em grandes centros urbanosgerou grandes entraves às regiões mais atrasadas, ,;!.uenãotiveram condições de obter melhores condições de vida aosseus cidadãos e acabaram muitas vezes por estagnar-se. Alémdisto, quando houve um impulso dinamizador para estescentros, este se deu de forma dependente dos grandes centrose também do mercado internacional.

A introdução do grande capital na atividade agropecuáriateve como consequência uma série de alterações no campo. Coma proletarização do trabalhador rural e a formação de umespírito empresarial no proprietário rural, a realidade dospequenos municípios agrários, acabaram transformando-se. EmSanta Rita do Sapucaí, esta mudança tornou-se significativacom a criação da cooperativa local.

A aliança dos proprietários rurais com a Cooperativaregional, e consequentemente com a Cooperativa Central deSão Paulo para enfrentar as exigênCias dos Let í.c í n í.oe e

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exportadores do café, difundiu para todos a necessidade deuma atuação destinada à acumulação, nos moldes capitalistas.Assim, em Santa Rita do Sapucaí a convivência com aagroindústria e as cooperativas possibilitaram aincorporação dos padrões características do capitalismoavançado. Para os produtores locais, a cooperativa ofereceinsumos, produtos e serviços como a assistência agronômica,técnica e mecânica possibilitando uma produção mais racionaldo ponto de vista do retorno do investimento.

De acordo com o presidente da Cooperativa, a ínstituiçãoestá dando um novo enfoque na forma de profissionalização doprodutor, na busca de uma maior produtividade e qualidade.

Apesar disto, este avanço se deu no sentido da dependênciado grande capital nacional e internacional, que ameaça atodo momento as possibilidades de retorno dos investimentosdos proprietários rurais.

o mesmo pode-se dizer das indústrias de produtos baseados emtecnologia avançada na área de eletrônica, que foraminstalar-se em Santa Rita. Prova disto, é a ameaça que aabertura de mercado impõe ao setor atualmente.

A partir daí, é possível verificar que há um forterelacionamento entre comunidade e indústrias de Santa Ritado Sapucaí com setores externos, o que acabou levando à umdistanciamento entre os dois grupos na cidade, já que ainterdependência é bastante indireta, e não se manifestacotidianamente.

Mas se não se integram socialmente, em seus interesses andambastante agrupados, j á que ambos os setores tem em mente omesmo .ç' ..l..1m, ou seJa, a acumulação do capital .

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Neste sentido, é ilustrativo o depoimento do presidente daCooperativa local que coloca que "as empresas estão trazendobenefícios para o setor rural. Existe uma mudança dementalidade, a conversa passa a ser em torno deprodutividade e qualidade".

Este convivio leva a contradições que geram problemas para aclasse trabalhadora, e não para empresários ou proprietáriosrurais. Se por um lado c' setor agr.9.ric'mantém c trabalhadormal remunerado e o submete às formas de vida que lhesbeneficie, o setor industrial aproveita-se destas condiçõespara viabilizar o seu crescimento.

Para as indústrias e os proprietários rurais, não há adependência percebida na relação entre escolas e comunidade.O caráter que embasa esta relação é a conivência deinteresses, que é expressa na exploracão dos trabalhadoreslocais.

De acordo com alguns industriais entrevistados, na relaçãoque possuem com a comunidade, um dos problemas encontrados é

o medo dos proprietários rurais de perderem a mão-de-obra emsuas fazendas para as indústrias locais.

Em sua entrevista, o presidente da cooperativa, afirmou quea mão-de-obra com os encargos sociais ficou muito onerosa.

A tendência é a modernização. A cooperativa vem incentivandoe orientando o produtor no sentido de usar mais máquinas".Ainda, afirma que "os trabalhadores rurais tendem a vir paraa cidade, principalmente os filhos que tem mais condições deaprender um ofício. Tem havido uma transformação nestesentido, embora o trabalhador nem sempre obtenha melhorescondições de vida na cidade. Está diminuindo a mão-de-obrano campo." Por outro lado, () f"!ntrf"!vi~t-.;:H·k) 1f"!mbraque "umaparte da mão-de-obra passa a ser absorvida pe la indústria,

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mas isto é limitado, pois a indústria requer uma mão-de-obramais qualificada e o campo nem sempre a tem".

A consequência da introdução das indústrias na cidade para osetor rural, passa pelá perda da mão-de-obra, que é umaspecto negativo para o setor. Entretanto, a introdução nopaís de novos direitos legais ao trabalhador rural tem comouma de suas consequências a busca de alternativas para osfazende í.r-os, que muitas vezes passa peL3. contratação depessoas de fora da região para as épocas de colheita,diminuindo assim, os gastos constantes com direitostrabalhistas.

Também a utilização da tecnologia nas atividadesagropecuárias, desejada pela cooperativa local, leva àexpulsão do trabalhador do campo, em direção às cidades.Marx já afirmava em sua época (76):

Na agricultura, o emprêgo da maquinaria está em grandeparte livre dos prejuízos físicos que acarreta aotrabalhador na fábrica, mas atua de maneira maisintensa e sem oposição, no sentido de tornar supérfluosos trabalhadores, conforme se verá pormenorizadamente,mais tarde.

Um aspecto que precisa ser avaliado para entender areal idade de Santa Rita do Sapucaí, é o fato de os seusempresários manterem com os centros urbanos de que sãooriginários, uma forte relação. Assim, a sua incorporação nacomunidade local não se torna tão essencial, já que possuemoutras relações sociais, que incluem, em Santa Rita, osprofessores e alunos de.e escolas. A consequência disto é quenão há uma troca de valores e concepções entre os doisgrupos, tendo cada um permanecido com as mesmas expressõesculturais que mantinham antes da convivência na cidade.

(76)MARX, Karl. O Capital. Crítica da Economia Política.Livro 1, Volume T, São Paulo, Editora Bertrand Brasil- DIFEL, 1987, 11. edição. p. 577

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De acordo com um professor do INATEL, o problema dosindustriais é que a maioria é de fora, então eles nãopertencem à tradição que é muito forte em Santa Rita. Elesnão se encaixaram, ou muito superficialmente". Descrevendo asociedade de Santa Rita do Sapucaí, este professor afirmouque estudantes não convivem com proprietários rurais e com acidade; e que os proprietários rurais não convivem com osindustriais. De acordo com o professor, entretanto, asescolas e industriais mantém relação com a cidade, por elecompreendida como os profissionais liberais, comerciantes etrabalhadores.

Do ponto de vista do investimento de capital industrial nosetor rural, em Santa Rita do Sapucaí muito pouco tem sidofeito, pois as empresas locais ainda não possuem umamaturidade econômica para realizar novos investimentos. Nogeral, as indústrias ainda tem muito o que expandir, o queimplica em reinvestir os lucros ger'adospor'suas atividades.

Do ponto de vista dos trabalhadores '/a indústria representouum fator positivo para os operários, uma vez que permitiu,para muitos, a vida na cidade. A mudança de patrão tem maisvalor pela alteração no meio em que vivem, do que pelosnovos padrões na relação de trabalho. No depoimento de doistrabalhadores urbanos, o trabalho rural foi apresentado comouma opção mais interessante, no sentido da atividadeexecutada, porém a moradia na cidade é mais favorável para asobrevivência da família.

No que se refere aos profissionais liberais e comerciantes,as indústrias significaram uma expansão de euae atividades.A possibilidade de convênios de saúde. a maior demanda porprocessos trabalhistas e o aumento do número de consumidoresbeneficiou estas categorias.

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Concluindo, percebe-se uma integração existente entre osetor rural e industrial na cidade de Santa Rita, emcontraposição à uma visão dual. Santa Rita é uma cidade quetem como peculiaridade a caracterização de pólo tecnológico,e que

doisao mesmo tempo permanece agrária. A relação entresetores citados está na criação de condições

osde

viabilização de seus interesses econômicos, ou seja, namanutenção de formas de pensamento e valores tradicionais nolocal. que impeçam que seus trabalhadoreE~ possam vir arequerer participar de movimentos em busca de seus direitosou de benefícios.

o tradicionalismo atribuido à sua comunidade tem semanifestado benéfico ao setor industrial, que por sua vez,traz alguns elementos novos à cidade, os quais a Cooperativaesforça-se por incorporar, como o conceito de produtividade,por exemplo. A principal contradição que encontramos narelação comunidade-empresa está nas condições sociais eeconômicas às quais os trabalhadores necessitam eubmet.e r+ eepara serem incorporados ao trabalho nos dois setores.

4 - OS IMPACTOS DO SURGIMENTO DAS ESCOLAS E DAS INDOSTRIASNA COMUNIDADE

o surgimento do Vale da Eletrônica tro~xe para a comunidadede Santa Rita do Sapucaí várias implicações, sem entretanto,ter alterado profundamente as estruturas básicas das suasrelações sociais.

A introdução de diversas pessoas na cidade, levou a umaumento demográfico em Santa Rita do Sapucai, sem entretantogerar uma grande mudança nos costumes e valores locais.

A implantação das escolas implicou em um desenvolvimentoeconômico pa r-e a cidade, já que introduziu um novo mercado

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consumidor, que gerou umestabelecimentos comerciais.

aumento no número de

Este crescimento, entretanto, não se deu de forma a ampliaro perfil do mer-cado consumidor local, onde até hoj e não sàoencontrados diversos produtos característicos de umasociedade de consumo de massa. Santa Fita ainda depende dacidade de São Paulo ou até mesmo Pouso Alegre (cidade maiordistante .. mais ou menos guarent.5. ·~uilômetros) no qUE: serefere ao consumo de produtos diferenciados.

Apesar da cidade ser bastante próxima de três grandescerrt r-o e urbanos, São Paulo, Rio de Janeiro e Belo Horizonte::(200, 380 e::400 km respectivamente), a metrópole paulista éo referencial de comércio.

Mas a convivência com corpo docente e discente da escolatrouxe para a cidade algumas transformações, uma vez que osalunos difundiram certos costumes no local, como porexemplo, a opção de lazer. Os diversos bares destinados aoatendimento dos estudantes passou a ser uma alternativatambém para a comunidade local, com exceção das classesmenos abastadas. Também a convivência nos diferenciadoseventos locaisfamílias de

aproximou o corpo discente das escolas dasproprietários rurais, comerciantes e

profissionais liberais.

Esta convi vênc ia acabou por gerar diversos re lacionamentosentre estudantes e comunidade, que refletiram-se, inclusive,na formação de novas famíl ias. Entretanto, estas relaçõessão excludentes da classe trabalhadora, já que os alunos nãomantém convívio com ela, e sim com a classe média e aselites locais.

Do ponto de vista cultural, não se pode afirmar que acomunidade tenha transformado seus padrões e valores, a

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partir daestudantes

convivência com os estudantes. Istonão constituem um grupo coeso

porque osque tenha

participação ativa nas diversas instituições locais.

Para compreender as limitações que este grupo encontra parauma atuação transformadora da comunidade local, é necessárioconsiderar três aspectos característicos do corpo discentedas escolas de Santa Rita, em especial a ETE e o INATEL.

Em primeiro lugar, não se pode atribuir ao corpo discenteuma visão de mundo comum, pois este grupo é formado porpessoas provenientes de regiões diferentes do país, quepossuem expressóes cul turai s diversas. Em um me io onde é

possível encontrar pessoas originárias da capital de SãoPaulo e do norte de Minas Gerais, há uma variedade deposturas identificáveis.

o segundo aspecto está relacionado à permanência dosestudantes na cidade limita-se ao tempo de duração de seuscursos, o que impossibilita uma relação com a comunidade queseja de total integração.

Por fim, durante a formação universitária, há umatransformação das concepções dos alunos, já que a educaçãona escola não se limita à transmissão do conhecimentotécnico, em especial, no caso do INATEL, que adotou umalinha "humanista" de formação do engenheiro, como já foiressaltado.

A partir destes três aspectos, pode-se compreender porquemui tas pessoas da comunidade mantém uma posição dedistanciamento em relação aos estudantes. Em algumas dasentrevistascomunidade" ,

e no Seminário "relacionamento escola eficou ressal tado que há problemas nesta

relação. Uma das conclusões do referido seminário foi que..existe, em Santa Rita do Sapucaí, por parte de mui tos

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moradores indiferença e pouco apreço pelos estudantes que láchegam. A falta de acolhimento traz nervosismo ao aluno."Todo este distanciamento alegado pelos alunos no seminárioestá relacionado à falta de interação entre as expressõescuIt.ursí s dos estudantes e da comunidade local. Apesar de osalunos das instituições de ensino significarem uma demandade serviços e comércio para a comunidade, seus valores easpirações não são compartilhados.

Os impactos na comunidade local de Santa Rita do Sapucaí,gerados pela permanência dos alunos da cidade acabam por sermui to tênues, pois até mesmo os que passam a residir nacidade após o término de seus cursos, ao invés deincorporarem-se à comunidade local, passam a conviver com osempresários e professores. Estes, como já foi ressaltado,não possuem um vínculo significativo com a comunidade local.

A relação dos funcionários com a comunidade já foi analisadaanteriormente, e ficou demonstrado que eles distanciam-se dacomunidade por conviverem com novos padrões e valores, masao mesmo tempo nâo possuem um espaço de ação dentro dainstituição, que lhes permita vincular-se a ela em umaperspectiva diferente da relação de trabalho.

O prinCipal impacto que as escolas trouxeram para acomunidade de Santa Rita do Sapucaí foi exatamente a criaçãodo Vale da Eletrônica, que significou uma mudança no perfileconômico da cidade.

Apesar de significativos, os faturamentos das empresaslocais, a Prefeitura Municipal vêm classificando suaprincipal base econômica como sendo a produção agrícola,conforme f)i.Jd<:'!llli_)~~U'bG<..;L'VUL" !1a~~UL\!-ji";L'.Lçõe:.;;dos InformativosMun i r: ~ipFl; f-~ (lf: 1RRn F! 1888, T"p.spectivamente:

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Sua economia está calcada principalmente nas atividadesagrar-a ae e industriais. Café e leite são seusprincipais produtos, produzindo ainda milho. mandioca.arroz, feijão e outros. (Informativo Municip~l - 1986)"

Sua economia está calcada principalmente nas atividadesagro-pecuárias e industriais.Café e leite sâo suas prinCipais fontes de renda,produzindo ainda sementes de milho e sementes de arroze outros. (Informativo Municipal - 1989)

Este fato é ressaltado na entrevista do presidente daCooperativa local: "A indústria, em Santa Rita, eu acreditoque tenha uma participação bem menor que a agricultura. A

cooperativa de Santa Rita hoje, vem faturando uma média dedois milhões e trezentos mil dólares por més, sendo ummilhão proveniente do café e um milhão e trezentos doleite."

De acordo com os dados de Ely Kallaslocais faturam algo entre 80 a 90

'" c.''-'-'-' indústriasmilhões de dó Lar-e s

anualmente. o ~ue significa uma média de sete milhõesmensais, em comparação com dois milhões e trezentos dacooperativa. Se for considerado que o faturament.:, do setorrural não é totalmente canalizado pela Cooperativa, e que oscustos do setor industrial são bastante superiores aos daCooperativa, pode-se inferir que, apesar do setor industrialpossuir uma participação maior na renda local, a diferençaem relação ao setor rural não deve ser muito significativa.

Com isto, é possível dimensionar o impacto econômico daimplantação do Vale da Eletrônica na cidade. Porém, nacomunidade, os beneficiários desta mudança foramprinCipalmente os trabalhadores, que passaram a contar comum novo mercado de trabalho, antes restrito à agropecuária,ao comércio e ao trabalho doméstico.

(77)KALLAS, Elias, Uma \T1SaO do PÓlo TecnolÓgico de SantaRita do Sapucaí e do Papel gue reserva aoAdministrador Profissional. p. 5

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Isto não significa que para a classe trabalhadora, aintrodução das indústrias locais traz novas condições devida ou diferentes padrões e valores. Apesar da maiorc onc en trac ãc ne meio urbano dos trabalhadores, osLnduat.r-La í e mantiveram a mesma postura na relação detrabalho, que o setor rural, ou seja, ó. con"tinuaintensificação da exploração do trabalho.

Não se pode ignorar, entretanto, que as mudanças nasrelações de produção geram transformações nas relaçõessociais de produção. O que ocorre em Santa Rita do Sapucai,é que já no seio do trabalho rural, o trabalhador vinhapassando por um processo de proletarização, através daintrodução de uma visão empresarial entre os proprietáriosrurais, gerada pela Cooperativa e a agroindústria. Portanto,as indústrias apenas incorporaram os trabalhadores, que jávinham sendo assalariados no campo.

Podemos afirmar com Octávio Ianni(78):

Pouco a pouco, e ainda que de maneira bastantedesigual, os diversos mercados locais. regionais ouestaduais de força de trabalho adquirem novasarticulações. À medida que se desenvolve o capitalismona cidade e no campo, de forma intensiva e extensiva,tanto avança uma espécie de "homogeneização" no mercadode força de trabalho como avança a "unificação" dasclasses sociais em geral, inclusive o operariado urbanoe rural.Note-se, entretanto, que essa tendência, no sentido da"unificação" ou "homogeinização" do mercado de força detrabalho não eliminou a diversidade de condiçõespolíticas e econômicas de exploração da força detrabalho assalariadc no carnpo e na cidade, variandosegundo as condições prevalecentes em cada região doPais.

Um forte impacto vivido pela comunidade local com aemergência do Vale da Eletrônica foi a alteração nas

(78)IANNI, Octávio. A ditadura do grande capital. p. 97-98

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relações de poderanálise, pois aprocesso político,foi concomitante

local. É necessário ter- cuidado nestaindustrialização foi decorrência de uminiciado no final da década de 70, quecom a mudança, a nivel nacional, da

representação d02 partidos politicos no poder.

A oposição ao poder agrícola na cidade iniciou-se em 1976,com a vitória um prefeito do HDB. Embora, f oeeserr,

representados os interesses dos proprietários rurais tambémno governo deste partido, a abertura política pela qual foipassando o pais acabou por gerar uma composição no poder,que levou à participação de outros interesses. Foi assim quefoi sendo articulada uma corrente desenvolvimentista queacabou f-or gerar o processo de industrialização domunicípio.

o poder político sofreu um impacto com o Vale da Eletrônicana administração posterior à do prefeito em cuja gestãosurgiu o pólo, quando foi eleito para prefeito um candidatocuja plataforma política trazia promessas destinadas à

melhoria das condições de vida das classes trabalhadorasurbanas. Um professor da escola, em sua entrevista, atribuia vitória deste candidato à ação do setor rural. A suavitória se deu em detrimento à de um outro professor.

Entretanto, não foi identificada nas entrevistas com osrepresentantes do setor rural, o atendimento da prefeituraaos seus interesses, havendo mesmo uma insatisfação nestesentido. Avaliando as realizações da atual administração,-~ue se basearam na construção de casas populares na cidade,percebe-se que os interesses das indústrias foram muito maiscelebrados que os do setor- rural.

A e;.:plicaçac-para tal contradição está no fato de que ocandidato tinha como real compromisso, a realização de umgoverno popul ista, que através de obr-as assistenc ialistas,

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pudesse conter a possibilidade de qualquer manifestaçãopopular. Neste sentido, os dois setores acabam sendobeneficiados, embora não estejam diretamente representadosna administração municipal. De acordo com Pedro Jacobi, nãose pode interpretar o Estado apenas como a serviço da classedominante, pois muitas vezes cabe a ele solucionarcontradições geradas pela acumulação do capital. De acordocom o autor (79):

Em primeiro lugar, ao tratar do Estado capitalista,estamos nos referindo a uma dinâmica contraditória dasclasses sociais, expressa na aliança de frações declasse, cujos interesses conflitantes variam segundo ocorrt ext o. ...Assim, ,9. partir das transformações queocorrem no plano da intervenção estatal e dos processosde socialização da produção, surgem novas abordagensque começam a questionar o que foi denominado de umaconcepção "instrumentalista" do Estado, que o vê comoagente executor dos interesses da burguesia e docapital.Se é inegável que o Estado capitalista expressa osinteresses das classes hegem6nicas, não se pode negarque também se configura como condensação de uma relaçãode forças sociais, expressando portanto as contradiçõesdas classes.A dominação é contraditória, porque, se por um lado oEstado exclui as classes dominadas, em certos momentos,ante as necessidades geradas dentro do contexto daacumulação, as suas demandas são introduzidas nadinâmica do processo decisório da intervenção estatal.

Para a classe trabalhadora de Santa Rita do Sapucaí, que nãotem uma vivência de movimentos populares, que pudessem gerarmobilizações em torno de seus interesses, a possibilidadeapresentada por esta candidatura. acabou por representar aviabilidade de uma solução para a questão habitacional. Poroutro lado, o poder municipal teve como função considerar ascontradições geradas pelo novo caráter econômico da cidade,para as classes trabalhadoras.

(79)JACOBI, Pedro. Movimentos sociais e políticas pÚblicas.São Paulo, Cartez Editora, 1989, I.'.3-4.

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A avaliação do contexto político descrito, demonstra oprincipal impacto imposto à comunidade de Santa Rita doSapucaí com a implantação do Vale da Eletrónica, queconsiste na criação de contradições econômicas e sociais queafetam essencialmente a classe trabalhadora local.

Ao olharmos a nova configuração social de Santa Rita,percebemos que toda a incorporação de escolas, a introduçãode práticas capitalistas no campo ea industrializaçãolocal, nos moldes determinados pelo capital internacional,geraram ,alterações no município, sem entretanto romper com odominio dos proprietários rurais e com as condições depauperização da classe trabalhadora local.

Ainda, o fato de os industriais e os representantes dasescolas locais estarem envolvidos com a concepção de novastecnologias e com um paradigma social característico dospaíses desenvolvidos, sem absorver uma análise criticadestes conceitos, leva estes agentes a excluírem-se dacomunidade, o que permite uma atuação descomprometida com osocial.

Neste sentido, para os industriais locais é possívelconceber a automação de seus processos produtivos sempreocupar-se com a consequência que isto poderá trazer aosseus trabalhadores, principalmente tendo em vista, amodernização que I) setor rural pretende incorporar.

5 - COMUNIDADE MODERNA OU TRADICIONAL?

A caracterização da região de Santa Rita do Sapucai comoatrasada e de sua comunidade como tradicional tem origem navisão dualista da sociedade brasileira. Conforme já foiexposto anteriormente, esta dualidade não é concreta, ãmedida que é decorrente da composição de interesses das

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classes representadas no poder, que necessita garantir aosetor rural as condições essenciais ao desempenho de suasfunções no desenvolvimento econômico. Esta composição revelauma forte relação entre setores modernos e tradicionais,unidos na busca dó acumulação de caI-,ital.

Para avaliar se a comunidade de Santa Rita do Sapucaí, com G

advento de um pôlo tecnológico na década de 80 passou acaracteri=ar-se como moderna ou manteve seu tradicionalismo,é preciso ressaltar diversos aspectos deste processo.

A noção de tradicionalismo ou modernidade utilizada aqui,está relacionada com os conceitos da teoria da modernização,que atribui ao setor .r-ur-e l uma sociedade atrasada, e aoindustrial, uma moderna.

Para que seja possível compreender este trabalho é

necessário r-e aaa Itar que a noção do moderno vem carregada deuma visão, qUE: tem come, fundemerrt o a busca da modernizaçãodo país, nos moldes dos países avançados. Por outro lado, otradicional é identificado como um conjunto de aspectosculturais, sociais e econômicos, que limitam (;moderno.

De acordo com este paradigma, pode-se compreender asinúmeras observações cbletadas nas entrevistas com osagentes modernizantes em Santa Rita (industriais eprofessores da ETE e INATEL), nas quais se entendia acomunidade local como atrasada. Em todaE: estas observações,os parâmetros utilizados para tal classificação estãorelacionados ou com a oposição dos interesses dosproprietários rurais em relação aos empresários, decorrenteda utili=ação de mão-de-obra; ou com a falta de infra-estrutura existente na cidade. Faltam em Santa Rita,basicamente, saneamento de águas e esgotos, um fornecimentomais adequado de energia elétrica e, serviços e comércio

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capazes de oferecer os produtos característicos do consumode massa.

Estes são os principais pontos visualízados pelosentrevistados como ca~acterí8tico8 do tradicionalismo local.Alguns referem-se à concepção de mundo arcaícaprincipalmente dos proprietários rurais, que não participamdos mesmos padrões e valores que eles, mas este aspecto nãoé predominante, até por·~ue não há integração entre OE~ doisgrupos (comunidade e agentes modernizantes).

Portanto, o tradicionalismo local não está expresso em seusdepoimentos a partir de conceitos como educação, ausência depauperização, saúde ou até mesmo higiene. O atraso está naausência de serviços e não nas expressões culturais, que sãodeterminadas pelos proprietários rurais. Também, otradicionalismo não está expresso na observação, por partedos agentes modernizantes, das relações sociais de produçãoencontradas na sociedade local.

Do ponto de vista dos agentes modernizantes, o responsávelpelas carências locais é a comunidade. Entretanto, noBrasil, a responsabilidade por oferecer infra-estruturabásica aos centros urbanos sempre foi distribuída entre opoder local, estadual e federal.

Foram os propriet.::iriosrurais que detiveram o poder naprefeitura local, durante todo o século atual. Entretanto, ofederalismo fiscal nunca reservou aos municípios umaarrecadação suficiente para a construção de grandes obras,principalmente em cidades pequenas e de economia agrária. Aquestão do saneamento e luz tem sido atribuída ao governo doestado, e não ao poder local.

Do ponto de vista dos serviços e comércio, Santa Rita doSapucai não apresenta um mercado consumidor atraente para

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muitos investimentos, pois além de ter uma populaçãoreduzida, boa parte dela é composta por trabalhadores sempoder aquisitivo para consumo de supérfluos.

A resistenci.s.do setor rural, frente ao emprego de sua mão-de-obra pela indústria, por sua vez, consiste em umaconcorrência típica de uma sociedade capitalista, onde osmais variados setores buscam manter seus custos de produçãominimizados. O problema não é de tradicionalismo, pois adiminuição do exército industrial de reserva em uma região,para o setor produtivo urbano ou rural tem como consequênciaa valorização da mão-de-obra, que não interessa aosdetentores do capital.

o principal ponto do tradicionalismo está nas expressõesculturais, pelas quais os agentes modernizantes nãotransmitem uma preocupação tão central como a econômica. Sepor um lado o aspecto cultural incomoda, por não permitir aintegração na comunidade local da concepção de mundo dosetor moderno, por outro, esta característica do local foiessencial na viabilização da acumulação do cap í, talindustrial.

Ainda, à medida que as indústrias forem transmitindo aosseus funcionários os valores necessários à integração dotrabalhador ao processo produtivo e à acumulação do capital,haverá um processo de transformação nos valores locais,assim como ocorreu nos grandes centros urbanos industriais.

Porém, a análise das sociedades capitalistas demonstra queeste processo obrigatoriamente traz contradições sociais. Deacordo com MandeI (80):

(80H1ANDEL, ERNEST, A formação econÕmica do pensamento de~, Coimbra, Centelha. 1978, pg.75-76

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Pela sua e:·:ploração do mercado mundial, a burguesiaremodelou de forma cosmopolita a produção e o consumode todos os países. Com grande pesar dos reaccionários,ela submeteu o solo nacional aos desígnios daindústria (... )....Mas esta descrição ditirrunbica das realizações do modode produção capitalista apenas serve para sublinhar, demaneira ainda mais flagrante, as contradições que aomesmo tempo produz. Porque o capital não pode crescersem desenvolver ao mesmo tempo o proletariado. Aconcentração da riqueza social nas mãos de uma classesocial implica uma cc·ncentração de miséria na situaçãode uma outra classe social.

As contradições geradas pela implantação das indústrias nacidade, entretanto, diferentemente do que ocorre nos grandescentros urbanos, poderá ser controlada por muito mais tempo,pois a classe trabalhadora local já vem sendo oprimida pelocapi tal há anos, através da exploração do trabalhador docampo, mantida pela direção econômica dos proprietários deterras. Através da direção intelectual, estes proprietáriosminaram a possibilidade de reação da classe trabalhadora,que em Santa Rita do Sapucaí não tem tradição nenhuma demobilização.

Pelo exposto pode-se perceber que o tradicionalismo em SantaRita do Sapucaí, foi um fator benéfico para aindustrialização local, e não limitador, como acreditam asvisões correntes sobre o Brasil dual.

Por se tratar de um pólo tecnológico, as indústrias de SantaRita do Sapucaí necessitaram do impulso possibilitado pelobaixo custo da mão-de-obra, para sua viabilização.Caracterizadas como pequenas e médias empresas, estasindústrias não possuem um capital que possa arcar com umalto custo de mão-de-obra. Ainda, a necessidade deconstantes inovações em seus produtos impõe ã essas empresasum invest iment.o constante em pesquisa e desenvolvimento deprojetos, que é compensado pela minimização do custo da mão-de-obra.

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As empresas de Santa Rita do Sapucaí não são grandes devidoao fato de serem compostas por capital nacional de seusproprietários, que, na maioria, são engenheiros formados noINATEL que utilizaram empréstimos familiares, suas poupançase os incentivos do Estado para viabilizarem suas indústrias.A t.endêric í,e não é o crescimento das empresas, mas sim adesintegração vertical, entendida como a utilização deoutras indústrias como fornecedoras de matérias primas eserviços, que poderiam ser feitos por elas. Istc' já estáocorrendo em Santa Rita do Sapucaí, como por exemplo. nocaso de uma empresa que ofereceu a um de seus funcionáriosas condições para abrir umafornecer-lhe componentes.

indústria própria, para

Portanto, em Santa Rita do Sapucaí há um setor moderno, nosmoldes difundidos pelas políticas de Estado, que perseguemos padroes de países avançados. Este setor tem comoprincipais características o apoio do Estado no seudesenvolvimento e a utilização, em seu benefício, dotradicionalismo local. Com esta conclusão, não se estánegando que haverá transformações nos padrões e valoreslocais, mas a forma de acumulação do capital, nos termos emque o Brasil está passando a incentivar no setor detecnologia, está mais relacionada à manutenção de umaestrutura social, onde a concentração de renda e o acessoaos benefícios do crescimento econômico exclui a maior parteda população.

A previsão é de radicalização desta situação, pois com ocrescimento destas indústrias, a tendência à automação deseus processos produt ivos acabará por gerar no local umdesemprego tecnológico. A mão-de-obra que for excluída nesteprocesso. provavelmente não terá a possibilidade de retornoao campo, pois este está por' um lado. adotando a utilizaçãode tecnologia na produção, e por outro, utilizando cada vez

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mais uma mão-de-obra proletária, em especial, os bóias-frias. De acordo com Maria Conceição D"Incao (81):

A exp Ld ce.ç ão da opção do empresário rural, pela mão-de-obra "bóia-fria", deve então ser buscada no próJ;,riocompo rt.amerrt.e empresar ial, isto é, deve ser' entendidacomo o resultado de uma articulação racional de meios efins, baseada no cálculo do custo dos sistemas deexploração da força de trabalho, possiveis na região.

o setor tradicional, portanto. não tem tido uma integraçãocom o moderno, que facilite as mudanças de padrões e valoresculturais, o que apresenta-se benéfico aos seus interesses,já que podem manter o contro le inte lectual e moral dacomunidade local. Entretanto, esta situação começa a sertransformada com a própria visão empresarial que o campopassa a ter. Assim, a divisão dos grandes latifúndios locaisgerou uma desestruturação no setor, que já incorporam algunsagentes modernizantes em suas instituições, como é o caso dasociedade dos amigos de Santa Rita, que atualmente conta comdiversos professores do INATEL na sua composição.

o significado disto é que o setor moderno está passando aparticipar das ações assistencialistas locais, o queinteressa ao setor rural, já que as indústrias geraramproblemas para a sociedade local, de cuja solução. elasnecessitam participar. A questão é que a forma de solução édeterminada pelo próprio tradicional, isto é, não foramcriadas outras instituições ou mudanças nae. relaçõessociais, ao ponto de exigir que o setor moderno atuediferenciadamente, sendo a ação assistencialista suficiente,como sempre foi na cidade.

(81)Incao, Maria Ccnce í cãc de. C "BÓia-Fria": acumulação emiséria. p.119

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CONCWSA.O

Este trabalho propôs-se a analisar as implicações daimplantação de um pólo tecnológico em uma cidade de economiaagrária, como proposta de modernização da comunidade local,através do estudo do caso de Santa Rita do Sapucai - MG_

De acordo com a avaliação crítica da teoria da modernização,foi possivel perceber que no Brasil há uma visão dual daeconomia do país, que vem continuamente permeando aspoliticas püblicas do Estado. Esta visão atribui às regiõesatrasadas a limitação do crescimento econômico nacional, queé buscado nos moldes dos paises centrais.

Cum o adven1.u da (_!UllUurr·L:w,,:.iu.iuLL!L-nuu.iuu31euCre os paísescen+.r-a lF;, M t,p'cY)("j] ()g1M P13SP'(")1J M ocupar lugar de destaquenaquelas sociedades. Em diversas destas nações as ind~Rtpjasdestinadas ao desenvolvimento t ecnc Lóg í.co tem se concentradoem locais distantes dos antigos centros industriais, e ondeé possivel manter uma forte interação entre instituições deensino e pesquisa e empresas. Este processo tem contado comuma crescente participação do Estado e têm sido denominadosde pólos tecnológicos.

Com a introdução da tecnologia no Brasil, surge a propostade difundir os pólos tecnológicos como forma de capacitar oparque industrial brasileiro para a concorrênciainternacional. A opção de criação destes pólos em diversasregiões do país, tem sido anunciada como capa:: de gerar amodernização de regiões atrasadas.

Em Santa Rita do Sapucaí, foi possível observar que, aocontrário do discurso vigente, a instalação de um pólotecnológico na cidade não gerou uma modernização imediata. Oque ocorreu foi que as indústrias emergentes puderam

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aproveitar-se das condições de subordinação das classestrabalhadoras. Também foi verificado que o fato de osindustriais e os representantes das instituições de ensino epesquisa estarem envolvidos com outros centros urbanosdiretamente., e com o conte:-:tointer'nacional, indiretamente,dificulta uma integração com a comunidade local, e em últimainstáncia, retarda a difusão de conceitos modernizantes na.cidade.

A análise da realidade local possibilitou a constatação deque 08 proprietários rurais mantêm uma forte relação deinteresses com o setor industrial, à medida que ambos tem omesmo objet ivo final. que é a acumulação do capital. Paratanto, 08 dois setores utilizam-se da exploração da classetrabalhadora local, gerando um concentração de renda queacaba por imprimir aos operários uma situação depauperização.

A partir destas conclusões, pudemos comprovar a hipóteseprincipal deste trabalho que consiste em não considerarsuficiente para a mode r-ní.zação da comunidade de Santa Ritado Sapucai, a instalação de um pólo tecno16gico.

As outras hipóteses que basearam este trabalho também foramconfirmadas no desenvolvimento da análise da realidade deSanta Rita do Sapucai. A caracterização do parque industrialcomo um p610 tecnológico ficou evidente, à medida quedemonstramos a forte interação escola-empresa, aparticipação do Estado no pr'ocesso de industrialização e aprodução local de produtos baseados em tecnologiasavançadas.

A falta de integração entre a comunidade local já existentee os indust.riais, corpo discente e docente das escolas ficouclara, quando foi demonstrado que cada um destes grupos estáorganizado em torno de interesses determinados por agentes

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de outros centros urbanos, com os quais os dois gruposmantém relações, e os padrões e valores de cada umdificultam a integração.

Uma de e ra::ões disto, está na própria '.:-!if.'0tt::se de que osagentes sociais dos setores modernos ~ entendidos como U-ec>

ligados às indústrias e instituições de ensino e pesquisa,não eram originários de Santa Ritó do Sapucai, tendo na Suagrande maioria, vindo de outros centros urbanos. Isto tambémficou confirmado, à medida que foi demonstrado que osempresários locais, na sua maioria, foram estudantes daseeco Lae de Santa Rita do Sapucai, que vieram de diversasregiões do país.

Também pode ser comprovada a hipótese de que houve umamodernização no setor rural, a partir da década de 50, amedida que roi analisado o processo de introdução do capitalno campo, que teve como suas· consequências a criação demecanismos de defesa dos interesses dos proprietáriosrurais, como a cooperativa, por exemplo; a proletarização dotrabalhador do campo; e, o próprio desmantelamento doslatifúndios, que determinou um perfil mais empresarial aOE;pequenos proprietários rurais.

Conforme foi ressaltado, a presença de escolas tecnológicasde peso na área da eletrônica e telecomunicações atraiu osinvestimentos industriais da área no local, embora tenha seobservado que este não foi o único atrativo para talconcentração. Mesmo assim, foi um aspecto mui t.o importantena industrialização local, já que possibilitou &s empr-e eescontar com as escolas para inovações tecnológicas. ao mesmotempo que lhes forneceu mão-de-obra qualificada.

A última hipótese deste trabalho de que, desde o surgimentode Santa Rita do Sapucaí até os anos 80, os proprietários

• r-ur-a í e detiveram o controle político local, tendo este sido

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pulverizado através da é.tuação de pessoas interessadas aodesenvolvimento industrial no município, nesta década, foi

amplamente confirmada ao ressaltarmos a importância destadominação na criação das condições para a implantação doVale da Eletr6nica, e como o apoio do poder local foiessencial em sua viabilização.

Todas estas constataçêie.s sobre Santa Rita do Sapucaí, foram

possíveis a partir da compreensão da teoria da modernização,

que orientou a sociedade brasileira em suas determinações,

na busca do desenvolvimento econômico na área industrial eagrícola. As iniciativas de modernização tomadas em Santa

Rita do Sapucai foram decorrências dos diversos momerrt oseconômicos e políticos pelos quais passou

uma contradição na cidade cada vez maior,ações modernizantes foram sendo tomadas.

o país, criando.5. medida que áS

o paradigma internacional que permeou a criação do Vale daEletrônica, ao lado de um contexto social onde as relaçõesde produção e a direção inte lectual e moral da comunidadelocal mantinham-se nos moldes característicos de umaeconomia agrária, acabou por levar â 00nvivência no local,de ve Lor-es e concepções de mundo modernos e tradic ionais.

Com o desenvolvimento das políticas públicas do Estado nasmais diversas áreas, o setor rural acabou por incorporarrelações de produção e alguns valores modernos. Por outrolado, o setor industrial obteve no tradicionalismo, ascondições necessárias ao desenvolvimento de suas empresas,adotando relações de produção características das empresastradícionais.

Esta observação nos leva a concluir que a due Lí.dade rural-urbano ou tradicional-moderno não só carece de veracidade,uma ve z que um beneficia-se do outro para sua reprodução,como é falsa ao caracterizar uma sociedade de uma ou outra

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forma. ü que se pode concluir é que o tradicional no Brasilvem sendo as condições de vida de seus trabalhadores, quecada vez mais são oprimidos pelos interesses das classesdetentoras do capital. Por esta razão, é necessário repensarno Brasil a possibilidade de sua modernização, não atravésde experiências que foram positivas em países avançados,como os pólos tecnológicos, mas a partir de sua própriarealidade.

Com a difusão dos pólos tecnológicos para a modernização dasregiões atrasadas do país, o Brasil estará partindo mais umavez para um desenvolvimento econômico e eoo í aL, que ignoraas condições reais de sua sociedade. Assim, apesar' de já

haver uma grande contradição social com a de pauperização damaior parte da população brasileira, o Estado parte para um.modelo de crescimento econômico que,dá através das estruturas sociais

em primeiro lugar, seatuais, e em segundo

lugar, através de um investimento estatal.

Em relação à esta questão, a difusão dos :t:'ólostecnológicospoderá trazer três consequências graves para a sociedadenacional: a intensificação das precárias condições de vidados. trabalhadores das regic'es atrasadas, onde os pôloE;poderão localizar-se; o desvio da atenção do Estado dascontradições sociais e econômicas, através de investimentosdestinados à industrialização na área tecnológica; e odesmantelamento das instituições de ensino e pesquisa quenão se dedicarem ao setor empresarial, colocando a ciênciabrasileira à disposição do capital.

Para enfrentar as questõeE: econômicas e sociais que seapresentam para a sociedade brasileira, falta ao Estado umaatuação mais vol taàa para os interesses da maior· parte dapopulação, que deveria ser e:.:pressa em po lit icas públicascondizentes com a realidade brasileira, e não de acordo comos paradigmas internacionais e:.::clusivament.e.

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A necessidade de incorporar o pais ao contexto internacionalnão impõe o desenvolvimento nacional nas mesmas áreas que 08

países centrais. ~ possivel no Brasil desenvolvertecnologiás~uE: colaborem nÓ. soluç.s.o de seus problemasinternos e ao mesmo tempo capacite as indústrias nacionais àparticipação no mercado internacionó.l.

A exacerbação desta falta de atenção às condiç5es econ6micase sociais nacionais é expressa na atuação de empresários erepresentantes das escolas em Santa Rita. Não há para estes..agentes modernizantes" umatecnologia ':;tuedesenvolvem,vista cemo elemento neutro

visão critica dos impactos dapara a sociedade, pois essa ée benéfico para todo s , j á que

pode trazer à sociedade brasileira o crescimento econômico e

consequente melhoria da situação social. O fundamento destavisão está na própria concepção da modernização difundida noBrasil durante todo o seu processo de industrialização, e naformação recebida pelos empresários locais, que na maioriasão engenheiros formados na cidade.

Em um município de economia agrária, a visão da tecnologiacomo elemento neutro é ressaltada, à medida que suaindustrialização não esbarra na questão do desemprego geradopela utilização das máquinas. Para os agentes modernizantes,as indústrias trazem mais empregos, beneficiando a classetrabalhadora local. Entretanto, não há neste discurso apercepção de que o crescimento das indústrias trará tambémpara o processo produtivo a automação, que atualmente é maispresente nas áreas de pesquisa e desenvolvimento. Aconsequência deste processo será o desemprego.

Mas esta ameaça também não é ressaltada pelo fato de otrabal~ador vincular-se aos interesses do capital industrialrapidamente, uma vez que esti ver-em sempr'e sob a direçãointelectual e moral dos proprietários rurais, que excluiam

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as possibilidades de mobilização da classe trabalhadora.Ainda, o fato de o setor rural proporcionar um constanteexército industrial de reserva às indústrias, por si só jáconstitui uma ameaça ao trabalhador, que busca integrar-sede Iormaa garantir Ci seu emprego.

A conclusão à que esta análise leva é a de que no processode disseminação de pólos tecnológicos em regiões atrasadas,com o objetivo de desenvolvel~ um patamar tecnolôgico no paíse ao mesmo tempo, gerar a modernização destas regiões, aclasse trabalhadora acaba por ser a mais prejudicada. pois éatravés de sua exploração que as pequenas e médias empresascaracterísticas destes pólos aproveitam-se da possibilidadede minimização de seus custos com mão de obra, garantindo aacumulação do capital, através da inovação tecnológica.

o fato de os proprietários destas indústrias serem, namaioria, cientistas provenientes das instituições de ensinoque apoiam o desenvolvimento do pólo, imprime acaracterística de média e pequena emprE:sa do parqueindustrial local. Isto tem como consequência a utilizaçãode processos de produção baseado em uma mãe de obra barata,na fase de estruturação das indústrias. Mas o objetivo finalé a automação, cujas consequências recairão sobre a classetrabalhadora.

A mão de obra barata está, na maioria das vezes, localizadanas regiões mais atrasadas, onde os proprietários ruraismantiveram o caráter de super-exploraç,~o da classetrabalhadora, que não pode aproveitar as conquistas dostrabalhadores urbanos. Ainda, a proletarização dotrabalhador rural criou condições propícias suaintegração nas indústrias.

A partir disto, não émodernização decorrente

possível cons Lde r-e r h"..a umadeste tipo de desenvolvimento

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industr'ial, j á que as novas indústrias têm no própriotradicionalismo as condições necessárias para suaviabilização. Se há alguma alteração na comunidade, esta sedá no seio da classe dominante e não entre os trabalhadores,':juecompoem a maior f'arteda população local.

~ portant.onecessário refle:tirpara onde:o Brasil caminharána difusão destas políticas, cuja consequência é acirrar

decorrentes da ac;umulação de-ainda mais as contradiçõescapital. Este trabalho podediscussão da modernização dodivulgada nesta década, quando

trazer um novopaís, que vem

patamarsendo

natão

surge uma visão liberal quedesconsidera os problemas vivenciados pela classe dominada.

regressão dotrabalhador

A experiência de Santa Rita do Sapucaí (MG) indica oacirramento da pauperização da classe trabalhadora e uma

capital industrial, que passa a buscar umque não tenha a tradição de lutar por seus

interesses.

A partir destas conclusões, outras pesquisas podem serrealizadas com o intuito de responder à questões como: qualserá o destino dos trabalhadores de empresas de tecnologiaavançada em pólos tecnológicos no Brasil, quando estaspassarem a, de fato, adotar a fle;dbilidade; qual o tipo deinserção no mercado internacional que estas empresas terão,utilizando uma mão de obra barata e desqualificada e,principalmente,permitirão ao

quais serão as políticas de Estado quepaís um desenvolvimento, que leve ao

atendimento das carências das classes trabalhadoras, frenteà nova divisão internacional do trabalho.

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29) KAWAMURA, Lili Katsuco. Engenheiro; trabalhoideologia. 2.ed., São Paulo, Ática, 1981 e

30) . Tecnologia e política na sociedade. Engenheiros.reivindicacões e poder. São Paulo, EditoraBrasiliense, 1986.

31) . Novas tecnologias e educacão. Editora ática, SãoPaulo, 1990.32) LACAVA, Ulisses. Um '-~alefértil de

Brasileira de Tecnologia, vol. 19, n. idéias. Revista7, ~iulho1988.

33) LAMBERT, Jacques. Os dois Brasis. São Paulo, CompanhiaEditora Nacional, 1986, 13. edição.

34) LIMA, João Heraldo. Café e IndÚstria em Hinas Gerais.1870-1920. Petrópolis, Ed. Vozes, 1981.

35) LIPIETZ, Alain. O capital e seu espaco. Editora Nobel,São Paulo, 1988.

36) LIPIETZ, Alain, e D. Lebor-gns , O pós-fordismo e seuespaço. Espaço e Debates, Revista de EstudosRegionais e Urbanos, n. 25.

37) MANDEL, Ernest. A formacão econr.miça do ~'ensamento deMaz:x. Coimbra, Centelha, 1978.38) MANTEGA, Guido. A economia política brasileira. São

Paulo, Editoras Polis-Vozes, 1984.39) MARCOVITCH, .Jacques. Parques tecnológicos e o

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40) MARTINS, José de Souza. C.a~italismo e.tradiçi~~:;t:~:estudos sobre as çonLradlcoes da socledade a__~ oBrasil. São Paulo, Pioneira, 1975.

41) . ExpropriaCão & violência: a questão politica nocampo. 2. ed., Ed. Hucitec, São Paulo, 1992.

42) MARX, Karl. O Capital. Crítica da Economia Política.Livro 1, Volume l, São Paulo, Editora Bertrand Brasil- DIFEL, 1987, 11. ediçao.

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43) . O salário. o preco e Q lucro. Lisboa, EditorialEstampa, 1975.

44) MAYER, Arno J. A forca da tradicão; a persistência doAntigo Regime. 1848-1914. São Paulo, Companhia dasLetras, 1987.

45) MEDEIROS, José Adelino de e PERILO, Sérgio Alves.Implantação e consolidação de um pólo tecnológico: ocaso de São José dos Campos. E.AE, volume 30, n. 2,Abr-Jun 1990.

46) MEDEIROS, José Adelino et alii. Pólos tecnológicos enú:::;leosde inovação: lições do caso brasileiro. RAUSP,Publicação trimestral do Instituto de Administração daFEA-USP, vol. 25 (4), out/dez/90.

47) NUSSENZVEIG, H. Moysés. ° governo federal liquida aciência. Folha de São Paulo, 13 de abril de 1992.

48) OLIVEIEA, Francisco de. A economia brasileira: crítica àrazão dualista. São Paulo, Editora Brasiliente, 1977,3. edição.

49) . Além da Transição, Aquém da Imaginação. NoyosEstudos Cebrap, n. 12, junho/85. pg.2-15.

50) PINTO, Ana Maria Rezende. ° Mundo caPitaliâ!a :: ~stransformaçOes do Fordismo: a Reabilitacão E co aClássica na Era das Máquinas Inteligen~ São Paulo,1991. (Tese Doutorado Pontifícia UniversidadeCatólica de São Paulo - Filosofia da Educação).

51) PIQUET, Rosélia e RIBEIRO, Ana Clara Torres (org.).Brasil: territÓrio da desigualdade: DeSCaminhos daModernização. Rio de Janeiro, Jorge Zahar Ed., 1991.

52) PORTELLI, Hugues. Gramsci e o Bloco Histórico. Rio deJaneiro, Paz e Terra, 1977

53) QUEIROZ, Maria Isaura Pereira de. Cultura. socj eàadF!rual. sociedade urbana no Brasjl: Ensaios. Rio deJaneiro, Livros Técnicos e Cientificas, São Paulo, Ed.Universidade de São Paulo, 1978.

54) RATTNER, Herir-Lque . Planejamento urbano e regional. SãoPaulo, Companhia Editora Nacional, 1974.

55) . Informática e Sociedade . Editora Brasiliense,~-;;liJ PolJ 1", ~::.jRfi.

be) . Pnl ;t-,;("~M Tr,dustrial projeto social. São Paulo,Editora Brasiliense, 1988.

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58) et alii, RelaçOes universidade.:....empresa nodesenvolvimento tecnológico nacional, Relat6r~~ gePesQuisa do NÚcleo de Pesguisa e PublicacOes d; __ES_~~, São Paulo, 1982.

59) ROSTOW, Walt Whitman. Etapas do desenvolvimentode Janeiro, Zahar Editores, 1978, e..econÔmico. Rio

edição.60) SANDRONI, Paulo (org.). Constituinte. Economia e

Política da Noya RepÚblica. São Paulo, Cortez e EDUC,1986.

61) SeOTT, A.J.. Flexible production systems and regionaldevelopment the rise of new industrial spaces in NorthAmerica and Western Europe. International Journal nfUrban and Regional Research, vol. 12, London, jun1988.

62) e STORPER, Michael. Indústria de alta tecnologiae desenvolvimento regional: uma crítica e reconstruçãoteórica. Espaco e Debates, n. 25, p. 30-44

63) SINGER, Paul. A crise do milagre. Rio de Janeiro,Editora Paz e Terra, 1976

64) Economia J;\O 1ítica dó. urbanizac.3.o.São Paulo,Editora Brasiliense, 1980, 7. edição

65) o dia da lagarta.Brasiliense, 1987. São Paulo, Editora

66) SODR~, Nelson Werneck. Formacão HistÓrica do Brasil. Riode Janeiro, Civilização Brasileira, 1979, 10.edição.

67) STACONNE, Giuseppe.Hegemonia, São Paulo, Gramsci: Bloco HistÓrico e

Centro Pastoral Vergueiro, 1987.68) SUZIGAN, Wilson. Reestruturac.3.o indup:triaJ e

competitiyidade nos países avançados e nos NICsAsiáticos. LiçOes para o Brasil. Coleção EconomiaPaulista, Fundação SEADE, vol. 02, Abril 1989.

69) TATSUKO, Sheridan. The technopolis strategy.hall Press, New York, 1986. Prentice~

I

70) VELLOSO, João Paulo dos Reis (coordenador). FÓrumNacional - Idéias para a modernização do Brasil; Anova estratégia industrial. Rio de Janeiro, JoséOlympio, 1990.

16:

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71) WOOD., Stephen.e b ~ i eoh labour process de ate., m m .japanization of t e _Th iapanization of fordism or the

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ANEXO IRelação de documentos e artigos.

Associacão Industrial de Santa Rita do Sapucai. Relação deEmpresas do Vale da Eletrônica.

CEDETEC-INATEL, Catálogo d.e Cursos de Especialização eAperfeiçoamento Pr-of í.ee í ona L, 1986, 1989, 1990, 1991 e1992

Cooperativa Regional Agro-Pecuária de Santa Rita do Sapucaí~. Relações de: Número de associados ativos, Entradasde Leite na Cooperativa, Entradas de café na Cooperativa,18/10/1991.

!.<C:.J.o~ol.J:p~ei<.<r"-"ó.Oii!o...Io<t.•i~·v...>;ó.•.......~P•...•.,~e-=g...•i'""'ou.n.•..•.a.•...I~ ......•..A""'g~r....•-o.•...pa:::.e•..=.•••c ..•.•u""á•..•r~i...".ó.. Bo 1etim do Criado r .Informativo mensal Santa Rita do Sapucaí, n. 305, ano25, out/91

Faculdade de Administracão e Informática. Programa do Cursode Administraçãü~ 1991.

Faculdade de Administracão e Informática. Programa do CursoSuperior de Tecnologia em Processamento de Dados. 1991.

GAZETA MERCANTIL. Pólos de tecnologia - o exemplo de SantaRita do Sapucaí. Relatório da Gazeta Mercantil, 22/04/88

INATEL, Ajudando o Brasil a E~e comunicar, Catálogo doInstituto

INATEL. Ementário das Disciplinas do Curso de EngenhariaElétrica (~nfase em Eletrônica e Telecomunicações).

INATEL. Programa do Curso de Engenharia de Operação emTelecomunicações, 1965, 1972 e 1975.

INATEL. Programa do Curso de Engenharia Elétrica - opçãoEletrônica, 1972 e 1975

INATEL. ProgramaGraduação em1975.

para a Complementação de Estudos paraEngenharia Elétrica Opção Eletrônica,

Jornal O Vale da EletrÔnica, Santa Rita do Sapucai, n. 174,ano XVIII, set/out/89, publicação mensal

Hunicipios Mineiros - Santa Rita do Sapucaí, Ano XCIV - BeloHorizonte, 6 de junho de 1986, u. 10~.

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o Correic, de Santa Rita do Sapucai. Edição Especial da Fee'tade Santa Rita de Cássia. E assim surgiu a nossa cidade.Maio/88.

Prefeitura Municipal de Santa Rita do Sa~.ucai. DepaY'ta~ndí)de Relacões pÚblicas, Turismo, Esportes e CuU;;O: aPrefeitura. Santa Rita do Sapucai - Vale da Eletrônica _DADOSBÁSICOSE OBJETIVOS, 1987.

Prefeitura Municipal de Santa Rita do Sapucai. InformativoMunicipal. Depto. de Desenvolvimento Urbano e daHabitação, 1986, 1987 e 1989.

Revista Pequenas Empresas Grandes Negócios. Um pÓlo com ospés na terra. Ed. Globo, maio/1990, p. 22-31.

Roteiro de Minas. Santa Rita do Sapucaí, Polo de Educação eCultura.

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